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ARTIGO: CINEMA É HISTÓRIA: A OBRA DE ALFRED
HITCHCOCK E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Autor: Prof. Dr. Ricardo Sequeira Bechelli
I – RESUMO
O objetivo do trabalho é analisar e expor as obras que o cineasta Alfred Hitchcock sobre a
segunda guerra mundial, realizadas no contexto da guerra: Correspondente estrangeiro, o
Sabotator, Um barco e nove destinos e como epílogo do pós-guerra, Interludio e Festim
Diabólico. Assim sendo, será possível estabelecer tanto a visão da guerra pela visão da sua
época e também o pós-guerra, mostrando o cinema como História.
Palavras chave: Alfred Hitchcock, cinema, Segunda Guerra Mundial, nazismo, democracia
II – ABSTRACT
The objective is to analyze and expose the works which the filmmaker Alfred Hitchcock on the
Second World War , held in the context of war: Foreign Correspondent , the Sabotator ,
Lifeboat and the post-war epilogue , Notorius! and Rope . Therefore , you can establish both a
view of the war by the sight of his time and also the post- war, showing the film as history.
Keywords: Alfred Hitchcock , cinema , World War II , Nazism , democracy
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III – INTRODUÇÃO
A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) sempre gerou fascínio da indústria cinematográfica.
Não apenas por ter sido o maior conflito da história da humanidade, mas também pela
importância no reordenamento da política mundial.
Seja de uma forma estereotipada, da luta do bem contra o mal em papéis bem definidos,
procurando impor ou condenar valores, como a democracia, o comunismo e o nazi-fascismo, o
fato é que pela dimensão do conflito, pelas situações paralelas a guerra, como por exemplo, o
Holocausto, o cinema sempre se viu atraído pelo tema, assim como público em geral.
Diversos cineastas, desde o final do conflito tem trabalho com a questão sob as mais variadas
formas: Holocausto, batalhas específicas, pontos chaves, biografias de personalidades, enfim
abordando temas que ganharam grande importância. Podemos destacar como obras
marcantes, A lista de Schindler, Resgate do Soldado Ryan, O Império do Sol, A Ponte do Rio
Kwai, Circulo de Fogo, Uma ponte longe demais, Operação Valquiria, a Conquista da honra,
Cartas de Iwo Jima, Patton, Bastardos Inglórios, isto, sem considerar obras importantes de
outros países, como o francês Adeus Meninos e os alemães como, O barco – inferno no mar,
Europa Europa, Uma mulher contra Hitler e A queda: as últimas horas de Hitler.
O historiador Norman Davies selecionou mais de 47 filmes de grande expressão desde os anos
50 ate o começo do século XXI, onde a guerra é abordada (Davis Norman, 2006, páginas 469-
477)
A proposta deste trabalho é analisar a Segunda Guerra Mundial por outra vertente: a de
analisar uma seleção de três filmes dirigidos por Alfred Hitchcock durante a guerra e com mais
dois filmes, no pós a guerra onde o tema no nazismo é abordado.
Portanto a proposta apresentada tem um objetivo real: o de mostrar a guerra em seu contexto
do momento, com obras produzidas no “calor da hora”, ou seja, durante o conflito. Por
exemplo, um filme como O Resgate do Soldado Ryan, por exemplo, é excelente, mas é uma
obra de 1998 tratando da guerra. É uma visão de 1998 sobre 1944.
A seleção apresentada aqui é ilustrar como o cinema é História: produzidas durante o conflito
e logo após o mesmo, estes filmes se tornam uma grande fonte de pesquisa ao historiador,
uma vez que sendo parte de um contexto histórico, ilustram uma visão de um momento, de
como a guerra era vista por cineastas no momento em que estava em plena atividade.
Da mesma forma, o cinema produz um impacto e uma grande influência no público em geral.
Eles atuam na formação de valores, de conceitos e pontos de vista. Agem como meios de ação
e de pensamento. Podem servir portanto como peças importantes de propaganda, onde se
expressam valores e ações que interessam a grupos econômicos e ideológicos. Tanto a
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Alemanha de Hitler, com a obra de Leni Riefenstahl, quanto a URSS de Stalin, com Sergei
Eisenstein utilizaram o cinema como propaganda de seus regimes. Isto não inutiliza a obra
destes autores, que por méritos próprios ainda são assistidos e estudados, porém com a
devida ressalva necessária.
No contexto da II Guerra Mundial, este processo foi fundamental. Muitas obras de propaganda
foram produzidas como um esforço adicional de guerra para induzir as pessoas a terem uma
mesma opinião, ajudando a formar um pensamento único direcionado a ir contra o inimigo.
Portanto a produção de filmes neste período foi bastante variada e representava obviamente
o interesse de cada nação envolvida no conflito. Fazer esta seleção de filmes deste período é
algo bastante complexo e requer cortes espaciais, seja do país onde a filmografia foi
produzida, do período histórico e do realizador.
Tomando este critério, foi realizada uma seleção de obras que, por sua grande relevância,
ajudam a resgatar o seu período histórico e ao mesmo tempo tem uma grande importância
cinematográfica. Assim sendo, foram selecionadas obras realizadas por um dos maiores
cineastas da História: Alfred Hitchcock.
Alfred Hitchcock (1899-1980), ou simplesmente Hitch, foi um dos maiores mestres da história
do cinema e autor de grandes obras-primas, valendo mencionar obras do nível de Psicose, Um
corpo que cai, Janela Indiscreta, Festim Diabólico, Pacto Sinistro, Os Pássaros, Intriga
Internacional, entre outras tantas obras que ele realizou que marcaram o cinema. Conhecido
como “mestre do suspense”, Hitch criou vários métodos de narrativa, de construção de
grandes cenas e sequências, tornando a sua extensa filmografia – algo como 53 filmes –
obrigatória para qualquer estudante de cinema, e gerando uma enorme influência para a
maioria dos cineastas posteriores.
Nascido em Londres, ele construiu a sua carreira ainda na Inglaterra, realizando filmes de
grande impacto que lhe tornaram conhecido, como a Dama Oculta, O homem que sabia
demais e os 39 degraus. Em 1939 ele foi contratado por David Selznick e se radicou nos EUA,
onde iria depois iria construir uma carreira espetacular.
Porém mesmo radicado nos EUA, Hitchcock tinha uma visão bastante clara do que estava
acontecendo na Europa. A sua família e amigos estavam na Inglaterra. Ele sabia que, cedo ou
tarde, os EUA poderiam estar envolvidos no conflito. Foi neste contexto que Hitchcock se
dedicou a dirigir filmes que traduziam a sua visão da guerra para o público. Era o seu esforço
de guerra, mas também uma visão do cinema em sua maior escala.
Portanto a escolha dos filmes de Hitchcock para ilustrar o conflito tem um sentido bastante
único: a visão dos acontecimentos pelo um dos maiores cineastas de seu tempo, que embora
utilizando os recursos propagandísticos, pode produzir obras marcantes e fundamentais da
história do cinema e ao mesmo tempo obras que transcendem o valor da própria propaganda.
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II - ANÁLISE DOS FILMES
A seleção dos filmes realizados por Hitchcock neste período tomou alguns critérios
importantes. Primeiro foi o da sua importância cinematográfica para o período; o segundo a
sua disponibilidade, tornando ao público atual obras de fácil acesso e terceiro e mais
importante o seu impacto estas obras para o propósito deste estudo.
Foram selecionados cinco filmes realizados por Hitchcock. As obras Correspondente
estrangeiro (1940), O sabotador (1942); Um barco e nove destinos (1944), se referem ao
período de guerra e são muito úteis para a compreensão do conflito. Já as obras Interlúdio
(1946) e Festim Diabólico (1948) traduzem muitos elementos do pós-guerra.
Correspondente estrangeiro (Foreign correspondent)
Dados técnicos:
Direção: Alfred Hitchcock
Roteiro: Charles Bennett e Joan Harrison
Elenco: Joel McCrea, Laraine Day, Herbet Marshall, George
Sanders.
Ano: 1940
O primeiro filme abordado neste estudo, Correspondente estrangeiro, é uma das obras mais
interessantes sobre o início da guerra. O filme começa com o diretor de um jornal (New York
globe) fazendo uma indagação sobre o que está acontecendo na Europa e seleciona uma dos
seus repórteres para ir para a Europa para se tornar um correspondente estrangeiro do jornal.
Aqui percebemos qual era intenção de Hitchcock: o de abrir ao povo americano a ideia de que
algo está acontecendo na Europa e que precisamos saber o que é. O filme traduz esta
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mensagem: ao longo da narrativa, o correspondente, que tem um nome bastante comum,
Jones, ganha um pseudônimo de Havestrock – começa a descobrir que o conflito é iminente, e
que outras forças, das quais nem imaginava, estão atuando em conjunto ao conflito.
Utilizando recursos narrativos associados a grandes sequências (como o assassinato nas
escadas e a fuga no meio dos guarda chuvas, além do desastre do avião), Hitchcock mostra
que a guerra estava em gestação, que estava sendo arquitetada pelos que falavam de paz. Não
é a toa que o líder do movimento pacifista é na realidade o líder de uma organização nazista e
que estava atuando para obter informações e minar todo o processo de paz.
O que o nosso herói descobre ao longo do filme é exatamente que a guerra estava se tornando
inevitável. Porém, vale dizer, que ele aprende – assim como o expectador – da necessidade do
apoio americano a guerra. A sequencia final é curiosa: se passa em Londres, sob forte
bombardeio, onde Jones faz um pronunciamento aos EUA para que mantenham as luzes
acesas, porque na Europa estas estão se apagando (os primeiros bombardeios à Londres
aconteceram uma semana após a estreia do filme), numa metáfora inteligente à conquista
nazista do continente.
Vale mencionar mais duas sequencias do filme: a de quando o falso líder pacifista, Fisher,
procura obter informações (sob tortura) do diplomata holandês, Van Meer, e este diz que
quando a guerra começar, pessoas como Fisher vão acabar devorando uns aos outros e que
paz é para as pessoas que “dão comida aos pombos”, ou seja, de pessoas que querer viver a
sua vida na tranquilidade; a outra sequencia é de quando o avião que está a caminho dos EUA
é atacado por um destroier alemão e cai no mar.
Fisher neste momento ao ver várias pessoas em perigo e em particular a sua filha, se sacrifica
para salva-los. É como uma percepção da natureza da guerra a qual estava envolvido – a
morte e a destruição era o resultado de sua ação. O seu suicídio é portanto uma tradução do
seu sentimento de culpa, da necessidade de se redimir ao mal que ajudou a criar.
Como conclusão, é importante salientar que apesar do apelo propagandístico, principalmente
ao final, a forma como como Hitchcock construiu o filme, faz com que as situações pareçam
naturais, sem apelações ou por demais rotulado. O filme é uma grande evolução na percepção
do conflito. Se Jones no início pouco sabia do que acontecia na Europa, ao final ele faz o
discurso em uma Londres sob-bombardeio, pedindo o apoio norte-americano (que era
oficialmente neutro), se tornando uma voz para os EUA.
Como especialista na arte de manipular o público, Hitchcock faz com ao final do filme
percebemos a necessidade da intervenção americana, traduzindo a necessidade que ele via
dos EUA entrarem no conflito.
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O sabotador (the saboteur)
Dados técnicos:
Direção: Alfred Hitchcock
Roteiro: Peter Viertel, Joan Harrison Dorothy Parker
Elenco: Robert Cummings, Priscilla Lane, Otto Kruger, Norman Llloyd,
Harold Miller
Ano: 1942
Se no filme anterior, Hitchcock trabalhou com a Guerra no seu contexto externo, ou seja na
Europa, neste aqui o conflito se passa totalmente nos EUA. É o medo do inimigo interno, do
terrorismo, algo que de certa forma traduz muito o momento atual pós- 11 de setembro.
O filme começa em uma fábrica de aviões (vinculada ao esforço de guerra), no qual ocorre um
incêndio criminoso que destrói a fábrica, sendo que um dos operários acaba morrendo. Nas
investigações, um outro operário, Kane, é responsabilizado pelo incêndio e acusado de
sabotagem. Ele foge da polícia e sai a procura do verdadeiro sabotador (que ele conheceu na
fábrica e que conhecia o nome e o endereço).
Nesta fuga, ele acaba descobrindo que o tal sabotador, chamado Fry, pertencia a uma
organização nazista (não é citado o nome, mas o filme deixa isto implícito) que contava com o
apoio de grupos americanos pró-eixo. De forma curiosa o vilão é mostrado de forma refinada,
com um grande recurso de oratória, com uma fala macia e cativante. Em um momento, em
especial, Kane pergunta a ele a razão do apoio ao fascismo. E ele diz: “por que os regimes
totalitários são mais eficientes. Eles fazem o que precisa ser feito.” E Kane diz representando a
democracia “sim fazem o que precisa ser feito, mas a custa de destruição de cidades e de
milhares de mortos.”
Um achado do filme é que Kane em sua fuga encontrou com diversas pessoas que lhe
prestavam ajuda. Aqui existe um simbolismo e uma crítica de Hitchcock : as pessoas que
mostram compaixão, compreensão por Kane são sempre especiais, portando alguma
anormalidade (cega, limitação intelectual, circo de pessoas bizarras) onde são mostrados
valores as quais as pessoas ditas “normais” não tinham. Esta percepção é acentuada, em
particular, pela personagem Pat, que faz a sobrinha do cego que havia ajudado Kane. Se a
principio ela era relutante em ajuda-lo (por não acreditar em sua inocência) ao longo do filme
percebe os valores que haviam perdido e com um interessante contraste, ela pode perceber
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mais valores em atores do circo de horrores, do que em uma mansão, cheia de pessoas
refinadas, mas simpatizantes do nazismo.
O maior simbolismo do filme, porém, está na sequencia final: após um novo ataque terrorista,
o sabotador e Kane se enfrentam na estátua da liberdade. Kane X Fry, democracia e fascismo
juntos na tocha da estátua da Liberdade. Nesta cena final a democracia vence, quando Fry cai
e morre. O simbolismo é perfeito: no maior símbolo americano da liberdade, o fascismo é
derrotado.
Um barco e 9 destinos (lifeboat)
Dados técnicos:
Direção: Alfred Hitchcock
Roteiro: John Steinbeck, Jo Sweling, Ben Bencht
Elenco: Tabullah Bankhead, William Bendix, Walter Slezak, John Hodiak
Ano: 1944
Este foi um dos filmes mais ousados e de narrativa mais complexa da carreira de Hitchcock. O
filme se passa todo em alto-mar, em um bote salva vivas. Já começa após o naufrágio, com
uma jornalista renomada aparece no bote. Ela está toda arrumada, com uma máquina de
escrever e uma câmera, se portando como uma representante de uma “classe superior”. E
com o mesmo tipo de postura que ela se comporta quando outras pessoas aparecem – vítimas
do naufrágio do navio e da destruição de um submarino alemão começam a entrar no bote. E
semais curioso quando um dos sobreviventes é o capitão do submarino alemão.
Hitchcock constrói o filme como um estudo das personagens e do próprio microcosmo da
guerra. Todos estão no mesmo barco, ou seja, a guerra envolve todos, sejam ricos ou pobres.
Cada personagem ganha uma dimensão própria, em particular o alemão.
É curioso como os personagens se desenvolvem ao longo da história: a repórter, a principio
tão esnobe e com um ar superior, vai ao longo do filme perdendo as suas posses (câmera,
casaco, máquina de escrever, jóia) se tornando assim uma pessoa comum, inclusive na sua
postura. Se transforma em alguém do povo, mostrando todo o seu artificialismo.
Da mesma forma outros personagens são tratados desta maneira, ilustrando aquele
microcosmos onde as pessoas comuns acabam aparecendo, embora no geral não sejam
valorizadas. Aqui a vale a menção a um personagem negro: ele se vê a principio fora das
decisões , mas é inserido pelo grupo. É exposto que ele já fora um ladrão no passado, e que
havia superado esta fase, tendo um emprego no navio e uma família, com esposa e filhos. O
orgulho a qual ele mostra a foto da esposa, aliado a evolução do personagem ao longo do
filme ajuda a destruir o estereótipo do negro que estava tão em voga.
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É importante lembrar que o ator que fazia o negro, Canada Lee, era um conhecido ativista
pelos direitos civis e Hitchcock sabendo disso permitiu que Lee escrevesse as suas próprias
falas.
Mas essencialmente é da guerra que o filme se trata, em uma das cenas mais marcantes, um
bebê morre e a sua mãe, enlouquecida, depois se atira ao mar. Ou seja, a guerra gera a morte
de inocentes, da destruição de vidas.
O personagem do capitão alemão se torna uma referencial fundamental; visto inicialmente
com desprezo, mas que aos poucos ganha a confiança de todos, sem estes perceberam que
eles estava conduzindo o bote para um navio alemão, ou seja, na prisão e morte de todos.
É curioso porque aqui Hitchcock explora o tema da superioridade racial. Teriam sido os
alemães superiores aos demais povos? Afinal o alemão estava remando o bote com vigor e
energia enquanto os demais estavam com fome, sede e cansaço.
Porém o segredo da superioridade é logo revelado: o alemão estava escondendo água e
energéticos do restante da tripulação e inclusive assassina um dos tripulantes que descobre a
verdade. Ou seja, sua pretensa superioridade é destruída: ela não existe, ele apenas possui
recursos que os demais não possuíam.
Tendo a pretensa superioridade do capitão alemão questionada, e percebendo que ele estava
levando-os para um navio alemão (ou seja, para a morte) a tripulação ataca e mata o alemão, a
que eles depois chamam de “pseudo superman” (em referência óbvia a Nietzsche) .
Outro alemão é resgatado, mas a tripulação não percebe a necessidade de mata-lo. É curioso
que quando ao final, já para serem resgatados, eles se questionam sobre a guerra e as mortes.
O que representa o conflito? A morte de inocentes? É algo bastante interessante e até
bastante reflexivo.
Interlúdio (Notorius!)
Dados técnicos:
Direção: Alfred Hitchcock
Roteiro: Ben Hcht, Clifford Odets, Alfred Hitchcock
Elenco: Cary Grant, Ingrid Bergman, Claude Rains, Louis Calhern
Ano: 1946
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Em 1945, a guerra já havia acabado. Os nazistas estavam sendo presos, porém muitos
escaparam para outros países, em particular na América do Sul, onde procuravam se
reagrupar.
Nesta época, já se sabia em todo o mundo o que os nazistas fizeram. Os campos de
concentração já estavam abertos, sendo que Hitchcock chegou a trabalhar em um
documentário à respeito, chamado Memória dos campos, o qual só seria exibido em 2015.
Portanto atento a seu tempo, Hitchcock mostrava este temor neste filme. No caso escolheu o
Brasil como temática: um grupo de cientistas alemães que fugiram da Europa estavam se
reagrupando no Brasil, através a empresa I G Farben, e atuando em operações clandestinas
aqui. Como hoje sabemos que muitos nazistas – cientistas ou não – se refugiaram aqui no pós-
guerra, o filme ganha um aspecto mais interessante, mais intrigante, se aproximando da
própria realidade brasileira.
O filme de se desenvolve a partir de quando uma filha de um traidor nazista, que é preso em
Miami, é induzida por agentes da CIA para atuar no Brasil na procura de nazistas atuando no
país. Este envolvimento acaba levando-a a se apaixonar pelo agente americano (vivido por
Cary Grant), mas tendo que se envolver romanticamente e inclusive se casar com o agente
nazista, Sebastian para obter maiores informações.
Rodado em 1946, no pós-guerra, o filme é um retrato interessante da sua época. Tem imagens
do Rio de Janeiro antigo, mostrando uma cidade mais europeia do que a atual. Da mesma
forma, retrata a presença dos nazistas no Brasil de forma como uma organização secreta,
porém atuante livremente no país.
As autoridades brasileiras não estão cuidando do caso (são apenas secundárias), mas sim a
própria CIA, que conduz toda a investigação (embora mencionem um apoio da polícia
brasileira).
Um ponto curioso é que o Brasil não é visto de forma caricaturada no filme. Em momento
algum se falam de samba, carnaval, mulatas ou praias. Ou seja, é mostrada a cidade do Rio de
Janeiro como uma cidade normal.
É interessante também a descoberta de que os nazistas estavam estocando e fazendo
experiências com urânio no Brasil. Isto não é detalhado, mas é um fato bastante curioso.
Os nazistas já são tratados de forma diferente. São civilizados, tem elegância, mas são
maléficos, tornando-os um perigo real, forte e presente. Sem entrar em caricatura o filme
mostra que os nazistas podiam ser perigosos, ardilosos, mas civilizados, se portando como
pessoas nobres, elegantes. Ou seja, Hitchcock ilustra o nazismo como tendo uma máscara de
civilização, que esconde a sua real natureza bárbara. O nazismo e o perigo que representam
são reais e não peças ou ficção. A tensão da cena final, onde Cary Grant ajuda a Bergman a
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descer as escadas após ter sido envenenada pelo marido, nos traduz o medo real que os
nazistas representam.
Concluindo, o filme aborda inúmeras questões: como podiam ser tão polidos, tão sofisticados,
mas tão cruéis? Como podiam continuar agindo mesmo ao final da guerra? Como se
camuflavam de forma tão sofisticada dentro da sociedade? Como os nazistas se portaram e
viviam no Brasil com tal facilidade?
Abrindo estas questões e tratando de um período histórico bastante intrigante, o filme
Interlúdio é uma grande obra de seu tempo e nos faz refletir sobre o nazismo nos pós-guerra e
o Brasil neste mesmo momento.
Festim diabólico (Rope)
Dados técnicos:
Direção: Alfred Hitchcock
Roteiro: Hume Croyn, Arthur Laurents
Elenco: James Stewart, Farley Granger, John Dall
Ano: 1948
Este filme não trata diretamente do nazismo como nos filmes anteriores, mas toda a dimensão
do mal que o nazismo representa, fica visível ao longo do filme. As preocupações e discussões
que surgem ao longo deste filme são marcantes e representam essencialmente muito do que
de fato se evidenciava durante a guerra, principalmente com o significado e o direito de
assassinar outra pessoa.
O filme trata de um casal homossexual (deixado implícito, em virtude da censura da época)
que decidem matar uma pessoa conhecida e realizar uma festa com a família do falecido e um
antigo professor, chegando ao extremo de colocar o corpo dentro de um baú, cuja tampa era
usada como o buffet de comida.
A obra aborda uma série de questões, mas vale uma especial, que é muito tratada ao longo do
filme: a ideia de superioridade e inferioridade dos seres humanos e o direito de matar uma
pessoa.
Em um momento do filme, a questão do nazismo é explorada de forma mais clara, durante
uma discussão sobre, segundo um dos assassinos, o direito dos “superiores” em matar os
“inferiores”. Neste momento Hitchcock faz uma relação bastante clara sobre o nazismo,
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quando o assassino diz “em condeno os nazistas porque foram estúpidos”. Ou seja, os nazistas
foram estúpidos, mas as suas ideias são coerentes.
O pai da vitima (que não sabe da morte do filho) percebe esta relação e chega a mencionar a
relação deste pensamento a Hitler e ao nazismo. Ou seja, fica evidente ao diretor como o tema
do assassinato ou do genocídio era uma questão aberta e difícil compreensão nos pós-guerra.
Assim Hitchcock deixa aberta a questão: poderia o nazismo se reproduzir em outros lugares? O
mal que os nazistas aventaram na Europa, com a sua ideia de superioridade racial, não era
apenas um caráter único, mas poderia se reproduzir em outros lugares? Sob outras formas?
Ou seja, a guerra contra a Alemanha nazista havia acabado, mas as ideias que marcaram o
nazismo continuavam a existir e a prosperar.
O fato de o professor descobrir a verdade ao final e criticar a ação é emblemática: ele percebe
o quanto o mal que a tal superioridade poderia causar na humanidade. Quem poderia ser
considerado superior ou inferior? O que justificaria o assassinato puro e simples? A crença em
uma superioridade? O professor se torna aqui uma peça chave: percebe o que as suas ideias
de superioridade (a quais ele defendia antes) podiam levar. E ao condenar o assassinato e
chamar a polícia , ele traduz essencialmente a ideia final: de que as ideias de superioridade e
inferioridade tem que ser superadas, uma vez que a consequência é trágica.
III - CONCLUSÃO
Como toda obra, um filme é um retrato de seu tempo: traduz sentimentos, verdades e
mentiras, ilusões e perspectivas de sua época.
E da mesma forma, um filme cria valores e sentimentos, servindo de instrumento, servido
como forma de construir pensamentos, valores e ações em seu tempo. Isto também é
fundamental para o historiador, uma vez que serve de matéria prima para uma análise do
período.
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Os filmes analisados aqui são um retrato e uma ação de seu tempo. Se de fato tem um lado
propagandístico, é verdade que são muito mais do que isto. Alfred Hitchcock foi um diretor
sagaz, bastante inteligente para pode criar uma visão única de seu tempo, mas sem ao mesmo
tempo torna-los obsoletos e presos demais a sua época. Uma saída inteligente de Hitchcock foi
a de não rotular demais os filmes; apesar de vincular ao seu período histórico, ele foi capaz de
trabalhar as situações no roteiro para que estas pudessem ter uma abrangência maior, quase
atemporal.
E para atrair as pessoas, Hitchcock se utiliza de pessoas comuns a quem o público consegue se
identificar. Usando as suas técnicas de manipulação, Hitchcock pode ao mesmo tempo expor
tanto as ideias de esforço de guerra, quanto contar histórias e situações que nos fazem refletir,
pensar sobre a sociedade, pessoas e valores. Ou seja, é uma obra traduz a sua época, mas que
consegue sobreviver ao tempo.
Com correspondente estrangeiro, o Sabotador e Um barco e nove destinos, vemos como
Hitchcock evolui na sua análise da guerra e dos personagens envolvidos. Existe uma
evolução na sua visão da guerra e indo mais além do que apenas obras de propaganda (como
alguns críticos infelizmente rotularam). Eles mostram uma visão do conflito, mas também são
obras de aprendizado – do inicio e da compreensão da guerra, da própria América que precisa
resgatar os seus valores para enfrentar o nazismo e através de um estudo dos personagens e
seus valores.
No caso de Interlúdio e Festim Diabólico, vemos Hitchcock preocupado com o pós-guerra.
Afinal , mesmo derrotados, os nazistas ainda existem, o mal que eles representaram continua
existindo e poderá se reproduzir em outros lugares. Se em Interlúdio os nazistas de fato
aparecem, em Festim Diabólico é o mal que o nazismo representa, que se traduz no
assassinato a sangue frio, pelo prazer de matar “seres inferiores”.
Portanto, a visão de Alfred Hitchcock sobre a Segunda Guerra Mundial e ao pós-guerra
representa um grande elemento de discussão sobre as naturezas do conflito. Abrem espaço
para reflexões de seu próprio tempo, de análise enquanto História e como o cinema, nas mãos
de um grande mestre como Hitchcock, pode servir ao historiador e ao público em geral para
uma análise mais ampla de um momento histórico.
IV – FONTES
Imagens: Wikipedia.
Dados técnicos dos filmes:
13
Site: www.imdb.com
Correspondente estrangeiro: http://www.imdb.com/title/tt0032484/?ref_=nv_sr_2
O sabotador: http://www.imdb.com/title/tt0035279/?ref_=nm_knf_t2
Um barco e nove destinos: http://www.imdb.com/title/tt0037017/?ref_=fn_al_tt_1
Interlúdio: http://www.imdb.com/title/tt0038787/?ref_=fn_al_tt_1
Festim Diabólico: http://www.imdb.com/title/tt0040746/?ref_=fn_al_tt_1
Bibliografia:
Ferro, Marc. Cinema e História. Editora paz e terra, SP, 2010
Virillio, Paul. Guerra e cinema. Scritta editorial, SP, 1983
Davies, Norman. Europa na guerra- 1939-1945. Editora Record, RJ, 2006
Truffaut, Francois. Hitchcock/truffaut entrevistas. Companhia das Letras, 2004
Filmografia:
- making of Correspondente estrangeiro. Versatil. (coleção O cinema de Hitchcock)
- making of Inteludio . Versatil. (coleção O cinema de Hitchcock)
- making of O sabotador. Universal (coleção Alfred Hitchcock : a obra prima)
- making of the Festim Diabólico. Universal (coleção Alfred Hitchcock : a obra prima)