SAPIENTIA - FACULDADE PIO XII - n 11 - Novembro/201234

Determinao da Concentrao de cido Hiprico Urinrio em Trabalhadores de Sapataria

Expostos Ocupacionalmente ao ToluenoDetermination of Urinary Hippuric Acid in Exposed Shoe Workers

Occupationality to the Toluene

Aryela C. Alves1, Cleber V. Rangel2, Rodrigo Pratte-Santos3*

1 Discente da Faculdade de Cincias Biomdicas do Esprito Santo, ES, Brasil2 Laboratrio de Parasitologia da Universidade Federal do Esprito Santo, ES, Brasil 3 Docente da Faculdade de Cincias Biomdicas do Esprito Santo, ES, Brasil*rodrigopratte@outlook.com

ResumoO tolueno um hidrocarboneto aromtico usado como solvente na cola de sapateiro e dosado atravs do seu bioindicador de efeito, o cido hiprico. Foram pesquisados 19 (dezenove) trabalhadores de sapataria da regio da Grande Vitria, Esprito Santo, para fins de estudos sobre a intoxicao ocupacional pelo tolueno e se o descanso do final de semana suficiente para reduzir significativamente sua concentrao urinria. Para anlise toxicolgica, foram coletadas amostras de urina. O mtodo utilizado para determinao do metablito foi a cromatografia lquida de alta eficincia (CLAE). Da populao escolhida, 15 (79%) foram do sexo masculino e 4 (21%) do sexo feminino; 13 (68%) ingeriam bebidas alcolicas, e destes, 6 (32%) fumavam, todavia no houve relao entre esses hbitos e a biodegradao do tolueno. As variaes da concentrao do cido hiprico no foram significativas (p=0,1636); no entanto, houve aumento da concentrao da segunda para a sexta-feira e diminuio da sexta para a segunda-feira subsequente para a maioria das anlises realizadas.Palavras-chave: Tolueno; cola de sapateiro; sapateiros; cido hiprico.

AbstractToluene is an aromatic hydrocarbon used as solvent in shoemaking glue and measured through its biomarker of effect, hippuric acid. We surveyed 19 (nineteen) shoe workers in the region of Vitoria, Espirito Santo, for studies on occupational intoxication toluene and the weekend was enough to reduce its urine concentration. For toxicological analysis, urine samples were collected for each workers. The method used to determine the metabolite was high performance liquid chromatography (HPLC). From the population chosen, 15 (79%) were male and 4 (21%) were female; 13 (68%) drank alcohol and from these, 6 (32%) smoked, however there was no relation between these habits and biodegradation toluene. Variations of the concentration of hippuric acid were not significant (p = 0.1636), but increased the concentration from Monday to Friday and decreased of the Friday to Monday thereafter, in most of the analyzes.Keywords: Toluene; shoemaking glue; hippuric acid.

Copyright Todos os direitos reservadosRevisado em Agosto 2012Aceito em Outubro 2012

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IntroduoCom o avano da industrializao, observa-se o aumento do nmero de doenas ocupacionais, pois grande parte das atividades desenvolvidas em indstrias, ou mesmo atividades autnomas, oferecem riscos ao profissional que as executa.1 No final da dcada de 90, foram descritas cerca de 70.000 substncias qumicas, que a depender da profisso, podem gerar algum tipo de dano sade do trabalhador.2

Procurando promover a sade e diminuir as doenas relacionadas ao trabalho, o Ministrio do Trabalho e Emprego tornou obrigatrio, atravs da Norma Regulamentadora n 9, que todos os empregadores e instituies que admitem trabalhadores implementem o Programa de Preveno de Riscos Ambientais (PPRA), que prope medir e evidenciar os riscos a que os trabalhadores esto expostos diariamente e preveni-los.3

A presena de substncias txicas indica a necessidade de se estabelecer um programa de monitoramento efetivo e sistemtico, atravs da anlise de indicadores biolgicos que devem auxiliar na identificao e quantificao da dose biolgica ativa da toxina no organismo.4

A toxicologia ocupacional tem grande importncia socioeconmica, uma vez que visa qualidade de vida dos profissionais expostos a agentes qumicos que oferecem riscos sade. A norma regulamentadora n 7 prev que todo profissional tem o direito boa qualidade de trabalho, incluindo medidas preventivas.5 Contudo, muitos trabalhadores, principalmente autnomos, no usufruem desse bem devido a alguns fatores, como a falta de orientao/fiscalizao prpria da maioria das empresas.

Para monitorizao dessas substncias qumicas, utilizam-se anlises de biomarcadores, que fazem associao direta da substncia qumica presente no ambiente com sua concentrao no organismo. A dosagem realizada atravs do prprio agente txico e/ou de seus metablitos.6,7,8

Os trabalhadores autnomos que utilizam diariamente substncias txicas, incluem-se os sapateiros, profissionais que utilizam a cola de sapateiro, geralmente em locais no arejados, com espao inadequado e sem uso de equipamentos de proteo, como aventais, luvas e jalecos.1

A cola de sapateiro contm, dentre outras substncias, o tolueno,9 solvente que, tanto associado quanto puro, oferece a quem o utiliza grande risco sade, devido sua alta lipossolubilidade, nefrotoxicidade, ototoxicidade e capacidade de atravessar a barreia hematoenceflica, alm de ao narctica.4,10,11

O tolueno pode ser pesquisado no sangue, no ar expirado e por meio de metablitos na urina, sendo esta a amostra mais cmoda, e sua coleta realizada no final da jornada de trabalho, de preferncia no ltimo

dia da semana, pois permite identificar o aumento da concentrao de tolueno ao longo da mesma.3,5 Para tal, o cido hiprico tem se mostrado um marcador eficiente.6,12

Diante disso, objetivou-se realizar a monitorao biolgica de sapateiros por meio da dosagem do cido hiprico urinrio, de modo a avaliar a exposio ocupacional pelo tolueno nesses profissionais e se um fim de semana (sbado e domigo) suficiente para dimunir a concentrao urinria.

Material e MtodosAntes da realizao da pesquisa, o trabalho foi submetido ao Comit de tica em pesquisa da Escola Superior de Cincias da Santa Casa de Misericrdia de Vitria (EMESCAM), sendo aprovado sob o parecer de nmero 172/2010.

Desenho de estudo e critrios de incluso e excluso dos trabalhadores

O estudo foi realizado no modelo de coorte prospectiva, no qual as amostras de urina foram coletadas de trabalhadores de sapatarias situadas na regio da Grande Vitria, nas cidades de Vitria, Vila Velha, Serra, Viana e Cariacica, no Esprito Santo. O estudo foi baseado na intoxicao pelo tolueno, atravs da inalao de seus vapores ocupacionalmente.

Foram includos sapateiros de ambos os sexos, maiores de vinte e um anos e com mais de trs anos de profisso utilizando a cola de sapateiro diariamente. Foram excludos do estudo os sapateiros que no realizaram a dieta solicitada nas 24 horas anteriores coleta e no se dispuseram a coletar a urina nos trs dias determinados.

Coleta e processamento das amostras

As amostras de urina foram coletadas em trs etapas (Quadro 1). Todo o lquido foi armazenado em recipientes estreis de polietileno, de cor mbar e com capacidade de 100 mL.

Os trabalhadores foram orientados quanto necessidade da realizao de uma dieta 24 horas antes da coleta. Esta solicitava a no ingesto de bebidas alcolicas, caf, temperos como mostarda, ketchup e maionese, frutas como ameixa e pssego, massa de tomate, refrigerantes, pes, tambm sinalizava para que no fizessem uso do tabaco, conforme indicao do laboratrio Hermes Pardini para realizao do exame.

Para fins de confirmao, no momento aps as coletas, foi realizado um questionrio sobre o uso de bebidas alcolicas, tabaco, antidepressivos e drogas ilcitas.

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As amostras foram coletadas nas sapatarias, posteriormente depositadas em bolsa trmica para transporte at o laboratrio de apoio. Para conservao das amostras, as mesmas foram mantidas em temperatura em torno de 8 a 10 C.

Quadro 1. Mtodo de coleta das amostras de urina para dosagem de cido hiprico urinrio.

Dia Horrio Objetivo

1 segunda-

feira

No incio da jornada de trabalho.

Coletar antes do contato com a cola de sapateiro para

definir a situao do profissional no incio

da pesquisa.

Sexta-feira

No final da jornada de trabalho.

Coletar depois do contato com a cola de sapateiro, para avaliar o grau de intoxicao

aps uma semana em contato com o

solvente.

2 segunda-

feira

No incio da jornada de trabalho.

Coletar antes do novo contato com a cola de

sapateiro, aps um fim de semana, para avaliar a capacidade

de degradao do solvente pelo

organismo.

Dosagem de cido hiprico

A quantificao do cido hiprico das amostras de urina foi realizada em laboratrio terceirizado, com metodologia recomendada pela Norma Regulamentadora n 7.3

Anlises estatsticas

Para anlise dos dados, a estatstica descritiva incluiu o clculo da distribuio da frequncia para as variveis categricas e o clculo da mdia e erro padro para as variveis contnuas. A estatstica analtica foi realiza a partir da verificao da diferena entre os valores de cido hiprico presente na urina dos sapateiros utilizando a anlise de varincia. Em todos os casos, foram consideradas significativas as associaes quando a probabilidade dos eventos assumiu valores inferiores a 0,05.

Resultados e Discusso Dos 19 trabalhadores de sapataria cadastrados no perodo de julho a setembro de 2010, 15 (79%) foram do sexo masculino e 4 (21%) do sexo feminino. A maior frequncia de homens considerada normal nessa profisso. Siqueira e colaboradores12 citam que no h diferena os gneros em relao concentrao do cido hiprico dosado. Contudo, algumas pesquisas em animais demonstram que ratos tm maior teor de citocromo P450 que ratas, logo, a eliminao do tolueno ser mais rpida, em se tratando de sua principal via de biodegradao. Dessa forma, podero ser observadas concentraes menores no sangue aumentando-as na urina.1

Quando os trabalhadores foram questionados em relao ao tempo de servio, observou-se que 50% da populao estudada estavam na faixa etria dos 21 aos 30 anos, e que o menor tempo de servio de 5 anos. Grdinariu e colaboradores1 fizeram um estudo imunolgico com 61 trabalhadores de uma fbrica de calados onde indicou o aumento de IgE dos funcionrios com mais de cinco anos de trabalho, e ainda revelou, atravs de exames clnicos, que 30% da populao estudada apresentou casos de sndromes de alergia respiratria e 33,3% apresentaram distrbios alrgicos oculares, enquanto no grupo controle esses achados no foram relatados. Outro fato importante a ser informado foi que nenhum dos sapateiros utilizava equipamento de proteo individual (EPI) no momento da coleta, sendo que a justificativa para essa falta foi que no gostavam de usar os EPIs, pois atrapalhavam o servio.

De acordo com as respostas dadas ao questionrio realizado, nenhum dos sapateiros utilizava drogas ilcitas (maconha, crack, cocana, entre outras) ou antidepressivos. Em relao bebida, treze (13) relataram que bebiam socialmente e, destes, seis (6) faziam uso de cigarro.

No houve diferena significativa na excreo do cido hiprico entre sapateiros que fumam e/ou ingerem bebidas alcolicas da dos que no possuem esses hbitos, durante as trs coletas (Tab.1), assim como visualizado nos resultados apresentados por Grdinariu e colaboradores1 e Rodrguez.11 Alguns estudos, no entanto, relatam que ingerir bebidas alcolicas pode inibir a biodegradao do tolueno, influenciado pela competio do mesmo stio ativo, aumentando, assim, sua concentrao no sangue e, consequentemente, diminuindo sua eliminao pela urina, de modo similar ao que acontece com o tabagismo, consumo de drogas e a combinao dos dois hbitos (fumar e ingerir bebidas alcolicas). Essa interao afeta a eliminao de metablitos e pode interferir na desintoxicao do fgado, podendo prejudic-lo.3,11

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Dos valores encontrados, nenhum ultrapassou o ndice mximo (IBMP= 2,5 g/g de creatinina) permitido pelo Ministrio do Trabalho e do Emprego (a ultrapassagem desse valor significaria uma exposio excessiva ao tolueno). Apenas uma concentrao ultrapassou o valor de referncia preconizado na NR7 3 para pessoas no expostas ocupacionalmente.

Comparando as concentraes de cido hiprico urinrio dos trabalhadores obtidas nos trs dias analisados, pode-se assumir que no houve diferenas significativas (Kruskal-Wallis, p=0,1636) (Fig.1), o que corrobora com outros estudos realizados com profissionais em contato ocupacional com o tolueno.1,9,11,13,14

Tabela 1. Estatstica descritiva da populao de sapateiros estratificada mediante hbitos sociais nos respectivos dias de coleta de urina.

Dias de cole-ta de urina

cido hiprico (g/g creatinina)

Apenas ingere bebida alcolica

Fuma e ingere bebida alco-

lica

No fuma e nem ingere bebida alco-

lica1 segunda-

-feira 0,32a 0,11 0,21

a 0,06 0,27

a 0,05

Sexta-feira 0,31 0,04 0,54a 0,23 0,35

a 0,05

2 segunda--feira 0,38

a 0,07 0,20

a 0,04 0,24

a 0,05

Figura 1. Concentrao de cido hiprico (g/g de creatinina) na populao de sapateiros nos trs dias de coleta avaliados.

As concentraes de cido hiprico da maioria das amostras das segundas-feiras analisadas foram menores quando comparadas s concentraes da sexta-feira (Fig.2).

Resultado previsto pelo fato dos trabalhadores estarem iniciando a jornada de trabalho semanal na segunda-feira e no terem ainda contato com a cola de sapateiro, enquanto a sexta-feira significa o fim da jornada de trabalho.

Os valores da sexta-feira refletirem a absoro de tolueno ativo e sua biotransformao ao longo da semana1,3,4, e os valores da segunda-feira representarem o efeito do final de semana, ou seja, perodo de no exposio ao tolueno, biodegradao do mesmo.

Figura 2. Frequncia absoluta de indivduos em relao concentrao de cido hiprico urinrio (g/g de creatinina).

Tomando-se os resultados individualmente, pode-se observar que houve aumento da concentrao do cido hiprico em quatro (21%) amostras de urina examinadas, isso comparando segunda e sexta-feira. Porm, houve sapateiros que no seguiram esse padro e diminuram a concentrao do metablito de segunda para sexta-feira. Esses profissionais, quando questionados sobre a rotina de trabalho, relataram que no tiveram contato com a cola em todos os dias da semana, fazendo apenas trabalhos de pintura e pequenos consertos nos calados.

Na segunda-feira de coleta de urina aps o fim de semana observa-se que as concentraes de cido hiprico se mantiveram menores ou iguais s da sexta-feira, mostrando que o fim de semana foi suficiente, na maioria dos casos, para diminuir a concentrao do tolueno. Todavia, essa afirmao deve ser avaliada com auxlio de outros parmetros de estudo. Oga e colaboradores,4 consideram existir diversos fatores que podem influenciar a eliminao do tolueno, como os genticos, ambientais e fisiolgicos.

Nas concentraes que aumentaram de sexta para segunda-feira, os sapateiros relataram que trabalharam durante o final de semana. Assim, o tempo decorrido at a coleta (segunda-feira) no foi adequado, ocasionando a no eliminao esperada do tolueno por meio da biodegradao do cido hiprico.

* No houve frequncia de indivduos. Os dados esto dispostos em mdia erro padro. Letras diferentes nas colunas indicam diferena significativa pelo test-Tukey (p

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Os dados mostram que existiu um aumento da concentrao do cido hiprico durante a semana proveniente da exposio ocupacional ao tolueno presente na cola de sapateiro. Vale ressaltar que a no utilizao de medidas de segurana preconizadas para manipulao da cola de sapateiro aumenta a exposio ao tolueno e seus efeitos.

Por fim, o monitoramento ambiental mostra-se importante em reas que expem o indivduo durante sua ocupao, devendo propor-se a avali-lo em suas particularidades fsicas (peso, altura, etc.), psicolgicas e/ou neurolgicas, atravs de uma variedade de exames que podero expressar com segurana a sade dos trabalhadores, alm de oferecer dados para estudos de doena ocupacionais, geralmente escassos ou incompletos, como se observa em relao ao tolueno.

Agradecimentos Faculdade PIO XII pelo financiamento do projeto de pesquisa.

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