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A P R E N D E R Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação

APRENDER - Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação

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A P R E N D E RCaderno de Filosofia

e Psicologia da Educação

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Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

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Aprender – Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação. Ano 3, n. 5, jun./ dez. 2005. Vitória da Conquista: Edições Uesb, 2006.Semestral.ISSN 1678-78461. Filosofia – Periódicos. 2. Psicologia. I. Universidade Estadual do Sudo-este da Bahia. II. Título.

Catalogação na publicação: Biblioteca Central da Uesb

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Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

A P R E N D E RCaderno de Filosofia

e Psicologia da Educação

ISSN 1678-7846

APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano III n. 5 p. 3-188 2005

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APRENDER – Caderno de Filosofia e Psicologia da EducaçãoCaderno do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da

Universidade Estadual do Sudoeste da BahiaAno III - n. 5, jul./dez. 2005

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Profª Ms. Rosane Lopes Araújo Magalhães - UescProf. Dr. Silvio Gallo - Unicamp

Profª Drª Tania Beatriz Iwasko Marques - UFRGSProf. Dr. Walter Matias Lima - Ufal

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SUMÁRIO

Introdução .............................................................................................. 7-12

Educação e Complexidade: conceitos e paradigmas

Educar para a complexidade: o que ensinar, o que aprenderMaria da Conceição Xavier de Almeida ................................................. 15-29

Contribuições para uma pedagogia e práxis pedagógica na perspectivado paradigma da complexidade: um olhar epistemológicoCelso José Martinazzo ............................................................................. 31-48

Complexidade: teoria e prática interdisciplinarVirgínia Maria Fontes Gonçalves ........................................................... 49-75

O caráter formador do pensamento complexo: suas implicaçõeséticas e a produção de novas subjetividades

Por uma pedagogia complexa: a reforma do sujeito cognoscenteRita de Cássia Ribeiro .......................................................................... 79-100

Subjetividades e políticas de civilizaçãoEdgard de Assis Carvalho .................................................................. 101-115

Complexidade, música e formação para a vidaSilmara Lídia Marton ....................................................................... 117-134

NÚMERO ESPECIALEducação e Complexidade

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Educação, complexidade e pesquisa

Pesquisa em educação e as implicações éticas específicas desseconhecimentoEder Alonso Castro ............................................................................ 137-154

Os (des)caminhos do método: uma nova reflexão sobre a finalidadedos meiosJuremir Machado da Silva .................................................................. 155-163

O pensamento complexo e as implicações da transdisciplinaridade paraa práxis pedagógicaAna Lina Cherobini e Celso José Martinazzo .................................... 165-182

Normas para apresentação de trabalhos ................................... 183-186

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NÚMERO ESPECIALEducação e Complexidade

INTRODUÇÃO

O que é educação? Em que consiste educar/educar-se? Quemé o(a) educador(a)? A “simples” tentativa de responder a essas questõesvem, ao longo da história, exigindo gigantescos esforços de indivíduos,culturas, civilizações. De fato, a educação (sua essência, seus métodos,suas formas, suas finalidades) constitui-se em desafio permanente nahistória da humanidade. Desde há muito tempo, nós buscamos aconstrução de uma imensa “Paidéia” que, respondendo aos nossosmais genuínos anseios e sonhos nos aproxime de nossa própriarealização/felicidade.

No longo itinerário percorrido pelo homo sapiens-demens, muitastêm sido as formas de compreensão do fenômeno educacional e deseus objetivos: transmissão de conhecimentos, troca de experiências,infusão de idéias, aprendizagem de conceitos, abstração da realidade,assimilação de conteúdos, apreensão de dados e fatos, adequação damente aos objetos exteriores, correto direcionamento das percepçõessensoriais, interiorização de valores, controle das emoções pelo intelecto,objetivação das experiências subjetivas, moralização das consciências,modo especial de socialização e preparação para a vivência da cidadania,pensamento esclarecido, construção da personalidade, crítica da tradição,etc. Todas essas concepções de educação tiveram e continuam tendo

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sua importância e seu lugar no interior das culturas que as produziram,não obstante suas limitações.

Entretanto, a cultura moderna, ancorada no “grande paradigmado Ocidente”, de inspiração cartesiana, está na origem de umaconcepção bastante limitada do conhecimento e, conseqüentemente,de uma visão extremamente reducionista de educação. Nesta, promove-se nítida dissociação entre sujeito e objeto, entre homem e natureza,entre filosofia e ciência, entre ciência e arte, entre espírito e matéria,entre sentimento e razão, entre qualidade e quantidade, entre ser eessência, entre liberdade e determinismo, entre escola e sociedade.Pensada dessa forma, a educação abdica de sua dimensão integral eperde-se na busca de fragmentos isolados; elege o especialista comoprotótipo “do que sabe”, embora mergulhado numahiperespecialização estéril; distancia o conhecimento acadêmico dossaberes da tradição, recusando o necessário referencial da experiênciacultural; submete-se à prepotência da tecnocracia, secundarizando osfundamentos humanísticos de toda e qualquer ciência legítima. Destemodo, o paradigma da disjunção, da disciplinarização e dasimplificação, quando aplicado à educação degenera seu sentido maispleno. Ao separar aquilo que só se compreende em conjunto (a realidadee o conhecimento desta) afasta-se a possibilidade de uma educaçãointegral do ser humano.

Entretanto, nestes últimos anos, com a crescente consciência deque a realidade/o mundo/a sociedade/a vida são inerentementecomplexos, tem se tornado cada vez mais perceptível a insuficiênciado paradigma cartesiano da simplificação/redução/disjunção (já velho,embora ainda dominante) no enfrentamento dos problemas atuais,cada vez mais complexos. Assim, começam a tomar corpo idéias-práticas que buscam religar as diferentes áreas do conhecimento, quepromovem o abraço dos saberes, que constroem experiênciasmultidisciplinares e que buscam diminuir as distâncias entre teoria eprática. Aos poucos, também estamos vendo ampliar-se a percepçãoda complexidade inerente à educação, este permanente processo de

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9Introdução

humanização dos indivíduos e das culturas que envolve todas asdimensões do existir-humano-no-mundo, em suas múltiplas formas.

Os dias atuais são experimentados como tempo de crise. Istosignifica dizer que tudo está em ebulição. O sólido dissolve-se no ar,crescem as incertezas e, juntamente com elas, as angústias. À medida quesuportamos com maior dificuldade os problemas de nosso tempo, maissentimos necessidade de novos caminhos, novas abordagens do real.

Por isso, é vital a emergência e a promoção de um pensarcomplexo, tal como proposto e praticado por Edgar Morin, “artíficee construtor” do método complexo que, quando aplicado à educação,permite-nos e exige-nos: a) perceber e assumir o erro e a ilusão comoinerentes ao conhecimento humano; b) descobrir a relação entre aspartes e o todo e o valor do contexto na experiência do conhecimento;c) aprender e ensinar a condição humana, isto é, a unidade e a diversidade(unitas multiplex) que constitui todo ser humano; d) aprender e ensinar aidentidade terrena, pois todos partilham um destino comum e, portanto,a solidariedade deve se tornar marca comum entre os humanos quehabitam a Terra-Pátria; e) assumir as incertezas como parte da vida edo conhecimento humanos, buscando construir estratégias deenfrentamento destas; f) aprender e ensinar a compreensão comoformas de superação do racismo, da xenofobia e dos desprezos; g)aprender e ensinar a ética do gênero humano (“antropo-ética”), queconsiste em assumir o caráter ternário da condição humana (indivíduo/sociedade/espécie) por meio do controle mútuo entre a sociedade eos indivíduos, pela democracia e concebendo a Humanidade comocomunidade planetária.

Desse modo, a Rede de Estudos da Complexidade (Recom/Uesb) louva a iniciativa do APRENDER que, em sintonia com asnovas emergências teórico-práticas no campo da Educação e com ointuito de contribuir no aprofundamento de reflexões comprometidascom a promoção e a construção de experiências pedagógicas cadavez mais humanizadas e humanizantes, dedica este número especial aotema Educação e Complexidade. Os artigos aqui contidos defendem

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uma postura que visa à superação das dicotomias sujeito-objeto,homem-mundo, mente-corpo, racionalidade-afetividade... tãocaracterísticas do paradigma ocidental cartesiano e discutem a instauraçãode um modelo de racionalidade e de educação mais aberto e sempretensões epistemológicas totalizantes.

Em Educar para a complexidade: o que ensinar, o queaprender, Maria da Conceição de Almeida, partindo da afirmação deque a ciência não representa a totalidade do conhecimento e que,portanto, o conhecimento não pode reduzir-se aos resultados daspesquisas científicas, preconiza uma educação para a complexidadecujo ideário seja capacitar os cidadãos para conviverem com a incertezae a tirar bom proveito dela, além de transformar a sala de aula emlugar para discutir e experimentar, também, os valores éticos daresponsabilidade com a vida, com a amizade, com a justiça e com afelicidade humana.

Celso José Martinazzo, em Contribuições para uma pedagogiae práxis pedagógica na perspectiva do paradigma dacomplexidade: um olhar epistemológico, apresenta o paradigmada complexidade como fomentador de uma nova pedagogia capazde desenvolver nos educandos competências cognitivasmultidimensionais que contextualizem, articulem e religuem adiversidade dos conhecimentos humanos.

O texto Complexidade: teoria e prática interdisciplinar, deVirgínia Maria Fontes Gonçalves, discute uma visão interdisciplinar dacomplexidade, ancorada em diversas áreas de conhecimento,enfatizando pontos convergentes e divergentes entre três linhas depesquisa em complexidade (a algorítmica, a determinística e aagregativa), bem como estabelece um vínculo entre educação ecomplexidade a partir da linha de pesquisa em complexidade agregativa.

O artigo Por uma pedagogia complexa: a reforma do sujeitocognoscente, de Rita de Cássia Ribeiro, parte do método complexode Edgar Morin e do sistema de criação de valores de TsunessaburoMakiguchi para propor a construção de uma pedagogia complexa,

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11Introdução

capaz de superar a velha epistemologia e reformar o sujeito cognoscentepor meio da conjugação dos saberes da tradição, da ciência, da arte eda filosofia.

Edgard de Assis Carvalho, em Subjetividades e políticas decivilização, reflete acerca da idéia de subjetividade na dinâmica cultural.Além de delinear as bases cognitivas e biopolíticas da sociedadeplanetária dos dias atuais, o autor propõe uma ética adequada a futuroscada vez mais incertos.

Silmara Lídia Marton, no texto Complexidade, música eformação para a vida, enfatiza a importância da música comooperador metafórico primordial para a formação humana, mostrandoa presença das vivências musicais nas experiências subjetivas e nas obrasde Edgar Morin, de Werner Heisenberg e de Ilya Prigogine.

No artigo Pesquisa em educação e as implicações éticasespecíficas desse conhecimento, Eder Alonso Castro, atento àsprofundas mudanças pelas quais tem passado a pesquisa em educaçãonos últimos tempos, aponta a metodologia formativo-emancipatória(comprometida com o campo e os sujeitos envolvidos no processoeducacional) como uma alternativa ética às metodologias que,baseando-se na hierarquização do conhecimento, assumem posturasprepotentes frente aos saberes distintos dos “oficialmente” científicos.

O texto Os (des)caminhos do método: uma nova reflexãosobre a finalidade dos meios, de Juremir Machado da Silva,preconiza uma aventura intelectual polissêmica, plurimetodológica,inventiva e elaborada na caminhada de cada pesquisa, relativizando ametodologia, desconfiando do princípio de autoridade e assumindoa constante possibilidade de alteração do inicialmente proposto comocondição inerente ao método aberto, que se entende como estratégiae não como programa.

No artigo O pensamento complexo e as implicações datransdisciplinaridade para a práxis pedagógica, Ana Lina Cherobinie Celso José Martinazzo, baseados em pressupostos do pensamentode Edgar Morin, apresentam forte crítica aos limites do paradigma

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cartesiano moderno e de suas influências em dominantes práticaspedagógicas da atualidade, apontando o pensamento complexo e atransdisciplinaridade como formas de superação da fragmentação dossaberes, da simplificação da produção do conhecimento e dahiperespecialização.

Rede de Estudos da Complexidade (Recom)Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb)

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Educação e Complexidade:conceitos e paradigmas

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EDUCAR PARA A COMPLEXIDADE:O QUE ENSINAR, O QUE APRENDER

Maria da Conceição Xavier de Almeida*

Resumo: O artigo discute o inadiável diálogo entre ciência e outrosconhecimentos do mundo. Problematiza a educação formal que,predominantemente ancorada na fragmentação disciplinar e nasuperespecialização da ciência, se descuida da formação de cidadãos para a vida.O descompasso entre o avanço tecnológico e as ciências humanas repercute,irremediavelmente, na incomunicabilidade entre distintas áreas do conhecimentoe na sua incapacidade para religar o tema e seu contexto, seu entorno. Todoconhecimento implica multiplicidade de experiências e saberes: isso constitui oprocesso vital de todo sujeito. Religar a diversidade dos saberes, e compartilhá-los é a principal proposta de uma educação para a complexidade. O exercício dopensamento complexo se apresenta como aposta ética, epistemológica e umaestratégia cognitiva para compreender a complexidade dos fenômenos domundo.

Palavras-chave: Ciência. Conhecimento. Diversidade. Complexidade.

* Doutora em Ciências Sociais (Antropologia), pela PUC-SP. Professora do Departamentode Educação e dos Programas de Pós-Graduação em Educação e em Ciências Sociais daUniversidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected] - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano III n. 5 p. 15-29 2005

NÚMERO ESPECIALEducação e Complexidade

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Sabemos bem que a universidade, a escola de ensino fundamentale médio e as demais instituições educacionais formais têm papeldecisivo na nossa sociedade. Foi a esses lugares que as chamadassociedades modernas delegaram a missão de ensinar as regras da vidaem comum, de cultivar o gosto pelo saber, de transformar a curiosidadeem investigação científica, de produzir conhecimento, de partilhar docapital de saberes acumulados, de formar cidadãos para viverem oseu tempo e projetarem o futuro.

Foi-se o tempo que as profissões eram aprendidas na pacientearte da imitação, no convívio diário com os mestres das oficinas davida. Num passado distante, que nos antecede em alguns séculos, opadrão de transmissão dos conhecimentos acumulados, o ensinamentodos valores a serem cultivados e a aprendizagem de um ofício seencontravam distribuídos em vários espaços da sociedade. A família,as pessoas mais velhas que eram reverenciadas como sábios, osespecialistas na cura das doenças, e, depois, os mosteiros, os mestresque ensinavam a ler, a escrever e a contar, os mestres de obra, osferreiros, os sapateiros, os alfaiates e os pajés – todos esses lugares epersonagens podem ser considerados precursores da experimentação,vivência e transmissão da cultura.

Hoje, mesmo que grande parte da população do planeta semantenha nos domínios dos saberes da tradição, a educação formal seconsolidou como um padrão oficial e se tornou um paradigma doqual é quase impossível escapar. Se não se tem um diploma de umainstituição de ensino credenciada, não se pode ser médico, arquiteto,advogado, gari ou professor. No Brasil, até os políticos, atualmente,passam por uma prova de alfabetização para terem homologadas suascandidaturas.

Assim, se é importante que pensemos, proponhamos eexercitemos um diálogo entre ciência e tradição, é também crucialperguntar e responder sobre o papel da escola e da universidade diantede um mundo cujo crescimento exponencial se faz de mãos dadascom a exclusão social, com fundamentalismos de toda ordem, barbáries,

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17Educar para a complexidade: o que ensinar, o que aprender

crueldades, violência e o fantasma da solidão coletiva que, de umaforma ou de outra, nos acomete a todos.

Perguntar e responder sobre o nosso papel de educadores eaprendizes é uma tarefa inadiável. Se estamos no coração do sistemaeducacional – seja como alunos, seja como professores – é desse lugarque devemos refletir sobre como aprender e educar para acomplexidade do mundo e para a incerteza, que constituem, juntos, amarca do nosso tempo. Nossa tarefa é, pois, intransferível. Ninguémpoderá desempenhá-la por nós, nem em nosso lugar. Cabe-nos avaliarcomo as instituições educacionais têm desempenhado sua missão deeducar o cidadão para a vida.

Comecemos por lembrar que nas escolas e universidades étransmitido um conjunto de saberes acumulados pelas sociedades quenos antecederam. Assim nos são transmitidas as descobertas científicasque vão transformando a nossa história ao longo dos séculos; asubstituição de uma interpretação do mundo por outra; os avanços dopensamento e as soluções para os problemas novos. Tudo isso se constituina matéria-prima do que nos foi transmitido nas salas de aula e continuaa ser a linguagem comum da qual partimos para desempenhar nossopapel de professor. Sócrates, Platão, Newton, Einstein, Marx, VictorHugo, Rousseau, Hobbes, Vigotski e Freinet são alguns dos nomes quenos foram apresentados e, a partir dos quais, consolidamos saberes queguardamos conosco e partilhamos com os outros. É, pois, dos saberesque já construímos que nos valemos. É deles que lançamos mão paracompreender e responder aos problemas com os quais nos defrontamosa cada momento da vida – seja na escola, no trabalho, na vida em grupo,na família, nas reflexões solitárias, na rua, na prática política, enfim, nopermanente desafio de compreender porque as coisas são como são,como devemos agir, que decisão tomar.

Se é assim, se o que incorporamos como conhecimento constróinossa maneira de viver e compreender, e se é sobretudo disso quedispomos para agir no mundo, é incontestável o papel da escola e dauniversidade nas sociedades contemporâneas.

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Entretanto, é necessário ter consciência de que o conhecimentoconstruído, partilhado e transmitido pelas instituições de ensino se reduz,em grande parte, ao conhecimento científico. Aqui chamo a atençãopara um ponto importante: é necessário distinguir ciência econhecimento. A ciência é uma forma particular de conhecimento. Elanasce no século XVII, com a designação de “ciência moderna” e surge,justamente, quando se separa de outras formas de compreender omundo, como o mito, a arte, a filosofia e a religião. Por sua vez, oconhecimento é o conjunto que abriga “competência” (aptidão paraconhecer), “atividade cognitiva” (pensamento) e “saberes” construídospelas sociedades humanas ao longo de sua trajetória como espécie.Dessa perspectiva, a cultura é uma metáfora do conhecimento, é oproduto mais acabado da construção humana. Cada um de nós é,então, um fragmento que contém todas as aprendizagens que se foramconsolidando na história do sapiens-demens. Para Edgar Morin, oconhecimento é um fenômeno multidimensional, simultaneamentefísico, biológico, cerebral, mental, psicológico, cultural, social.

A ciência não representa, portanto, a totalidade do conhecimento.O conhecimento não se reduz à ciência. Além dos conhecimentosteóricos e técnicos veiculados pelas escolas e universidades, asexperiências felizes ou traumáticas no interior da família, o convíviosocial, as dores da alma, a obra de arte, o romance, o cinema, as viagense os acontecimentos inesperados são igualmente formas importantesde conhecimento.

Essa maneira de dizer as coisas, longe de oferecer uma visãopessimista do papel da educação formal, nos convida a pensar numaeducação para a complexidade, para a religação dos saberes e ocompartilhamento de experiências.

Educar para a complexidade é capacitar o cidadão para convivercom a incerteza e tirar bom proveito dela; é fazer da sala de aula umlugar para discutir e experimentar, também, os valores éticos daresponsabilidade com a vida, com a amizade, com a justiça e com afelicidade humana.

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19Educar para a complexidade: o que ensinar, o que aprender

Para que seja possível projetar e fazer acontecer esse ideário deeducação, proponho que reflitamos sobre alguns cenários do nossotempo. Da lucidez, compreensão crítica e coragem em mudar essescenários dependem o presente e o futuro da educação.

Tempos de incerteza

Vivemos hoje tempos de incerteza. Sabemos que a ciência estáimersa num grande paradoxo multiplicador. Ao lado do seu fantásticoprogresso, há também a superespecialização disciplinar que torna ossaberes incomunicáveis entre as distintas áreas do conhecimento. Cadaum de nós sabe muito bem sobre um tema, um fenômeno e umaforma de fazer, mas desconhece o entorno no qual está inserido e doqual depende o tema, o fenômeno, a prática. Ao lado dos aspectosbenéficos das descobertas científicas, que propiciam a cura das doençase as soluções econômicas, políticas e ecológicas, há também seusaspectos nocivos e mortíferos, provenientes do manuseio distorcidodaquelas descobertas – e temos, por exemplo, o extermínio depopulações humanas, o comprometimento da biodiversidade doplaneta e a consolidação de uma prática social descomprometida coma preservação do patrimônio cultural da humanidade. Ao lado daconquista de novos mundos, novas técnicas, novos conhecimentos eda produção de novos materiais, há também a apologia do novo e adispensa e desclassificação dos saberes milenares da tradição.“Substituir” é o verbo que conjugamos no lugar de renovar, atualizar,ampliar. Ao lado da laboriosa imaginação criativa dos cientistas, hátambém a gestação de um poder supra e intra científico que transformasementes de vida em ferramentas de morte.

Padecemos hoje da síndrome do descartável. Tudo é disposable.Das embalagens de refrigerantes aos fugazes encontros amorosos, tudoé usado e jogado fora em seguida. O número de nossos amigosincondicionais (amigos de copo e de cruz) se restringe, às vezes, aonúmero de dedos de uma de nossas mãos. Sem raízes mais profundas,somos facilmente arrancados do solo de uma história passada, que vai

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perdendo sentido, que não nos diz mais quase nada. As ruas de nossascidades estão povoadas por crianças sem história, por homens emulheres sem pertencimentos, desprovidos do sentido de futuro,descolados de qualquer território, com projetos reduzidos a sobrevivera cada dia.

Um “mal-estar da civilização” anunciado por Freud em 1930, etão intensamente revivido hoje por nós não é um problema local, nemrestrito a um país ou a um continente. Ainda que expresso de maneiradiferenciada, o mal-estar do processo civilizatório é visível tanto noscorpos esquálidos de crianças de distintas nacionalidades, subnutridasdos alimentos do corpo e da alma, quanto na solidão coletiva impostapelo medo do outro, do mesmo, do estrangeiro. O mito moderno daliberdade tem seu contraponto no individualismo extremo, nodescompromisso com os destinos coletivos, na ausência de valorescomo a partilha, a responsabilidade e a compaixão e, sobretudo, naperigosa inocência de crer que nossos horizontes pessoais estãodesconectados do destino comum da espécie humana.

A teóloga, matemática e poeta portuguesa Teresa Vergani temcertamente razão ao afirmar que a diferença entre os homens e asárvores está no fato de que “os homens correm, enquanto as árvorescrescem”. Vivemos a cultura da pressa. Parece que estamos todos numapista de atletismo, sem olhar sequer para o atleta ao lado, que tambémvive da velocidade como valor. Se as árvores se alimentam do solopelas raízes e, se na dependência do sol operam a fotossíntese tãonecessária à sua vida, nós, sujeitos excessivamente desenraizados, comoestamos hoje, optamos por um ideal de liberdade e de felicidade longeda dependência. Tudo se passa como se estivéssemos tatuadosespiritualmente com a expressão aludida pelo etólogo Boris Cyrulnik:“permaneçamos livres... e sós”.

Talvez esteja na hora de reduzirmos o ritmo da maratona paraavaliar a história que estamos encenando juntos. Pensar o nosso papelcomo sujeitos ativos diante do atual panorama da cultura supõe discutira missão crucial do cidadão como um agenciador de novos valoressociais. Isso subtende, por um lado, repensar os valores que aprendemos

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e, por outro, desaprender os valores que consagram o individualismo,o imobilismo, a liberdade solitária e as atitudes marcadas pelo utilitarismoe pela consciência do descartável.

Observemos, por exemplo, a maneira como a ciência, e porconseqüência, o nosso pensamento, agem diante do planeta Terra.Aceitamos como um diagnóstico definitivo o fim das condições devida no nosso planeta. O investimento nas pesquisas para descobriroutros lugares habitáveis atesta muito bem nossa opção em substituira Terra por outros espaços que possam vir a ser a morada de umaespécie por demais predadora. A determinação de pensar nossapermanência no lugar com o qual temos um débito impagável, nuncaé posta em questão de maneira duradoura. Preferimos aceitar,mesquinha e vergonhosamente, o fato de que já usamos e destruímossuficientemente a nossa Mãe-Terra e está na hora de irmos para outrolugar. Poderíamos chamar a isso de impotência de uma espécie quechafurdou demais o seu lugar e nada pode fazer para mantê-lo comosua morada? Ou trata-se da síndrome de um deus irresponsável que,tendo destruído sua própria arte, faz uso de seu poder para ensaiaruma nova criação? O alerta contido no mito de Ícaro pode nos lembraruma verdade: é preciso saber voar, no limite do possível, comocondição para não queimar as asas de cera e desabar no chão.

A história da cultura humana, da trajetória do conhecimento, daciência e da nossa missão como educadores precisa se tornar umahistória azeitada por valores como a autocrítica de nosso projetocivilizacional.

Anunciar a falência do mito do progresso e a impotência ouinconseqüência da ciência, não nos permite, entretanto, enveredar pelasaída do imobilismo derrotista. Tem razão James Donald (2000, p.43), quando sugere que ultrapassemos a oposição entre

o conservadorismo que vê todos os esquemas de reformas comoultrapassados [...] e o radicalismo evangélico para o qual a educaçãopromete não apenas justiça social, mas também a plena expressãodo potencial humano.

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A avaliação de que o processo histórico de consolidação doconhecimento científico deu-se às custas da fragmentação dos saberese o diagnóstico de que a pesada estrutura acadêmica favorece a rigidezdo pensamento, a ossificação paradigmática e a burocratização dosaber, não devem redundar na afirmação de que é unicamente fora daacademia, ou pela sua negação, que se deve esboçar o exercício de umpensamento complexo, aberto e criativo. A reificação e sacralizaçãodos saberes não-científicos é uma atitude tão perigosa e simplista, quantoo é o seu inverso. Se é verdade, como assinala Edgar Morin, que porvezes há mais criação numa taberna popular do que num coquetelliterário, é imperativo reconhecer também que intelectuais insubmissos,antiparadigmáticos e corajosos exercitaram ao longo da história, e aindaexercitam – quase sempre a duras penas –, uma reorganização dacultura e novas práticas de vida dentro da própria academia.

Torna-se urgente colocar em pauta os desafios postos hoje pelopensamento complexo. Isso supõe uma “reforma do pensamento”capaz de desenhar o rosto de uma nova educação e a refundação deum sujeito menos imobilista, porque dotado de uma ética da resistênciadiante dos desmandos da civilização. Podemos sim nos cobrar areconstrução de um educador mais desejante, porque capaz de projetaruma sociedade onde homens e mulheres sejam mais felizes.

Escolher e projetar o futuro

A educação enquanto instituição e prática social precisa tornar-se a base para a projeção do futuro e, nessa empreitada, não estamossós. Não são poucos os cientistas de renome internacional que têm seposto à tarefa de identificar os pontos cruciais do paradoxo no qualvivemos para, a partir daí, sugerir caminhos que, se não permitemdesatar os nós cegos já dados, pelo menos evitam o embaralhamentogeral do novelo do conhecimento. Albert Einstein é um desses cientistas.Nos livros Como vejo o mundo e Escritos da maturidade, porvezes no tom de autocrítica, outras vezes na modalidade de um enérgico

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alerta, Einstein fala da função social da ciência e dos perigos do usoindevido de suas descobertas. Falando diretamente a jovenspesquisadores, o físico se refere à necessidade de uma ética do exercíciointelectual, para que as gerações do futuro não cobrem deles a omissãoe os erros decorrentes de seu papel como cidadãos-cientistas.

Extrapolando o imediatismo das resoluções pragmáticas parao presente, o compromisso da ciência com o futuro é inegociável. Daíporque a educação tem um papel primordial para formar o cientistacomprometido com a sociedade presente e futura. Não podemosnos comprometer com uma educação puramente técnica, voltada tãosomente para a formação de profissionais para a sociedade. No livroComo vejo o mundo, o pai da teoria da relatividade não poupapalavras para se posicionar em favor de uma educação para a ciênciaque religue os conhecimentos técnicos e humanísticos.

Não basta ensinar ao homem uma especialidade. Porque setornará assim uma máquina utilizável, não uma personalidade.É necessário que adquira um sentimento, um senso práticodaquilo que vale a pena ser empreendido, daquilo que é belo, doque é moralmente correto. A não ser assim, ele se assemelhará,com seus conhecimentos profissionais, mais a um cão ensinadodo que a uma criatura harmoniosamente desenvolvida. Deveaprender a compreender as motivações dos homens, suasquimeras e suas angústias para determinar com exatidão seu lugarexato em relação a seus próximos e à comunidade (EINSTEIN,1981, p. 12).

São as reflexões essenciais, advindas do contato vivo entreprofessores e alunos, que farão a diferença no processo de formação,uma vez que essas reflexões “de forma alguma se encontram escritasnos manuais”. Por isso, Einstein aconselha “com ardor as humanidades,essa cultura viva, e não um saber fossilizado” (EINSTEIN, 1981, p. 12).A atualidade das reflexões de um físico que marcou a história da ciênciamoderna se torna ainda mais expressiva quando ele fala dos excessosdo sistema de competição e da especialização prematura que, segundoele, “sob o falacioso pretexto de eficácia, assassinam o espírito”.

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Como se fosse pela ressonância de um eco, as palavras de Einsteinsão repronunciadas por John Lennon: “Creio que a maioria das escolassão prisões, a cabeça das crianças é aberta, e fazem-na ficar estreitapara que vá disputar na sala de aula. Isso é irracional”.

Algum tempo depois, e a partir de pertencimentos diferenciados,o físico norte-americano Fritjof Capra, o prêmio Nobel de Químicade 1977 Ilya Prigogine e o pensador francês Edgar Morin falam domesmo sintoma do qual padece a ciência: a separação entre a culturacientífica e a cultura humanística.

Dirá Capra que vivemos uma crise de percepção operada poruma forma de ver os fenômenos que separa e fragmenta. Para ele,todas as coisas estão interconectadas de alguma forma, em algum grau.Daí porque a própria teoria da evolução teria que ser repensada nostermos de uma co-evolução. A espécie humana, por exemplo, co-evolui em conjunto com as outras espécies, com o meio ambiente,com o cosmos. As relações entre o fragmento e a totalidade, ou entrea parte e o todo, o singular e o universal, o histórico e o trans-históricose constituem numa simbiose imperfeita, que não pode ser desprezadapela ciência – e isso em qualquer domínio do conhecimento. Comooutros cientistas e sábios, Capra fala da ambigüidade dos estados deser da matéria, o que levanta questões fundamentais em relação à práticada observação, da pesquisa e da transmissão dos conhecimentos.

Para Prigogine, estudioso dos sistemas vivos complexos eabertos, cuja organização se encontra distante do equilíbrio, a históriada ciência corresponde a três grandes metáforas: o relógio, no séculoXVIII; o motor térmico, no século XIX, e a arte, no século XX. Paraquem trabalha com as noções de “irreversibilidade do tempo e daordem a partir do caos”, tem um sentido profundo as afirmações deque

já não podemos aceitar as velhas distinções a priori entre valorescientíficos e éticos [...]. Hoje sabemos que o tempo é uma construção,o que acarreta uma responsabilidade ética... Em conseqüência, aatividade individual é relevante (PRIGOGINE, 1996, p. 227).

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Conhecido como o “poeta da termodinâmica”, Prigogine temtecido as bases para um “diálogo do homem com a natureza”; apostanuma “nova aliança” entre a ciência e as humanidades e cobra a éticada ciência.

Mas é sem dúvida Edgar Morin o pensador que, desde os anoscinqüenta, tem empreendido uma reflexão fundamental a respeito deum método capaz de rejuntar, articular e fazer dialogar ciência ehumanismo. Suas idéias representam uma síntese aberta e inacabada,mas ao mesmo tempo radical, a respeito do papel social e ético daciência e da educação diante da “agonia planetária”, expressão queutiliza para falar dos desafios e da incerteza do nosso tempo.

A idéia de complexidade é, para Morin, uma “palavra problema”e não uma solução. Não pode encerrar-se nos compêndios acadêmicos,mas deve “chegar às ruas e às praças”. O intelectual não é mais entendidosomente como aquele que domina muito bem o fenômeno do qualtrata, mas também um sujeito ativo que se posiciona frente aosproblemas do seu tempo.

Desalojar-se dos estreitos limites da superespecialização paracompreender a complexidade dos fenômenos do mundo é, hoje,condição necessária (mesmo que não suficiente) para responder comcompetência aos complexos problemas políticos, ecológicos e sociais.

Seus últimos livros, Os sete saberes necessários à educaçãodo futuro, A cabeça bem-feita e A religação dos conhecimentos,expressam seu compromisso explícito com a educação. O que ensinarnas escolas? Como articular entre si os conteúdos específicos dasdisciplinas? Quais os grandes temas e valores capazes de mobilizaruma atitude mais ética diante do mundo?

Para Morin (2000b, p. 20), uma reforma do ensino deve estaratrelada a uma “reforma do pensamento”

que permite enfrentar o extraordinário desafio que nos encerra naseguinte alternativa: ou sofrer o bombardeio de incontáveisinformações que chovem sobre nós, cotidianamente, pelosjornais, rádios, televisões; ou então entregarmo-nos a doutrinasque só detêm das informações o que as confirma,

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rejeitando como erro e ilusão tudo o que não está de acordo com anossa maneira de compreender o mundo.

Perguntando-se, como Marx a Feuerbach, sobre “quem educaráos educadores?”, e partindo da idéia de Montaigne de que “mais valeuma cabeça bem-feita que bem cheia”, Edgar Morin assume o difícildesafio de propor uma reforma da educação e do ensino. Dirá eleque, “em vez de acumular o saber, é mais importante dispor ao mesmotempo de uma aptidão para colocar e tratar os problemas e lançarmão de princípios organizadores que permitem ligar os saberes e lhesdar sentido”. “É evidente que isso não pode ser inserido em umprograma, só pode ser impulsionado por um fervor educativo”(MORIN, 2000b, p. 21-22).

E quais são os “saberes necessários à educação do futuro?” Énecessário abdicar de nossas especialidades, dos conhecimentos jáacumulados? Não. O fundamental é abrir as disciplinas, fazer dialogaras competências e as nossas estruturas de pensar. Para empreender talexercício, Morin sugere meta-temas, capazes de aglutinar a multiplicidadedas informações dispersas nos domínios disciplinares. “Cosmo, terra,vida, sociedade, homem, culturas adolescentes, história e arte” seriamos temas organizadores de uma reforma do ensino. A nossa missãomaior é, entretanto, fazer com que a educação favoreça e estimule

o pleno emprego da inteligência geral. Esse pleno emprego exigeo livre exercício da faculdade mais comum e mais ativa na infânciae na adolescência, a curiosidade, que muito freqüentemente éaniquilada pela instrução (MORIN, 2000b, p. 22).

Ensinar a viver a condição humana articulando o estado prosaicoe o poético de nossa existência; assumir a incerteza, a indeterminação eo acaso; exercitar a auto-ética como pressuposto da ética coletiva sãoalguns dos princípios gerais orientadores de uma nova prática educativa.

É necessário ter consciência de que a instituição educacional nãoé uma fábrica de trabalhadores. Muito menos uma incubadora detrabalhadores dessubjetivados e imersos no mundo da repetição

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maquínica vivido por Charles Chaplin no filme Tempos Modernos.Ela é uma escola da vida: o lugar onde ensaiamos o aprendizado dacondição humana, onde aprendemos as diversas formas de ver e atuarno mundo. O espaço que pode fazer emergir aptidões cognitivas maisimaginantes, mobilizadoras e dialogais.

Resta-nos saber como temos exercitado nossa missão de educarpara a vida. Certamente transmitimos, porque assim aprendemos, osconteúdos da cultura tecno-científica, deixando no esquecimento asnarrativas literárias e os ensinamentos dos saberes milenares sobre omundo físico, a sociedade e a condição humana.

Para nos colocarmos a questão dos saberes necessários à educaçãodo futuro, é fundamental que enunciemos uma agenda de múltiplosprincípios: 1. Pensar a educação como uma atividade humana cercadade incertezas e indeterminações, mas também comprometida com osdestinos dos homens, mulheres e crianças que habitam a nossa “terra-pátria”; 2. Praticar uma ética da competência que comporte, ao mesmotempo, um pacto com o presente sem esquecer nosso compromissocom o futuro; 3. Buscar as conexões existentes entre o fenômeno quequeremos compreender e o seu ambiente maior; 4. Abdicar daortodoxia, das fáceis respostas finalistas e completas; 5. Exercitar odiálogo entre os vários domínios das especialidades; 6. Deixar emergira complementaridade entre arte, ciência e literatura; 7. Transformarnossos ensinamentos em linguagens que ampliem o número deinterlocutores da ciência – isto é, abrir mão da prática esotérica (restritaaos iniciados) para inaugurar uma postura cognitiva mais exotérica(aberta para fora). Tudo isso talvez seja um bom exercício para religarnas teorias, nos conhecimentos e na ciência os laços indissociáveis da“teia da vida”.

Bem vistas as coisas, não estamos entretanto num tempo zero.Um novo estilo de ciência e do fazer pedagógico está emergindo. Eemergindo pelas nossas mãos, pelos nossos corpos e pelas nossasmentes. A julgar pelo fluxo intenso das comunicações no planeta, elaestá nascendo simultaneamente no âmbito local, nacional e transnacional.

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A riqueza dessa ciência nova, imersa em tempos de incerteza, está nofato de que, já à nascença, ela é híbrida em seus pertencimentos, e,quiçá, possa ser polifônica no diálogo. Esse novo estilo de dialogarcom o mundo certamente poderá reacender no educador uma éticada cumplicidade planetária, uma politização do pensamento e,sobretudo, uma coragem fundamental para praticar a auto-ética.

EDUCATION FOR COMPLEXITY:WHAT TO TEACH, WHAT TO LEARN

Abstract: This article discusses the undelayable dialogue between science andother knowledge of the world. It questions the role of formal education thathas predominantly anchored in the fragmentation of discipline and in the super-specialization of science, neglecting the citizens’ formation for life. The lack ofcompass between technological development and human sciences rebounds inthe lack of communication among different areas of knowledge and on itsincapacity of reconnecting the theme to its context. Knowledge involvesmultiplicity of experiences and know-how that constitutes the vital process ofall subjects. To reconnect and to share knowledge is the best proposal for aneducation of complexity. The exercise of complex thought comes as an ethical,epistemological and a cognitive strategy to understand the complexity of thephenomena of the world.

Key Words: Science. Knowledge. Diversity. Complexity.

Referências Bibliográficas

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CONTRIBUIÇÕES PARA UMA PEDAGOGIAE PRÁXIS PEDAGÓGICA NA PERSPECTIVA

DO PARADIGMA DA COMPLEXIDADE:UM OLHAR EPISTEMOLÓGICO

Celso José Martinazzo*

Resumo: Neste estudo apresentamos argumentos para a construção de umaoutra racionalidade para a Pedagogia ancorada no paradigma da complexidadede Edgar Morin. A epistemologia moderna foi modelada sobre os princípiosda ordem, da linearidade, da redução, e da disjunção dos conhecimentos. Oparadigma da complexidade assimila e supera esse paradigma da simplificação,adotando novos princípios organizadores do conhecimento como: o dialógico,o hologramático e o anel recorrente. O desafio da Pedagogia consiste emdesenvolver nos educandos competências cognitivas, lançando um olharmultidimensional sobre a realidade pela contextualização, articulação e religaçãodos conhecimentos.

Palavras-chave: Pedagogia. Epistemologia. Paradigma. Complexidade.

APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano III n. 5 p. 31-48 2005

* Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).Docente da Unijuí/RS. E-mail: [email protected].

NÚMERO ESPECIALEducação e Complexidade

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Considerações iniciais

Este estudo visa explicitar e lançar novos olhares que possibilitemdimensionar outra racionalidade epistemológica para o campo daPedagogia, compreendida como teoria da e para a educação. Visandocontribuir com essa temática relevante, buscamos na teoria e noparadigma da complexidade de Edgar Morin, algumas luzesorientadoras para a práxis pedagógica e, de forma mais ampla, para aPedagogia como um campo teórico-investigativo da educação que seexerce na intercomplementaridade com outros saberes.

As indagações e respostas, ainda que provisórias, para questõestão profundas como essas que se referem à elucidação dos princípiosepistemológicos paradigmáticos que sustentam e orientam a Pedagogiaatual exigem uma compreensão hermenêutica dos pressupostos eparadigmas que caracterizaram a História da Filosofia e da Pedagogiamoderna, presentes até hoje. Para apreender os paradigmasepistemológicos da Pedagogia moderna, inspiradores da práxispedagógica e para refletir sobre a real possibilidade de transformaçãodos mesmos, torna-se imprescindível, portanto, realizar umareconstituição e contextualização a partir da história. Os saberes queconstituem a Pedagogia e a práxis pedagógica resultam de um lentoprocesso tecido ao longo da história. As tendências e os movimentosparadigmáticos adquirem significado e consistência nos trilhos dahistória e a compreensão desse processo requer uma leitura históricacontextualizada. Sem dúvida, uma leitura hermenêutica do processopedagógico ao longo da história possibilita uma compreensão dosparadigmas que orientaram a teoria e a prática pedagógica, bem comopermite vislumbrar novos caminhos para a Pedagogia a partir doparadigma da complexidade.

O repensar dos paradigmas epistemológicos que orientam apráxis pedagógica nos remete ao âmago da questão da racionalidadeda Pedagogia. O sentido da possibilidade sempre aberta em buscarnovos paradigmas que vislumbrem uma certa convicção sobre a

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racionalidade da Pedagogia que se está praticando, deve merecer umareflexão constante. No entanto, se o fio condutor que aglutina e justificaeste estudo é a possibilidade de uma Pedagogia orientada peloparadigma da complexidade, o texto pode desencadear, igualmente,muitos outros desdobramentos com reflexos na concepção, naorganização e na condução dos atuais cursos de Pedagogia.

De qualquer forma, por inomináveis razões, vale sempre a penacorrer o risco de buscar saídas alternativas para as aporias conceituais,sejam elas científicas, filosóficas ou pedagógicas, intrínsecas do projetoiluminista moderno gerador do paradigma da simplificação e da razãocentrada no sujeito, bem como a quaisquer outras formas deracionalidade na era contemporânea. Para tanto, segundo Morin (2004,p. 76), “devemos reaprender a pensar: tarefa de salvação que começapor si mesma”. Pensar de forma complexa é estar ancorado nospressupostos cognitivos de um paradigma que compreenda acomplexidade do real. Essa atitude estimula expectativas no sentidode viabilizar a ressignificação da Pedagogia, como um campo teórico-investigativo da educação que saiba contemplar a complexidade cósmicae humana.

A centralidade da temática dos paradigmas e as possibilidadesde uma reforma paradigmática

Os pressupostos epistemológicos conferem sentido e dãosustentação teórica ao núcleo orientador e operativo de cada uma dasciências. Podemos conceituar a epistemologia como uma teoria doconhecimento, uma teoria do conhecer ou uma teoria da compreensãodo real. Ela visa refletir sobre a compreensão da compreensão. Atravésdo visor da teoria do conhecimento torna-se possível compreenderos núcleos ou bases conceituais e categoriais que constituem asracionalidades, as minirracionalidades ou os modelos paradigmáticosque governam os avanços do conhecimento, sustentam as pesquisas,justificam a assimilação e a construção dos saberes.

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As mudanças paradigmáticas, entretanto, só começam a ocorrerpor força de alguma descoberta extraordinária ou como resultado deuma pesquisa original que instaura uma verdadeira crise de legitimaçãono interior de um paradigma vigente e que, em conseqüência, passa aser alvo de críticas epistemológicas. Uma base paradigmática, portanto,evolui e se altera a partir da incorporação de novos conceitos ou quandosofre uma transformação radical em sua base legitimadora tornando-a insustentável.

Em que consiste uma reforma paradigmática? Nas palavras deMorin (1995, p. 82),

trata-se num sentido do que há de mais simples, de maiselementar, de mais “infantil”: mudar as bases de partida de umraciocínio, as relações associativas e repulsivas entre algunsconceitos iniciais, mas de que dependem toda a estrutura doraciocínio e todos os desenvolvimentos discursivos possíveis.

O que aparenta ser algo simples, no entanto, é também o quehá de mais difícil , afirma Morin. Promover uma reformaparadigmática é o que há de mais radical, amplo e profundo e porisso, segundo Morin (1995, p. 82), “[...] nada é mais difícil do quemodificar o conceito angular, a idéia maciça e elementar que suportatodo o edifício intelectual”.

Após essas considerações, aparentemente periféricas, mas,sem dúvida, altamente pertinentes, tendo em vista a profundidadeda temática que estamos abordando, passamos a explicitar algunsaspectos fundamentais na dimensão epistemológica do paradigmada complexidade para, em continuidade, indicar alguns pontos deconfluência e de aproximação com os saberes fundantes daPedagogia e da práxis pedagógica. Essas referências podemtransformar-se em impulso renovador e justificador da dimensãoepistemológica da Pedagogia.

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Os princípios organizadores do conhecimento no paradigma dacomplexidade

O conjunto da obra de Morin conduz a uma ressignificação doprocesso de pensar, de conhecer e de aprender e tem como ponto departida, necessariamente, uma reformulação do paradigma dasimplificação. Porém, para isso, é necessário aprender a operar com osprincípios organizadores do conhecimento que facultam compreendera multidimensionalidade da realidade complexa. Estabelecer princípiosorganizadores do e para o conhecimento é uma das grandes metas aque Morin se propõe, ao repensar os fundamentos do conhecimentoe ao pretender organizá-lo sobre novos pressupostos: os pressupostosdo paradigma da complexidade.

Em muitos momentos, Morin reafirma qual o desafio e ospropósitos da teoria da complexidade e de toda a sua significativa eextensa obra. Morin (2004, p. 74) assevera que:

O problema crucial do nosso tempo é o da necessidade de umpensamento apto a enfrentar o desafio da complexidade do real,isto é, de perceber as ligações, interações e implicações mútuas, osfenômenos multidimensionais, as realidades que são,simultaneamente, solidárias e conflituosas.

O pensamento complexo parte da constatação de que arealidade é algo complexo: forma uma totalidade complexa. Deacordo com a teoria da complexidade, “tudo é complexo: a realidadefísica, a lógica, a vida, o ser humano, a sociedade, a biosfera, a eraplanetária [...]” (MORIN; MOIGNE, 2000, p. 133). Todos os elementosque integram o cosmos caracterizam-se pela complexidade, ou seja, oreal existente constitui um sistema e este sistema é constituído por umaorganização de elementos concorrentes, complementares e antagônicos.A partir da concepção de que a realidade biossocial é de e por naturezasistêmica complexa, Morin (2003) procura quantificar e qualificar quaissão as leis, os princípios e as categorias fundamentais que constituem a

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estrutura da realidade complexa e que, portanto, caracterizam egovernam esta complexidade.

A modernidade engendrou uma teoria epistemológica cujaforma de proceder e de produzir conhecimentos culmina numparadigma da simplificação. O modelo de conhecimento analítico,empírico-indutivo e positivista inspirado no método cartesiano e nospostulados do iluminismo moderno trouxe como corolário, além deoutras conotações e conseqüências, um conhecimento simplificador,disjuntivo e redutivo calcado no princípio clássico da identidade e daordem linear e objetiva. A ciência clássica se constrói e se sustenta nacentralidade metafísica da autoridade única da razão e que culminanuma racionalização.

Até meados do século XX acreditava-se no princípio daregularidade e linearidade dos fenômenos, tanto na natureza física comona sociedade. Isto significa dizer que os conteúdos constitutivos domundo apresentavam-se ordenados e organizados racionalmente aosolhos do homem. Havia, pois, uma ordem imanente ao mundo(racionalidade material ou objetiva) e uma ordem elaborada pela mentehumana e emprestada ao mundo (racionalidade subjetiva). Pressupondouma linearidade nos processos, cabia à ciência descobrir a regularidadee estabelecer a previsibilidade dos fenômenos.

O paradigma científico moderno que estabelece os princípiosde inteligibilidade da chamada ciência clássica produziu e produz umaconcepção simplificadora do universo nas suas dimensões: física,biológica e antropossociológica. Por isso, a simplificação é caracterizadapor princípios de generalidade, redutividade e separabilidade erepresenta a barbárie do pensamento, enquanto que o pensamentocomplexo tem a pretensão de civilizar as idéias. “O pensamentosimplificante se torna a barbárie da ciência. É a barbárie específica danossa civilização. É a barbárie que hoje se alia a todas as formas históricase mitológicas de barbárie” (MORIN, 2003, p. 468).

A partir das significativas descobertas da segunda metade doséculo XX, o pensamento ocidental moderno que associa indução e

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dedução e que caracteriza o paradigma da razão científica, não conseguemais corresponder às expectativas e às exigências que a leitura e acompreensão da realidade do mundo sistêmico e planetário estão aexigir. A propósito das novas exigências escreve Morin (2001b, p. 49):“É preciso contextualizar e não apenas globalizar. Conceber nãounicamente as partes, mas o todo e, sobretudo, a relação todo-parte evice-versa. Esta é a razão pela qual somos cada vez mais incapazes depensar o planeta”. Então, alerta Morin (2003, p. 461), “o verdadeirodebate e a verdadeira alternativa são a partir de agora entrecomplexidade e simplificação”.

No atual período histórico de comportamentos globalizados,de intensa e rápida produção e circulação de conhecimentos einformações justifica-se a necessidade de ancorar o conhecimento numaracionalidade complexa que considere e contemple o contexto, o global,o multidimensional e o complexo. Para apreender a complexidadedo real, porém, é necessária uma reforma nas estruturas do própriopensamento, ou seja, segundo Morin (2000a, p. 10): “O pensamentodeve tornar-se complexo”. Por isso, adverte Morin (2004, p. 76): “odesafio da complexidade do mundo contemporâneo constitui umproblema-chave do pensamento e da ação política” e, sem dúvida,um problema-chave para a Pedagogia e a práxis pedagógica.

Morin (1975) acredita que a reforma dos pilares básicos daciência clássica dar-se-á pelo desenvolvimento da própria ciência. Istoporque o pensamento científico, embora tenha produzido incontestáveise significativos avanços para a humanidade, não consegue abranger acomplexidade do real, pois está alicerçado sobre saberes isolados eestanques, sobre disciplinas compartimentadas e incomunicáveis entresi. O espírito científico não consegue pensar sobre si mesmo na medidaem que vê no conhecimento científico um exercício puro da mente,espelho e reflexo da realidade. É necessária uma ciência sistêmica ecomplexa que reagrupe e ultrapasse as disciplinas, que considere osproblemas do planeta, do ser humano e da vida em geral como umtodo complexo. Enquanto o pensamento científico promove a

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hiperespecialização com base num saber parcelar, redutor, disjuntor,detalhista e isolante, o bom e sadio pensamento é sempre conectante econsegue integrar as dimensões do conhecimento complexo que sãointercomplementares e, ao mesmo tempo, concorrentes e antagônicas.

Morin (1995, 2000d) reformula leis e princípios para um pensarcomplexo como alternativa para apreender as diversas e diferentesdimensões que constituem o todo da realidade bio-sóciocultural. Paratanto, a teoria da complexidade integra e supera o paradigma dasimplificação sem, contudo, desconsiderá-lo. Nesse sentido Morin (2004,p. 35) alerta: “A reforma que visualizo não tem em mente suprimir asdisciplinas, ao contrário, tem por objetivo articulá-las, religá-las, dar-lhes vitalidade e fecundidade”.

Sem descartar o paradigma epistemológico moderno, Morinorganiza e elabora um conjunto inovador de princípios e categoriascapazes de abarcar a complexidade do real, superando a duplicidadehistórica das formas de pensar e de agir dos humanos, que coloca empólos contrários e excludentes, de um lado, o conhecimento empírico-técnico-instrumental e de outro, o conhecimento simbólico-mágico-mitológico.

Morin sistematiza e dá novos contornos ao que passa a denominarde teoria, método, paradigma, epistemologia da complexidade. Eleresgata e interliga teorias que vão auxiliá-lo na construção da lógica dacomplexidade. Para tanto, mergulhou no âmago da realidade e amealhouem todos os campos da produção científica os conceitos que estavamem sintonia com um olhar epistemológico inovador. Inspirou-se emdiferentes teorias de cunho filosófico e científico e em renomadospensadores, tanto orientais quanto ocidentais, como o filósofo gregoHeráclito, para organizar uma concepção de realidade que, na falta deum termo mais apropriado, denominou de complexidade. O empregoda palavra complexidade requer certos cuidados, como o próprio Morin(2000a, p. 305) adverte: “A noção de complexidade dificilmente podeser conceitualizada. Por um lado, porque está emergindo e, por outro,porque não pode deixar de ser complexa”.

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A teoria da complexidade, portanto, reúne fragmentos de muitasteorias e de pensadores e, segundo Morin e Moigne (2000), apresenta-se como um edifício com diversos andares. Formam a base desseedifício as teorias da informação, da cibernética e dos sistemas quecomportam as ferramentas necessárias para uma teoria da organização,extraída da revolução biológica. Em seguida, vem o segundo andarcom as idéias sobre a auto-organização, elaboradas por matemáticoscomo N. Wiener, Von Neumann e Von Foerster; por termodinâmicoscomo Prigogine; por biofísicos como Atlan; e por filósofos comoCastoriadis. Com as novas idéias extraídas da revolução biológica esistêmica, Morin pode suplementar o edifício da complexidade,estabelecendo alguns princípios interligados, complementares einterdependentes que facultam a compreensão das dimensões do realcomplexo. Dentre esses princípios, ele destaca os três consideradosfundamentais: o dialógico, o anel recursivo e o hologramático.

O princípio da dialogia ou dialógico “[...] se funda na associaçãocomplexa (complementar, concorrente e antagônica) de instânciasnecessárias junto à existência, ao funcionamento e ao desenvolvimentode um fenômeno organizado” (MORIN, 2000b, p. 201, destaque doautor). O desafio consiste em captar a lógica complexa que une noçõesantagônicas como sapiens/demens, ordem/desordem, uno/múltiplo,organização/desorganização, indivíduo/espécie e que constituem osprocessos organizadores da realidade, da vida e da própria história.

As palavras-princípio da ordem e da desordem constituem umadas dialogias básicas da complexidade, por essa razão, Morin as chamade “palavras-mala”, pois, comportam diversos compartimentos emeandros, muitos deles em lugares secretos. Ordem e desordemmisturam-se e confrontam-se. Tanto uma quanto a outra são misteriosas.A ordem e a desordem coexistem, confundem-se, exigem-se,contradizem-se e podem ser observadas, em interação dialógica, emqualquer organização de fenômenos, sejam eles micro ou macrofísicos,astrofísicos, biológicos, ecológicos e antropológicos. O acaso demonstraque a ordem é relativa e a desordem incerta. O conhecimento complexo

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negocia com a incerteza, conjugando ordem e desordem. Acomplexidade concebe a relação ordem/desordem como sendo, aomesmo tempo, una, complementar, concorrente e antagônica.

A dialógica dos antagonismos ou a idéia dos contrários encontrasuas raízes em princípios similares já anteriormente formulados porHeráclito, Pascal, Hegel, Marx e Niels Bohr e tem a pretensão de integrardois princípios antagônicos, mas indissociáveis como razão e misticismo,sabedoria e loucura, cultura erudita e cultura popular, além de muitosoutros. As oposições clássicas representadas pela lógica indutiva ededutiva, pelos princípios identitários e excludentes como certo ouerrado, bom ou mau e outros, são contempladas numa lógica dacomplexidade de inclusão e complementaridade dos opostos como,por exemplo, entre a cultura humanística e a cultura científica.

Outro princípio básico é o do anel recursivo ou da recursãoorganizacional ,“[...] em que todo momento é, ao mesmo tempo, produtoe produtor, que causa e que é causado, e em que o produto é produtordo que o produz, o efeito causador do que o causa” (MORIN, 2000b, p.201). Para formular esse princípio, Morin fundamenta-se em Marxque analisa as relações orgânicas e dialéticas entre infra e superestrutura,onde uma exerce influência sobre a outra, condicionando e sendocondicionada; inspira-se, igualmente, na teoria do retorno criador deN. Wiener: uma espécie de looping autoprodutivo. Cita a linguagemcomo um exemplo clarividente desse princípio.

A linguagem é essa máquina extraordinária da qual somosprodutores incontestáveis e sem a qual nada teria nascido de nósmesmos, sem essa possibilidade de criar palavras, de produzir osentido, de comunicar. Uma vez mais, a linguagem é produto eprodutor. Todos os produtos são produtores (MORIN; MOIGNE,2000, p. 190).

Portanto, o anel recorrente é um princípio organizadorfundamental e múltiplo no universo físico, na noção de cibernética,por exemplo, e nos processos biológicos pelo anel recorrente entrecomputação/cogitação no cérebro humano.

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Apoiado no princípio da recursividade, Morin interpreta acausalidade como sendo um processo em espiral, refazendo edesautorizando, desta forma, a compreensão progressiva e lineardos fatos.

Um terceiro princípio fundamental para a compreensão dasdimensões da complexidade do real é nominado de hologramático.

Um holograma é uma imagem em que cada ponto contém aquase totalidade da informação sobre o objeto representado. Oprincípio hologramático significa que não apenas a parte estánum todo, mas que o todo está inscrito, de certa maneira, naparte. Assim, a célula contém a totalidade da informação genética,o que permite, em princípio, a clonagem; a sociedade, como todo,pela cultura, está presente no espírito de cada indivíduo (MORIN,2002, p. 302).

Num holograma, cada parte contempla o todo e o todo contémas partes e isso pode ser percebido no mundo físico, biológico esociológico. Desta forma, a visão hologramática supera tanto a visãoholística que privilegia o todo de um sistema e não contemplaadequadamente as partes, como a visão reducionista que analisa apenasas partes de um todo.

Pois bem, se penetrarmos na profundidade desses e de outrosprincípios organizadores do conhecimento que integram a teoria dacomplexidade que, embora sendo concorrentes e antagônicos sãointercomplementares, poderemos nos apropriar de uma ferramentaadequada para compreendermos a realidade como algo complexo.O “complexus significa originariamente ‘aquilo que é tecido emconjunto’” (MORIN; MOIGNE, 2000, p. 209) e “[...] forma um tecidoúnico e inseparável” (MORIN, 2000b, p. 257), tendo em vista que noparadigma da complexidade o todo é considerado uma realidade,um conjunto complexo.

O pensar complexo, desta forma, se constitui num paradigmaanti e pós-cartesiano, que encara a realidade e suas diferentesmanifestações sob um referencial lógico-epistemológico próprio e

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encaminha as soluções de forma não simplificadora: religa o que aanálise separa, contextualiza o dissociado, reúne o disperso, complexificao simplificado, historiciza o atemporal e considera o sujeito pensantecomo produtor e produto de seu pensamento e de suas construções(MARTINAZZO, 2002).

A racionalidade complexa se apresenta como um paradigmacapaz de apreender a complexidade do real e romper com osracionalismos, ou seja, com a tradição das concepções fragmentadorase simplificadoras do conhecimento. É nesse sentido e por essas razõesque Morin entende que pensar a complexidade é o maior desafio dopensamento contemporâneo e, por isso, propõe uma reformaparadigmática radical na forma de compreender a realidade. É a partirde uma reforma paradigmática que a Pedagogia e a práxis pedagógicapodem elevar-se a um patamar epistemológico mais conseqüente esignificativo, se buscarem articular-se com os princípios fundantes eorganizadores do paradigma da complexidade acima analisados.

A pedagogia e a práxis pedagógica na ótica de umaepistemologia da complexidade

Pedagogos da modernidade como Montaigne, Comenius,Herbart, Kant e outros, concebem e organizam os grandes sistemaspedagógicos a partir dos influxos da filosofia do sujeito, centrada narazão e nos pressupostos do paradigma clássico do conhecimento, ouseja, nos pressupostos de um paradigma simplificador. A desconstruçãodas teorias epistemológicas clássicas e sua reconstrução sob o enfoqueda epistemologia da complexidade nos permitem visualizar novoscaminhos para a Pedagogia e para a práxis pedagógica sob o influxodos princípios organizadores do conhecimento complexo.

Assim como Morin recorreu às diferentes manifestações daciência, da arte e das culturas para entender a complexidade da basedo mundo físico, do fenômeno da morte e dos mistérios da origem eda organização do vivo e da vida, cabe também à Pedagogia recorrer

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aos diferentes saberes de que se utiliza nas mais diferentes fontes deconhecimento.

A Pedagogia, enquanto construção de um saber unitário, poréminterdisciplinar, necessita de um metaponto epistemológico que possalevar em consideração a unidade, a diversidade e a multiplicidade doconhecimento. O conhecimento complexo habilita para a compreensãodos fatos e fenômenos da realidade, bem como possibilita asistematização e a organização das informações. A Pedagogia, aoapropriar-se dos princípios cognitivos da racionalidade complexa, podepromover uma abordagem e compreensão multidimensional epoliocular do fenômeno educativo.

Os avanços nas formas atuais do conhecer e do aprender sãoresponsáveis pelo rompimento de muitas barreiras epistemológicas.Restam muitas outras. Em decorrência, começam a ser superadas asclássicas distâncias entre os saberes produzidos pelas ciências e apenetração/pulverização desses saberes na vida cotidiana das pessoas,de modo que os saberes científicos e os saberes do chamado sensocomum passem a formar uma unidade articulada, um saber unitário.A ciência clássica construiu-se contra o senso comum, considerando-oincerto e ilusório. Atualmente o senso comum assume um carátersignificativo e orientador de ações e, por conseqüência, o conhecimentocientificamente produzido pode transformar-se em senso comum.

Exige-se das áreas de cada ciência, no entanto, cada vez maisespecificidade e maior hiperespecialização, ao mesmo tempo em quese tornam interdependentes e intercomplementares, num processo decomplexidade crescente. Portanto, o mundo é diferençado e plural e,ao mesmo tempo, unitário.

Todo esse contexto atual comprova o quanto se faz necessária,e de uma forma cada vez mais urgente, a construção de saberes quepossam dar conta da complexidade do real e que possibilitemcontextualizar, integrar, globalizar, religar os conhecimentos numaforma inter/multi/supra/transdisciplinar (MORIN, 2001a) no campoda Pedagogia. O pensamento complexo estabelece um canal de diálogo

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entre os diferentes paradigmas: entre o homem e as idéias que eleproduz; entre o ser humano e suas racionalizações, enfim, entre osdiferentes saberes e ciências. No pensar complexo integram-se pontosde vista diferentes, às vezes, antagônicos, concorrentes oucomplementares, incluindo os mais diversos campos da racionalidadehumana, seja ela mítica, religiosa ou científica. Na abordagem complexasupera-se a explicação linear, disjuntiva, redutiva e simplificadora,própria do paradigma moderno; tudo passa a ser compreendido apartir dos princípios da dialogia, da recursividade e do holograma.Lê-se e compreende-se a tradição, a cultura e as racionalizações dopensamento, nelas encontrando as ligações complexas.

Por isso, em tempos mais recentes, convicto da aplicabilidadeteórico-prática dos princípios básicos da complexidade, Morin (2000c)propõe uma reforma paradigmática radical do pensamento e daspróprias instituições educacionais. Tal reforma, segundo ele, deveriaalicerçar-se na teoria, na lógica, nos princípios e no método dacomplexidade, com aplicação no campo da educação formal,rompendo com as históricas concepções simplificadoras efragmentadoras do conhecimento. O pensar e o agir complexospressupõem não a anulação, mas a incorporação e superação dospressupostos do paradigma da simplificação, da disjunção e da redução,estabelecidos pela filosofia da modernidade e, até hoje, vigentes nocampo da Pedagogia, através do enfoque do conhecimento disciplinar.

Morin (2000c, 2000d, 2001a, 2004) postula a concepção e aorganização de um processo pedagógico centrado no paradigma dacomplexidade, com enfoque transdisciplinar, que tenha como meta-fim garantir aos educandos uma aptidão geral para colocar e resolveros problemas, para contextualizar e globalizar os saberes, enfim, paraque saibam dominar os princípios organizadores do conhecimento –o dialógico, o hologramático e o recursivo – que articulam e religamos saberes e lhes conferem significados. A consecução dessa meta-fimtem como condição primeira o aprofundamento de uma visão nãoapenas interdisciplinar, mas transdisciplinar de saberes consideradospertinentes e indispensáveis.

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A Pedagogia, delineada a partir do paradigma da complexidade,é concebida sobre noções não-positivas e não-lineares do aprender,do conhecer e do conhecimento. Segue o caminho da inter-relação eda intercomplementaridade e, portanto, da interdisciplinaridade, damultidimensionalidade, da poliocularidade, da pluralidade, datransversalidade, da transdisciplinaridade e, até mesmo, daindisciplinaridade.

Ao escrever sobre o conhecimento do conhecimento, Morin(1996) insinua que a educação escolar, em qualquer um dos seus níveisde ensino, promova o desenvolvimento de competência que favoreçaa construção de conhecimentos de forma contextualizada, integrando-os e globalizando-os em seus conjuntos. O conhecimento liga-se aotodo e, dessa forma, não pode ser insular, mas peninsular. Portanto, seo conhecimento está vinculado ao continente de que faz parte, énecessário apreender os vínculos que o ligam ao continente. SegundoMartinazzo (2002, p. 54): “A contextualização garante a imanência, asinter-relações e intercomunicações com o meio, evitando os saberescompartimentados e abstratos”.

O sentido atualizado da expressão “cabeça bem-feita” (MORIN,2000c), tomada de Montaigne por Morin, remete à idéia de aprendera pensar a complexidade, através do visor da racionalidade complexa.A “cabeça bem-feita” resulta do desenvolvimento de uma inteligênciageral, capaz de garantir a contextualização e a religação dosconhecimentos, para poder enfrentar os desafios que se apresentam.E a aprendizagem para contextualizar e religar os conhecimentosdepende da aptidão e da capacidade de pensar a partir dos princípiosorganizadores do conhecimento, ou seja, dos princípios epistemológicosda teoria da complexidade.

O pensamento complexo é aquele que possibilita a compreensãodas múltiplas dimensões da complexidade do real. Pelo olhar complexoo estudante pode visualizar uma realidade multivariada emultidimensional de uma totalidade. Para tanto, aprendendo a pensarde forma complexa, sob a inspiração dos princípios organizadoresdo conhecimento complexo, o estudante desenvolve competência

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cognitiva para identificar, compreender e buscar soluções para osproblemas que se manifestam, hoje, nos grandes desafios do mundo,no campo da cultura, da ética, da política, da ciência, da ecologia e dotrabalho.

A Pedagogia, orientada pela teoria e pela epistemologia dacomplexidade, portanto, postula como uma de suas metas centrais aformação de sujeitos epistêmicos com “cabeça bem-feita”, compolicompetências cognitivas, com visão transdisciplinar, com capacidadepara assumir os constantes desafios que surgem nas práticas cotidianas.O pensamento complexo, no entanto, não garante uma leitura fácil doreal, mas é um caminho que se faz ao andar. Por isso, o grande desafionesse início do século XXI está em aprender a pensar sob a inspiraçãodos princípios, da teoria, da lógica, do paradigma da complexidade,tendo consciência, no entanto, de que o paradigma da complexidadenão é algo similar a uma mercadoria que se encontra disponível nomercado, mas uma competência a ser construída com tenacidade.

A reforma e a ressignificação do pensamento simplificador,podem trazer outra perspectiva para a Pedagogia e para a práxispedagógica, no sentido de possibilitar a construção de conhecimentosmais pertinentes numa sociedade de conhecimento intensivo e comcaráter planetário. Por isso, uma Pedagogia ancorada no paradigma dacomplexidade tende a ser uma exigência para toda a humanidade, afim de que esta possa enfrentar os grandes desafios educacionais, éticos,políticos, ecológicos e culturais postos nesse início do século XXI.

THE CONTRIBUTIONS FOR PEDAGOGICAL PRAXIS ON THEPERSPECTIVE OF A PARADIGM OF COMPLEXITY:

AN EPISTEMOLOGICAL LOOK

Abstract: In this study we present arguments for the construction of a rationalityfor Pedagogy based on the paradigm of complexity of Edgar Morin. Modernepistemoloy was modeled under the principles of order, linearity, reduction,and disjunction of knowledge. The paradigm of complexity assimilates andovercomes the paradigm of simplification, adopting new organizing principlesof knowledge, such as: dialogic, hologram and the reoccurrence ring. The challengeof this Pedagogy consists of developing in the students cognitive competences,

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under a multidimensional look on reality for the contextualization, articulationand combination of knowledge.

Key Words: Pedagogy. Epistemology. Paradigm. Complexity.

Referências Bibliográficas

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MORIN, Edgar. O enigma do homem: para uma nova antropologia.Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

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MORIN, Edgar. Educação e complexidade: os sete saberes e outrosensaios. São Paulo: Cortez, 2004.

MORIN, Edgar; MOIGNE, Jean-Louis de. A inteligência dacomplexidade. São Paulo: Peirópolis, 2000.

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COMPLEXIDADE: TEORIA E PRÁTICAINTERDISCIPLINAR

Virginia Maria Fontes Gonçalves*

Resumo: Este artigo apresenta uma visão interdisciplinar da complexidadecom base em pesquisas de diversas áreas, permitindo o reconhecimento depontos comuns e diferenças entre três linhas de pesquisa em complexidade, asaber: complexidade algorítmica, complexidade determinística e complexidadeagregativa, brevemente reconstituídas a partir de suas origens. Ao longo dessaapresentação, sugere-se um vínculo entre complexidade e educação por intermédioda linha de pesquisa em complexidade agregativa e, em especial, pelainterdisciplinaridade dos estudos em complexidade.

Palavras-chave: Complexidade. Interdisciplinaridade. Educação.

Introdução

Pretende-se neste artigo apresentar e discutir linhas teóricasempregadas para o estudo da complexidade com base em pesquisas

APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano III n. 5 p. 49-75 2005

* Doutoranda em História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia na UniversidadeFederal do Rio de Janeiro (Ufrj). E-mail: [email protected].

NÚMERO ESPECIALEducação e Complexidade

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de diversas áreas, compondo um quadro interdisciplinar para o referidoestudo. Embora não haja a pretensão de se realizar um apanhadohistórico exaustivo de todas as pesquisas em complexidade, o textoseguirá certa orientação cronológica partindo da formulação dosprimeiros conceitos de complexidade até sua disseminação ediferenciação em diferentes campos de pesquisa. Em que pese o fatode nesse processo terem sido geradas diferentes teorias dacomplexidade, percebe-se um fio condutor que promove uma ligaçãoentre essas diversas teorias.

Para realizar este percurso, solicita-se ao leitor uma disposiçãointerdisciplinar que permita uma passagem fluida entre as classicamenteseparadas áreas exatas e humanas, tal como nos convida Michel Serres(1990, p.179) numa entrevista ao jornal Le Monde, quando afirmasonhar com “uma reconciliação dos diversos ramos do saber, longedos dogmas e dos imperialismos teóricos”, aberta às possíveis traduçõesentre as construções dadas pelos diferentes vocabulários desses diversosramos do saber.

Partindo-se dessa disposição interdisciplinar, a noção decomplexidade será apresentada tal como aparece em estudos quevariam, desde algoritmos computacionais e teoria da informação(complexidade algorítmica), modelagem dinâmica não linear defenômenos caóticos (complexidade determinística), até a formaçãode sistemas complexos a partir de interações entre individualidadesautônomas (complexidade agregativa). Esta é a classificação propostapelo pesquisador em complexidade aplicada à ocupação de espaçosurbanos, o geógrafo Steven Manson (2001, p. 405-414), para discussãodo estado atual das diferentes linhas de pesquisa em complexidade asquais, embora distintas, compartilham antecedentes conceituais queserão apontados ao longo deste artigo.

Como se pode imaginar a partir desta brevíssimacaracterização, as aplicações da complexidade à educação estão maisconcentradas na linha de pesquisa em complexidade agregativa,porém, tanto em educação quanto em outras áreas ditas sociais ou

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humanas, empregam-se também conceitos que surgiram nas pesquisasdesenvolvidas nas abordagens algorítmica e determinística, até porquetodas estão ligadas entre si.

A partir desta exposição das diversas abordagens teóricas aoestudo da complexidade, conclui-se que pesquisa e práticainterdisciplinar favorecem tanto a uma melhor compreensão dasdiferentes teorias da complexidade como também potencializam osresultados alcançáveis por uma equipe interdisciplinar, quando esta évista como um sistema complexo.

Computação, computabilidade e o desenvolvimento dacomplexidade algorítmica

Com a difusão do uso do computador eletrônico para a realizaçãode processos cotidianos, tais como: a comunicação por correio eletrônico,auto-atendimento bancário ou compra de ingressos para cinema atravésda internet, o significado do termo “computação” vem gradativamenteperdendo o significado original de realização de operações para resolverum problema matemático utilizando lápis e papel, giz e quadro ou entãorecorrendo mentalmente à memória, para designar o conjunto deoperações realizadas por um computador eletrônico. Contudo, a teoriada computação teve seu início antes da invenção do computadoreletrônico, ainda na virada do século XX, quando alguns matemáticosbuscavam descobrir se era possível estabelecer métodos simples euniversalmente aplicáveis para resolver problemas matemáticos, ou seja,se seria possível estabelecer ‘conjuntos de regras padronizadas pararealização de computações’. Caso existissem, esses conjuntos de regrasformariam modelos computacionais.

Nessas pesquisas, além do desenvolvimento de diversos tipos demodelos computacionais, os matemáticos também buscavam identificarqual tipo de problema seria solúvel através desses modelos. Sobre aspesquisas envolvendo essa identificação, destacam-se os matemáticosAlonzo Church e Alan Turing, os quais chegaram a um mesmo resultado

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por caminhos diferentes; Church utilizando noções relacionadas adeterminados tipos de funções e Turing através de um modelocomputacional denominado a “máquina de Turing” (Turing, 1936-1937,p. 230-265). Essa “máquina”, descrita teoricamente, seria um artefatoque realiza cálculos por meio de uma seqüência de operações àsemelhança da maneira pela qual Turing imaginava que os matemáticosconduziam o seu raciocínio para a resolução de problemas matemáticos.A idéia de uma seqüência de operações padronizadas para resolução deproblemas deu origem ao conceito de algoritmo o qual se pode definirgenericamente por: conjunto finito de instruções simples e precisas quechega a um resultado num número finito de passos.1

Com o desenvolvimento dos primeiros computadores digitaisnas décadas de 40 e 50, o modelo computacional teórico criado porAlan Turing se notabilizou na prática, porém, faltava-lhe uma avaliaçãono tocante ao tempo de computação e ao espaço de armazenamentode informações necessários para a sua execução, o que, tanto naquelaépoca quanto atualmente, continua sendo uma questão crucial na teoriada computação. Assim, no início da década de 40, os matemáticosHartmanis e Stearns apresentam a idéia chave de medir o tempo e oespaço necessários para a computação de um dado algoritmo emfunção do tamanho de seus dados de entrada, dando origem aosestudos em “complexidade algorítmica” (FORTOW; HOMER, 2002).

Esta linha específica de pesquisa em complexidade contribuipara os estudos sobre complexidade de modo geral, propondo umamedida referente ao esforço computacional necessário para o cálculode problemas práticos matematicamente representáveis, tais como aenumeração das diferentes maneiras para distribuição de recursos ou,ainda, a busca pelo caminho mais curto entre dois pontos numa rederodoviária ou numa rede de transmissão elétrica.

Esse tipo de medida permite um planejamento com base naotimização de processos e resultados bem como a identificação de

1 Adaptação de definição consultada em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Tese_de_Church-Turing>. Acesso em: 03 mar. 2006.

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problemas não computáveis, além de servir como ponto de partidapara a criação de outras medidas de complexidade com base emconceitos oriundos da teoria da informação (CHAITIN, 1992). Nestavertente, a complexidade é medida através da mais curta seqüência depassos (o algoritmo mais simples) capaz de resolver um dado problemaprático ou, então, capaz de reproduzir o comportamento de um dadofenômeno observável, contanto que este problema, ou este fenômeno,seja representável através de algoritmos.

A limitação das aplicações desta linha de pesquisa ao estudo dacomplexidade reside precisamente na exigência de representabilidadepor meio de um algoritmo. São inúmeros os fenômenos que nãoatendem a essa exigência uma vez que, como vimos acima, algoritmosconstituem-se, genericamente, “de um conjunto finito de instruçõessimples e precisas que chega a um resultado num número finito depassos”. A principal dificuldade está na exigência de precisão, a qualnão é satisfeita até mesmo por descrições relativamente simples realizadasem linguagem natural porque o seu significado é dúbio frente ao rigorda linguagem formal dos algoritmos. Essa dubiedade da linguagemnatural pode ser identificada por diversos aspectos como, por exemplo,o contexto no qual uma frase é dita, o tom da voz de quem a enunciaou a ênfase dada a esta ou aquela palavra por meio de uma fala maispausada. Sobre essa questão, citamos Demo (2002, p. 19):

É preciso perceber os limites da codificação, que são os mesmos dasintaxe. No plano da semântica, código é apenas insumo. Seusignificado é sempre reconstrutivo, intrinsecamente criativo e caótico.

Enfim, há sérias dúvidas quanto à possibilidade de se realizar umatradução completa da linguagem natural para a linguagem formal dosalgoritmos. Por este mesmo motivo, Manson (2001, p. 405-414) tambémlembra que a complexidade algorítmica não comporta uma representaçãoadequada aos fenômenos sociais e tampouco ao vastíssimo campo daspossibilidades da experiência humana, tais como a vivência de algo e osentido atribuído a essa vivência, por serem subjetivos e singulares.

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Apesar dessa limitação, a complexidade algorítmica oferececontribuições interessantes a estudos em cognição humana quandobusca representar algoritmicamente alguns processos cognitivos.

O mecanicismo determinista, a irregularidade do caos e acomplexidade determinística

Para tratarmos do conceito de mecanismo determinista,voltamos novamente no tempo, desta vez ao século XVII, quando asLeis do Movimento e a Lei da Gravitação Universal enunciadas porNewton fundamentavam a cosmovisão de que todo o universo é umaespécie de mecanismo deterministicamente previsível pela solução dasequações matemáticas que constituem essas leis.

Respaldada por mais de dois séculos de comprovaçãoexperimental, a Mecânica Clássica chegou à virada do século XIX parao XX representando o apogeu do saber científico. Os pressupostosbásicos dessa cosmovisão, conforme resumidamente apresentados pelofísico e pesquisador em complexidade Luís Alberto Oliveira (2003, p.140), seriam os seguintes:

- A natureza é simples em seu nível elementar (componentes) e,- As características dos mecanismos (totalidades) formados pelos

componentes elementares são determinadas unicamente pelascaracterísticas (propriedades) desses componentes tomadosindividualmente.

Essa forma de compreender o mundo desconsiderava apossibilidade de um acréscimo qualitativo às propriedades da totalidadea partir das interações entre os componentes elementares na composiçãodessa totalidade, considerando apenas a justaposição ou somatóriodas propriedades de cada componente. A partir dessa forma decompreensão do mundo, buscava-se a explicação dos diversosfenômenos físicos e, em especial, o movimento dos astros conhecidosdo sistema solar por meio das expressões matemáticas correspondentes.

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Levando-se em consideração apenas dois corpos celestes, talexplicação já havia sido fornecida pelo próprio Newton em 1687, oque equivale a dizer que os cálculos matemáticos utilizando as Leisacima citadas já haviam sido resolvidos algebricamente para dois corposquaisquer, ou seja, de qualquer massa, velocidade e a qualquer distânciaentre si. Contudo, o mesmo problema para três corpos permaneciasem solução. Segundo o paradigma mecânico clássico, a diferença entreo cálculo para dois e para três corpos só deveria variar em termos dequantidade de cálculos, devendo ser um processo apenas maistrabalhoso quantitativamente sem alteração qualitativa no tocante aoscálculos exigidos. Todavia, apesar das inúmeras tentativas, o problemapermanecia sem solução.

Foi então que, alguns anos antes da passagem para o século XX,o Rei da Suécia anunciou a realização de uma competição matemática,oferecendo um prêmio para quem resolvesse o já bastante conhecido“problema dos três corpos”. Tratava-se de calcular a trajetória precisade três corpos celestes numa configuração análoga à do Sol, da Terrae da Lua, ou seja, o segundo corpo orbitando em torno do primeiroe o terceiro corpo orbitando em torno do segundo. A competiçãopermaneceu sem ganhador e o problema sem resposta até quando ológico Henri Poincaré, em meados dos anos 1890, provou que oproblema dos três corpos não tem solução!

Uma vez que a apresentação de explicações matemáticas maisdetalhadas referentes ao problema dos três corpos foge ao escopodeste artigo, vamos nos limitar a uma citação dos tipos de equaçõesmatemáticas envolvidas na busca da solução e como aimpossibilidade descoberta por Poincaré levou a um tratamentoqualitativo do problema.2

Partindo-se das Leis de Newton, a representação matemáticado problema dos três corpos é dada por equações diferenciais. Estetipo de equação pode ser linear ou não linear. No primeiro caso, as

2 Para maiores detalhes matemáticos do problema dos três corpos o(a) leitor(a) podereferir-se, por exemplo, a Wolfram: A New Kind of Science, 2002, cap. 7.

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equações sempre possuem solução, mas, no segundo, há as seguintespossibilidades quanto a soluções: soluções gerais obteníveisalgebricamente e, portanto, válidas para todos os valores possíveis desuas variáveis; soluções particulares para valores constantes atribuídosàs suas variáveis ou, ainda, impossibilidade de qualquer solução. Aomostrar que as equações que descrevem o problema dos três corpossão não lineares e não possuem solução geral, Poincaré provou que oproblema dos três corpos não pode ser resolvido algebricamente emfunção das suas variáveis. Dito de outra forma, este problema só admitesoluções particulares.

Contudo, Poincaré não desistiu do problema e partiu para umestudo qualitativo das trajetórias possíveis dos três corpos para casosparticulares. Seu objetivo era descobrir se as soluções específicas paradiversos valores constantes resultariam em trajetórias que tenderiam aum equilíbrio estacionário (como uma esfera sobre uma superfícienão inclinada com um mínimo de atrito), ou a uma órbita periódica(como um pêndulo num campo gravitacional sem atrito) que oscilariaeternamente entre dois extremos formando um movimento periódico,ou ainda, algum outro tipo de movimento conhecido. Diante dessaindagação, Poincaré partiu para a substituição das variáveis das equaçõesque descreviam o movimento dos três corpos por constantes,permitindo o cálculo de soluções específicas, uma vez que a soluçãogenérica, válida para quaisquer três corpos em quaisquer posições,velocidades e massas, não era algebricamente obtenível.

Assim, Poincaré identificou quais constantes geravam quais tiposde trajetórias, buscando, com isso, descobrir como as soluções dasequações variavam em função das constantes que ele atribuía às diversasvariáveis. Com esse procedimento, Poincaré constatou que as equaçõesdiferenciais não lineares que representavam o deslocamento dos trêscorpos apresentavam soluções extremamente irregulares, gerandotrajetórias totalmente díspares.

O mais desconcertante era que pequenas alterações nos valoresconstantes atribuídos às variáveis – partes da equação – geravam

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alterações matematicamente desproporcionais, aperiódicas, eimprevisíveis no resultado da equação como um todo. Esses resultadosferiam os pressupostos da mecânica clássica, que previa variaçõesregulares, proporcionais e periódicas para a equação (o todo) a partirde alterações análogas nas suas variáveis (as partes).

Apesar dessa aparente contradição ao paradigma mecânico clássico,este gerava previsões suficientemente aproximadas para a maior partedos fenômenos estudados na época, proporcionando inúmeras aplicaçõestecnológicas que se materializavam nas Máquinas da Revolução Industrial.Além disso, a dificuldade em realizar os cálculos efetuados por Poincaréà mão, levou os cientistas a não se interessarem pelos resultados obtidospelo lógico e, de um modo geral, a classe científica desconsiderava asparcelas não lineares de seus cálculos. Entretanto, foi a atitude investigativade Poincaré que deu partida aos estudos que vieram a ser futuramentechamados de Teoria da Catástrofe, caracterizada por resultadosdesproporcionais e imprevisíveis a partir de pequenas alterações nosvalores assumidos por suas variáveis. Esta teoria é uma das que compõema linha de pesquisa em “complexidade determinística”.

Nos dias atuais, esta linha de pesquisa talvez seja a que possui omaior campo de aplicação dentre todos os estudos em complexidade,porque a sua representação original já é matemática e permite o empregoda simulação computacional por meio da modelagem dinâmica nãolinear de diversos fenômenos. A denominação modelagem “dinâmica”refere-se às modelagens que utilizam o tempo como uma das variáveisque formam as equações diferenciais não lineares, significando queessas equações modelam o comportamento de um dado fenômenonão linear ao longo do tempo. Entre os fenômenos estudados poressa linha de pesquisa estão os biológicos, ambientais, climáticos e,para alguns pesquisadores, até mesmo certos fenômenos sociais, taiscomo processos econômicos, populacionais ou ainda ligados àeducação. Como exemplo deste último caso, citamos Pedro Demo(2002) que, no título de seu livro sobre complexidade e aprendizagem,utiliza a expressão “dinâmica não linear” referindo-se ao conhecimento.

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O emprego da simulação computacional de fenômenos pormeio da modelagem dinâmica não linear acelerou quantitativamente eampliou qualitativamente o procedimento de Poincaré no problemados três corpos. Além de viabilizar a imensa quantidade de cálculospara obtenção de resultados particulares para valores constantes dasvariáveis das equações, permitiu a realização de cálculos referentes àsvariações entre os resultados obtidos, possibilitando também a eventualidentificação de regularidades no aparecimento das diferenças entreessas variações. Com isso, os pesquisadores passaram a ter informaçõessobre a maneira como os resultados variam e não apenas sobre osresultados em si. Justapondo-se todas essas informações e utilizandoos recursos gráficos da computação, pode-se fazer um mapeamentotanto de resultados quanto de variações nos resultados para cada umdos valores constantes atribuídos às variáveis. Como cada variávelrepresenta uma característica do fenômeno simulado e cada valorconstante um estado possível da variável correspondente, omapeamento matemático das soluções corresponde ao mapeamentodos comportamentos possíveis do fenômeno modelado. Aqui cabelembrar que esta correspondência entre modelo matemático efenômeno é uma premissa da simulação e que sua validade dependede o fenômeno ser efetivamente representável pelas referidas equações.

A partir desse procedimento repetitivo de simulação porcomputador, percebeu-se que, embora as equações diferenciais nãolineares tivessem um comportamento desproporcional, aperiódico eimprevisível, jamais assumindo o mesmo valor duas vezes, para algumasdelas o mapeamento das diversas soluções particulares tendiam acompor “regiões de soluções possíveis”. Como essas regiõesrepresentam não apenas as soluções particulares, mas, também, osencaminhamentos possíveis do fenômeno modelado, denominou-seestas regiões de “atratores estranhos”. Chama-se “atrator” ocomportamento para o qual o modelo dinâmico converge. Adenominação “estranho” deve-se ao fato de este comportamento nãoser um valor constante mas, ao invés disso, uma região que abriga

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diversas possibilidades de convergência. Sem um valor de convergênciaconstante para a equação, não há como prever qual será o respectivocomportamento do fenômeno. Apesar disso, esta linha de pesquisaem complexidade é chamada de determinística porque os fenômenosestudados nessa linha de pesquisa podem ser representados porequações matemáticas e a sua simulação define regiões de soluçõespossíveis – “atratores” – calculados com base nessas representaçõesmatemáticas.3

Um dos precursores contemporâneos deste tipo de pesquisafoi o matemático dedicado à meteorologia, Edward Lorentz. Já noinício da década de 60, realizando simulações para a evolução no tempodas variáveis: pressão, temperatura, velocidade e direção do vento,Lorentz percebeu que alterações nas constantes tão pequenas quantodécimos de milésimos, ou seja, a partir da terceira casa decimal, geravamuma alteração estrondosa na previsão simulada dos ventos para algunsmeses à frente. A extrema sensibilidade dos resultados das simulaçõesaos valores constantes que representavam as diversas possibilidadesdas condições iniciais do deslocamento das massas de ar, resultou naconstatação que seria impossível fazer previsões meteorológicas amédio-longo prazo, independentemente da capacidade computacionaldisponível. A limitação para a obtenção de um resultado preciso nãose refere à quantidade de cálculos, mas a uma qualidade das equaçõesnão lineares: mesmo possuindo soluções particulares, seus resultadospodem ser extremamente sensíveis aos valores assumidos pelas variáveiscomponentes.

3 Aqui cabe uma observação quanto à diferença entre determinação e previsibilidade.Um fenômeno é considerado determinado quando se atribui uma equação matemáticapara a descrição de seu comportamento. Tal condição foi considerada equivalente àprevisibilidade porque os fenômenos mais estudados eram representáveis por equaçõesque sempre possuíam soluções algébricas, ou seja, para todos os casos, permitindo umaprevisão para o comportamento do fenômeno em cada caso. Contudo, com o estudomais detalhado de fenômenos cuja representação matemática é dada por equaçõesdinâmicas não lineares sem solução algébrica [somente com soluções particulares] ousem solução alguma, percebeu-se a distinção entre determinação e previsibilidade,como ocorre quando o fenômeno apresenta diversas previsões possíveis para cadacaso, ou seja, o fenômeno é imprevisível. Em alguns casos, a Teoria das Probabilidadesestima os comportamentos mais prováveis dentro dessa região de possibilidades. (ROSA,2005, p. 37, p. 39 e p. 49).

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Essa constatação de Lorentz gerou o vulgarmente conhecido“efeito borboleta”, que sugere a possibilidade de ocorrência de umtufão no Oceano Atlântico (efeito desproporcional) devido ao baterdas asas de uma borboleta no Japão (variação mínima nos ventos).Embora esta formulação do “efeito borboleta” seja um tantoexagerada, ela retoma os resultados de Poincaré no tocante àdesproporcionalidade no resultado da equação a partir de uma pequenavariação numa de suas variáveis.

Apesar da magnitude dessa constatação, ainda havia maisdescobertas a serem realizadas sobre esse tipo de modelagem e sobreos fenômenos simuláveis por equações dinâmicas não lineares. Em1970, o ecologista Robert May estudava o comportamento da taxa denatalidade de insetos em função da disponibilidade de alimentosutilizando simulação computacional. Variando-se os valores daalimentação disponível num modelo dinâmico não linear, percebeuque, para determinados valores críticos, os resultados para a taxa denatalidade levavam o dobro do tempo para retornar aos valores deequilíbrio. Aplicando-se esses valores críticos diversas vezes seguidasna simulação, a taxa de natalidade vai dobrando o tempo para voltarao equilíbrio até adotar um comportamento totalmente caótico, ouseja, desproporcional e imprevisível quanto à volta ao equilíbrio.

Nesse resultado simulado, observou-se que o modelo apresentoudiversas possibilidades de comportamento. Na situação de equilíbrio,a sua solução (atrator) é um único valor constante. Quando o modeloé simulado utilizando-se certas constantes críticas, ele passa por umestágio de mudança de comportamento, apresentando diversos atratoresconstantes. A partir de certo número de simulações com as constantescríticas, o modelo muda completamente de comportamento, passandoa gerar um atrator estranho, ou seja, as simulações repetidas para ummesmo valor fixo geram uma solução diferente, formando uma regiãopossível de soluções que variam a cada simulação. Considerando-seque cada valor constante atribuído a uma variável pretende representarum estado de coisas, quando identificamos um valor numérico

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(constante crítica) que duplica o período de volta ao estado inicial (deequilíbrio), identificamos também o estado de coisas que correspondea esse valor numérico. Conseqüentemente, como resultado prático dasimulação do fenômeno, pode-se concluir que a manutenção desseestado de coisas ao longo do tempo levará a um comportamentocaótico do fenômeno em questão.

Curiosamente, em 1975, o físico Mitchell Feigenbaum estavapesquisando variações nos resultados de um determinado tipo defunção matemática e percebeu o mesmo comportamento observadopor Robert May. Para certas constantes, a função convergia para umvalor fixo, porém, para uma outra constante, o período para retornoao estado inicial de equilíbrio dobrava, para uma seguinte quadruplicava,depois passava para um período oito e assim sucessivamente, até tornar-se caótica. Aprofundando-se em seu estudo, Feigenbaum verificou quea razão entre as constantes que geram a sucessiva duplicação de períodoera sempre a mesma: o número 4,6692016090! Impressionado comessa regularidade intimamente ligada ao surgimento do comportamentocaótico, Feigenbaum pesquisou outras funções matemáticas e, para suasurpresa, obteve o mesmo número para a razão entre constantes queduplicavam os períodos dessas outras funções.

Estranhamente, ele havia descoberto o que parecia não existirnas equações dinâmicas não lineares: uma regularidade nas condiçõesque levam ao comportamento caótico de diversas equações. Essadescoberta, que foi ampliada para além das fronteiras exclusivamentematemáticas trespassando para a modelagem de fenômenos físicos ebiológicos, fundamenta a idéia atualmente muito propalada que há“uma semente de ordem no caos”. Na linguagem de modelagemmatemática, isso quer dizer que, embora uma equação não linear possavir a gerar atratores estranhos (comportamento caótico) quando suasvariáveis assumem constantes críticas, estas constantes podem possuiruma proporcionalidade fixa entre si (ordem). Em outras palavras, umfenômeno representado por uma equação dinâmica não linear podeser aparentemente estável, convergindo para um único comportamento

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em certas condições, porém, poderá passar a assumir um númerofinito crescente de comportamentos até assumir um atrator estranho,se essas condições forem alteradas. O curioso é que as condições quegeram essa seqüência de comportamentos, que parte de umcomportamento ordenado e atinge um comportamento caótico,podem possuir alguma proporcionalidade ou simetria entre si.

O potencial que as equações não lineares possuem para mudarde atrator, por exemplo, de um valor fixo para oscilação entre dois oumais valores, até finalmente gerar um atrator estranho, foi nomeadopor Feigenbaum de “bifurcação”. Transposto para o fenômenomodelado, o ponto de bifurcação é aquele em que o fenômeno irámodificar o seu comportamento, que pode passar de umcomportamento sempre igual, para um comportamento que varie entreduas ou mais opções, até tornar-se um comportamento caótico,imprevisível, embora dentro de um espaço de possibilidades.

Obviamente, a busca pela identificação dos pontos de bifurcaçãoé fundamental para tentar evitar desdobramentos indesejáveis dofenômeno estudado ou, na pior hipótese, estar preparado para essesdesdobramentos. Por esse motivo, a possibilidade de identificar ospontos de bifurcação de fenômenos por meio de simulação constituium aspecto fundamental na aplicação prática das simulações demodelos dinâmicos não lineares.

Além desses resultados de pesquisas realizadas ainda em 1975por Feigenbaum sobre fenômenos que podem assumircomportamentos caóticos, temos ainda as pesquisas realizadas por ummatemático chamado Benoit Mandelbrot, que nesse mesmo anofinalmente identificou uma regularidade inesperada que ele haviacomeçado a estudar vinte e cinco anos antes, quando realizava umapesquisa sobre distribuição de renda numa economia. Trata-se de umaoutra forma de regularidade associada ao caos, dada por meio deuma simetria entre escalas de medida significativamente diferentes: o“fractal”. Mandelbrot identificou essa simetria ao perceber que o gráficoque representava pequenas variações diárias da evolução do preço do

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algodão era uma curva simétrica em menor escala dessa mesma variaçãoao longo de um mês. Essa descoberta foi totalmente inesperada porquese imaginava que as variações ao longo de um único dia fossemaleatórias e, portanto, independentes das variações que ocorriam amédio-longo prazo, estas sim determinadas pela evolução global daeconomia. Contudo, Mandelbrot mostrou que havia uma simetria entreas variações de curtíssimo prazo e as de médio-longo prazo e que essasimetria se manteve ao longo de sessenta anos, resistindo às duas grandesguerras mundiais bem como à depressão de 1929. Tal permanênciaao longo do tempo em contextos tão diferenciados mostrava umaespécie de regularidade subjacente ao fenômeno, sugerindo que talsimetria não era obra do acaso e que se mantinha mesmo em períodosde grandes variações na situação global da economia.

Ante todas essas pesquisas e resultados, percebemos que ao longodo tempo os fenômenos complexos podem apresentar umcomportamento regular (atrator fixo), e que esta regularidade podeevoluir para um comportamento caótico (atrator estranho), porém,essa transformação qualitativa de comportamento pode não seraleatória porque as condições (pontos de bifurcação) que geramatratores estranhos podem possuir proporções e simetrias entre si,tanto ao longo do tempo numa mesma escala (a constante deproporcionalidade de Feigenbaum) quanto entre escalas de tempo (diase meses no estudo de fractais de Mandelbrot).

Em suma, os estudos em complexidade determinística giramem torno das Teorias de Catástrofe e do Caos. A primeira refere-se afenômenos que sofrem alterações abruptas e de grandes proporçõesnuma de suas características a partir de pequenas alterações em umaoutra; e a segunda postula que há uma ordem acessível subjacente aocaos, aparentemente aleatório. Como ferramentas de pesquisa, ambasas teorias utilizam modelagem matemática dinâmica não linear, osconceitos de atratores fixos e atratores estranhos, sensibilidade acondições iniciais, bifurcação e fractais.

De uma maneira geral, esta linha de pesquisa em complexidadeassume que uma pequena quantidade de variáveis relacionadas entre si

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através de um conjunto conhecido de equações não lineares poderádescrever o comportamento de um fenômeno complexo. Emborapermita a obtenção de diversos resultados teóricos e práticos comovimos acima, essa premissa corresponde a um dos principais problemasenfrentados por essa linha de pesquisa em complexidade, especialmentequando se trata de aplicações nas ciências sociais, tal como ocorre nalinha de pesquisa em complexidade algorítmica. No exemploapresentado acima, as equações que modelam a taxa de crescimentode uma população de insetos não têm variáveis previstas para cultura,distribuição espacial ou movimentos migratórios, entre tantas outrasque seriam necessárias para uma tentativa de aplicação da modelagemao fenômeno social humano. A inclusão de tantas variáveis no modeloacabaria por torná-lo inviável para cálculo (MANSON, 2001), isso semconsiderar a dificuldade em representar uma variável como culturaem linguagem matemática.

Pode-se, contudo, argumentar por uma aplicabilidade adaptadada linha de pesquisa em complexidade determinística aos fenômenoshumanos, realizando-se uma analogia de alguns de seus conceitos. Comefeito, a sensibilidade a pequenas variações nas condições iniciais e opotencial de bifurcação das equações dinâmicas não lineares podemser considerados análogos à imprevisibilidade dos comportamentossociais em longo prazo, questionando a validade de discursos ou teoriasque visam à predeterminação do desenvolvimento de uma sociedade.

Um outro ponto de partida para uma possível analogia poderiaser a característica da modelagem não linear em gerar grandes variaçõesno resultado da equação a partir de uma pequena alteração no valorde uma de suas constantes, o que sinaliza a importância de se estaratento para os desdobramentos globais de transformações locais nasdiversas sociedades.

Finalmente, a exemplo da repetição de valores proporcionaisque geram bifurcações sucessivas e que terminam por disparar umatrator estranho nas equações não lineares, pode-se concluir que numsistema social deve-se prevenir a repetição de condições de bifurcação

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sucessivas que alteram um estado inicial de equilíbrio, antes de se atingira bifurcação crítica que gera o comportamento caótico.

A noção de sistema e os estudos em complexidade agregativa

Até este ponto, percorremos as linhas de pesquisa que tratarama complexidade como algo que surge numa seqüência de instruçõespara resolução de um dado problema (algoritmo) ou docomportamento caótico de equações dinâmicas não lineares e dosfenômenos por elas representados. Para tratarmos da linha de pesquisaque se baseia num enfoque agregativo à complexidade, partiremos daidéia de formação da complexidade a partir de uma agregação oureunião de elementos que interagem entre si, e que Manson (2001)denominou “complexidade agregativa”. Para compreender melhor aidéia de formação de complexidade por agregação, recorreremos auma volta no tempo até a década de 60, quando o biólogo Ludwigvon Bertalanffy dedica sua atenção para a formação de uma TeoriaGeral dos Sistemas (TGS), após ter desenvolvido um trabalho extensoe vigoroso sobre a abordagem orgânica ao desenvolvimento biológico.

A Teoria Geral dos Sistemas, no dizer de seu criador, Ludwigvon Bertalanffy, é “uma disciplina lógico-matemática, em simesma puramente formal, mas aplicável às diversas ciênciasempíricas [...]”. Em um sentido genérico, conjunto deelementos relacionados entre si, ordenados de acordo comdeterminados princípios, formando um todo ou umaunidade. (MARCONDES; JAPIASSÚ, 1991, grifo nosso).

A partir dessa definição, percebe-se que a noção geral do queseja um “sistema” permite uma aproximação com a noção geral doque seja “complexidade”, uma vez que tem o seu foco no todoformado a partir dos “relacionamentos” entre seus elementosconstituintes, diferentemente do paradigma mecânico clássico, ondeapenas as propriedades individuais desses elementos são relevantes paraa caracterização do todo. Assim, é na agregação de elementos interativos

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que se forma um todo complexo, ou seja, não explicável apenas pelascaracterísticas de seus elementos tomados isoladamente. Daí adenominação complexidade agregativa.

Embora a TGS parta de uma formulação matemática, em suaversão conceitual esta teoria procura enfatizar as interações entre aspartes que constituem os sistemas e destes com o meio ambiente. Comoestas interações são a característica fundamental da linha de pesquisaem complexidade agregativa, elas compõem o elo básico na associaçãodessa linha de pesquisa com a TGS.

Contudo, cabe esclarecer que a complexidade agregativa não éuma mera aplicação da TGS, uma vez que a primeira gerou diversosavanços conceituais em relação à segunda, tais como: o estudo deentidades variáveis que assumem relações não lineares entre si; a avaliaçãoqualitativa dos fluxos entre entidades no sistema e seu meio ambientee, principalmente, a emergência de comportamentos complexos dossistemas a partir de interações relativamente simples entre as suasentidades constituintes. Em outras palavras, a linha de pesquisa emcomplexidade agregativa avança em direção ao estudo das diversasfacetas do holismo e da sinergia,4 resultantes da interação entre oselementos que compõem um determinado sistema complexo. Por estemotivo, esta linha de pesquisa é bastante empregada para estudosrelativos a processos vivos.

Os conceitos-chave para o entendimento da complexidadeagregativa são os seguintes (MANSON, 2001):

- relações entre componentes;- estrutura interna e condições das proximidades ambientais do

sistema;- comportamento de memória e aprendizagem;- comportamento emergente, e- os diferentes meios pelos quais os sistemas complexos mudam

e crescem.

4A etimologia da palavra “sinergia” vem do grego: Syn (junto) e Ergo (trabalho), apontandopara o significado de “trabalho em conjunto” no sentido de cooperação, aperfeiçoamentomútuo. LINS, S. Sinergia – fator de sucesso nas realizações humanas. Rio de Janeiro:Elsevier, 2005.

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Como já dissemos, o núcleo da complexidade agregativaconsiste nos “relacionamentos” entre os componentes do sistemacomplexo, sendo as características ou propriedades dessesrelacionamentos – e não as dos próprios componentes – a chave mestraque define a complexidade do sistema. Passaremos, então, à descriçãodessa forma de complexidade.

Em primeiro lugar, na grande maioria dos sistemas complexosagregativos, destaca-se a impossibilidade de mapeamento de todas asinterações entre os componentes do sistema (fluxos internos) e com oseu meio ambiente (fluxos externos), devido à enorme quantidade evariedade dessas interações. Apesar dessa impossibilidade, é com basenesses fluxos de energia, informação ou matéria que percebemos osprocessos inerentes à complexidade agregativa.

Um desses processos é a formação de uma espécie de “estruturainterna” do sistema, a qual é definida pela força das interações entre oscomponentes e destes com seu ambiente externo. Pelo fato de esta“estrutura” ser extremamente dinâmica, ou plástica, pode-se imaginaruma “topologia interna” do sistema, mais do que propriamente uma“estrutura”, geralmente definida com base em relacionamentos pré-determinados e fixos ao longo do tempo. Assim, à medida que osistema complexo se desenvolve por agregação, os seus componentesvão interagindo com mais ou menos força uns com os outros,formando subsistemas a partir de ligações mais fortes, mais intensasou mais freqüentes entre componentes. Esse processo permite aformação de subsistemas diferentes, mesmo a partir de componentesassemelhados, valendo também a constante possibilidade de novosrearranjos nessas interações, formando, assim, novos subsistemas, dadaa característica dinâmica das interações ao longo do tempo.

Este aspecto dinâmico dos sistemas complexos é destacado porDemo (2002) que cita Prigogine (1996) e Prigogine e Stengers (1997),os quais propõem o conceito de “estruturas dissipativas” precisamentepara caracterizar uma “estrutura dinâmica” imprevisível, incontrolávele capaz de criatividade, apresentando sempre um “modo de serinovador de vir a ser”. (DEMO, 2002, p. 14).

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Uma outra decorrência da plasticidade da estrutura interna dosistema complexo é a relativa “autonomia” dos componentes dessetipo de sistema porque, devido à densidade relacional entrecomponentes, não há como unificar os objetivos de cada componentenum objetivo comum a todo o sistema (MANSON, 2001). Esta autonomiarelativa também é reforçada por Demo (2002, p. 21), associando-a àpossibilidade de aprendizagem e diferenciação qualitativa, característicasdo comportamento complexo.

Segundo Manson (2001), a memória (e o decorrenteaprendizado) dos sistemas complexos resulta principalmente do fatode sua interação com o ambiente externo não ser do tipo estímulo–resposta. A memória do sistema complexo permite que a sua interaçãocom o ambiente externo seja direcionada ao atendimento das suasnecessidades. Aliada a uma habilidade de ajustar um fluxo regular deenergia, informação e matéria de origem externa para dentro dosdiversos subsistemas, ocorre o que chamamos de crescimento do sistemacomo um todo. Nesse processo, a memória do sistema fica impressana sua estrutura dinâmica interna (HOLLAND, 1992 apud MANSON, 2001).

A memória gravada na própria estrutura dinâmica dos fluxosinternos e externos entre uma grande variedade de componentes esubsistemas ligados de maneira complexa viabiliza o aparecimento demais algumas características fundamentais dos sistemas complexos: suahabilidade em adotar formas específicas, reações e antecipações, bemcomo a capacidade de lidar com situações genuinamente novas,caracterizando o “aprendizado” do sistema. Este aprendizado édistribuído entre os diversos subsistemas porque, no processo deformação dos fluxos internos e externos, alguns subsistemas tornam-seespecificamente capazes para lidar com determinadas situações(especialização). Dessa distribuição de memória e aprendizado, decorrea necessidade de manter uma certa variedade de subsistemas, de modoa promover a capacidade do sistema como um todo em lidar com umamaior gama de situações novas. Por este motivo, a eliminação de relaçõesentre subsistemas e entre componentes pode afetar drasticamente tantoa resiliência quanto a adaptabilidade dos sistemas complexos.

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Devido a essa especialização, certos subsistemas podempermanecer “restritos” a interações localizadas, não havendo um fluxode energia, informação ou matéria comum a todo o sistema, emboradas interações entre subsistemas resulte o sistema como um todo. Emsuma, localidade e totalidade se constituem de forma diversificada esingularizada, não havendo uma lei de formação geral para essaconstituição.

Uma vez que já foram apresentadas as possibilidades de fluxosinternos e externos ao sistema complexo, cabe esclarecer que ademarcação entre interno e externo a um sistema complexo nemsempre pode ser estabelecida de maneira muito clara, uma vez que talcomo sua estrutura interna é dinâmica, seus limites também o são.Contudo, independentemente da clareza nessa demarcação, o sistemacomplexo apresenta um fluxo de matéria, energia, e informação atravésda sua estrutura dinâmica e são esses fluxos que resultam nas ações einterações dos seus componentes, na formação de subsistemas, nafixação de sua memória, aprendizado e especialização que beneficiamo sistema como um todo.

Como já dissemos, as possibilidades de um sistema complexoestão além do acúmulo das propriedades de suas partes tomadasindividualmente. Isso significa dizer que tal sistema apresentaráqualidades que não são tratáveis analiticamente pela justaposição ousomatório das propriedades dessas partes. Essas qualidades sãodenominadas de “emergentes”. Dito de outra forma, a emergênciasurge em função da sinergia entre os componentes de um sistema,permitindo a formação de características novas para todo o sistema,sendo que estas características não resultam da superposição – ou deum efeito aditivo – das características desses componentes.

Os fenômenos emergentes estão, via de regra, além de nossaspossibilidades de previsão ou controle. Por esse motivo, aoprovocarmos alterações num sistema complexo, mesmo que restritasa um único componente, a previsão do comportamento do sistemacomo um todo só poderá ser feita para curtíssimo prazo, uma vez que

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não há como prever a maneira pela qual essa alteração irá repercutirnas relações entre componentes e, conseqüentemente, na estruturadinâmica interna ao sistema. Nota-se, neste ponto, uma semelhança decaracterização da complexidade agregativa com a determinística notocante a que pequenas alterações em uma das partes podem geraralterações desproporcionais no comportamento de todo o sistema.

Embora não haja uma previsibilidade quanto a que alteraçõesocorrerão num sistema complexo e levando-se em conta que a suadinâmica é constante, identificam-se basicamente três tipos de transiçãoou estados assumidos por um sistema complexo: a) auto-organização,b) estado dissipativo, c) estado crítico auto-organizado.

A auto-organização é o estado que permite a reorganização daestrutura dinâmica interna do sistema, transformando tanto a suainteração com o ambiente quanto a forma de aprendizado, através depequenas alterações sucessivas na dinâmica dos fluxos internos. O estadodissipativo ocorre a partir de um fluxo externo ou perturbação interna– mesmo que pequena – levando o sistema a um estado altamentedesorganizado para, repentinamente, adotar uma nova organização,ou seja, uma nova estabilização temporária na dinâmica dos fluxosinternos e no fluxo externo. Quando o sistema permanece no limitede entrar em colapso sem, contudo, fazê-lo, ele está empregando a suacapacidade auto-organizacional de permanecer num estado crítico,marcado pela ocorrência de mudanças tão rápidas a ponto de o sistemanão ser capaz de acomodá-las. Algumas pesquisas indicam que tal estadoé mantido por motivos de sobrevivência do sistema.

A principal vantagem da linha de pesquisa em complexidadeagregativa está no seu desafio às noções convencionais de estabilidadee mudança. Embora uma grande parte do sucesso da ciência tenhasido obtido dentro de uma visão de estabilidade dos sistemas, tal nãoocorre no estudo de sistemas complexos. Por esse motivo, a pesquisaem complexidade concentra-se em conceitos ligados à diversidade,tais como: “equilíbrios múltiplos”, falta de previsibilidade, ineficiência,dependência contextual e assimetria, favorecendo sua aplicação àsciências sociais bem como aos fenômenos e comportamentos humanos.

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A despeito dessas vantagens, o emprego dos conceitos da linhade pesquisa em complexidade agregativa ainda enfrenta importantesdificuldades metodológicas, tais como:

a) falta de estabelecimento de uma demarcação de fronteirasentre sistemas e destes com seu ambiente externo;

b) imprecisão nas definições tanto de seus conceitos-chave quantodos comportamentos dos sistemas (aprendizado, adaptação,auto-organização, entre outros);

c) realização de uma correspondência coerente entre todos oscomportamentos atribuídos a um sistema complexo e osobservados num sistema real;

d) representação desses comportamentos dinâmicos, transientese historicamente dependentes utilizando uma matemáticaorientada ao equilíbrio, e

e)representação matemática da emergência em fenômenos sociais.

Uma possibilidade de superação dessas dificuldades estaria nacrescente sofisticação de técnicas de simulação, todavia, o grande desafioserá distinguir resultados legítimos que espelhem os fenômenosmodelados de resultados puramente matemáticos, criados pelamodelagem.

Mesmo com todos esses problemas, a linha de pesquisa emcomplexidade agregativa é bastante utilizada em simulaçõescomputacionais, especialmente em pesquisas sobre gestão empresarial,economia, ecologia e geografia social, para citar algumas (THRIFT, 1999apud MANSON, 2001).

Contudo, os estudos sobre complexidade agregativa não estãolimitados a simulações computacionais. As perspectivas pós-modernase pós-estruturalistas ligam a complexidade ao comportamento social,linguagem e ética, entre tantos outros. Como exemplo, Manson (2001)cita Lyotard no tocante à sua concepção de forças criadoras dediversidade social através de dissensão e desestabilização, constituindouma possível descrição de comportamento auto-organizado gerador

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de um estado crítico. Spurrett (1999) cita como outro exemplo omodelo de linguagem em Saussure – e seu posterior desenvolvimentopor Derrida, onde o significado dos signos não se refere ao seuconteúdo, mas às relações dos signos entre si, apontando para o estudoda linguagem enquanto sistema complexo, caracterizando-a com basenas relações entre seus componentes, conforme comentado por Cilliers(1998). Em seu artigo, este último autor propõe a aplicação do conceitode emergência na ética pós-moderna, considerando valores éticos comopropriedades emergentes de sistemas sociais (CILLIERS, 1998). Emepistemologia, citamos McIntyre (1998), que avalia as implicaçõesepistemológicas e ontológicas das teorias da complexidade. Suaargumentação pretende defender uma visão epistemológica e nãoontológica dessas teorias, afirmando que sistemas complexos são formasepistêmicas de representação do real e não necessariamente correspondemà natureza ontológica do real. Indo mais além, McIntyre afirma que,enquanto representação, a noção de complexidade corresponde a maisum esforço – consoante à metodologia científica – no sentido de buscara ordem e a regularidade dos fenômenos bem como o seu entendimentoa partir da sua explicação simplificadora. Esta avaliação das teorias dacomplexidade parece alinhada à posição que Manson atribui aos“defensores da teoria da complexidade que a vêem como um meiode simplificar sistemas que se apresentam complexos” (MANSON, 2001,tradução minha). Contudo, esse mesmo autor lembra que, se a referidateoria possibilita uma simplificação, a sua aplicação ainda está longe deser simples, dadas as dificuldades inerentes a cada uma das três linhasde pesquisa em complexidade apresentadas acima.

Conclusão

Uma reflexão sobre as três linhas de pesquisa em complexidadeapresentadas neste artigo reforça o aspecto profundamenteinterdisciplinar deste conceito, não apenas quanto à sua formação aolongo de pesquisas que datam desde o século XVII, com a formulação

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do problema dos três corpos, mas também quanto à sua aplicabilidadea partir dessas pesquisas nos mais variados campos do saber.

Dada essa vasta aplicabilidade das teorias da complexidade emdiversas disciplinas, tomadas isoladamente ou em conjunto, bem comoa indefinição de alguns aspectos da complexidade, abre-se apossibilidade de representar os próprios pesquisadores emcomplexidade como componentes de subsistemas (as diferentes áreasdo saber) de um sistema complexo maior (a totalidade das diversasáreas do saber).

Partindo dessa possibilidade, faz sentido retomar a descriçãodos sistemas complexos agregativos, nos quais a diversidade e ainteratividade entre os subsistemas promovem a capacidade de lidarcom situações novas, fortalecendo a resiliência, adaptabilidade ecapacidade de aprendizagem. Levar estas características para a pesquisae prática interdisciplinar em equipe, talvez seja uma das maiorescontribuições que as teorias da complexidade possam oferecer àeducação neste momento.

A interdisciplinaridade, como regra, não é proposta individual,mas de equipe. Nesta, sim, podemos desfiar vários aportesespecializados, supondo que seja formada por especialistasoriundos de várias disciplinas, mormente daquelas histórica emetodologicamente mais distantes. Individualmente falando,o que pode [deveria] ocorrer é o esforço de alargar a basehorizontal do conhecimento por meio de outras leituras,pesquisas e elaborações, para além da especialização verticalizada.(DEMO, 2002, p. 09).

COMPLEXITY: THEORY ANDINTERDISCIPLINARY PRACTICE

Abstract: This article presents an interdisciplinary vision of complexity basedon research conducted in several areas. This permitted the recognition of commonand different points in three research areas of complexity: algorithmic complexity,deterministic complexity and aggregative complexity, reconstituted from their

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Virginia Maria Fontes Gonçalves74

origins. A bond between complexity and education is suggested in this paperthrough the research area of aggregative complexity because of its interdisciplinarystudies.

Key Words: Complexity. Interdisciplinary Education.

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O caráter formador do pensamentocomplexo: suas implicações éticas ea produção de novas subjetividades

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POR UMA PEDAGOGIA COMPLEXA:A REFORMA DO SUJEITO COGNOSCENTE

Rita de Cássia Ribeiro*

Resumo: O artigo reflete sobre a necessidade de uma reforma epistemológicapara conceber uma nova pedagogia. Nessa proposição pedagógica a tradição, aciência, a arte e a filosofia se conjugam como saberes necessários para a emergênciade um sujeito capaz de responder aos desafios do século XXI. A base para talreforma repousa na importância de uma perspectiva que enlace sujeito e objetodo conhecimento como extensão da experiência cotidiana do homem com omeio social e natural. O método complexo de Edgar Morin e o sistema decriação de valores de Tsunessaburo Makiguchi, com base na experiênciacomunitária, sugerem uma pedagogia complexa direcionada para uma reformaao mesmo tempo paradigmática e pragmática do sujeito cognoscente.

Palavras-chave: Pedagogia. Complexidade. Epistemologia.

* Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) epesquisadora do Grupo de Estudos da Complexidade (Grecom). E-mail:[email protected] - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano III n. 5 p. 79-100 2005

NÚMERO ESPECIALEducação e Complexidade

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Edgar Morin e a complexidade

Sempre que a palavra complexidade vem à tona, inevitavelmenteocorrem as seguintes questões: a palavra se refere à complicação, aalgo de difícil compreensão? E quando a ela se associa a palavrapedagogia pensa-se: não estar-se-ia realizando uma imprudênciametodológica, já que associar pedagogia à complexidade parece indicarque o ensinar e aprender partem de um nível mais difícil, ao contráriode uma “razoável” atitude de partir-se do nível mais simples, emreduzir-se a explicação ao que há de mais elementar na área específicado que se quer compreender, como dizem alguns críticos? Diante dequestões recorrentes como essas é preciso esclarecer primeiro o queentendemos por complexidade e a que reflexão estamos nos referindo.

A palavra complexo vem do latim complexus, cujo significado éo “que abraça, liga”. Em espanhol, adquire o significado de “amálgama,conjunto”. Para Edgar Morin, complexidade é uma composição cujoselementos heterogêneos são inseparáveis entre si, tal como uma colchade retalhos formada por partes muito diferentes, mas que formamuma unidade coerente, na perspectiva do conjunto, do todo. É tambémconexão das partes, uma vez que os vários retalhos que formam acolcha são emendados uns aos outros, fazendo aparecer ao final algototalmente diferente das partes, tomadas isoladamente. “Acomplexidade é efetivamente a rede de eventos, ações, interações,retroações, determinações, acasos que constituem nosso mundofenomênico” (MORIN, 2003, p. 44).

A complexidade vai além do jogo semântico que a palavra poderiapropor. Como problema epistemológico, a complexidade aparece comouma rendição. A ciência clássica abomina a contradição e considera errotudo que não é habitar o mundo perfeitamente conceitual, harmoniosoe perfeito, ao eliminar as impurezas da vida. Para ela, a regra é filtrar doimponderável, do fluir da vida, as imperfeições, para criar leis que, análogasà natureza, devem conduzir a resultados como a tecnologia, que se querneutra dos valores que impregnam a vida.

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No mundo dos artifícios científicos, sustentou-se durante muitotempo que tudo pode ser previsível. Entretanto, Morin nos diz que aciência clássica com seu mundo geometricamente perfeito mostrou-seincapaz de explicar fenômenos em outros domínios do mundo,tomando como instrumentos a lógica da certeza, da perfeiçãoconceitual, do equilíbrio e da ordem. Curiosamente, é na contramãodo desenvolvimento da própria ciência que Niels Bohr (1885-1962)enunciou a ambigüidade da matéria, ao identificar que o átomo secomporta, ao mesmo tempo, como onda e partícula, reduzindo, comessa afirmação, o domínio das afirmações fechadas e definitivas arespeito do mundo físico. A partir dessa virada científica, as afirmaçõesdevem ser contextualizadas e permitem apenas generalizações limitadasao campo empírico a que se referem, e mais, devem aceitar que oresultado de uma observação depende do ponto de vista de quem vêo fenômeno.

O princípio de incerteza de Werner Heisenberg, físico alemão(1901-1976), enunciado em 1926, mostra não apenas a ambigüidadeda matéria como também a descontinuidade e imprevisibilidade,abrindo caminho para a emergência do método complexo de EdgarMorin. Maria da Conceição Almeida traça o mapa cognitivo daproposta moriniana reconstituindo o caminho percorrido nessa direção.É Gaston Bachelard (1884-1962) em O novo espírito científico, dizAlmeida, quem usa pela primeira vez a palavra complexidade, nosentido de uma ciência nova. Além disso, Almeida aponta, entre outras,a influência de Warren Weawer (Ciência e Complexidade), de VonNeuman (Teoria dos Autômatos); de H. Simon (Architecture ofcomplexity); de Henri Atlan (O cristal e a fumaça); e de FriedrichAugust von Hayek (The Theory of Complex Phenomena).

É importante ressaltar a epistemologia que se esboça a partirdaí. A compreensão de um sujeito apartado do objeto, que possibilitariaa neutralidade do cientista diante de suas criações, é questionada emfunção de um novo olhar em que sujeito e mundo interagem. A novaciência deve se render ao fato de que o observador interfere na realidade

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que toma por “objeto”, “para vislumbrar a conexão irredutível entresujeito e objeto, objetividade científica e subjetividade, entre teoria eprática”, em outros domínios da vida do sujeito cognoscente, comoassinala Almeida:

A relação de simbiose entre política e ciência, ética, vida e idéiasassume uma voz que não pode calar no debate sobre ciência esociedade. Por fim, até mesmo a consciência de que a ciência éuma entre outras formas de representação do mundo e, por isso,precisa dialogar com diversos métodos e “outras configuraçõesdo saber”, começa a exercitar seus primeiros passos (ALMEIDA,2004, p. 12).

O reconhecimento de um nível de complexidade implícito naprópria vida enfatiza uma epistemologia que contempla uma construçãocientífica que emerge do contexto do sujeito. Para entender essa novidade,é preciso recorrer a idéias importantes como autopoiesis, que concebe avida como teia. O ser vivo é auto-eco-organizado, isto é, está atrelado ànecessidade vital da troca de informação entre ele e meio.

A compreensão desses liames na constituição mais elementar davida em todos os seres diz respeito à mudança da perspectiva da ciênciabiológica. Os organismos vivos se auto-organizam por meio de ummecanismo físico-químico-informacional, interagindo sempre com omeio (ATLAN, 1996). Maturana e Varela adotam a noção de“acoplamento estrutural” da vida desde um nível celular (2001). Nessaperspectiva, a vida é interação com o meio. Os seres vivos compõemum sistema autônomo e, ao mesmo tempo, necessitam do meio comoalimento, temperatura, abrigo e reprodução para, através dessascontingências, manter as condições internas que garantam a própriaautonomia. Dependência e autonomia são, pois, duas faces da mesmamoeda, no que diz respeito à dinâmica do ser vivo.

É a partir desta composição teórica com várias contribuições(uma verdadeira colcha de retalhos científica) que Morin reposiciona osujeito como construtor do conhecimento. No centro do pensamentocomplexo está a relação indissociável entre sujeito e o meio, tanto quanto

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as organizações e reorganizações necessárias para o desenvolvimentoda espécie e do indivíduo. Essa interrelação do sujeito com o mundocobra desse sujeito a responsabilidade sobre a natureza, estabelecendoum compromisso ético sobre as criações humanas. Não é possívelmais ao cientista, à maneira da ciência clássica, isentar-se dos resultadosde suas criações, principalmente com relação ao emprego da tecnologia,a convivência inter-cultural e os destinos da Terra-pátria.

Morin explicita esse posicionamento epistemológico em MeusDemônios (2002) e em o X da questão: o sujeito à flor da pele(2003), ao traçar o seu próprio trajeto intelectual, que engendra, a partirde 1977, a construção de um método complexo para a ciência.Sobretudo nas obras referidas, Morin relata fatos e acontecimentosligados a sua experiência que influíram em sua forma de pensar, sentire agir social, individual e politicamente. Uma infância marcada pelaperda da mãe e a procura de entender essa morte específica e, porextensão, o paradigma da morte, delinearam certas “obsessõescognitivas” por um conhecimento que deveria em última análiseresponder questões sobre a sua própria existência, configurando seupensamento, visão da vida e do mundo. Além dessa questão de fundo,o cinema, a leitura de romances, os tempos difíceis como judeu durantea Segunda Guerra Mundial e a incerteza quanto ao futuro que a própriaguerra anunciava, compuseram uma certa disposição mental e intelectualpara ler, interpretar e compreender o mundo.

Morin chama “reorganizações genéticas”, as novas organizaçõesconfiguradas por fatos e dramas pessoais, acontecimentos sociais,políticos e históricos, que se somam ao repertório intelectual e afetivodo sujeito. Para ele, as reorganizações genéticas permitem novas leiturasda realidade, novos arranjos intelectuais e éticos.

São três as reorganizações genéticas que Morin pontua, e queacabou por se constituir na base para a constituição do “métodocomplexo”. A primeira reorganização (a partir de 1947) diz respeitoao início de sua formação até a juventude, da descoberta da expressãopolítica quando se filia ao Partido Comunista. A saída do Partido, mais

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tarde, tornando-o um proscrito da esquerda, levou-o a integrar emsua formação “verdades isoladas”, “incertezas” e “a dúvida”. Morindeclara que a leitura do Manuscrito econômico-filosófico de KarlMarx deslocou o foco de seu interesse no marxismo para aantropologia, possibilitando assim associar ao “homem genérico” deMarx, a partir de questões próprias ao anthropos, a condição da espéciehumana sobre a Terra.

A segunda reorganização (1947-1967) corresponde à busca paracompreender a “totalidade deslocada, fragmentada e inacabada”.Procura ele ressaltar a “insuperabilidade das contradições”, as síntesesmarxistas, reativando a dúvida atinente ao “pensamento interrogativo”para torná-lo um componente negativo necessário para uma novaorganização do pensamento. Há também nessa fase o “abandono dasastúcias da razão” que encontram sempre equilíbrio e ordem, onde hácomplexidade e desordem, e a consolidação de uma “ética deresistência” para enfrentar as dificuldades e contradições que implicamem reflexão e a atuação do sujeito no mundo. Com a leitura de LouisBolk, adotou uma “concepção complexa do homem”, como serinacabado, corrigindo a concepção genérica do homem em Marx. Étambém aqui que Morin adota o “pensamento planetário”, provenienteda idéia heideggeriana de que pertencemos “à idade de ferro planetáriae à pré-história do espírito humano”. O diagnóstico “do subdesen-volvimento de nossa civilização desenvolvida” corresponde à primeiraemergência de um pensamento em um novo arranjo intelectual. E,por fim, Morin rejeita o marxismo como doutrina e adota uma visãometamarxista. Esse período resultou, entre outros livros, em OHomem e a morte, e Introdução à política do Homem, publicadosem 1951 e 1965, respectivamente.

Sua terceira reorganização aconteceu depois de 1968. Os fatosque se relacionam para conceber o que chamou de pensamentocomplexo envolveram primeiro a consciência de que os caminhos dasociedade de seu tempo, as grandes explicações totalizantes, totalitáriase autoritárias não levaram à plenitude da vida humana, prometida tanto

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na visão liberal como na visão socialista. O movimento estudantil de1968 é emblemático para pensar esse questionamento às macro-ideologias. O consumismo, que a tecnologia e o sistema capitalistapropiciavam, apontava a importância do imaginário humano para aformação dos desejos humanos. Esse imaginário é essencial para acriação e recriação dos desejos, da produção e reprodução da vidamaterial, ponto de vista defendido já em 1965 em Política do homem,o livro de transição entre a primeira e segunda reorganizações, aodefender uma interpretação integrada de matéria e espírito naconstituição do homem. No fetiche da mercadoria, Morin compreendea alienação do homem através da forma como se relaciona com omundo, identificando mecanismos psicológicos da ordem do delírio edo imponderável que facultam a emergência do desejo no imagináriodo sujeito. Por fim, as linhas que costurarão essas idéias e odesenvolvimento posterior de suas reflexões encontram-se natemporada no Instituto Salk , em San Diego e no Centro Royaumontpara uma Ciência do Homem em Paris. Aos cinqüenta anos de idade,essas pesquisas aproximaram-no de autores como Niels Bohr, JacquesMonod, Henri Atlan, Norbert Wiener, Ludwig Boltzman, IlyaPrigogine, Karl Popper, Thomas Khun, Imre Lakatos, Mauruayama,entre outros. Um novo paradigma, então, se esboça com maior clarezae Morin começa a desenvolver O Método, obra em 6 volumes, oprimeiro volume publicado em 1977, Natureza da Natureza e oúltimo, A Ética, em 2005.

Após este breve mapa da construção da trajetória de EdgarMorin é possível enunciar um dos princípios importantes para umapedagogia complexa. O princípio hologramático – que em conjuntocom o dialógico e o recursivo –, diz que o mundo está contido nosujeito e este está contido naquele. Se não é possível estender aexperiência, porque ela é sempre subjetiva, é possível encontrar naexperiência humana, a imagem de um homem em geral. Tal concepçãoconduz o sujeito para uma jornada onde “encontrará” a espécie humanae o cosmo dentro de si mesmo.

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O princípio em questão também fala de um conhecimentopertinente, contextualizado, adotando a estratégia como dinâmicaprivilegiada na formação do sujeito cognoscente, já que nessa visão osujeito se constrói a si mesmo, enquanto se conhece no mundo quequer conhecer. O conhecimento pertinente, englobando indivíduo-espécie-sociedade contribui para uma ética da convivência na Terra.

Na proposta moriniana de religar o particular ao geral, o localao planetário, se inserem alguns metatemas como saberes. O primeirosaber moriniano diz que é preciso ensinar a reconhecer os erros e asilusões embutidos nos desvios da racionalidade. O fenômeno cognitivoé de ordem humana, antropológica, política, social e histórica, física emetafísica, individual e coletiva, real e imaginal. É preciso ensinar apensar de forma relacional para reduzir os erros e ilusões queprovocaram os grandes massacres do século 20. Para Morin, é precisoter como horizonte uma civilização humana que realize um movimentodo interior para o exterior, ou seja, do autoconhecimento e auto-observação para um sócio-conhecimento e uma objetivação coletivapartilhada.

O segundo saber fala da importância do contexto para oconhecimento. A lógica do pensamento disjuntor é descontextualizar arealidade abstraindo os elos com o todo. Morin fala sobre o problemauniversal que a educação terá que enfrentar; a inadequação profunda“de um lado, de outro, as realidades ou problemas cada vez maismultidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globaise planetários” (MORIN, 2002b, p. 36).

Há que se considerar ainda, o momento de transição de umasociedade industrial para uma sociedade informacional, chamada hojede sociedade do conhecimento.

Outras questões urgentes envolvem a própria sobrevivência doplaneta, mostrando a conseqüência de uma formação calcada numa“falsa racionalidade”, abstrata e unidimensional das sociedadesindustriais. A referida racionalidade destituiu as populações tradicionaisde seus saberes, identificando neles puras superstições. Com essa

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justificativa, diz Morin, os saberes hegemônicos e legitimados“empobreceram ao enriquecer, destruíram ao criar”. Também adegradação das grandes cidades se deve em parte à dificuldade daciência em reconhecer necessidades “não-quantificáveis” e “não-identificáveis”, ou seja, o imponderável, aquilo que emerge do viver enão da simples mensuração das estatísticas e previsões orçamentárias.

O terceiro saber diz respeito ao estranhamento de nossa própriacondição no mundo. A perspectiva filosófica do ocidente que separa acidade de Deus da cidade dos homens sublimou e recalcou a condiçãobiológica e instintiva do homem. É preciso ensinar a condição humana,em sua forma de ser polissêmica, isto é, ao mesmo tempo biológica,física, terrestre, social, individual, mitológica, ritualística, prosaica e poética,errante e incerta. É preciso ensinar a unidualidade do sapiens-demens quesintetiza a complexidade humana e que a espiritualidade emerge damatéria. É preciso reconstituir a unidade aberta e incompleta do humano.A nova compreensão também deve levar em conta o circuito “razão/paixão/pulsão”, em que se ancoram nossos comportamentos, decisõese vontade; o circuito “indivíduo/sociedade/espécie”, a diversidadecultural e a singularidade individual. Em síntese deve apontar aunidualidade complexa que constitui o humano: Sapiens e demens (sábio elouco) Faber e ludens (trabalhador e lúdico) Empiricus e imaginarius (empíricoe imaginário) Economicus e consumanas (econômico e consumista) Prosaicus epoeticus (prosaico e poético) (MORIN, 2002b, p. 58).

O quarto saber deve ensinar a identidade terrena, ressaltando a“cadeia produtiva/destrutiva das ações mútuas das partes sobre o todoe do todo sobre as partes” (MORIN, 2002b, p. 64). É um saber quereconhece na ação humana um efeito no mundo que retroage sobre opróprio homem, e que acaba por refletir uma ecologia das idéias.

O quinto saber moriniano mostra a indissociação entre opensamento complexo e o princípio da incerteza. Noutras palavras, écrucial que o educador, na perspectiva dessa nova epistemologia, estejaaberto ao que Tereza Vergani chama de “a surpresa do mundo”, aoinesperado, ao incerto, ao imponderável arranjo das coisas no mundo

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que engendram o novo, o inusitado, a criação. Aqui, torna-se necessáriorefletir sobre a ação humana diante da incerteza fundamental da vida edo conhecimento, isto é, sobre uma ecologia da ação, que diz respeitoàs ações individuais, e cujas consequências escapam das intenções iniciais.Por isso, é preciso conceber desafios e estratégias levando em conta omeio em que as ações irão germinar, cuja responsabilidade retorna aosujeito. É preciso responder pelo que se fala e faz, embora se reconheçaque nenhuma previsão se sustente diante das incertezas da vida. Ecologiadas idéias e ecologia da ação são como a pedra angular de uma éticada Pedagogia Complexa.

O sexto saber deve ensinar a compreensão. O que dificulta acompreensão, segundo Morin, são os obstáculos exteriores queimpedem de dar a conhecer o verdadeiro sentido de idéias e de visãode mundo. Esses impedimentos são por exemplo, o “ruído que parasitaa transmissão da informação criando o mal-entendido ou o não-entendido”; a polissemia de uma noção, que encontra no outro umcampo fértil de sentidos que nem sempre equivale à intenção do emissorda informação; a ignorância dos ritos e costumes culturais,desqualificando aquilo que não diz respeito aos próprios ritos ecostumes – e é o que tornou possível a expansão do ocidente, segundoLatouche (1996) –; a incompreensão de imperativos éticos, como osuicídio em algumas sociedades, aceito como código de honra; aimpossibilidade de compreender um outro ponto de vista ou outrafilosofia; e por último, a incompreensão de uma estrutura mental emrelação a outra.

Sendo impossível controlar o incontrolável, isto é, os fatoresexternos que levam à incompreensão, resta saber como o entendimentoentre os homens seria possível. Morin aborda um outro problema,que é ao mesmo tempo uma luz para a compreensão: o egocentrismoque cultiva o self-deception, uma espécie de “tapeação de si próprio”.Sendo assim, a questão da incompreensão repousa primeiro sobre osujeito, o que faz Morin (2002b, p. 97) afirmar: “De fato, aincompreensão de si é fonte muito importante da incompreensão do

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outro. Mascaram-se as próprias carências e fraquezas, o que nos tornaimplacáveis com as carências dos outros”. Se se partir do sujeito comocondição da compreensão, “um compreender desinteressado” devepartir da autocompreensão.

O sétimo saber deve conduzir a uma ética do gênero humano,uma antropoética considerada dentro “da cadeia de três termosindivíduo/sociedade/espécie”. Essa ética de reintegração deve conduzira uma civilização humana, em que a humanização do homem esteja nofim de todo esforço compreensivo, pois se impõe um imperativoético de continuidade da própria vida. Há algumas condições parareduzir a “ignomínia do mundo”, a que se refere Morin: uma políticado homem, parceira de uma política de civilização; uma reforma depensamento e uma antropoética devem, juntas, compor um verdadeirohumanismo para a emergência da consciência de uma Terra-Pátria.

O pensamento complexo é uma proposta epistemológica queincorpora princípios de ação e uma ética para um sujeito não divorciadodo mundo que o habita e deseja conhecê-lo. É uma resposta àsperguntas que se colocam diante do fracasso da ciência, aoautoproclamar-se única e legítima possuidora da verdade do mundo,embora suas afirmações se dêem através de códigos e convençõesparticulares, que favorecem um pensamento redutor que se quer neutro.É uma resposta à promessa da razão iluminista de felicidade e autonomiahumanas, num futuro que sempre se posterga.

É verdade que a complexidade, como emergência, arranjoinusitado de elementos distintos, é fruto de um tempo. Porém, é bomressaltar: a visão de mundo da complexidade é uma construção depensamento cujo cerne se encontra em enlaçar o mundo de um pontode vista capaz de interrelacionar sujeito-objeto, realçando a autonomia-dependência do pensamento e a ação do sujeito em relação ao meio.A complexidade concebe o mundo e o homem como unidades deum conhecimento na dinâmica do movimento da própria vida. Porisso, o pensamento complexo não quer, e nem pode ser, uma escola.Nem uma teoria particular de explicação e decifração do mundo. Nas

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palavras de Ilya Prigogine, a complexidade abre mão de explicar omundo para aprender a dialogar com os seus mistérios.

Por esta razão, é possível trabalhar com um autor do começodo século XVII, como Montaigne; do séc. XIX, como Marx e Hegel;autores do século XX; artistas e saberes da tradição como o Budismo.O que importa é o caminho que se traça, são os arranjos que possibilitamuma nova ordem e colocam novos desafios ao conhecimento e aoagir humanos.

Tsunessaburo Makiguchi e o sistema de criação de valores

Como os metatemas morinianos podem se relacionar com umconhecimento pertinente, que emerge da vida? O conhecimentoincorporado resulta em autoconhecimento, em vias de acesso para umsujeito ético, capaz de avaliar as várias dimensões da vida. TsunessaburoMakiguchi, educador japonês, oferece um sistema original depensamento, no qual é possível inserir os temas morinianos.

Makiguchi nasceu no Japão, em 6 de junho de 1871, numapequena vila de pescadores chamada Arahama, prefeitura de Niigatano Japão, no período conhecido como restauração Meiji, principalresponsável pela ocidentalização do Japão. O educador teve uma vidacheia de dificuldades, já que era filho adotivo de uma família depescadores. Apesar de grandes adversidades, conseguiu se destacarem seus primeiros estudos.

Como ocorreu com Edgar Morin, a vida desse educador foitambém marcada por três reorganizações. A primeira delas aconteceuaos treze anos quando mudou-se para uma cidade chamada Otaru,em Hokkaido, região progressista ao norte do país, onde realçariauma tendência para a crítica social e uma forte oposição à padronizaçãodo ensino no Japão nos moldes europeus, voltada para aindustrialização e para a guerra. Trabalhou numa delegacia de políciaonde contou com o apoio financeiro dos colegas para continuar osestudos. Em 1889, mudou-se com o delegado e sua família para

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Sapporo, ingressando na escola normal da cidade, onde se formou ecomeçou a sua carreira no magistério. No ano seguinte, passou noexame público para o ensino de geografia em escolas secundárias ecomeçou a lecionar na própria escola onde havia se formado. Foidemitido ao opor-se aos treinamentos militares nas atividadesacadêmicas dos futuros professores.

Em decorrência disso, uma outra reorganização teria início,colocando-o em contato com livros e intelectuais ligados às discussõesdas ciências da Antropologia e Sociologia. Após sua demissão, em1901, mudou-se para Tóquio. Na capital do país, procurou ShigetagaShiga, jornalista famoso que proferia conferências sobre geografia naTóquio Semmon Gakko, hoje Universidade de Waseda. Makiguchipediu a Shiga que revisasse o manuscrito do seu livro Geografia davida humana, que seria publicado dois anos mais tarde, em 1903, àsvésperas da guerra entre Rússia e Japão.

O livro passou a ser adotado por professores que precisavamse habilitar para o ensino de geografia. Para se ter uma idéia do caráterinédito daquela publicação, o departamento de Geografia daUniversidade de Tóquio seria formado apenas em 1907, quatro anosapós seu lançamento. Era uma perspectiva original para o ensino degeografia, uma vez que destaca-se a importância do meio em relaçãoà condição humana. Criar valores alterando tudo ao redor do sujeito éa proposta fundamental dessa pedagogia. A inseparabilidade do espaçofísico do homem que o habita, inaugurando já naquela época umaconcepção centrada no sujeito, joga um papel crucial na constituiçãodo conhecimento.

Como principal professor da Escola Primária Fujimi, estreitourelações com Kunio Yanagita, fundador do grupo de estudos decomunidades tradicionais do Japão (Kyodo-kai), cujas reuniõesaconteciam regularmente na casa de Inazo Nitobe, respeitado pensadorsocial japonês, um dos pioneiros da sociologia no Japão. Em 1911,apresentado por Yanagita ao Ministério da Agricultura e Comércio,Makiguchi começou suas pesquisas de campo sobre tradição japonesa,

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na localidade de Kyushu, que resultou no livro Considerações sobreo estudo local como foco de integração da educação escolar,publicado em 1912.

Durante quase duas décadas, dedicou-se a trabalhar comoprofessor e diretor de escola primária, e a estudar as várias ciênciascomo autodidata, já que nunca teve condições de freqüentar umauniversidade, o que possibilitou liberdade de transitar por váriosassuntos, emprestar, às vezes, noções e conceitos de um campo desaber a outro. Sem os limites disciplinares que a academia poderia ter-lhe colocado, Makiguchi pôde concatenar idéias aparentemente díspares,gerando problemas complexos que se avolumaram em rascunhos,rabiscos, pequenos ensaios. Focaliza, então, a importância da criaçãode valores para a vida humana e pode-se dizer que esse tema se constituinuma obsessão cognitiva que guiará toda a sua vida e obra.

Fatos de caráter pessoal levam-no a uma terceira reorganização,que forneceria princípios para compreender questões ligadas ao valor.Makiguchi converteu-se ao budismo em 1928, na tentativa de responderquestões existenciais provocadas pela morte de três filhos. Nessemomento, entrou em contato com a Tese para a pacificação daterra através do ensino correto, do monge japonês do século XIII,Nichiren Daishonin, que interpretou as calamidades naturais e sociaiscomo extensão da vida espiritual humana. A um ambiente degradadofísica e moralmente corresponde uma vida espiritual também degradada.Essa visão, na qual se insere a presença do homem que altera a natureza,está impregnada por um princípio chamado Esho funi (dois emaparência, mas não em essência). A partir disso, Makiguchi incorporouuma filosofia que dava consistência aos rascunhos e anotações sobresua teoria da criação de valor, alinhavando idéias presentes em Geografiada vida humana e os resultados das pesquisas antropológicas, paracompor o livro Soka Kyoikugaku Taikei, publicado em 1930, que noBrasil foi traduzido como Educação para uma vida criativa. Nestaobra, Makiguchi concebe um sistema teórico integrado, abolindo aseparação entre sujeito e objeto do conhecimento. É importante

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destacar e sublimar que a base integradora entre o sujeito e o mundo,para Makiguchi, se encontra na comunidade, no local, no lugar ondevive. A aventura do conhecimento e do autoconhecimento é de carnee osso, encarnada.

Em 1930, perseguido pelo governo japonês, devido à defesade uma educação sem privilégios e antimilitarista, foi afastado de suasatividades como professor. Impossibilitado de se dedicar à formaçãode pessoas nas escolas, fundou a organização Soka Kyoiku Gakkai(Sociedade Educacional de Criação de Valores), mais tarde apenasdenominada Soka Gakkai. O principal objetivo da associação é aformação do ser humano na comunidade, fonte primária deconhecimento, condição fundamental de criação de valores éticos paraa pacificação do planeta.

Makiguchi foi preso durante a Segunda Guerra Mundial, pornão adotar o talismã xintoísta imposto pelo governo japonês paramobilizar o povo para os esforços de guerra. Morreu na prisão aos 73anos de idade por desnutrição.

A preocupação presente na obra de Makiguchi é promover oencontro do homem com a força vital que emerge da experiência. Éaí, na experiência, que os saberes se entrelaçam. É aí, o lugar de ondeemergem. Ele próprio, como aconteceu com Edgar Morin, se constituiao mesmo tempo nessa experiência compreensiva e interpretativa. Aoligar a tradição budista à reflexão científica sobre cognição, sobre afilosofia ocidental e sobre a verdade e o valor, ele redimensiona ereorganiza o seu repertório intelectual. O sistema pedagógico de criaçãode valores proposto no livro Educação para uma vida criativa,contempla as bases existenciais e materiais de existência como benefícios;o senso estético, como beleza; e os valores coletivos, como bem. Esteúltimo valor resulta da interação das pessoas na comunidade.

A reforma pedagógica empreendida que circunstancia o ideáriode Makiguchi capacita às pessoas a julgar suas criações enquanto vivem,integradas às três dimensões da vida. Nesse sentido, formação temum significado amplo, é tudo aquilo que concorre para a felicidade. A

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formação do sujeito, na perspectiva makiguchiana se vale de saberesque se constituem em estratégias para viver. O educador devecompreender os anseios comunitários encontrando em seus valoresos meios pelos quais as idéias e ações devem ser consideradas.

Pedagogia complexa

Os valores comunitários nascem das experiências de vida,formados no lar, no trabalho, nas associações e nas atividades religiosas,que devem entrar em contato com os saberes formaisinstitucionalizados. É na vida comunitária que emergem saberes que seconstituem em portais para o conhecimento. O livre trânsito dessessaberes na escola pode migrar, de forma que haja sempre maisconhecimento agregado e discursos esclarecedores sobre como viverbem e melhor o cotidiano. O sistema de criação de valores de Makiguchié melhor compreendido ao se vislumbrar tais portais para uma educaçãotripartite, segundo bem-benefício-beleza. São eles: os portais da tradição,da arte, da ciência e da filosofia. Embora os programas escolares nãolevem em conta a experiência do sujeito, os saberes comunitários pré-existentes fornecem chaves para o desenvolvimento do potencial dosujeito. Infere-se aí, a necessidade crucial de prover o encontro entretemas científicos e a experiência comunitária.

Algumas experiências mostram como o conhecimento leva aoautoconhecimento, que ao agir recursivamente retornam ao sujeitocomo conhecimento encarnado. Se, por um lado, compreende-se comoconhecimento incorporado um ganho para o sujeito, por outro lado, édifícil de ser plenamente compartilhado pelos demais. Mas o resultadoda experiência subjetiva pode ser avaliado objetivamente em termosde bem (ganho coletivo), de benefício (ganhos pessoais) e de beleza,(expressão exterior de um bem viver interior), como medida paraaquilo que é bom também para os demais, a coletividade. Ninguémbusca repetir algo cujo resultado foi ruim para a experiência individualou coletiva. É a repetição, como exemplo, a forma silenciosa de educar,

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segundo Daniel Munduruku (2005). A formação que nasce daexperiência realiza-se à maneira da dinâmica relacional entre mestre ediscípulo. A questão mais urgente é recuperar tal relação dentro daescola. Por isso, é à formação dos professores que Edgar Morin eMakiguchi visam em primeiro lugar, pois são eles que devem abraçar,como missão, a arte de formar pessoas para a vida. O professor,então, é mais que mero transmissor de conhecimento, é um mestre,um exemplo principalmente ético, para as novas gerações.

Com relação à tradição, Sérgio Moraes (2005) em Os saberesda pesca conta como os pescadores de comunidades no Amazônia, ena Lagoa do Piató, interior do Rio Grande do Norte, manipulam oespaço em função de sua principal atividade. Os saberes da pescaenvolvem questões míticas, geográficas, biológicas, sociais e políticas.O exercício dessa atividade e as estratégias cognitivas para desenvolvê-la recorrem à observação e à experimentação (a que Levi-Strausschamou de pensamento selvagem, no sentido de ser um pensamentonão domesticado), em simbiose com a experiência imediata.Compreender a pesca nas comunidades estudadas por Moraes étambém compreender sua política; como as relações estratégicas daspessoas em relação ao meio garantem a sobrevivência da comunidade,em harmonia com o ecossistema, do qual a comunidade é parte. Asresoluções dos problemas passam por sabedorias comunitárias queenvolvem o meio, especificamente em relação à atividade pesqueirabuscando meios de como a comunidade pode sobreviver, mesmodiante da escassez.

É interessante notar que a política, nessas localidades, pode sermelhor entendida como organização e reorganização da vida, à medidaque a comunidade é levada a encarar um problema e buscar possíveissoluções, dentro de um sistema em que homem e mundo, e suas relaçõesprecisam ser considerados. Não pode haver tal assimetria que causedanos a um dos lados no que diz respeito à natureza e à cultura. Essabusca de simetria é sempre delicada, precisa ser tratada com a sabedoriaque vem da experiência local, e nesse sentido, de um conhecimento

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contextualizado, cujo porta-voz é a pessoa mais velha, mais hábil paraler os sinais do meio.

Ao entrar pelo portal da tradição, se é chamado a observar omeio e o modo pelo qual se constroem significações encarnadas, eco-lógicas, inserindo-se o indivíduo no meio e na cultura a qual pertence.

A ciência, em contato com a tradição, pode informar poranalogia processos que vão além da simples descrição de fenômenosfísico-químico-biológico, direcionando-se para uma ética. As pré-concepções que separam a vida da escola buscam conceber teoriaspara tão-somente desenvolver os processos cognitivos, separando oproduto do intelecto da própria vida, como se não fosse à vida que osprodutos retornassem. A experiência da Escola Soka de São Paulo,cujas diretrizes são inspiradas no sistema de criação de valores deMakiguchi, conecta vida do sujeito e ciência na formação escolar. ASra. Yaeko, uma das educadoras da escola, exemplifica o sistema decriação de valores de Makiguchi, contando como a horta escolar é aomesmo tempo uma aula de ciências e de ética. A semente que fecundaa terra, a nutrição de que precisa para viver e o crescimento da plantasão, ao mesmo tempo, realidade viva, manifestações exteriores ao sujeito,e metáfora, que encontram em sua própria manifestaçãofenomenológica uma analogia com o crescimento interno da criança.Esta é levada a observar a dependência do exterior para a manutençãoda vida: para a planta, a água e o sol, para a criança, a alimentação. Asinterrelações com outros, com a natureza, com os pais, provedores desuas condições materiais e afetivas, e com a sociedade onde ela estáinserida, são os outros elos que se estendem para além da primeirarelação da criança com a horta. Assim como é preciso cultivar e regaras plantas para que sobrevivam, é preciso regar a própria vida, a vidainterior do sujeito que se liga a tudo ao redor. A criança vislumbra aimportância da escolha, em situações reais e cotidianas, do melhorcaminho para si, para os demais e para o lugar onde vive. Por fim, oexercício que se faz é uma auto-reflexão constante. A planta induz aum (auto)conhecimento, biológico e cultural, que é importante para a

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condução da vida de modo geral. É possível, calcada na experiência,ver que uma ação particular redunda num efeito sobre o meio. Àcondição biológica da planta, análoga a da criança, se agrega a condiçãocultural própria do ser humano de imputar valores, como respeito àvida, a qualquer de suas formas.

A arte é o terceiro portal para uma pedagogia complexa. Esseportal facilita e dá acesso ao autoconhecimento. A experimentação artísticaconduz o sujeito ao refinamento do universo interior ao entrar em contatocom estados do ser e sua transitoriedade; a compreender que um pontode vista é sempre particular, isto é, está inserido num mundo de emoções,de sentimentos que colorem a cognição e faz valorar positiva ounegativamente a experiência. Silmara Marton (2005, p. 169), em Música,filosofia, formação: por uma escuta sensível do mundo relaciona amúsica aos estados do ser e conclui que o “poder transfigurador da dor,da fatalidade do sofrimento humano, conduz à estetização da vida”.Para essa filósofa, a música opera no sujeito uma sintonia fina com o seuinterior, possibilitando, assim, como sugere Makiguchi, entrar em contatocom estados subjetivos que incorporam tanto o prazer como a dor,operadores cognitivos para compreender a vida e a experiência humanas.Uma pedagogia que incorpore a arte como acionador deautoconhecimento favorece o surgimento de modelos mentais abertose criativos, alimentadores de uma ética da responsabilidade.

Makiguchi elevou a arte a um operador cognitivo por excelência,já que precisa ser experimentada em condições capazes de religar aexperiência do mundo sensível ao espírito. A repetição das atividadesartísticas, que conduz ao aperfeiçoamento, realiza o que a meditaçãoaciona; uma espécie de estética existencial, em que o eu já não reconheceos apegos ilusórios que levam às justificações das más escolhas, a queMorin chamou de “astúcias da razão”. Nesse sentido, a arte está maispróxima de incorporar “a tríade homem-natureza-cultura”, a que serefere Marton (2005, p. 169), particularmente à música.

Por fim, o quarto portal: a filosofia. Esta não diz respeito apenasa um sistema lógico de compreensão do mundo, mas sim a princípios

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voltados para a religação do homem e o meio, numa perspectiva aomesmo tempo local e global. Talvez a filosofia necessária para essaintegração seja aquela de Bergson, que propõe ver a vida do ponto devista da inocência, sem esquemas teóricos pré-estabelecidos, a partirdo cotidiano. A filósofa americana Hazel Handerson (2004) defende atese de que uma sociedade voltada para a mudança é aquela cujosmembros têm uma alta espiritualidade, estabelecendo laços com ocotidiano, com os problemas locais, com o fazer e refazer da vida emmeio às relações sociais mais próximas, mais encarnadas. Só assim épossível fazer alguma coisa eficaz para melhorar as relações humanas ea vida no planeta. Embora pareça pouco, esse comprometimento, noentanto, é real, efetivo, porque são ações do sujeito em contato com oseu entorno, cuja contaminação – a interrelação com os demais, nacomunidade – pode produzir uma espécie de onda. Essas mesmasações conduzem, se bem orientadas, a uma real ampliação da noçãode cidadania. Isto é, retirando-a dos limites estreitos da relação demando e obediência em relação aos Estados nacionais, passa a significarestabelecer compromissos que visam manter o planeta e a convivênciapacífica entre os homens. Nesse sentido, Anderson (1969) afirma quea “identidade individual é aprimorada e refinada através de associaçõescomplexas e abertas”, construída no jogo das interações locais e globais.

Em vista do que foi dito aqui, inspirada no método educativomakiguchiano e moriniano, a proposta de uma pedagogia complexaelege como a chave da mudança a escola na comunidade, no localonde é possível fazer transitar os diversos saberes: os que emergem daexperiência cotidiana; o conhecimento acumulado e sistematizado peloconhecimento científico nas universidades, nos livros, nos centros depesquisas e nos laboratórios. O trânsito de conceitos, tanto quanto asprimeiras noções oriundas da experiência, se constituem igualmenteem potencializadores de uma visão mais articulada sobre o mundo.Também a metáfora é um instrumento rico para ampliar a experiênciasingular para uma compreensão mais universal, porque aciona processosde projeção e identificação, como faz o cinema. Os sete saberes de

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Morin se incumbem de entrelaçar o que vem da tradição, da ciência,da arte e da filosofia, à medida que contextualizam, para além dasdisciplinas parceladas, problemas humanos de ordem antropoética. Osujeito, ao mesmo tempo destinatário e remetente desse conhecimentoaprende dentro do sistema bem-benefício-beleza a valorar aquilo queproduz e cria valor positivo para si, para a comunidade e para o planeta.

FOR A COMPLEX PEDAGOGY:A REFORM OF THE COGNOSCENTI SUBJECT

Abstract: This paper deals with the necessity of an epistemological reform inorder to conceive a new pedagogy. In this pedagogical proposal tradition, science,art and philosophy form an interdisciplinary knowledge for the emergency ofsubject that is able to face the challenges of the 21st century. The base for thisreform lies on the importance of a perspective that connects subject and objectof knowledge as an extension of human daily experience in the natural andsocial environment. Edgar Morin’s complex method and TsunessaburoMakiguchi’s value-creating system based on the communitarian experience,suggest a complex pedagogy directed to a paradigmatic and pragmatic reformof the subject of knowledge.

Key Words: Pedagogy. Complexity. Epistemology.

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SUBJETIVIDADES EPOLÍTICAS DE CIVILIZAÇÃO

Edgard de Assis Carvalho*

Resumo: O texto discute a idéia de subjetividade na dinâmica cultural e propõeuma ética para o futuro. Delineia também as bases cognitivas e biopolíticas paraa sociedade planetária dos tempos atuais.

Palavras-chave: Política Ética. Subjetividade. Sistemas complexos.

Futuros incertos

De certa feita, Gabriel García Marquez declarou que nãodeveríamos esperar nada do século XXI, mas que, ao contrário disso,era o século XXI que deveria esperar algo de nós. Se é forçosoadmitir que a previsão do futuro é algo cada vez mais indeterminado,pelo menos podemos alinhar algumas prospectivas valorativas sobretempos futuros.

APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano III n. 5 p. 101-115 2005

* Antropólogo, professor titular da PUC-SP, coordenador do Núcleo de estudos dacomplexidade (Complexus). E-mail: [email protected]

NÚMERO ESPECIALEducação e Complexidade

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É fato inegável que o progresso tecnocientífico tomou contado planeta como um todo, mimetizou violências, disseminouuniformidades globalizatórias e regressões sócio-culturais de porteamplo. As uniformidades dizem respeito ao caráter imperial assumidopelo capitalismo transnacional. As regressões ilustram-se pela violênciados ressurgimentos étnicos, pela ampliação da intolerância e dosterrorismos reais e virtuais.

Conseqüência disso é que a nova ordem mundial, a dita worldculture, inundou de desigualdades e contradições todas as sociedades,sem distinção de longitude ou latitude, obstaculizando a realização deuma cidadania global planetária. Se deixadas a seu bel-prazer, areprodução ampliada dessas condições levará o sistema mundial a trêspossibilidades: ou ele se autodestrói, ou se recompõe por soluçõescompartilhadas, ou se nega por uma revolta civil desencadeada portodos os estarrecidos do planeta.

Seria demasiado arrogante e pretensioso diagnosticar qual delasprevalecerá, mas venha de onde vier a revolta, ela certamente colocaráem questão a hegemonia que o mercado e a informação assumiram.Por mais que se insista no caráter regulatório, contingente e irreversíveldesses dois paradigmas, as bifurcações, dissipações e reorganizaçõesque eles fabricam são evidentes no cenário contemporâneo.

A culpabilidade de todo esse processo pertence a todos nós.Ainda que seja praticamente impossível identificar o traidor, ou satanizaruma ou outra sociedade, é no antropocentrismo que poderiam seridentificadas algumas das raízes do crescente mal-estar civilizatório.

Humanos, demasiado humanos, foi o que nos tornamos,esquecendo-nos que estamos inscritos numa ontogênese e filogênesede milhares de anos e que, por mais que queiramos, dela nãoconseguiremos nos desvencilhar. Integrantes da natureza e da cultura,dominamos a primeira e fragmentamos a segunda, supondo que comisso seríamos mais felizes.

Adicionar os valores de um contrato natural aos de um contratosocial pode ainda parecer estranho, utópico. Ecologistas, organizações

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não-governamentais, pensadores não cartesianos empenhados na defesade Gaia sabem disso. O preço a pagar é, por vezes, alto demais.Demanda tolerância, entendimento, reordenação, amorosidade e umadose bem temperada de revolta civil, como se a todo momentoecoassem as palavras Hölderlin: “Lá onde cresce o perigo, crescetambém o que salva”.

Esse horizonte não constitui um salvacionismo abstrato, que pregaum retorno à natureza e diaboliza as conquistas tecnocientíficas. O queele reinventa é um contrato natural baseado na idéia de que a Terra éum organismo vivo. Para esse contrato imaginário, a sustentabilidadedo planeta deve constituir a agenda principal das decisões sócio-políticasde estados-nações, a pauta decisória de organismos transnacionais,movimentos sociais civis.

Tempos crescentes de insignificância contaminam o planeta. Afelicidade, o individualismo, o hedonismo, o efêmero, o consumoconspícuo, a euforia perpétua transformam-se em objetos de culto.Passam a ser reificados como o único quadro de valores capaz deminorar coerções e constrições de um cotidiano pobre em significaçõescosmopolitas. Nesse contexto, postular que a Terra é um ser vivo queama e sofre parece para muitos algo descabido, sem sentido.

Por isso, a implosão das fronteiras dualistas entre vivo e não-vivo, serenidade e inquietude, razão e imaginação, prosa e poesia, teoriae prática, que sustentam o velho paradigma não se realiza, não seconsolida, malgrado a presença visível da transdisciplinaridade em áreasdo saber sintonizadas com a regeneração do sapiens-demens.

Daí decorre que as palavras vida, pessoa, corporeidade,subjetividade perdem sentido instaurativo. Passam a ser entendidaspelo dispositivo científico hegemônico como meras interaçõesmoleculares e nada mais. Uma vez desvendadas pelas conquistascrescentes da tecnociência, não têm nada a ver com avanços sociais epressupostos éticos.

Com isso, recria-se um determinismo unidimensional,amparado por leis, decretos, precauções abstratas, comissões de ética

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que legislam acima do bem e do mal. É bem verdade que programasgenéticos devem ser entendidos como metáforas. Como qualquermetáfora, transpõem significantes de uma área para outra, embora apregnância do “todo genético” seja muito forte. Não é por meroacaso que a genômica tem papel proeminente no financiamento ealocação de verbas de pesquisa, como se, por um passe de mágica, adecifração do código da vida resolvesse os sintomas do mal-estarplanetário e os mistérios da vida.

Prefiro permanecer ao lado das idéias de llya Prigogine e EdgarMorin (MORIN et al., 1996), para quem as certezas, por menores quesejam, conduzem necessariamente a uma geometrização do mundo, auma concepção de um universo estacionário, fortemente determinado.Mesmo considerando a irreversibilidade da flecha do tempo, é precisorecuperar uma temporalidade que não separe o homem do universo.

No entendimento otimista de Prigogine, o mundo seassemelha à narrativa das mil e uma noites, em que histórias e mitosse interligam mutuamente, cabendo ao leitor, leia-se aqui o intelectual,o político, o artista, decidir por qual delas começar. Assumir essaperspectiva implica entender que nossa história está contida na históriada vida, da matéria, do cosmo.

Essa interdependência requer um imaginário radical capaz depôr fim à heteronomia generalizada e, desse modo, propiciar arestauração dos valores da autonomia, da responsabilidade, da ética,mesmo diante da fragilidade das instituições e da sofisticação cada vezmaior de dispositivos de vigilância e controle do Grande Sistema. Cadavez mais vulneráveis, esses dispositivos exibem o desvanecimento dapólis, a desarticulação da representação política, a ausência de liderançasempenhadas em olhar para além de si próprias.

A cada dia, os donos do Império vão sendo acuados equestionados, mas, ao que tudo indica, o revide é a única resposta queconseguem transmitir em tempo real a seis bilhões de pessoas que, desuas casas, em seus espaços de intimidade contemplam, amedrontadas,a arquitetura da destruição e a arrogância da dominação a que foram

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submetidas. Talvez seja necessário fazer acionar a máquina do tempopara retornar a um momento crucial, em que o espectro do mal reuniuo caráter prometeico da ciência e os desatinos da política.

Passados inglórios

Em 1941, Copenhagen encontra-se sob ocupação nazista. Numfinal de tarde encontram-se Niels Bohr e Werner Heisenberg. Mestre ediscípulo. Bohr, prêmio Nobel de Física em 1922, Heisenberg, Nobelem 1932. Ambos famosos. Polêmico por seus estudos sobre a físicados átomos, diretor do Instituto de Física Teórica de Copenhagen,Bohr aglutinou em seu redor um conjunto superlativo depesquisadores em mecânica quântica, como Wolfgang Pauli e o jovemHeisenberg, dentre muitos outros. Já é famosa sua resposta a respeitodo que seria uma grande verdade: “aquela cujo contrário é tambémuma grande verdade”.

Com Einstein teve uma profícua troca de idéias, embora asdivergências fossem imensas. A maior delas dizia respeito ao“princípio da complementaridade”, que, inclusive, inspirou suaheráldica do Nobel, “Contraria sunt Complementa”. Um dospressupostos da complementaridade explicita que descriçõesaparentemente incompatíveis para um mesmo fenômeno são sempreresponsáveis por uma ampliação de inteligibilidade, como no casoda onda e da partícula, elementos necessários para a compreensãoda realidade atômica.

Mesmo não fosse reconhecido como um bom orador, emvárias de suas conferências Bohr sempre deixou claro ser impossíveltraçar uma demarcação rígida entre a filosofia natural e as culturashumanas. Por isso, a complementaridade deveria, necessariamente,estender-se à natureza e à cultura.

As diferentes culturas são, necessariamente, complementares entresi, mesmo que cada uma delas revele uma práxis e um conjunto depráticas particulares, relativas, diferenciais. Todas essas diferenças

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expressam modalidades simultaneamente universais-singulares do viverem sociedade, do diálogo com as tradições, das antecipações do futuro.

As idéias de Bohr ressoaram em Heisenberg como um desafio.Como um solitário errante, suas caminhadas noturnas adicionaramfermento imaginário para a construção da concepção da incerteza, ouseja, a impossibilidade de se estabelecer num dado instante, tanto omomentum, ou seja, o produto da massa pela velocidade, quanto a exatalocalização de uma dada partícula. Estava desenhada a formulação básicado princípio que iria propiciar-lhe fama, orgulho e futuros dissabores.

A “interpretação de Copenhagen” combinou incerteza ecomplementaridade, propiciou novas interpretações para oentendimento de átomos e partículas subatômicas, introduziu a idéiade um universo probabilístico e instável, onde antes só havia umamáquina universal, regulada por leis deterministas capazes de prevernão apenas acontecimentos biofísicos, mas, igualmente,comportamentos animais e humanos.

A descoberta da fissão nuclear e do urânio 235 tornou possívelum avanço inquestionável das pesquisas sobre o núcleo atômico e aliberação de energia que poderia ser utilizada tanto na fabricação deuma usina termonuclear quanto de uma bomba. Todos sabemos queavanços em pesquisa fundamental são subvencionados por estados egovernos que, em troca, exigem obediência, fidelidade, insuspeição.No caso da fissão e do urânio 235 não foi diferente.

As interfaces, abismos e contradições entre ciência e políticaacabaram por solapar uma fecunda colaboração intelectual, colocandoBohr e Heisenberg em campos ideológicos distintos, o primeiropermanecendo numa Dinamarca ocupada, vinculado ao projetoManhattan, o segundo numa Alemanha nazista, sedenta de um poderracista e de uma força expansionista sem precedentes, convencido deque a vitória alemã poderia vir a ser algo benéfico para a humanidade.

Presenciado por Margrethe Bohr, o reencontro dos dois seassemelha a um enigma nunca decifrado. Encenada no teatro, a peçaCopenhagen, de Michael Frayn, tematizou esplendidamente a misteriosa

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visita, expondo visceralmente aspectos afetivos, ambíguos, morais eéticos que circundaram o relacionamento desses monstros sagradosdo conhecimento (FRAYN, 2000). O que Heisenberg pretendianaquele momento crítico? Adesão inconteste, comprometimentocientífico, revelação íntima de um boicote intencional ao projetonazista, ou simplesmente um retorno a saudosos passeios que semprese incumbem de driblar o tempo e cimentar amizades? Depoisdaquela noite, nunca mais se viram, nunca mais se falaram, viraramas costas um para o outro.

Um ano mais tarde, inspirado na Teoria das Cores de Goethe,Heisenberg empenhou-se na escritura do Manuscrito de 1942,(HEISENBERG, 1989), que permaneceu inédito até 1984. Nesse intrigantetexto, empreendeu uma análise filosófica extremamente complexa,desvinculando definitivamente ciência e ideologia, abandonando adistinção entre sujeito e objeto, agenciando um conceito de realidadeentendido como flutuação contínua da experiência.

É particularmente relevante para os dias correntes umaafirmação que se encontra na terceira e última parte do Manuscrito: “Ainquietude e a infelicidade da época em que vivemos ameaçam osvalores que até agora nos pareciam ser os mais seguros”, (HEISENBERG,1989, p. 389). Deveríamos simplesmente assumir integralmente nossacondição de membros da comunidade humana, sermos bons eajudarmo-nos uns aos outros, para que o mal-estar pudesse serdebelado. “Esta abertura para o mundo, que também é o ‘mundo deDeus’, representa a felicidade suprema que esse mesmo mundo podenos oferecer: a consciência de estar em sua própria casa”. (HEISENBERG,1989, p. 387).

Nomeado catedrático de física teórica da Universidade de Berlimem 1943, Heisenberg prosseguiu em suas pesquisas, ressaltando emconferências e ensaios as dificuldades técnicas que obstaculizavam oisolamento e a concentração do urânio 235. A perda de parte de seusmanuscritos provocada pelos bombardeios em Leipzig não fez comque interrompesse seu trabalho teórico e suas experiências com reatores.

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O atentado não consumado contra Hitler, em 20/7/1944,a extinção da Sociedade da Quarta-Feira – um seleto clube de 28membros composto pela alta cultura alemã, consideradosubservivo demais pelo regime – acabaram por apressar seudeslocamento para a Suíça.

Marcado para morrer assassinado por membros da Missão Alsos,um serviço de espionagem de informações científicas, o que acabounão acontecendo, foi preso em 6/5/1945, em Heidelberg. Sobvigilância redobrada, foi transferido inicialmente para Versailles e,em seguida, para Farm Hall, Inglaterra, por seis meses, com outrosnove físicos. Nessa prisão soube da explosão da bomba em Hiroshimae Nagasaki em 6 e 9 de agosto de 1945.

Mesmo que o pós-guerra não o tenha redimido inteiramente,assim como as informações sobre sua conduta junto ao Reichpermaneçam até hoje lacunares, o Manuscrito se assemelha a umexorcismo de suas posições teóricas. Se tivessem sido compreendidasem seus contornos ético-políticos, talvez pudessem ter evitado adestruição em massa ocorrida em 45.

Em 1962, 1976 e 1984, respectivamente, Niels, Werner eMargrethe deixaram de existir. Em qualquer ponto do Cosmo em quese encontrem neste exato momento, devem estar jantando de novo,dessa vez reconciliados para sempre, desejando ardentemente que oImpério não contra-ataque de novo, que a Guerra Santa não sedesencadeie, que o planeta não seja mais uma vez banhado de sangue,dor, sofrimento e medo.

Ressonâncias mórficas dessa destruição são mais que evidentesnesses primeiros anos do terceiro milênio. Assolados por terrorismos,atentados e guerras, por uma geopolítica que envolve proliferaçãodesmesurada de armas químicas e biológicas e estimula dispositvos derepressão policial, humanos de todos os lugares exibem nos seuscotidianos subjetividades tensionadas, perplexas diante da crueldadedo mundo.

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Presentes efêmeros

O que fazer diante dessas atrocidades? Constatá-las como umespetáculo midiático, telegênico, que evoca o potencial da destruição,mas não aplaca a disseminação do medo? Enfrentá-las por meio deuma “reforma do pensamento” que instile a política da civilização,onde a política da barbárie parece prevalecer? Dizer a verdade aopoder, ao Império e ao Terror, para demovê-los da pulsão dadestruição que se evidencia em seus rostos?

Ao estabelecer possíveis analogias entre homens e mulheres queviviam no ano 1000 e nós, Georges Duby (1998) deixou claro que oprogresso e a aceleração da circulação dos homens e das coisas foramuma constante nos dois milênios. Guardadas as devidas proporções e assalvaguardas históricas, as culturas foram e continuam a ser dominadaspor angústias, impotências, desregramentos, pulsões de morte.

No final do primeiro milênio, havia “uma espera permanente,inquieta, do fim do mundo, porque o Evangelho anunciava que Cristovoltaria um dia” (DUBY, 1998, p. 20) escolhendo entre os bons e osmaus. Mesmo que dos confins do mundo surgissem hordasassustadoras, temor e esperança combinavam-se trágica e utopicamente.Não foi por acaso que crenças milenaristas de um futuro livre do malcontaminou não apenas a Idade Média, mas os tempos modernos emsua totalidade.

Os medos da miséria, do outro, das epidemias, da violência edo além permanecem constantes, só que agora sobredeterminadospor uma possibilidade efetiva de destruição e guerra total. Seconsiderarmos que a quinta extinção da história da Terra ocorreu há65 milhões de anos, com o desaparecimento dos dinossauros, teremosque admitir que a sexta extinção – a nossa – já começou. A cada ano,o homem vem destruindo ecossistemas, eliminando espécies vivas,fragmentando habitats, reduzindo a capacidade da Terra para sustentarsua própria herança biológica. Agora está pronto e apto para destruira si próprio, pela extinção em massa de sua própria espécie.

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Ao comparar a destruição das Twin Towers em setembro de 2001com a de Hiroshima, em julho de 1945, Paul Virilio (2001, p. 12)admitiu que ambas constituem eventos semelhantes, mas no sentidoinverso. “Se Hiroshima funda a Guerra nuclear, em que as guerraspassam a ser controladas pelas grandes potências, agora é a era damáxima violência com o mínimo de recursos”.

Sistematicamente obtido pela força, o equilíbrio instável daguerra fria foi substituído pelo desequilíbrio intercultural que fez emergirdiferenças políticas, ideológicas, culturais e religiosas explícitas,justificando práticas terroristas suicidárias e vitimizadoras, sepultandoa consciência de pertencimento à Terra-Pátria.

Radical como sempre, a reação de Noam Chomsky (2002)diante da lição de horror do 11-S soou como um alerta para os tempossombrios que agora presenciamos. Pretexto cínico para que a direitachauvinista voltasse a expor suas garras, o “11” disseminou o usoindiscriminado da força e do bioterror, sob a cínica alegação de que ademocracia precisa ser salva a qualquer custo. Os atentados terroristasserviram para

acelerar o cronograma da militarização, arregimentação e reversãodos programas sociais democráticos, além de favorecer atransferência de riqueza para segmentos restritos e solapar ademocracia em todas as suas formas relevantes (CHOMSKY, 2002,p. 21-22).

A tragédia madrilenha de 11 de março de 2004 voltou a acionaro espectro da destruição massiva, da impotência diante da dor, daguerra iminente de todos contra todos, da lógica do pior. Os 190indivíduos que morreram naquela trágica manhã, ao se deslocarem desuas casas para o trabalho cotidiano atualizam a formulação de Jean-Paul Sartre: quando os ricos fazem a guerra, são os pobres que morrem.

Em 7 e 21 de julho de 2005, homens-bomba se auto-imolaramno metrô londrino, levando à morte e colocando em risco de vida centenasde homens comuns que numa manhã se deslocavam para o trabalho

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regular, prosaico que envolve o cotidiano de qualquer cidade. Diasdepois, a resposta da polícia foi o assassinato frio, à queima-roupa, deum brasileiro considerado como suspeito potencial de um dos atentados.

De nada adiantam os protocolos de desculpas diplomáticasque tentam minimizar a expansão da banalidade do mal, engrenagem-máquina da crueldade do mundo. Considerados como antídotos dosofrimento, reverberam o cinismo e a intolerância que se assenhoreoude governos, partidos e, de certo modo, do conjunto das instituições.

Dilacerados pela dor, o mínimo que nos resta fazer é proporpossibilidades e alternativas ao caos reinante, disseminar idéiaspacificadoras, produzir políticas de paz nas organizações em queatuamos. Caso nos recusemos a essa tarefa, estaremos contribuindopara a política do pior, tirando a guerra de nossas casas e jogando-a nacasa dos outros, mimetizando a violência, renegando direitos eliberdades civis.

Se aceitarmos esse desafio, teremos que constatar que pensadoresdas mais variadas procedências não vêem com bons olhos o que oplaneta vem lhes oferecendo como objeto analítico. Sociedade doespetáculo (DÉBORD, 1967), Sociedade do simulacro (BAUDRILLARD,1995), Idade de Ferro Planetária (MORIN; KERN, 1993), Modernidadelíqüida (BAUMAN, 2001) foram alguns dos qualificativos assumidos parailustrar a desregulação das instituições, a unidimensionalidade datecnociência, a erosão dos valores universalistas, a ausência dacolaboração intercultural.

Se fosse possível religá-los num manifesto planetário, poder-se-ia afirmar que todos reativam o princípio-esperança como ummetaponto de vista. Quando o horizonte da crise se torna ameaçador,e o crepúsculo das utopias redentoras e salvacionistas visível, gramáticascognitivas de caráter instaurativo passam a pleitear a reinvenção dacidadania planetária, o desarmamento dos mercados.

A implantação de valores universais é fundamental para serepensar o futuro da sociedade. O primeiro passo para esse objetivode longo espectro reside na criação de sujeitos éticos, imbuídos da

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necessidade de recriar uma coalizão cívica terrestre, que nada maissignifica do que o exercício de uma consciência unitária depertencimento, dialogicamente articulada a diversidades individuais,culturais, étnicas.

Ao esboçar os eixos constitutivos de uma ética prática, nãofoi por acaso que Peter Singer (1998) agrupou-os em três áreas: umaprimeira, que envolveria uma mudança de atitude, no que concerne aanimais não humanos; uma segunda, referida aos humanos excluídosdos benefícios modernos, que constituem a população majoritária doplaneta e, finalmente, uma terceira, voltada para mudanças referentesàs decisões de vida e morte.

A ética exige que extrapolemos o “e” e o “você” e cheguemos à leiuniversal, ao juízo universalizável, ao ponto de vista do espectadorimparcial, ao observador ideal, ou qualquer outro nome que lhedermos (SINGER, 1998, p. 20).

Mecanismos desestabilizadores em larga escala, como os que severificam atualmente, e os atentados terroristas são exemplo disso,poderão desencadear feedbacks negativos, entropias descontroladas,malgrado a capacidade de recuperação até hoje demonstrada. Mesmoque Gaia pareça possuir um termostato imaginário que mantém atemperatura certa ao longo dos 3,8 bilhões de anos de vida, essemecanismo de regulação pode ele mesmo desregular-se,comprometendo a estabilização de modo irreversível.

Declararmo-nos dependentes da Terra implica impor limites àarrogância humana. Cedo ou tarde, teremos de optar entre valores auto-afirmativos como expansão, competição, quantidade e dominação evalores integrativos como conservação, cooperação, qualidade e parceria.

Podemos continuar em nosso vício tecnológico. [...] Podemosseguir a estrada da ruína: o caminho do abismo. Ou podemosseguir o caminho da ecologia. O caminho dos valores e da ética.O caminho da ciência participativa. Podemos decidir abandonarcertos tipos de conhecimento que nos capacitam a dominar aTerra. (CAPRA, 2000, p. 19).

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Ao refletir recentemente sobre os desafios de nosso tempo esobre as conexões ocultas que se encontram presentes em todos osníveis da vida, Capra (2002) destacou a urgência de uma alfabetizaçãoecológica interdependente, e isso porque num ecossistema nunca hádesperdícios, pois o que sobra de uma espécie se converte em alimentoda outra. Fundada na religação dos conhecimentos, o que essaalfabetização propicia é a criação de um ecodesign, ou seja, um “processono qual nossas necessidades humanas são cuidadosamenteinterconectadas com os padrões e fluxos mais vastos do mundo natural”(CAPRA, 2000, p. 19) que fornecem sustentabilidade à teia da vida.

Para isso, precisamos propor um contrato bioético que recrievalores integrativos pautados pela restauração da responsabilidadeplanetária, guiados pelas “seis estrelas do espírito” presentes nascosmovisões budistas: generosidade, ética da vida, paciência, esforçojusto, meditação, sabedoria, iluminadas pela atenção, perseverança,alegria, disponibilidade, impregnação e eqüanimidade (SERGENT;DENONAIN, 1999). Essas condições reconstituem a imagem do homemvirtuoso que não age segundo um receituário de regras morais, masque encarna um saber-fazer fundado na prática da atenção, na calmado espírito, na impermanência das experiências.

Sem niilismos contumazes ou ceticismos alternativos, uma ética-programa para o futuro, constituída por quatro meta-pontos de vista,pode acionar visões de mundo capazes de regenerar a condiçãohumana. 1. Todos os sistemas vivos integram o cenário fundadoinacabado da hominização; 2. Espaços auto-eco-organizadores deeticidade pressupõem a eqüidade de todos os seres vivos; 3. O sujeitoresponsável dialogiza local e global, particular e universal, por meio doexercício ativo e crítico da magnanimidade, da solidariedade e datolerância; 4. Auto-ética, socio-ética e antropoética constituemmodalidades político-culturais fundadas no caráter indissociável datríade indivíduo-sociedade-espécie.

Mesmo utópicos, esses quatro pontos têm como função vitalizaro imaginário, retroalimentar o real com novas práticas de sociabilidade,restaurar o homem genérico que mantém em estado de religação

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perene a razão e a emoção. A qualquer momento, poderão encarnar-se na prática sócio-histórica, como um magma imaginário radicalprodutor de significações, de formas criativas de subjetivação e dereencantamentos.

SUBJECTIVITIES AND POLITICS OF CIVILIZATION

Abstract: This paper discusses the subjectivity idea in the cultural dynamics,and suggests an ethic for the future. The paper also delineates the cognitive andthe bio-political bases for the planetary society of the current times.

Key Words: Politics. Ethics. Subjectivity. Complex systems.

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COMPLEXIDADE, MÚSICA EFORMAÇÃO PARA A VIDA

Silmara Lídia Marton*

Resumo: Nos horizontes da proposta de Edgar Morin para a Educação, quetem como meta fundamental inaugurar uma nova concepção de método – ométodo complexo – como uma estratégia capaz de religar o que foi separado pelaciência da fragmentação, recusando a separação entre cultura científica e culturahumanística e a divisão entre natureza e cultura, o artigo enfatiza a música comooperador metafórico primordial para a formação humana. Nas vivências musicaisdos cientistas contemporâneos Edgar Morin, Werner Heisenberg e Ilya Prigogine,vemos co-tecidos os pólos sujeito e objeto, homem e mundo, discurso científicoe mito, ciência, arte e filosofia, a vida e as idéias.

Palavras-chave: Música. Complexidade. Educação.

Reformar a escola tem sido uma preocupação constante e alvode discussão entre pesquisadores e profissionais da Educação, naAmérica Latina e na Europa. No Brasil, Edgar Morin, PhillippePerrenoud, César Coll, Fernando Hernández, Antonio Nóvoa e

APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano III n. 5 p. 117-134 2005

* Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)e pesquisadora do Grupo de Estudos da Complexidade (Grecom). E-mail:[email protected].

NÚMERO ESPECIALEducação e Complexidade

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Bernardo Toro aparecem como os intelectuais de maior notoriedadeque alargam e sintetizam diversas abordagens na área educacional,tendo em vista um enfoque adaptado ao contexto atual (LIMA;MARANGON, 2002).

Se há esses traços em comum, igualmente há elementos quedistinguem o trabalho desenvolvido por cada um desses pensadores.O sociólogo suíço Phillippe Perrenoud apud (LIMA; MARANGON, 2002,p. 21), doutor em Sociologia e Antropologia, por exemplo, tem obtidoreconhecimento devido, principalmente, às reflexões relativas aodesenvolvimento de competências entendidas como “faculdade demobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades,informações etc.) para solucionar uma série de situações”. Para ele, osujeito aprimora sua cognição e, conseqüentemente, atingecompetências quando se vê exigido a responder a necessidadesespecíficas.

César Coll, professor de Psicologia Evolutiva e da Educaçãona Universidade de Barcelona e consultor do MEC na elaboração dosPCNs no Brasil, enfatiza a importância de projetos curriculares queenvolvam todos os integrantes do espaço escolar – desde alunos,professores, coordenadores, diretores a funcionários e pais – ,articulando interesses, valores, atitudes e princípios diferenciados econtemplando os temas transversais, de maneira que seja garantida acontextualização do currículo e a aprendizagem relacionada com avida do aluno.

Já Antonio Nóvoa, doutor em Educação, que ministra aulas naUniversidade de Lisboa, centraliza suas pesquisas nas reflexões acercada qualificação profissional do docente que, segundo ele, se realizaatravés de um processo de aprendizagem contínuo, no qual estãodispostos o próprio profissional da Educação no papel de “agente, ea escola, como lugar de crescimento profissional permanente” (NÓVOA

apud LIMA; MARANGON, 2002, p. 23).Assim como César Coll, Fernando Hernández, doutor em

Psicologia e professor da Universidade de Barcelona, dedica-se à

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pesquisa educacional com ênfase no currículo, tendo como propostabasilar a sua reorganização atrelada à elaboração de projetos didáticos,e não através da forma tradicional: por conteúdos disciplinares. Oprofessor deve incitar à pesquisa de assuntos propostos em aula e,assim, mediante as dúvidas, a curiosidade por novos conhecimentos, avontade de buscar evidências, orientar o aluno à realização de projetos.

A escola como responsável pela formação de jovens instituidoresde uma nova ordem social com vida digna, democrática e baseada natolerância é preocupação essencial de Bernardo Toro, vice-presidentede relações públicas da Fundação Social, entidade civil de combate àpobreza na Colômbia. Toro também é criador dos “Códigos daModernidade” – uma lista com sete competências mínimas que incluemdomínio da leitura e da escrita, cálculo e resolução de problemas, análisede dados e situações, compreensão do contexto social e capacidadede atuação, visão crítica acerca dos meios de comunicação, usoadequado do acúmulo de informações e capacidade de planejar, decidire trabalhar coletivamente.

Edgar Morin, pensador contemporâneo, licenciado em História,Geografia e Direito, com ampla produção científica reconhecidainternacionalmente, critica com radicalidade a fragmentação do ensino,apostando na “reforma do pensamento” como religação dosconhecimentos científicos e humanísticos. Morin afirma haver aexistência cada vez mais profunda de inadequação entre os nossosconhecimentos fragmentados e divididos em disciplinas e as realidades“polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais,globais”.

Em artigo da revista Abceducatio de maio de 2004, intitulado“Edgar Morin: um sujeito múltiplo para uma educação complexa”,Maria da Conceição de Almeida, interlocutora privilegiada de Morinno Brasil, antropóloga, doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP,professora dos programas de pós-graduação em Educação e emCiências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte(UFRN), coordenadora do Grupo de Estudos da Complexidade

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(Grecom/UFRN), apresenta claramente o inegável mérito destepensador e sintetiza em três questões fundamentais a aposta educacionalempreendida por Morin para uma Reforma do Pensamento e daEducação:

São três as metas-questões que devemos resguardar: 1. A reformada universidade não se reduz a uma reforma pragmática. Elasubentende uma reforma paradigmática. As outras duas questõessão formuladas como perguntas. 2. Deve a universidade adaptar-se à sociedade ou a sociedade à ela? 3. De onde partirão ou devempartir as propostas de reforma? – A essa questão Morin ponderaque, embora reconheça a necessidade de transformar a estruturahegemônica da academia, é importante investir em iniciativasmarginais. (ALMEIDA, 2004, p. 12)

Nos últimos anos, Morin tem trabalhado obstinadamente namodificação do sistema educacional, haja vista a proposta coordenadapor ele para a reforma da Educação na França, em 1998, por ocasiãoda instalação do Conselho Científico para este fim, por iniciativa doentão Ministro Nacional de Educação da França Claude Allègre. Dessamegainvestida que, segundo ele, não se converteu numa reforma deconjunto, resultaram alguns livros diretamente ligados a uma educaçãocomplexa e à reforma do ensino: Os sete saberes necessários àeducação do futuro (Cortez, 2000), A cabeça bem-feita: pensar areforma, reformar o pensamento (Bertrand Brasil, 2000), Areligação dos saberes – Jornadas Temáticas, idealizadas e dirigidaspor Morin (Bertrand Brasil, 2001) e Educar na era planetária: opensamento complexo como um método de aprendizagem peloerro e incerteza humana, em colaboração com Emilio R. Ciurana eRaúl D. Motta (Cortez, 2003).

A proposta radical e sistemática de Edgar Morin para a “reformado pensamento” se faz necessária e urgente entre os educadores porqueatinge um ponto crucial: a exigência de uma nova forma de pensar euma nova atitude do sujeito, que sabe de sua limitação cognitiva, masque acolhe a complexidade do homem e do mundo; que exercita uma

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ética planetária, pautada no reconhecimento da unidade na diversidadee da diversidade na unidade; que, por fim, toma para si o desafio deenfrentar a incerteza da aventura humana na Terra.

Sobre a missão da educação, diz Morin (2003a, p. 65), “devecontribuir para a auto-formação da pessoa [ensinar a assumir acondição humana, ensinar a viver] e ensinar como se tornar cidadão”.Não basta estreitar os vãos tão imensos e aprofundados entre asdisciplinas na experiência da nossa aprendizagem, mas é precisotransformar os princípios gerativos dessa cisão, o que implica utilizarum repertório de estratégias novas de pensamento. Um dos princípiosfundamentais de uma educação para a complexidade diz respeito aoconhecimento pertinente. Para Morin (2003b, p. 14), esse conhecimentoé aquele capaz de apreender os objetos em seu contexto, suacomplexidade, seu conjunto.

No âmbito das ciências da complexidade e considerando umaamplitude maior da concepção do conhecimento científico, outrosdois grandes nomes da ciência se afinam com um ideário científicomais criativo e pautado pelo reconhecimento da incerteza. Tecer juntocultura científica e cultura humanística tem sido o grande desafioepistemológico para fazer despontar uma nova concepção de homeme do seu lugar no universo. O físico alemão Werner Heisenberg (1901-1976), que formulou o Princípio da Indeterminação ou da Incerteza e IlyaPrigogine (1917-2003), o russo-belga que recebeu o Prêmio Nobel deQuímica, em 1977, pela descoberta dos fenômenos irreversíveis e dasestruturas dissipativas no interior da “dinâmica dos sistemas longe doequilíbrio”, podem ser considerados coadjuvantes na arquitetura dopensar complexo.

No conjunto das religações propostas pelo pensamentocomplexo e que já foram aludidas acima, está a aproximação entrearte e ciência. É desse lugar que tomo a música como um acionadorde estratégias mais abertas do pensamento científico. A música é umametáfora que ultrapassa o discurso analítico, metonímico e causal.Construída por formas tonais que acionam a imaginação, a música

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mobiliza diversos estados de ser, faz aflorar uma infinidade desentimentos e permite o encontro do sujeito com dinâmicas cognitivasintraduzíveis pelas palavras. A música é um operador de conhecimentoque metaforiza a complexidade humana.

Ao produzir o encontro do sujeito consigo mesmo, o fenômenomusical aguça os sentidos do ouvinte e propicia o desvelamento deuma audição interior que exercite a escuta do ruído e do silêncio, darepetição e da inovação, refinando a sensibilidade ética e estética, aoafinar o ouvido do espírito humano.

Entre tantas particularidades encontradas na experiência da escutamusical, há, pelo menos, três delas que se atualizam nas vivênciasmusicais de Edgar Morin, Werner Heisenberg e Ilya Prigogine,respectivamente. Elas revelam como esses pensadores têm nessa arteum elemento reorganizador do seu conhecimento sobre o mundo:música como estética de transfiguração da realidade (Morin), músicacomo unidade com o cosmos (Heisenberg) e música como bifurcação(Prigogine).

Comecemos por mostrar a relação entre ciência e música emEdgar Morin. Ao discutir nos seis volumes de O Método e nos livrosO Paradigma Perdido e Os sete saberes necessários à educaçãodo futuro a necessidade de situar a condição humana no seu contextohistórico e enraizamento cósmico, físico e terrestre, Morin enfatiza quea essência do humano é constituída das dimensões do real e doimaginário, expressas na objetivação do sapiens-demens. Nas descriçõessobre suas vivências musicais em livros, que convencionalmente sãochamados de obras autobiográficas – Meus Demônios, X daQuestão: o sujeito à flor da pele, Um ano sísifo: diário de fim deséculo e Diário de Califórnia, percebemos nitidamente a face dessehomem extremamente afetivo, angustiado, amante e, ao mesmo tempo,que experimenta pela música a contemplação do “belo” e do“sublime”, a ligação íntima e primordial com a origem do universocósmico, a consciência da morte e sua transcendência pela resoluçãosimbólica.

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Para Morin, a poesia, o romance, o cinema e a literatura são“Escolas da Vida” e permitem aberturas cognitivas essenciais no sujeito.Podemos dizer que a música, igualmente, forma o ser humano para avida, ao lhe revelar o mistério que circunda a universalidade de suacondição, a dimensão poética de sua existência, sua interioridade difusa,incompleta e complexa.

Edgar Morin dá grande ênfase ao papel da arte como nutrientedo imaginário humano para suportar a “insuportável realidade”. Pelaarte, o ser humano cria formas visuais, sonoras e corporais, duplicandoa realidade e imputando-lhe significações capazes de transfigurar osofrimento e o mal. A estética irriga a dor humana e, pela criação,transfigura esse estado. Diante da realidade (a crueldade, a guerra, aperda, as injustiças e a morte), a música estimula e potencializa umasensibilidade do distanciamento necessário para vislumbrar a beleza ea felicidade. Daí a importância da poesia na vida.

A música torna-se assim aquilo que melhor exprime e atinge oestilo de vida que a humanidade busca e o que “encarna o estadopoético”. A escuta musical revela situações de transfiguração da realidadepor meio de um processo denominado por Morin de “projeção-identificação” e explicitado por ele na experiência do telespectador decinema. Nesse processo, o indivíduo projeta seus sentimentos numOutro que vivencia uma determinada situação, afinando-se com suasatitudes, sensações e sentimentos.

Esse mecanismo do pensamento parece ocorrer também coma escuta musical. É o mesmo Edgar Morin quem anuncia essatranscendência da realidade, quando em Meus Demônios diz terexperimentado uma sensação de êxtase ao escutar a “Nona Sinfonia”de Beethoven, acompanhada de arrebatamento, arrepio, dilaceramentoe estouro, morte e nascimento, passagem do caos à ordem cósmica:

Eu estava nas galerias, de pé. Houve, inicialmente, o ínfimo arrepiodespertado pelo vazio primordial e, subitamente, um duplochamado de duas notas, seguido de duas notas de resposta,outra vez o chamado e a resposta surda, e o chamado voltando,

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encadeando-se, tornando-se insistente, febril, insuportável,lançando-se em um movimento irresistível até um dilaceramentoinacreditável, o estouro em bing-bang com um martelamentogigantesco, uma formidável criação do mundo. Era a gênese, onascimento do cosmo em meio ao caos, com tudo o que istocomporta de energia colossal, e que lança, em seguida, a aventurada vida com alternância de ternura, doçura, violência, loucura,recomeço. Pela primeira e única vez em minha vida, meus cabelosse eriçaram. Desde os primeiros compassos, tinha-me reconhecidona invocação e a resposta suspensiva me indicava que a invocaçãohavia sido entendida. Em seguida, o crescendo desmedido meinvadiu totalmente e, fazendo surgir do nada o aterrorizantenascimento do mundo, fazia brotar meu ser das águas estagnadas,dotando-o de um formidável querer, como uma reiteraçãoardente, e a partir de então assumida, de meu nascimento; sentinesse momento atravessar-me um impulso singular, que medava coragem, confiança e resolução para a aventura de viver.(MORIN, 2002, p. 24).

Com essa descrição, Morin (2003a, p. 36) expõe a compreensãoque tem acerca do nascimento da vida e da aventura cósmica na qualse insere o homem. Extraímos desse fragmento o núcleo de suacosmologia. A “Nona Sinfonia” metaforiza o ciclo vida e morte, asaventuras e as tragédias humana e cósmica. “Pelo nascimento,participamos da aventura biológica; pela morte, participamos datragédia cósmica”. Escutar essa música não seria uma maneira de superara consciência do trágico pelo arrebatamento do nascimento da vida?Repetir essa experiência não seria alimentar nosso imaginário, quejuntamente com o real tecem uma condição humana mais poética,mais sensível, mais sublime, mais humana, mais feliz?

Ao se referir à fraternidade, arrependimento, sacrifício, perdãoe redenção experimentados na escuta da “Ópera dos Quatro Vinténs”ou nas canções de “Prevert-Kosma”, Morin repete, mais uma vez, suaexperiência de identificação e simbiose com o mundo. Ao ouvir a“Ópera dos Quatro Vinténs”, ele diz ter se compadecido daquelesque sofrem da miséria moral e da miséria material e, simultaneamente,sente-se como um ser de pertencimento a uma comunidade dos sofridos.

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Em O Diário da Califórnia, Morin exprime seus estados dereligiosidade, de contato com o sublime, de desejo de fraternidade emmeio aos delirantes shows musicais de rock dos festivais em Woodstock.

A concepção do filósofo alemão Nietzsche sobre a músicaenquanto uma arte que cumpre a irrigação das necessidades inerentes àcondição humana jorrando dor, sofrimento e, ao mesmo tempo, júbiloe alegria, e, assim resolvendo o conflito entre homem e natureza pelajunção, unidade através da aceitação das múltiplas expressões dohumano, ganha ressonância na estética proposta e vivida por Morin. Oformulador do método complexo compreende uma existência estéticaque inclui a experiência do “sublime”, do “belo”, da alegria somentepossíveis porque a dor e o trágico continuam a ser dor e a ser trágico.Vale aqui ressaltar um fragmento em que ele diz o seguinte: “O quintetode Schubert oferece uma dor que, no entanto, sem deixar de ser dor,transfigura-se no sublime” (MORIN, 2003c, p. 45). Ou ainda:

A única realidade que nos é acessível é co-produzida pelo espíritohumano, com a ajuda do imaginário. O real e o imaginário estãoco-tecidos e formam o “complexus” de nossos seres e de nossasvidas (MORIN, 2002, p. 261).

Heisenberg, por sua vez, quando expõe sua autobiografiaintelectual no livro A parte e o todo ressalta o sentido de permanênciapermitido pela música e pela filosofia. Os diálogos que aparecem nessaobra travados entre Heisenberg, Albert Einstein, Niels Bohr, Max Plancke outros colegas de Heisenberg, são manifestações de um certo modode fazer ciência que não separa os sujeitos-cientistas dos cientistas-sujeitos, suas vidas de suas obras. Partilha, paixão e o cultivo da amizadesão ingredientes que alimentam o nascimento da física quântica porparte desses autores. Muitas das reflexões apresentadas no livro transitamentre ciência, filosofia e arte, mostrando que o pensamento livre não seancora em territórios delimitados e firmes. Pelo contrário, experimentamno interior da amizade a resistência das dúvidas, as hipóteses diversas eos contra-argumentos.

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O papel da música como acionadora de sentimentos desolidariedade, de compreensão mútua, de “centro unificador” em tornodo qual singularidades distintas e múltiplas se aglutinam, ganha destaquenos relatos de Werner Heisenberg. Ele era um cientista que não traçavafronteiras entre ciência, filosofia, religião, biologia, física, química epolítica para compreender a realidade. Pelo contrário, parecia saberque a “plasticidade” seguida de honestidade e ousadia intelectual sãocondições indispensáveis ao pesquisador para lidar com amultidimensionalidade dos fenômenos do mundo, sem desconsiderar,é claro, o fato de que Heisenberg já despontava em sua juventudetraços de um espírito livre, curioso, interessado e desprendido. Osdiálogos narrados em A parte e o todo expressam o processo criativoe a cooperação mútua dos cientistas em torno da necessidade deelaborar hipóteses e interpretações que iluminem a compreensão dosfenômenos, no campo das ciências naturais, inseparáveis por suanatureza das questões que envolvem a existência humana.

Se seu campo específico de atuação foi a física, é inegável quea filosofia e a música lhe serviram de inspiração poética e reflexiva.Heisenberg recorda a leitura do Timeu, de Platão, e seu arrebatamentoe êxtase quando verificou que o filósofo conduzia em suas reflexõesà idéia de que as partículas mais ínfimas da matéria deveriam estarreduzidas a uma forma matemática, às figuras da geometria. Daleitura dos Diálogos, resultou a convicção de que, “para interpretaro mundo material, precisávamos saber alguma coisa sobre suas partesmais diminutas” (HEISENBERG, 1996, p. 17). Platão estava a dizer deuma ordem no mundo. Heisenberg, por sua vez, sentia-se intrigadocom essa questão já que nas relações humanas a experiência mostra aexistência determinante de conflitos e incapacidade do alcance deuma ordem.

Em alguns de seus relatos, Heisenberg demonstra o poder quea música tem de reunir diferenças ao redor de um “centro unificador”,dada sua estrutura formal não-explicativa, entretanto, eficaz. Paraexemplificar esse argumento, ele se refere a um momento de discussão

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entre os jovens ex-combatentes de guerra, desejosos de encontrar novosvalores e verdades mais essenciais que presidissem a vida humana.Heisenberg descreve sua sensação de desamparo experimentada coma distância cada vez maior de um centro que unisse as diversas direçõesdas falas daquelas pessoas. Nesse cenário, surge a música:

A conversa ainda prosseguia quando, de repente, um jovemviolinista apareceu numa sacada acima do pátio. Houve ummurmúrio abafado e, lá no alto, ele fez soarem os primeirosgrandes acordes em ré menor da Chacona de Bach. No mesmoinstante, e com extrema certeza, descobri minha ligação com ocentro. O enluarado vale do Altmühl lá embaixo teria sido razãosuficiente para uma transfiguração romântica, mas não se tratavadisso. As frases límpidas da Chacona atingiram-me como umabrisa fresca, rompendo a bruma e descortinando as impotentesestruturas mais além. Sempre fora possível falar de uma ordemcentral na linguagem da música, na filosofia e na religião, nãomenos naquele dia do que nas épocas de Platão e de Bach.Naquele momento, eu soube disso por experiência própria.(HEISENBERG, 1996, p. 20).

No curso de suas conversas sobre filosofia e ciência com seusamigos, Heisenberg se convencia de que a experiência humana sobreos átomos só poderia ser indireta, assim como Platão teria dito que aspartículas mais diminutas da matéria somente poderiam ser conhecidaspelas “formas matemáticas”.

Dizia-se que as partículas mais diminutas da matéria eramtriângulos retângulos, que, depois de se combinarem, aos pares,formando triângulos isósceles e quadrados, juntavam-se noscorpos regulares da geometria dos sólidos: cubos, tetraedos,octaedros, icosaedros. (HEISENBERG, 1996, p. 17).

A forma dos átomos referida pelos cientistas modernos deviaestar sendo tomada num sentido mais abrangente, relativo “àspropriedades de simetria de suas forças, à sua capacidade de ligar-secom outros átomos” (HEISENBERG, 1996, p. 21). Mesmo que essas

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estruturas se constituíssem numa parte evidente do mundo objetivo,só poderiam ser acessadas matematicamente.

Mas, tudo indica que, se pela ciência o acesso a essa íntimarealidade é preenchido de tantos véus, como o Véu de Maia do filósofoSchopenhauer, referindo-se ao “princípio de individuação” (arepresentação), a música apresenta-se como uma forma mais real edireta e os sentimentos que dela decorrem sendo igualmente reais(embora não materiais), mas superiores às reflexões sobre as coisas.

No relato sobre uma caminhada ao lago Starnberg juntamentecom os amigos Kurt e Robert, com quem na juventude dialogavapermanentemente sobre ciência e filosofia, Heisenberg destaca o instanteno qual a conversa atinge o cume de reflexões distintas – ele, a falar doalcance incompleto da ciência e da técnica para acessar o conhecimentodas coisas, Robert a considerar a limitação da representação do mundo,e Kurt, defendendo a visão científica pautada somente naexperimentação sem investigação filosófica –, e alguém faz o convite:“Que tal uma música?” Descreve Heisenberg (1996, p. 24):

Começamos a cantar e, de repente, o som animado das vozesjuvenis e as cores das pradarias em flor foram muito mais reaisdo que todos os nossos pensamentos sobre os átomos.Dissiparam-se as fantasias a que nos havíamos entregado.

A música tem a propriedade de causar a impressão de umarealidade “mais real”, com relevo, luz, cor, mais vida. Ela aguça todos ossentidos. As lágrimas caem, um sorriso emerge dos lábios, os olhos sefecham e, imageticamente, se desviam a um tempo criado pelo ouvinte.

Na mesma direção do cientista Schrödinger, Heisenbergcompreendia que a fronteira entre sujeito e objeto fora derrubada,aexemplo do “princípio da simultaneidade”, segundo o qual o elementosubjetivo interfere radicalmente no tratamento dos fenômenos. Dessaforma, era preciso compreender, dadas as descobertas provenientesda física quântica, que o novo caminho a ser trilhado na ciência envolveriauma atitude verdadeira e sincera do cientista, admitindo o aspecto

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irredutível e incalculável da realidade e, portanto, a incerteza como umelemento óbvio na experiência do conhecimento do sujeito.

É possível afirmar que a música, pela sua estrutura volátil,exponha com mais vigor e precisão essa incerteza. Conforme aafirmação do músico Keith Swanwick, professor de Educação Musical,regente e ex-músico de orquestra, por sua habilidade em operar commovimentos, a música transmite esse algo sem conteúdo, vago, noentanto persistente e pleno de sentido. A música metaforiza a complexasituação do humano, que carrega a incerteza e o desejo permanente decoesão, de unidade. As vivências musicais de Werner Heisenbergrevelam essa ambigüidade.

Ilya Prigogine, assim como Morin e Heisenberg, produziu umdiálogo que indissocia saberes distintos, através de conceitos como“não-linearidade, irreversibilidade, bifurcação, dissipação, flutuação,complexidade e criatividade”. Esses conceitos são por ele discutidos eampliados substancialmente em suas reflexões, na forma de umarecíproca articulação que transita entre os domínios da Física, daQuímica, das Artes, da Política, da Sociologia, da História e da Filosofia.

Ao defender a ciência como “escuta poética” da natureza e oconhecimento como aventura que compreende uma “aliança” entre ahistória dos homens, a história da sociedade e a história dos saberes,diz Prigogine 2003, p. 232):

Filtre a música que emana do ruído [...]. A procura pelo que ésignificante e verdadeiro, em oposição ao ruído, é uma tentativafundamental que parece intrinsecamente relacionada ao fato deque a consciência humana, diante da natureza, supõe que ohomem viva nela e seja uma parte dela.

Prigogine observou em suas pesquisas que, em condições denão-equilíbrio, a matéria adquire novas propriedades caracterizadaspela sensibilidade, estados múltiplos, instabilidade, flexibilidade, escolhae soluções coerentes não-lineares. Essas soluções são por ele chamadasde “bifurcações” – situações emergentes que apresentam novas respostas

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às condições do sistema, contrariando por completo a presença delinearidade, determinismo e reversibilidade. Esse fenômeno não serestringe ao mundo químico e físico. A história do homem, o processode evolução nas estruturas geológicas são marcados por acontecimentosinesperados e por soluções não-lineares. “A vida é o reino do não-linear; a vida é o reino da autonomia do tempo, é o reino damultiplicidade das estruturas” (PRIGOGINE, 1998, p. 28).

Assim, a criatividade e a liberdade de escolha interferemdiretamente no curso da história da humanidade e já não podemosmais falar de determinismo, causalidade. Pelo contrário, a aventurahumana consiste na interferência sobre a sua história, entendida como“sucessão de bifurcações”. No mesmo sentido, não há também comopensar na noção de um tempo linear que sustentou a física clássica portrês séculos. Essa noção é agora reinterpretada sob outra perspectiva.Assim é que a “quebra da simetria temporal” rompe com a simetriaentre o passado e o futuro. Isto remete à idéia de um tempo emconstrução, irreversível – o tempo criativo, que pode ser melhorexemplificado pelo tempo musical:

Em cinco minutos mecanicamente medidos de uma obra deBeethoven existem tempos prolongados, acelerados, repetições,premissas de tudo o que acontecerá a seguir, tudo isto nos cincominutos do tempo astronômico”. (PRIGOGINE, 1988, p. 72).

Prigogine declara a existência da “flecha do tempo” como umapropriedade comum ao homem, aos outros animais, ao planeta, aouniverso. Isso se confirma quando na entrevista intitulada “Das ciênciase dos homens: a razão do otimismo”, parte integrante da coletâneaCiência, razão e paixão (2001), ele afirma que a obra de arte é osímbolo do nosso universo atual, constituindo-se como a mais novametáfora da ciência. A arte remete a uma “simetria desfeita”, porquesomos destacados do “agora” e conduzidos a um tempo criativo: umtempo interno, o tempo da criação.

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Valendo-se da “Fuga” de Bach, Prigogine expõe com clarezacomo o nosso universo opera por desvios, imprevistos e regras –“bifurcações”, ou seja, misto de determinismo e imprevisibilidade.Essa dinâmica é análoga àquela produzida pelo fenômeno musical:

A fuga de Bach que ressoa no aposento me dá a melhor analogiadeste Universo onde tento pensar a unidade e o vir-a-ser. Elaresponde a regras estritas, mas estas regras não são suficientes.Elas são as condições para o evento inesperado, para a produçãodaquilo que as supera. Sempre pensei que o único modelosatisfatório para o Universo, essa mistura do vir-a-ser deregularidades e de eventos, era a obra de arte, sobretudo a obramusical que constrói seu próprio tempo e cria a via estreita quelhe permite escapar tanto do arbitrário quanto da previsibilidade.(PRIGOGINE, 2001, p. 61).

No contato com a música, criamos um tempo e espaço próprios,porque somos conduzidos a imagens que construímos destacados dopassado, do presente e do futuro, como construções ideais. A música,por se tratar de uma arte sem fixidez em sua materialidade, e simcomo arte do instante da escuta, possui a qualidade de desencadearflutuações, emergência de novos estados de espírito por meio de suasinusitadas descidas e subidas de tons, pausas e silêncios, dissonâncias econsonâncias. Essa dinâmica musical acontece igualmente na históriada humanidade e do Universo.

Os três cientistas aqui referidos expõem em suas experiênciasde escuta musical a essência de suas construções epistemológicas noque concerne à estética, em Morin, à ordem, em Heisenberg e àbifurcação, em Prigogine.

O filósofo alemão Arthur Schopenhauer (2003, p. 238) diziaque “a música é um exercício oculto de metafísica, sem que o espíritosaiba que está filosofando”. A música opera com as essências aludidasno conceito. Essa peculiaridade do fenômeno musical se confirma nasvivências desses três cientistas da contemporaneidade. O que é objetode suas reflexões se repete em seu contato com a música.

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Em Morin, Heisenberg e Prigogine, a música é o fio que tecesuas escutas sensíveis, o elo que liga a sonoridade do mundo à condiçãohumana. Suas vidas e idéias são composições complexas dos saberesda vida. Revelam um tipo de escuta que ousa captar o incerto, o ruído,o inusitado, o ordenado, o harmonioso, o silêncio, o barulho, porquesabem que a vida se justifica nessa dinâmica do ciclo de vida e demorte, ordem e desordem, imaginário e real, determinismo enecessidade – a complexidade da vida.

Longe do caráter ilustrativo, as experiências dos três cientistasreferidos com a música denotam um campo de possibilidades apto aser acionado pela criatividade dos educadores do mundo atual. Nessesentido, a educação, na perspectiva de uma formação para a vida,pode fazer uso do artifício cognitivo musical para compreender commaior acuidade e profundidade as múltiplas dimensões do humano,descobrindo aí as potencialidades que, ao se atualizarem nos indivíduos,podem criar as “ilhas” de resistência à barbárie, à crueldade, à tortura,à violência com atitudes mais dignas, justas e regadas de compreensãoe alegria.

COMPLEXITY, MUSIC AND FORMATION FOR LIFE

Abstract: Based on Edgar Morin’s proposal for Education, which has as itsfundamental goal the inauguration of a new concept of method, called thecomplex method, this article emphasizes music as a primordial metaphoricaloperator for human formation, a strategy capable of reconnecting what wasonce separated by science of fragmentation, refusing the separation betweenscientific culture and humanistic culture, and the division between nature andculture. In the contemporary musical experience of the scientists Edgar Morin,Werner Heisenberg and Ilya Prigogine, the following poles are seen in co-existence:subject and object, man and world, scientific speech and myth, science, art andphilosophy, life and ideas.

Key Words: Music. Complexity. Education.

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Educação, complexidade e pesquisa

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PESQUISA EM EDUCAÇÃO E AS IMPLICAÇÕESÉTICAS ESPECÍFICAS DESSE CONHECIMENTO

Eder Alonso Castro*

Resumo: A pesquisa em educação tem passado por substanciais mudanças nosúltimos tempos. Dentre elas, a que mais nos tem incomodado é a que discute apostura dos pesquisadores frente aos objetos pesquisados. Sendo a educaçãoum objeto complexo por natureza, preocupamo-nos em apresentá-la, aqui,como uma ciência da práxis educativa que, como tal, necessita de uma metodologiadiferenciada para se tornar eficaz. Nesse sentido, apontamos a metodologiaformativo-emancipatória como uma alternativa ética que se compromete com ocampo e os sujeitos envolvidos no processo educacional pesquisado.

Palavras-chave: Ciência da Educação. Ética e complexidade. Ética na pesquisaeducacional.

Introdução

É muito comum quando estudamos metodologia da pesquisacientífica nos depararmos com os tipos de conhecimento que,

APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano III n. 5 p. 137-154 2005

* Doutor em educação, professor de ética e coordenador do curso de Pedagogia daFaculdade Santa Terezinha em Taguatinga no Distrito Federal. E-mail: [email protected]

NÚMERO ESPECIALEducação e Complexidade

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geralmente, são apresentados, dentro de uma escala de valores, domais simples para o mais complexo, ou seja, do popular ao científico.Dificilmente fazemos uma comparação que identifique as relaçõesexistentes entre eles. Este é um exercício importante e pouco valorizadono estudo sobre o saber científico. Os saberes popular, religioso,filosófico e o científico, embora pareçam muito distintos, têm muitacoisa em comum. Por exemplo, quando afirmamos que o saber popularestá embasado em valores produzidos no cotidiano, nos esquecemosque o religioso também se fundamenta em valores espirituais, que ofilosófico se caracteriza pelos valores racionais e que até o científico sesustenta por valores comungados por um grupo distinto. Quandoapontamos que o conhecimento popular é inexato, nos esquecemosda falibilidade da ciência. Sabemos que todas estas diferenças sãoapontadas para que possamos identificar a distinção entre os váriostipos de conhecimentos, mas, dificilmente, nos esforçamos paraapresentar as semelhanças existentes entre eles.

Nosso esforço aqui será o de procurar as semelhanças entreestes tipos de conhecimento para que possamos identificar acomplexidade envolvida nesta questão. A idéia de ciência modernaprocurou separar os conhecimentos, enquadrando-os em áreas e sub-áreas, com o intuito de tornar o conhecimento mais inteligível esimplificado. Poderíamos afirmar que em algumas áreas doconhecimento, como por exemplo, as exatas, este tipo deenquadramento é mais eficaz, o que não dispensa outros olhares sobreesta forma de classificação. Mas, quando pensamos nas áreas dehumanidades, geralmente nos deparamos com inúmeras dificuldadesna compreensão desse enrijecimento classificatório.

Se os métodos podem ser compreendidos como caminhospelos quais se chegam a determinados resultados; como forma deselecionar técnicas e avaliar alternativas; como procedimentosestabelecidos ao longo da pesquisa; como ordem que deve impordiferentes processos para atingir um fim; ou ainda como conjunto deprocessos e/ou procedimentos empenhados para a busca da verdade,

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em que tais procedimentos precisam ser possíveis de repetição, então,o método deve ser entendido como um conjunto de procedimentospor intermédio dos quais são propostos problemas científicos. Assim,o processo de investigação torna-se um modo de compreender e nãouma camisa de força que precisa enquadrar todo tipo de pesquisa quese queira denominar científica. Não podemos negar a necessidade dométodo, mas o que não podemos permitir é que o mesmo se tornemais importante que o próprio objeto pesquisado.

A ciência clássica nos propõe variados métodos que, desdeGalileu Galilei (1564-1642), no Renascimento, se apresentam comosolução para a investigação científica. Francis Bacon (1561- 1626),contrariando um pouco as idéias de Galileu, apresenta a experimentação,formulação de hipóteses, repetição, testagem e as generalizações comoúnico caminho possível para a representação da realidade. Mas, destesinovadores da ciência moderna, foi Renê Descartes (1596-1650) ocriador do método que mais se fez presente na pesquisa, simbolizandoo fazer científico e suas implicações em todas as áreas do conhecimentopor muitos séculos. Por meio da evidenciação do problema, análisedos fatos, síntese e enumeração, o método cartesiano se propõe comoparadigma inquestionável na investigação científica, a ponto dedesqualificar toda forma de conhecimento que se utilizasse dele.

Ainda na modernidade, outras formas de fazer científico foramse atrelando ao sistema cartesiano e lhe dando novos enfoques, comoocorreu com os métodos indutivo, o dedutivo e o hipotético-dedutivo.Embora apresentassem caminhos diferenciados, seu foco estava noracional abstrato e na capacidade do pesquisador em isolar o objeto,apresentando os resultados da pesquisa por meio de uma neutralidadedo pesquisador. São métodos que não admitem a falha comoinstrumento de aprendizagem e seu objetivo é desvendar uma verdadeque deve tornar-se lei científica.

Contudo, mesmo sendo a modernidade esse período no qual ofoco está em conceber a realidade como razão, é nela ainda, por outrolado, que se apresenta com mais força o problema da possibilidade de

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erro do cientista e a questão da interferência do meio, do momento edo tipo de relação estabelecida entre um pesquisador e o objetopesquisado. Hegel (1770-1831), o filósofo que, no final da modernidade,procurou conciliar a filosofia com a realidade, buscou a elaboração deum método que incluísse o negativo e o positivo. O método dialéticoadmite a negação da negação, partindo do princípio de que tudo setransforma. A passagem da quantidade para a qualidade ocorre semgrandes problemas e por isso admite a interpretação dos contrários.Este método se defronta com o cientificismo cartesiano e torna-semais utilizado nas ciências humanas.

No final da modernidade, outros enfoques vão se juntando aessa possibilidade de pesquisa que leva em conta todos os fatores quedeterminam a relação entre sujeito e objeto nas pesquisas científicas.Um dos exemplos é o método histórico que investiga o passado paraidentificar sua influência no presente, interpretando os fatos por meiode uma macrovisão do real. O método comparativo, também bastanteutilizado pelas pesquisas nas ciências sociais, preconiza um estudo sobreas semelhanças e diferenças entre grupos sociais para melhor representaras realidades estudadas. O método fenomenológico é um outro saltoqualitativo na compreensão das ciências humanas. Configura-se comoum esforço de interpretação do real por meio da aceitação dasimpressões do pesquisador sobre o objeto pesquisado que ocorremnuma relação de intencionalidade e formação de significado. Estemétodo retoma a possibilidade de humanização nas ciências, enfatizandoque a consciência que o homem tem do mundo é mais ampla do queo mero conhecimento intelectual. Neste sentido a fenomenologiavaloriza a vivência.

Toda essa diversidade de métodos e teorias científicas acaboupor criar uma cisão entre o conhecimento científico e a prática diáriade nossas vidas, daí a razão de voltarmos às questões: qual a importânciada ciência senão a de proporcionar melhorias para a vida humana?Qual a interferência das grandes teorias na construção de nossafelicidade? Ao pensarmos a pesquisa em educação, estas questões se

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141Pesquisa em educação e as implicações éticas específicas desse conhecimento

tornam ainda mais intrigantes, por isso os paradigmas dominantes,como denomina Souza Santos (1998), não conseguem corresponderàs necessidades da área, assim se faz necessário pensar a educação apartir de outros olhares. Neste sentido, as teorias que admitem acomplexidade como ponto de partida podem dar elementos de análiseque nos aproximam mais desta interpretação do real, não para nostornarmos donos da verdade, mas para que possamos ter condiçõesde interpretá-lo a partir da compreensão das implicações existentesentre o todo e as partes.

Procuraremos, neste estudo, apresentar as implicações que ométodo adotado, na pesquisa em educação, pode proporcionar sobreo papel do pesquisador como sujeito do fazer científico.

Educação como ciência

Ao pensarmos as relações existentes entre educação e ciêncianos deparamos com algumas dificuldades, como afirma Mazzotti(2001). Podemos pensar a ciência da educação como técnica e aí nosconfrontamos com o campo específico da didática que é a área daeducação responsável pela difusão e estudos dos métodos educacionaise suas aplicações. Temos ainda, a psicopedagogia como uma sub-áreada didática, que se volta para a compreensão das relações ensino-aprendizagem. Nela se estudam as técnicas de identificação dosproblemas de aprendizagem, assim como os meios de intervençãopossíveis de sanar tais dificuldades. Nesta dimensão, a educação podeser concebida como ciência prática, voltada para o estudo e difusãode técnicas que nos auxiliam na compreensão do fazer educativo. Mas,esta não é a única concepção de educação como ciência, podemosainda concebê-la como uma ciência social.

A educação como ciência social pode ser compreendida comomais uma área de conhecimento que, juntamente com outras, auxiliariamno estudo do ser humano e de todas as relações complexas que oenvolvem. O fato de ser compreendido como ser de cultura faz doser humano, por excelência, um ser de aprendizagem, que está em

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constante mudança e necessita adaptar-se às novas descobertas. O quefaz com que sua capacidade de aprendizagem esteja sempre ativada.Neste sentido, a ciência da educação, como mais uma das áreas dasciências humanas, tendo como objeto a aprendizagem, sempre teránovas descobertas e desafios a serem desvendados.

[...] Neste sentido, para a pedagogia, a ciência que permitiriadeterminar a efetividade do fazer educativo seria a psicologia, quedesvendaria os processos cognitivos e afetivos, em presença,naquele fazer. A pedagogia, assim, aparece como uma psicologiaaplicada em determinadas condições sociais que foram expostaspelas demais ciências do homem ou sobre o homem. (MAZZOTTI,2001, p. 16).

Existe, ainda, uma outra forma de encarar a ciência da educação,compreendendo-a como uma filosofia aplicada. Este é um trabalhopelo qual o espírito se autoconhece, tomando consciência de suasnecessidades. Compreendida assim, a ciência da educação se assumecomo uma variedade da política, na qual o indivíduo percebe que serlivre é tomar consciência de suas necessidades. Outra vertente da filosofiana educação seria a de assumir o papel de epistemologia da pedagogia,tornando-se assim, uma filosofia da educação que se sustenta por meiodo fenômeno educativo “objeto-projeto”, como afirma Dias deCarvalho (1988). De acordo com o autor, a epistemologia da educaçãoinvestiga o processo educativo que é impulsionado pelos programasde investigações científicas, pelos movimentos pedagógicos e pelasinstituições e agentes educativos.

Mas, independentemente da forma que encaramos a ciência daeducação, não podemos negar que exista nela uma lógica intrínseca,uma lógica das significações para a compreensão dos enunciadosinferenciais. Também se deve levar em conta uma lógica das ações quenecessariamente permite a fundamentação das teorias, possibilitandoque se possam estatuir critérios de validação das teorias pedagógicas.Esta concepção requer uma linguagem própria, necessitando de umaporte lingüístico, como qualquer outra ciência ou teoria que a embasa.

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Como exemplo, podemos citar as teorias inatistas, o racionalismocontemporâneo ou o racionalismo historicista.

Diante da complexidade com que se apresenta a ciência daeducação, pensamos ser a concepção dialética aquela que melhorpropicia a compreensão da mesma, pois esta admite mais de umalógica como possível forma de investigação. Cabe nela a contradiçãotornando, assim, possível o trabalho com pólos extremos. O fato de aciência da educação ser um conhecimento dinâmico que se faz nahistória, sua construção se dá como um conhecimento racional na práxiseducativa, formada por uma rede de significações que estabelece oslimites formais e empíricos de análise.

Compreender a educação como uma ciência do fazer educativo,sem confundi-la com o próprio fazer é um desafio a todo pesquisadorda área. A ciência da educação está na busca da verdade sobre asinferências para a superação de determinadas práticas ou técnicas. Esteprocesso se dá por meio de uma reflexão sistemática sobre uma técnicaem particular: a educação.

Pode-se, então, sustentar que a pedagogia, ao ser o exame daspráticas educativas, desenvolver-se-ia por meio da formalizaçãode teorias sobre aquelas práticas – por meio da crítica que tenhapor base o exame das lógicas subjacentes aos enunciados presentesnas teorias; desenvolver-se-ia pela investigação do caráter dosfatos postos como reais em cada teoria, verificando a qualidadedas induções – metodologia da investigação científica; procurandoestabelecer um corpus de enunciados corretos, embora nãovalidados – aqueles de que não se conseguiu por alguma razãodemonstrar a validade lógica – e enunciados indutivos verdadeiros– que tenham validade demonstrada. (MAZZOTTI, 2001, p. 34).

Na epistemologia clássica não seria possível uma ciência prática,mas hoje, ao utilizarmos as lógicas não clássicas para compreensãodos fenômenos, conseguimos abrir novas perspectivas, o que nospermite compreender a educação como ciência. Ao superar-se oimpasse entre lógica e razão nos servimos das lógicas que garantem

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interconexões entre razão e experiência. Assim a educação como ciênciadesenvolve-se por meio da formalização das práticas educativas.

As teorias educacionais sociológicas, antropológicas epsicológicas não conseguiram ser instrumentos fomentadores daspráticas educativas. O que redundou na instrumentação acrítica destaspráticas, proporcionando o distanciamento entre elas e a teoria. AEducação como ciência organiza as ações estruturais e produz as novascondições para o exercício pedagógico, resgatando a práxis educativa,relacionando a parte e o todo sem perder de vista a complexidade deseu objeto. A ciência da educação tem como objeto de estudo aeducação, objeto complexo que se manifesta na prática educativa vistacomo prática social intencionada. Assim ela é uma ciência da práxiseducativa, entendida como realidade pedagógica.

Especificidades do objeto de estudo da educação

Inspiramo-nos em Maria Amélia Santoro Franco (2003) paracompreender a educação como ciência e suas especificidades. A autoraparte do princípio de que a educação é uma prática social humana quese apresenta como processo histórico, por isso não pode ser estudadasem levar em conta o contexto e suas implicações. A educação étransformada por aqueles que dela participam, ao mesmo tempo emque os transforma. Assim, os sujeitos envolvidos precisam tomarconsciência dos significados e das mudanças introjetadas por eles. Aeducação é um objeto de estudo que se modifica parcialmente quandose tenta conhecê-la, tem um caráter dialético que se constrói no processo.Isto quer dizer que, ao estudar tal objeto o pesquisador já está causandomodificações no mesmo, o que afirma a não neutralidade de nenhumadas partes, pois o objeto é vivo e o sujeito pesquisador interfere nele.

Para Franco (2003), a ciência da educação precisa caminhar naexploração das representações abstratas, ou seja, não existe umaobjetividade concreta naquilo que se produz enquanto ciência educativa,pois a educação carrega sempre a esfera da intencionalidade. Esta sefaz presente tanto naqueles que participam dos processos educativos

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quanto no pesquisador. Os atos educativos estão sempre sujeitos aimprevistos, o que permite uma reconfiguração da ação, assim apesquisa em educação não pode ter caráter de exatidão como emoutras áreas, ela precisa ser maleável a ponto de se adequar às novasconfigurações que surgem na dinâmica do processo.

É neste sentido que se faz necessária a ampliação do sentido deciência para abranger o fenômeno educativo, pois a ciência clássicanão consegue lidar com um objeto tão dinâmico quanto esse. Somentea partir de uma análise dialética do real, que possa reconfigurar e ampliara rede de significados, é que se pode elevar a pesquisa em educação deuma pesquisa passiva a uma ação emancipatória.

Portanto, para produzir ciência em educação se faz necessáriopartir de uma nova dimensão do sentido científico que contemple adialeticidade e a complexidade, considerando a relatividade daabrangência desta ciência. Se levarmos em conta que o pensamentopedagógico e os saberes pedagógicos são indissociáveis, a pesquisaserá fecundadora das próprias práticas, na perspectiva de emancipaçãodas ações educativas.

Não podemos deixar de ressaltar que a intencionalidade daspráticas educativas deve ser elaborada no coletivo, o que torna o trabalhodo pesquisador um trabalho de grupo, no qual todos os agentes doprocesso educativo devem contribuir e se beneficiar dele.

A práxis educativa, objeto da ciência pedagógica, caracteriza-sepela ação intencional e reflexiva de sua prática. Diferentementede outras práticas sociais, que até podem funcionar, em certosmomentos, como práticas educativas, mas que precisam dessascondições e que, por não serem organizadas intencionalmente,não foram, até então, objeto de estudo da pedagogia, apesar deestarem incluídas no amplo contexto da educação. (FRANCO,2003, p. 82).

Só entram na esfera das ciências da educação aquelas práticaseducativas que forem “pedagogizadas”, ou seja, aquelas que têm umexercício comprometido, intencional e ético. Assim, a atividade docente

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é práxis por envolver a intencionalidade, conhecimento do objeto quese quer transformar, intervenção planejada e científica com vistas àtransformação social da realidade. Entendemos que as ações escolaresestão permeadas por estes pressupostos e por isso podem serclassificadas como práticas educativas.

A práxis é ativa, dá movimento à realidade, transforma-a e porela é transformada. Entender o sentido da práxis como transformaçãoe criação é compreender um novo sentido de homem, uma novaconcepção de mundo. Isto requer que a práxis educativa caracterize-sepela ação intencional e reflexiva. Por isso ela é exercida onde a práticaeducativa acontece.

De acordo com Franco (2003), há a necessidade de um olharfenomenológico para a identificação da práxis educativa com o objetivode adentrar na sua dinâmica e nos significados que compõem estarealidade. Tendo como base o fazer crítico, dialético e uma posturadenominada, pela autora, de metodologia formativo-emancipatória.

A Ciência da educação deve se responsabilizar em oferecer ascondições para que o educador em processo de prática educativa saibaperceber os condicionantes da sua situação, refletir criticamente sobreeles e agir com autonomia e ética. Neste sentido o engessamento doprocesso de formação de professores deve ser descartado,proporcionando uma formação para a autonomia.

Metodologia formativo-emancipatória

Franco (2003) propõe uma metodologia de pesquisa emeducação denominada formativo-emancipatória, apontando-a comoalternativa possível para uma pesquisa em ciência da educação. Nestametodologia são entendidos como sujeitos tanto os pesquisadores(cientistas da educação) quanto os pesquisados (aqueles que atuam naprática educativa). Todos devem estar envolvidos na busca de soluçõespara os problemas que vivenciam no cotidiano. De acordo com aautora, a metodologia deve se transformar em instrumento de

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formação, na medida em que insere o sujeito numa nova dinâmicacompreensiva, incorporando os novos sentidos à ação educativa eproduzindo movimentos de reflexão.

A pesquisa em ciência da educação deve passar por umacompreensão crítico-reflexiva dos contextos e das configurações daprática. “Como já me referi, a mediação entre pesquisa educacional eação reflexiva docente é a base da nova epistemologia da prática”.(FRANCO, 2003. p. 98). É uma postura política epistemológica eexistencial que caminha para um movimento de emancipação. Por isso,o pesquisador deve trabalhar em parceria com os mestres. A baseepistemológica da pesquisa com a práxis, na práxis e para a práxis,exige uma práxis reflexiva que deve ser encarada como uma propostapolítico-pedagógica, na qual os espaços institucionais não podem serexcessivamente burocratizados, assim, esta prática não pode aceitarverdades prontas, nem soluções definitivas, necessitando de parceiroscom diferentes olhares e pensamentos diversos que interferirão nosresultados da pesquisa.

A prática da pesquisa emancipatória requer uma formaçãocontinuada na capacitação de professores, para se tornarempesquisadores de sua própria ação cotidiana. Para que isso se tornepossível é preciso que o professor seja instigado a estranhar o que éfamiliar, elaborando novas hipóteses sobre o fazer docente, aprendendoa conviver criativamente na divergência, encontrando novas respostaspara novos desafios. Isso só se tornará possível se este profissionalpassar a reconhecer e a utilizar as teorias implícitas de sua prática,interpretando hipóteses iniciais, discutindo-as e reconstruindo-as. Oque passará a fazer parte da tomada de consciência de seuscompromissos com a realidade na qual atua, percebendo-se capaz deretirar do coletivo as fontes de aperfeiçoamento pessoal, envolvendo-se com a possibilidade de familiarização com o que é estranho àprimeira vista, identificando que nada é linear na relação aprender eensinar, estabelecendo relações entre o fato e a totalidade e começandoa descobrir o significado concreto nas situações conflitivas e complexas.

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De acordo com Franco (2003), esta metodologia passa por duasabordagens imprescindíveis. Em primeiro lugar o reconhecimento, quepassa por um processo de reconstrução das compreensões sobre arealidade educativa. Na segunda abordagem, temos a intervenção, quena linha da pesquisa-ação tem a finalidade de planejar e acompanhar astransformações no ambiente educativo.

Para o conhecimento da prática educativa, nesta concepção dametodologia formativo-emancipatória, é preciso que os sujeitos dogrupo pesquisado participem do planejamento da pesquisa, que ossujeitos sejam convidados a participar das observações de sua própriaatividade educativa e passem a ser instigados para a observação, leiturae reflexão de suas próprias práticas.

Este processo de observação deverá ser seguido da reflexãodialógica, interativa e orientado pelo pesquisador que deverá se colocarcomo membro do grupo, fazendo com que a reflexão, do geral parao particular e vice e versa, aconteça na tabulação de seus resultados.Os relatórios deverão ser elaborados pelo grupo, as produções quevão surgindo deverão interferir e modificar a cultura do grupo. Ossujeitos da práxis devem ser, assim, sucessivamente instigados à pesquisae aos processos de aprendizagem que seriam desencadeados numatroca constante.

A pesquisa científica pressupõe que o pesquisador adentre narealidade a ser estudada, integre-se nos modos de produção daexistência dessa realidade que foi criada pelos sujeitos que serãoinvestigados. Portanto, é no mínimo justo que esses sujeitosparticipem das observações do pesquisador, interfiram em suasconclusões, apropriem-se de seu olhar, partilhando e contribuindocom a qualidade do conhecimento produzido nesse processo.(FRANCO, 2003, p. 108).

A ciência da educação se qualificará à medida em que se souberdesenvolver a prática de investigação como inerência à prática deformação de educadores e, portanto, como poderoso processo dequalificar o fazer educativo.

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Ética na pesquisa educacional

Entendemos o compromisso do pesquisador com a educaçãocomo um compromisso ético, pois os resultados não estãopreestabelecidos e por isso incorporam as incertezas. Hoje, coloca-se a necessidade do princípio da incerteza, afirmando que o objetivoda árvore do conhecimento é implodir a certeza. Como há muitotempo já vem afirmando Maturana e Varella, é preciso lutar contra aarrogância da ciência, contra a diminuição da distância intelectual entrenós e os animais.

Para compreender a complexidade se faz necessário concebero pensamento de forma sistêmica. Essa é a idéia que deve permear aeducação na perspectiva da complexidade:

[...] Um sistema não é somente constituído de partes. Ele temqualidades, propriedades ditas emergentes, que não existem naspartes isoladas: em outras palavras, o todo é mais do que a somadas partes. Porém, algumas qualidades ou propriedades das partessão, com freqüência, também inibidas pelo todo: portanto, valetambém menos que a soma das partes. (MORIN, 2003, p. 150).

A mudança na forma de apropriação do saber possibilita umanova forma de conhecimento. Isto implica numa mudança demetodologia, porque, nessa compreensão, o método não se separa doconteúdo, como nos explica Franco (2003), ao explanar sua metodologiaformativo-emancipatória: o método possibilita ao pesquisado um olharcrítico sobre sua prática.

Esse modo de pensar necessita da integração do observador emsua observação, ou seja, o exame de si, a auto-análise, a autocrítica.O auto-exame deveria ser ensinado desde e durante o primário:seria especialmente estudado como os erros e deformaçõespodem sobreviver nos testemunhos mais sinceros ou convictos;a maneira como o espírito oculta os fatos que atrapalham suavisão do mundo; como a visão das coisas depende menos dasinformações recebidas do que da forma como é estruturado omodo de pensar. (MORIN, 2003, p. 153).

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Morin apresenta o diálogo como o método mais eficaz naconstrução da autocrítica, afirmando que ele pode contribuir naformação de pessoas abertas a compreender os outros e as outrasformas de conceber a realidade. A pesquisa educacional que priorizaro diálogo oportunizará aos sujeitos, envolvidos nela, a estruturaçãodas informações de forma diversificada, favorecendo, assim, aaprendizagem complexa por meio do incentivo à imaginação e àcriatividade. Esta dimensão deve ser encarada como uma postura ética,pois se revela comprometida com a realidade e favorece o repensardo fazer educativo, possibilitando aos sujeitos envolvidos o saber lidarcom as incertezas:

Hoje, o verdadeiro problema é que nós devemos estar conscientesde que o imperativo ético existe em nós, mas que ele vai encontrarum outro que é não menos forte: será preciso escolher, querdizer, assumir um risco. Isto constitui o problema das contradiçõeséticas. (MORIN, 2003, p. 43).

A formação do cidadão passa pela educação e exige aconstrução de uma auto-ética. Conceito que, segundo Morin, implicaa construção de uma autocrítica. Como o educador poderáproporcionar esta formação se ele não for educado para tal postura?Se a ciência da educação proporcionar ao pesquisado a condição decidadão, estará favorecendo, também, a auto-ética:

Isto significa que é absolutamente necessário à auto-ética umtrabalho constante de autoconhecimento, de auto-elucidação e,eu diria mesmo, de autocrítica. [...] Eis aí o longo caminho, odifícil caminho que nós devemos percorrer. A auto-ética não nosé dada. Precisamos construí-la, e eu penso que este problema deconstrução implica um problema de educação fundamental, talvezdesde o início da escolaridade. (MORIN, 2003, p. 44).

A construção da auto-ética implica em todo o processo de ensinoe aprendizagem e inclusive na pesquisa sobre ele. É uma ação que

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envolve política educacional, opção pela democracia e um outro olharsobre os indivíduos que compõem a sociedade em que nos situamos.

O autoconhecimento só se dará a partir do momento em que osujeito tiver confiança no grupo em que ele convive para se colocarsem máscaras num diálogo aberto e respeitoso. É nesta perspectivaque a auto-elucidação e a autocrítica se construirão, de forma que aciência da educação, por meio da metodologia emancipatória, teráum importantíssimo papel na construção da ética voltada para valoresuniversais, sem perder a singularidade dos sujeitos envolvidos.

Morin não concebe o indivíduo, a sociedade e a espécie comoentidades distintas, elas são inseparáveis e co-produtoras uma das outras,cada um dos termos é, ao mesmo tempo, meio e fim dos outros. Porisso, ele propõe uma ética do gênero humano, concebida como“antropo-ética”. Tal ética supõe a decisão de assumir a complexidadeda condição humana, buscando a compreensão da humanidade naconsciência de cada ser, assumindo o destino humano em suasantinomias:

A antropo-ética compreende, assim, a esperança na completudeda humanidade, como consciência e cidadania planetária.Compreende, por conseguinte, como toda ética, aspiração evontade, mas também aposta no incerto. Ela é consciênciaindividual além da individualidade. (MORIN, 2002, p. 106).

A responsabilidade dos sujeitos éticos deixa de se pautar noplano individual para ser instaurada no plano da humanidade, que setorna, assim, uma comunidade de destino e somente a consciênciadessa comunidade pode nos conduzir a uma comunidade de vida.Assim, a humanidade passa a ser encarada como uma nação ética: “é oque deve ser realizado por todos em cada um”. (MORIN, 2002, p. 114).Essa responsabilidade está diretamente ligada ao papel do pesquisadorem educação.

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Considerações finais

Pensamos que seja essa a concepção de ética que está embutidana metodologia formativo-emancipatória, defendida por Franco(2003). A pesquisa não é do pesquisador, ela envolve algo muito maiorque é a comunidade humana. Sem essa dimensão a pesquisa não temvalor, por não proporcionar a melhoria da qualidade de vida dahumanidade. Na pesquisa tradicional, inclusive na área educacional,constatamos muitas descobertas que servem apenas a um pesquisador,fazendo parte de um “capricho” pessoal que nada acrescenta à melhoriada humanidade. Inclusive o tratamento dado à comunidade que eleutilizou como objeto de estudo se configura como algo estranho àquelacomunidade que, na maioria das vezes, nem é comunicada dosresultados obtidos pela pesquisa.

Morin não garante que com esse tratamento ético defendidopor ele, os problemas da humanidade estariam solucionados, masaponta que, embora a barbárie e a ameaça de autodestruição estejampresentes, a antropo-ética pode se colocar como uma melhora possíveldas condições da vida humana. Nós acrescentamos a esse comentárioos reflexos da situação educacional em nosso país. Sabemos que amudança de enfoque da pesquisa educacional não pode transformar,subitamente, o caos no qual se encontra a educação brasileira, masacreditamos que esta mudança e o compromisso do pesquisador coma realidade pesquisada pode, no mínimo, diminuir a distância entre osaber produzido pela academia e a realidade dos ambientes escolarese com isso proporcionar reflexões sobre o fazer escolar in loco.

Pensamos que a função da ciência educacional seja a de identificaras deficiências dos sistemas numa perspectiva de transformação.Identificamos, nesta metodologia formativo-emancipatória, apossibilidade de diminuição da distância entre teorias e práticas naeducação.

Temos consciência de que a realização da metodologiaapresentada aqui não se dará com facilidade, pelo fato de exigir o

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compromisso das duas partes envolvidas no processo. Assim, caberáao pesquisador conquistar o educador, ganhando sua confiança. Esteé mais um dos desafios que a contemporaneidade nos coloca, mas, sequisermos ser cientistas da educação, comprometidos eticamente comnosso objeto de pesquisa, não temos outra saída a não ser enfrentá-lo.

RESEARCH IN EDUCATION AND THE SPECIFIC ETHICALIMPLICATIONS OF KNOWLEDGE

Abstract: Research in education has been going through substantial changeslately. Of all these changes the one that has been inconveniencing us is the onethat discusses the attitude of researchers in relation to the researched objects.Being by nature a complex subject, we present education here, as a science ofeducational praxis that needs an effective differentiated methodology in orderto become effective. In this sense, we point out the formative methodology asan ethical alternative that commits itself to the field and the subjects involved inthe researched educational process.

Key Words: Science of the Education. Ethics and complexity. Ethics ineducational research.

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Eder Alonso Castro154

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OS (DES)CAMINHOS DO MÉTODO:UMA NOVA REFLEXÃO SOBRE

A FINALIDADE DOS MEIOS*

Juremir Machado da Silva**

Resumo: Este artigo enfeixa alguns apontamentos sobre a atualidade da questãodo método. Qual o sentido e a validade de se relançar tal questão e que condiçõessão por ela exigidas ou, através dela, vêm implicadas contemporaneamente? Naimpossibilidade de se pensar o método vinculado a uma finalidade, ou tampoucocomo um caminho seguro, dada a imprevisibilidade de toda pesquisa, deve-seentendê-lo antes como uma proposta de abertura, como uma narrativa aberta.

Palavras-chave: Método. Conhecimento. Criatividade. Pensamento complexo.

O problema do método científico tem sido discutido porespecialistas de renome ao longo do tempo. Quanto mais alguém sabe,menos tem certeza de como encontrou o caminho para o saber. Isso

APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano III n. 5 p. 155-163 2005

* Este texto foi produzido com o apoio do Conselho Nacional de DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico (CNPq) e faz parte da pesquisa em desenvolvimento “Rede deidéias: tecnologias do imaginário e comunicação”.** Doutor em Sociologia pela Sorbonne, Paris V. Docente da Faculdade dos Meios deComunicação (Famecos/PUC-RS) e pesquisador do CNPq. E-mail: [email protected].

NÚMERO ESPECIALEducação e Complexidade

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nada tem a ver com algum método de auto-ajuda científica baseadona falsa humildade, mas simplesmente com a aceitação tranqüila dopapel do acaso no trabalho de pesquisa. Investigar é encontrarcaminhos, não apenas retomar velhas estradas. Ao tomar como objetode reflexão tal tema, a primeira questão deve ser: pode um pesquisadorperiférico acrescentar algo a um debate explorado incansavelmente?Como tradutor dos volumes 3 e 4, 5 e 6 de O Método, de EdgarMorin, eu poderia, ou deveria, ter a humildade de não me imiscuir emassuntos que me superam facilmente. Salvo se a questão for outra; seráque o saber pode ser definido a partir de centro e periferia?

Este texto, como indica o seu título, é uma segunda versão.Significa que a primeira se esgotou ou deixou pontos não explorados.Não se trata de uma mudança radical, mas de sutilezas que alteram otodo com leves mudanças nas partes. No essencial, tudo se repete.Ou, ao contrário, na forma tudo continua praticamente igual, mas oconteúdo se transforma pelo uso de alguns atalhos ou de trilhas quese bifurcam. Afinal, o método é o caminho que leva ao destino ouum destino que encontrou o seu caminho? O caminho é o mesmo,mas algo pode se transformar ao longo da caminhada. Tentemos irem frente.

Sujeito implicado num campo de produção de saber, o daComunicação, e incapaz de dissimular as ligações com seus objetos deanálise, parto (carregando esta primeira pessoa do singular sintomática)justamente dessa impossibilidade primeira para semear perguntas quenão saberei responder. Não esconderei, por falta de habilidade, oimpressionismo de certas afirmações que chocarão um leitorespecializado. Num tempo em que o positivismo (definição unívocados campos de conhecimento, rigor na definição de objetos pertinentesa cada disciplina, críticas ao ecletismo dito pós-moderno), depois deter sido expulso pela porta da frente, volta pela janela, não serádemasiado inquietar-se com o eterno perigo dos argumentos deautoridade. Boa parte do tempo, no campo acadêmico, definimosalgo como verdadeiro por ter sido dito por um “grande” do passado.

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157Os (des)caminhos do método: uma nova reflexão sobre a finalidade dos meios

Recorremos de Platão a Kant para dar credibilidade ao que pode nãoter sido demonstrado.

Afinal, o método é um caminho, um meio, um fim, uma gradede análise, outro nome para referencial teórico, um agregado de técnicasde pesquisa e de teorias? Quantos métodos podem ser usados paraexame de um mesmo objeto? Um Paul Feyerabend já se posicionou,há muito, por um “anarquismo epistemológico”, resumido, em termosde método, em “tudo vale”. O fato de Feyerabend ser um físico(autoridade) parece ter impressionado mais do que a sua argumentação.A pergunta que não quer calar, contudo, é muito simples: o que provaque um método está certo? Ou que método usar para ter certeza deque se escolheu o método adequado para uma pesquisa? Será o métodoum pré-conceito?

Outro caminho: até que ponto a criatividade é permitida napesquisa científica? Até onde é possível, por exemplo, inovar em termosde narrativa num ensaio de ciências sociais? Qual o lugar da forma noespaço do conteúdo? O culto da substância, empurrado por razõesideológicas, transformou as humanidades brasileiras, para não ir maislonge, em cemitérios da sedução. Uma metodologia libertária teria depropor, como já o faz, até certo ponto, Edgar Morin, uma poetizaçãoda prosa acadêmica. Mas, metodologicamente falando, isso traria maisluz ao conhecimento ou mais sombras e mistérios ao existencial?

As décadas passam, as modas intelectuais nascem e morrem, osproblemas, no eterno retorno da obsessão pela unidade, reaparecem.Cada vez mais se pensa o trabalho intelectual como divulgação deresultado de pesquisa. A Comunicação, no entanto, como parte dasciências sociais, faz-se “caminhando”. Está na sua metodologia intrínsecaevoluir pela exposição de idéias. Assim, existem, ao menos, novecategorias de texto legítimos enquanto produção intelectual, acadêmica,“científica”: 1 – relatórios de pesquisa; 2 – artigos de provocação deum debate sobre uma análise em construção; 3 – ensaios polêmicos(de reação a proposições disponíveis); 4 – textos de divulgação(narrativas de ampliação dos discursos especializados); 5 – resenhas; 6

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– críticas de estudos específicos concluídos ou em andamento; 7 –reflexão sobre fundamentos; 8 – refutação parcial ou integral de teoriasdominantes no “mercado”; 9 – novas teorias (a mais difícil e necessáriadas narrativas).

O que se deve valorizar? A retórica científica ou a “transparência”discursiva? O método precisa duvidar de si mesmo. Uma teoria nuncapode ser doutrinária. Eis o paradoxo.

Do meio ao fim

Não se trata aqui de esmiuçar a classificação estabelecida acima.Mas de estabelecer um trajeto entre vários tipos de figura de método.Em certo sentido, a idéia é defender uma aventura intelectualpolissêmica, plurimetodológica, inventiva e elaborada na caminhada decada pesquisa. Tomar o fundo como uma forma ainda não elaborada.Postular uma multiplicidade formal como base de cada narrativa. Emsíntese: a forma como molde estético de uma produção até agoradominada pelo culto da verdade. Falsamente. Pois, sob a capa daverdade, figura a sedução formal do melhor argumento como produtoda maior capacidade formal de argumentação: sedução, carisma,memória.

Edgar Morin propõe um método aberto, um meio que só seconhece realmente ao atingir o fim.

Deve-se lembrar aqui que a palavra “método” não significa dejeito nenhum metodologia? As metodologias são guias a priorique programam as pesquisas, enquanto que o método derivadodo nosso percurso será uma ajuda à estratégia [que englobará, demodo utilitário, segmentos programados, isto é, “metodologias”,mas comportará necessariamente descoberta e inovação]. (MORIN,1999, p. 39).

O método não é o caminho seguro. Talvez seja o percurso.Entre o caminho e o percurso existe sempre uma margemdesconhecida.

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159Os (des)caminhos do método: uma nova reflexão sobre a finalidade dos meios

Aquilo que se apresenta nítido em Morin, como sabem aquelesque navegam em suas páginas, permanece obscuro, boa parte do tempo,nas práticas narrativas ditas científicas. As metodologias acabam, nãoraro, conformando o objeto, substituindo o conteúdo, confirmandoo que não foi demonstrado, simulando uma presença completamenteausente. Próteses abstratas, elas podem estabelecer pensamento ondesó há especulação; dar substância ao irreal; fomentar a ilusão de verdade;dar segurança em vez da necessária angústia da descoberta. Imporpela retórica um discurso vazio ou sustentado justamente pela violênciada forma autorizada.

O fim está no meio como o meio está no fim. A frase, circular,rebarbativa, transmite o que se quer, com freqüência, calar: acircularidade do conhecimento. Em outras palavras, o condicionamentodo fim pelo meio ou do meio pelo fim. Por vezes, escolhe-se ametodologia que permitirá alcançar o fim determinado previamente.Há nisso algo razoável e algo contraditório. O razoável consiste embuscar os meios que possibilitem alcançar o fim. O contraditório estáem fechar a porta ao desconhecido, quando a essência da pesquisa estáno imprevisível. O problema é que o campo científico não está isentode competição, de jogo, de disputa, de lances para vencer. Então, soba aparência de busca da verdade, esconde-se, muitas vezes, o desejode triunfo pelo triunfo. Aí, tudo vale.

Morin nunca idealizou a aventura do conhecimento:

A tragédia da complexidade situa-se em dois níveis, o do objetodo conhecimento e o da obra do conhecimento. Em nível doobjeto, somos postos incessantemente diante da alternativa entre,de um lado, o fechamento do objeto do conhecimento, que mutilaa solidariedade com outros objetos bem como com o seu meio[e exclui, em conseqüência, os problemas globais e fundamentais]e, por outro lado, a dissolução dos contornos e das fronteirasque afoga todo objeto e condena-nos à superficialidade. (MORIN,1999, p. 42).

Pior, muito pior, condena-nos à violência da regra instituída, àhegemonia do argumento de autoridade, ao conformismo do discursoentronizado. Conhecer pode ser apenas desconhecer o outro.

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Dificilmente se opta por uma solução que partilhe essa duplapreocupação. A mutilação predomina. Ao assumir o rótulo “rigor”,justifica-se perante o tribunal dos pares que julga em nome de umalegislação tornada absoluta. O exercício perigoso exige a ampliaçãodas fronteiras, o cruzamento de objetos, a experimentaçãometodológica e, ao mesmo tempo, o exame crítico da ampliação dasfronteiras (pertinência), a avaliação reiterada da necessidade decruzamento de objetos, o julgamento da validade da experimentaçãometodológica e, enfim, a aposta no risco da inovação. Só há novateoria quando alguém aceita correr o risco de inventar novas regras depensamento.

Não é exclusividade da prosa científica essa tendência a chegarmais perto da “verdade” de um objeto. O poeta T. S. Eliot escreveu:“Em meu princípio está meu fim” (ELIOT, 1990, p. 207). E, em outromomento: “Todo o nosso conhecimento nos aproxima da ignorância/Toda a nossa ignorância nos avizinha da morte,/mas a iminência damorte não nos acerca de Deus” (p. 175). Eliot intuía o essencial: estamossempre na metade do caminho. Estamos sempre no meio. O fim éum ideal.

A grande ilusão do intelectual foi colocar-se no lugar dodemiurgo. Não se trata da ocupação do lugar de um outro, mas datomada do espaço do Outro. No primeiro caso, o conhecimentoapresenta-se como fruto do diálogo. No segundo, como iluminação.No primeiro, a dialógica pressupõe, a exemplo do que enuncia Eliot,um inacabamento irredutível. No outro, há um deslizamento daconcepção iluminista para uma noção iluminada de saber. Toma-se omeio pelo fim. Não se chega a lugar algum.

Eliot sintetizou o dilema do método (caminho que se fazcaminhando, conforme a apropriação que se faz dos versos do poetaespanhol Antonio Machado): a relação retroativa entre meio e fim, aqual pode ser pensada como um anel recursivo, um ciclo ou, enfim,um sistema de mão dupla, no qual cada elemento contamina e écontaminado pelo outro. Nesta leitura, está claro, transita o pensamento

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de Edgar Morin. As palavras situam-se na encruzilhada da lógica coma realidade. Por isso, a poesia poder ser pista para o conhecimento: “Alinguagem traduz e transfere em enunciados/seqüenciais o que semanifesta como simultaneidade superposta no cérebro e no real”(MORIN, 1999, p. 149). A realidade, feita também de imaginário, ésempre maior do que a linguagem e do que a cultura.

A abertura promovida por Morin, baseada numa ruptura como conceito metafísico de verdade, implica novos métodos deinvestigação e de reflexão. O fim já não é o mesmo (o fim último, ateleologia, a estação de chegada). Em conseqüência, o meio tambémse transforma, tornando-se mais processo do que suporte. GianniVattimo, com outra terminologia e outros pressupostos, desembocano mesmo cruzamento:

A filosofia admite, com certo orgulho, não ser uma ciência, massomente a expressão, ainda que formalizada, do ‘mundo da vida’,com suas necessidades, expectativas, esperanças e reivindicaçõesde direito. (VATTIMO apud MARTINS; SILVA, 2000, p. 67).

A filosofia é um discurso, uma forma especial de literatura, quenão descobre o que está coberto, mas postula sentidos abertos.

Quando o conceito de ciência e a pretensão à cientificidadesofrem alterações em nível de imaginário intelectual – situações típicasda virada do terceiro milênio da era cristã – é impossível conservarincólume a fortaleza dos métodos e, mais ainda, das metodologias. Ouno torna-se múltiplo; a linearidade sucumbe à vertigem da espiral; aincerteza entra em cena. Em tal contexto, aproximando-se Morin eVattimo, um “pensamento complexo” pode também ser visto comoum “pensamento fraco”:

A filosofia nunca esteve separada nem foi independente dastransformações sociais e políticas do Ocidente [já que o fim dametafísica não é concebível sem o fim do colonialismo e doeurocentrismo]. Descobre-se que o sentido da história damodernidade não é o progresso rumo à perfeição final da

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plenitude, da transformação total, da presença finalmente realizadada essência do homem e do mundo. (VATTIMO apud MARTINS;SILVA, 2000, p. 66).

O método é, antes de tudo, a relativização da metodologia. Emseguida, a desconfiança em relação à autoridade. Por fim, uma novaproposta argumentativa.

Do finalista ao provisório

Em relação a uma ciência redimensionada e a uma filosofiahumilde, como o pensamento de Vattimo, devem corresponder ciênciassociais flexíveis. Se o Grande Fim (a Verdade) já não se perfila nohorizonte, o Método também precisa descer alguns degraus eposicionar-se com mais abertura em relação a elementos com os quaisprecisa relacionar-se: fontes, metodologias, técnicas de pesquisa,objetivos, hipóteses, justificativas, referências teóricas, narrativas,discursos, retórica, enunciados, ideologias, imaginários, certezas.

O método, em Morin, não é receita nem fórmula, menos aindaum catálogo de procedimentos legitimados por argumentos deautoridade. Trata-se de um conjunto de possibilidades atreladas a umaconcepção de conhecimento que se poderia chamar de pós-clássicaou de pós-iluminista. Pertence a uma época em que a contradição jánão pode ser excluída com base apenas na lógica. Em outras palavras,impõe-se: “O pensamento complexo, que não pode expulsar acontradição de seus processos, não pode tampouco pretender que ascontradições lógicas reflitam contradições próprias ao real”. (MORIN,1998, p. 246).

O método é a constante alteração do proposto, pois, a cadapasso, algo muda no ponto de vista, dado que já se tem a vista deoutro ponto. Todo método é uma narrativa aberta.

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(MIS) LEADING WAYS OF A METHOD: NEWREFLECTION ABOUT THE PURPOSE OF THE MEANS

Abstract: This paper discusses the current concept of method. What is themeaning and the validity of asking such a question, and what are its contemporaryimplications? Since it is impossible to think of a method as linked to a purpose,or either as a safe road, given the unpredictability of research, method in thispaper is seen as an open proposal, an open narrative.

Key Words: Method. Knowledge. Creativity. Complex thought.

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O PENSAMENTO COMPLEXO E ASIMPLICAÇÕES DA TRANSDISCIPLINARIDADE

PARA A PRÁXIS PEDAGÓGICA

Ana Lina Cherobini*

Celso José Martinazzo* *

Resumo: Este artigo aborda aspectos referentes às formas como o paradigmacartesiano moderno influenciou e estruturou os sistemas educacionais atuais.Baseado nos pressupostos de Edgar Morin, apresenta argumentos quecontribuem para a construção de uma nova forma de se ver e se pensar a educação,com vistas a uma racionalidade complexa. O artigo aponta para a necessidade deserem adotadas práticas transdisciplinares a partir da superação da fragmentaçãodos saberes, da simplificação da produção do conhecimento e dahiperespecialização.

Palavras-chave: Complexidade. Educação. Transdisciplinaridade.

APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano III n. 5 p. 165-182 2005

* Licenciada em Pedagogia pela Unijuí/RS. E-mail: [email protected].** Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).Docente da Unijuí/RS. E-mail: [email protected].

NÚMERO ESPECIALEducação e Complexidade

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Considerações iniciais

Vivemos em uma época de transformações profundas, dadasnum ritmo que talvez jamais tenha sido visto antes na história dahumanidade. Muitas dessas transformações têm ocorrido emconseqüência da presença simultânea de inúmeros desafios queenvolvem diferentes dimensões – científicas, tecnológicas, econômicas,culturais, políticas e sociais – da sociedade e que, por sua vez, afetamdiversos aspectos de nosso planeta. O futuro transformou-se numtodo imprevisível, as verdades tornaram-se transitórias e oconhecimento científico moderno há muito deixou de ser consideradoa única forma válida de se conhecer o mundo, o homem e a sociedade.A soma de todos esses fatores tem nos encaminhado para um períodoque podemos definir como sendo de crise ou de transiçãoparadigmática, tanto dos saberes como das ciências.

Este período de crise ou de transição paradigmática trouxeconsigo a semente da mudança e toda mudança em algum momentoprovoca um certo mal-estar. Assim sendo, hoje, muitos dos sujeitos,membros desta comunidade planetária, encontram-se envolvidos numsentimento de desconforto. A ruína das bases que sustentavam oparadigma cartesiano simplificador moderno e o fato de que o períodoatual não mais condiz com um paradigma que separa, que hierarquiza,que abstrai e centraliza tudo, põe-nos diante do imperativo de que umnovo modelo precisa ser gestado e estruturado para dar conta dasdemandas desta sociedade-mundo.

Em resposta a este mal-estar, novas concepções organizacionaistêm surgido a partir dos avanços da cibernética e das últimas descobertasda física quântica, das ciências sociais, da biologia e da sociologia,reconfigurando o mundo num todo. Dessa reconfiguração, uma novaestrutura vem sendo construída, permitindo a superação doreducionismo, cuja tendência é reduzir tudo às partes, em prol de umprincípio hologramático, que ultrapassa a tendência holística de reduzirtudo ao todo e se ocupa com as relações que conectam o todo às

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partes e as partes ao todo. Da mesma forma, uma nova imagem demundo vem constituindo-se a partir destes novos elementos. Não maispodemos afirmar que o mundo constitui-se num simples amontoadode objetos isolados em interação, pois, sua imagem diante de tantastransformações revela-o como sendo um todo composto de múltiplosfatores organizados em uma espécie de rede de conexões, onde cadaponto está interconectado a todos os demais pontos, como que numaunidade orgânica.

Esta nova visão de mundo exige-nos uma percepção que superea estrutura disciplinar, a fragmentação dos saberes em áreas específicase a simplificação da produção do conhecimento. Dessa forma, nesteartigo, inicialmente caracterizar-se-á o paradigma cartesiano moderno,de modo a compreender sua lógica, cujos princípios aindafundamentam o discurso e a prática pedagógica atuais. Num segundomomento, analisar-se-á como o pensamento complexo e atransdisciplinaridade podem contribuir para a religação dos saberes,para a comunicação nas diferentes áreas de pesquisa, para a formaçãomultidimensional dos alunos e do seu pensar. Analisar-se-á quais sãoos obstáculos, as etapas que necessitam ser superadas para que se alcancea transdisciplinaridade e de que forma a reforma do pensamento podecontribuir para a superação desses obstáculos e dessas etapas. E porfim, a partir disso, buscar-se-á algumas possíveis aproximações dopensamento complexo e da transdisciplinaridade com o campo dapráxis pedagógica.

O paradigma cartesiano moderno e a prática pedagógica atual

O paradigma cartesiano moderno nasceu e se desenvolveu soba égide do filósofo René Descartes que concebia o mundo como umamáquina constituída de diferentes engrenagens, de peças e objetosdistintos. A partir disso, propunha a idéia de que o pensamento e osproblemas deveriam ser desmembrados em suas partes constituintes edispostos em uma ordem lógica. Logo, o pensamento cartesiano

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acreditava que só a simplificação das questões permitiria que as respostasse tornassem evidentes e que somente a partir da dominação e datransformação do mundo é que se poderia conhecer o real e manipulá-lo pela técnica.

Este paradigma alicerçou-se na racionalidade, na quantificação,no dualismo entre corpo e mente, no culto exagerado da teoria emprejuízo da prática e do intelecto em detrimento das dimensões daemoção, do coração e do espírito. Isto acabou por constituir umpensamento que isola e separa, que reduz o todo às suas partes, aosseus aspectos quantificáveis. Inaugurou uma visão antropocêntrica queincutiu no homem a idéia de que o espírito da ciência era servi-lo,proporcionando instrumentos que lhe possibilitassem mostrar umdomínio cada vez maior sobre a natureza, o que provocou gravesequívocos cujos resultados sentimos ainda hoje, padecendo com crisesno abastecimento de água, com alterações climáticas profundas, coma poluição e doenças provocadas pela força desmedida da mão dohomem sobre a estrutura complexa e articulada da natureza.

Segundo Morin e Moigne (2000), a ciência clássica do mundomoderno fundamentou toda a sua lógica sobre quatro grandes pilares.Como primeiro pilar subentende-se o princípio da ordem; comosegundo, o princípio de separação; como terceiro, o princípio deredução e, finalmente, como quarto, o caráter absoluto da lógicaindutiva-dedutiva-identitária.

O princípio da ordem traz em seu bojo um forte caráterabsolutista que influenciou, profundamente, entre outras coisas, asdescobertas da física, principalmente as de Newton e Einstein. Noprincípio da ordem, a concepção mecanicista do mundo de Descartesencontra morada, assim toda desordem é atribuída a uma privação desaberes, a uma ignorância momentânea do observador e/oupesquisador.

O segundo pilar, o princípio de separação, fundamenta-se naidéia de que o estudo e a análise de qualquer questão devem serprecedidos de uma divisão da mesma em pequenas partes, de uma

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simplificação dos dados recolhidos, de modo que se proceda a análisede maneira mais apropriada à compreensão e resolução da questão.Este princípio acabou por nos encaminhar à divisão disciplinar e àhiperespecialização.

O princípio de redução, terceiro pilar apontado por Morin,privilegia o estudo dos aspectos físicos e biológicos que possam serquantificados, mensurados, dos conceitos que possam ser transformadosem medidas. “Esse princípio fortalece o princípio da separabilidade, oqual fortalece o princípio da redução” (MORIN, 2000, p. 96).

O quarto e último pilar, o da lógica indutivo-dedutivo-identitária,caracteriza-se, principalmente, pela apologia à Razão, pela estruturaçãode uma argumentação e de uma estruturação teórica indutiva e dedutiva,pelo fortalecimento de um pensamento linear e pela crença de quecada coisa, de algum modo, constituiria o seu próprio ser. Assim, essalógica criou a imagem de um mundo que seria de tal forma coerenteque se tornaria inteiramente acessível ao pensamento humano.

Esses quatro pilares, no discurso científico moderno, nãoaparecem separadamente, uma vez que se configuram como princípiosinterdependentes, que se complementam, que reforçam as raízesconceituais uns dos outros. A atuação desses princípios excluiu acomplexificação da realidade pela simplificação em fenômenos isoladosque provocou alterações em todos os seres humanos e por conseqüênciaem toda a sociedade, muitas das quais são sentidas até hoje e de maneiramais acentuada em nossas escolas.

Se há um setor, na sociedade, que foi nitidamente afetado pelasconcepções que orientam o paradigma cartesiano moderno, este é oeducacional. Menosprezando muitos dos valores construídos ao longode séculos, o paradigma da simplificação foi tomando conta de nossacultura, levando-nos a um processo de alienação decorrente daconstante fragmentação dos saberes. O homem, que deveria sersomente razão, foi se esquecendo dos outros, de seus sentimentos,suas emoções, até quase se esquecer de si próprio. As escolasespecializaram-se na transmissão de informações de maneira parcelada

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e gradual (do mais fácil ao mais difícil), instituíram a rigidez e a disciplinanas salas de aula, espalharam entre os alunos as sementes doconformismo, da submissão a decisões impostas de cima para baixopor uma hierarquia vertical.

E isto continua a acontecer, dia após dia em nossas escolas, asclasses continuam a ser dispostas em linha reta, os horários continuama ser cumpridos com extrema rigidez, as crianças continuam sendomantidas caladas, limitadas ao espaço restrito entre sua mesa e suacadeira, continuam a ser impedidas de pensar, de ir além daquilo que oprofessor convencionou para sua aula. Ao invés de possibilitarmos aexpansão das capacidades criativas e inventivas dos educandos,homogeneizamos suas atividades, exigimos a memorização dosconteúdos, a repetição dos enunciados, a acumulação dos saberes,prosseguimos fazendo da avaliação uma prática de punição dos “erros”cometidos, ainda vendo as crianças como folhas de papel em brancoansiosas para serem preenchidas.

Sendo assim, está mais do que em tempo romper com esseparadigma cartesiano-moderno, sob pena de tornar-se inviável o atopedagógico, de preparar sujeitos para uma sociedade que já não existemais, para uma vaga no mercado de trabalho que não poderá serpreenchida por eles. É claro que é básico reconhecer que existem escolascomprometidas com a mudança, que já vêm inserindo novas práticase novas concepções pedagógicas no cenário institucional, mas é básicoreconhecer também que é inadmissível que a grande maioria das escolasainda esteja atrelada a um pensamento simplificador. Por isso, discutirpossibilidades de mudança é tão imprescindível quanto pensar novosmétodos de educação que atendam às necessidades da sociedade atual.

O pensamento complexo e a transdisciplinaridade

Diante da crise do paradigma cartesiano moderno, fez-senecessária a busca de alternativas que nos encaminhassem à superaçãodas estruturas vigentes. Entre as alternativas que desde então têm surgido

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nos diversos cenários teórico-acadêmico-científicos, a teoria dacomplexidade tem sido apontada como a maneira mais adequada parase lidar com as incertezas, com esta realidade complexa que hoje nos éapresentada, através de uma postura de respeito pelas diferenças, desolidariedade e de integração do homem à natureza.

A razão complexa rompe com a fragmentação e a simplificaçãodo conhecimento, nega a linearidade dos fenômenos, na medida emque estabelece a complexificação da realidade como novo guia aoconhecimento de tudo o que se refere às humanidades. Busca a criaçãode uma civilização de alcance planetário que através do diálogointercultural se aproxime da individualidade de cada um, daquilo quediz respeito à inteireza do ser. Pressupõe uma compreensão do mundode uma maneira global, sistêmica, ecológica, de modo a permitir aarticulação, a religação, a contextualização e a globalização dos saberesadquiridos.

A complexidade, através do princípio dialógico, articula termoscomo ordem/desordem, positivo/negativo, universal/singular, corpo/alma, sujeito/objeto, sentimento/razão, sem excluir um pelo outro,reconhecendo a dualidade no seio da unidade e a união de termosaparentemente antagônicos, mas que para a razão complexa sãotambém complementares. Assim “a dialógica permite assumirracionalmente a associação de ações contraditórias para conceber umimenso fenômeno complexo” (MORIN, 2000, p. 211).

O pensamento complexo procura por meio de um agir sistêmicoreligar o todo às partes e, as partes ao todo, seguindo a indicação dePascal (apud MORIN, 2002, p. 30) que afirmou “eu considero impossívelconhecer o todo se não conheço particularmente as partes comoconhecer as partes se não conheço o todo”. Vai além tanto dos saberesfragmentados, compartimentados em disciplinas, quanto daqueles que,ao se centrarem somente no todo negligenciam as partes, assingularidades do conhecer. A complexidade propõe, então, uma novaforma de articular os saberes, um novo método de ação: um métodotransdisciplinar.

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O método transdisciplinar constitui-se a partir e em função datransdisciplinaridade, que segundo Morin (2002, p. 49) “se caracterizageralmente por esquemas cognitivos que atravessam as disciplinas, àsvezes com uma tal virulência que as coloca em transe”. Talvez, porisso, a transdisciplinaridade nos remeta ao que está entre as disciplinas,através das diferentes disciplinas e além de toda e qualquer disciplina,ou seja, ao próprio homem: homem enquanto agente transdisciplinarque cria, imagina, reflete, analisa as situações que vivencia, e que, segundoPhilippe Quéau (apud RANDOM, 2000) é quem primeiro tem queaprender a ser trans.

A transdisciplinaridade propõe a superação do universo fechadoda ciência ao trazer à tona a multiplicidade dos modos de produçãodo conhecimento e ao reconhecer a importância da reintegração dosujeito ao processo de observação científica, uma vez que existe umaforte interdependência entre observador, processo de observação eobjeto observado. Logo, pensar transdisciplinaridade pressupõe quese reafirme o valor de cada sujeito como portador e produtor legítimode um pensar complexo.

Uma educação transdisciplinar autêntica recoloca no cenáriocientífico a emoção, a sensibilidade, o imaginário, destacando aimportância e o papel dos mesmos na construção dos conhecimentos.Critica os avanços de um saber enciclopédico, cumulativo, alcançadoàs custas do crescente empobrecimento do ser e do aumento dadesigualdade entre os que o possuem e os que dele são e estãodesprovidos. Nos mostra que a idéia de universo ordenado, linear eeterno necessita ser deixada para trás e que é urgente que nosaventuremos por um universo novo, um universo de incertezas quenão nega a ordem, mas, dialoga com um princípio integrador queconjuga ordem e desordem num mesmo plano, num mesmo contexto.

Trabalhar com transdisciplinaridade pressupõe desconforto,incerteza e principalmente confronto. É do confronto entre as disciplinasque obtemos, por exemplo, dados novos, que articulados entre siresultam numa visão nova de ecologia, sistema e realidade. A visão

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transdisciplinar estrutura-se sobre o diálogo, sobre a discussão quepossibilita a compreensão partilhada, o respeito à alteridade e aconvivência num mesmo planeta Terra. A transdisciplinaridade emmomento algum se preocupa com a acumulação dos conhecimentos;o que ela busca é a constante transformação das idéias, a contínuareorganização dos saberes.

A promoção da transdisciplinaridade, conforme Morin (2002),está sempre na dependência da comunicação entre os saberes sem quese opere, no entanto, redução. Toda redução é mutilante e contrária atudo aquilo que propõem o pensamento complexo e a transdisci-plinaridade, que, ao estudar o todo, não perde de vista as partes e, aoconsiderar as partes, não perde de vista o todo; que ao mesmo tempoem que separa, associa. No entanto, a transdisciplinaridade não nega odisciplinar, até porque, segundo Morin (2004, p. 115), “não se podedemolir o que as disciplinas criaram; não se pode romper todo ofechamento; [...] é preciso que uma disciplina seja, ao mesmo tempo,aberta e fechada”. Da mesma forma, ela não objetiva encontrar oprincípio unitário de todos os acontecimentos, isto acabaria com todaa diversidade e multiplicidade de faces do real, ignoraria os vazios, asincertezas, encerraria com o princípio da comunicação. Nem tampoucoa transdisciplinaridade objetiva a totalidade, a completude das infor-mações sobre um fenômeno estudado. O que ela objetiva é o respeitoàs diferentes dimensões do objeto estudado, pois só assim conseguemanter em seu interior um princípio de incompletude e incerteza.

A transdisciplinaridade não é e nem pretende ser vista comouma receita, como uma resposta para todas as perguntas. Muito pelocontrário, a transdisciplinaridade, assim como a complexidade, trazmuito mais problemas, questionamentos, inquietações do quepropriamente soluções, uma vez que nos faz pensar, refletir, lutar contraa racionalização, que pensa ser possível fechar o real numa caixa, parao estudar em minúsculas fatias. Nossa educação nos ensinou a separare isolar as coisas e os saberes, o que precisamos agora é religar, reunir,contextualizar. A interdisciplinaridade pode ser o primeiro passo para

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que isso ocorra, mas só com a efetiva instauração da transdisci-plinaridade haverá a superação de toda e qualquer fronteira que reduzaou fragmente o saber, isolando-o em locais determinados, até porque

a interdisciplinaridade pode significar, pura e simplesmente, quediferentes disciplinas são colocadas em volta de uma mesmamesa, como diferentes nações se posicionam na ONU, sem fazernada além de afirmar, cada qual, seus próprios direitos nacionaise suas próprias soberanias em relação às invasões do vizinho(MORIN, 2004, p. 115).

A partir disso, pode-se afirmar que a grande finalidade dapercepção e do trabalho transdisciplinar é justamente garantir aformação de um sujeito portador de uma identidade individual, social,cósmica e futura, ou seja, um cidadão planetário que compreenda opoder de suas ações e as conseqüências globais de suas práticas, quereconheça a Terra como pátria e, por conseguinte, se reconheça comoconcidadão de todos os outros povos.

Na transdisciplinaridade os esquemas de dominação de umadisciplina pela outra são substituídos pelo diálogo, pela interação epela integração. O processo dialógico proporciona, às diferentes áreasda ciência, mais que o exercício da comunicação entre si; possibilita odiálogo com outros campos produtores de conhecimento que não ocientífico, com outros mundos como o artístico, o religioso, o populare o filosófico. A transdisciplinaridade se preocupa com os diferentesníveis e tipos de produção intelectual, valoriza a poesia, a arte, a intuição,a imaginação como formas de aprender e de ensinar.

O pensamento transdisciplinar não pressupõe a existência deespecialistas em transdisciplinaridade e nem em nenhuma outra áreado conhecimento, enquanto especialista ainda for considerado aqueleque se encastela dentro de sua própria especialidade, sem nem ao menosabrir a janela para vislumbrar o que há lá fora. Para a transdisci-plinaridade, mais importante que especialistas são os profissionais,trabalhadores e pesquisadores possuidores de uma visão transdisciplinarcapaz de lhes assegurar a liberdade de caminhar por todas as áreas do

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conhecimento, de tomar parte de todas as atividades humanas,usufruindo e, ao mesmo tempo, enriquecendo toda a pluralidade demanifestações inerentes à sociedade-mundo. Um pesquisador busca,com visão transdisciplinar, respostas para seus problemas em todosos campos que julgar necessário, sejam eles científicos ou não, semmedo ou receio de descrédito, de condenação.

O que se percebe é que, hoje, a transdisciplinaridade é buscadapor praticamente todas as áreas da sociedade. As indústrias não almejammais a contratação de funcionários hábeis a desempenhar uma únicafunção. O profissional do futuro tem que ser policompetente, dominardiversas funções dentro da empresa, podendo ser deslocado de umsetor para outro sem prejuízo ao empregador. Com as descobertas dafísica quântica, no final do século XIX, com a revolução biológica emmeados do século XX, com o desenvolvimento da Astrofísica, com acompreensão sistêmica do cosmo todas as demais áreas despertaram-se de maneira mais acentuada para a necessidade de superação dafragmentação do conhecimento através da transdisciplinaridade, sem,porém, eliminar as disciplinas.

Trazendo essa discussão para o campo educacional, a visão quese tem, no entanto, é outra. Na grande maioria das escolas, a estruturamultidisciplinar é a que prevalece, quando não a simples disciplinaridade.As práticas inter ou transdisciplinares, muitas vezes, se restringem,dentro da instituição escolar, a atividades individuais ou limitadas apequenos grupos, quando deveriam, sim, abranger todo o coletivo dedocentes num trabalho conjunto. Geralmente os profissionaisenvolvidos com essas práticas inter e transdisciplinares são aquelesportadores de uma visão transdisciplinar, são aqueles que reconhecemque todas as disciplinas, num dado momento, apresentam um mesmograu de relevância na compreensão do todo.

Talvez o que falte a muitos profissionais seja o reconhecimentode que o campo conceitual de uma disciplina é muito restrito diante dauniversalidade de dimensões que um objeto de estudo pode chegar aapresentar. Na tentativa de proporcionar uma compreensão ampla

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dos processos, tendo em vista o restabelecimento da unidade doconhecimento, torna-se inevitável o compartilhamento de informaçõesde uma e outra disciplina. Ou seja, “é fundamental que o educadorcompreenda a teia de relações existente entre todas as coisas, paraque possa pensar a ciência una e múltipla, simultaneamente”(PETRAGLIA, 2003, p. 73).

O paradigma cartesiano moderno trouxe a falsa ilusão de queseríamos capazes de nos tornar “donos da verdade”, sabedores detodo o conhecimento, mas isto de forma alguma se confirmou.

[...] Não estamos mais na época de Pico de la Mirandola quepodia abranger em sua mente todo o saber contemporâneo, comose o problema hoje fosse simplesmente adicionar osconhecimentos e não organizá-los (MORIN, 2002, p. 30).

O apego à hiper-especialização e o sentimento de propriedadeem relação ao conhecimento encaminharam o especialista, e porextensão, todos os homens, à cegueira, à destruição das possibilidadesde reflexão, das compreensões das situações complexas, das capacidadesde pensar e visualizar o contexto da crise.

O desenvolvimento das ciências disciplinares despedaçou ossaberes, confinando-os entre grades. As escolas, atualmente, ao invésde superar esse sistema, ao invés de romper com essas grades, viabilizamainda mais sua manutenção. As instituições de ensino tecem queixas arespeito do comportamento dos alunos, das condições de ensino, dosmétodos pedagógicos, mas, muitas vezes, se furtam à mudança,fazendo-nos perguntar: será que a escola quer realmente ser mudada?E se quer, por que continua a separar tudo em disciplinas, a dissociaros objetos de seu meio, a tornar simples tudo o que parece sercomplexo? Por que continua a produzir uma inteligência cega que senega a perceber os erros que comete e as ilusões a que é submetida? “Ainteligência cega destrói os conjuntos e as totalidades, isola todos osobjetos daquilo que os envolve” (MORIN, 2003, p. 18).

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Diante desse quadro, pode-se afirmar que ainda existem muitosentraves para a implementação da proposta transdisciplinar. Dentreeles destacam-se: a rotina escolar, historicamente construída e apontadapor muitos como o principal obstáculo; o conformismo de algunsprofissionais que não vislumbram a possibilidade de mudar; oconservadorismo de outros que se agarram a antigas e superadas idéias,concepções; o medo das mudanças e das conseqüências que estaspossam acarretar; a ausência de uma crítica social organizada contra ossaberes disciplinares e a fragmentação do conhecimento; a dificuldadede admitir que precisamos lidar com as incertezas; e a falta desolidariedade entre os homens e entre os diferentes povos.

A superação desses entraves não se dará sem conflitos. Todoaquele que se dispuser a colaborar com esta superação precisa estarpreparado para correr riscos, para quebrar as amarras impostas peloparadigma cartesiano moderno, para trocar a certeza e a segurança daciência moderna pelo desassossego e pela incerteza de uma ciênciacomplexa. Assim, para Morin (2004, p. 92) a única maneira de seaprender a viver e lidar com esta insegurança é reformar as mentes,processo que “vai gerar um pensamento que liga e enfrenta a incerteza”.

Este pensamento que une requer que se substitua o pensamentolinear por um pensamento em círculo, multirreferencial, que venhaancorado nos princípios sistêmico, hologramático, dialógico, do anelretroativo e recursivo e da auto-organização. Esta nova forma depensar capacita o homem a contextualizar, a globalizar, a compreendere enfrentar os dilemas de seu meio e de sua época; encaminha-o paraa construção de um conhecimento pertinente, “[...] ou seja, umconhecimento simultaneamente analítico e sintético das partes religadasao todo e do todo religado às partes” (MORIN, 2002, p. 85). Oconhecimento sempre será pertinente, enquanto situar as informaçõesem seu contexto.

Este pensamento reformado se nutre numa cultura universal,plural, que contemple toda a diversidade de manifestações humanas.A compreensão dessa cultura exige o uso total da inteligência, que

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requer, por sua vez, uma reforma no ensino que o viabilize. Assim,podemos dizer que uma reforma no pensamento leva a uma reformano ensino e que uma reforma no ensino leva a uma reforma nopensamento. Para Morin (2004, p. 104)

[...] essa é uma reforma vital para os cidadãos do novo milênio,que permitiria o pleno uso de suas aptidões mentais e constituirianão, certamente, a única condição, mas uma condição sine qua nonpara sairmos de nossa barbárie.

A reforma no ensino traz, no entanto, uma interrogação: se parareformar as mentes necessitamos reformar as escolas, quem reformaráas mentes dos educadores? Quem os educará para esta nova realidade,para esta nova missão? Morin (2002) aponta como solução que oseducadores sejam autodidatas, se auto-eduquem a partir dasnecessidades que a sociedade-mundo imprime e que são sinalizadaspelos educandos. E quando falamos em educadores não nos referimosapenas aos que trabalham em Instituições de Ensino Superior, nasUniversidades, mas também àqueles das escolas de Ensino Fundamentale Médio, uma vez que a reforma do ensino para se efetivar precisaconfigurar-se como um processo contínuo que aconteça ao longo detoda a trajetória escolar dos educandos, presumindo, assim, ocomprometimento de todos os níveis de ensino com esta propostacomplexa e auto-eco-organizadora.

Diante desse processo de possíveis sucessivas reformas, caemos entraves à prática da transdisciplinaridade, que assim floresceenquanto método colaborador no processo de pensar global earticuladamente. O ensino resgata a sua função primordial que é aformação de um sujeito portador de uma “cabeça-bem-feita”, capazde contextualizar as informações, utilizando-as na resolução deproblemas e na produção de conhecimento, no lugar de uma cabeça-bem-cheia, que de tão cheia não é capaz de dar sentido àquilo quejulga saber.

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O papel do educador, dentro desse novo paradigma, comonão poderia deixar de ser, se reconfigura de tal modo que ele acabapor assumir um novo perfil. O educador numa perspectivatransdisciplinar não é um mero transmissor de informações,

é um educador que já não tem vergonha de errar, que prepara oindivíduo para se relacionar com a incerteza, para deixar a posiçãoilusória de querer controlar tudo e todos, pessoas e fatos da vida.É alguém que compreende a complexidade envolvida na tomadade decisão, que assume responsabilidade pelas decisões tomadas(MORAES, 2003, p. 151).

Assim, tendo presente a análise feita, fica nítido o papel datransdisciplinaridade na constituição de uma verdadeira práxispedagógica. A transdisciplinaridade, ao unir o que estava desligado eao reconectar o todo às partes, reaproxima a prática da teoria, fundindoambas num princípio integrador e sistematizador, que devolve aliberdade ao professor e ao aluno para juntos poderem repensar oprocesso ensino-aprendizagem. O professor, liberto das limitações eda rigidez, impostas pelo paradigma da simplificação, volta então apensar a teoria educacional, utilizando-a como fonte para referendarou refletir sua prática, que se transforma em verdadeira práxispedagógica. A práxis pedagógica, por sua vez, torna-se parceira datransdisciplinaridade na árdua tarefa de percorrer o caminho ao inverso,ou seja, de conceber uma educação que não parta da especificidade dadisciplina para a resolução do problema, mas do problema aoencontro das contribuições que as diferentes áreas do conhecimentotêm a oferecer, já que para a transdisciplinaridade “são os problemasque se manifestam que devem invocar as ciências a estudá-los”.(CARBONARA, 2004, p. 102).

Enfim, como se pode perceber, a efetiva instauração dosprincípios transdisciplinares, tanto na sociedade, como na educação,pressupõe inúmeras mudanças, tão grandes e tão profundas quecolocam a transdisciplinaridade na categoria de uma grande utopia.

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Concordamos, no entanto, com Prigogine (1996 apud MORAES, 2003,p. 69) quando afirma que as visões do futuro e até as utopiasdesempenham um papel importante na construção do mundo e que,sendo assim, não devemos temer as utopias, mas sim a falta delas. Atransdisciplinaridade representa, sim, um grande desafio; não é e nemserá fácil romper com as instituições educacionais e governamentaisque tentam a todo custo bloquear nossas tentativas de mudar, mas, senem ao menos tentarmos, de que forma saberemos se atransdisciplinaridade é um método possível ou viável então? “É precisopersistência e dedicação quando se acredita nas próprias idéias”(PETRAGLIA, 2003, p. 77).

Considerações finais

O paradigma cartesiano alicerçou um pensamento que isola esepara, que reduz o todo às suas partes, aos seus aspectos quantificáveis.A realidade atual exige um pensamento complexo que possibilite umavisão transdisciplinar, multidimensional e planetária, que caracterize uma“cabeça bem-feita”, que conduza à capacidade de contextualizar eglobalizar, que propicie uma nova maneira de compreender o mundo.Segundo Morin, a reforma do pensamento é indispensável para a buscadesta nova maneira de compreender o mundo, pois ela antecede aprática da transdisciplinaridade.

Buscamos no pensamento complexo e na transdisciplinaridadeuma maneira mais adequada para romper com a linearidade que impedea compreensão do mundo, partindo para uma leitura que leve emconta a complexidade da realidade através dos três grandes princípiosorganizadores do conhecimento complexo: o dialógico, o anel recursivoe o hologramático. A transdisciplinaridade nos mostra que é precisoaprender a contextualizar, a globalizar, a problematizar e a relacionartodas as coisas, num esquema de promoção de constantesreorganizações, que acabam por promover a superação de fronteiras,a queda de barreiras ao pensar e ao conhecer.

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Através da transdisciplinaridade ambiciona-se o respeito àsubjetividade de cada um e o fortalecimento dos diálogos interculturais,permitindo a abertura e o fluxo entre as diferentes áreas do saber ecom as ligações, interações e implicações que possam se dar entre umae outra área, rompendo com o estigma de que certas disciplinas possamser mais importantes que outras.

O contexto da complexidade e da transdisciplinaridade devesempre refletir as discussões a respeito da importância das relaçõesentre os conteúdos de uma disciplina e de outra disciplina, bem comodeve buscar a superação das fronteiras entre as ciências, visando evitara formatação de conhecimentos de maneira parcelada, promovendoa construção de um saber plural, global, integrado. Pensar as partesinterligadas, tecidas num todo, de forma aberta e não linear é o grandedesafio da práxis pedagógica nos tempos atuais.

THE COMPLEX THOUGHT AND THE IMPLICATIONS OFTRANS-DISCIPLINARITY FOR PEDAGOGIC PRAXIS

Abstract: This paper deals with aspects of how the modern Cartesian paradigminfluenced and structured the current educational systems. It presents argumentsthat contribute to the construction of a new way of seeing and thinking theeducational process, based on Edgar Morin presuppositions of complexeducation. The paper points out to the necessity of using trans-disciplinarypractices for the fragmentation, simplification and production of knowledge.

Key Words: Complexity. Education. Trans-disciplinary.

Referências Bibliográficas

CARBONARA, Vanderlei. Concepções ético-epistemológicas quefundamentam a ação interdisciplinar e transdisciplinar no ensinofundamental e médio. In: CANDIDO, Celso; CARBONARA,Vanderlei. (Org.). Filosofia e ensino: um diálogo transdisciplinar. Ijuí:Ed. Unijuí, 2004. p. 89-107.

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Ana Lina Cherobini e Celso José Martinazzo182

MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente.9. ed. Campinas: Papirus, 2003.

MORIN, Edgar. Educação e complexidade: os sete saberes e outrosensaios. São Paulo: Cortez, 2002.

______. Introdução ao pensamento complexo. 4. ed. Lisboa:Instituto Piaget, 2003.

______. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar opensamento. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

MORIN, Edgar; MOIGNE, Jean-Louis de. A inteligência dacomplexidade. 3. ed. São Paulo: Peirópolis, 2000.

PETRAGLIA, Izabela Cristina. Edgar Morin: a educação e acomplexidade do ser e do saber. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

RANDOM, Michel. O pensamento transdisciplinar e o real. SãoPaulo: Triom, 2000.

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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO DE TRABALHOS

O APRENDER é uma publicação que pretende divulgar trabalhos sobreo processo educacional em suas variáveis filosóficas e psicológicas, ou contribuiçõesde outras áreas do conhecimento, de acordo com o enfoque da publicação.

Dada a abrangência das áreas de conhecimento alcançadas pelo caderno, oAPRENDER define alguns enfoques temáticos para melhor orientar o conteúdodos trabalhos candidatos à publicação.

Filosofia da Educação:• A aprendizagem como problema filosófico: como e em que condições

se dão a transmissão, construção ou apropriação do conhecimento.• A Filosofia e a instituição escolar.• Abordagem teórica das diferentes escolas pedagógicas.• Diferentes conceitos e concepções de educação.• Educação e Filosofia: as correntes filosóficas e sua relação com a idéia de

formação e os processos educacionais.• Ética e Educação: a ética como fundamento para a formação e a

aprendizagem, a ética profissional do educador, entre outros.• Teorias da Pesquisa em Educação.• Educação e Política: o caráter formador e transformador da educação em

seus aspectos político e filosófico.• O papel da Filosofia nas transformações da educação contemporânea.• Novas tendências e tecnologias de ensino: aspectos filosóficos.

Psicologia da Educação:• A aprendizagem como problema psicológico: como e em que condições

se dão a transmissão, construção ou apropriação do conhecimento.• Aspectos psicológicos voltados para o estudo do campo das necessidades

educativas especiais: dificuldades de aprendizagem, educação especial,preparo e formação de professores, entre outros.

• As escolas psicológicas e sua relação com os processos educacionais.• Novas tendências e tecnologias de ensino: aspectos psicopedagógicos.• Psicanálise e Educação.• Psicologia Escolar/Educacional: trabalho docente, processo ensino-

aprendizagem, aquisição da leitura e da escrita, interação professor-aluno,cultura escolar, atuação do psicólogo na escola, entre outros.

• Psicologia do Desenvolvimento e Educação: aspectos psicomotores,afetivos, cognitivos, lingüísticos, sociais, culturais e familiares.

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• Relações humanas na escola.• Sociedade e Educação: fatores psicossociais e de formação do sujeito.• Trabalho e educação.

Obs.: Somente serão aceitos trabalhos que se enquadrem em um ou mais dosenfoques temáticos citados acima.

Envio dos TrabalhosSão aceitos para publicação artigos, ensaios, debates, resenhas, traduções,

entrevistas, relatos de caso, etc. Os textos enviados para análise devem vir escritosem português, espanhol, inglês ou francês.

Os trabalhos candidatos à publicação deverão ser enviados por e-mail,com o texto anexo, para os seguintes endereços eletrônicos:[email protected] e [email protected] ; ou pelo correio,contendo uma cópia impressa e uma cópia em disquete, para o endereço abaixo:

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb)Departamento de Filosofia e Ciências Humanas (DFCH)APRENDER – Caderno de Filosofia e Psicologia da EducaçãoEstrada do Bem-Querer, km 4.45083-900 – Vitória da Conquista – BahiaTanto no envio por endereço eletrônico como pelo correio, os trabalhos

deverão vir acompanhados por uma folha à parte, contendo os seguintes dadosde identificação:

• Título do trabalho acompanhado de resumo e palavras-chave no idiomade redação do artigo.

• Nome completo do(a)(s) autor(a)(es).• Maior titulação (com indicação da área de conhecimento e nome da

instituição).• Instituição de origem e função que está exercendo.• Endereço eletrônico e telefone.

Formato dos Trabalhos:Os trabalhos candidatos à publicação deverão ser apresentados da seguinte

forma:1. Os trabalhos deverão ser digitados em Word for Windows.2. Os trabalhos deverão observar as seguintes especificações quanto ao número máximo de páginas: Artigos – 20 (vinte) páginas, não incluídas as referências bibliográficas; Resenhas – 05 (cinco páginas);

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Entrevistas e debates – 10 (dez) páginas;Traduções – 20 (vinte) páginas.

3. A configuração do texto deverá observar as seguintes especificações: papeltamanho A4 (21 X 29,7), margens superior, inferior e laterais de 2 cm,espaçamento entre as linhas de 1,5 e alinhamento justificado.

4. O título do trabalho deverá vir em fonte Times New Roman, tamanho 12,negrito e caixa alta, centralizado no alto da página inicial.

5. Dois espaços abaixo do título do trabalho deverá vir o nome do(s) autor(es)em fonte Times New Roman, tamanho 12, em itálico, alinhado à direita dapágina, seguido de asterisco, indicando, em nota de rodapé, a maiortitulação (com a área de conhecimento e a instituição onde foi obtida), ainstituição a que o(s) autor(es) se encontra(m) vinculado(s) e endereçoeletrônico.

6. Dois espaços abaixo da indicação do(s) autor(es), deverá vir o Resumo dotrabalho, na língua de redação do artigo, acompanhado das palavras-chave(máximo de 5) e das versões correspondentes em inglês (Abstract e KeyWords) ou francês (Résumé e Mots-clés).

7. O Resumo (bem como o respectivo Abstract ou Résumé) deverá ter nomínimo 40 e no máximo 100 (cem) palavras e ser redigido em um sóparágrafo.

8. Títulos e subtítulos dividindo as partes internas do trabalho devem virem fonte Times New Roman, tamanho 12, em negrito, somente com asprimeiras letras maiúsculas e alinhados à esquerda da página (não devemser numerados).

9. As citações e referências bibliográficas deverão seguir as normas maisrecentes da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

10. Figuras e fotos deverão vir no corpo do texto, no local desejado peloautor, somente em preto e branco.

11. Gráficos deverão vir no final do trabalho, somente em preto e branco,apresentados de maneira legível e com indicações e/ou legendas porextenso.

Avaliação dos trabalhosOs trabalhos candidatos à publicação serão avaliados quanto a sua

qualidade e originalidade por especialistas do assunto abordado. Os pareceristassão escolhidos, preferencialmente, dentre os membros que compõem o ConselhoEditorial do caderno.

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RevisãoOs artigos aceitos para publicação serão submetidos à revisão de

linguagem. O APRENDER reserva-se o direito de realizar alterações sugeridaspela revisão, que não impliquem alterações no conteúdo do artigo. Os casosespeciais serão comunicados ao(s) autor(es), para sua avaliação.

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CADERNO APRENDERUniversidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb)

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EQUIPE TÉCNICA

Coordenação editorialJacinto Braz David Filho

Capa e editoração eletrônicaLuiz Evandro de Souza Ribeiro

Imagem: Yellow and Red Light Pattern © Royalty-Free/Corbis.Disponível em: <http://pro.corbis.com/>

Revisão de linguagem (Português)Marluce de Santana Vieira

Normalização técnicaJacinto Braz David Filho

Revisão das traduções (Inglês)Diógenes Cândido de Lima

Impresso na Empresa Gráfica da BahiaNa tipologia Garamond 11/15/papel offset 80g/m²

Em agosto de 2006.

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