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163 Kelly Felipe Moreira Tabatinga* Samuel Mendes Gouvea** A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL EM FACE DA POSSIBILIDADE DO ARTIGO 228, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, SER CLÁUSULA PÉTREA THE REDUCTION OF CRIMINAL MAJORITY IN FACE OF THE POSSIBILITY OF ARTICLE 228 OF THE FEDERAL CONSTITUTION BE ENTRENCHMENT CLAUSE LA REDUCCIÓN DE LA EDAD PENAL FRENTE A LA POSIBILIDAD DEL ARTÍCULO 228 DE LA CONSTITUCIÓN FEDERAL SER CLáUSULA DE SALVAGUARDIA Resumo: O texto tem por propósito fazer uma análise da possibilidade da redução da maioridade, com especial enfoque no sistema juris- dicional, despindo-se dos fatores subjetivos e “justiceiros”, para, então, observar a vexato quaestio tão somente sob o prisma da Constituição. Objetiva, também, demonstrar os princípios funda- mentais inerentes à pessoa humana, merecedores de proteção máxima ante os anseios sociais que, comumente, são deturpados em teatros teratológicos tanto na sociedade, quanto – não raras vezes – no ambiente forense. Analisa-se, assim, cada indagação, atentando-se às devidas peculiaridades, mas unidos por uma mesma premissa, qual seja, a de que não cabe ao Legislativo e tampouco ao Judiciário exercer isolada e soberanamente a edição dos regulamentos pétreos que versem sobre direitos fundamentais pétreos presentes no nosso ordenamento jurídico. Abstract: The text has the purpose to analyze the possibility of reducing the minority, with special focus on the judicial system, undressing * Especialista em Direito Penal pela faculdade Fortium. Gestora e professora do curso de Direito do Centro Universitário de Desenvolvimento do Centro-Oeste – UNIDESC. Advogada. ** Graduando em Direito na UNIDESC.

Artigo19

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Kelly Felipe Moreira Tabatinga*Samuel Mendes Gouvea**

A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL EM FACE DA POSSIBILIDADE DO ARTIGO 228,

DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, SER CLÁUSULA PÉTREA

THE REDUCTION OF CRIMINAL MAJORITY IN FACE OF THE POSSIBILITY OF ARTICLE 228 OF THE

FEDERAL CONSTITUTION BE ENTRENCHMENT CLAUSE

LA REDUCCIÓN DE LA EDAD PENAL FRENTE A LA POSIBILIDAD DEL ARTÍCULO 228 DE LA CONSTITUCIÓN

FEDERAL SER CLáUSULA DE SALVAGUARDIA

Resumo:

O texto tem por propósito fazer uma análise da possibilidade da

redução da maioridade, com especial enfoque no sistema juris-

dicional, despindo-se dos fatores subjetivos e “justiceiros”, para,

então, observar a vexato quaestio tão somente sob o prisma da

Constituição. Objetiva, também, demonstrar os princípios funda-

mentais inerentes à pessoa humana, merecedores de proteção

máxima ante os anseios sociais que, comumente, são deturpados

em teatros teratológicos tanto na sociedade, quanto – não raras

vezes – no ambiente forense. Analisa-se, assim, cada indagação,

atentando-se às devidas peculiaridades, mas unidos por uma

mesma premissa, qual seja, a de que não cabe ao Legislativo e

tampouco ao Judiciário exercer isolada e soberanamente a edição

dos regulamentos pétreos que versem sobre direitos fundamentais

pétreos presentes no nosso ordenamento jurídico.

Abstract:

The text has the purpose to analyze the possibility of reducing

the minority, with special focus on the judicial system, undressing

* Especialista em Direito Penal pela faculdade Fortium. Gestora e professora docurso de Direito do Centro Universitário de Desenvolvimento do Centro-Oeste –UNIDESC. Advogada.** Graduando em Direito na UNIDESC.

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of subjective factors and "vigilantes" to then observe the vexatoquaestio so only under the light of the Constitution. It also aims

to demonstrate the fundamental principles inherent in the human

person, deserving of protection against social expectations celing

that not rare are sometimes misrepresented. Analyzes so briefly,

each paying attention to the peculiarities due, but united by the

same premise, namely, that, hodiernamente, not for the judiciary

nor the legislature exercising isolated and sovereign issue regu-

lations stony that deal with fundamental rights, present in our

legal system.

Resumen:

El texto tiene el propósito de analizar la posibilidad de reducir la

edad penal, con especial énfasis en el sistema judicial, desvestién-

dose de factores subjetivos y "vigilantes" para observar, a conti-

nuación, la quaestio vexato tan sólo bajo la luz de la Constitución.

También tiene como objetivo demostrar los principios fundamen-

tales inherentes a la persona humana, merecedora de protección

en contra de las expectativas sociales que, no raro, son a veces

mal interpretados por la sociedad y por la justicia. Se analiza bre-

vemente cada una, atendiendo a sus peculiaridades, pero unidos

por la misma premisa, a saber, que, hodiernamente, no es función

del poder judicial ni del legislador ejercer aislada y soberana-

mente la edición de los reglamentos de salvaguardia, que tienen

que ver con los derechos fundamentales, presentes en nuestro

sistema legal.

Palavras-chaves:

Direitos fundamentais, emenda constitucional, pessoa humana.

Keywords:

Fundamental rights, constitutional amendment, human.

Palabras clave:

Derechos fundamentales, enmienda constitucional, humanos.

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INTRODUÇÃO

Hoje se produz um movimento em busca da redução damaioridade penal, com o lema de que esta seria a ação ade-quada para alcançar uma justiça cristalina e real, afastando parteda impunidade em nossa República. Por ser este um objeto tãodelicado, o da possibilidade (ou não) da redução da maioridadepenal, um assunto que é ético, jurídico, político e moralmenteconflituoso em qualquer sociedade construída culturalmente comlastros nos valores fundamentais da vida e da dignidade humana,procuramos nos limitar tão somente à letra da Constituição, ouseja, à análise legal do assunto, dispensando, corolariamente,qualquer apreciação mais detalhada que fuja da questão jurídica.

A presente obra ofertada tem, também, por fim, fazeruma análise superficial acerca do juízo que vaga no pensamentoda opinião pública. É intenso o debate acerca do desejo de redu-ção da maioridade penal, devido ao fato de 18 anos ser conside-rada, por grande parte da sociedade, uma idade excessiva paraa imputabilidade penal. Não distante desse desejo, anda parale-lamente um desejo irracional de atropelar a lei (art. 27, CódigoPenal, e art. 104, Estatuto da Criança e do Adolescente), afron-tando, inclusive, a Constituição da República, para se alcançarum anseio popular desprovido de razoável reflexão e filosofia.

Sob o manto do engano, muitos atribuem ao CódigoPenal a culpa pela idade que permite a punição penal hodierna-mente definida, julgando ser esta a lei que serviria de parâmetropara a proteção dos menores infratores. Em verdade, há sim dis-positivos legais em legislações infraconstitucionais, tais como oECA e o Código Penal. Contudo, não são destes a palavra finalque irá jurisdicionar com qual idade será atribuída a responsabi-lidade criminal da pessoa.

Por fim, trazemos à tona alguns princípios constitucionaisque serviram e ainda servem como guia para galgar certos prin-cípios basilares inerentes à pessoa humana.

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O ARTIGO 228 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL É CLÁUSULAPÉTREA?

Delimitar o âmbito de proteção aos direitos e garantiasindividuais relacionadas à redução da menoridade penal é, defato, tarefa que transcende os limites do jurídico e envolve o universoaxiológico, resgatando uma das mais puras e brutas matérias-primas do Direito: a teoria tridimensional, de Miguel Reale.

Pensamos, no íntimo da razão, que uma respostainstantânea, hermenêutica e sem muita reflexão sobre o temaseria absoluto devaneio e, principalmente, nada mais que umcontragolpe desiderato a fim de satisfazer uma opinião particularpara algo que nos aflige diariamente, qual seja, a impunidade dealguns casos em que o agente é inimputável.

Contudo, devemos nos despir do fetiche de pensar quea prisão carcerária do menor infrator reverterá a situação deste,ensinando-o a virar uma pessoa de conduta ilibada, extirpando-o do universo da criminalidade, acreditando que este método derepressão seria uma solução plausível e eficaz contra o sobres-tejo da má conduta da criança e do adolescente que comete qual-quer ato infracional.

Não seria o mais adequado investir recursos em processose estruturas criminais, pois pouco – ou talvez nenhum – benefícioretornaria à sociedade. O ideal seria investir em políticas públicasde educação e ressocialização do menor.

Em verdade, reduzir a maioridade para 16 anos não seapresenta como o remédio ideal para o câncer social que acometeos jovens delituosos. Ao reduzirmos para essa idade, a eficiênciaà redução da criminalidade seria praticamente nula, e certamentedaqui a alguns anos teríamos outro clamor público para reduzirpara 14 anos, e daqui mais alguns anos outro clamor para que aredução passe para os 12 anos, e assim por diante.

No que tange à legislação, em especial a maior delas,qual seja, a Constituição da República de 1988, temos o seguintedisposto: “Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores dedezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.

Nesse dispositivo, o legislador constituinte decidiu reconhecer,

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dando continuidade ao já fixado no Código Penal de 1940, a idade de18 anos como critério para a fixação de imputabilidade penal. Nota-se que desde 1940 essa idade já era parametrizada.

Antes de analisar, sob o ponto de vista político, a viabili-dade da redução da maioridade, debatendo valores axiológicose éticos, discutindo a questão da impunidade, tem-se que estudar,a priori, se esta é realmente possível no mundo jurídico. Nesseponto, devem ser trazidos à baila os direitos fundamentais eindividuais inerentes à pessoa humana, bem como o controle deconstitucionalidade exercido sobre o referido diploma constitu-cional. No artigo supracitado, há de se perceber que o mesmocuida de um direito fundamental do ser humano, tornando-o, porconseguinte, uma cláusula pétrea.

Seguindo a inteligência de Kelsen, para entender umtodo, é preciso dividi-lo em partes. Essencialmente, precisamossaber o que de importante está aquém do instigado tema.

De acordo com a Constituição da República, são cláu-sulas pétreas todos os assuntos que se configuram no elenco doparágrafo 4º do artigo 60, CR.

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada medianteproposta:[...]§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emendatendente a abolir:I - a forma federativa de Estado;II - o voto direto, secreto, universal e periódico;III - a separação dos Poderes;IV - os direitos e garantias individuais. (grifo nosso)

O ponto é sabermos se o dispositivo do artigo 228 seriaum direito individual dos menores de 18 anos. No entanto, apriori, precisamos entender o que quer dizer a expressão “direitosindividuais”. Nesse sentido, José Afonso da Silva (2009, p. 191),com maestria, leciona que:

Concebemo-los como direitos fundamentais do homem-indivíduo,que são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares,garantindo a iniciativa e independência aos indivíduos diante dosdemais membros da sociedade política e do próprio Estado.

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Assim, direitos e garantias individuais são aqueles deri-vados da própria existência humana e que se colocam acima detoda e qualquer norma, mesmo porque, para alguns autores, ba-seiam-se em princípios supraconstitucionais, com o objetivomaior de proporcionar e assegurar condições de liberdade indi-vidual, de sobrevivência e de valorização social. Cuida-se de con-teúdo protecionista ao indivíduo em face do Estado.

Não raras vezes, o direito se baseia em políticas crimi-nais e políticas sociais a fim de preservar a célula-mater da so-ciedade, qual seja ela, a família - o início do conjunto de pessoas;o começo de uma comunidade. Sem a família não há o social.

Com excepcional maestria, Rolf Koerner elucida:

A regra do art. 228, da Constituição Federal, diz assim: “São pe-nalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos àsnormas da legislação especial.” Se em Brasília intenta-se modificá-la, desde já se pode afirmar que a mudança é impossível. A cláusulaé pétrea, igual à que veda a volta nossa ao Império. O legisladorde 1988 foi inteligente quando imaginou que, um dia, alguém po-deria querer mudar o Código Penal (1940), por isso que, então,com a Constituição (1988), especificamente com aquele comando,tornou impossível a mudança. Todo o resto é balela.

Bem por isso, tem-se entendido, majoritariamente, alídima garantia individual que aduz o artigo 228, restando, ine-quivocadamente, a sua inadmissibilidade de emenda constitucio-nal. O que existe, dentro do possível, é a criação de uma novaconstituinte para o regimento da inimputabilidade penal atinenteà menoridade, ou, caso entre em matéria do Estatuto da Criançae do Adolescente (Lei 8.069/1990), poder-se-ia tratar com maiorelastério a punição do menor infrator.

Sabemos que o Direito não é uma ciência exata, o qualpossamos colocar em um tubo de ensaio e obter um resultadocom precisão matemática. Por essa razão, não é de se estranharcorrente contrária que afirma, precisamente, que o aludido 228não é cláusula pétrea.

Dando continuidade, quem defende que o artigo 228, CF,não é cláusula pétrea, deleita-se na ideia de que o inciso IV, § 4ºdo art. 60 da Constituição da República, diz respeito – somente

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– às garantias e direitos fundamentais, aludidos no tão afamadoart. 5º da Constituição Federal. Seguindo tal raciocínio, se nosatentarmos, o art. 228 sequer está inserido no espaço reservadoaos direitos e garantias fundamentais (TÍTULO II, CAPÍTULO I),e sim ao espaço alocado para os assuntos Da Ordem Social(TÍTULO VIII, CAPÍTULO VII). Portanto, assim sendo, o que estiverfora do art. 5º estaria, sim, passível de emendas constitucionais.

Porém, pouco prudente seria pensar desta maneira. Taltese ofende e deturpa gravemente a lei maior, pois não só no artigo5º estão elencados os direitos e as garantias fundamentais-indi-viduais. Tanto é verdade que temos como exemplos os tratadose convenções internacionais sobre direitos humanos que cingemsobre garantias e direitos fundamentais e individuais, ex vi daEmenda Constitucional n. 45; o art. 225, onde a ConstituiçãoFederal proclama o direito fundamental ao meio ambiente ecolo-gicamente equilibrado; o art. 2º, que trata da forma federativa doEstado; o art. 150, III, “a”, que conjuga a irretroatividade da leitributária; e diversos outros. Assim como outros, tais direitos sãofundamentais por repercutirem na estrutura básica do Estado eda sociedade. Não obstante, segundo Marinoni, o art. 5º, § 2º daCF, "institui um sistema constitucional aberto a direitos fundamentaisem sentido material".

Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluemoutros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,ou dos tratados internacionais em que a República Federativado Brasil seja parte. – Art. 5º, § 2º, Constituição Federal.

Dessa forma, portanto, fazendo uma interpretação doartigo 228 c/c art. 60, § 4º, IV, da CF, não cabe hipótese e nemse pode vislumbrá-lo como apartado das cláusulas pétreas.

O CANTO DAS SEREIAS

Na obra milenar A Odisseia, de Homero, conta-se queUlisses, personagem principal, em viagem de volta para casa,

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havia sido advertido pela feiticeira Circe que passaria com suanau pela ilha de Capri, um lugar onde sereias encantadoras –porém mortais –, cantavam e seduziam os viajantes, e qualquerhomem que ouvisse esse canto não resistiria e se atiraria para ailha, sendo posteriormente devorado. Logo, ele não poderia ouviro chamado das sereias, ou, se ouvisse, teria de ser amarrado aomastro para que não pudesse saltar da embarcação. Dado oconselho pela feiticeira, Ulisses o segue; tapa os ouvidos de suatripulação com cera para que eles não ouvissem o canto dassereias e manda que a tripulação o amarre ao mastro. Emseguida, determina a seus homens que se houvesse ordem parasoltá-lo e se lançar ao mar atrás das sereias estes não deveriamobedecer.

Como já esperado, Ulisses, amarrado ao mastro, aopassar pela ilha de Capri, ouviu o canto das sereias e, em umdesejo irracional de profundo caráter emotivo, em encenaçõesde desespero, ordenava a seus homens que o soltassem para irao encontro das sereias. Contudo, os homens não obedeceramao clamor de Ulisses, seguindo somente sua ordem originária, aqual permitiu que Ulisses não fosse devorado.

Se hoje a maioria da população (sereias) pudesseencantar e alterar a lei (Ulisses), e esta caísse no canto sedutordas sereias, nós aprovaríamos todo tipo de clamor social, dentreeles a redução da maioridade, o linchamento em praça pública,dentre outros. Só que a democracia brasileira e a “cláusula origi-nária de Ulisses” (que é a prisão dele ao mastro por ele mesmoordenado), prudentemente, não permitem que isso seja feito.

Em certas ocasiões, devemos colocar cera nos ouvidose nos amarrarmos ao mastro para que não se possa institucio-nalizar decisões emocionais contrárias ao pacto social originário,qual seja, a Constituição da República.

Somos constantemente tentados por ideais refundacio-nários que querem reconstituir a carga magna. As correntes nosamarram à segurança do mastro e, rompidas as correntes,podemos nos jogar em uma aventura cujos resultados nãosabemos, mas que, previsivelmente, não refletirá em benefícios.Para Robert Musil,

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Não há nenhum pensamento importante que a tolice não saibausar, ela é móvel para todos os lados e pode vestir todos ostrajes da verdade. A verdade, porém, tem apenas um vestidode cada vez e só um caminho, e está sempre em desvantagem.

Nos estamos como Ulisses, envolvidos em aventuras,perigos e tentações, nos mais terríveis em episódios violentos,mas temos uma constituição que deve ser levada adiante.

CONCLUSÃO

Do que expomos, pode-se deduzir um teorema geralcom esteio na deontologia, porém pouco agradável à grandeparcela da população, devido ao senso comum de que bandidonão tem solução e que a ressocialização do indivíduo – funçãoprecípua da pena – é conversa de intelectual esquerdista jamaistocado pela criminalidade. O criminoso é fruto de uma conjunçãode fatores sociais, que muitas vezes passa longe da questão daidade. E um destes principais fatores é a falta de estrutura naaparelhagem de repressão ao crime. Todavia, para não ser umato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modoessencial, proporcional ao ato infracional cometido pelo menor.

A bem da verdade, não se pode ignorar o fato de umindivíduo com idade de, por exemplo, 15 anos, não ter condiçõese preparo suficiente para tomar algumas decisões em certasáreas da sua vida, como, por exemplo, na seara profissional,fazendo escolhas gerenciais ou de outra natureza empresarial.Contudo, indubitavelmente, esse mesmo adolescente temdiscernimento suficiente para saber o que é certo e errado, temconhecimento além do necessário para saber que matar e roubarsão condutas reprováveis. Alguém que tenha esse discernimentoe se revela disposto a todas as audácias, levando em si não sótoda a virtualidade do crime (ato infracional), mas a sua realidade,exterioriza toda a anormalidade moral que há nele; quis roubare, para roubar, matou. É um dessemelhante. No entanto, esse

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indivíduo tão diferente quanto desassociado percebe as mesmassensações intelectuais que o restante dos seus semelhantes; seucérebro funciona normalmente, compreende, raciocina bem, sóna consciência sente de maneira diferente (SALEILLES, 1912),e, sendo assim, deveria ter, também, punição compatível com ade seus semelhantes maiores de idade.

Contudo, ao agirmos com base nesse sentido estaríamosdesprezando a real função da pena, qual seja, a ressocializaçãodo indivíduo e o preparo para este conviver harmonicamente emsociedade. Ao lançar uma pessoa, aos seus 14 anos, em um modelocarcerário hodierno, estar-se-á tolhendo por inteiro a vida dignae um provável futuro longe do crime, pois se cerceará o acessoao ensino, à educação, aos meios de lazer, à saúde digna e aosmeios sociais que afastam a pessoa das vias do crime. Nomesmo raciocínio, a sociedade que cobra a redução da maioridade quer é a punição do jovem infrator, fazendo com que eleaprenda ser errado o que fez e que agora terá sua liberdade limi-tada a alguns metros quadrados, para quando sair não cometer,novamente, novo ato contrário à lei e para que se torne um cidadãodigno e assistencial à sociedade.

Porém, ao refletir, nenhuma edificação benévola temalguém de 14 anos de idade que passou seis anos recluso emuma cadeia, fazendo com que o próprio clamor social pela reduçãoda maioridade seja apenas uma armadilha, pois, nas entrelinhas,estão pedindo a formação de menores de bem, mas o que conse-guirão será a graduação de marginais. Certamente este, ao sair,com seus 20 anos de idade, não terá aprendido a lição e nemdeixará de roubar ou matar para conquistar seus desígnios. Aoreverso, por ter estado na cadeia toda a fase da sua vida em quedeveria estar estudando e se qualificando, agora não sabe traba-lhar, não é socialmente bem- visto, não conseguirá um emprego,possivelmente em sua mente não há mais tempo para aprender;mas sente fome, frio, desejos movidos pela vaidade, precisa de umlugar para morar, e, por não ter uma renda idônea, mergulharánovamente nos mares da marginalidade.

A redução da maioridade não se mostra a melhor daspossíveis soluções. Tem-se focado no projeto errado. Aponta-seo dedo para a lua, indicando um erro, e, ao invés de olharem para

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a lua, olham para os dedos. O mais adequado dos caminhos, emestudo profundo, é investir em educação e políticas públicas queafastem os jovens da criminalidade; e, em segundo plano, mudara legislação que rege as punições aos menores infratores, in

casu, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Realmente, cumpri-las com mais elastério e torná-las mais severas, obrigando omenor infrator a estudar, fazer cursos profissionalizantes e apren-derem, de fato, algum ofício.

Ao buscarmos a redução da menoridade como soluçãopara os problemas, estamos a procura de pintar um quadro comas cores do engano e da mentira, o qual pode até resultar em umaobra de arte, mas será uma obra de arte fundada e construída coma tinta do equívoco. Reduzir a maioridade penal seria oferecer afase de aprendizado e arrependimento dos jovens em holocausto.

O que se tem, parafraseando Cesare Beccaria (1764), é“o excesso daqueles que, por um amor mal compreendido daliberdade, buscaram introduzir a desordem, e daqueles quegostariam de submeter os homens à regularidade dos claustros”.

Um importante ponto que merece consideração é a ob-servação feita pela criminalista Débora Souza Almeida, que alude:“Este terreno demonstra-se altamente fértil para a manipulação so-cial com vistas de ganhos político-eleitorais. Não por acaso, as pau-tas de campanhas políticas, sobretudo nas sociedades fragilizadas,nitidamente elencam a (in)segurança pública em primeiro plano [...]”(ALMEIDA, 2010) e outro tipo qualquer de ação em segundo, “[...]sob o pretexto de assegurar o etéreo ideal de defesa social que,impregnado por uma cultura imediatista, procura esconder na pri-são o produto da insuficiência das prestações positivas do Estado”(ALMEIDA, 2010).

Asssim, o Estado que, sendo incompetente e impotenteem suas atribuições por ele mesmo centralizadas, não consegueresolver os problemas que ele mesmo dá azo. Quando se deparacom um assunto já insustentável, tende a atender os anseios dosenso comum somente para se livrar do assunto, mesmo quenão seja da forma mais adequada. Esta perigosa declinaçãopopular se mostra um retrocesso no direito criminal.

Neste lamentável cenário que intenta-se acreditar quepara que haja proteção social, é necessário que insiram-se no

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meio carcerário algumas “dezenas de milhares de pessoas”(ALMEIDA, 2010), o menor infrator, por vezes, é considerado agênese de grande parte de um problema, visto que é instrumentomeio na utilização do cometimento de crimes, haja vista sua “imu-nidade” criminal. Logo, “enquanto solto, oferece um perigo imi-nente à segurança cidadã, revelando-se o artefato carceráriocomo estratégia mais célere e barata de eliminação de riscos”(ALMEIDA, 2010); contudo, quando preso, eleva os custos damanutenção carcerária e, por conseguinte, o desvio de recursos,os quais poder-se-ia estar sendo aplicados em outros setores(ALMEIDA, 2010). Tal ação é manifesta de querer retirar os di-reitos constitucionalmente criados.

Percebe-se, então, que se utilizando de tais contextos ejustificativas, a opinião pública do senso comum, com intençãode legitimar a violência em detrimento do menor ferramentalizadopelo crime, “trata engenhosamente de reduzir o menor a uma su-bespécie de homem, não mais concebida como normal, masanormal, permitindo, assim, o seu tratamento como uma não-pessoa” (MELIá; JAKOBS, 2007; ALMEIDA, 2010), furtando deletodos os direitos constitucionalmente fundamentais e buscandoum direito inexistente, qual seja, o direito de afastar do menor(pessoa humana) o artigo 228, CR, a dignidade da pessoa hu-mana e todos dela decorrentes, como, por exemplo, o devidodireito de acesso ao ensino e à educação.

Nesta senda, em que se eleva a redução da maioridadecomo a solução eficaz para o problema,

“estabelece-se a crença de que assegurar os direitos docondenado [...]” (ALMEIDA, 2010) e não reduzir essa maioridadepenal “[...] traduzir-se-ia numa ofensa à vítima” (ALMEIDA, 2010),que no contexto é enxergada como um ser semelhante; merecedorde todos os direitos e solidariedade, ao reverso do menor infratorque “não pode realizar nenhuma reclamação moral, posto que éconcebido [...]” (ALMEIDA, 2010), ao contrário, “[...] como um ini-migo que perdeu qualquer direito e proteção” (ALMEIDA, 2010).E sem resquícios de dúvidas, não será afastando os direitos domenor infrator que se constituirá uma sociedade melhor.

Dessa feita, concorda-se com a contrariedade da redução damaioridade, pois, reduzi-la é atentar-se para os efeitos da violência,

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não para as suas causas. Por fim, o tema sobre a redução damaior idade é algo que nos é bastante caro e por demais abran-gente para ser discutido em um pequeno tópico, porém, é tam-bém algo que não pode ser deixado de lado e nem tomada umadecisão rápida sobre o problema, a fim de ocultar rasamente aquestão com buscas na realização do desejo popular.

REFERÊNCIAS

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no Estado social e democrático de Direito contemporâneo.

Disponível em: http://www.pucrs.br/edipucrs/Vmostra/V_MOS-TRA_PDF/Ciencias_Criminais/82844-DEBORA_DE_SOUZA_DE_ALMEIDA.pdf.

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