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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
AS PREFERÊNCIAS DE FECUNDIDADE E O PLANEJAMENTO POR FILHOS:
DISCUSSÕES A PARTIR DE RELATOS DE HOMENS UNIDOS DE UMA CAPITAL E DE
UMA REGIÃO DE FRONTEIRA NO BRASIL
Angelita Alves de Carvalho 1
Paula Miranda-Ribeiro2
Resumo: Por muitas décadas foi dado um imenso foco às preferências reprodutivas femininas sobre os resultados de
fecundidade. Contudo atualmente, percebe-se mudanças significativas nas relações de gênero entre os cônjuges,
especialmente no que envolve o processo de tomada de decisões por filhos e o cuidado destes. O que indica que também
as preferências reprodutivas dos homens estão tendo impactos significativos na fecundidade. Contudo, poucos estudos
existem no Brasil para o melhor entendimento deste fenômeno por parte dos homens. Assim, este trabalho analisa os
desejos e intenções por filhos e o planejamento por estes numa perspectiva masculina. Busca-se comparar visões sobre
o planejamento por filhos de homens casados/unidos, mais escolarizados, residentes em Belo Horizonte (MG) com
aqueles de menor nível educacional, que vivem em um contexto mais interiorano e rural do município de Machadinho
D’Oeste (RO). Para isso, foram utilizados dados de entrevistas em profundidade realizados em ambos municípios com
aproximadamente 46 homens entre os anos de 2013 e 2014. O estudo revelou que em média o desejo por filhos é
superior ao número de filhos tidos, ou seja, a maioria dos homens entrevistados apresentam-se na situação de
fecundidade discrepante negativa. Contudo, isso não significa, na maioria dos casos, uma insatisfação com o
comportamento reprodutivo. E apesar de pertencerem à regiões e contextos sociais, culturais e econômicos bastante
distintos, entrevistados apresentam características bastante próximas quanto ao processo de planejamento e
implementação das preferências reprodutivas.
Palavras-chave: desejo e intenções por filhos; perspectiva masculina; pesquisa qualitativa;
1 - INTRODUÇÃO
O estudo sobre homens e reprodução sempre foi marginalizado na análise demográfica.
Segundo Goldscheider & Kaufman (1996), antes das transformações que criaram as sociedades
urbanas e pós-industriais em todo o mundo mais desenvolvido, homens e mulheres conviviam em
casa, envolvidos na produção familiar e no cuidado de seus filhos. As circunstâncias históricas
levaram os homens a deixarem a família para geração de renda e às mulheres couberam os cuidados
dos filhos e da casa. As leis de transferência para a mulher tanto da custódia legal e da
responsabilidade com os filhos nos casos do divórcio vieram reforçar esses papéis de homens e
mulheres.
Por muito tempo, as abordagens teóricas dominantes colocavam a mulher e a criança no
âmago do processo histórico de construção da vida familiar, o que contribuiu amplamente para
dissociar o homem das manifestações afetivas que circulam no seio da família. Uma das grandes
contribuições para a inserção dos homens no processo reprodutivo foram as reivindicações
contínuas dos movimentos feministas, o aumento da escolarização feminina e sua entrada maciça
para o mercado de trabalho e vida pública. Tudo isso levou a uma preocupação com a definição do
1 Pesquisadora e Professora na Escola Nacional de Ciências Estatísticas, ENCE/IBGE, Rio de Janeiro, Brasil. 2 Professor Adjunta da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil.
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papel de homem-pai e os estudos “estudos sobre paternidade aparecem como no campo particular
de ações e investigações. A participação mais efetiva dos homens no cotidiano familiar,
particularmente no cuidado com as crianças, aparece sob a égide da expressão “nova paternidade”
(Arilha, Ridente e Medrado, 1998, p. 20).
A partir da década de 90 teve-se uma mudança decisiva neste panorama, especialmente a
partir da Conferencia Internacional sobre a População e o Desenvolvimento de 1994. Da
Conferencia saíram algumas orientações para a promoção da coresponsabilizacão dos homens nos
comportamentos sexuais, reprodutivos e no exercício da paternidade responsável. A partir de então,
abriu-se o caminho para a compreensão dos processos de decisão no campo da fecundidade e do
papel exercido pelos homens (Goldscheider & Kaufman, 1996).
Apesar desse constante estímulo e exigência para que os homens também participassem do
processo de tomada de decisão por filho, Cunha (2010) revela que a mudança no nível de
fecundidade têm sido totalmente atribuída ao protagonismo feminino. Muitos fatos remetem a isso,
tal como a participação feminina no mercado de trabalho – que tem aumentado significativamente
desde meados do século XX – para inibir a aspiração à maternidade. Como clarificou Oliveira, I.
(2007) a este respeito, trata-se de “uma visão profundamente enraizada na perspectiva de Becker,
sobre os maiores custos econômicos da criança associados ao aumento da educação feminina (…).
Esta concepção supõe a existência de um conflito entre o trabalho feminino (associado ao aumento
da escolarização) e a maternidade” (Oliveira, I. 2007 p. 15)
Também Oliveira, M. (2007) mostra que o tema reprodução têm sido tratado,
preferencialmente, no contexto da vida feminina, porque é assim que a pesquisa em demografia se
volta para a compreensão dos determinantes dos níveis e padrões de fecundidade, uma vez que
examina, a partir da mulher, as carreiras reprodutivas e os projetos de fecundidade. A autora
defende a importância de desvendar as construções socioculturais que modelam atitudes e práticas
masculinas relativas à reprodução, mostrando uma preocupação em entender a matriz social de
direitos e obrigações que fundamentam os projetos e as decisões reprodutivas masculinas. Além
disso, existe um interesse em conhecer como os homens constroem ao longo da vida suas visões
sobre a reprodução e a paternidade, sobre a sua capacidade ou incapacidade de interferir nesse
processo e as práticas que dão vida as suas experiências nessa área. Assim, a inclusão de ambos os
parceiros como objeto de pesquisa faz-se uma oportunidade de incluir os homens no contexto das
escolhas reprodutivas.
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Wall et al. (2010) tentam trazer as discussões feministas para o mundo dos homens e, nesse
sentido, defendem que é importante pensar como as obrigações profissionais podem impedir os
homens de se realizarem na vida privada e assim estes também teriam tensões e dificuldades na
conciliação entre a vida profissional e a vida familiar. Sabendo que não somente as mulheres têm
dificuldades de conciliação de suas diversas obrigações públicas e privadas, mas também os homens
as sofrem, desvendar essas contradições é primordial no atual cenário de baixa fecundidade.
Nesse aspecto, Lyra e Medrato (2000) afirmam que ainda não se tem no Brasil instrumentos
de coleta de dados das principais pesquisas realizadas no país em âmbito nacional (Declaração de
Nascidos Vivos; Mapa de registro de Nascidos Vivos; Contagem Populacional, 1996; PCV,
1990/1994; PNAD, 1996) perguntas que possam trazer informações sobre a participação masculina
na vida reprodutiva. Destacam que é necessário reformular tais questionários a fim de que colocar o
homem como também responsável nos debate sobre a concepção e criação de filhos.
Isso se faz cada vez mais necessário, uma vez que o exercício de uma paternidade
responsável, que inclui os cuidados corporais e as necessidades afetivas dos filhos, vem aumentado
e isto pode ser visto como caminho para a construção de um novo homem, uma vez que uma das
características do modelo tradicional é a dificuldade que os homens têm de expressão, afeto e
ternura (Giffin & Cavalcanti, 1999). Contudo, Vieira et al. (2014) destaca que parece existir uma
dualidade no exercício dessa paternidade, pois por um lado reconhece-se a da figura paterna para o
desenvolvimento da criança e a necessidade de que o pai participe de maneira ativa nos cuidados
dos filhos e por outro ainda se vive papéis parentais tradicionais, uma vez que o pai é caracterizado
como ajudante da mãe, conferindo a ela a responsabilidade majoritária pela criação dos filhos.
Estas novas parentalidades podem ser percebidas em alguns estudos de caso no Brasil.
Giffin (1994), analisando homens em favelas cariocas, revela tanto o aumento da responsabilidade
econômica que os homens sentem perante a gravidez quanto sua concordância em controlar a
fecundidade, ou mesmo sua proibição sobre uma gravidez, especialmente entre homens jovens e
ainda sem filhos. Para muitos homens de baixa renda, ‘ser pai’ significa assumir a responsabilidade
pelo sustento do filho, não sendo resultado automático da participação na geração de uma criança.
Também no estudo etnográfico de Bustamante (2005, p. 393) com homens de camadas
populares de Salvador, revelou que “sentir-se pai não está determinado pelo laço biológico com a
criança, e sim, fortemente influenciado pela qualidade da relação com a parceira e a própria
experiência como filho” E assim como no estudo anteriormente citado, “ser provedor é condição
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necessária para ter uma relação afetiva com os filhos, da qual os cuidados corporais tendem a estar
excluídos, por serem considerados atribuição feminina”.
De Almeida Cardoso et al. (2009), a partir de entrevistas com homens de João Pessoa,
remete novamente à paternidade como um processo em transição, mostrando uma mudança dos
sujeitos com o decorrer da vivência da paternidade. No início esta era concebida como um novo
encargo social, muito mais vinculada à provisão material da família do que ao espaço de
envolvimento afetivo com o(a) fi lho(a). Posteriormente, a partir da conivência com os filhos,
destacava-se como eixo central das preocupações de ser pais a dimensão afetiva da paternidade.
Nesse contexto torna-se importante o estudo das preferências reprodutivas, buscando
entender a visão dos homens nesse processo (Ryder, 1973). Visto que ainda existem no Brasil
poucos estudos que considerem o ponto de vista dos homens, pois pela disponibilidade da fonte de
dados, baseiam-se, apenas na visão das mulheres sobre as decisões reprodutivas (Beckman et al.,
1983; Morgan, 1985; Thomson et al. 1990; Thomson, 1997; Thomson & Hoem, 1998).
Neste sentido, questiona-se: Como se dá o processo de formação dos desejos e planejamento
dos filhos entre homens de diferentes contextos regionais e socioculturais? Há evidências de
discrepância entre fecundidade realizada e desejada nestes grupos? Estes homens têm mais filhos do
que desejam ou tem menos do que gostariam? Quais consequências são percebidas por eles deste
processo? Investigações que avancem nestas discussões são necessárias.
Busca-se comparar visões sobre o planejamento por filhos de homens casados, mais
escolarizados, residentes em Belo Horizonte (MG) com aqueles de menor nível educacional, que
vivem em um contexto mais interiorano e rural do município de Machadinho D’Oeste (RO).
Buscou-se ainda identificar e entender como estes diferentes contextos podem gerar atitudes e
vivências quanto ao planejamento por filhos ao mesmo tempo semelhantes por um lado e ao mesmo
tempo divergentes em outros aspectos.
2 - ASPECTOS METODOLÓGICOS
2.1 - Local de estudo, população, recrutamento e técnica de pesquisa
Optou-se por trabalhar em dois locais bastante distintos: Machadinho d’Oeste e Belo
Horizonte. O primeiro fica localizado no estado de Rondônia e foi escolhido por ser o foco do
projeto LUCIA, ao qual este estudo se integra. O outro local de estudo foi a cidade de Belo
Horizonte, capital do estado de Minas Gerais. A escolha de deveu ao fato de nenhuma pesquisa
sobre essa temática ter sido desenvolvida na cidade e esta apresentar Taxa de Fecundidade bastante
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abaixo no nível de reposição, temática de fundo da pesquisa, e, ainda, às facilidades de ir a campo,
já que a pesquisadora residia em Belo Horizonte.
A população deste estudo foi composta por homens heterossexuais, casados legalmente ou
unidos por pelo menos 1 ano. A técnica de recrutamento foi por conveniência, em que as
abordagens foram feitas a partir da técnica da bola de neve, em que os próprios participantes
indicavam conhecidos que se enquadravam no perfil. Foram realizadas entrevistas individuais em
profundidade as quais foram conduzidas pela primeira autora, a partir de roteiros semiestruturados.
Estes roteiros, assim como todo o projeto, foram submetidos e aprovados pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da UFMG.
As entrevistas foram gravadas e transcritas, sendo realizada uma análise de conteúdo para
sua interpretação. A fim de garantir a confidencialidade dos participantes, estes foram identificados
por meio de nomes fictícios. Nesta técnica adotou-se a análise das redes de temas, assim sugerido
por Attride-Stirling e utilizado por Carvalho (2014). Esta proposta analítica é uma forma de
organizar a análise temática dos dados qualitativos categorizando os temas que surgem nos textos
em diferentes níveis.
2.2 - Breve descrição do perfil dos entrevistados
Foram entrevistados 15 homens de baixa escolaridade (em torno do ensino fundamental),
com idade média de 42 anos (com as idades máximas e mínimas de 31 e 53 anos). A idade média à
primeira união foi bastante jovem (25 anos). Em consequência disso, a idade ao ter o primeiro filho
também foi bastante precoce (26 anos). Quanto aos aspectos sociodemográficos, todos os
entrevistados eram imigrantes do município e vieram principalmente de cidades vizinhas e do
estado do Paraná. Dos entrevistados, 8 moravam na zona urbana do município, desempenhando
funções, na maioria das vezes ligada ao comércio e ou empregados públicos e 7 residiam na região
rural, contudo bastante próximas e muito integradas com a cidade, ao ponto de que alguns
desempenhavam trabalho remunerado nela, tais como motorista de ônibus, professor.
Já grupo de maior escolaridade (superior ou mais) foi composto por 31 homens, com idade
média de 48 anos. A maioria era natural da cidade, e os que eram migrantes vieram do interior do
próprio estado. A maioria deles estavam vivenciando a primeira união e a idade média à união foi
de 32,6 anos para os homens, ou seja, bem acima da média brasileira (IBGE, 2011). A idade média
ao ter o primeiro filho foi de 33 anos. Destes, 8 homens tiveram seus filhos antes dos 35 anos.
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Somente um entrevistado declarou não trabalhar. Entre as profissões mais comuns estavam
servidores públicos, empresários/autônomos, profissionais liberais, professores, etc.
3 - RESULTADOS E DISCUSSÕES
3.1- Formação dos desejos e intenções de fecundidade
Uma parte dos entrevistados revelou que o desejo por filhos surgira ainda na adolescência,
como algo do curso natural do ciclo de vida. Mesmo que tardiamente para os homens (Adalto), o
projeto de ter filhos existe no horizonte do ciclo de vida. Essas percepções foram encontradas em
ambos perfis de homens. E é interessante notar que a questão do casamento não é algo tão forte
entre eles, mas que este está muito associado ao fato de ter filhos.
“Não tinha vontade de ter filhos... Sabia que um dia ia casar e tal, porque é o trâmite normal da
vida, né?” (Mateus, 45 anos, 2 filhos, baixa escolaridade)
“Não sei se um dia eu vou me casar, mas se casar é natural ter filhos”. (Pedro, sem filho, 43 anos,
alta escolaridade)
Foi especialmente forte entre os homens de alta escolaridade, houve uma comparação com o
comportamento do pai e da relação que estes tinham com ele na infância. A maioria deles relatou
experiências negativas, os quais na maioria dos casos, não tinham a intenção de seguir, uma vez que
para eles não seria o comportamento ideal de pai.
“Uma coisa que eu pretendo fazer diferente do meu pai, meu pai deu uma educação ótima para a
gente, com todas as condições de estudar, de aproveitar as férias quando eu era menino, viajar,
mas eu acho que faltou na educação dele é dialogar mais, e isso eu pretendo ter bastante com meus
filhos.” (Daniel, sem filhos, 43 anos, alta escolaridade).
“Eu acho que na adolescência, na adolescência eu já pensava em ser pai. Acho que porque eu
brigava muito com o meu pai, então eu queria ser um pai melhor para o meu filho.” (Fabrício, sem
filhos, 31anos, alta escolaridade).
Nas falas relacionadas é perceptível a mudança de atitudes dos homens em relação ao
comportamento de seus pais. Em todas elas, os entrevistados parecem almejar uma maior
participação na criação dos filhos, atitudes condizentes com o que tem sido defendido por Wall et
al. 2010 e Giffin & Cavalcanti, 1999, em que eles defendem o surgimento de novos homens, muito
mais interessados no envolvimento do desenvolvimento dos filhos. Os dados também suscitam as
análises de Purr et al. (2008) em que os homens com atitudes de gênero mais igualitárias parecem
serem propensos a se tornarem pais. Percebe-se também, com as falas acima, uma mudança dos
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homens em relação à geração dos pais, ou seja, parece estar havendo uma mudança de
comportamento entre as coortes. Abaixo, na fala de Augusto isto fica ainda mais claro, o qual
mostra ter uma clara percepção desta mudança.
“A dele [geração do pai] era normal o pai ser um cara que trazia renda para casa e a mãe ser a
que cuidava dos filhos. Hoje os dois têm que trazer a renda, os dois têm que cuidar. Então
realmente você para e pensa, tem razão, são momentos diferentes.” (Augusto, 2 filhos, 40 anos, alta
escolaridade).
3.2 - Medos e (in)segurança quanto à paternidade
A maioria dos entrevistados de menor escolaridade foi pai muito jovem e de alguma forma
isso teria gerado certa insegurança quanto à paternidade. Uma parte dos entrevistados revelou que
não tiveram muito tempo para se preparar para o nascimento dos filhos uma vez que a gravidez não
foi planejada para aquele momento. Isto de alguma forma envolve a percepção da capacidade de se
tornar ou não mães/pais, o que para a Teoria do Comportamento Planejado seria um dos
determinantes do processo de formação e intenções por filhos (Ajzen, 1991). E apontam para as
consequências que essa gravidez não planejada em idade jovem teve em suas vidas, pois como
referido por Arilha, Ridente e Medrado (1998), ter filhos é algo que os homens vinculam com o
início de uma nova etapa na vida, em que se encerra a curtição e começa a vida familiar e a
responsabilidade. Contudo quando estas etapas não são bem planejadas acontece o que relata o
Marcelo.
“Medo de não dar conta, de deixar passar dificuldade, essas coisas. A gente via tanto pai com o
menino sofrendo, né?” (Fernando, 46 anos 2 filhos, baixa escolaridade)
“Ah, filho é bom, mas dá muito problema, né? É difícil para mexer. Criança é muito bom, mas
chega numa certa idade, começa a dar muito trabalho. E a gente novo também, né? Quando você
tem uma certa idade para ter filho, você tem mais paciência, quando você é novo, você não tem
tempo para filho. Você quer curtir a vida, você quer trabalhar e ganhar dinheiro, aí você não quer
viver para o filho, você quer viver para você.” (Marcelo, 53 anos, 2 filhos, baixa escolaridade)
Uma outra parte dos casais, em especial os de maior escolaridade, afirmou que tentaram se
planejar para ter os filhos, tendo uma estabilidade financeiramente primeiro para pensar, depois, em
ter filhos. A maioria buscou atingir um nível de segurança, especialmente quanto à terem uma casa
própria, para então decidir se tornar pais/mães. E assim, a insegurança não existiu ou foi menos.
Esses achados corroboram outros estudos que também apontam para a importância da estabilidade
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tanto econômica quanto emocional para a decisão de se ter filhos (DE LIMA PARADA e TONETE,
2009).
“Evitamos sim, porque a gente estava desestabilizado, né? Então estava pagando terreno,
construindo, não dava para pensar em ter filho, ia atrapalhar muito. “- Vamos segurar”. Quando
eu estava com trinta, agora vamos.” (Pedro, 49 anos, 3 filhos, baixa escolaridade)
“Não, acho que eu não tive insegurança não. Foi mais acreditar mesmo, sabia que era a hora, que
era a hora dela, que era a nossa hora. Eu não fiquei inseguro não. Na questão financeira eu não
fiquei inseguro. Foi bem tranquilo de a gente encarar.” Ronaldo, 1 filho, 35 anos, alta escolaridade
3.3 – Realização dos desejo/intenções por filhos e satisfação com a fecundidade alcançada
No que diz respeito à fecundidade desejada e realizada, observou-se que o número ideal de
filhos permaneceu bem próximo da média nacional (2,1) e entre os dois grupos de homens
entrevistados (em torno de 2,5 filhos para os homens de menor escolaridade e de 2,3 para os
residentes em Belo Horizonte). Por outro lado, o número de filhos nascidos vivos foi de 2,2, e 1,3,
respectivamente. Ou seja, há uma discrepância negativa de fecundidade em ambos os casos, sendo
mais pronunciada entre os homens mais escolarizados. Essa média mais elevada para os do primeiro
grupo pode estar relacionado ao fato de que nestes há maior frequência de filhos de relacionamentos
anteriores, sendo que o caso mais extremo um entrevistado que tinha 4 filhos em um
relacionamento anterior e dois no atual.
Para a maioria dos homens foi clara a importância do filho homem. Muitos estudos
documentam a crença dos homens de ter uma proximidade maior com o filho homem,
especialmente quando este estiver adulto (Bustamante, 2005). Alguns entrevistados ainda indicaram
a possibilidade de terem três filhos, mas como limite a fim de realizar o desejo de terem menino e
menina, especialmente entre casais residentes na área rural.
“Acho que todo homem tem vontade de ter um filho. Menina é muito bom, maravilhoso, mas todo
homem tem vontade de ter um filho, acho que é aquela coisa de levar o nome, o legado, então eu
tinha vontade de ter um menino. E graças à Deus eu fui contemplado com um casal” (Marcos, 41
anos, 2 filhos, baixa escolaridade)
“Quero ter um filho homem. Se tiver dois pode ser um menino e uma menina, acho até melhor, mas
eu que menino vai ser mais próximo de mim. Não que a filha também não seja, mas acho que
gostar das mesmas coisas do próprio homem, gostar de futebol.” (Daniel, sem filhos, 43 anos, alta
escolaridade)
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A maioria dos entrevistados de ambos os grupos alegou o alto gasto financeiro de criação
dos filhos atualmente para não alcançarem o número de filhos inicialmente desejado, pois todos eles
se mostraram bastante preocupados em investir na educação dos filhos. Esses achados corroboram
os estudo de Braz et al. (2005) que mostram que famílias de classes menos favorecidas enfatizam a
transmissão de valores relacionados à educação formal, o respeito e normas morais.
“Porque é o seguinte, o custo de vida é alto, o custo de vida para a gente é alto. Então você ter
mais filho e deixar de qualquer jeito, fica ruim, então dois, para conseguir manter uma faculdade,
um estudo, né? (Sérgio, 43 anos, 2 filhos, baixa escolaridade)
“Agora, o terceiro é que a gente está relutando. Por causa de educação, a gente sabe que já aperta
mais. Esse segundo [filho] nós vimos o quanto aumentou a nossa despesa. Até para ter outro não
pode morar aqui, porque o apartamento para quatro é tranquilo, mas para cinco ou até para seis,
se vier gêmeos, porque na família dela tem gêmeos.” (Bernardo, 2 filhos, 46 anos, alta escolaridade)
Com relação à satisfação com a (pa)maternidade, muitos participantes demonstraram que ter
filhos contribuiu para a sua realização pessoal, trazendo um amadurecimento muito grande como
pessoa.
“Então, eu amadureci muito sendo pai, então eu vejo que se não fosse pai estaria perdendo um
bocado de aprendizado. Eu vejo pessoas que não têm filhos falando a respeito de filhos, com ideias
a respeito de filhos que eu tinha, e que eu vejo que são absolutamente incompatíveis com a
realidade” (Júlio, 31 anos, 2 filhos, baixa escolaridade).
4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo analisou qualitativamente o processo de formação e realização das preferências
reprodutivas num comparativo de homens de baixa escolaridade unidos de uma região de fronteira
no Norte do Brasil com aqueles de maior escolaridade residentes na capital Belo Horizonte/MG.
Observou-se que o processo de formação do desejo por filhos surge na adolescência, para
homens de ambos grupos estudados e que existe uma forte relação com a experiência familiar
vivenciada pelos indivíduos. O grupo entrevistado, mostrou duas tendências diferentes nesse
processo: os mais escolarizados buscaram primeiramente a estabilidade financeira e o planejamento
para se ter filhos mais tardiamente, principalmente por que desejavam dar uma vida diferente para
seus filhos da que tiveram. O outro grupo, de menor escolaridade, teve filhos mais jovem e sem
planejamento. As consequências desse não planejamento no primeiro filho foram as maiores
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dificuldades financeiras e com isso, buscou-se orientação para adiar e planejar melhor os demais
nascimentos.
De modo geral, a discrepância de fecundidade encontrada foi negativa, pois em média os
homens entrevistados tinham menos filhos do que declaram desejar. Apesar disso, é importante
destacar que, exceto nos casos que existia um arrependimento do uso da esterilização, não foi
perceptível que essa discrepância interferisse na satisfação com fecundidade alcançada por estes
homens Aparentemente, os entrevistados não pareciam dispostos a, de fato, implementar aquele
número de filhos idealizado; a busca para oferecer uma melhor qualidade de vida para estes foi
muito forte o que estava diretamente relacionado ao fato de terem um número menor de filhos.
A oportunidade de cursar uma faculdade (não acessível para os entrevistados), foi apontando
pela maioria daqueles de menor escolaridade como sendo um objetivo para seus filhos. Assim,
destacaram a importância do controle do número de filhos e do planejamento entre um nascimento e
outro, o que também contribuía para se ter melhores condições de cuidado e financeiras para
receber o novo membro familiar. Já para o grupo de maior escolaridade parece existir a
concorrência com outras atividades, mas também a preocupação com a qualidade destes filhos foi
apontando como um motivo para não atingir a fecundidade desejada. Apesar da intenção baixa por
ter filhos a preferência por filhos homens, e a figura do casal (dois filhos de sexo diferente)
mostrou-se forte entre os dois grupos de entrevistados.
Tudo isso revelou que, apesar de pertencerem à regiões e contextos sociais, culturais e
econômicos bastante distintos, estes homens apresentam características bastante próximas quanto ao
processo de planejamento e implementação das preferências reprodutivas.
Por fim, espera-se que este trabalho tenha trazido o debate das decisões reprodutivas para o
universo masculino, demonstrando, apesar de serem estudos de caso, as diferentes formas com que
os homens tomam as decisões por filhos e se sentem diante desta experiência.
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The fertility preferences and the planning for children: discussions from men's stories of a
capital and a border region in Brazil
Astract: For many decades immense focus has been given to female reproductive preferences on
fertility outcomes. However, there are significant changes in the gender relations between the
couples, especially in what concerns the decision-making process for children and their care. This
indicates that the men’s reproductive preferences are also having a significant impact on fertility.
However, few studies exist in Brazil. Thus, this paper analyzes the desires and intentions for
children and the planning by them from a masculine perspective. The objective of this study is to
compare visions about the planning for children of married men who are more educated, living in
Belo Horizonte (MG), with those of lower educational level, living in a rural context of the
municipality of Machadinho D'Oeste ( RO). For that, data from in-depth interviews conducted in
both municipalities with approximately 46 men between the years of 2013 and 2014 were used. The
study revealed that on average the desire for children is higher than the number of children achieved
, that is, the majority of men were in the situation of negative discrepant fecundity. However, this
does not mean, in most cases, dissatisfaction with reproductive behavior. And although they belong
to very different social, cultural and economic contexts and, interviewees present close
characteristics regarding the process of planning and implementing reproductive preferences.
Keywords: Desire and intentions for children. Male perspective. Qualitative research.