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As Instituições estão Doentes Maria Margarida Ribeiro

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As Instituições estão Doentes (2000)Maria Margarida Ribeiro

(1944– )

EdiçãoeBooksBrasil.org

www.eBooksBrasil.org

Copyright©2000 Maria Margarida Ribeiro

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A Autora

Maria Margarida Ribeiro nasceu a 20 deJaneiro de 1944, no Lugar da Praia da Granja,freguesia de Arcozelo, concelho de Vila Nova deGaia.

Em 1969 conclui o Curso de Serviço Socialno Instituto de Serviço Social do Porto e, em1974, obtém o grau de Licenciatura no Institutode Ciências Sociais e Políticas da UniversidadeTécnica de Lisboa.

De 1969 a 1976, exerce funções deDocente, no Instituto Superior de Serviço Socialdo Porto e de Lisboa, no Liceu Pedro Nunes deLisboa e na Escola Preparatória da Pontinha. Em1976 é convidada para a Assessora Técnica doCentro Infantil Helen Keler, onde inicia os seusestudos e a sua prática de analista institucional.

Entre 1982 e 1986, com o apoio daFundação Calouste Gulbenkian, realiza umainvestigação sobre «A Dinâmica da EscolaEspecial», onde testa uma nova metodologia deinvestigação institucional. Nesse período, entraem contacto com o professor René Lourau,Socianalista e Professor na Universidade deVincenne. Em 1989 convida este Professor e o

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seu Assistente Perpétuo de Andrade pararealizarem uma Conferência, na FundaçãoCalouste Gulbenkian, e um trabalho de grupo.Toma contacto com o Dr. Gregório FranklinBaremblitt, Psiquiatra Argentino eInstitucionalista, e participa em 1992, emBuenos Aires, num Congresso sobre AnáliseInstitucional onde conhece um grande número deInstitucionalistas da América Latina e da França.

A partir de 1986, realiza em Portugal trintae cinco trabalhos de Análise Institucional, apedido de Instituições ligadas aos Ministérios daSaúde e da Educação, assim como algumaspalestras e cursos sobre esta matéria.

Exerce ainda a função de Psicoterapeutadesde 1974. Iniciou a sua formação, em 1970, naSociedade Portuguesa de Grupanálise, exercendoa sua actividade como grupanalista tendoatingido o grau de membro titular nestaSociedade Científica. Em 1986, faz parte dogrupo que funda a Sociedade Portuguesa dePsicoterapias Breves onde passa também aexercer funções didácticas.

Presentemente, exerce a profissão dePsicoterapeuta em Lisboa, Évora e Beja, noâmbito da Sociedade Portuguesa de PsicoterapiasBreves.

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As Instituiçõesestão

Doentes

Maria Margarida Ribeiro

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Dedicatória

Dedico este livro à Ana e ao Fernando,no profundo desejo de que ele possa ter algum

contributona realização dos seus verdadeiros destinos.

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AgradecimentosQuero, em primeiro lugar e antes de me

lançar ao trabalho, apresentar os meusagradecimentos:

Ao Professor René Lourau que com a suaobra, «A Análise Institucional» e mais tarde comos seus contactos, me abriu o entendimento paraum novo conceito de Instituição, restituindo-me,assim, a esperança e a possibilidade de umanova forma de estar nas Instituições e na vidasocial.

Ao Professor Gregório Franklin Baremblittque me permitiu sedimentar as minhasconvicções e a minha prática institucional, com asua profunda convicção num mundo melhor,conseguido com um novo entendimento e umanova praxis institucional.

Ao Professor Agostinho da Silva que, naslongas e complexas conversas que tivemos, metransmitiu uma nova força e um novo caminhoindividual e colectivo que ainda estou longe deentender, mas no qual acredito com convicção.

À Professora Aldegice Machado Rosa que,com a sua vida e a sua amizade, me serve defarol e de porto de abrigo para os momentos maisdifíceis da minha vida.

À Professora Maria Beatriz Serpa Branco a

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quem devo o apoio e a ajuda na procura do lugarsocial, na cidade mais instituída que jamaisconhecera, que é a cidade de Évora e que, com oseu exemplo e as suas palavras me ajudou amanter «marginal» e coerente com o papel e afunção que a vida me encarregou dedesempenhar, nesta cidade e nesta etapa daminha vida.

Ao meu marido que foi a única pessoa quesempre acreditou que o meu caminho passavapelo aprofundamento desta problemática e meimpulsionou muito fortemente a escrever estelivro, criando-me todos os meios para esse fim.

À Dra. Ana de Sousa, amiga ecolaboradora, que se dispôs generosamente areler todo o trabalho e a reformular a suaexpressão escrita.

À minha filha Ana o profundoreconhecimento pelo engenho e dedicação queprestou à parte final do meu trabalho.

Finalmente, a todos aqueles seres que, deuma forma visível e invisível, ao longo da vida,me orientaram e me deram os elementos queagora possuo para partilhar convosco.

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Índice

PrefácioIntrodução

Primeiro Capítulo1. A entrada do indivíduo nas Instituições

1.1. A entrada na Vida

1.2. A entrada da Criança na Família

1.3. A entrada da Criança na Escola

Segundo Capítulo1. A Instituição Escola2. Uma aproximação à Dinâmica Institucional

2.1. Da População Abrangida pelaInstituição

2.2. Da Matriz Institucional

2.3. Do Padrão Institucional

2.4. Do «Suporte Institucional»

Terceiro Capítulo1. As Instituições estão Doentes

Quarto Capítulo1. Para um novo Diálogo com as Instituições

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1.1. Os primeiros passos a dar ao entrarnuma Instituição como Trabalhador

1.2. O testemunho de uma jovemengenheira

1.3. O reconhecimento do seu lugar naInstituição

Bibliografia

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Prefácio

Tanto quanto a minha memória mepermite recordar, comecei este livro quandotinha sete ou oito anos. E o momento de decisãode o fazer está ainda bem presente e fresco,ainda que passados que são quarenta e seteanos.

Era um Domingo de Verão. Como decostume, a minha avó levava-nos à missa. NesseDomingo, a Igreja escolhida foi a da Granja, umacapela pequena, muito bem conservada e muitolimpa. Essa Capela era essencialmentefrequentada pelas fidalgas, como o povo lheschamava, ou seja, pelas senhoras descendentesdas famílias titulares monárquicas e das famíliasinglesas, burguesas, portuenses, donas dasprincipais caves do vinho do Porto. Estasmesmas senhoras eram clientes de um pequenoestabelecimento comercial que uma tia-avóminha possuía junto à estação dos caminhos deferro da praia da Granja. Assistia inúmeras vezesaos diálogos arrogantes entre estas senhoras, osseus filhos ou netos, e/ou as suas criadas e aminha humilde Tia, pedindo-lhes esta o dinheiroque lhe deviam e recebendo a resposta que mais

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tarde lhe pagariam, ainda que a dívida fosse jáavultada. De nada se privavam: os jornais do dia,a fruta de boa qualidade, os chocolates, o tabacoou o charuto, coisas a que ninguém podia teracesso, tão escassos eram os rendimentos.

Estas mesmas senhoras ocupavam osprimeiros lugares nos bancos da Capela. E paranão sofrerem com a dureza da madeira quandose ajoelhavam havia, só para elas, almofadas develudo, a que ninguém mais tinha acesso. Nosbancos seguintes sentavam-se as mulheres quejá usavam sapatos e pertenciam à pequenaburguesia da terra. No último banco, se aindasobrassem lugares, sentavam-se então asmulheres de lenço, de cabeça coberta, asmulheres do campo, cujo trabalho nas casas enos campos sustentava as primeiras. Todasrezavam ao mesmo Deus, pensava eu, criança, ecomo seria que Este as ouvia?

Recordo-me que, nesse dia, olhando delado, pois não tivemos lugar sentadas, fiz umapromessa a Deus: «Quando eu for grande hei-defalar em nome destas mulheres e tentarei redimiro esforço que as minhas Tias e as minhas Avóstanto fizeram, caladas, sem queixas, sem ódio,aceitando como irreversível o seu papel e a suavida».

Aqui estou hoje, oferecendo-lhes estetrabalho que também foi arduamente preparadoao longo destes anos. De costureira a que parecia

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estar condenada, tive desde logo, aos dez anos,que lutar para continuar os meus estudos. E ocaminho sinuoso e difícil que tive de percorrerpara alcançar um nível de conhecimento queparecia ter de atingir, foi tão sofrido e dolorosoquanto o das minhas antepassadas, parasustentar e educar os seus filhos.

Aqui vos fica o meu reconhecimento, odesejo de que o vosso esforço de viver tenhacontribuído realmente para a evolução da vossaAlma e para a evolução da Humanidade, da qualjá estou a beneficiar.

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Introdução

A vida dos seres humanos em sociedadetem sido, ao longo dos tempos, o meio através doqual o Homem se reconhece como tal, mas aindae apenas enquanto membro de uma comunidade.Sem esta referência a uma Instituição, o serhumano é tido como perigoso ou doente mental.

Quando nascemos, a Instituição Família,talvez a mais antiga, como refere Durkeim numadas suas teses célebres que fez do «clã totémico anebulosa familiar de onde partem geneticamenteas instituições religiosas, as instituições políticase as instituições familiares ulteriores...»[1],dá-nos um enquadramento nos grupos sociais jáexistentes.

Ser filho de «pai incógnito» ou «filhobastardo», ou seja de mãe cuja ligação com o painão está legitimada pela comunidade, constituiainda uma marca social de descrédito paraaquele que a possui no mundo ocidental. É apartir desta entrada no mundo através de umafamília, ou de ausência desta, que o destino decada ser humano se vai desenrolar. E que lugarvai ele ocupar nesta família, cuja origem se perdenos tempos?

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Seremos simples actores institucionais,como chamam a atenção os modernos AnalistasInstitucionais e já a Mitologia Clássica nosapresentava como tal, ou cada indivíduo, cadaser humano poderá alterar o curso da suahistória familiar? Como o poderá fazer? Quedimensões estão em interacção na família e destacom o indivíduo? O que resta ao sujeito? O queprocurará manter a Instituição Familiar?

É sobre estas questões e outras,decorrentes da Instituição Família Ocidental quenos iremos debruçar na primeira parte destelivro. O grande objectivo deste trabalho é o derestituir ao indivíduo, ao ser humano, umaexistência e uma dignidade autónomas dasInstituições a que pertence, o que na História daHumanidade tem vindo a acontecer muitolentamente, apesar do grande esforço etestemunho de Jesus Cristo para o mundoocidental, onde cada avanço tem sido marcadopor um trágico recuo com guerras, aparecimentode ditadores e de regimes ditatoriais.

Não basta a consciência individual dosseus direitos e dos seus deveres a cujo esforçotemos assistido. É preciso que o Homemestabeleça um novo diálogo com as suasInstituições. Para isso, a Instituição tem de serseparada do indivíduo e considerada comosujeito e objecto de estudo, de compreensão e dediálogo. A exemplo dos Gregos com a sua

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Mitologia, os homens de hoje terão que encontraruma nomenclatura, uma coerência, uma históriae uma vida própria, para as várias Instituiçõesque o rodeiam. A força da Instituição é muitosuperior à do indivíduo, como o prova aexperiência empírica de cada um de nós e aHistória, como tentaremos apresentar algumasteses explicativas. A cada passo o Homemsubmerge na Instituição Familiar, Política,Religiosa, Económica ou outra, quer porignorância deste peso Institucional, quer pordemasiada confiança em si mesmo. A interacçãodialéctica equilibrada entre estas duasdimensões da vida social humana, só será,quanto a nós, possível a verificar-se um grandeaumento de consciência do indivíduo e dosgrupos, restituindo à Instituição o que lhepertence.

Poderá este projecto ser considerado umautopia ou um trabalho ingénuo, mas, enquanto aInstituição permanecer inconsciente, elaprecisará dos Homens para se actualizar,seguindo o seu caminho implacavelmente lógico eamoral. A humanização das Instituições é umprojecto de longa data, mas até agora poucofrutífero. Porquê?

Numa segunda parte deste livro,percorreremos a vida do indivíduo desde a suaentrada até à morte, nas várias instituições aque é chamado e obrigado a participar. A

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«jornada do herói» poderá ser vista como a lutaentre o indivíduo e as Instituições para aquelepreservar a sua individualidade e identidade atéao fim da sua vida. O processo de «Individuação»constitui a obra mais fundamental do grandepsicólogo suíço do nosso tempo, Carl GustavJung. A separação entre o indivíduo e oinconsciente colectivo, constitui para esteestudioso da psique humana, a grande tarefa doHomem contemporâneo. Daremos naturalmentemaior relevo e importância à Instituição, uma vezque os estudos sobre esta são ainda escassos epouco conhecidos, ao contrário do que acontececom os indivíduos e os grupos. Isto não significaque não existam já disciplinas, obras e muita evariada abordagem sobre os problemas dosconjuntos humanos. Desde o Direito, àSociologia, Antropologia e muitas outrasdisciplinas, como a Economia, a grandepreocupação do nosso tempo, de há cerca de doisséculos para cá, tem sido objecto de grandeinvestimento dos seres humanos. No entanto,este novo conhecimento parece ter sido colocadoao serviço, mais uma vez, das Instituições, dasua lógica interna, implacável e amoral,continuando a maioria das pessoas excluídas,exploradas e vivendo em condições desumanas. Aprocura deste percurso inexorável dasInstituições será, assim, a essência destetrabalho nas vertentes possíveis e, até hojeenunciadas.

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Finalmente, tentaremos esboçar um novodiálogo entre o indivíduo e as suas instituiçõesque nada terá a ver com «a integração doindivíduo na sociedade», preconizado por váriascorrentes, desde a Psicologia à Sociologia, nemcom a ideologia capitalista, que utiliza alinguagem normal «do politicamente correcto».Esse confronto afectivo e vivo de cada serhumano e dos vários grupos, terá que ser feitocom a desumanidade, a violência afectiva ematerial das Instituições. Com o que serãotrazidas à Terra, atribuindo às suas acções osnomes próprios da Humanidade e não aquelesque elas foram construindo para a suasobrevivência e ao serviço do que têm colocado,por vezes, os homens mais inteligentes e capazesque a Humanidade produz.

A confusão e mesmo fusão entre indivíduoe a sociedade e entre este e a instituição, até aonosso tempo, torna este trabalho difícil,audacioso e sujeito às maiores críticas e àincompreensão. No entanto, o enorme sofrimentovivido por nós ao longo de meio século de vida,no meio das várias Instituições e a recusa emadmitir esse sofrimento como proveniente únicae exclusivamente do indivíduo, tendo este quefazer um esforço, chamem-lhe terapêutico,ideológico ou técnico, para se adaptar ao meio eàs circunstâncias, levou-nos a uma constanteprática de vida, de estudo e de reflexão, sobre as

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várias Instituições por onde fomos passando. Daíeste primeiro trabalho escrito ser o produto destelongo processo sofrido e vivido, tendo comoobjectivo final servir de estímulo aos muitosseres humanos que como eu vivem empermanente confronto com as Instituições, masque dada a sua solidão acabam por desistir emorrer na esperança de um futuro melhor paraos vindouros, ainda que saibam que os alicercessão os mesmos e que poucas mudanças se têmverificado, aguardando alguns apenas umaintervenção Divina e cruzando, entretanto, osseus braços.

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Primeiro Capítulo

1. A Entrada do Indivíduo nas Instituições

1.1. A Entrada na VidaSem nos prendermos com as definições de

Instituição e Organização, importa, no entanto,separar dois conceitos tão frequentementeutilizados na moderna sociologia, ou mesmo nalinguagem comum.

O conceito de Instituição, que ao longodeste trabalho será utilizado, diz respeito aoconjunto de memórias, comportamentos e acçõesque um determinado grupo social foi acumulandoao longo dos séculos e referente à resolução dosprincipais problemas da vida humana. Estasmemórias, agrupadas, organizadas, situadasgeográfica e localmente, ainda que comcaracterísticas comuns e gerais a todos osagrupamentos humanos, constituem umpatrimónio ainda quase totalmente inconscientepara os grupos e os colectivos humanos. A formacomo se propagam está a ser estudada sob a

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designação dos chamados «campos mórficos»[2] eainda da psicologia arquetípica, com oaprofundamento do estudo sobre o inconscientecolectivo, apresentado por Jung[3] e de muitosoutros que oportunamente iremos referindo.

O nosso trabalho situa-se na sensibilizaçãopara este inconsciente institucional, deixandopara trabalhos posteriores o seuaprofundamento. Assim, o conceito de Instituiçãopor nós utilizado dirá respeito à parteinconsciente de todo o agrupamento humano. Oconceito de Organização assenta na parte visível,actual, da escondida Instituição. Exemplificando:a origem da actual organização familiar ocidentalperde-se nos tempos, ou seja, quando é que elacomeçou a definir «quem casava com quem» ecomo o deveria fazer; que direitos e deveres lheeram atribuídos; que nomes próprios a designar,o de pai, mãe, tio, etc.; que proibições existiamentre os seus membros no que confere à vidasexual, de poder de decisão e outros; como eramdistribuídos os bens pertencentes aos váriosgrupos e que leis regiam a sua continuaçãodentro do mesmo grupo. Este tem sido o grandeterreno de estudo e mesmo de outras disciplinascomo o Direito, a Sociologia e outras e grande éjá o conhecimento obtido sobre a história dosvários agrupamentos humanos.

A moderna Organização Familiar Europeia,ou de outra região do Globo, é a forma visível e

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actual desta velha Instituição. A interacção entreambas, o Inconsciente Institucional e a actualOrganização, ou seja, a relação dinâmica entrepassado e presente dos vários agrupamentos,constituirá o nosso permanente objecto deestudo e de reflexão.

Assim, fica-nos a ideia de Instituição comoo suporte da Organização, sobre o qual assentaos seus alicerces e a sua história. Sem oconhecimento desta história, a exemplo do queacontece com os indivíduos, muito poucoentenderemos dos comportamentos e das acçõesque os indivíduos são levados a desempenhar naOrganização. Mas deixemos o aprofundamentodesta temática para os capítulos seguintes.

Centremo-nos agora no objecto de estudodeste capítulo: a Entrada dos Indivíduos nasInstituições.

Tanto quanto sabemos, o indivíduo nãoescolhe o seu lugar neste Mundo. Ele vaipertencer a uma família, a uma localidade e auma região da Terra que lhe parecem sertotalmente alheias. No entanto, essa pertençaconstitui a sua primeira entrada neste Mundo. Oter nascido numa família rica e com poder, ser oprimogénito, ser rapaz, ser o mais desejado, serperfeito e inteligente, cria à partida condições, nacultura ocidental, que dificilmente serãoconseguidas por um mesmo indivíduo que tenhanascido num «bairro de lata», num país pobre, de

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família muito numerosa, com todas as marcas depobreza, de abandono e de marginalidade.

As Instituições existentes para além daFamília, como a Escola, a Empresa, as ForçasArmadas, o Estado e todos os Serviços daídecorrentes estão preparados para a Burguesia eClero e não ainda para o Povo. Este continua aservir para a execução dos trabalhos que aBurguesia não quer realizar e que justifica comos inúmeros cargos e privilégios que detém.

A criança quando nasce traz umpatrimónio genético, mais ou menosaperfeiçoado, é portador de uma memóriafamiliar e vai ser inserido num contexto social,também ele carregado por uma memória e umavivência colectivas. E este colectivo logo aclassifica dentro dos seus padrões de distribuiçãode poderes e de manutenção desses mesmospoderes.

Assim, se ela nasce no seio de uma famíliada alta ou da média burguesia, ela terá o futuroquase garantido, pois desde os programasescolares, aos lugares de acesso aos quadrossuperiores do poder, estão programados eorganizados para essas mesmas crianças efamílias. Ainda que uma forte corrente de ideiastenha tentado criar a ilusão a todos, pobres ericos, de se estar a viver em Democracia – oGoverno do Povo, pelo Povo –, o mundocontemporâneo sabe que isso é falso e que, ao

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contrário da Idade Média, onde as classes sociaisdominantes assumiam abertamente o seu poder,hoje este poder é mascarado e introduziu nasrelações sociais dados de ambiguidade e deperversidade que tornaram a vida colectivacaótica e mais complexa.

Diz o Povo que «o Destino está marcado».Se atendermos a este presságio como uma leiturainstitucional e colectiva e não individual,poderemos dizer que ela é correcta com a leituraque o colectivo faz de si próprio e que pouco temevoluído desde que há escrita, a sua Históriarecente. O Herói é aquele que faz feitos nãoprevisíveis de acordo com o lugar social queocupa na hierarquia. Ele introduz nacomunicação desse grupo novos elementos queobriga à reformulação das ideias, dos valores edos comportamentos desse mesmo grupo. Adesignação de Herói é simultaneamente a suaexpulsão do grande grupo, pelo carácterexcepcional que assumiu, o que permite ainda aogrupo continuar a seguir os antigos padrões deconduta, até que alguns elementos do grupoadaptem os seus comportamentos aos do Herói eestes passem a ser incorporados no colectivo.

Poderemos dizer que este peso do colectivosobre cada ser humano que nasce é demasiado.Ao tomar consciência de si mesmo, o ser humanotem vindo a separar-se da Mãe Natureza, agrande instituição do passado. Ficou assim sobre

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os seus ombros a grande tarefa de decifrar osSeus mistérios.

Consciente já a Humanidade deste pesosobre o indivíduo, o grande colectivo tem vindo asubdividir-se em regiões, nações, grupos efamílias. A estas cabe a espinhosa tarefa desimultaneamente preservar a individualidade decada ser que nasce e ao mesmo tempo de ointegrar no seu colectivo. Dentro do grupofamiliar adquire especial importância o papeldesempenhado pela mãe da criança recém-nascida, vindo corroborar esta importância asmodernas correntes da chamada Psicologia daProfundidade. A mãe é entregue não só aocuidado com o alimento físico, como psicológico eafectivo da criança, o qual prepara este novo serpara a sua entrada no mundo dos adultos, dafamília e da sua comunidade. O actoinconsciente de ter filhos, como aconteceu comos nossos antepassados, preocupadosessencialmente com a sobrevivência física e ondea vida afectiva e psicológica permanecia aoserviço das forças inconscientes e das memóriasarmazenadas pela espécie e pelos várioscolectivos, tem vindo a ser substituído peloesforço de consciencializar essas forças empresença no acto de educar.

Esta é também uma tarefa demasiadopesada para as Mães, poderíamos dizer. A elascompete simultaneamente a tarefa de

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desenvolver um ser único e diferente e, aomesmo tempo, transmitir-lhe todos os valores dacultura onde estão inseridos, de forma a que acriança possa reconhecer e ser reconhecida pelacultura onde nasceu.

Cada mãe, de acordo com a sua evolução eo seu grau de consciência, vai transmitir erelacionar-se com o filho segundo esses padrõesde desenvolvimento. E se no passado o serhumano era propriedade do colectivo e, logo quenascia, através do baptismo, por exemplo nacultura judaico-cristã, era devolvida a essemesmo colectivo, actualmente ele pode ficar noâmbito da própria mãe ou mesmo da família.Assim, a mãe pode, por insuficiência da suaevolução, utilizar inconscientemente a alma dofilho, ou o Self, como o designa a Psicologia, parasuperar ou colmatar algum do seu sofrimento,resultante este da necessidade actual e dadificuldade, de cada ser humano se «individuar»,tornar-se único e de encontrar o sentido da suaprópria vida. O colectivo onde a criança nascepode também apropriar-se deste novo ser para otransformar em «bode expiatório» das suasinsuficiências, dos seus delitos e da recusa àtomada de consciência que se impõe no seu novonível de desenvolvimento humano.

A entrada do novo ser humano nestemundo é assim e, necessariamente, uma entradaem desamparo e solitária. O colectivo que o

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recebe está mais ou menos preparado, mas estáainda e por circunstâncias do seu fracodesenvolvimento, mais preocupado consigomesmo do que com o novo ser. Este terá quefazer o duplo esforço de se defender e de seintegrar. Não poderá manter-se muito tempodependente dos seus progenitores, pois assimcorre o risco de se tornar prisioneiro deles.Também não possui o conhecimento ou o grau deconsciência suficiente, para não ser agarradopelo inconsciente colectivo. A «angústia deseparação» e a «angústia de castração», comobem alertou Sigmund Freud e seus seguidores,continuam a ser as duas grandes pontes desofrimento que cada indivíduo tem que tentarpassar. A primeira diz respeito essencialmenteaos pais e, a segunda, à cultura que actuaatravés do superego, uma instância individualque representa e que tenta trazer para aconsciência individual o peso e os valores docolectivo onde a criança está integrada.

A entrada, na vida, de cada ser humano éassim e ainda o início de uma «jornada de herói».Desta jornada pouco sabemos, tal é acomplexidade de factores a interferir a qual dá acada um de nós um caminho próprio. Sósabemos que ela se orienta para um fim exteriorao próprio indivíduo, pois só dessa formapoderemos conceber a evolução e o sofrimento.Existe Algo que pressiona, que apela, que produz

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insatisfação permanente com as conquistashumanas e que tem obrigado o Homem a irsempre e cada vez mais longe. Paradoxalmente, amaior fonte de sofrimento humano, a consciênciado seu desamparo e das suas limitações temproduzido um aumento de consciência que tornao Homem mais solidário com os outros seres elhe proporciona forças para continuar na suabusca de significado.

Mas o inconsciente colectivo, através dassuas múltiplas instituições, é ainda demasiadosuperior ao indivíduo, exigindo deste acontinuidade e a satisfação das suasnecessidades próprias, ao serviço das quaiscoloca o indivíduo. Cada ser humano que alcançaum nível de evolução superior tem que pagar umtributo a esse mesmo colectivo, como assistimoscom Cristo na cultura europeia ocidental. Essaconquista vai inserir-se no património dessamesma cultura, abrindo caminho para queoutros o sigam.

A entrada na vida de cada ser humano émarcada pela força do inconsciente colectivo,seja ele através da Instituição Familiar ou outra,que o condiciona e apela à satisfação dasnecessidades desse mesmo colectivo, por agorapouco conhecidas, nas suas leis e variações. Aomesmo tempo, na nossa era, a força doinconsciente individual apela a uma necessidadede salvação e de reconhecimento individual. A

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dinâmica entre o ser que nasce e o meio que oenvolve, estabelece-se logo que aquele nasce. Eainda como um cego, cada ser humano terá quese deixar guiar por uma força ou uma luz interiorque o conduz, mesmo que tenha de combater –separar-se – arduamente dos outros, como o fezCristo.

As famílias, no entanto, ainda não estãosuficientemente preparadas para esta novafunção, se é que terão que estar. Não é por acasoque temos vindo a assistir a umdesmembramento da família enquanto grandeInstituição de suporte para os indivíduos. Dagrande Família, onde coabitavam váriasgerações, passou-se para a família nuclear – pai,mãe e filhos – e, actualmente, assistimos, nospaíses mais desenvolvidos, ao aparecimento dasfamílias monoparentais – um dos pais e os filhos.Poderemos apresentar como razão justificativapara esta situação do desenvolvimentoeconómico de todo o Mundo. Mas também asituação da família actual nos sugere que aantiga forma já não correspondia àsnecessidades e aos anseios actuais dosindivíduos. O mesmo fenómeno se observa emrelação aos grandes agregados sociais. Da aldeiaonde todos se conheciam, se apoiavam e secontrolavam, a grande maioria dos sereshumanos prefere migrar para as cidades,grandes conjuntos de agrupamentos humanos,

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onde o indivíduo não é conhecido, pouco ajudadoe menos controlado. Nestes novos meios sociais,o indivíduo é obrigado, pela força dascircunstâncias, a fazer um trabalho pessoal ou aactuar os seus impulsos básicos sem grandecontrole ou com menor controle social.Paradoxalmente, é nas cidades que está maisperto e mais longe da sua individuação, ou seja,do conhecimento e da vivência profunda de simesmo. Mais perto, porque as forças doinconsciente colectivo são novas e menospesadas, dado estes aglomerados humanos seterem constituído há bem pouco tempo; maislonge, para alguns, talvez a maioria, porque oindivíduo está só, poucos ainda o ajudam nestetrabalho, mesmo os que a ele se dedicam – ospsicoterapeutas – e, ainda, porque as forças doseu inconsciente pessoal são poderosíssimas enecessitam de ser, em primeiro lugar,trabalhadas, ou seja, consciencializadas.

Se a força instituinte da InstituiçãoFamília, ou seja, a força que se opõedinamicamente ao que jaz, é acumulada deexperiências, saberes, conflitos e violências dessemesmo grupo, tem sido forte nos últimos séculos,o que terá acontecido a esse património familiar?Que aumento de consciência tem acompanhadoeste desmembramento da família tradicional?Estará esta mudança a acompanhar aconsciencialização dos direitos das mulheres e

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das crianças, um fenómeno observado só noúltimo século? E se assim for, terá sido a acçãoinstitunte das mulheres que conduziu a estamudança na Instituição Família? Não terão sidoas mulheres as principais impulsionadoras e osprincipais sustentáculos desta velha Instituição,como ainda observamos em África? E queverdadeiras e profundas alterações estasmudanças da Instituição Família estão a produzirnas mulheres e nos colectivos? A entrada doFeminino na política, um fenómeno novo, quemudanças de consciência, individual e colectivaestá a produzir? Quem e como sustentar atravésdos rituais e dos ritos, como faziam as mulheres,esta velha Instituição Famíliar? Assistimos afenómenos complexos como o datoxicodependência em grande escala dos jovens,nas sociedades mais desenvolvidas. Estes jovensnão só desprezam os valores familiares comomesmo os destruem, delapidando o patrimóniofamiliar. Será esta já uma das manifestações doInconsciente Institucional Familiar a pedir aintervenção mais consciente por parte daFamília? Assistimos ainda a outro fenómenogeneralizado, na sociedade europeia ocidental,que é a da entrega dos seus velhos a instituiçõesnovas: os chamados Lares para a terceira Idade.Estes Lares vêm substituir os Lares da Família àqual pertenceram durante toda a sua vida.Nestes Lares poucos são os idosos que resistem,parecendo estes constituírem antecâmaras da

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Morte.

Todas estas mudanças têm surgindo emnome de uma mudança económica que se temvindo a implementar no último século. Oscustos, o dinheiro, constitui no nosso tempo a«moeda de troca» de todos os actos sociais epolíticos. A Instituição Dinheiro parece ser a quereina no mundo actual, mesmo na InstituiçãoFamiliar. Todos os nossos actos têm um preço – ea quem se paga esse tributo? E para quê? E comocontrolar esta força que tudo invade, ameaça eleva o indivíduo à exaustão? Os que possuembens materiais esgotam-se nas acções para osampliar e transformar constantemente e os quenão os possuem, em criarem condições para oster. Que forças inconscientes são estas que estãonovamente a afastar o indivíduo da sua«individuação»?

Mas deixemos por agora estas amplasquestões e voltemos à entrada do Indivíduo nasInstituições, a começar pela Família.

Desde o primeiro momento do seunascimento, ou mesmo antes, a criança está eminteracção com o que a rodeia: a mãe, a restantefamília e todo o suporte ambiental que asustenta. Ela tem, e traz, potencialidadesdiversas e espera que o meio a ajude adesenvolvê-las. Ela está necessariamentecentrada em si mesma. Mas admiravelmente, elatem logo quase à nascença, capacidade para

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fazer uma avaliação das potencialidades deresposta que pode encontrar nesse meio. Acriança procura ainda salvaguardar a suaessência, seja através do sono, seja através dochoro e de outros meios que Melanie Klein,psicanalista inglesa, designou por «capacidade defantasiar». Assim, a criança, desde que nasce, vaitentando exercitar as suas potencialidades, darresposta às exigências do meio e ao mesmotempo preservar a sua individualidade.Poderemos dizer que é grande o «engenho e arte»que o ser humano revela logo que nasce.

À mãe pouco disponível e atenta, a criançapode desenvolver «sentimentos de protecção»dessa mesma mãe. Para se defender, dirão? Écerto, mas como foi a criança encontrarmecanismos de resposta tão finos e subtis? Paraevitar a agressividade e a zanga, dirão outros!Também poderá ser verdadeiro, mas o produtodessa zanga transformou-se no seu contrário. Talsó não acontece nos casos extremos de criançastotalmente abandonadas ou mal tratadas, nolimite assim das suas forças. Esta capacidadeque a criança traz para entender os outros temsido desvalorizada. Não é só a mãe que entende obébé, mas é este que entende também a suamãe. Como? Que aptidões humanas trazemospara comunicar que ainda desconhecemos oupouco sabemos expressar, nomear? As mães, asmulheres, conhecem esta linguagem não verbal

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das crianças, que passa pelo olhar, pelo chorar,pelo sorriso, pelo contacto corporal, pela posturacorporal e por um mundo que aindadesconhecemos. Pouco tem sido o esforço dasmulheres para explicar e explicitar estes códigosde comunicação do sentir e do sentimento. Urge,no entanto, fazê-lo.

Este reservatório de conhecimentosfemininos constitui o seu poder e o seu mundo,no qual toda a criança entra quando nasce. Aspalavras são insuficientes para o exprimir. Talvezas imagens lhe estejam mais próximas. E assim,o desamparo físico do filho poder despertar, namulher, o seu próprio desamparo e ir repetir oubuscar ao seu reservatório de memóriasinconscientes, as soluções que encontrou nopassado, ou fazer uma nova tentativa demudança pedindo ao filho, agora nascido, aquiloque outrora perdeu, como seja a «confiança em simesma», a «capacidade de gostar», «opreenchimento do vazio que a insuficiência dapresença da mãe e do meio lhe deixou», «avingança para as humilhações que sofreu», numacombinação infindável de pedidos e decomunicações que o bébé capta e às quais vairespondendo de acordo com as suaspotencialidades. Esta comunicação «telepática»entre mãe e filho constitui o nosso primeiroreservatório de informação neste mundo.

Como resposta por parte da criança

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conhecemos apenas os seus comportamentos,manifestados através do seu corpo tais como:chorar ininterruptamente ou dormir muito;rejeitar o alimento ou comer em excesso; sorrirou apresentar um semblante triste ou mesmoapreensivo; manifestar vivacidade e curiosidadepor tudo o que a rodeia ou uma grandeindiferença; aumentar regularmente de peso e deestatura ou fazer esse crescimento por saltosbruscos; estar mais ou menos sujeito aos agentesinfecciosos do seu meio, etc.

O «padrão» de hereditariedade física quecada criança traz, é logo à nascença completadoou acrescido, pela carga emocional que a mãe lhetransmite, através de uma linguagem que, desdea fecundação, se estabelece entre a mãe e o filho.A separação entre o filho e a mãe constitui amaior de todas as tarefas dos seres humanos. Aentrada do pai nesta díade é a primeira ajuda,mas tem sido feita de uma forma por vezes brutalque não oferece alternativas, mas cria, ou temcriado, dois mundos: o das mulheres e o doshomens; mundos esses por vezes apresentadoscomo inimigos e com leis e normas diferentes,que não tem conduzido à integração dasvivências emocionais desde que nascemos mas,pelo contrário, à sua repressão e à procura deuma identidade sempre difícil para cada serhumano que nasce. A triangulação, na qualFreud situou o marco decisivo da vida emocional

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do ser humano e que se atingiria por volta doscinco anos, é ainda vivida dramaticamente, tendoo Mito de Édipo, escolhido por Freud,representado essa dificuldade de todos nós. Aoamor e à profunda ligação com a mãe, a criançatem que integrar outro ser, o pai, o colectivo, quelhe traz uma nova linguagem, novas informações,novas experiências e que se oferece comocompanheiro e guia, nesta vida social construídapela espécie humana. Esta construção social,erguida pelos homens, tem sido feitaessencialmente com o recurso à força, à lei «domais forte» e da repressão das emoções querefreiam e desmobilizam a acção. Assim, «umhomem não chora»; «dos fracos não reza aHistória»; «em tempo de guerra não se limpam asarmas» e todo um conjunto de valores e de ideiasque fazem parte do imaginário masculino. Esteconstitui o alicerce da vida social, interiorizadodesde muito cedo e agindo mesmo na ausênciado pai, através duma distância a que Freudchamou «Superego», mas que constitui, tambémela, um mistério na comunicação humana. Esteconjunto de valores da vida social estão semprepresentes na acção humana, através de uma voz,duma presença imaterial, duma ideia que seimpõe de repente e que conduz o ser humanosem grande capacidade de diálogo da sua parte.A «tomada de consciência», uma ideia forte naarte de pensar de alguns séculos para cá, temsido o desenvolvimento deste diálogo interno, até

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então sujeito à força dos Deuses como nos revelaa Mitologia, por exemplo, e no qual o homem, oser humano, era apenas um agente passivo. AosDeuses sucederam-se as Leis, as Pautas, osValores, aos quais só os homens tinham acesso.

Às mulheres continuava reservado oespaço fechado da casa, dos sentimentos e dasemoções. Esta divisão ainda continua na maiorparte da Humanidade.

A descoberta da transformação destarelação desigual entre homens e mulheres edestas com as crianças, a partir doconhecimento das forças que operam dentro denós, interiorizadas e do seu diálogo com elas, foitalvez a maior descoberta do século que está aterminar. Até agora o ser humano tem«projectado» – posto fora de si –, a exemplo dosnossos antepassados com os Deuses, todo oconjunto de forças que o impelem para a acção,seja ela de que tipo for. E assim, mata-se um serhumano, ou uma nova ideia, ou uma novaemoção, porque se viu, colocou, imaginou queeste ou esta iria trazer perda de privilégios, desatisfação, de segurança? Desencadeia-se entãouma série de acções conducentes com estesmedos, as quais conduzem essas respostas aserem sentidas como ameaçadoras,confirmando-as. A nossa nova Era está a sermarcada pelas «Negociações» entre as forçasbeligerantes, como são designadas e que

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traduzem esta tomada de consciência colectivade que muitos dos desentendimentos humanosresultam destes mecanismos «projectivos» e nãode reais ideias ou forças, em presença. Ou queesta diferença de interesses pode ser negociada,ainda só por alguns, até ao dia em que todospossam fazê-lo. A luta entre o inconscienteindividual e o inconsciente colectivo parece ser,no nosso tempo, de grandes dimensões.

Mas deixemos o aprofundamento destatemática para os respectivos capítulos esituemo-nos, novamente, «na entrada do serhumano na vida».

A criança que nasce entra assim nummundo, o da família, ou da ausência dela, quelhe confere um lugar na sociedade e um lugar nafamília que a acaba de receber. A criançaapreende, logo que nasce, esse lugar e estabelececom a mãe, ou a sua substituta, umacomunicação única que lhe dará um padrão derelação, o qual servirá de modelo para as futurasrelações. Este padrão de relação não é sódeterminado pela mãe, mas pela interacçãoatravés do diálogo que desde logo se estabeleceentre mãe e filho, criando um vínculo e umaespécie de pacto. Mais tarde, a traição a estevínculo será denunciado pelo chamado«sentimento de culpa», uma espécie de mal-estarque surge, sem se perceber como e emdeterminadas situações que escapam à

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consciência do indivíduo. Todo o trabalho deconsciencialização deste processo está aindalonge de ser feito, pois, por repressão ou porexigência da sociedade, a infância tem que seresquecida e considerada de «menos valia» para aactividade do ser humano. Começou neste séculoo desenvolvimento das técnicas psicológicas queajudam o ser humano a trazer à consciência todoo património emocional guardado desde o seunascimento e mesmo antes. O conhecimento deque nada se perde e que tudo está no nossoinconsciente de uma forma viva e actuante é jáuma aquisição irrefutável, trazida pelaPsicanálise e por outros ramos da Psicologia.Falta agora integrar estes conhecimentos nanossa vida social.

1.2. A Entrada da Criança na Família

Estabelecido o primeiro elo de contactohumano com a mãe e/ou com o seu subsistema,a criança entra, através dela, no mundo que arodeia, aparecendo na continuação da mãe.Assim, se esta mãe é rejeitada pela família, oucolocada em lugar de destaque, ou ocupa umaposição social destacada ou marginalizada, ounuma combinação quase infinita, esta criançatraz a sua marca.

Exemplifiquemos: uma rapariga, filha

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única, fez uma ligação muito forte com o seu pai,ocupou na tríade familiar um lugarpreponderante. O conjunto de projecções que lheforam enviadas foi de tal monta que a sualiberdade de ser ficou restrita ao cumprimento detais «missões» projectadas por ambos os pais. Noconjunto dessas projecções podemos imaginar: ode ficar sempre com os pais para deles cuidar navelhice; o de continuar os estudos ou os negóciosda família; o de se vingar das humilhaçõessociais e familiares que os pais receberam, porexemplo, dos seus próprios pais; o de dar umadescendência só masculina. Esta criançaencontra-se assim a braços com uma longa ecomplicada tarefa, que actua em si sem disso terconsciência, que a impele a acções e acomportamentos e que a palavra «Destino»,traduziu como «algo que por enquanto éinevitável», mas que conduz a nossa vida.Curiosamente, ou não, esta inevitabilidade édinâmica, ou seja, esta luta entre o ser livrepotencial que todos nós somos à partida e o serque dá continuidade aos outros seres, numaluta, por vezes, quase mortal, tem a capacidadede esperar, de adiar, de aguardar, de substituir,de transformar, salvaguardando este princípio deliberdade, mesmo que ele possa demorargerações, ou séculos a conseguir alcançar. Ostrês grandes princípios que regem o nossomundo, enunciados há dois séculos: Liberdade;Igualdade e Fraternidade, começam a actuar na

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consciência dos homens e a surgir com umaforça até agora nunca igualada. É toda umarevisão dos valores sociais que está em jogo, nãode uma forma exterior e racional, mas exigindouma coerência e uma reflexão individual sobre osreais valores e propósitos de cada um de nós nainteracção com todos os outros seres humanos.E um dos primeiros trabalhos a realizar será,então, o de reconhecermos as nossas projecçõesque actuam como uma «Sombra»[4], tal como édefinida por Carl Gustav Jung, fundador daPsicologia Analítica. Esta «sombra», como opróprio nome sugere, não é visível para o próprio,que só a vê quando reflectida nos outros. Numprimeiro momento será recusada, tal comoaconteceu quando surgiu pela primeira vez e só acoragem e a força da consciência poderão venceresta inércia e este aparente determinismo. Paraeste trabalho o ser humano ainda se encontramuito necessitado de ajuda, especialmente doamor e da empatia dos outros seres humanos,dos irmãos, que já estão a caminho e de umarenovada fé na transcendência da vida humana.

Assim, as dificuldades dos filhos poderãoser vistas à luz da história familiar, tal como odemonstra a Psicoterapia Familiar. E a própriacriança terá que fazer o «caminho do herói», parase desfazer destas projecções e encontrar-se.Uma tarefa sempre incompleta, sempreinterrompida a cada momento, porque a

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sobrevivência das Instituições tem vivido e viveessencialmente deste e neste sistema dainconsciência individual.

Por conseguinte, a entrada da criança nafamília é por si mesma o factor condicionante davida dessa mesma criança.

É sobre este material que a suapersonalidade se vai desenvolver, actuar,interagir, sabendo-se hoje que a criança quandonasce não é uma «tábua rasa», como ainda secria no século passado, mas traz todo umpatrimónio genético e emocional de aptidões etalvez de memórias, que tornam ainda maiscomplexo o acto de sermos humanos.

Um dos significados do sábio conselho «épreciso morrermos para renascermos» pode serencontrado neste trabalho individual que cadaum de nós precisará de fazer para se encontrar.Mergulhar mas para daí emergir com o seu realpapel e significado nesta imensa cadeia que é aVida. A repressão deste passado, o método maisutilizado até agora, só tem trazido um aumentode sofrimento individual e colectivo. No planoindividual, isso tem vindo a ser provado àexaustão pela Psicologia Dinâmica. Falta fazê-lono plano colectivo. A Socianálise, uma correntesociológica francesa, iniciou este trabalho nosanos setenta do século XX.

A família era responsável, na sociedadeocidental, pela educação da criança até à sua

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entrada na escola, por volta dos seis, sete anos.À medida que os países se foram desenvolvendoeconomicamente, esta idade diminuiu para ostrês anos e agora, com a entrada das mulheresno «mundo do trabalho», passou para poucosmeses após o nascimento.

Estas mudanças materiais traduzem ouimplicam outro tipo de mudanças afectivas epsicológicas, cujos contornos ainda pouco somoscapazes de definir. A «instituição» família estará aceder o seu espaço a outras instituições? Quais?Novamente ao colectivo, como o fez, no início davida social humana? De momento, este colectivomostra-se impotente para esta nova tarefa, aomesmo tempo que a assume, criando-se assimambiguidades que revertem em prejuízo dascrianças. Assistimos, no nosso tempo, aoaumento crescente de crianças maltratadas pelasfamílias, os pais incluindo e sem recurso aoutros familiares, como acontecia na grandefamília tradicional; as crianças que abandonamas suas casas e que vivem na rua em bandos; ascrianças cujos pais a guerra matou e que seencontram sem ninguém; etc. O número de«casas sociais», que entre nós se designam porLares, para estas crianças estão também aaumentar. Mas o cuidado afectivo com estascrianças está ainda longe de ser umapreocupação social, contentando-se este mesmocolectivo com o alimento, a habitação e os

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cuidados humanos elementares. Daí decorre queo grosso destas crianças entram namarginalidade, na prostituição, na droga, ouseja, vão continuar banidas do sistema socialvigente, aumentando assim a sua Sombraindividual, familiar e social.

O que consideramos até agoradesenvolvimento está a empurrar a maioria dosseres humanos para um subdesenvolvimentoafectivo, com graves consequências sociais.

Uma nova família está a surgir e já temnome: os «sem abrigo». Por enquanto, estes seresvagueiam pelas cidades isoladamente, comendoos restos e dormindo na rua. Ao contrário dosgrupos marginalizados (como é o caso dosciganos que vagueiam pelo mundo em grupo,rigidamente organizados e auto-protectores),estes «sem abrigo» encontram-se completamentedesprotegidos. Que sinal nos está a ser dado peloInconsciente Colectivo? Ao lado das maismodernas e sofisticadas invenções produzidaspelo Homem, outros seres humanos parecemvoltar à condição inicial. Podemos designar estefenómeno como a da «doença mental» do nossotempo. Mas isso só servirá de contento paraalguns e de enriquecimento para muitos, como seestá a observar com os toxicodependentes.

1.3. A Entrada da Criança na Escola

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Cada criança faz a sua entrada na vidasocial mais alargada que a família, seja a escola,seja outra família, de uma forma própria. Nãoexiste, assim, uma fórmula que possa englobarestas reacções.

As tentativas que vamos fazer para exporeste sofrimento das crianças serve apenas dealerta e de chamada de atenção de forma a queos adultos minorem esse sofrimento e preparemmelhor os novos seres humanos para a vida.Esta entrada da criança fora dos espaçosfamiliares a que, lentamente, se vai habituando,desde os cheiros às imagens, à delimitação doespaço, na segurança da presença constante enão ameaçadora desses mesmos cheiros, sons,imagens e pessoas, é brutalmente interrompida,como uma planta arrancada e transplantadapara um outro meio. Dizemos que é brutalmentearrancada, pela reacção observada na maioriadas crianças, quando entra no jardim deinfância. Um pequeno estudo, acessível a cadaum de nós, verifica o drama, o sofrimento, dagrande maioria das crianças quando entra naescola, sofrimento este manifestado desde ochoro, aos vómitos e a toda uma série deperturbações gástricas.

Em nome de «uma boa e futura adaptaçãosocial», estas alterações e pedidos da criança nãosão atendidos e, pelo contrário, são considerados

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como sinais de um «mimo» em excesso ou comouma fraca capacidade de adaptação e, por isso,mais ainda necessitadas da acção e daintervenção do colectivo, através da educadora deinfância. E assim a criança vai ter novamenteque reiniciar uma outra aprendizagem, namaioria das vezes, talvez decalcada numainsuficiente preparação no seu meio familiar.Necessariamente, a criança vai ter quedesenvolver os seus «mecanismos de defesa», dasua individualidade e da sua interioridade, deuma forma também violenta. Do trabalhorealizado pela psicanalista inglesa Melanie Klein,tomamos conhecimento que, na primeira etapada vida, esses mecanismos vêem o mundo comocaótico e ameaçador e, por isso, eles também seapresentam do mesmo modo como esquizóides edistorcidos. Aliás, basta pensarmos naprecaridade e no fraco desenvolvimento doschamados órgãos dos sentidos, paracompreendermos a sua dificuldade de adaptaçãoda criança a formas diferentes em curtosintervalos de tempo. A aprendizagem da noção detempo tem vindo a ser alterada e associa-se,actualmente, a um índice de maior grau dedesenvolvimento dos colectivos humanos,observado na rapidez ou no menor tempo gastona execução das suas tarefas quotidianas.

O meio de comunicação que estou autilizar, neste momento, o computador, é uma

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prova disso. A febre do tempo invadiu tudo: aprodução dos bens, a informação das ideias, adeslocação das pessoas e os tempos de lazer.Esta aceleração do tempo, observada nos paíseschamados mais desenvolvidos, está ao serviço dequê e para quê? No entanto, podemos constatarum facto: os actuais dirigentes dos países maisdesenvolvidos economicamente são já fruto deuma educação pré-escolar, ou jardim de infância,muito cedo separados do seu meio familiar emesmo social. A sua persistente incidência sobrea defesa, dos grupos e dos países, para além dasquestões propriamente institucionais queabordaremos mais adiante, poderá serencontrada, também, nesta aprendizageminfantil de um modo caótico, ameaçador, queexige mecanismos de defesa, permanentes, paranão se ser destruído por ele. A focalização numinimigo, ou num objectivo mais específico, jápertence a uma outra fase do desenvolvimentoafectivo infantil, a chamada fase paranóide, ondeesse mundo desconhecido e, por isso,ameaçador, já aparece mais organizado. Tudoisto, segundo os valiosos trabalhos da autorareferida, acontece mais ou menos até aosprimeiros oito meses de vida e à custa de umagrande necessidade de preservar a vida interiorprópria, surgindo assim, na interacção socialcomo seres extremamente isolados eindividualistas.

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A consciência de si mesma que a criançacomeça a adquirir por volta dos oito meses e queé acompanhada por um sentimento deprecaridade, de medo e de revolta, numacomplexidade única e própria de cada criança,faz com que necessite, por isso mesmo, de umambiente de compreensão e de carinho. Nostempos de hoje, para as crianças que vão para osInfantários, esse tempo é vivido na solidão e nodesamparo afectivo, recolhendo cada criança,dessa experiência, os frutos que lhe forempossíveis alcançar. Não significa que o mesmonão se passe no ambiente familiar, mas oInfantário serve, no nosso tempo, de campo deexperiência e de investigação acessível a todosnós.

Poderemos assim dizer que a entrada decada criança na Escola, a Segunda Instituiçãoque conhece, está condicionada pela experiênciade entrada na Família e, agora, pela idade e pelaforma como for recebida pela nova Instituição.Nesta nova Instituição vai novamente estar emjogo o «campo afectivo» que se desenvolve à suavolta. Este campo afectivo estará dependente daqualidade humana dos profissionais existentes àsua volta, mas essencialmente, do padrão delíder da Instituição, problemática queabordaremos mais adiante.

A criança vai construindo assim a suahistória neste mundo e adquirindo um

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património afectivo que se vai associando aogenético. A consciência de si mesma que noinício da vida terá que ser omnipotente, dada afragilidade do eu perante o mundo e do caráctergrandioso que este apresente perante os sentidosda criança é, no caso das crianças abandonadas,seja em que tipo de condições for, talvez cedodemais, reduzida ao caos inicial e entregue àsforças afectivas que a rodeiam, ou entregue simesma, numa volta ao inconsciente familiar ecolectivo. A criança irá então procurar nesteinconsciente um papel que faça sentido aocolectivo e que esteja adequado ao seupatrimónio genético. Os arquétipos trazidos pelosmitos, dão-nos notícias desse fenómeno: assim oguerreiro, o inocente, o órfão, o amante, odestruidor, o governante, o caridoso, o bobo, osábio e outros, parecem ser papéis sociais que oinconsciente colectivo armazena como reservasnecessárias aos vários colectivos e disponíveispara os seres humanos que esses mesmoscolectivos abandonaram.

A busca que a alma de cada ser humanofaz, parece pois não se confinar aos limites damãe e da instituição familiar, ao mesmo tempoque é desta que, numa fase prolongada da vida,vai depender.

E a Escola, num primeiro momento,poderia servir como suporte à criançaabandonada ou rejeitada pela família, se o seu

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investimento, nesta mesma criança, fosseessencialmente de ordem afectiva e individual.Mas este parece não ser ainda o objectivoinstitucional prioritário, o qual se centra, comoabordaremos à frente, na sua própriasobrevivência e não das dos indivíduos que acompõem.

A criança vive o seu primeiro encontro coma Escola de uma forma própria e vai inserir-senela de acordo com a sua experiência familiaranterior e com a receptividade que lhe fordemonstrada. Ela passará, mais ou menosrapidamente e com maior ou menor conforto, doseu mundo individual para o colectivo, deixandoessa passagem marcas próprias que o indivíduoterá que ir consciencializando. Sem estetrabalho, o indivíduo correrá o risco de irrepetindo, como uma lei inexorável, os mesmosfenómenos até que deles tenha consciência. Eparece que só assim poderá passar a um outronível da existência humana, perdendo a suainocência, aceitando a sua condição e oferecendoa sua vida à Transcendência com que esta odotou. Sem esta consciência, a Históriaindividual e colectiva parece repetir-se, ou evoluirde uma forma que os seres humanos aindapouco conhecem. Esta tomada de consciênciaparece exigir não só uma compreensão, como setem feito ao longo da História, mas também umarevivência desses mesmos fenómenos, agora,

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neste tempo, não os actuando, ou seja,dando-lhes a vida que eles tiveram no passado,mas sofrendo-os através e no imaginário de cadaum de nós. É voltar-se para a sua inferioridade,tal como o fez Cristo, o caminho mais seguropara o auto-conhecimento e para a descoberta denovos sentidos para a vida individual e colectiva.De contrário, o destino de cada um vai-secumprindo na sua inconsciência, o mesmo seobservando com o Colectivo e, neste, nas eatravés das Instituições.

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Segundo Capítulo

1. A Instituição Escola

Importa salientar em primeiro lugar queelevado número de seres humanos não entra nainstituição Escola. Esta Instituição, tal como nopassado, continua selectiva, ou seja, é reservadaa alguns seres humanos, excluindo outros. Se naEuropa Ocidental se verificou, nos últimosséculos, um aumento significativo da chamada«escolaridade obrigatória», o mesmo já não severifica para o ensino «superior». Nos paísespouco desenvolvidos economicamente, o acesso àescolaridade é ainda muito reduzido e ainstituição Escola continua assim a ser umprivilégio de uma pequena classe social quedomina aos vários níveis: político, económico ereligioso.

A instituição Escola tem pois uma história,que se prende com a do poder. A exemplo dosindivíduos, não existe uma instituição semhistória.

Só a consciência e a omnipotência

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individual nos permite entrar numa Instituição,seja ela qual for e considerarmos, sem um estudoatento do seu passado, que vamos ser nela oagente de mudança por excelência, ou dedestruição ou de manutenção, por exemplo.

Cada instituição (e situemo-nos na Escola)teve um «acto fundador», um nascimento.

Ainda que um grupo de homens tenha,durante largo tempo, discutido entre si a formade transmitir o seu saber aos outros e ahierarquia desse mesmo saber, só quando sedispõem a pô-lo em prática, nasce a Instituição.A Escola, a exemplo de outras Instituições, ésimultaneamente um conjunto de ideias,hierarquicamente organizadas, sobre umadeterminada área da vida social e uma práticaorganizada e materializada para a implementaçãodessas mesmas ideias. Esteja na base dessasideias a manutenção de privilégios, ou deaquisição dos mesmos (e aí situamo-nos nocampo do poder), estas «ideias força» só adquiremexistência própria quando passam à acção. Se asideias comandam a acção dos seres humanos,sem a acção desses mesmos homens estas ideiasficam sem sentido. A Instituição passou a existirquando ideia, cuja origem se perde nos tempos eacção se juntaram e se prepararam para intervirna Terra. «No princípio é o Verbo», assim começaa Bíblia dos Cristão. O Verbo é simultaneamenteIdeia e Acção.

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A origem das Instituições Humanasperde-se, assim, na origem da Vida Humana. Ésobre as suas acções que os Homens sãochamados a responder. Não se prendem oshomens pelas suas ideias homicidas de roubar,ou de maltratar os outros seres humanos, maspelos seus actos consonantes com tais ideias. Atéhá pouco tempo, o «Campo das Ideias» apareciaseparado do «Campo das Acções» e ainda hoje, asDeclarações de Princípios pouco asseguram umaacção conducente com esses Princípios, ou Ideiashierarquicamente organizadas, segundodeterminados valores e reflexões, construídospelos grupos humanos ao longo do tempo.

A Instituição passou a representar para aHumanidade um sinal da sua evolução e aservir-lhe como marco dessa mesma evolução. Éatravés das suas Instituições que os países seclassificam como mais ou menos desenvolvidos.Mas é através dessas mesmas Instituições que oshomens de hoje, tal como os seus antepassados,continuam a agir para proveito próprio,parecendo esquecer todo o esforço até agoradesenvolvido pela humanidade para a criaçãodessas mesmas Instituições. E por isso dizemos:AS INSTITUIÇÕES ESTÃO DOENTES.

Para exemplificarmos esta afirmação,retomemos a Instituição Escola. Importa referir,em primeiro lugar, o que entendemos por DoençaInstitucional. Para isso, socorremo-nos de dois

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importantes princípios que o institucionalistafrancês, René Lourau, definiu como suporte daInstituição e que designou por «unidade positiva»e «unidade negativa». O primeiro assegura acontinuidade e a manutenção da Instituição; osegundo a sua adaptação ao tempo,introduzindo-lhe as mudanças necessárias paraa sua preservação nesse mesmo tempo. Estesdois princípios interagem permanentemente e adinâmica da Instituição é o resultado destasduas forças sempre em presença. Quando umadas forças domina e exclui totalmente a outra, aINSTITUIÇÃO ADOECE, correndo mesmo o riscode morrer. Assim, por exemplo, a defesa daunidade nacional, tem levado nações à chacinade milhares de seres humanos e, entre estes, dosseus cidadãos mais conscientes, em nome e pelaacção do seu princípio de «unidade positiva». Porsua vez, outras nações têm surgido pela acçãodestas forças de mudança, a «unidade negativa»,que conduzem os seres humanos à procura denovos modelos e de novas formas de vida emsociedade. Entre estes dois extremos quecolocam os indivíduos em situações de crise e osobriga a enfrentar novos desafios, situa-se a vidadas instituições mais compatível com a vida dosseres humanos, sem os quais as instituições nãose vivificam.

A instituição Escola prende-se, na suahistória, a uma outra instituição que é a do

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Saber. Este «Saber» foi, até há poucos séculosatrás, uma componente essencial da instituiçãoreligiosa, que o usava para impôr o seu domíniosobre os homens. Só com o avanço doCapitalismo e da passagem do poder para oEstado, a instituição Escola passa a terexistência própria.

No entanto, as marcas do seu nascimentocontinuam a actuar. E é sobre esta Instituiçãoque o Poder tem exercido maior controle.

Com a queda do Estado, como estamos aobservar, a instituição que deu o primeiro sinalde alerta foi a Escola: os alunos não aprendem,os professores perderam a consideração social, onúmero de escolas particulares aumenta e aqualidade de ensino deteriora-se, a todos osníveis.

A Escola neste momento, na EuropaOcidental, é a Sombra de um Regime Político eSocial, que está a cair. A «unidade negativa»deste regime espelha-se na Escola. E ela poderáestar a dar-nos um sinal de mudança de lugar doPoder, tal como aconteceu no fim da IdadeMédia.

Este fenómeno de interpenetração dasvárias Instituições, a que o institucionalistafrancês Felix Guattari, denominou«transversalidade institucional», tal comoobservamos para a Escola, é extensivo a todas asrestantes instituições que compõem o Estado

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moderno.

Analisaremos com mais profundidade estefenómeno quando nos debruçarmos sobre adinâmica das instituições. Então o que está aacontecer nas nossas Escolas, analisadas de umponto de vista institucional?

Retomemos o percurso do aluno, doindivíduo, na sua progressiva integração nasociedade onde nasceu, neste caso, na EuropaOcidental e no país economicamente menosdesenvolvido, que é Portugal.

O aluno aprende rapidamente, logo após aentrada na Escola Básica, que:

1. A sua individualidade não é tida emconta e que desta lhe resta um número,uma classe, uma sala e um edifício, aEscola, com que se apresenta quando lheperguntarem: «Onde estudas?», «Em queano?», «Qual a turma?».2. A Escola enquanto Instituição estáacima de si mesmo. Que a sua identidade eidentificação com os restantescompanheiros não advém das matérias emestudo, nem do Mestre que lhes é comum,como na Grécia, mas da Instituição quepartilham, cujo maior valor defendido é adisciplina, ou seja, o maior respeito vaipara as horas de ensino, o horário éinquestionável, as matérias inalteráveis eos métodos de trabalho propostos e

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decididos unilateralmente pelosprofessores. A «implicação institucional»(conceito defendido pelo René Lourau eaqui apresentado na sua primeira versão)mede o grau de aderência objectiva esubjectiva dos chamados «actoresinstitucionais» à instituição que, no casoda Escola, é avaliado através das «faltas»do aluno, medindo estas a sua implicaçãoà Escola. Estas «faltas» apresentam umaescala de valores: «falta às aulas», a maispunida, «falta de material», «falta deatenção», «falta de respeito ao poderinstituído"», estabelecendo uma hierarquiaque, a par com a qualificação obtida nostestes – a prova de «boa memorização» –,dão ao aluno a possibilidade de passar deano e de prosseguir na «carreira daaprendizagem» até obter um certificado quelhe dê acesso ao «mundo do trabalho».3. Do seu trabalho individual decompreensão, de análise crítica e dememorização dos conhecimentostransmitidos, este último é, para a maioriados professores, o mais valorizado. Assim,lentamente, o aluno vai desistindo dequestionar e de reflectir, transformando-senum mero copiador, por vezes dos próprioscolegas, como reacção a toda umaco-repetição, sem criatividade nemexpressividade. A imaginação esvazia-se; o

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espírito não é alimentado; a almaadormece; o ser humano regride; aviolência surge e, por vezes, acaba porinstalar-se.

Se o Self, o «centro unificador» da criançase encontra desde que nasceu, muito longe daconsciência ou mesmo ao serviço dos outros,esta criança, neste contexto, está pronta paraaderir a grupos de jovens delinquentes ou que sealienam na droga. Salvam-se, talvez, como nopassado, aqueles que possuem um bom ambientefamiliar e uma boa herança genética.

A instituição Escola parece, no entanto,indiferente ao drama vivido por cada aluno. Elasegue o seu percurso e os que não seguem osseus ditames são lançados fora, sem que seassista a qualquer movimento de preocupação ouculpa por esta exclusão.

A instituição surge então no seu lado maissombrio, frio, calculista, puramente racional. Ossentimentos de compaixão, caridade, ou mesmode simples sensibilidade parecem não existir.

Mas, escutando outro grupo institucional,os professores, estes dirão exactamente omesmo. Sem qualquer respeito pela suaindividualidade, neste caso já chamada «vidaprivada», os professores estão sujeitos amudarem constantemente de Escola, de matériade ensino, de programa de trabalho, sem quehaja da sua parte qualquer tipo de participação.

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São, também eles, agentes passivos da dinâmicainstitucional. Ou seja, se não se colocam do ladoda «unidade positiva», defendendo o instituído,correm, tal como os alunos, o risco de seremexcluídos e, neste caso, do «mundo do trabalho».Tal como para os alunos, os programas detrabalho são impostos, quando chamados aintervir, já o essencial do trabalho está feito,tratando-se mais de um «referendo» do quepropriamente de um trabalho de participaçãodemocrático.

As normas de classificação dos alunosestão codificadas e é elevado o número deimpressos que cada professor tem que preencher,esgotando-o e tirando-lhe, também a ele, o«espírito crítico» e inovador.

A implicação institucional dos professoresé assim medida, avaliada, tal como para osalunos, não só em função das presenças, mastambém do cumprimento das exigênciasimpostas pela tecnocracia, em nome de uma boaorganização e gestão – por objectivos – dosserviços. E subindo na hierarquia escolar, aDirecção da Escola dirá exactamente o mesmoque os alunos e os professores, mas esta, emrelação ao poder central, Direcções Regionais, ouCentrais.

A falta de Liberdade, a todos os níveis, seráassim a tónica dominante em todos os discursos.Um sentimento generalizado em todos os

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elementos da Escola é o de se encontrarparalisado, o que gera simultaneamente umclima paralisante. E o fruto de toda estadinâmica institucional Escolar é o baixo«rendimento», «aproveitamento» dos alunos, nãocumprindo, portanto, o objectivo para que foicriada. A Instituição está, diremos então, doente.

Se esta mesma análise fosse aplicada aoutros sistemas, tais como, o de saúde, bancário,comercial, os serviços em geral, e mesmo aos deprodução de bens, o sistema chamadoeconómico, as conclusões seriam apenasdiferentes no grau de complexidade que vãoadquirindo. A grande queixa de estrangulamentoda liberdade individual e da quase totaldependência em relação ao instituído, a umpoder, agora sem rosto, mas que comandaatravés da técnica, é a que se faz, e fará ouvirpor todo o lado.

A chamada globalização da economia é umfenómeno que já atingiu todas as instituições,embora seja mais visível para a economia.

Neste momento, corre-se o risco de, sem aparticipação mais consciente dos homens, asinstituições recuarem, indo buscar ao seupatrimónio as regras e as leis que asconstituíram no passado, mas que sãodesadequadas, porque insuficientes, no presente.E sem esta participação dos seres humanos, as

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instituições, como todo o ser vivo, estiolam,rigidificam, esquizofrenizam-se, ADOECEM. Asombra do primitivo e do reprimido parece, nosdias de hoje, espreitar e conduzir-nos de volta aopassado.

2. Uma Aproximação à Dinâmica Institucional

Há que referir, em primeiro lugar, queexiste para os institucionalistas uma diferençade conceitos entre: instituição, organização eserviço. Para uma facilitação da comunicação, oinstitucionalista argentino Gregório FranklinBaremblit, no seu Compêndio de AnáliseInstitucional, apresenta-os de uma formadidáctica e acessível ao leitor.

Optamos, no entanto, por uma sódesignação, a de instituição, dado o carácterdeste livro ser de divulgação e não uma obracientífica, e por ser este o nome atribuído,indiscriminadamente, pelas pessoas em geral aosvários agrupamentos sociais com um carácterestável e duradouro. Atendendo à«transversalidade institucional», um serviço, porexemplo um hospital, integra-se e pertence àcadeia da instituição saúde, que sempre existiudesde que os homens se organizaram emsociedade e que apresenta hoje estaconfiguração.

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Assim, a análise de um subsistema, ou deum segmento da Grande Instituição, reflectirá osistema na sua totalidade.

É nesta base que iremos apresentar umaproposta de análise da Dinâmica Institucional, apartir do estudo detalhado de uma Instituição(Serviço), como por exemplo o Hospital de SaúdeMental.

2.1. Da População Abrangida pela Instituição

A doença mental em Portugal‚ ainda é em1998, considerada um tabu, um mal, que todosescondem e receiam. A História das Instituiçõesde Saúde Mental é simultaneamente a históriadesta evolução da mentalidade portuguesa. Oestudo desta história institucional será, comopara todas as Instituições onde iniciemosqualquer tipo de trabalho, o primeiro passo a darpara nos integrarmos nessa nova família, que é ainstituição onde iremos trabalhar, ou habitardurante algum tempo.

A nova instituição que nos acolhe, a seguirà família, tem uma já longa história, marcadapor sucessos e derrotas, de lutas pela suasobrevivência ao longo dos séculos, por vezes jácansada destas lutas. Os homens que lheemprestaram o seu corpo e a sua alma jazem,mas continuam vivos, nos seus edifícios, nos

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seus escritos, e nas suas obras. Tal como nanossa Família, uma multidão de memórias deseres acolhe-nos, projecta-se e espera que lhesdêmos continuidade. Só a nossa omnipotência einconsciência da Vida Colectiva permite estarmoscompletamente cegos aquando da nossa entradaem qualquer tipo de instituição.

E, no início, qualquer acção humanacolectiva tem um objectivo colectivo. Embora osgrupos humanos procurem a satisfação das suasnecessidades, na constituição das suasinstituições eles têm que se apresentar, no nossotempo, como defensores do bem geral.

As instituições enquanto «entidades»defendem, assim, o bem geral e não o particular.

Quando, por exemplo, o Dr. MiguelBombarda pensa e discute com os seus colegasas novas ideias sobre a saúde mental e avançana criação de uma nova Instituição – o HospitalPsiquiátrico – ele introduziu na ordem social umnovo elemento que pertence à ordem do colectivoe não do individual, ou mesmo grupal.

É nesta ordem do colectivo que reside aforça das instituições, que está para além dotempo individual e mesmo grupal, e que parecemanter-se para e além de todos os tempos.

Uma vez criadas, as instituições geramuma força e uma dinâmica que transcende ospróprios homens.

E assim, o Hospital Psiquiátrico, para além

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de resolver os problemas da Saúde Mental, criouna ordem social um novo lugar, integrando osseres até então dela banidos e, por isso, nãoexistentes nessa ordem. E o seu acto fica naHistória desse povo, não só porque resolveu eajudou os seres em sofrimento, mas porquecontribuiu para o enriquecimento e alargamentodessa mesma ordem social, humanizando-a, ouseja, tornando-a extensiva a todos os sereshumanos. E este pode ser o prémio dos deusespor os termos ajudado. Uma vez criado o HospitalPsiquiátrico, e como uma pedra lançada nocharco, as ideias colectivas acerca destes doentestambém sofreram um impacto.

A primeira dessas ideias a ser posta emprática foi a que todo o colectivo terá queaguentar com a dependência material, com aincapacidade para a sobrevivência que estesseres revelam, e que até então, recaía apenassobre a família.

Com a defesa destas novas ideias osHospitais para os doentes mentais encheram-see as famílias descansaram.

A segunda ideia foi a que as formas decura tradicionais eram insuficientes e que novosmedicamentos e novos procedimentosterapêuticos ajudariam o sofrimento destes sereshumanos. Criou-se então uma euforia em tornodas investigações bioquímicas e dos novosprodutos criados, e também das novas teorias

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psicológicas, especialmente da Psicanálise. Masestes novos conhecimentos ficaram retidos nainstituição do «Saber», à falta de uma outradesignação, ou de pequenos grupos que viramnessas novas descobertas, novas formas deganhar dinheiro, não sendo assim divulgados apar e passo com a criação das instituiçõespsiquiátricas. E se estas, numa primeira fase,tiveram o contributo das novas ideias sobre asaúde mental dos seres humanos, acabaram poraderir apenas como assistimos nos dias de hojeem Portugal, à primeira das ideias: todo o serhumano tem direito a ser ajudado no seupsiquismo e não só no seu corpo. O colectivoficou pois unicamente pelo carácter organizativodesta nova ideia.

E ao entrarmos, como doentes ou comotrabalhadores nesta instituição, esta História dasua fundação e do seu percurso, neste país, estápresente e actuante. O seu fundador chorará soba morte das sua ideias não postas em prática e ainveja e a ganância, dos que só viram dinheiro eregalias, espreita pronta a atacar.

Esta instituição espera assim que estaluta, à qual os humanos dão a sua inteligência eo seu corpo, se equilibre, num crescendo para asua humanização, ou seja, para o maior e melhorbenefício de todos os seres humanos.

No nosso tempo, a população abrangidapor esta Instituição reflecte todas as contradições

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do seu acto fundador e dos limites que, noprocesso da transversalidade, as outrasinstituições como a do saber, a economia eoutras, lhe colocaram. A «totalidade social» é umfacto que a vida social comprovaconstantemente.

Os doentes internados nestes Hospitais, aocontrário de outro tipo de doenças, ficam lá todaa vida, transformam o Hospital em Lar não tendoeste, no entanto, condições para isso.

A mudança de mentalidades em relação àdoença mental está ainda à espera de ser feita.Sem o cumprimento desta segunda etapa, serádifícil, mesmo com o esforço do Estado, que ocolectivo aceite os seus doentes mentais de volta.

Assim, os Hospitais Psiquiátricostransformaram-se, em todo o País, em asilosonde os doentes são abandonados e esquecidos,na sua maioria, pelas famílias.Transformaram-se num peso para o colectivo, apar de outros, como a educação das crianças e ocuidado com os velhos.

As nossas instituições estão marcadas porum forte carácter assistencial, que com o avançodo capitalismo, estão sujeitas a sérios riscos depauperização e mesmo de destruição/morte.

Esta ameaça que paira sobre asinstituições de Saúde Mental, tem condicionadoa sua dinâmica nas últimas décadas, em especialapós os anos 80. Se tivermos em conta toda a

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legislação existente.

Mesmo com todo o esforço legislativo, queinclusivamente propôs fechar os HospitaisPsiquiátricos e fazer a reconversão de algumasunidades hospitalares, a situação, no presente,fim da década de 90, mantém-se quaseinalterável. Sem o conhecimento desta HistóriaInstitucional, o novo elemento que nela entra,seja doente, trabalhador e mesmo Director correo risco de ser um agente passivo neste processode defesa, de sobrevivência, que a instituiçãoatravessa.

Então vejamos com mais pormenor omovimento dinâmico em curso, inconscientepara a maioria dos «actores institucionais», umavez que desconhecem a História passada erecente da instituição. Apenas o nome e a lápidedo seu fundador a chamar constantemente aatenção para esse facto, que, no entanto, passadespercebido à maioria que nela entra.

2.2. Da Matriz Institucional

Todas as instituições se organizam deacordo com modelos, que variam ao longo dostempos, mas que reflectem sempre a hierarquiado poder estabelecido para aquele momentohistórico.

No presente e na Europa Ocidental a

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constituição de Repúblicas, levou a umaseparação de poderes, que interagempermanentemente e lutam pela sua supremacia.No topo desta hierarquia do Poder, encontra-seainda uma figura, o Presidente, com poderesmais reduzidos, mas que reflecte a herançahistórica das Monarquias e dos poderes Papais,ainda em vigor.

Na Instituição, neste caso o HospitalPsiquiátrico, existe uma organização,modernamente clarificada por escrito – oorganigrama – com funções, papéis econsequentemente poderes, que a exemplo doEstado, cria a ilusão de uma separação ecomparticipação do poder.

Assim, nesta hierarquia define-se: adirecção da instituição; os trabalhadores damesma e por último os utentes. Ou seja, unsmandam outros obedecem, tal como nasociedade em geral, para produzir algo, nestecaso, a prestação de um serviço.

Estabelece-se assim uma dinâmicainteractiva entre o «padrão» e a «matriz»institucional (conceitos que definiremos adiante).Nesta dinâmica é pressuposto que ela sedesenvolva para e pela acção dos utentes, mastal ainda não se verifica, como tentaremosprovar. A luta institucional faz-se entre estesdois polos, os dirigentes e os trabalhadores,dando a impressão, por vezes, que se os utentes

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não existissem nada a alteraria.

A moderna organização, representanteactual da velha instituição, está então ao serviçode quem, como por exemplo no hospitalpsiquiátrico actual?

Retomemos o percurso iniciado peloindivíduo até à sua entrada no chamado «mundodo trabalho».

Após a sua preparação para entrar neste«mundo», seja pela idade que atingiu, só a partirda qual a lei permite a entrada, seja pelo quadrode «certificados» que acumulou, seja ainda, pelogrupo familiar de pertença, cada indivíduo vaifazer a sua entrada neste «mundo do trabalho».

Até há pouco tempo, estes rituais deentrada eram reservados aos homens. A meninapreparava-se para ser uma boa gestora familiar euma boa mãe de acordo com os valoresestabelecidos pelo seu grupo e classe social depertença. Num espaço de 20 anos, após arevolução do 25 de Abril, esta situação mudouem Portugal. Hoje as raparigas,independentemente da classe social de origem,procuram estudar e tirar cursos até então só dodomínio dos rapazes, e ocupam lugares, aindaem reduzida escala, mas até há pouco tempoimpensáveis para as mulheres.

Hoje, estes rituais de entrada estão a serviolentos, como sempre o foram, especialmentepara as mulheres, uma vez que estas não

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possuem ainda uma memória histórica que asapoie neste novo papel social. Daí que a maioriapareça adoptar os padrões de comportamentomasculino, negando ou fazendo perigrar o seupapel feminino, como se está a observar no casodas mulheres intelectuais que apresentam umagrande dificuldade em engravidar. Ou então, nocaso das mulheres menos informadas equalificadas, estas transportem para os novoslocais de trabalho – fábrica, repartição pública,escritório, ou outro – o mesmo tipo defuncionamento da casa familiar, continuando acolocar esta em primeiro lugar, negando assim adiferença tanto sua como da nova instituiçãoonde trabalha. Numa espécie de atitudenarcísica, as mulheres dos países menosdesenvolvidos economicamente, continuam fiéis,em primeiro lugar, à instituição família, da qualse sentem as legítimas representantes. Aomesmo tempo que o mundo familiar parecedesmoronar, as mulheres de ontem, não as dehoje, mostram-se incapazes para se adaptar aeste novo mundo, lutando desesperadamentepelo restabelecimento do seu antigo poder: a casae a educação dos filhos. O velho adágio popularportuguês que se encontra impresso em azulejo,à entrada de muitas casas portuguesas,sobretudo no norte do país, e que diz: «Lá emcasa manda ela; nela mando eu» é ainda otestemunho desta separação.

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A mudança institucional que se está averificar, está atingir toda uma velha ordeminstituída, e o maior sinal dessa nova ordem estáa passar pela alteração dos papéis sociaisreservados ao longo de séculos aos dois sexos.

Nesta transição, o novo e o velho coabitame lutam. Mas uma espécie de «tremor de terra»assola todo o mundo. Neste fim de século, ossinais mais visíveis desse abalo são as «quedasda Bolsa» constantes, ou seja, dos valoreseconómicos atribuídos a todo o patrimónioatravés de um jogo mundial, muito complexo esofisticado, e uma denúncia constante de casosde corrupção a todos os níveis. A comunicação eas trocas passaram a ser feitas através de ummeio abstracto, o dinheiro, que tomou cidadaniae que passou a reinar: tudo é convertido emdinheiro, até o tempo. «Tempo é dinheiro», umadas máximas do mundo capitalista.

Mas esta cosmovisão que está aespalhar-se, ainda não faz parte do discursoinstitucional. A instituição continua a lutar pelasua «unidade positiva» e os indivíduos que nelaentram, dão-lhe corpo, uma vez que também elesnão sabem encontrar outras alternativas senãoas que o colectivo lhes vai oferecendo. A força doindivíduo é ainda muito desigual em relação aocolectivo em que se integra. E as leis de evoluçãodeste colectivo são ainda, na sua essência,desconhecidas.

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O jovem que entra no seu primeiro local detrabalho vai embuído de esperança, de força, deenergia. Espera encontrar na nova Instituiçãoaquilo que necessita para sobreviver, e maisainda, «reparar» e ser «reparado» das muitasferidas feitas ao longo da sua curta, mas difícil,vida institucional – familiar e escolar – porexemplo, para os seres mais favorecidos. Acreditaque finalmente vai ter liberdade, poder dedecisão, fazer ouvir a sua voz, e ser reconhecidoe justificado.

E as Instituições, até à entrada do FundoMonetário Internacional em Portugal, tinhamalguma preocupação com a entrada dos seusnovos elementos, proporcionando-lhes algumtempo, cerca de seis meses, para a suaintegração, percorrendo os vários serviços, ouapenas observando o que os colegas faziam. Tudoisto aumentava as expectativas do novo neófito,criando-lhe assim um vínculo afectivo forte euma «implicação positiva». O facto de em grandenúmero de situações essa entrada se dever não acritérios institucionais de maior competência,rentabilidade e evolução, mas de interessesfamiliares ou outros como a chamada «cunha»nada parecia afectar a vida institucional nem aentrada dos seus elementos. E alegria de entrarna Instituição era ainda proporcional ao tipo deinstituição em causa: colocava-se em primeirolugar o Estado. Ser funcionário público era, até

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meados dos anos oitenta, a maior alegria e omaior sonho de todo o trabalhador médioportuguês.

Essa situação está em total mudança coma privatização de todo o operário público. Asmulheres passaram a constituir o bloco maior defuncionários públicos, ocupando sectores como aSaúde e o Ensino, especialmente o ensinosecundário e o superior, tradicionalmenteocupados pelos homens. Estes têm vindo aocupar os novos lugares das empresasmultinacionais em número crescente emPortugal, e os lugares políticos e sobretudoadministrativos criados pela entrada naComunidade Económica Europeia.

Assim, a entrada no mundo do trabalhotornou-se mais feroz e a competitividade, obaluarte do capitalismo, tornou-se a «senha» deentrada em qualquer instituição. O jovem queentra sofre uma pressão constante para mostrarque é o melhor, que dedica a sua vida àquelainstituição e que por ela está disposto a tudosacrificar: vida familiar e de amizade, ou seja,toda a sua vida privada.

A primeira traição que se sofre é pordemais dolorosa para alguns que durante anosaguentaram muito do sofrimento familiar eescolar na expectativa do futuro. E a novainstituição, sabendo disso, acena agora com umarecompensa não afectiva e pessoal, mas

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económica. O dinheiro é apresentado então comoo substituto dos anteriores vínculos afectivos.

As Instituições parecem assim estar a dizeraos homens que já não precisam da sua libido,do seu afecto, mas apenas da sua força mental,da sua inteligência.

No entanto, os seres humanos continuamna sua busca de realização de satisfação dassuas necessidades de poder, de reconhecimentode criação e de contacto humano. O Capitalismoprocura exarcebar o individualismo, e esterevela-se doentio para o homem, fazendo-operder o sentido para a sua vida.

E na Instituição o conjunto de sereshumanos que lhe dão corpo, continuam a viveras mesmas paixões, os mesmos dramas, agora deuma forma mais reprimida, mais camuflada. Ossentimentos têm que se esconder, a máscara do«executivo», do que está sempre bem e feliz temque ser colocada todos os dias. E no dia a dia, osconflitos institucionais aumentaram tornando aconvivência diária um autêntico inferno.

Voltemos então ao Hospital Psiquiátrico. Ojovem trabalhador que acaba de entrar, é agorarecebido não como mais um elemento que vemenriquecer e preencher aquela famíliainstitucional, mas como um potencial rival eusurpador dos direitos já adquiridos. É enorme asolidão de cada novo trabalhador, e toda a suapersonalidade é jogada neste novo contexto. A

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tendência, numa espécie de «compulsão àrepetição» como afirmava Freud na explicaçãodos mecanismos neuróticos repetitivos, é a de irdesempenhar no novo grupo ou mesmo naInstituição o papel predominante que sedesempenhou ao longo da vida – na família, naescola, no bairro com o grupo de companheirosde rua. Deste modo, ele poderá fazer o papel de«bobo», tão necessário à dinâmica institucional,ou o de «vítima», ou de «catalizador» dos conflitosinstitucionais, ou de líder do grupo, etc., numacomplexidade crescente, que só o estudo de cadainstituição e do seu momento histórico, nospoderá ajudar a consciencializar. Uma coisa é jácerta para os institucionalistas: estes papéis têmuma existência e um significado total e nãoconsistem em simples projecções dasproblemáticas individuais. Estas problemáticasapenas dão corpo às necessidades afectivasexigidas pela própria Instituição. Senão vejamos:quando alguém que desempenhava umdeterminado papel, por exemplo, o de «algoz», seafasta, adoece ou morre, logo outro vem e ocupaesse mesmo lugar.

As instituições têm alma. Elas não sãopuras construções dos homens. Elas vivem paraalém deles. Os homens morrem, mesmos os queem determinados momentos históricos parecemter um papel decisivo, como por exemplo namudança de regime político, e o seu nome fica

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em segundo plano em relação à Instituição querenasceu pela e através da sua acção. «AMonarquia acabou. Viva a República». Oshomens que deram as suas vidas por estasmudanças são citados nos compêndios escolares,ou nas festas colectivas anuais e esquecidos, oumesmo desconhecidos para a maioria.

A Mitologia descreve-nos a vida dos deusescarregada dos mesmos sentimentos que oshumanos experimentam e interagindo com estes.Afirmar que estes deuses eram simples projecçãodos homens, é uma crença megalómana dohomem contemporâneo, e que o conhecimento ea conscencialização da vida das Instituições viráa destruir.

O papel que então o jovem trabalhador sevê novamente a repetir, se por um lado odesconforta, o faz sofrer novamente, por outro,volta a dar-lhe identidade. Volta a ficar idêntico asi mesmo, àquilo em que já se reconhece do seupassado. Só que a nova Institição tem, tambémela, um passado diferente e uma história quesegue o seu próprio rumo e que o indivíduodesconhece. Confundir as duas memórias, asduas histórias – a individual e a institucional –tem sido, para a maioria dos seres humanos, afonte da sua tragédia, mas também de vivênciaterrena da sua transcendência. Possuir nas suasmãos os meios de destruição da Terra tem dadoum sentido de omnipotência tão forte aos

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homens, que tem levado a uma aceleração dasmemórias institucionais, seja ela a instituiçãofamília, ou a do saber, a religiosa, a económica eoutras, numa luta cujo fim ainda não sedescortina, mas que nos coloca a todos desobreaviso.

O jovem trabalhador do HospitalPsiquiátrico nada sabe sobre o que se está apassar institucionalmente, mas rapidamente seapercebe que «representa um papel», que a suaverdadeira personalidade não se pode exprimir,mas que só o pode fazer segundo determinadasregras de comunicação estabelecidas pelaInstituição. Que tem nessa Instituição, tal comona Família e na Escola, um lugar, e que esselugar já existia e possuía uma imagem, um papele uma função, cuja alteração irá provocarreacções em cadeia por toda a Instituição. Porexemplo, esse jovem foi colocado no Economatoda Instituição e tem por função todas as manhãsacordar os doentes, vigiar os seus cuidados dehigiene, acompanhá-los até ao refeitório, etc. Seeste jovem alterar o ritmo até então instituído, ouse esta tarefa lhe provocar repulsa, ele terápoucos meios de manobra para introduzirqualquer tipo de mudança. Para esse efeito teráque pedir autorizações, uma atrás de outras,apresentar justificações, apelar, sofrer oconfronto dos colegas e acabar, na maioria dassituações, por desistir dessa mudança, passando

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a sonhar mudar de secção, de serviço, de turno,de chefe, de local de trabalho, de categoriaprofissional, continuando os seus estudos, oufiliando-se nas organizações sindicais. Estedesconforto seguirá então o caminho humanomais primitivo que é o de «projectá-lo» nosoutros, os mais indefesos, que neste caso são osdoentes. Ou ainda, congregar à volta dessasituação os que sofrem igualmente do mesmodesconforto, da mesma frustração, criando-sedentro da matriz institucional «grupos depressão», que interceptam as decisões, espalhamboatos, adiam acções, em suma, dão vida aonegativo da instituição que o instituído semprepretende reprimir.

A matriz institucional forma-se assimdentro de um emaranhado de grupos. Uns que jápertencem à evolução da própria Instituição nadefesa dos seus interesses individuais ecolectivos e que formam o já designadoOrganigrama Institucional, com todo o mapa depessoal existente e, mais ou menos, necessáriopara a prossecução dos seus fins. Estes gruposformam a pirâmide institucional de basealargada e muito estreita no topo. Mas a pardestes grupos, outros nascem e morrem deacordo com o momento histórico vivido pelainstituição. Mas a «matriz institucional» é maisdo que este conjunto de grupos organizadossegundo uma determinada hierarquia, em

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consonância com o todo social. Ela diz respeitoainda, e citamos: «A Matriz é a teia hipotética decomunicação e relação num dado grupo. É oterreno partilhado em conjunto que, em últimainstância, determina o sentido e a significação detodos os acontecimentos, e no qual se integramtodas as comunicações e interpretações, verbaise não verbais» (Foulkes 1967). Na instituição,este «Fundo» passa a ser a própria Instituição noseu todo, com o seu presente e o seu passado, ecom a sua interligação e transversalidade com otodo social ao qual pertence.

Assim, a matriz institucional apresenta-sede uma forma visível e não visível à própriainstituição. Se todos os grupos e todos osindivíduos partilham um terreno comum, quelhes dá sentido e significado e que lhes éveículado pelo padrão institucional, umfenómeno ocorre na matriz institucional, porexemplo, a agressão física ou verbal entre doiselementos da instituição, tem uma leitura quenão pode ficar pela mera análise do conflitointerpessoal, como é costume fazer-se; estaagressão tem um significado naquela matrizinstitucional e na sua interacção com o padrãoinstitucional; ela pode resultar da necessidade dedescarga emocional, de dois subgrupos, queentraram em competição por acção de umamedida tomada pelo Director que beneficioualtamente um grupo em detrimento do outro, ou

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porque esses elementos pertencem a grupospartidários diferentes, informais, existentes nainstituição, mas sendo um deles da mesma corpolítica do Director; ou ainda porque no grupocada um dos elementos faz o papel de«boucémissaire», ou seja, de porta-voz dasmotivações inconscientes de uns em relação aosoutros. Ao agredirem-se, eles poderão estar adizer, a mandado dos respectivos grupos, que seacautelem e que tenham cuidado porque osoutros estão atentos, tal como se fazia com osantigos duelos. Este é o trabalho da AnáliseInstitucional.

Mais ainda, o inconsciente institucionalpoderá estar a impulsioná-la para determinadosmovimentos e direcções servindo-se dosindivíduos, dos grupos, das Direcções. Éconsequentemente um jogo de interacções,obedecendo a uma sincronicidade que só umestudo muito atento poderá decifrar. O acto, ocomportamento, a decisão dissonante falarãomais deste «escondido» institucional que toda arotina instituída.

Neste jogo entre passado e presente, entrePadrão e Matriz Institucional, entrepersonalidades díspares, umas autoritáriasoutras submissas e dependentes, entre umamudança social ampla e uma luta pela rotina epela estabilidade mantida ao longo de décadaspor uma geração, a instituição e os indivíduos

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procuram a sua sobrevivência. Ainda nãopodemos dizer que tanto uns como outros vivambem e em plenitude, uma vez que o equilíbrioestabelecido é ainda muito instável. A luta pelopoder, ou seja o colocar-se à frente dainstituição, que é de todos, mas que ainda o nãoé consciente para esses mesmos todos, tem sido,e ainda é o maior desejo da grande parte dosseres humanos. Colocados, no topo dainstituição, fazem uma espécie de pacto com elae ficam insuflados, inconscientes dos seuslimites humanos, relegando mesmo a suacondição de irmandade e de fraternidade comtodos os restantes seres humanos. E nada temfeito ainda parar este movimento: os homensmais bem intencionados e dotados, uma vezchegados ao Poder, e se nele ficam durante muitotempo, acabam por esquecer os seus ideais e osvalores morais por que tanto lutaram na suajuventude. Costuma-se designar este fenómenopor «tentação do poder», que se torna fatal paraos que por ela são possuídos. Com o decorrer dotempo a Instituição parece acordar e deita foraaqueles que a ela se encostaram, fazendo-o, porvezes, de uma forma violenta, num movimentohistoricamente repetido.

Acreditar que o poder institucional é o quedomina a vida da instituição, foi uma ideiaespalhada, por exemplo pelos regimes políticosfascistas, mas que a evolução histórica

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desmente. Mas abordaremos essa dimensãoquando estudarmos o «Padrão Institucional».

A Alma das Instituições, tal como a AlmaHumana, escapa ao controle dos homens porqueé de uma outra dimensão que o ser humanodesconhece. E então o jovem trabalhador passa aencarnar um outro personagem, a procurarnovos meios de se defender e a entrar no jogo, navida institucional, fazendo alianças,desempenhando papéis que a sua moralindividual condena, mas que o «grupo depertença», ou de «referência» valida e apoia. Eassim o chefe de família exemplar poderevelar-se, no contexto institucional, um tirano,um sovina, um tarado ou o contrário, estemesmo tirano na instituição poderá ser opacificador e sustentador da Família. Asinstituições dão assim aos homens apossibilidade de viverem os seus vários «eus».

No quotidiano, a instituição necessita deestabilidade tal como o indivíduo. Esta luta entrea vida e a morte, travada individualmente, étambém vivida pela e nas instituições. Daí que osconflitos institucionais sejam simultaneamente oque vivifica, mas também o que pode destruir asinstituições. A luta entre o indivíduo enquantoser único e aquilo que recebeu e que pertence aocolectivo não conseguiu ainda uma convivência eum respeito recíproco, lutando cada um pelasupremacia sobre o outro. E a grande maioria

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dos seres humanos ainda só assiste a esta lutatravada por um pequeno número de homens comas instituições, transmitidas pelos seusantepassados, seja para lhes dar continuidade edaí continuar a usufruir os seus privilégios, sejapara as tornar extensivas aos restantes sereshumanos. O socialismo, a ideia e a crença de quetodos os seres humanos têm direito aosbenefícios das instituições, e não apenas algunsque reivindicam esses privilégios seja pela força,seja pelo passado da instituição familiar,constituiu e constitui a maior esperança dosseres humanos sensíveis ao sofrimento dosoutros, a quem chamam de «irmão» e não deescravo, de subalterno ou inferior, pornascimento ou por aptidões.

Mas o desenvolvimento institucional aoentrar nesta nova fase chamada de Globalizante,Mundial, veio desencantar novos medos e colocarnovas questões.

Esta consciência da «transversalidadeinstitucional» que permite, neste momento que oque se passa em Tóquio afecte a mais simplesinstituição do interior do Alentejo, por exemplo,está apenas preconsciente nos «actoresinstitucionais», e tornou-se mais visível desde aentrada de Portugal na Comunidade EconómicaEuropeia, através dos dinheiros. Tempos virãoem que esta consciência se estenderá a todo otipo de acção e de comportamento na Instituição.

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Assim, os vários grupos institucionaisexistentes, por exemplo, no Hospital Psiquiátrico,formados ou não legalmente, isto é, validados ounão, pelo sistema jurídico também vigente,reflectem não só as contradições ideológicas dopaís em relação à Saúde Mental, como járeferimos, mas também as lutas de poder entreas várias instituições pelo lugar do topo, decomando. Se num passado, ainda recente, esselugar foi ocupado pela instituição Igreja,passando depois pelas Monarquias, queacumulavam os dois poderes, como o caso daMonarquia Inglesa, neste momento e com toda aforça, a instituição Economia, ou Económica,ocupa esse lugar.

E em qualquer instituição que nossituemos neste momento, seja a Saúde, oEnsino, a Assistência Social, a Indústria, oComércio e todo o tipo de serviços que o colectivocriou, o grande critério de avaliação do seufuncionamento, da sua criação ou do seuencerramento, é a sua rentabilidade, ou seja,produzir dinheiro, ou gastá-lo o menos possível.

Esta nova, ou mais esclarecida ideologia,pois sempre o grande feito dos que criavamqualquer tipo de instituição era a obtenção domaior número possível de privilégios para simesmo e para os seus, tomou cidadania emobilizou todo o tipo de classes sociais,juntando-as e criando-se assim, mais uma vez a

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ilusão de uma vida social mais democrática, ouseja, com maior igualdade e possibilidades dedecisão para todos os seres humanos.

Caiu a máscara de uma falsa moral quereinava no mundo, mas o «Novo Mundo» comoassim o intitulavam nos Estados Unidos daAmérica, os primeiros cultores e representantesdesta ideologia social, não surgiu.

Mas as instituições parecem maispreparadas que os seres humanos para estamudança. É em nome da continuação, dasobrevivência da instituição, que as grandesreformas se estão a fazer essencialmente,deitando fora delas um elevado número de sereshumanos, em nome do dinheiro, da suarentabilidade futura, da qual os homensbeneficiarão num futuro, que não se sabe qual,nem quando, mas que talvez a memóriainstitucional possa conhecer. Partilhamos a ideiada lenta e gradual evolução humana e social.

Esta evolução, tal como a humana, nãoparece ser linear, mas cíclica, e é proporcional aograu de consciência, que se traduz no «livrearbítrio», tanto individual como colectivo. Asinstituições parecem precisar tanto dos homens,como estes delas. A «fatalidade» individual ecolectiva começa a ser mexida e o homem aacordar de um longo sono em que dormiuembalado, para o seu bem e para o seu mal aocolo das velhas instituições.

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No seio das instituições, a matrizinstitucional, apresenta-se assim como oconjunto dinâmico de grupos, em interacçãopermanente entre si e com o padrãoinstitucional, guiados por uma acção, umobjectivo e uma ideologia comum, que se enraízana sua história institucional e no momentohistórico que esse colectivo vive.

O jovem trabalhador do HospitalPsiquiátrico terá então uma existência e umareferência grupal, ele pertencerá ao Serviço deEconomato, perdendo assim a sua identificaçãoanterior. Ele passará a ser o trabalhador x, coma letra y, dentro do quadro geral dos funcionáriosdo Estado, ou segundo o Acordo Colectivo deTrabalho para aquele sector profissional.Consequentemente, ele regredirá no caminho doseu conhecimento próprio, ou pelo menos estecaminho passa momentaneamente, ou não, pelocaminho daquela instituição.

Então ele, trabalhador, sonhava com omomento da Reforma, ou seja a altura da vidaem que a Instituição se dava por satisfeita comos seus serviços, lhe dava o mínimo para a suasobrevivência e o deixava continuar o seu própriocaminho de satisfação dos sonhos e das suasverdadeiras aptidões.

Neste momento tudo isto está a ser postoem causa. O trabalhador já não acredita que aInstituição e o Colectivo o reconheçam e o

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gratifiquem pela sua dádiva de criatividade, devida própria e de satisfação das suas reaisaptidões, e que estas, passado o tempo próprioperdem a sua força e vitalidade acabando pormorrer, sendo a segunda metade da vida já tardepara as fazer renascer. Ele reivindica o dinheiroque julga merecer ou que necessita para a suasobrevivência. Na luta nos e entre os gruposinstitucionais as questões essenciais andamassim, à volta do poder e do dinheiro. Os ideaisde ajuda gratuita, de investigação e decriatividade para uma melhoria da vida colectiva,parecem ter caído por terra. O ser humano está aseparar-se das instituições, do colectivo, e estedo ser humano. A frase de Cristo «dai a César oque é de César e a Deus o que é de Deus»,embora fosse dita num contexto próprio, pareceter hoje uma completa aplicabilidade. Asobrevivência espiritual do Homem não pode serencontrada nas velhas instituições, criadas epreparadas apenas para a sobrevivência do corpoe dos seus mais primitivos impulsos de poder.

Os conflitos institucionais revelam, oucolocam o ser humano de hoje, na sua face maisviolenta e primitiva, sem grandes escrúpulos emdestruir os seus amigos ou mesmo familiares, deusar e de abusar dos seus privilégios, de não seolhar aos meios para atingir os fins, de que asmáfias são os exemplos mais completos. Se estassempre existiram, elas coabitavam com um

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mundo onde a Moral tentava reagir e impôrlimites. Tal não acontece já nos dias de hoje.

Assim, a maioria dos seres humanos está aclaudicar neste jogo de conflitos institucionais ea adoecer, como resposta da sua incapacidade deluta aos novos desafios que estão a sercolocados. Os líderes institucionais, por sua vez,entraram neste novo jogo, mostrando-se,também eles, incapazes de apresentar novasalternativas.

É no entanto neste jogo entre padrão eMatriz Institucional que todos estes conflitos sãovividos, e é através das pessoas concretas, dos«actores institucionais», que todos estesfenómenos são vivenciados e, na sua maioria nãoconsciencializados. O aumento de consciênciados homens sobre o seu papel institucional urgeser feito, em nome da sua sobrevivência e dasobrevivência das instituições, o valiosopatrimónio da Humanidade.

A afirmação e a luta do socianalistafrancês, René Lourau, de que todo o ser humanobeneficiaria de uma Socianálise, faz-nos todo osentido. Sem este trabalho de consciencializaçãodo nosso papel de «actores institucionais»,continuamos inconscientes desse papel, sofrendopor essa ignorância, e não permitindo que aprópria instituição evolua. Esta precisa dalinguagem, dos códigos e dos meios decomunicação que só os humanos lhe podem dar

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para com eles comunicar. Só assim, elas, asinstituições se humanizam. O grande poder queos meios de comunicação social, ou de massas,adquiriram no nosso tempo, dão-nos sinal dessanecessidade. A tecnologia veio facilitar essecaminho, mas esta é apenas um meio. Elaamplia e cria novos arquivos de registo dacomunicação. Introduziu uma maior precisão,mas deixou cair todo um mundo desubjectividade, de subtis diferenças, que vaiexigir uma nova intervenção dos homens. O saltodado não foi ainda qualitativo mas apenasquantitativo.

No dia a dia institucional estas dimensõespassam ao lado da maior parte dos trabalhadoresque as vão integrando como fazendo parte do seupapel e do seu trabalho. Cada um constrói a suacosmovisão, que se alicerçou na sua infância eadolescência e que na instituição de trabalho vaiprocurar ter a sua comprovação, colocando-o aolado dos que possuem a mesma cosmovisão.Assim a ideia do que é uma instituição, porexemplo, faz parte do pré-conhecimento de todos.A nossa educação transmitia a ideia e o valor deque as instituições como a família, a escola, oEstado, a nação, por exemplo, possuíam umvalor superior ao dos indivíduos, que por isso lhedevíamos o respeito, e que éramos, perante elas,impotentes. Fomos ainda educados com umconjunto de símbolos que representavam essas

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Instituições e que na ausência dos seus lídereshumanos, as evocam: são dessa natureza asbandeiras, os hinos, os edifícios, etc. Estaconstrução colectiva à volta das suasinstituições, criou um clima de protecção e desegurança aos seres humanos que delasbeneficiam. Tocar nessas imagens interiorizadase pré-conscientes, provoca insegurança, produzmedo e reacende os mecanismos de defesapróprios de cada um de nós. Daí que, todos os«actores de uma instituição» possam delamaldizer, mas quando outros exteriores a elafazem o mesmo, esquecem as suas queixas etransformam-se em seus assanhados defensores.Esta visão é muito clara, por exemplo com osclubes de futebol, e é também muito aproveitadapelos líderes da instituição como iremos ver maisadiante.

Todo o trabalho de consciencializaçãoinstitucional é assim bloqueado por factorespsicológicos profundos que se enraízam nacultura dos grupos e dos povos. Esse trabalhofazia-se em redor da instituição, ou seja, atéagora os grupos criticavam-se mutuamentetocando aspectos parcelares da instituição e nãoa instituição na sua globalidade, criticando a suaorganização, ou a sua ideologia ou o tipo derelações humanas instituídas (as três dimensõesda Instituição). A alternância de Governos, delíderes faz-se nesta base.

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Mas na Nova Aldeia Global, como agora éconhecido o mundo, poderemos continuar apensar da mesma maneira em relação àsinstituições?

Poderemos agora no Hospital Psiquiátricoacreditar que não existe outra forma de darresposta àqueles seres em sofrimento, e quenada mais poderei fazer do que repetir todos osdias os mesmos rituais que me dão tantasegurança e tanto fastio? Estão abertas novaspossibilidades de conhecer outros caminhos, atésem se sair de casa, recorrendo à Internet. Senovos caminhos existem, o que falta então?Dinheiro! Responderão os que o possuem. Semeste e sem aqueles que o possuem e controlam,nada se poderá fazer. Esta é a «nova ideologia»alicerçada na «velha ideologia» do poder. A estaproposta os mais novos dizem «nada» e revelamdesprezo por tudo o que lhes está a serapresentado e, sem capacidade ainda para outrasalternativas, parecem refugiar-se noutro mundo,o mundo que a droga, por exemplo, lhesproporciona. Os mais velhos, em massa,ondulam conforme os ventos de mudança que osdetentores do dinheiro provocam: mudam docampo para a cidade; dos países pobres para osmais ricos; vendem-se aos donos do dinheiro;refugiam-se em grupos religiosos, políticos ououtros, fechados, que lhes alimentam a velhacrença da segurança institucional.

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Mas estamos todos, então, à procura deuma nova Ordem Social, Institucional, queparece já não mais vir por e através dasinstituições, como acontecia no passado, maspela participação consciente e actuante de cadaum de nós.

Ou seja, as INSTITUIÇÕES ESTÃODOENTES! A sua parte instituída, construída aolongo dos séculos e legada pelos nossosantepassados esgotou-se. Sem o contraponto do«instituinte», ou seja, da acção modificadora doHomem, a dinâmica institucional paralisa-se,desvitaliza-se e corre-se o risco de morrer.

O que fazemos cada um de nós, nohospital, na autarquia, na escola, no consultório,no comércio, etc.? Lutamos por sobreviver, dirão!A maior parte de nós não tem forças para maisnada! Será verdade? Onde foram, por exemplo,os portugueses arranjar as forças necessáriaspara se lançar ao mar naquelas frágeiscaravelas? Na fome dirão alguns, na fé e nacrença, e apoiados na força das ideias dos seuschefes, dirão os nossos melhores historiadores.

No entanto, assistimos já, em todo omundo, ao movimento das «matrizesinstitucionais» a acordar e a actuarindependentemente dos seus líderes. Por toda aparte, grupos de estudantes exigem um melhorensino e grupos de trabalhadores reivindicam asua sobrevivência. Embora «agentes de pressão»

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possam estar a apoiar estes movimentos, o factoé que nunca como hoje eles atingiram uma tãogrande extensão mundial e uma tão consistenteforça. Nas escolas os alunos contestam tudo etodos e os professores encontram-seenfraquecidos para lhes dar resposta.

2.3. Do Padrão Institucional

Ser o legal representante de umainstituição, seja um país, um governo, umaautarquia, um ministério, uma escola, umhospital, um clube de futebol ou uma empresa,constituiu sempre, ao longo da História Humana,a maior dignificação do homem perante os outroshomens. Para isso fazem-se os maioressacrifícios, gastam-se as energias, recorre-se atodos os meios se tal for necessário.

Representar as instituições, tem sido atéao século vinte, uma função só masculina,embora com algumas excepções bem anotadaspela História, de mulheres que pontualmenteestiveram à frente de instituições, como a doEstado.

Neste lugar e neste papel é mais visível,ainda, o carácter transcendente das Instituiçõesem relação aos homens. E é também mais visívela tentação que estas têm sido para os mesmoshomens, exactamente pela doação temporária

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que estas oferecem aos seres de setranscenderem para além do tempo e do espaço,o que a simples qualidade de ser humano nãoproporciona.

A relação dialéctica entre o instituído –aquilo que está inscrito nas memórias, nosregistos, nos códigos e na história daquelainstituição – e o instituinte – a acção humana,actual, viva que relê essas mesmas memórias,códigos, e as actualiza ou repete, é bem claraquando analisada do lado da liderançainstitucional.

Daí a grande esperança que os restantesseres humanos colocam sempre que há mudançados seus líderes institucionais, ainda que seja dainstituição mais simples, como é o caso do grupode lazer.

A autogestão ou a gestão democrática sãosonhos que o ser humano acalenta. São já umsomatório de experiências de grupos, países,ainda que limitadas no tempo e no espaço, masque já fazem parte do inconsciente colectivo.

A avaliação que o colectivo faz dos seuslíderes apoia-se nesta capacidade que o líderrevela ou não, de se separar da instituição,pondo-a ao serviço de todos, a quem a instituiçãopertence e não apenas de alguns, como tem sidoa maior tentação dos líderes. Faz-se crer, nosdias de hoje, que os líderes são depostos dosseus lugares por outros ainda mais ambiciosos, e

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que nesta alternância só está em jogo a luta pelopoder. Esta análise conduz ao desinvestimentoda maioria das populações nas suas Instituiçõesdeixando, realmente, no campo de acção apenasos que nela estão interessados, às vezes nãopelas melhores razões.

Mas também esta aparente apatia dasmassas pode estar a revelar uma mudança noinconsciente colectivo, mudança essainconsciente para a grande maioria daspopulações, mas já actuante através da «nãoacção» e da «não colaboração» com os poderesinstituídos, como tem acontecido ao longo daHistória, em que os povos chacinavam os seusirmãos, pela acção e instigação dos seus líderes,sem que estes aparecessem e mostrassem os seuverdadeiro rosto. Os seus instintos básicos eramaccionados, sem saberem em nome de quê e paraquê, como numa espécie de instinto desobrevivência. Na hora da morte violenta, éprovável que cada um exprima sentimentos derecusa dessa morte violenta e prematura esimultaneamente um desejo de vingança que éprojectado para o exterior, para o inconscientecolectivo, esperando assim, desta forma, quenum futuro qualquer esta morte injusta sejareparada ou vingada.

Depois da invenção da Imprensa, o registodestas mortes e destas injustiças, passaram aficar arquivadas. Elas já não estão apagadas no

inconsciente colectivo, mas existe a possibilidadede as reviver através dos documentos escritos eagora filmados. Existe então a possibilidade de osvivos virem a reparar as violências praticadaspelos seus antepassados, reconhecendo-se destemodo, ainda que não conscientemente assumida,a cadeia institucional a que pertencemos e queestá para além do indivíduo.

Vão nesse caminho o pedido de perdãopelos crimes cometidos no passado, pelos líderesde algumas instituições, como a religiosa.

E os desalojados, humilhados,abandonados, violentados, continuam a gritar,por todo o mundo, que os seus irmãos osreparem, os reabilitam. E são biliões e sãoséculos de História, de memórias de vidasceifadas e que esperam a sua salvação. E numaespécie de «compulsão à repetição» outros gruposvingam-se pelos seus antepassados sem dissoterem consciência. E a força da sua revoltaaumenta. A História Europeia, a que melhorconhecemos, é bem a prova do que afirmamos.Este «princípio de morte» que parece regertambém, o inconsciente colectivo, foi equilibrado,na Europa, pelo aparecimento de Jesus Cristoque veio trazer dados completamente novos paraa compreensão do mundo e do homem,introduzindo o «princípio de vida» que nosequilibra, ou nos salva da morte vingativa erepetitiva do passado. Mas esses ensinamentos,

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pela «força da inércia» continuam, passados quesão dois séculos, ainda a ser difíceis e sóaplicados de uma forma exterior pelos que a Elessão sensíveis e tocados. A força das instituições,da preservação da Vida Humana, está inscritapara além desta vida e a memória e oconhecimento individual ainda não o atinge. Só aFé – a crença profunda em algo que nostranscende – nos poderá ajudar a não deixar queas memórias tenebrosas dos nossosantepassados nos matem.

E se os homens parecem cansados dessaslutas, um novo potencial até agora defendidodessas lutas – as mulheres – parecem estar a serpreparados para entrar nessa luta. Não tem sidoem vão que as Mães, ao longo da HistóriaHumana têm assistido à morte inglória dos seusfilhos, dos seus maridos e dos seus familiares.Não tem sido em vão que as mulheres, nasguerras, têm sido usadas, indiscriminadamente,pelos soldados, na satisfação das suasnecessidades sexuais. Um novo mundo pareceabrir-se, também, neste campo.

Mas neste momento os maiores líderes detodo o mundo falam «entre si» e decidem semgrandes apoios da população. Mais ainda, oslíderes de alguns países arrogam-se o direito dedecidirem sobre a acção de todos os restantes,sem respeito pela História, nem pelasInstituições de cada País. E preparam assim a

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sua morte, sem disso parecem ter consciência.

Mas neste rearranjo institucional a queassistimos no nosso tempo o papel dos líderes vaiser novamente decisivo.

A instituição económica tomou a dianteiraa todas as restantes Instituições, tal como otinha feito a religiosa, na Europa, até à IdadeMédia. Isto significa que o critério de avaliação detodas as restantes instituições passou a serditado, comandado, por esta instituição. Ou seja,o «padrão» de funcionamento das instituiçõesapresenta características novas.

Por «padrão institucional» queremos dizer oseguinte: «Padrão é derivado do termo francês"patron" e este por seu turno é originário do latim"pater" e "pattronus". Neste sentido padrão podesignificar imitação, copiar, parecer-se com,esboçar, desenhar, planear um "padrão" para, ouprefigurar. Contudo em latim põe-se a hipóteseque o tronco santológico seja originado de "pé",que provavelmente vem do sânscrito onde pôr (asemente) teria a conotação de semear, nutrir efomentar.»[5].

O Padrão Institucional, é na nossaperspectiva, a capacidade que os novos líderes daInstituição têm, ou não, de «nutrir» de «fomentar»a semente contida naquela Instituição, e que,repetimos, se encontra contida nas suasmemórias, nos seus escritos e na sua História deuma forma insconsciente para a maioria. É

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pedido, assim, ao novo líder que «actualize» estaHistória da forma mais consciente que lhe forpossível, dando-lhe uma nova Vida. Casocontrário o Inconsciente Institucional seguirá oseu próprio caminho, a exemplo do que jásabemos com o Inconsciente Individual.

Nos tempos de hoje, esta actualização dasInstituições traduz-se em «Organizá-las», ou seja,dar-lhes um novo corpo. «Organizar vem do latim"organu", que significa "constituir emorganismo". Dispôr para funcionar, arranjar,instituir, criar.»[6]

Organizar as Instituições é a «doença» donosso tempo, e constitui a tarefa prioritária detodos os actuais líderes.

Dar assim um novo corpo às velhasInstituições, parece ser a mensagem que oinconsciente colectivo está a enviar. Deitemosfora tudo o que é velho, a começar pelas pessoas.Salvemos assim as Instituições! Para quê? Emnome de quem?

A nível individual é necessário que emdeterminado período da vida e para ascender aum grau mais elevado desta, o homem deite forao seu «homem velho», é necessário que estemorra, para que renasça para uma nova vidaespiritual. E esta foi uma das mensagens e dosensinamentos de Cristo.

Poderá estar a acontecer o mesmo com asInstituições? Neste momento histórico só vemos

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destruição. Mesmo os chamados líderes de «boavontade», preocupados com os outros e com ofazer bem, são ultrapassados nas suas intençõese conduzidos por «mecanismos de defesainstitucionais» que matam e não olham a meiospara se manter no poder.

Em todo o mundo, desde Portugal à Coreia,as Instituições que detêm os grandes meios desubsistência humana, desde os recursosnaturais, aos meios de transformação dessesrecursos, cerraram fileiras, uniram-se por partesdo globo, e defendem ferozmente esse patrimónioinstitucional, que é de todos, mas que a luta pelopoder ao longo da história lhes criou a ilusão deserem os verdadeiros e únicos donos.

Ao mesmo tempo, uma nova consciênciados direitos humanos universais toma força eleva, por exemplo, a que os empregados de umafábrica Coreana, ao saberem que irão serdespedidos, ocupem as instalações, e sejamfilmados para todo o mundo a ser espancados emaltratados pelos soldados ao serviço dos donos(multinacionais) dessa fábrica.

Neste momento, em todas as Instituições,desde a Fábrica ao Serviço de Saúde, à Escola, àFamília, o Padrão dominante, ou seja, o quevivifica, actualiza, dinamiza, dá vida àsInstituições, é esta «luta pelo poder», ou seja,esta luta pela sua posse. Tudo parece estar emcausa. Afirma-se que se está a atravessar uma

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«crise de valores». Esta consciência universal queadquirimos neste século não é património dealguns, mas os meios de comunicação têm feito otrabalho de a transmitir a todos, ainda que, porvezes, de uma forma unilateral, defendendodeterminadas ideias, países, ou ideologias. Mas aimagem que acompanha essas ideias fala por simesmo e tem mais força para o inconsciente doque as ideias, que já são um produto daracionalidade dos homens. E estas imagensvão-se espalhando. E são imagens de violência,de terror, de maldade humana, na sua maioria. Ese levam a que num primeiro momento,inconscientemente, todos se defendam, elas vão,tal como no passado, construindo estratégias dedefesa colectiva, também elas inconscientes, masque de repente eclodem através de guerras ouguerrilhas, até que uma nova ordem social seestabeleça. E a aceleração da informaçãointroduziu também uma aceleração nas reacçõescolectivas cujos contornos ainda nãoconseguimos totalmente delinear, mas quedentro em breve serão visíveis para todos nós.

Mas, no estudo da Dinâmica Institucional,voltemos a um pequeno cenário, de dimensõesniveladas à pequena escala individual, etentemos analisar, o que se poderá estar apassar num Hospital Psiquiátrico, a Instituiçãopor nós escolhida como exemplo.

Neste momento histórico português, este

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Hospital que já teve autonomia administrativa,financeira, de Poder, voltou a ficar sob a alçadado Hospital Geral, perdendo assim a suaespecificidade, a sua identidade própria, emsuma, o seu poder de decisão e de se apresentarcom características próprias.

A razão apresentada para esta alteraçãonão se prendeu com questões ideológicas, ou deprincípios, mas em nome da «rentabilidadeInstitucional», ou seja, da sua organização faceao melhor aproveitamento dos dinheiros.

Os novos ou os antigos líderes destesHospitais viram-se assim confrontados, numcurto espaço de tempo, com um controleapertado das suas contas, e com umajustificação, também apertada, de todos os seusgastos. A sua liberdade de escolha de PadrãoInstitucional até agora distribuído por três áreashumanas, e que levava a uma distinção entre asvárias Instituições, ou Serviços, como sejam: odas Relações Humanas, ou como afirmava Freud,uma prioridade à Libido, à energia transferida oudescarregada por todos na Instituição e quealguns líderes privilegiavam como meio de acçãoe de intervenção Institucional; ou o das Ideologia,o conjunto de ideias organizadas em torno daresolução dos problemas sociais, como é o casodos Partidos Políticos, ou de Grupos de PressãoSocial; e, finalmente o da Organização dessamesma Instituição, sem o que ela corre o risco de

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se desmembrar e mesmo de morrer.

Neste momento, os líderes em geral e o doHospital Psiquiátrico em particular, perderam,como dizíamos, a capacidade de escolha, quefaziam de acordo com a sua personalidade e coma pressão do inconsciente institucional sobre onível, e repetimos, «libidinal», «ideológico» ou«organizativo» que iriam privilegiar na sua acção.

São assim pressionados e confrontadoscom o darem constantemente resposta ao últimodos níveis, o Organizativo. E se disso não foremcapazes, como acontece com a maioria,criaram-se novos especialistas na matériaorganizativa, que não possuindo qualquer ideia,ou ideologia, acerca do melhor tratamento dosdoentes mentais, se encarregam dessesassuntos. São então os novos Admnistradores, asfiguras centrais da Instituição que possuem todaa capacidade de decisão sobre a Instituição, umavez que sem dinheiro nada se pode fazer. E opassado e a História Institucional está agora,mais uma vez, adiada ou reduzida a uma dassuas dimensões, a mais primitiva no sentido deprimeira, ao acto e ao facto de os homens teremjuntado e estabelecido as primeiras regras defuncionamento. Parecem ser estas regras, estamoral que está novamente em questão.

O facto de as Instituições se teremestabelecido com base na desigualdade dos seresHumanos, seja dos homens entre si, seja entre

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homens e mulheres, seja agora com as criançascom os seus crescentes dinheiros, criou sempreuma base social instável, e só sustentávelatravés da força. A maioria dos seres humanosvive alienada dos seus direitos e abaixo dascondições humanas já existentes para umagrande maioria. Mas o grito, entre outros, daRevolução Francesa: Liberdade, Igualdade eFraternidade, foi mandado para o Ar, para oInconsciente Colectivo, há já dois séculos, e estálá a actuar, a surgir constantemente como ovimos na Revolução Portuguesa do 25 de Abril de1974, e outras por todo o Mundo.

Do estudo do inconsciente individual eprincipalmente da prática clínica, sabe-se hojeque quando se começa a tocar nesseinconsciente, existe por parte deste ummovimento forte de defesa, reforçando-se eprocurando evitar incursões seja de quem for.Este movimento de defesa inconsciente actua,por um lado em benefício do indivíduo, poispreserva a sua identidade, mas também é a fontedo seu sofrimento quando os mecanismos dedefesa por ele encontrados exigem muito esforçoao eu do indivíduo, retirando-lhe capacidadespara uma interacção humana mais aberta ecompleta. Esta pobreza de investimento afectivo,por exemplo, do indivíduo é o sinal de lutasinconscientes que o esgotam, o adoecem. Arelação dialéctica entre inconsciente e consciente

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a nível do indivíduo, é já um dado adquirido paraa Psicologia Dinâmica e altamente comprovadopor longos anos de experiência clínica.

E a nível colectivo? O psiquiatra suíço, CarlGustav Jung fez um esforço sério para comprovara existência do Inconsciente Colectivo. Nestemomento, a Psicologia Arquetípica, entre outrosramos do saber, está a continuar esse trabalhotrazendo dados novos. O que sabemos nós sobreesses novos conhecimentos?

Sem este esforço de estudo e dereconhecimento dos fenómenos institucionais ecolectivos, corremos todos o risco de voltarmosao passado institucional, pois que o inconscienteinstitucional, a exemplo do inconscienteindividual, armazena as suas aquisições e volta aelas sempre que está em conflito. Os desafiosque lhe estão a ser colocados são novos, comopor exemplo, uma redistribuição dos bensexistentes por todos os seres humanos, umaparticipação e uma partilha dos poderes dedecisão, até agora nas mãos de alguns, (um porInstituição), etc.. Para estes novos desafios oinconsciente institucional responde com asvelhas respostas, parecendo estar a dizer: —voltemos à dimensão das primitivas instituições,deitemos fora os que vieram depois, estamos emperigo de morte, porque o nosso inconsciente nãopossui recursos, nem memórias para resolverestes novos problemas, provocados pela

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«mundialização» das Instituições.

Impõe-se, pois, a ajuda consciente doHomem às suas Instituições, e para issonecessita, como fez consigo mesmo, deestudá-las, pois estas estão DOENTES, ou seja,sem recursos para responder aos novos desafios.

Entretanto, assistimos a váriosmovimentos de alerta social. e voltemos aoHospital Psiquiátrico...

Os Directores destes Hospitais estão nestemomento canalizados para uma luta desobrevivência pessoal e já não Institucional. Estaé inconscientemente, a mensagem que émandada para a Matriz Institucional, quetambém de uma forma inconsciente, a capta.Então o clima afectivo, libidinal, que se vive,nesta e noutras Instituições, é de medo, deperigo inconsciente, e traduzido nasubserviência, no cumprimento indiscriminado,pela maioria, dos pedidos que lhe são feitos pelosvários tipos de chefes. Este medo pode serdescarregado, mais uma vez, através daprojecção e da pressão sobre os outros sereshumanos que se apresentam como mais fracos,ou mais susceptíveis de serem usados como«bodes expiatórios».

O Director do Hospital tem,permanentemente, um algoz, uma ameaça, umcontrolador, vigiando os seus actos e as suasdecisões. E este juiz já não avalia a justiça, ou

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injustiça dos seus comportamentos e das suasdecisões, como acontecia, num passado aindarecente, nas Instituições. Também já não estáem causa a sua capacidade de inovação daInstituição, recriando, desenvolvendo a sementeque esta lhe transmitiu, e lhe entregou. As ideiasacerca de um novo modelo de ajuda aos doentesmentais já pouco importam. O que importa é quea Instituição funcione e aos mais baixos custos.Sem isto, e sem esta atitude de cuidado do«suporte material da Instituição» ela corre o riscode morrer.

As necessidades humanas dereconhecimento das capacidades, do esforço, dosconhecimentos de cada um dos «actoresinstitucionais», não entra assim nesta «novalógica institucional». As possibilidades de«reparação» das feridas narcísicas de cada um denós e a que a Instituição dava uma novaoportunidade de serem curadas, pelo encontrocom um bom chefe, ou um bom companheiro detrabalho, ou um bom trabalho desenvolvido parae com o colectivo, ou ainda um bom climaInstitucional, que repunha uma nova imagem defamília tirando o indivíduo da solidão e doisolamento a que a sua vida familiar o tinhavotado, todas estas valências positivas dasInstituições têm vindo a ser substituídas pelo seulado negativo.

Pelo contrário, a sombra de cada um está

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também ela, sendo projectada, e desde osconflitos de posse dos territórios, como dos seusbens, como de vingança das humilhaçõespessoais, grupais e territoriais estão à solta ecriam um permanente clima de tensão e deconflito de que a indústria do armamento seaproveita.

Nenhuma Instituição se apresenta nos diasde hoje como contentora destes conflitos sociais.A própria Igreja Católica ou mesmo Protestanteparece estar mais preocupada com o seurearranjo económico do que com oapaziguamento destes conflitos.

Mas continua a não existir uma tomada deconsciência colectiva destes conflitos. Eles sãodescritos, analisados do ponto de vista das suasimplicações – sociais, políticas, económicas, etc.– mas sem existir ainda «um fio condutor», ouuma análise mais completa que permitaencontrar sinais ou caminhos de saída.

E o mesmo se passa em cada uma dasInstituições. Não existem respostas para onúmero de desempregados que aquela Instituiçãoprecisa de pôr na rua a fim de se tornar maisrentável. E os próprios Sindicatos são ineficazesnas sua propostas e nas suas lutas. E assim oDirector do Hospital deixou de ser a figurapaternal securizante que protegia os seusfuncionários, familiares e amigos. E a «cunha» ogrande meio de emprego até há pouco tempo,

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passou a ser substituída pelo «potencial deinformação» que o jovem trabalhador possui deoutras Instituições congéneres, o que permite aoempregador aumentar o seu campo deconcorrência, seja dos meios de produção ou daorganização desta mesma produção.

Assim, a «Matriz Institucional» estáentregue à sua própria sorte, transferindo parafiguras com cariz e perfil de liderança, deprotecção, as suas próprias necessidades desegurança. E os doentes, os alunos, o povo que«se arranjem» como se diz na gíria.

Mas esta ligação profunda entre os líderesda Instituição e os seus trabalhadores parecetambém ela estar ameaçada. A Instituição pareceestar a dizer que também já não necessita deles.Os novos meios de comunicação e as novastecnologias informáticas têm vindoprogressivamente a substituir o homem, mesmona chamada indústria pesada. As reuniõesinstitucionais passam-se agora «ao mais altonível», como divulgam os meios de comunicaçãosocial, ou seja apenas entre os dirigentes, oslíderes institucionais.

E as pessoas, os trabalhadores, a grandemaioria da população está a adoecerpsicologicamente. E, desde o princípio desteséculo, que a Psicologia veio em socorro doindivíduo, criando nos Estados Unidos daAmérica, por exemplo, mais de 500 técnicas

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psicoterapêuticas.

Mas estas, centradas no indivíduo, etentando a todo o custo que este se adapte àsnovas circunstâncias sociais, não resolveram osproblemas existentes e, mais ainda, agravaram oindividualismo do povo americano, como o afirmao psicoterapeuta junguiano James Hilman eMichael Ventura, no seu livro: Cem anos depsicoterapia e o mundo está cada vez pior[7].

E se até agora, os líderes da MatrizInstitucional: o Chefe do Pessoal na Empresa, oDirector Clínico no Hospital, a Presidente doConselho Directico na Escola, o Chefe dosServiços Admninistrativos na Repartição Pública,o Treinador no Clube de Futebol e outros líderesda Matriz ocupavam lugar de destaque não sópelas competências que lhe eram atribuídas,como no papel de decisão e de contacto com ostrabalhadores, estas figuras tendem adesaparecer e a ser substituídas pelos«conselheiros do Presidente», ou por um conjuntode técnicos que organizam a informação epreparam os «dossiers», para que os chefes, nasreuniões «ao mais alto nível», decidam entre si. Aforma como o Governo Americano funciona édisso um exemplo, e o mesmo já se está averificar com a Comunidade EconómicaEuropeia.

Na Dinâmica Institucional, e a exemplo doque se passa na Dinâmica do Indivíduo, este

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reforçar dos mecanismos racionais, conscientes eprodutivos da Instituição, trouxe uma repressãodos seus mecanismos históricos, impulsivosdesde o seu «acto fundador», e afectivos,libidinais, vividos ao longo da sua vidainstitucional.

O Hospital Psiquiátrico funda-se após umlongo período de vida colectiva, de séculos, emque alguns seres que apresentavamcomportamentos diferentes da maioria eprovocavam reacções aos restantes membros,foram sendo entendidos e compreendidos poralguns, ou por estes encontrada uma soluçãoque os defendesse do incómodo provocado pelasua diferença. Nesta procura de solução colectivapara esta situação que provocava perturbação esofrimento, deu-se particular atenção aoconjunto das ideias em vigor nesse colectivosobre a forma como entendiam esses seres, e àreacção afectiva positiva e negativa em relação aeles. E tudo isto está armazenado nas memóriasdesta Instituição de Saúde. Neste momento, nadadisto parece estar presente nos discursos e nasacções dos líderes dos vários níveis institucional.Se um Director Clínico vem defender umadeterminada técnica terapêutica ou umaorganização mais adequada à cura dedeterminados doentes, logo a primeira questãoque terá a defender será a dos «custos» dessaproposta. E esta linguagem é de tal maneira já

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aceite e difundida que quase ninguém aquestiona.

E se as soluções encontradas são umretrocesso ideológico, parece que não produzqualquer impacto junto dos líderes, desde o líderInstitucional, aos do mais alto nível, como nocaso dos membros do Governo, ou mesmomultinacionais.

Assim a «Matriz Institucional» vê-seconfrontada com um Padrão que se pragmatizou,ou seja, que usa essencialmente umacomunicação digital, defensiva, que se rodeou deuma parafrenália de métodos e de processos deregisto e de avaliação, e que em última instância,só está preocupado com uma avaliaçãoquantitativa, estatística e económica dosresultados obtidos. E esta Matriz ou elegetemporariamente, entre si, um líder que assumeas funções parentais securizantes e necessáriasao funcionamento institucional, iludindo assim asua «angústia de abandono», ou se identifica comeste Padrão pragmático, o que não é compatívelcom todo o tipo de personalidades, e cria a ilusãode vir a ser promovido e a ocupar lugares dechefia, não olhando a meios para o conseguir, eproduzindo todo o tipo de traições para com osseus pares; ou ainda, tal como numa família emque os pais não estão disponíveis para aeducação e o afecto dos filhos, estes entram emprocessos constantes de conflito e de agressão,

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criando bodes expiatórios, descarregando entre sia enorme «angústia de abandono» que todo o serhumano experimenta quando as suasnecessidades afectivas básicas e espirituais nãosão satisfeitas, vivendo-se nas Instituiçõesautênticas novelas.

Acreditamos que só a separação entre aInstituição e nós mesmos, indivíduos, nos podepermitir superar esta angústia e avançar noconhecimento de nós mesmos e das Instituições,por mais elementares que elas sejam. Criar estadistância, tal como o fazemos em relação a nósmesmos quando nos analisamos, nos estudamos,é a primeira condição no estudo das Instituiçõesque nos rodeiam, no estado actual da nossacivilização. Caso contrário, somos engolidos porelas, tal como tem até agora acontecido, dado opoder da sua força inconsciente acumuladacomparativamente com a do insconscientepessoal.

Mas, para que este conhecimento seprocesse de uma forma que sirva de paradigmapara os outros seres humanos torna-senecessário, no estado actual de desenvolvimento,apresentar uma metodologia que torne acessívela todos este conhecimento e o valide.

Sigmund Freud, apresentou o seu métodoque designou por Psicanálise, para oaprofundamento e o estudo dinâmico do serhumano. As componentes essenciais deste

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método residem na descoberta, através doestabelecimento de uma relação forte com umapessoa desconhecida que se dispõe a esseestudo, o analista, de tudo o que a pessoatransfere para esse écran humano, que se tornao analista. Ao primeiro fenómeno Freud chamoude «Transferência» e ao segundo de «Análisedessa Transferência». É pedido ao primeiro, oanalista, que seja o mais neutral possível, e aosegundo que transfira para o primeiro tudo o quese passou significativamente ao longo da suavida. Para isso criam-se condições quaselaboratoriais: os dois não se conhecem de partealguma; o analista tem um estatuto de poder e desabedoria que dá ao analisando a crença de seencontrar perante um ser omnipotente, tal comose supõe acontecer nos primeiros tempos de vida,regredindo-o assim facilmente a esse período davida. Ambos, analista e analisando têm emcomum uma tarefa: restituir à vida as partes doindivíduo que se encontram em grande conflito eque não permitem que este viva em paz ouusufruindo o melhor que a vida lhe pode dar.Aqui, a doença é substituída por «melhorqualidade de vida» e a Psicanálise apresenta-se,essencialmente, como um método deautoconhecimento e não como um método decura de algo que está doente ou que adoeceu noindivíduo. É assim um método que se apresentaao indivíduo como um meio de evoluir, através deum distanciamento consigo mesmo, ajudado por

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um outro indivíduo.

Nas Instituições já existem métodos deanálise que, desde os anos sessenta, vêmensaiando a sua metodologia, como é caso daSocianálise de René Lourau e George Lapassade,sociólogos franceses, e dos Institucionalismos,proposto por Gregório Franklin Baremblitt,psiquiatra argentino, radicado no Brasil, emuitos outros.

Importa talvez salientar que o essencialdestes métodos reside no facto de se considerar aInstituição como uma "entidade" diferente dasoma dos indivíduos e dos grupos que acompõem, tal como temos vindo a tentardemonstrar. Que uma vez pertencendo àInstituição, mergulhamos nela, ficando com umacapacidade limitada de distanciamento e pelocontrário colocamos a Instituição ao nossoserviço. E que sem a ajuda de um interlocutorexterior à Instituição, a exemplo do que acontececom o indivíduo, repetimos inexoravelmente omesmo tipo de raciocínios, de comportamentos,de análises, de atitudes. Entramos, assim, noinconsciente institucional, muito mais complexoque o inconsciente individual, que nos podearrastar para caminhos, comportamentos eatitudes contrárias às que defendemos, comoassistimos constantemente com os nossospolíticos.

Desde os anos setenta, e essencialmente

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com a Revolução do 25 de Abril de 1974, que setornou claro para muitos de nós, que nasinstituições existem planos diferentes,interactivos, sendo temporariamente aInstituição liderada por um dos planos.Passamos a exemplificar.

2.4. Do «Suporte Institucional»

Uma instituição existe quando faz partedela um conjunto de normas, de pautas, e dearranjos dessas pautas segundo a organizaçãogeral dessa sociedade. A Instituição família, nasociedade ocidental, é constituída por umconjunto de valores e de normas acerca desseagrupamento humano, mas também de regraspróprias: a validação do casamento, dapaternidade, dos bens, etc., inscritos no Códigoda Família, e este por sua vez no Código Civil,como muito bem estuda a Antropologia.

A este plano chamamos de «suporte formalda instituição», o que para os analistasinstitucionais constitui o «instituído»; asmemórias, as vivências, e os seus registos,adquiriram ao longo dos tempos uma formaprópria, organizada, codificada, que se apresentanos dias de hoje sob essa forma, a qual estáainda interdependente da organização total dessamesma sociedade. Para além desta parte visível,

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instituída, existe ainda a sua «Sombra», o queestá recalcado e reprimido ao longo dos séculos eque tem vindo a ser excluído por e através dessamesma forma organizada e instituída. Noentanto, o primeiro acesso que temos àInstituição é através desta sua parte organizada,codificada e arranjada já segundo uma pautahumana. O «suporte formal» da instituição estápara a instituição enquanto «ente», como está oEgo para o indivíduo. É com e a partir deste«suporte formal» que começamos o primeirodiálogo com as instituições. Assim ele a classificade «Empresa», «Instituição de SolidariedadeSocial», de Tribunal, etc., e esta classificaçãoimplica uma série de direitos e de obrigações porparte dos seus participantes, como também acoloca na hierarquia das Instituições sociais,revelando assim o grau de importância que ocolectivo lhe atribui, ou que a História lhedeterminou.

Deste «Suporte formal» da Instituição fazemparte: o registo dos seus objectivos e a forma deorganização que optou por os alcançar e que sedesigna por "Estatutos" da Instituição seja ela deque tipo for; mas, este registo só por si não dávida social à instituição, pois ela precisa de um«espaço» próprio para dar cumprimento aos seusobjectivos, espaço esse que nas instituições temjá um nome próprio – a sua sede – nesta «sede»os seres humanos que vão dar vida humana à

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instituição têm que se «organizar», ou seja, quedistribuir entre si os vários tipos de tarefasnecessárias para o cumprimento dos objectivosque a instituição se propôs alcançar, assim comoa hierarquia de poder de decisão dentro dainstituição, ocupando esta organização, nos diasde hoje, a parte central do «Suporte Formal daInstituição». Existe ainda uma outra dimensão, oimportante deste «Suporte Formal da Instituição»que diz respeito aos dinheiros, ou como sedesigna institucionalmente, ao «Orçamento» dainstituição, constituindo este, a par daOrganização, a maior preocupação dos dias dehoje. Com este Orçamento é pressuposto que sefaça uma boa gestão de forma a que existapoupança e justiça social. Finalmente, faz partedeste «Suporte Formal da Instituição» um sistemade controle aos vários níveis: das presenças, dosdinheiros, das funções, dos papéis, doaproveitamento espacial, de forma a verificar sese mantêm de acordo com os objectivos e aHistória Institucional, sendo os desvios a estepadrão passíveis de punição.

O código moral da Organização Social, quese realiza através e pelas suas Instituições,encontra-se bem expresso no "Suporte Formal"dessas mesmas Instituições. Se analisada essamesma sociedade através dos seus códigos:"Constituição", Governo,Tribunais, OrganizaçãoCívica, etc., verificamos que o grau de

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desenvolvimento atingido pelos colectivos é jáelevado. A prática humana, ou seja, a formacomo os seres humanos vivem nessa e com essarealidade Institucional, é que desvirtua, altera,modifica, e faz perigar por vezes, essa mesmarealidade Institucional. A razão atribuída a estasalterações institucionais tem sido encontrada nofraco desenvolvimento humano individual, nosseus impulsos primários ainda muito próximosdos animais, o que tem levado à procura de ummaior desenvolvimento humano de forma a quecorresponda a estas expectativas sociais criadaspelas instituições. São estas e em nome destasque os indivíduos têm procurado a sua melhoria,a sua evolução. Em suma, são elas, asinstituições, que têm pautado a vida de todosnós. São elas que nos premeiam e nos castigam.Só, e repetimos, o lento e omnipotente acordar doHomem lhe tem dado a noção de que esta, ainstituição, é obra sua.

No entanto, sem a presença e a acção doser humano a Instituição não se realizava, não secumpria. Tal como sem o coração o homem dehoje não vivia, também sem os homens aInstituição não existia.

É de tal forma já visível o tipo de relaçãoentre as Instituições e os seres humanos que ashabitam, que se designam os vários extractos dasua Organização por Corpos Sociais e aosrespectivos indivíduos que compõem esses

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corpos por Membros.

E esta relação entre Instituição e serhumano é também ela, a e exemplo do que sepassa com o indivíduo, uma relação dialéctica. Ocorpo humano, sem a presença vivificante doEspírito, torna-se mecânico, cumprindo os seusrituais e dando satisfação às suas necessidadesimpostas pelo próprio tipo de funcionamento.Assim o ser humano pode apenas estabeleceruma relação dialéctica com o seu corpo, o seu«suporte formal», preocupando-se com o bomfuncionamento dos seus membros, órgãos, dosseus sistemas – respiratório, sanguíneo, etc. –que no entanto lhe é insuficiente para lheproporcionar uma vida que considere mais plena,pois que a verdadeira relação dialéctica passapelo diálogo e pela interacção com o Espírito,uma instância não material e não visível ao serhumano, mas que a vivência dessa relação lhe dáa real comprovação da sua existência, tal como aausência desta relação dialéctica dá à vida umsentimento de incomplitude, de vazio, deinsatisfação permanente como de algo que já seviveu e se perdeu, ou a que se aspira atravésdum padrão existente, algures, em nós.

Nas Instituições algo de semelhante sepassa. O «espírito da lei», como se usa dizer, estálá, mas é necessária a leitura e a interpretaçãodos seres humanos para que ela viva e actueentre esses mesmos seres humanos. Caso

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contrário ela, lei, fica «letra morta».

As Instituições precisam tanto dos sereshumanos, como estes delas. Fica no entanto emaberto, porque ainda desconhecida, toda adimensão Institucional, para além das memórias,das vivências, e da construção desses mesmosseres humanos que lhe foram dando vida, aolongo da sua existência humana. As Mitologiasfalam-nos de Deuses que vivem a sua vidaatravés e com os Humanos. A nossa culturainvalidou este conhecimento dos antigos.

Neste momento o confronto entreInstituído (onde predomina o passado) e oInstituinte (que se realiza no presente) parece teratingido o seu ponto máximo. A Instituição,enquanto ente, ou entidade que está para alémdos homens, parece ter-se separado destes eprocurado o seu caminho que consiste naaquisição de uma mais valia económica que lhepermita sobreviver por longo tempo sem a acção,ou a dependência dos homens. Para estasobrevivência Institucional são precisos poucoshomens. Os outros são, ou parecem ser, nesteperíodo histórico, para ser destruídos. As guerrase as drogas têm-se encarregado de realizar estamissão. A revolta contra as Instituições, sejamelas o Estado, o Poder Político, o Religioso, ououtro há muito estabelecido, propagam-se portodo o mundo. O Padrão Institucional já não ascontém nem parece muito vocacionado para esse

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trabalho, como o fazia em tempos passados. Umlíder substitui o outro líder num movimentoconstante que não traz qualquer melhoria àscondições de vida das Matrizes Institucionais,nacionais e mundiais. As Matrizes estão soltas,violentas, exigentes, fundamentalistas, e pareceque nada as detém. Neste clima, e a exemplo doque a História nos tem comprovado, estão a sercriadas condições para o aparecimento de «falsossalvadores», que se revelam posterioresditadores, a exemplo do que estamos a observarcom os movimentos religiosos que têm vindo aaparecer, e que se têm vindo a transformar emautênticas máquinas de «fazer dinheiro». Oarmamento existe por todo o lado de uma formaindiscriminada e sujeito a ser usado de forma apoder destruir uma parte da Terra.

A tensão entre os dois opostos maisvisíveis na Organização Social – o Homem e aInstituição – parece estar a atingir o seu ponto deruptura, como tem acontecido ao longo daHistória Humana. Esta crise entre os opostosrevela o seu dinamismo e é condição necessáriapara o seu desenvolvimento. Ela não tem sidovista no seu lado positivo, mas essencialmentepelo seu lado negativo pela desorganização eansiedade que provoca nos seres humanos queescrevem a História e que a encaram,essencialmente por um ângulo materialista,individual e destrutivo das suas aquisições

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pessoais. Para os que nada têm estes conflitossão fontes de descarga da sua revolta e dos seussentimentos de injustiça, e por isso não seimportam de enfileirar nos lotes de soldados quesão aliciados para repôr a justiça social.

Esta tensão máxima entre os opostospoderá ser o anúncio dum novo equilíbrio, pelavolta no seu contrário que esta tensãonecessariamente provoca, a exemplo da tensãoentre inconsciente e consciente a nívelindividual. Existe o risco desta tensão provocar amorte da vida social, e de voltarmos aos temposprimitivos, onde sobrevivem apenas alguns, comonos relata a Bíblia com a lenda da Arca de Noé.

Será possível que com o grau deconsciência que o Homem atingiu tal se possaverificar? Está o Homem a tentar desafiar, maisuma vez, as Instituições e estas a colocá-lo nasua real e diminuta dimensão? É assim querelata a Bíblia dos Católicos: Adão e Evatentando possuir dons que estão acima dos queDeus lhes tinha atribuído e por esse facto, dedesobediência, tiveram que sofrer um castigo quese propagou para toda a sua espécie.

Esta dimensão transcendente dasInstituições é ora aberta e clara para osHumanos, ora escondida e inexistente para essesmesmos humanos, ainda que em épocashistóricas diferentes.

Ao valorizarmos, no presente, a

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Organização da Instituição, o seu Corpo, estamosa esquecer e a obstruir a sua Alma e o seuEspírito.

O Suporte Formal da Instituiçãoaparece-nos como prioritário sobre tudo e sobretodos e a impôr-se de tal forma aos sereshumanos que não lhes podemos atribuir a totalresponsabilidade, até porque o livre arbítrio dosactores institucionais é ainda muito limitado pormuito que se queira ou tente acreditar nocontrário.

A «Sombra das Instituições», ou seja aquiloque elas foram acumulando através da repressão– pela não aceitação, ou não integração nocolectivo – acumulada ao longo dos séculos eactiva nas suas memórias, exige um novotrabalho de reformulação com a participação dosseres humanos sem os quais a Instituiçãoretomará os caminhos que já conhece e já trilhouao longo da História, e que se têm traduzido numdesenvolvimento, embora lento, destas mesmasInstituições.

Neste momento Histórico, apenas, e maisuma vez, um grupo pequeno de homens conduzas Instituições. Se, no passado, esses homenseram escolhidos através de uma descendência desangue e de famílias que os preparavam paraesses cargos, como com as Monarquias ou comas Tribos, assistimos hoje à passagem do poderpara os homens que detêm o maior número de

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bens materiais, os chamados Capitalistas. Anova Instituição que preside aos destinos dasrestantes, e como já afirmámos, se no passadohistórico ainda recente foi a Igreja para o mundoocidental, passou a ser no nosso século, aEconomia. E se esta precisou do Estado para asua reorganização, neste momento está aprescindir dele. E todos aqueles que dedicaram asua vida ao Estado reclamam deste umaretribuição. Outros, mais argutos, empoleiram-senos poucos lugares que nesta transição aindasão necessários, lutando pela «manutenção» dosseus lugares a qualquer preço. E os muitosoutros, a maioria, ficam «nos sem abrigo» ouvoltam às suas origens cultivando a terra, comoestamos a observar com muitos políticos Russose que noutros países os seguiram, ou buscamformas novas, alternativas à vida colectiva atéagora vivida.

Em suma, este novo século que se avizinhavai trazer uma tal alteração à vida colectiva quese poderá falar da viragem de uma nova páginada vida social, tal como as profecias, na nossacultura, já anunciavam: «A dois mil chegarás, dedois mil não passarás», (dois mil refere-se ao anodois mil da cultura ocidental).

O novo Padrão Institucional será ditadopelo materialismo económico, estando o «menorcusto» e a «máxima rentabilidade», como osvalores essenciais a alcançar, tanto Institucional

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como individualmente. O dispêndio com atecnologia será prioritário, em detrimento dosgastos com o investimento nos seres humanos.

O novos Suportes Institucionais serãoobjecto de uma atenção privilegiada, de forma atornaram ainda mais flexíveis e mutáveis asInstituições.

As Matrizes Institucionais, em reduzidonúmero, terão ainda mais a seu cargo aresponsabilidade de refectir e de alterar, pelaAcção Instituinte, o percurso que as Instituiçõesestão a percorrer, podendo continuar aconscencializá-las do seu percurso e da suahistória.

Às minorias cabe ainda um papelimportante na alteração da vida colectiva.

Aos líderes das Instituições, enquantohumanos que lhes dão expressão e vivênciatemporal, cabe, tal como em todos os tempos, omaior grau de responsabilidade pelo grau deconsciência que adquirirem ou não, do seu papelde perpetuarem um sistema institucional onde sócabem alguns, como no início dos tempos, ou dea alargarem a todos os seres, como a novaconsciência individual e colectiva o exige. A velhamáxima: «De que lado estás: dos trabalhadoresou dos patrões?", considerados estes como osvelhos detentores das Instituições, adquire toda asua amplitude.

Entretanto, todos os valores espirituais que

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a Humanidade alcançou terão que serpreservados por alguns, outros tantos, que foradesta sistema amplamente organizativo eeconómico, continuarão a exemplo, também dopassado, a passar o testemunho aos vindouros,na esperança de uma vida social, entretantomundial, mais justa, mais equilibrada, e maissegura do ponto de vista da sobrevivênciamaterial, que a Humanidade actual ainda nãoconseguiu.

Estão ainda em jogo, neste nosso tempo,as condições materiais de vida humana: umacasa para todos; alimentação para todos; saúdepara todos; educação para todos.

A Humanidade tem crescido de uma formaassimétrica, essencialmente pela desatenção queos humanos têm dado às suas Instituições e nãopelo seu egoísmo como têm tentado provar,culpabilizando assim, o ser que nasce, passadosdois, três, ou mais séculos, por tudo aquilo querecebe e para o qual, do ponto de vistaconsciente, nada contribuiu.

É possível que esta etapa de crescimentocolectivo seja necessária para que todosusufruam das condições de vida básicas sem asquais é muito difícil atingir níveis mais elevados,sejam eles considerados do ponto de vistaestético, ético e espiritual. Se até agora algunsseres conseguiram atingir esses níveis nãopossuindo as condições básicas essenciais, isso

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parece dever-se a uma determinante colectiva,arquetípica, existente no colectivo que o conduz eo encaminha para níveis cada vez mais elevados,para um sentido que a mente actual ainda nãoatinge. Estes têm sido os «porta-vozes», osMestres e outros virão até que a Humanidadetenha atingido os níveis que esta espécieencarnou.

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Terceiro Capítulo

1. As Instituições Estão Doentes

Para falar de doença institucional temosque ter um paradigma a partir do qual seestabeleça um padrão tal como acontece com oindivíduo.

De tudo o que já foi exposto poderemosapresentar, em síntese, os elementos essenciaisde constituição de uma Instituição, mais oumenos saudável.

Retomemos um exemplo prático econsideremos o Hospital Psiquiátrico, jáapresentado ao longo destas páginas.

Após o 25 de Abril de 1974, assistimos àentrada em Portugal de um elevado número deideias, de informações, de conhecimentos e decontactos que permitiram uma abertura dosvários sistemas Institucionais e umareceptividade ao novo que dinamizou todo otecido social.

No Hospital Psiquiátrico a relaçãomédico/doente sofreu a influência positiva das

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ideias freudianas, assim como todo o Hospital sedinamizou com base nas experiências realizadas,essencialmente em França, sendo a Instituiçãoconsiderada como um todo e como um agente decura. Passaram-se a fazer reuniões a todos osníveis, sendo este o meio privilegiado decomunicação. Criaram-se clubes para osdoentes, e estes passaram a participaractivamente na vida do Hospital. A TerapiaOcupacional ocupou um lugar de destaque, e porexemplo no Hospital Miguel Bombarda, emLisboa, os trabalhos de encadernação feito pelosdoentes adquiriu um alto grau de perfeição e deprestígio. As relações institucionais eramagradáveis e a preocupação com o espaço eracomum. As rivalidades entre os gruposprofissionais foi transferida para o exterioratravés da preocupação de, em Congressos eoutra reuniões científicas, se apresentar umaimagem cuidada do trabalho realizado na e pelaInstituição.

Esta dinâmica Institucional, onde a sua"Unidade Positiva" era vivida não era patrimóniodo Hospital Psiquiátrico, mas de quase todas asInstituições. A «Transversalidade Institucional»foi uma experiência a que todos os Portuguesestiveram acesso num período situado entre o 25de Abril de 1974 e o princípio da década de 80ou, mais concretamente, até à entrada emPortugal do Fundo Monetário Internacional em

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1985.

Mas a «Sombra da Instituição», ou sejaaquilo que ela reprime, nega, projecta e recusa aconsiderar como seu, mas que vai fazendo partedas suas memórias, espreitava por todo o lado.

Esta «Sombra» no Hospital Psiquiátricoestava contida na situação familiar dos doentesque se recusava a recebê-los uma vez que estesentravam no Hospital. O Negativo destaInstituição, ou seja, ela transformar-se numdepósito, num asilo de doentes mentais, eraconstantemente trazido para as reuniões esistematicamente adiado e empurrado para asAssistentes Sociais, que impotentes para lhes darresposta, mas incapazes, até por afirmação edignidade profissional, não conseguiamencontrar apoio nas equipas.

O mesmo se observava também nasEscolas de Ensino Especial para as criançasdeficientes. Os técnicos conseguiam atingir altograu de recuperação das crianças deficientes, porexemplo, das crianças cegas, mas o trabalho comas Empresas e futuros locais de trabalho erasistematicamente adiado ou, mais um vez, sóentregue às Assistentes Sociais. O tempo veioprovar que grande parte deste esforço poucoresultou, uma vez que a mentalidade dosempregadores continua a ver a criança deficientemais como um empecilho, estendendo a suadeficiência a todas as áreas da vida do ser

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humano, o que os técnicos tinhamexperimentado e vivenciado como uma visãoerrada, mas que não conseguiram transmitir aopúblico em geral.

Esta dualidade entre positivo e negativo,entre bom e mau, entre certo e errado, entre sãoe doente que está ainda impregnada na vidaindividual e social, não permite ver as nuancesentre estes dois polos e faz-se sentirprofundamente nas Instituções. A doença éassim vista como o profundo desequilíbrio paraum dos lados que, tal como os pratos dumabalança se desequilibram se um dos pratos estádemasiado carregado. A força dispendida naprocura deste equilíbrio institucional tem sidomuito grande e realizada através de sucessivosdesequilíbrios tal como estamos hoje a observar.

A queda da Bolsa de Valores a que estamosa assistir em Outubro de 1998 e que parece batertodos os recordes, torna visível para todos odesequilíbrio que as Instituições estão a sofrerpela emersão do seu polo negativo e pela«transversalidade institucional», a que os meiosde comunicação nos facilitam agora o acesso. Àtotalidade institucional em permanenteactividade dinâmica, ora positiva, ora negativa,acrescenta-se a Interactividade InstitucionalMundial também ela, e por enquanto, positiva ounegativa.

Acreditamos que a tomada de consciência

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por parte dos seres Humanos destas forças empresença poderão evitar que nestes períodos decrise tantas vidas humanas sejam sacrificadas.

E as Instituições estão doentes não só pelapolaridade negativa que estão a viver, masporque esta obriga a que mecanismos de defesaanteriores voltem a actuar para salvaguarda dasua existência. Ora estes mecanismos de defesaestão desadequados em relação aodesenvolvimento individual e grupal até entãoatingido, uma vez que este tem sido maisacelerado que o desenvolvimento Institucional.

A Empresa, por exemplo, adquiriu níveis deorganização e de consciência de todos,empregadores e trabalhadores que levou àexistência de contractos colectivos de trabalho,onde as condições de vida dos trabalhadoresnaquela Instituição se tornaram mais dignas secomparadas com o início do século e muitíssimomais se comparadas com os direitos dos servosda gleba na Idade Média. Houve realmente umaevolução na consciência da igualdade e dadignidade do ser Humano.

Esta consciência, tal como já apontavaCarl Marx, não está ainda ao mesmo nível emtodas as partes da Terra, o que não tardará aacontecer. Este desnível mundial tem sidoaproveitado pelas Instituições para fazer o menoresforço possível indo, de país em país, à procuradas condições mais primárias de existência e

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onde o desenvolvimento humano também émenor.

Aí tem sido preponderante o papel doslíderes institucionais ou a força institucionalreprimida e obscura é ainda maior empurrandotudo e todos?

Se assim é, então qual é o papel doslíderes?

Estas afirmações poderão ser consideradasimpertinentes para os grandes homens doCapital ou para os milhares de técnicos e depolíticos aos vários níveis, que estão à frente dasInstituições e que nelas lutam, todos os dias.

Nesta luta institucional os líderes sãopossuídos por uma força que os leva a considerarnão só que as acções mais importantes decorremda sua intervenção e do seu papel, como todos etudo o que bloqueia a sua acção são inimigos aabater por prejudicar o seu trabalho. Estacapacidade de analisar o obstáculo como umalição para dela extrair um ensinamento noavanço do caminho, que tão sábia é na evoluçãoindividual, não tem ainda o seu paralelo na vidaInstitucional. Nesta, todos os obstáculos sãovistos como ameaças, o que tem levado algunsanalistas a considerar o registo institucionalcomo psicótico, ou seja, muito primário dentro daevolução humana.

O facto é que é em nome destasdesconfianças, destes medos, destas paranóias,

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que se têm construindo armas de guerrapoderosas e serviços secretos de toda a espécie.

O maior trabalho dos líderes institucionaisé gasto e ocupado na montagem e análise dasestratégias para a manutenção do seu poder econsequentemente no abate de todas as pessoase movimentos que se lhe opõem. Cada decisão éanalisada essencialmente através das reacçõesque vão provocar nos seus opositores, e agora,pela acção dos meios de informação, peloimpacto nas populações atingidas, as quaisservem como reforço ou ataque, às suasdecisões.

A luta pelo poder e a manutenção destetem sido a acção privilegiada de todos os líderesinstitucionais desde todos os tempos.

Assim o princípio de vida, inconsciente,que parece reger as Instituições, é a suamanutenção, a qualquer preço. E o dirigente pormelhor intencionado que seja com uma ideologiade esquerda, ou cristã, profundamentehumanista, passado algum tempo depermanência no seu posto de comando, está acometer as mesmas atrocidades que os seusantecessores.

A este «princípio de vida» opõe-se o«princípio de morte», sempre latente, e no casodas Instituições, identificado com tudo e todos osque se lhe opõem.

Se esta polaridade tem vindo a ser

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ultrapassada através do que se convencionouchamar «acordos», «convenções», «contractos»,etc., neste momento, este crescimento pareceestar numa fase involutiva e a «lei do mais forte»novamente a imperar.

E tanto a altos níveis, nacionais einternacionais como no pequeno Serviço de umacidade de província portuguesa, as intrigas, oscompadrios (a aliança por troca de favores), asestratégias para abater o «inimigo», ocupam egastam todas as energias dos actoresinstitucionais, nomeadamente, dos que têmlugares de gestão e de chefia.

E assim, a produção tem baixado, não sóporque os trabalhadores estão mais conscientesdos seus direitos e exigem cada vez mais arecompensa pelo seu esforço, como os própriosdirigentes estão exauridos por tantas lutas e portanto esforço.

Mas as Instituições, enquanto entes aindainconscientes, e portanto ainda irracionais eamorais, continuam a exigir o esforço doshumanos para a sua salvaguarda, mesmo àcusta de milhares ou de milhões de vidas. Eestas mortes ficam a dever-se à acção do chefe Aou B, mas este sabe que naquela altura a suaacção foi comandada por forças que lhe ditaramtoda uma lógica e uma coerência que lhe deramtoda a segurança para realizar aquela acção, econsiderá-la de vital importância. O depoimento

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dos grandes ditadores, ou dos homens queestiveram à frente de acções de morte em nomeda Nação, por exemplo, no Fascismo, comprovamestas afirmações. É sabido que o grande meio derecurso dos dirigentes, sejam eles políticos,empresários ou líderes religiosos e outros é a suaIntuição. Ora esta é uma capacidade humana dedifícil definição e mesmo de entendimento. Oindivíduo sabe que naquele momento a acção, ocaminho é aquele e não outro, e este impõe-sepor si mesmo sem recursos a análises oupensamentos lógicos e dedutivos.

E para cada momento histórico aInstituição necessita de homens diferentes e comcapacidades diferentes. E se no passado esteprocedimento por parte das Instituições chocavaos seres humanos, tentando estes através decondecorações (medalhas, fitas, e outrossímbolos) agradecer, ou relembrar, a acçãodestes homens, actualmente tudo isso está aperder significado e a acção dos chefes é, pelocontrário, objecto de constante ameaça edesconfiança, estando a ser observados até à suavida mais íntima, como aconteceu de formaexemplar com o Presidente dos Estados UnidosBill Clinton.

A aliança entre as Instituições e os homensparece estar a quebra-se e estas a actuarem porsua conta e risco.

Continuamos a acreditar que por detrás

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das Instituições existentes se encontram seres,ou outras memórias invisíveis, cujo poder émuito grande!

Continuamos a acreditar que asInstituições são também uma construçãohumana e que o homem tem poder sobre elas!

Não podemos crer que estas memóriasinconscientes tenham mais força que oshumanos, e que necessitem deles apenas para seactualizar!

E as Instituições estão doentes porque asua evolução está a ser muito rápida, correndoriscos de se desintegrar. Nesta luta desobrevivência, as Instituições só precisam dealguns homens, os que intuem o seu esforço desobrevivência, a sua luta contra a morte. Esteshomens dão-lhes a vida a troco de dinheiro,muito dinheiro, constituindo este um meio detroca que os condenar à morte, a prazo, até pelaexaustão.

Neste momento histórico, só 18 % doshomens possuem toda a riqueza do mundo. Aseparação entre Instituição e o ser Humano está,talvez pela primeira vez, a dar-se e pela acção daprimeira. O indivíduo tem vivido sossegado etranquilo à sombra das Instituições que jáexistiam quando este nascia. Se não haviaresposta para todos acreditava-se que seria umaquestão de tempo e de evolução das Instituições.Hoje os que persistem nesta atitude engrossam

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as filas dos «sem abrigo». Os mais conscientesdestas mudanças voltam a cuidar das suasnecessidades básicas, como estamos a observarcom os muitos políticos Russos que voltarampara o campo e tratam da sua subsistênciaeconómica.

E em todas as Instituições, desde aTransnacional ao Estado e deste ao Hospital e aopequeno Serviço ou Estabelecimento, como aEscola ou a pequena loja de comércio, vive-se umclima de luta, de confronto, de destruição, emtoda a parte do Mundo.

Todos pressentem estas mudançasprofundas que se vão operar e agarram-se, comonáufragos, às embarcações que abrigaram osseus antepassados.

Os mais novos já não respeitam os maisvelhos porque intuem que o seu saber já nãoserve para este novo período histórico. E os maisvelhos deitam fora a sua experiência de uma vidaporque também estes intuem que a sua vida jánão tem repetição ou evolução, como aconteciano passado.

E fala-se então de «crise de valores», paranão se falar de uma nova Ordem Mundial, cujoscontornos ainda desconhecemos.

Não se quer olhar para o fenómeno dosmilhares de seres que se drogam até à morte eque manifestam um total desprezo ouinsensibilidade por este nosso mundo e por todos

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os valores que se construíram. A Psicologia, aSociologia e outros saberes tentam encontrarexplicações, justificações. Mas a essência dofenómeno em si mesmo ainda nos escapa.

Sabemos que esta Nova Ordem Mundial játem rosto, pois que a riqueza está concentradaem homens concretos.

Senão vejamos: «As fortunas dos 225homens mais ricos do mundo são equivalentes aorendimento anual dos 2,5 mil milhões dehabitantes mais pobres do planeta, cerca de 47%da população mundial. Só os três homens maisricos do mundo (Bill Gates, o sultão do Brunei eo multimilionário Warren E. Buffett) possuemactivos superiores ao produto interno bruto dosquarenta e oito países menos desenvolvidos.Segundo a ONU, a concentração da riquezacontinua a crescer. O país onde vivem mais"ultra-ricos"‚ os EUA, com sessentamultimilionários, logo seguido do Japão, comcatorze. A África tem apenas dois, ambos naÁfrica do Sul.» (em Revista "Visão", nº 289, 1 deOutubro de 1998, pag.83).

As Instituições desumanizaram-se, ou sejadeixaram de ser humanas, o que significa que jáo foram. E desumanizaram-se porque estão aoserviço de poucos homens o que quer dizer que,na sua essência, elas serão para todos os sereshumanos. E não é o facto de estes poucoshomens viverem materialmente muito bem e de

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usufruírem todos os benefícios da evoluçãotecnológica que está em causa, mas o dosrestantes seres humanos não se encontraremnas mesmas condições; e porque é com o esforçoda sua penúria que os restantes conseguiramatingir níveis tão elevados de bem estar material.

As memórias institucionais dos gruposmais favorecidos ao longo da História Humana,cujos comportamentos, atitudes, sentido estético,sensibilidade artística, e outros atingiram níveiselevados de desenvolvimento, parecem estar emconfronto com as novas ideias e práticas deigualdade em todos os níveis do desenvolvimento,para todos os seres humanos, e em toda a partedo Mundo.

Já não são as famílias tradicionais quedetêm actualmente esse poder, de requinte noviver, de acesso a tudo e a todos num curtoespaço de tempo e nas melhores condições, masfiguras isoladas, por vezes provenientes defamilias pobres, e sem nome na velha tradiçãoinstitucional, seja ela familiar ou estatal.

A nossa leitura é que as Instituições sãoEntidades, ou seja, Entes com Idade que nestemomento parecem ter perdido o seu velhosuporte que lhes dava continuidade no tempohumano, e vagueiam à procura desimultaneamente se preservarem mantendo asmemórias do «seu acto fundador», e de setransformarem, adaptando-se aos novos tempos,

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às novas ideias, às novas necessidades. Aqualidade de vida humana atingida por algunsgrupos humanos mantém-se como esforço aatingir, mas agora para todos os seres humanose em toda a parte do Mundo.

E as velhas Instituições não estãopreparadas para isso, e nunca o estiveram, comonos mostra a História Humana, e comocientificamente o tentou demonstrar Carl Marx.O «princípio do prazer» que, segundo Freud, éapanágio dos impulsos humanos e da suasatisfação plena, parece também reger a vidainconsciente das Instituições.

O esforço para contrariar este princípioque na cultura ocidental se deveu em grandeparte à Igreja Católica Romana, através de umelevado e sofisticado código de conduta paratodos os seres humanos e Instituições, mostra-sehoje caduco e sem ressonância. Os chamados«discursos morais» são ouvidos «só por fora», enem a prática dos funcionários nem da própriaIgreja é já coerente com o que se prega,ressoando assim a falso.

O mesmo se passa com os discursos dospolíticos, dos homens que estão ao serviço deoutra das grandes instituições como o Estado. Osfuncionários do Estado representavam para osrestantes seres humanos um grupo de eleitos,simultaneamente invejados e temidos, e a grandeambição da pequena e média burguesia, no

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nosso tempo, era ser membro dessa Instituição epertencer a esse grupo. «Ter um emprego noEstado», como se dizia em Portugal durante todaa época de regime totalitário, constituía a maiorsegurança que o cidadão sem riqueza podiaambicionar. A segurança era no entanto maispsicológica que real, uma vez que o preço que sepagava em termos de liberdade de expressão e depensamento e mesmo do nível de vida era muitoalto.

Então que factores actuavam para que amaioria dos cidadãos, que não eram desprovidosnem de inteligência, nem de capacidade depensar, se enfeudassem neste sistema?Pensamos que as memórias desta Instituição quevieram substituir os velhos poderes feudais ereligiosos, abrigavam no seu seio todos aquelesque, tal como no passado, se dispunham aprestar-lhe subserviência e homenagem, a trocoda subsistência das suas vidas. A sombra destavelha Instituição dava uma sensação deprotecção tão forte que os seres humanossacrificavam aquilo que lhes era também maiscaro – a sua liberdade. O aumento de consciênciados indivíduos trouxe e traz, num primeiromomento, a revolta, a rebelião, à qual aInstituição vem cobrar o seu juro. Dizer que estarevolta, que se traduz nas guerras actuais detodo o tipo e que o preço que as vítimas estão apagar é apenas um fenómeno psicológico

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individual ou de pequenos grupos de homens, épor um lado negar e reprimir o valor e aimportância que as Instituições têm detido aolongo da História Humana, e por outrosobrevalorizar o papel e as capacidades de algunsseres humanos em detrimento dos outros. Daíque a velha Moral que inculpava o indivíduo e osgrupos já não faça eco nem sentido, no nossotempo. E o mesmo se passa com as ajudas aosmais necessitados dadas de uma forma, tambémelas, individual ou por grupos. Esta chamadas«Ajudas Humanitárias» são cada vez maisinfrutíferas e insuficientes. Para explicar estesfracassos faz-se apelo «à conjunturainternacional», ou seja, a algo que nostranscende, mas que exprime a tomada deconsciência de uma mudança global e completanas Instituições e nos modelos de vida social quese está a processar a nível de todo o Mundo.

As velhas Instituições não são maiscapazes de responder às novas necessidades ou ànova tomada de consciência humana. Noentanto, elas continuam a existir nas suasmemórias e a procurar espaços de sobrevivência,tentando revitalizar-se através de seres humanosou grupos que apresentam ainda ascaracterísticas do passado: elevado grau de medoe de ansiedade, pouca informação e grandecarência afectiva e material. Estes seres lutampela restauração de modos de vida passados, na

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ilusão do restabelecimento de uma vida melhor,não se conscencializando da repetição dos seusactos e dos seus gestos que foram usados nopassado para o mesmo esfeito e que nãousufruiram o resultado esperado.

As velhas Instituições, doentes, exauridas,incapazes de mudar, necessitam, talvez pelaprimeira vez na História Humana, da consciênciae da ajuda Humana, para se renovar e continuara viver. Talvez nunca o ser humano tenha estadotambém ele, tão só. A sua força tem sido apoiadaessencialmente nas Instituições e, por isso,acima das suas potencialidades e capacidades.Alguns seres, muitos talvez, estão a ficar doentese a entregar-se quase voluntariamente à morte.Esta tomada de consciência do desamparoInstitucional em que nos encontramos, não éfácil para a maioria dos cidadãos, que o negarãode toda a forma. Corre-se assim o risco devoltarmos a criar bodes expiatórios como se fezem épocas passadas, morrendo milhares de sereshumanos acusados de serem os culpados pelomal estar que todos estamos a viver. E mais umavez, em nome da sobrevivência das Instituições,não dos Homens, se praticar o pior dos crimesque o ser humano comete que é o de matar outroser humano pelo prazer de matar e pelo medoque tem da vida e dos outros, aumentando-seassim a «Sombra» e a «Culpa» colectiva.

Os políticos sabem, melhor do que

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ninguém, da evolução que os colectivos estão asofrer, onde toda a velha ordem apoiada emvalores sociais tem vindo a ser substituída porvalores de ordem apenas e essencialmente,organizativa e por detrás destes valoreseconómicos. O rearranjo Institucional já começouhá muito tempo, mas só agora ele apareceu comtoda a sua força e sem máscaras. Atribuir aresponsabilidade de toda esta mudança apenas aalguns seres humanos, sejam eles os detentoresdo dinheiro e de todo o tipo de bens materiais,sejam eles os homens do Estado, os políticos, éainda um desconhecimento da dinâmicainstitucional, da sua força inconsciente e atribuirmuito poder a apenas alguns seres.

Neste momento, em Portugal, há umaqueixa generalizada de todas as Instituições, eum fogo cruzado de atribuição de culpas pelo malestar que todos vivenciam. Ninguém fala, noentanto, no caminho silencioso e lento que cadaInstituição, seja ela um Banco, uma Equipe deFutebol, uma Escola, um Hospital, umaAssociação Científica, um Grupo Religioso, está afazer para se adaptar às novas exigências daEconomia Mundial. Todos os actuais líderes têmque dar provas da sua capacidade para mantervivas as velhas Instituições, não já em termos devitalidade moral, de manutenção dos ideaisporque lutavam, de continuidade da sua históriae da sua qualidade, mas da chamada «viabilidade

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económica», ou seja, de sobrevivência nos NovosMercados que de mercadorias passaram a ser deValores abstractos e gerados pela própriadinâmica interna. As pequenas Instituições, semforça anímica, ou se entregam às grandes forçasou morrem.

Não tardará que um novo líder mundial, aexemplo do que aconteceu com os ditadores paraos países, se venha apresentar como o salvadorda Humanidade, reorganizando então toda aEconomia Mundial sob o seu auspício. Os meiostécnicos para esse trabalho já existem. As leis e apredisposição dos Países, também já estãolançadas.

E então os valores de solidariedade, deamizade, de interajuda, de compaixão não terãoqualquer enquadramento, serão até consideradosobsoletos. A nova ordem económica transformaráo rosto das velhas Instituições. E os homens jásó se reconhecerão como bons ou maus agenteseconómicos. E o novo Espírito que reinará nomundo deixará cair tudo aquilo que é invisível,inatingível e imaterial.

Todo o saber que as velhas Instituiçõesacumularam sobre a arte de viver, de ultrapassaros conflitos, de preparar o Homem para a Vida epara a Morte, parece ficar na Sombra, reprimido,esperando os tempos de voltar à Luz. E oshomens, cuja memória é curta, sem a ajuda dasInstituições, lançar-se-ão na acção e na

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conquista descontrolada de bens e mais bens, aqualquer preço, e sem olhar a meios.

E muitos homens, a grande maioria,assistirá de uma forma passiva a este esvaziardas suas velhas Instituições que também elascansadas e doentes se deixarão arrasar por estevulcão que tudo parece arrastar à sua frente.

Neste momento quase podemos dizer que aHumanidade está totalmente doente. Os líderessó exigem trabalho aos seus subordinados,revelando o seu lado frio, austero e intransigente.Os trabalhadores cumprem até à exaustão físicao que lhes é pedido, não podendo descarregarsobre os chefes algum do seu mal estar. Entãosão as famílias que servem como contentores ouos utentes ou o cidadão incauto. As guerras,como meios de escape das tensões sociais,multiplicam-se. Os «bodes expiatórios» vãocomeçar a aparecer, projectados em raças, e emtipo de indivíduos com determinadascaracterísticas.

A separação entre os homens vai começara fazer-se de uma forma muito mais geral. Osque acreditam no Amor e nos valorestranscendentes terão que se afastar e viver emcomunidades diferentes, onde continuará aexistir o verdadeiro espírito Cristão. A «separaçãoentre o trigo e o joio» será uma realidade, emambos os sentidos, num já próximo tempo.

Todo o repositório das velhas Instituições

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ficará sob a sua alçada e tal como nas velhasbibliotecas, estas memórias serão religiosamenteguardadas, até que novos tempos as possamtrazer novamente à vida.

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Quarto Capítulo

1. Para um novo Diálogo com as Instituições

Até agora os homens gastavam vinte, trintaanos a preparar-se para entrar nas Instituiçõesdo Trabalho. As regras de entrada estavam bemdefinidas, fosse para as Forças Armadas, fossepara o Estado, fosse para qualquer tipo deEmpresa. As leis da vida social eram ditadaspelas Instituições ainda que os homens astentassem torpedear constantemente, através do«compadrio» e da «cunha», ou de outras formassub-reptícias.

Hoje assistimos a uma subversão dessaOrdem. As regras existentes já pouco efeitopossuem. Por troca de dinheiro, de favores ou deinformações a entrada na Instituição, seja ela deque tipo for, faz-se sem obedecer a princípiosgerais. Ou seja, o que era então consideradomarginal e por isso escondido, passou a ser anorma.

O valor e o respeito hierárquico entre asvárias Instituições também já não se cumpre. O

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poder dos tribunais e dos Juizes éconstantemente torpedeado e adulterado. Nadanem ninguém parece fazer respeitar as velhasInstituições, conseguidas com tanto esforço edepois de tantos milhares de anos. E assim nãosó o Homem está só e desamparado, como omesmo acontece com as Instituições.

Acreditando na capacidade de trabalho eno aumento de consciência da Humanidade,talvez nos encontremos no momento histórico emque o homem terá que ir em socorro das suasInstituições, invertendo-se assim o processo deajuda.

Em primeiro lugar terá que lhes pedirmuito pouco, pois neste momento têm muitopouco para dar. Pedir, por exemplo, subsídios aoEstado que neste momento está a ser sugadopelos Bancos Internacionais, é estar a perdertempo e forças.

E ao pedir pouco, também teremos que noshabituar a viver com muito pouco e a abandonareste excesso de consumo com que nos últimostempos uma parte da Humanidade se habituou aviver.

À crença ideológica das Instituições de queo dinheiro gera dinheiro, teremos que contrapôrà irracionalidade deste processo, a inutilidade e ovazio que tanta acumulação produz no interiordos seres humanos. Não tem chegado denunciara injustiça das formas como estes bens têm sido

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conseguidos, nem das condições precárias emque a maioria dos seres humanos vive.

É tempo de denunciar a miséria humanaem que vivem os homens mais ricos desteplaneta, o que os meios de comunicação social jáestão a começar a fazer, mas a tentação de podere do bem estar material ainda é muito forte paraa maioria dos seres humanos, e daí a fracadenúncia e fácil compra com que sãoconseguidos os seus silêncios.

Este novo homem, como já falava Cristo,para além de uma profunda consciência dos seuslimites, dos seus desejos, e das suas frustrações,terá ainda que conhecer igual dimensão para ossistemas Institucionais em que está inserido eser capaz de os desmontar.

Terá assim que fazer rituais de entrada nasInstituições e saber que elas têm muito maispoder que o seu. Terá que saber que não se poderdescuidar ou estar desatento, pois que a teia queo rodeia rapidamente o envolve e o tornará umdos seus. E se o seu balanço lhe indicar que nãopossui forças para alterar o rumo perigoso que aInstituição, seja ela qual for, está a seguir, entãoserá melhor abandoná-la e seguir por outrocaminho.

Para todo este caminho o novo homem teráque reacender a sua fé que lhe indica que «Deusdá a cada homem o pão nosso de cada dia».

Será então pedido a cada um de nós que

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façamos opções, que «demos a César o que é deCésar, e a Deus o que é de Deus».

Necessário se torna pedir o apoio dosnossos antepassados, os que habitaram asmesmas Instituições, para que lhes devolvam oque de melhor elas têm. Será assim um trabalhoessencialmente interior e não voltado para asgrandes acções ou os grandes feitos, pelo menosnos tempos de violência e de mudança que seavizinham.

As Instituições continuarão a pedir aoshomens que lhes doem as suas almas, o seu«self» o seu «ideal do eu», com o que lhes pagarãoem segurança, continuidade e estabilidade. Sãohoje os novos «executivos» que dão todo o seutempo e a sua inteligência às novas instituições,e são estas a pagar-lhes em ordenados e regaliasque lhes dão a convicção de que vão conseguirviver e sobreviver até à velhice, ainda que adúvida se encontre no íntimo do si mesmo decada ser humano que está assim a adoecer.

A idade dos «novos executivos» é cada vezmenor porque o seu «grau de consciência» étambém menor. À medida que a idade avança,este «grau de consciência» apresenta-se como um«justiceiro» perante as mesmas Instituições, asquais não querem, ou não podem aindaresponder. O papel da vítima e do algoz passa-seagora entre seres humanos e instituições. Euconsidero-me «vítima» da Instituição a, b, c e não

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da pessoa a, b, ou c, como aconteceu noutrostempos, em que os líderes que encabeçaram asInstituições são considerados historicamente, osresponsáveis, tal como aconteceu com Hitler,Salazar ou Pinochet, por exemplo. Aambivalência perante estes líderes revela ocarácter transcendente e semi-consciente de queestes homens estiveram ao serviço deInstituições, sendo estas, e repetimos, Entes comMemória e com vida própria que estão para alémdadas capacidades humanas individuais.

Estes seres, as Instituições estão aseparar-se dos seres humanos e vice-versa. Sãodois mundos quase opostos. A continuidade dasInstituições obriga ou aprisiona o ser humanoindividual. A individualidade ou a descoberta daoriginalidade de cada ser humano põe em causaou questiona cada conjunto humano, cadasistema humano, cada instituição, até agoracriada.

Neste momento, o diálogo entre o serhumano individualizado e a Instituição, seja elade que tipo for, parece ser um diálogo de surdos.Cada uma reivindica as suas razões, e tem-nas.A Instituição preserva a sua continuidade ereivindica-a, e o ser humano faz o mesmo.

A Intuição continua a ser o motor destaluta. Não sabemos ainda em que consiste estacapacidade humana, mas que ela conduz osdestinos da Humanidade é um facto. Sem isso eu

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não estaria a escrever estas páginas e muitosoutros a actuar em nome disto ou daquilo quechamaremos «destino», ou «vocação», ou «espíritocientífico». O grande esforço humano consisteainda em adequar o seu trabalho ao ritmo eàquilo que considera ser as exigênciasInstitucionais, sejam elas as do Trabalho, as daCiência, Religiosas ou outras.

Vivemos ainda na ilusão de que alguém,em algum lugar, nos irá recompensar pelo nossoesforço.

O mesmo parece passar-se com asInstituições. O Estado pede aos cidadãos quevotem nas suas opções, o que não acontece. OsEmpresários decidem em nome das decisões quepensam ir benificiar o maior número de cidadãosde todo o mundo e recebem como troca umaexigência cada vez maior, não só dessas decisõescomo de todos os cidadãos.

Aparentemente o caos parece ter-seinstalado.

O mundo dos Arquétipos, ou seja, doInconsciente Colectivo, deixou, também ele dereinar. Se tal não fosse verdade, o homem nãoteria consciência do que se está a passar econtinuaria a viver no sonho e na fantasia de quea vida e o mundo teriam um sentido e um fim.Este reinado seria mais forte do que o reinado dohomem, tal como ele queria continuar a acreditare acreditava o homem da tribo.

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Hoje, os seres humanos e as Instituiçõesparecem estar de «costas voltadas». E nestaposição um é sombra do outro, tal como nosmostra a natureza. A árvore que ao meio-diarecebe a luz do Sol no seu apogeu não está capazde a reconhecer e ficam as duas, a Sombra e aÁrvore, erectas e omnipotentes.

As Instituições parecem hoje incapazes dereconhecer o trabalho dos seres humanos, sejano passado mais remoto e seja no mais recente,e os seres humanos mostram-se revoltados einjustiçados com todo o trabalho que asInstituições, realizem em seu favor.

A separação entre estes dois mundos,chamemos-lhe o «passado e o presente» ou o«colectivo e o individual», é hoje uma realidade.

O diálogo entre estes dois mundos é assimum diálogo da diferença, ou seja, um novomundo que implica novos códigos, novosparadigmas, novos discursos, nova ética, em queos «olhos se esfregam» perante a diferença e seesperam novas respostas e novoscomportamentos.

Os direitos humanos não mais serãoquestionados porque todos já os adquiriram, faltasó implementá-los.

A liberdade humana já está conquistada,falta só saber como aplicá-la. Já não existe novochefe ou novo discurso que consiga mover ouconduzir grupos e multidões de homens, a não

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ser ainda por razões de ordem de subsistênciamaterial. As multidões de Africanos ou deAsiáticos que procuram novos locais dehabitação e de refúgio fazem-no por questões desobrevivência e não de crença em qualquer chefeou futuro promissor como o fizeram os povosconduzidos por Abraão ou por Moisés.

Então o que nos resta?

O que nos resta é um Novo Discurso comas Instituições que, tal como nós, ou anterior anós, têm um passado e uma História.

Por muito que nos custe a admitir, asInstituições têm uma superioridade numérica etemporal que lhes dão uma força e energia quenos ultrapassa. Um acto de humildade é assim oprimeiro passo humano para este novo diálogo.

Este acto de humildade implica um estudoe uma reverência perante o passado individual,grupal e institucional. Este acto de humildadetem que conduzir cada ser humano a estudar oseu passado familiar e a enquadrar-se nele, comocontinuador e mensageiro de actos e demensagens que os nossos antepassados foramincapazes de transmitir, ou que o fizeram deforma desadequada ao seu tempo e ao seuespaço.

Cada um de nós terá assim, tal como já oanunciava Freud, ainda que de uma maneiranegativa e pesada como uma doença, a neurose,que perceberá qual o seu papel e o seu lugar na

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História Familiar, dando-lhe continuidade,reparando os males do passado, recriando a suaveia criativa para os novos tempos, ou expiandoas culpas agora de uma forma consciente, talcomo o fez Cristo, que em comunhão com Deus,o Transpessoal, deu todo o sentido à Sua Vida ea ofereceu por todos aqueles que como Elesofriam ou padeciam, do mesmo sofrimento, ouseja, que eram vítimas de algo que desconheciamque vinha dos antepassados, e do que nãotinham qualquer consciência ou grau deresponsabilidade.

Nesta comunhão com o Transpessoal,Cristo, encontrou um caminho e uma explicaçãoque transcendeu a sua própria e que procuroutransmitir aos vindouros.

Passados que são dois mil anos, estaresposta continua em aberto para todos aquelesque se consideram vitimas, seja das famílias,seja de que tipo de Instituições for. Este caminhoe esta procura não se encontra no Instituído, ouseja, na Instituição que entretanto se aproveitoue se sedimentou no caminho de Cristo e que ocolectivo quis fazer como seu, mas outra vez, emais uma vez, no Gólgata, ou seja, nos passosque Cristo individual e Só percorreu para seencontrar e para se renovar, através do seuEncontro com o Pai.

Mas Jesus falou com e para o colectivo. Elerenovou este diálogo com o Colectivo, com as

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Instituições.

Ele curou os indivíduos, Ele perdoou atodos, Ele não censurou as Instituições, nemmesmo o cobrador dos impostos, a figura maisodiada, foi por Ele marginalizada.

O novo Homem, a exemplo de Cristo, teráque ter esta Consciência e esta capacidade deseparação entre Si Mesmo e os Outros, sejameles o irmão, o grupo familiar ou outro, e aInstituição.

E como o fazer no nosso contacto com asInstituições?

Estas terão que, e em primeiro lugar, serconsideradas como autónomas dos indivíduos.Esta consciencialização, este primeiro passo adar, é difícil, e mais ainda por cada umisoladamente. Daí que os socianalistas setenham proposto ajudar todos aqueles queestavam dispostos a fazer este caminho, tendoconstruído para esse efeito um metodologiaprópria. E outras correntes Institucionalistasfazem propostas idênticas.

Neste primeira abordagem, nós sugerimosum caminho de análise e de reflexão cuidadosa epermanente que irá no mesmo sentido de ajudarcada um que se propõe afastar e reflectir sobre oseu enquadramento institucional.

Então e já numa fase adiantada da suavida, pois será difícil a uma criança fazer estetrabalho, cada indivíduo terá que fazer da sua

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entrada numa Instituição – Empresa, Hospital,Escola, Serviço Estatal, Partido Político...- umacto de aprendizagem e de aumento deconsciência permanente. Seria importante queconhecesse já as suas aptidões, os seus desejos,o seu papel na Instituição Familiar e mesmoEscolar, ou seja, que a sua individualidade fossejá um dado mais ou menos adquirido para simesmo, o que ainda dificilmente acontece. Apreparação académica deveria ser acompanhadade uma formação e conhecimento pessoal, talcomo o faziam os velhos mestres gregos com osseus discípulos.

1.1. Os primeiros passos a dar ao entrar numaInstituição como Trabalhador

Tal como um arquitecto, cada ser humanoque entra numa Instituição, deveria começar porfazer um levantamento material e espacial donovo habitat que vai ocupar sete ou mais horaspor dia. Este espaço, só por si, fala mais da vidaque vive aquela Instituição do que todos osdiscursos dos vários líderes.

Por exemplo, se num pequeno caderno fizeruma planta da distribuição do espaço, ou seja,quem ocupa e como, os vários andares do prédioou as várias salas, e como estas estão decoradas,e se separadas ou juntas, ou distribuídas, e comocomunicam ou não entre si, e como são limpas e

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cuidadas, logo serão observados muitos aspectosque a maioria das pessoas não repara ou nãoquer reparar. Todos os que já viveram mudançasde chefias, já devem ter constatado que um dosprimeiros movimentos do novo chefe é o dealterar o espaço que lhe é destinado, e chegandopor vezes esse arranjo a estender-se a toda aInstituição.

O lugar que cada um vai ocupar naquelaInstituição é assim ditado e está marcado noespaço físico que lhe é distribuído. Ainda que nocontrato escrito ou oral lhe seja dito que o seupapel vai ser de primordial importância paraaquela Instituição naquele momento, se lhe fordistribuído um gabinete superlotado, sem luz, esem grande espaço, tendo ainda que partilhar amesa de trabalho com outro, tudo isso revelará afalsidade do discurso que lhe foi feito e ascontradições em que está envolvido. Ele terá queprocurar o papel que foi chamado a desempenharnum outro lugar, em vez de se revoltar com ascondições de trabalho. Este fenómeno observa-seem grande escala no sistema de ensino e desaúde. Cada sala de aula é ocupada por umelevado número de professores e de alunos aolongo de um dia. É apontado como causa destamobilidade a falta de espaço escolar. Mas entãoporque não são alugados pequenos andares ouprédios como se observa com outros Ministériosou Serviços? A resposta a esta questão é

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normalmente dada em termos de custos e deaumento de pessoal. Então o que está em jogo,não é o espaço institucional, mas as opçõespolíticas que se fizeram na distribuição dosdinheiros públicos. E nestas opções não importaa qualidade do ensino dado, mas apenas odizer-se que se tem Escola para todos oscidadãos, ao contrário de outros tempos em queo ensino era só para alguns. Se as condições nãosão boas, paciência, sempre é melhor do que nãoter nada! Esta falsa democracia fica assim difícilde desmontar, uma vez que os princípios foramcumpridos.

Assim, a partir do espaço institucional épossível fazer-se logo um primeiro retracto daInstituição.

Vejamos agora uma outra Instituição quefaz um discurso ao contrário, ou seja, que seapresenta como a que vai ajudar os pobres ou asmulheres maltratadas ou as criançasabandonadas ou os desempregados, mas cujassedes, e/ou lugares de atendimento constituemautênticos palácios ou espaços de grandeconforto e bem-estar para os que nela trabalham.Estas distância que o espaço provoca entre osque dão e os que recebem, não é por acaso, massinaliza a diferença e perpetua assim a condiçãodos que recebem «donativos» dos mais ricos quese apresentam espacialmente como osbeneméritos e compadecidos, tal como o faziam

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as classes ricas de outros tempos. O novofuncionário que veio de uma classe social baixarevive e identifica-se na sua nova função e noseu novo papel com as classes ricas e,temporariamente, cria a ilusão da sua realpertença. Não se dá conta de que ao sentar-se napoltrona, ao fazer esperar tempos infindos os quevêm pedir auxílio, ao usar um tom de vozpaternalista, autoritário ou moralista, está arepetir um papel que subjugou durante séculos asua própria família, mantendo-a nos limiares dapobreza.

No caderno de observação institucional quecada um de nós beneficiaria em possuir, tal comoo faz a Instituição com o chamado cadastro decada trabalhador seu, deveria assim constar eem primeiro lugar, a cartografia da novaInstituição que foi chamado a conhecer e apartilhar os seus destinos.

Logo este acto e esta atitude criaria umnovo diálogo e uma nova relação entre aInstituição e o seu funcionário, pois este não seentregaria de «olhos fechados», semdiscernimento e sem consciência das diferençasindividuais e institucionais, como até agora temacontecido à maioria dos cidadãos.

Um segundo passo a dar e quenormalmente ocupa todo o espaço mental eafectivo do novo trabalhador, é o de conhecerqual é o pedido que a Instituição lhe faz, e que,

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normalmente, se designa por «função» e seucorrespondente papel.

Este processo de negociação entre otrabalhador que possui já uma vida anterior eque a fez, na maioria dos casos, essencialmentecom vista à entrada em determinado mundo doTrabalho, tirando por exemplo, o cursoacadémico que mais garantias parece oferecer deum futuro emprego e a Instituição Empregadora,é no presente a maior fonte de conflitos. AInstituição apenas garante uma retribuiçãomonetária mensal, segundo os ContractosColectivos de Trabalho estabelecidos entreSindicatos e Empresas validados pelo Estado, epouco mais. Longe vão os tempos em que oemprego estava garantido para toda a vida, comoera com o Estado, ou em Empresas e ServiçosPúblicos.

O vínculo estabelecido hoje entre aInstituição e o Trabalhador é assim o maisprecário de todos os tempos. Mesmo na IdadeMédia o Senhor Feudal tinha a obrigação decuidar dos seus servos, o mesmo acontecendocom a escravatura, sendo neste sistema ovínculo entre os dois fortíssimo, pois o patrãodispunha até da vida do seu servidor nãopodendo este traí-lo ou abandoná-lo.

Hoje, mesmo a Empresa Transnacionalmais rica do Mundo não oferece qualquer tipo deestabilidade aos seus trabalhadores. Pelo

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contrário, a sua ideia é a de diminuir os gastos eportanto se uma máquina puder substituir o serhumano, tanto melhor! A ideia do lucro e daexpansão da Empresa substituiu qualquerpreocupação com os seres humanos que nelatrabalham.

1.2. O testemunho de uma jovem engenheira

De uma conversa informal, surgiu aoportunidade que me é dada aqui de narraralguns factos relacionados com a minhaexperiência numa instituição profissional. Deinício, tive alguma dificuldade em aceitar, umavez que escrever sobre este tema, iria novamentefazer-me recordar cada uma das situaçõesporque passei, as quais na sua maioria meprovocaram sofrimento.

Para iniciar esta contribuição, comecei portentar encontrar uma definição para Instituição econvenhamos que a mais confortável de todas asdefinições, sejam elas quais forem é sempreaquela que alguém já escreveu por nós, porexemplo, a que encontra nos grandes livros e quena maioria das vezes adoptamos. Assim, numadas páginas desses livros, lá estava: Instituição –«Organismo que desempenha uma função deinteresse público» (entre outras definições esta foia que me pareceu conjugar-se mais com o tema

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em questão) e de imediato formulei a pergunta: –Interesse?; – público?; porque também,obviamente, podemos discordar das definiçõesdos outros.

Um dos aspectos interessantes da minhaexperiência na instituição profissional, que é depouco mais de uma meia dúzia de anos, éverificar que me confrontei com maistransformações profundas na Instituição, do queaqueles que lá se encontravam há muitos maisanos, Existe no entanto, uma explicação paraque tal tenha acontecido. Como sabemos nestesúltimos anos deu-se um fenómeno, aquilo a quechamo a revolução económica, que emboranecessária, julgo ter sido devastadora, na suadimensão, no seu poder, enfim, na sua forma.Revolução esta que deu lugar ao aparecimento deuma sociedade mais materialista, corrupta nosseus valores e atrevo-me a dizer, quase semAlma.

O mundo dos grandes cifrões que até aípassara despercebido, embora existente,inesperadamente lançou-se em grande força eapanhou-nos de surpresa.

Esta instituição profissional, quando aintegrei era considerada uma das maisconservadoras. Com a revolução económicasofre, subitamente, uma grande viragem. Oespaço, não só físico, existente até então,tornou-se restrito, as pessoas perderam a sua

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privacidade, o atropelo de valores já existente,mas na sua maioria inofensivo, revela-se de talforma, que o classifico como uma das maisvergonhosas e escandalosas manifestações danossa época. Começaram os despedimentos. Eranecessário revelar números à custa de pessoas. Àminha volta encontravam-se seres humanos queeram desprezados para que se despedissem,muitos deles competentes e que tinhamsacrificado a sua vida familiar em favor daprofissional, pessoas que repentinamenteficaram sós.

A competição era injusta.

Nós, os mais pequenos, olhávamos paracima e o cenário que se observava era idêntico aode uma decapitação, um rolar de cabeças. Nóséramos aqueles a quem ordenavam que nãodeixassem cair a Tenda, enquanto osTrapezistas, os Acrobatas, os Malabaristas, osPalhaços e o Dono do Circo, davam o seu GrandeEspectáculo.

Os objectivos ditados pelos «grandesestrategas» estavam a ser cumpridos.

Por várias vezes tentei colocar-me no lugardaqueles a quem pediam números, para nãodizer cabeças. Talvez tenha sido a melhor atitudeque tomei para compreender o que estava aacontecer. Pessoas que até então semanifestavam de uma forma, agora tinham umoutro tipo de comportamento. Raros foram

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aqueles que para não destruir a equipe com quetrabalhavam puseram o seu lugar à disposição.

Houve outros que julguei severamente, eracomo se me tivessem traído. Mais tarde percebique estava a ter um juízo, a que chamo de limite,sim, não via que ainda sobrevivia. Alguns paranão destruir a equipe na sua totalidade, comotinham de apresentar números, escolhiamaqueles que tinham integrado o grupo há poucotempo, aqueles com os quais ainda não tinhammantido um elo afectivo. Aqui, percebi que todosnós em situações limite sofremos transformaçõesboas ou más, e para não ser moralista, diferentesdas habituais.

Posteriormente, também os que tinhamtentado a todo o custo manter o grupo, ficaramsós... decisões superiores!... E novamentepartiram para a luta, construíram novos grupos,mas fecharam-se dentro da sua individualidadepara não mais sofrerem, deixando sós os novoselementos que agora lhes pertenciam, tambémeles vítimas do abandono pelos mais queridos, eudiria nalguns casos senão em grande parte, pelatraição daqueles que ficaram na sua comodidade,no seu egoísmo, que não fizeram nenhum esforçopara proteger a dedicação, a energia, o sacrifícioda sua gente, que durante tantos anoscontribuíram para a sua nomeação de hoje...

Falta ainda referir, os que se alimentaramdo sofrimento alheio que absorveram a energia

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dos outros, isto, porque se uns perdem é porqueoutros ganham, pois a «quantidade total deenergia do Universo permanece constante» comonos revela a Lei da Conservação da Energia,utilizada aqui como forma de comparação.

Também convivi com estes últimos, os quese aproveitam dos mais fracos para subirem navida, os chamados grandes estrategas. Há quemos considere inteligentíssimos, com certezaespíritos humildes, inseguros ou fracos. Eusimpaticamente classifico-os de psicóticos, osque subtilmente espalham a sua presença,impõem a sua vontade à custa da boa vontadedos outros, aqueles que manipulam, osdominadores.

É muito difícil trabalhar com este tipo depessoas, pois é muito fácil cais nas suasmanipulações. Todos os dias testam a nossaintegridade no sentido de a corromper. O esforçoque despendemos para sobreviver é enorme.Sofremos retaliações e ofensas. Consumimos asnossas energias numa luta diária, algumas vezesjulgada perdida.

A forma que encontrei para sobreviver aestes acontecimentos, tentando manter algumadignidade, foi perceber o fenómeno que geroutodas estas grandes transformações. Eu e comcerteza muitos outros ignorantes no assunto,pensámos que um dos melhores procedimentos aadoptar para o perceber, seria ler alguns dos

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livros de estratégia que então estavam na moda.Embora existissem autores, mais sensíveis queainda se lembravam que estavam em causa vidashumanas, outros havia que lidavam com os sereshumanos da mesma forma que os Financeiroslidam com os números manipulando-os atéobterem o que querem.

Pelo caminho, ficaram aqueles que pelasuprema dedicação ao emprego, hoje estão sós,com as suas vidas familiares destruídas, semqualquer elo afectivo. Provavelmenteencontram-se no vazio de suas casas, a procurade um começo, uma luz, uma esperança, ou, emalguns casos transformaram-se em serespuramente vegetativos.

Talvez por tudo isto, apareçam tantasreligiões com sucesso que se aproveitam dosmais fracos, oferendo-lhes ficticiamente aprotecção, a esperança, o afecto que lhes falta.

Talvez por tudo isto, quando me falam emInstituição me aparece uma imagem de uma casaenorme de paredes grossas e janelas muitopequenas que se encontra assente sobre umterreno árido, casa essa que está desprovida dequal quer forma de vida.

* * *

Apesar de ter escrito grande parte dacontribuição no tempo passado, hoje aindaexistem muitas dessas transformações. Todos osdias são um desafio. Todos os dias nos

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deparamos com situações novas, novoscomportamentos, novas pessoas e novasestratégias. Mas, no fim, o que resta e o queimporta, é a preciosa amizade daqueles queencontramos na luta diária, dos que nosfortaleceram, dos mais esclarecidos, dos que noselucidam, daqueles que tão afectuosamente evigilantemente cuidam e fazem parte da nossaAlma.

Lisboa, Novembro de 1998

1.3. O reconhecimento do seu lugar naInstituição

Assim, cada trabalhador, do maisindiferenciado ao melhor pré-qualificado, emtermos de preparação académica ou profissional,sabe passado pouco tempo de estadia naInstituição que o lugar que ocupa, poucasgarantias académicas lhe pode dar. O exemplomais flagrante está a ser observado com osjogadores de futebol que são negociados como sede uma mercadoria se tratasse. Começámos aassistir ao fenómeno de os próprios jogadoresdeixarem o papel passivo que desempenhavam,em que se entregavam aos clubes e mais tardeaos agentes, dada a sua juventude eimpreparação para este tipo de negócios, sendoagora os próprios jogadores a iniciar os seuscontratos de trabalho.

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Ligado ao vínculo económico encontra-se atarefa que cada um é chamado a desempenharna Instituição.

Esta tarefa, a par da retribuiçãoeconómica, determina não só o lugar que iráocupar na Instituição, como também o espaço depoder que lhe é atribuído. Por exemplo, o lugarde porteiro não só ocupava o último lugar nahierarquia Institucional dado o baixo salário queusufruía, como as tarefas que lhe eramatribuídas eram as mais simples. Assim, tambéma sua capacidade de decisão na Instituição eramuito limitada.

Então, quando entramos numa Instituiçãoe realizamos um contracto de trabalho, para odesempenho de determinadas tarefas, estamos,automaticamente, a colocar-nos numdeterminado lugar dessa Instituição. Asmodernas Instituições elaboram os seusorganigramas, ou seja, uma cartografia dasfunções, dos papéis e dos lugares de poderInstitucional, para assim, e, essencialmente, emcasos de conflito de poder, se obter logo umaresposta. A hierarquia Institucional é maisdeterminada pela obediência de uns em relaçãoaos outros, do que pelo bom desempenho dastarefas institucionais. A chamada Cogestão éuma das grandes aspirações dosInstitucionalistas, mas sentida como altamenteameaçadora pelo Capitalismo, uma vez que a

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distribuição dos lucros seria logo uma dasprimeiras questões a vir à superfície, nasrelações Institucionais.

Esta consciência do lugar que se ocupa naInstituição é altamente salutar para todo otrabalhador, uma vez que lhe determinar o seucampo de acção. Esta tem sido a grande luta dealguns partidos políticos e de movimentossociais, que procuravam ajudar os trabalhadoresa adquirir esta consciência e, consequentemente,a alterar as regras do jogo. Hoje em dia, acomplexidade e a subtileza dos contratos laboraistorpedeia todas as regras instituídas e ostrabalhadores aceitam, sem grandes meios dedefesa, as propostas de trabalho que lhe sãofeitas pelas entidades empregadoras.

A sua defesa tradicional – a greve – já nãosurte efeito porque a precaridade do contratoactua como meio de coacção e de acção, caso otrabalhador não cumpra o que está estabelecido.

A desumanidade institucional atingiu nonosso tempo o seu ponto máximo.

Na posse da consciência do seu lugar nahierarquia institucional, do que lhe é pedido e doque lhe é recusado, o que resta então aotrabalhador?

Em primeiro lugar, acreditar que asInstituições foram criadas para os sereshumanos. Se elas se afastaram da maioria doshomens pondo-se ao serviço apenas de alguns,

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mais tarde ou mais cedo, elas se esgotarão nadefesa dos seus interesses, deixando cair,também por esgotamento, os seres humanos quese colocaram ao seu serviço.

Em segundo lugar, por mais que asInstituições se automatizem ou se fechem nocircuito tecnológico, elas necessitam dos sereshumanos, quanto mais não seja, para serevitalizar e actualizar.

O que importa produzir sem fim, se essaprodução não pode ser consumida, dentro dosparâmetros em que nos encontramos? Airracionalidade institucional é tão forte que nãoconsegue estancar este processo, por muito quealguns dos seus líderes, estejam já conscientesdos perigos que as ameaçam.

Assim, os seres humanos não podemdesistir de continuar a sua luta pelahumanização das Instituições.

Neste momento histórico, em que umaespécie de vendaval consome tudo e todos, talvezseja tempo de reflexão e de encontro consigomesmo, ao contrário de se deixar levar pelacorrida sem sentido que cada um parece estar alevar, acreditando ou parecendo acreditar, que asInstituições o irão reconhecer.

Gastam-se horas nos transportes para sechegar ao local de trabalho. Este tempo conduz aum adormecimento e a um estado de exaustãoque amolece os sentidos e a mente e paralisa a

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Alma. Corre-se sem sentido, de um local detrabalho para outro, para se obter umrendimento mensal considerado suficiente ouuma segurança de trabalho que não se sente ter.Não há espaço nem tempo para questionar oupara reflectir, sobre quem somos e o queprocuramos.

Quando o nível de ansiedade se tornademasiado elevado, corre-se para a Igrejapróxima, para o ansiolítico mais vendido nomercado, e para todo o tipo de drogas que opossa reduzir. Entra-se então num novo ciclo dedependências, em vez de se ter percebido queesta ansiedade era um sinal positivo de alerta,dado agora pelo próprio corpo como tendo,também este, atingido o seu limite.

E mais uma vez as Instituições vêm em seusocorro, facilitando todo o tipo de fármacos queos laboratórios vão investigando ecomercializando, transformando o sinal de alertadado pelo corpo, em mais um meio de ganhardinheiro. E só o ser humano poderá cortar esteviciado circuito.

Este trabalho de consciencializaçãoindividual, talvez pela primeira vez na História daHumanidade, não pode ser ensinado nempregado nem conduzido nem codificado. Essatem sido a tentação de modernos grupos que têmvindo a aparecer e que, rapidamente, setransformam em seitas rígidas e manipuladoras,

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onde as pessoas voltam a entregar o seu Self epor vezes a própria vida.

Como uma semente que se deitou à terra,cada um de nós deve procurar, em primeirolugar, encontrá-la dentro de si mesmo. Após esteEncontro, cada um tem por trabalho fortificá-la,ou como dizia Cristo, pô-la a render. Se estetrabalho implica escrever, mudar de local detrabalho, de cidade, de país, de amigos, poisentão que isso se faça, que cada um siga o seuDestino e que este se cumpra.

Não mais percamos o tempo a olhar para oque os outros dizem, pensam, ou fazem.Deixemos de nos projectar, no que temos de bome de mau, nos outros, sejam eles os maispróximos ou os mais afastados. Não façamos dosoutros os nossos bodes expiatórios ou os objectosde que nos servimos, para preencher o nossovazio existencial. Tentemos encontrar nos outrosa sua individualidade e prazenteemo-nos comessa descoberta.

Preparemo-nos então para um futuro, maisou menos próximo, em que teremos que voltar atomar conta do destino das Instituições.

Até lá, estudemo-nos e estudemos todo opassado institucional legado pelos nossosantepassados, e interajudemo-nos.

Esse estudo pode fazer-se, na suadimensão consciente, através dos actuais líderes.Estes incarnam o passado da Instituição, e fazem

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deste legado uma leitura própria, ainda quecondicionada pela totalidade social, onde aInstituição está inserida. Assim em determinadomomento histórico, o Presidente da República, ouo Rei, por exemplo, são impulsionados a ter umpapel mais activo, justificando-o de váriasmaneiras. Noutros períodos, estas mesmasfiguras recolhem-se e aparecem as segundasfiguras, os Primeiros Ministros. Justificar estasalterações em nome das leis vigentes nessesperíodos é uma justificação insuficiente uma vezque sabemos que as leis se fazem e se desfazemem função dos interesses em jogo, e ou de forçasinconscientes que desconhecemos.

Então, para se conhecer a ideologia de umaInstituição, em determinado momento histórico,há que se começar pelo estudo do seu líder.

E neste estudo está em jogo não só oconjunto de ideias, de ideais e de valores que eledefende, mas talvez e sobretudo a sua própriapersonalidade. É esta que irá dar o cariz próprioà Instituição naquele momento histórico. AInstituição, no estado evolutivo em que seencontra, necessita de pessoas que se lhe doemtotalmente. Cada líder que se encontra à frentede uma Instituição, por mais pequena einsignificante que o seja no contexto social, nãotarda a sentir a Instituição como sua, a exibircomportamentos de controle dos restantesmembros, e a exigir que o tratem com deferência

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e de uma forma especial. Este é o outro lado damoeda. O indivíduo fica possuído pelaInstituição, mas como não tem consciência disso,afirma o contrário: ele é que controla aInstituição. Não se reflecte que os privilégiosobtidos durante o mandato pelo líder caem porterra logo que ele abandona o cargo, e por maisesforço que faça, ninguém mais lhe dá o valorque obteve quando exercia essa função.

Assim, cada um de nós ao entrar numaInstituição, tem possibilidades de avaliar do graude evolução desta ou do seu estado de saúde oudos objectivos, para aquele momento histórico,através do líder que se encontra à frente dosseus destinos. Os restantes líderes, subalternos,reflectirão esse padrão em vários ângulos, numaespécie de caleidoscópio. Na História daInstituição, fica sempre o nome do líder e nuncao dos restantes elementos que se esforçam erealizam as inúmeras tarefas que o quotidianoexige, o que não é por acaso.

A atenção dada à figura do líder daInstituição pouparia muito do sofrimento de cadatrabalhador, no esforço, por vezes acima dassuas possibilidades, que desenvolve para obter oseu reconhecimento e gratificação. Cadatrabalhador repete, inconscientemente, asatitudes do seu líder. Este centra-se, sente-se ecomporta-se como o elemento mais importante edecisivo daquela Instituição, naquele momento,

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criando-se assim, em cada um de nós, umadependência e uma filiação neste líder, o que dáum sentimento de pertença e de irmandade entretodos.

A descoberta de que tal não é verdadeiro,provoca em todos os seres um imensosofrimento, o qual, normalmente, é projectado ouvivido em estado de vitimização.

Afirmar que tal sofrimento se deve aproblemas psicológicos e afectivos dotrabalhador, é a forma inquisitorial que aInstituição encontra de o colocar no seu devidolugar.

Os indivíduos mais individuados, ou seja,mais conscientes de quem são e do que querem,têm uma atitude diferente, não se deixandosubjugar ou aprisionar pelo líder da Instituição,ou seja, pela própria Instituição. Os que possuemuma personalidade distorcida jogamperversamente com a Instituição, obrigando-a aapresentar o seu lado Sombra, obscuro,reprimido. Criam assim temporariamente o caose instalam o medo, o mal.

A Instituição procura, no nosso tempo,fugir a todo este envolvimento com os seres,apresentando-se cada vez mais como sem rostohumano específico, como já se observa com aschamadas Admnistrações. Tempos virão em quenão se conseguirá saber que padrão reinanaquela Instituição e só os seus actos nos

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poderão dar algum sinal. Já começámos aobservar este fenómeno através da actividadefebril em torno da chamada «Bolsa de Valores».Aí, assistimos ao jogo entre a Imagem das váriasInstituições, feito de uma forma complexa, emais intuitiva do que racional.

E neste jogo qual é o nosso papel?

Fica a pergunta em aberto.

Évora, 12 de Janeiro de 1999

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Notas

[1] Durkeim, E. Les Formes élémentaires de la viereligieuse, P.U.F., 1960, pp. 142-145.

[2] «Os campos mórficos, tal como os camposconhecidos da física, são regiões não materiaisde influência que se estendem no espaço e seprolongam no tempo.» – Sheldrake, Rupert, Aressonância mórfica, A presença do Passado, oshábitos da Natureza, Lisboa, Instituto Piaget,1995, p. 15.

[3] «O inconsciente colectivo represente a parteobjectiva do psiquismo; inconsciente pessoal, aparte subjectiva (...) As imagens primordiais sãoas formas mais antigas e universais daimaginação humana. São simultaneamentesentimento e pensamento.» – Jung, Carl Gustav,Psicologia do Inconsciente, Petrópolis, EditoraVozes, 1971, p. 58.

[4] «Sombra, uma parte inconsciente dapersonalidade caracterizada por traços eatitudes, negativos ou positivos, que o egoconsciente tende a rejeitar ou a ignorar. Épersonificada em sonhos por pessoas do mesmosexo da pessoa que sonhou (...)".» – Hall, James

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A., Jung e a interpretação dos sonhos, São Paulo,Editora Cultrix, 1997, p. 153.

[5] Cortesão, Eduardo Luís, Contribuição parauma Teoria da Técnica Grupanalítica, Lisboa,1981.

[6] (in Moderno Dicionário da Língua Portuguesa,Círculo de Leitores, 1985).

[7] Hilman, J., Cem Anos de Psicoterapia e oMundo está cada Pior, São Paulo, SummusEditorial, 1992.

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©2000 Maria Margarida Ribeiro

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