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Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Medicina
Farmacologia Bioquímica e Molecular
AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE CITOTÓXICA E
ANTIMALÁRICA DE ANÁLOGOS DA CLOROQUINA
Anna Caroline Campos Aguiar
Belo Horizonte
Julho/ 2011
ii
Anna Caroline Campos Aguiar
AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE CITOTÓXICA E
ANTIMALÁRICA DE ANÁLOGOS DA CLOROQUINA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Farmacologia Bioquímica e Molecular da Faculdade
de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais,
como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
Farmacologia Bioquímica e Molecular.
Orientadora: Professora Dra. Antoniana Ursine Krettli
Belo Horizonte
Julho/ 2011
iii
Dedico este trabalho à minha família e ao
Pedro, pessoas fundamentais em minha vida.
Sem vocês nada disso seria possível!
iv
AGRADECIMENTOS
A Deus, por sempre iluminar os meus caminhos e por ser fonte de paz em minha vida.
À querida professora Antoniana, pela excelente formação, não somente como futuros
pesquisadores, mas também como pessoas. O amor com que a senhora realiza o seu
trabalho e a sua paixão com a pesquisa é algo admirável e que nos motiva sempre. É um
grande prazer trabalhar com a senhora e desfrutar do seu conhecimento ímpar.
À minha mãe e as queridas avós Inês (in memorian) e Irene, por cuidarem de mim com
tanto amor e por serem o meu porto seguro. Sem vocês nada disso seria possível.
À família, fonte inesgotável de amor e paz, em especial ao meu irmão, as minhas tias e
tios, e as minhas “priminhas”. Ver como vocês vibram com as minhas conquistas é
muito bom. Amo vocês.
Ao Pedro, meu amor, essa conquista é tão minha quanto sua. Obrigado por tudo, por ser
o meu melhor amigo, por entender todos os momentos de ausência, por admirar o meu
trabalho, por se envolver tanto em tudo o que eu faço.
À minha “segunda família”, obrigado por me tratarem como filha, obrigada por me
apoiarem sempre. Fazer parte de uma família tão especial é muito importante para mim.
À Clari, por ter aberto as portas da realização de um sonho, por ser sempre tão
prestativa e carinhosa.
Aos amigos de faculdade e às amigas de infância, obrigada pela amizade de vocês e por
fazerem a vida ser sempre tão alegre.
À Dra Isabela Cerávolo, obrigada por toda a sua dedicação, por ser sempre tão disposta
e por todo o seu carinho. Você é muito especial para mim!
À Dra Eliana Rocha, obrigada por ter vindo fazer parte do nosso grupo e nos acrescentar
com o seu conhecimento. Tenho certeza que ainda vou aprender muito com você.
v
Aos grandes amigos que eu conquistei durante esse período no laboratório, obrigada por
serem tão prestativos e de uma convivência super agradável.
Ao Geraldo, por ser peça fundamental no nosso trabalho e por nos ajudar sempre com
tanta boa vontade.
Às meninas da In vitro cells e a Professora Miriam Chaves, pelos grandes ensinamentos
durante a minha iniciação científica.
Ao Programa de Pós-Graduação em Medicina Molecular, em especial ao Professor Luiz
Armando.
Ao Professor Mário Meneghetti e a sua equipe de laboratório pela produção dos
análogos da cloroquina.
Ao Professor Marcus Fernandes da Universidade Federal do Rio de Janeiro e a sua
aluna Juliana, pelos ensinamentos e por me receberem tão bem em seu laboratório.
Ao CNPq pelo financiamento do projeto e concessão da bolsa.
vi
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS .................................................................................................... ix
LISTA DE ABREVIATURAS ......................................................................................... x
RESUMO ........................................................................................................................ xi
ABSTRACT ................................................................................................................... xii
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 1
1.1. A malária no Brasil ............................................................................................ 2
1.2. Ciclo biológico dos parasitos da malária ........................................................... 2
1.3. Quimioterapia antimalárica ................................................................................ 3
1.4. Mecanismos para a sobrevivência do parasito e atuação da cloroquina ............ 6
2. JUSTIFICATIVA ..................................................................................................... 9
3. OBJETIVOS ........................................................................................................... 10
3.1. Objetivo Geral .................................................................................................. 10
3.2. Objetivos Específicos ...................................................................................... 10
4. MATERIAIS E MÉTODOS ................................................................................... 11
4.1. Obtenção dos análogos metálicos da cloroquina ............................................. 11
4.2. Solubilização dos compostos para testes de atividade biológica ..................... 11
4.3. Testes antimaláricos in vitro contra o P. falciparum ....................................... 11
4.3.1. Cultivo contínuo da fase eritrocítica do parasito ...................................... 11
4.3.2. Sincronização dos parasitos para utilização nos testes in vitro ................ 12
4.3.3. Preparo das placas para os ensaios de quimioterapia ............................... 12
4.3.4. Teste de incorporação de hipoxantina tritiada .......................................... 13
4.3.5. Teste imunoenzimático anti-HRPII .......................................................... 14
4.3.6. Determinação da concentração inibitória de 50% do crescimento do
parasito (IC50) ......................................................................................................... 15
4.4. Ensaios in vitro de citotoxicidade .................................................................... 15
4.4.1. Cultivo de linhagens celulares...................................................................... 15
4.4.2. Preparo das placas ........................................................................................ 15
4.4.3. Ensaio de citotoxicidade utilizando o MTT ................................................. 16
4.4.4. Ensaio de citotoxicidade utilizando o Vermelho Neutro ............................. 16
4.4.5. Índice de Seletividade .................................................................................. 17
vii
4.5. Ensaio de hemólise .......................................................................................... 17
4.6. Teste de inibição da formação de hemozoína .................................................. 17
4.7. Testes antimaláricos in vivo contra o P. berghei ............................................ 18
4.7.1. Comitê de ética para uso de animais ............................................................ 18
4.7.2. Teste esquizonticida sanguíneo in vivo com P. berghei............................... 18
4.7.3. Determinação da parasitemia ....................................................................... 19
4.8. Modelo molecular de docking ......................................................................... 19
4.9. Análise estatística ............................................................................................ 19
5. RESULTADOS ...................................................................................................... 21
5.1. Atividade antiplasmodial de análogos da cloroquina ...................................... 21
5.2. Atividade citotóxica de análogos da cloroquina .............................................. 23
5.3. Análise do Índice de seletividade .................................................................... 24
5.4. Avaliação da atividade hemolítica de análogos da cloroquina ........................ 26
5.5. Teste supressivo in vivo de análogos da cloroquina contra o P. berghei ......... 26
5.6. Avaliação da inibição da formação de hemozoína de análogos da cloroquina 28
5.7. Estudo molecular de docking ........................................................................... 31
6. DISCUSSÃO .......................................................................................................... 34
7. CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS ..................................................................... 40
8. REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 41
viii
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Estrutura da quinina, um alcaloide presente nas plantas Cinchona calisaya e
C. succirubra, e de antimaláricos sintetizados a partir do seu anel quinolínico..............05
Figura 2. Mecanismos de toxicidade do heme livre no Plasmodium sp........................08
Figura 3. Comparação entre os valores de IC50 dos análogos da cloroquina em dois
métodos distintos, HRPII (círculo) e Hipoxantina (quadrado), sendo significativas as
diferenças representadas por asterisco (p ≤ 0,05)............................................................22
Figura 4. Dispersão dos valores de MDL50 dos sete análogos da cloroquina nas duas
linhagens celulares, BGM (círculo) e HepG2 (quadrado)...............................................24
Figura 5. Parasitemia média em camundongos infectados pelo P. berghei (cepa NK65)
tratados com análogos da cloroquina e com cloroquina, avaliada em diferentes dias após
a infecção.........................................................................................................................28
Figura 6. Inibição da formação de hemozoína pela cloroquina, utilizada como controle
(H) e por seus análogos DETA (A), DETA Pt (C) , DETA Fe (E) , DETA Pd (G), DMA
(B) , DMA Pt (D), DMA Fe (F)......................................................................................30
Figura 7. Estrutura química da cloroquina e dos análogos da cloroquina na forma
protonada.........................................................................................................................31
Figura 8. Compostos ancorados à hematina dimérica sendo eles: (A) Cloroquina
protonada, (B) DETA-1, (C) DETA-2, (D) DETA-3, (E) DMA-1 e (F)
DMA................................................................................................................................33
Figura 9. Estrutura da ferroquina....................................................................................36
Figura 10. Ligação do complexo cloroquina-heme na enzima lactato
desidrogenase...................................................................................................................39
ix
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Atividade anti-P. falciparum (clone W2 cloroquina-resistente) de análogos
da cloroquina, utilizando os ensaios imunoenzimático anti-HRPII e de hipoxantina.....22
Tabela 2 - Atividade citotóxica de análogos da cloroquina utilizando o ensaio de MTT
e vermelho neutro nas duas linhagens celulares, HepG2 e BGM...................................23
Tabela 3 - Índice de Seletividade dos análogos da cloroquina em diferentes ensaios de
viabilidade celular nas linhagens celulares estudadas (HepG2 e BGM), calculados em
relação ao ensaio de atividade antiplasmodial de hipoxantina........................................25
Tabela 4 - Índice de Seletividade dos análogos da cloroquina em diferentes ensaios de
viabilidade celular nas linhagens celulares estudadas (HepG2 e BGM), calculados em
relação ao ensaio de atividade antiplasmodial anti-HRPII..............................................26
Tabela 5 - Atividade antimalárica in vivo de análogos da cloroquina e da cloroquina em
camundongos infectados com o Plasmodium berghei....................................................27
Tabela 6 - Energia de ancoramento entre os análogos da cloroquina e a hematina
dimérica...........................................................................................................................32
x
LISTA DE ABREVIATURAS
ACT – Artemisinin-based combination therapy
BGM – Linhagem celular de macaco verde Africano
CPqRR – Centro de Pesquisas René Rachou
CQ – cloroquina
DALYs – Disability-adjusted life years
DMSO – Dimetilsulfóxido
ELISA – Enzyme-linked immunosorbent assay
HepG2 – Célula de hepatoma humano
HRPII – Histidine rich protein II
IC50 – Concentração inibitória 50%
IS – Índice de seletividade
MDL50 – Mínima Dose Letal 50%
MTT – Brometo 3-(4,5-Dimetiltiazol-2-yl)-2,5-difeniltetrazol
OMS – Organização Mundial de Saúde
PBS – Tampão de Fosfato e salina
PBS-T – Tampão de Fosfato e salina com Tween 20 à 0,05%
rpm – Rotação por minuto
ROS – Reactive Oxygen species
RPMI – Meio de Cultura (“Roswell Park Memorial Institute”)
SBF – Soro Bovino Fetal
SVS – Secretaria de Vigilância Sanitária
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
VD – Vacúolo digestivo
xi
RESUMO
A malária humana, segundo a Organização Mundial da Saúde, é a doença parasitária
mais importante e um dos maiores problemas de saúde pública do mundo. Seu controle
é dificultado devido à resistência dos mosquitos aos inseticidas, à falta de uma vacina
eficaz e, sobretudo, ao surgimento e disseminação de parasitos resistentes à maior parte
dos fármacos disponíveis. O tratamento medicamentoso específico da malária
permanece como principal estratégia na redução da morbidade e da mortalidade
atribuídas à doença. No presente estudo, análogos da cloroquina e seus derivados
metálicos foram avaliados, considerando que associar moléculas a metais parece uma
estratégia promissora na busca de novos antimaláricos. Sete novos análogos da
cloroquina foram avaliados quanto à: (i) sua atividade in vitro contra P. falciparum; (ii)
sua toxicidade em duas linhagens celulares (hepatoma humano e célula renal de
macaco) e contra hemácias humanas; (iii) sua atividade in vivo contra P. berghei; (iv)
sua interação com a hematina dimérica (hemozoína sintética) in vitro e; (v) sua
interação com a hematina dimérica no modelo molecular de docking. Todos os análogos
da cloroquina apresentaram intensa atividade in vitro anti- P. falciparum (IC50 entre
0,04 e 0,55nM) nos ensaios de HRPII e de hipoxantina. Alguns dos análogos foram
mais ativos que a cloroquina e sem efeito citotóxico nas duas linhagens celulares
avaliadas. Além disso, os compostos estudados não causaram hemólise de hemácias
humanas normais. Os análogos da cloroquina atuaram inibindo a polimerização do
heme, assim como atua a cloroquina. Dois dos compostos testados in vivo contra P.
berghei foram também ativos causando intensa redução da parasitemia. Em conclusão,
os análogos da cloroquina são moléculas promissoras, com atividade antimalárica e
atuam em um alvo crucial para a sobrevivência do parasito, através da inibição da
formação de hemozoína.
xii
ABSTRACT
Human malaria, according to World Health Organization (WHO), remains the most
important parasitic disease and a major public health problem. Their control remains
difficult due to resistance of mosquitoes to insecticides, the lack of an effective vaccine,
and, especially, the emergency and spread of resistant parasites to most available
antimalarial drugs. The specific drug treatment remains a major strategy to reduce
morbidity and mortality due to malaria. In this study, chloroquine-analogues in complex
with metals were evaluated considering that such association to be believed to represent
a promising strategy in the search for new drugs. Seven new analogues were evaluated:
(i) in vitro for their activity against P. falciparum; (ii) for their toxicity against human
erythrocytes and two cell lines, HepG2 (hepatoma) and BGM (a monkey basal kidney
cells); (iii) in vivo against P. berghei; (iv) for possible interactions between the
analogous and dimeric hematin in vitro; and, (v) through a molecular docking model,
targeting the dimeric hematin. All chloroquine analogs showed intense in vitro anti-P
falciparum activity (IC50 between 0.04 and 0.55 nM) as measured in an
immunoenzimatic test using monoclonals to a parasite histidine rich protein (HRPII)
and through radiotopic hypoxanthine incorporation. Some of these analogues were more
active than chloroquine and none of them were cytotoxic to HepG2 and BGM cells or
caused haemolysis to normal human erythrocytes. Like chloroquine, the chloroquine
analogs inhibited heme polymerization in the in vitro as well as in the docking test. In
addition, two of the compounds tested against P. berghei in experimentally infected
mice caused a significant reduction of parasitemia. Taken together, the analogues
evaluated in this study represent promising molecules and act on a crucial point for the
parasite, by inhibition of hemozoine formation.
1
1. INTRODUÇÃO
A malária é uma doença causada por protozoários do gênero Plasmodium, e
continua sendo um dos principais problemas de saúde do mundo. A doença ocorre em
109 países, sendo endêmica nas regiões tropicais e subtropicais da África, sudeste
asiático e América Latina (WHO, 2010).
Metade da população mundial (3,3 bilhões de pessoas) está exposta à
transmissão da malária em áreas de risco (Hay et al., 2009). No ano de 2009 foram
registrados no mundo 500 milhões de casos e 800.000 óbitos (WHO, 2010). Este
número alarmante se deve principalmente a resistência dos parasitos aos antimaláricos
disponíveis (Dondorp et al., 2009; Enserink, 2010), a resistência dos mosquitos aos
inseticidas (Hanafi-Bojd et al., 2011) e a falta de política econômica e social para o
controle e prevenção da doença.
Até o ano de 2008, quatro espécies de protozoários causadores da malária
humana haviam sido descritas, Plasmodium falciparum, P. vivax, P. ovale e P.
malariae. Recentemente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu o P.
knowlesi, anteriormente considerado infectante somente para primatas não-humanos em
países do sudeste da Ásia, como a quinta espécie de plasmódio causadora da malária em
seres humanos (Cox-Singh e Singh, 2008; Cox-Singh et al., 2010).
Dentre as duas principais espécies causadoras da malária humana, o P.
falciparum foi por muito tempo considerado o responsável por causar a febre terçã
maligna, enquanto o P. vivax causava apenas a febre terçã benigna. No entanto, vários
casos de malária grave ocasionada por P. vivax tem sido descritos (Genton et al., 2008;
Poespoprodjo et al., 2009) e parecem estar relacionados à multi-resistência a
medicamentos (Tjitra et al., 2008).
Segundo a OMS, em 2001 a malária foi classificada como a oitava causa da
pobreza no mundo, responsável pela perda de anos de vida ajustado por incapacidade
(“disability-adjusted life years” - DALY´s), comprometendo o desenvolvimento de
países com alta transmissão (Gallup e Sachs, 2001).
2
1.1. A malária no Brasil
Aproximadamente 99% dos casos de malária no Brasil ocorrem na Amazônia
Legal, que compreende os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará,
Rondônia, Roraima e Tocantins. Três espécies de plasmódio são responsáveis pelos
casos de malária humana no Brasil: P. falciparum, P. vivax, e P. malariae (Secretaria de
Vigilância Sanitária - SVS, 2009).
No ano de 2008 foram registrados 315.823 mil casos de malária, sendo 83%
causados pelo P. vivax, 15% P. falciparum, 1% por infecções mistas e 0,02% por P.
malariae. (Secretaria de Vigilância Sanitária - SVS, 2008). Na região extra-amazônica,
mais de 80% dos casos registrados no Brasil são importados da área endêmica e do
continente africano (MS, 2010).
As principais medidas de controle da doença são baseadas na proteção individual
contra a picada do mosquito vetor com o uso de repelentes e mosquiteiros, diagnóstico
específico e tratamento imediato com antimaláricos, e através de atividades de
saneamento ambiental para controle do vetor (Secretaria de Vigilância Sanitária - SVS,
2009).
No ano de 2000 foi implantado no Brasil o “Plano de Intensificação das Ações
de Controle da Malária na Amazônia Legal”. Essa estratégia teve como objetivo
priorizar a consolidação de redes de serviços capazes de ofertar diagnóstico precoce e
um tratamento adequado imediato, (Tauil, 2006).
1.2. Ciclo biológico dos parasitos da malária
O ciclo de vida dos plasmódios compreende dois hospedeiros, o inseto vetor
(fêmeas do mosquito Anopheles sp) onde ocorre à reprodução sexuada do parasito, e o
hospedeiro vertebrado, no qual ocorre a reprodução assexuada.
A transmissão ao hospedeiro vertebrado inicia-se quando o inseto vetor, durante
o repasto sanguíneo, inocula o parasito na forma evolutiva de esporozoíto na epiderme
do hospedeiro. Krettli e Miller (2001) sugeriram que os mesmos poderiam ser
transportados passivamente por linfócitos ou macrófagos, permanecendo íntegros até
invadirem um vaso sanguíneo ativamente. Recentemente, foi proposto que cerca de
3
10% dos esporozoítos inoculados pela picada do inseto permanecem e evoluem na pele,
no sítio de inoculação (Gueirard et al., 2010).
Uma vez no sistema circulatório os esporozoítos atingem o fígado infectando os
hepatócitos, e iniciando a fase exo-eritrocítica do ciclo. Nas infecções por P. vivax e P.
ovale, durante o ciclo exo-eritrocítico, formas latentes denominadas hipnozoítos,
permanecem nos hepatócitos por tempo variável causando recaídas da doença
(Krotoski, 1982). Os esporozoítos parecem invadir vários hepatócitos, migrando através
deles antes de finalmente desenvolver em seu interior, em um vacúolo parasitóforo
(Mota et al., 2001). Nesse vacúolo, os parasitos se desenvolvem assexuadamente por
esquizogonia dando origem aos esquizontes maduros que se rompem e liberam na
corrente sanguínea os merozoítos, através de um processo de brotamento de vesículas
denominadas merosomos (Sturm, et al., 2006). Estima-se que cada hepatócito
parasitado libere até 40.000 merozoítos no caso de P. falciparum (Nardin e
Nussenzweig, 1993). Os merozoítos infectam os eritrócitos iniciando uma nova fase do
ciclo de reprodução assexuada, que resultará na lise das células vermelhas a cada 48 a
72h (ciclo eritrocitário), conforme a espécie de plasmódio. O sincronismo, e
consequente rompimento das hemácias infectadas pelo parasito no ciclo eritrocítico é o
que causa as febres cíclicas nas infecções pelo Plasmodium.
Alguns merozoítos se diferenciam em gametócitos masculino e feminino, que ao
serem ingeridos por fêmeas dos mosquitos do gênero Anopheles iniciarão o ciclo
esporogônico. Ainda não se sabe qual é o estímulo responsável pela produção de
gametócitos, se a partir dos merozoítos ou dos esquizontes. Existem duas hipóteses: a
primeira sugere que os merozoítos já estão predeterminados a evoluírem em formas
assexuadas ou sexuadas antes de invadirem a hemácia; a segunda sugere que fatores
ambientais ou estresse determinem a diferenciação dos merozoítos em gametócitos
(Dyer e Day, 2000).
1.3. Quimioterapia antimalárica
A quinina foi o primeiro medicamento utilizado contra a malária, há mais de 300
anos. Ela foi encontrada na Amazônia peruana e isolada como um alcaloide do pó da
planta Cinchona sp, em 1820, por Pelletier e Caventou, na França (revisto por
Rosenthal e Miller, 2001). Até o século XX foi o único tratamento disponível contra a
4
malária, quando então foi substituída por fármacos sintéticos derivados do anel
quinolínico. Apesar de sua toxicidade, a quinina continua sendo utilizada no tratamento
da malária cerebral, causada pelo P. falciparum, inclusive em crianças menores que
cinco anos na África (WHO, 2009).
A quinina foi o primeiro antimalárico a ser caracterizado. No entanto, em um
trabalho recente, focalizado em estudos de Carl von Linné (1735), mostrou-se que
extratos da planta Fraxinus excelsior, utilizada naquela época para tratar febre na
Europa, provavelmente causada por malária, foram ativos contra P. falciparum. Este
estudo sugere que algumas plantas já foram utilizadas no passado, porém o princípio
ativo responsável pela atividade não chegou a ser caracterizado e identificado (Aydin-
Schmidt et al., 2010)
A quinina serviu de base para a síntese da cloroquina (CQ), uma 4-
aminoquinolina, sintetizada durante a Segunda Guerra Mundial (Sweeney, 2000). A CQ
foi utilizada durante décadas na terapêutica e profilaxia de todos os tipos de malária,
devido a sua alta eficácia contra as formas sanguíneas do parasito, associada à sua baixa
toxicidade e seu baixo custo (menos de U$ 0,10 por tratamento) (Rosenthal, 2003;
Martin et al., 2009).
Outros medicamentos, também derivados do anel quinolínico (Figura 1) foram
sintetizados para o tratamento da malária. Entre eles, a amodiaquina, com ação
esquizonticida semelhante à CQ. No entanto, por ser rapidamente metabolizada, a
amodiaquina apresenta menor atividade antimalárica (Churchill, 1985).
A mefloquina, um 4-quinolinometanol derivado da CQ, é mais ativa que a CQ
sendo utilizada contra cepas de P. falciparum resistentes às 4-aminoquinolinas. No
entanto, por possuir meia-vida prolongada, propiciou rápida seleção de parasitos
resistentes. Atualmente é recomendada somente em combinação com outros compostos,
sobretudo com derivados da artemisinina (WHO, 2006). Além disso, a mefloquina é
tóxica, ocasionando efeitos colaterais graves, com sintomas neurológicos importantes
durante sua administração (Patchen et al., 1989).
A primaquina, uma 8-aminoquinolina é ativa contra os hipnozoítos hepáticos de
P. vivax e P. ovale (Mueller et al., 2009; Wells et al., 2010), mas tem pouca ou
nenhuma ação contra estágios eritrocíticos do parasito. Sua utilização é também
recomendada em áreas endêmicas da malária por P. falciparum, uma vez que a mesma
possui ação contra os gametócitos, inibindo a evolução do parasito no vetor suscetível e
consequentemente interrompendo a transmissão da doença (WHO, 2009).
5
Atualmente, o tratamento da malária é feito por associação dos derivados da
artemisinina, uma lactona sesquiterpênica isolada da planta Artemisia annua, por
pesquisadores chineses (de Ridder et al., 2008; WHO, 2009).
Figura 1. Estrutura da quinina, um alcaloide presente nas plantas Cinchona calisaya e
C. succirubra, e de antimaláricos sintetizados a partir do seu anel quinolínico.
6
A OMS recomenda terapias de combinação “Artemisinin-based combination
therapy’’ ou ACT, uma vez que derivados da artemisinina apresentam um excelente
perfil de segurança, uma rápida ação, agem contra gametócitos e possuem meia vida
curta, o que dificulta o desenvolvimento de resistência (Okell et al., 2008; Stepniewska
e White, 2008). A ACT se baseia na associação de derivados semi-sintéticos da
artemisinina como, por exemplo, artemether, arteether e artesunato, com outro
antimalárico, como os 4-aminoquinolínicos. Os derivados da artemisinina são obtidos
por modificação química da artemisinina e foram sintetizados para melhorar suas
características farmacocinéticas (Li e Wu, 2003). Apesar de se associar esses
compostos, o surgimento de resistência à ACT foi relatado na literatura desde 2004,
quando o primeiro caso de recrudescência foi descrito em Camboja (Dondorp et al.,
2009; Lin et al., 2010 ).
1.4. Mecanismos para a sobrevivência do parasito e atuação da cloroquina
Após a invasão dos eritrócitos pelos merozoítos, a sobrevivência do parasito
depende da digestão da hemoglobina, que se processa no interior do vacúolo digestivo
(VD) do parasito. Esta digestão é mediada por uma série de proteases, entre elas as
plasmepsinas e falcipaínas (Olliaro e Goldberg, 1995). Durante o catabolismo da
hemoglobina, sua porção protéica (globina) é utilizada como fonte de aminoácidos pelo
parasito, e a fração heme, denomina ferriprotoporfirina IX, é liberada, sendo um grupo
reativo, gerador de radicais livres (ROS) tóxicos para o parasito (Sullivan, 2002).
Um dos mecanismos de escape realizado pelo Plasmodium sp é a detoxificação,
através da polimerização do heme, gerando um cristal conhecido como hemozoína
(Ginsburg et al., 1999). A formação de hemozoína é essencial para manter o equilíbrio e
tornar disponível o espaço na hemácia para o crescimento do parasito (Egan, 2007).
Esse processo, de formação de hemozoína, pode acontecer espontaneamente ou ser
mediado pela enzima heme polimerase (Ginsburg et al., 1999), pela proteína HRPII, ou
por lipídeos (Kumar et al., 2007). A glutationa reduzida também auxilia na
detoxificação do heme, atuando como um quelante, diminuindo a afinidade do heme
pela membrana do parasito, e por conseqüência tendo um efeito protetor (Eckman e
Eaton, 1979).
7
Diversos mecanismos de ação de fármacos, com diferentes alvos de atuação já
foram descritos na literatura (Rosenthal, 2003). Como exemplo, inibidores de
falcipaínas que agem na hidrólise da hemoglobina, levando ao bloqueio do
desenvolvimento do parasito, como demonstrado no modelo experimental da malária
murina (Sijwali et al., 2001; Batra et al., 2003).
A CQ é um antimalárico padrão utilizado por mais de 50 anos; apesar disso, seu
mecanismo de atuação ainda não foi completamente elucidado (Koncarevic et al.,
2007). Por ser uma base fraca a CQ é acumulada no VD. Em pH fisiológico a CQ
encontra-se desprotonada, mas no VD, onde o pH é ácido, torna-se protonada, perdendo
a capacidade de atravessar a membrana plasmática (Bray et al., 2005).
O mecanismo de ação mais aceito para a CQ é a formação de uma ligação
covalente com o heme, inibindo a geração dos cristais de hemozoína (Sullivan 2002;
Fitch, 2004) e gerando uma alta produção de ROS. Esses radicais (Figura 2) causam
danos oxidativos às biomoléculas, como as proteínas, o DNA e os lipídeos. Tais danos
são responsáveis por gerar modificações estruturais irreversíveis, além da perda de
função biológica (Radfar et al., 2008). Além disso, parece que a CQ atua na inibição da
enzima heme polimerase (Orjih, 1997; Agrawal et al., 2002). Outros efeitos que
parecem ser independentes do acumulo da CQ no VD já foram descritos, tais como sua
interação com a molécula de DNA, levando a alterações da sua estrutura e o bloqueio da
sua síntese (Stephen et al., 2000).
8
Figura 2. Mecanismos de toxicidade do heme livre no Plasmodium sp (adaptada de
Kumar et al., 2007).
9
2. JUSTIFICATIVA
Segundo a Organização Mundial de Saúde, a malária é considerada a maior
responsável por danos econômicos e sociais, comprometendo o desenvolvimento de
países com alta transmissão (Gallup e Sachs, 2001). A falta de uma vacina eficaz
(Kocken et al., 1999; Wykes e Good, 2007), a dificuldade de controle do vetor (Hanafi-
Bojd et al., 2011) e o surgimento e disseminação de parasitos resistentes à maior parte
dos fármacos disponíveis (Enserink, 2010; Dondorp et al., 2009), são os principais
problemas para seu controle, tornando essa doença um importante problema de saúde
pública no mundo.
O diagnóstico precoce e o tratamento imediato dos indivíduos infectados são as
principais estratégias utilizadas para o controle da malária. No entanto, a resistência aos
medicamentos comercialmente disponíveis leva ao aumento da transmissão, reduzindo
as opções terapêuticas (Price e Nosten, 2001). Há poucos fármacos em fase de triagem
clínica, apesar dos numerosos testes desenvolvidos para se avaliar a atividade
antiplasmodial de novos compostos. Antimaláricos eficazes, apropriados, e seguros,
ainda são necessários para solucionar os problemas advindos do desenvolvimento da
multirresistência dos parasitos aos medicamentos em uso (Ridley, 2002). Portanto a
busca de compostos ativos contra alvos específicos do parasito é uma estratégia
promissora no desenvolvimento de novos fármacos, sendo o objetivo central do
presente estudo.
10
3. OBJETIVOS
3.1. Objetivo Geral
Avaliar a citotoxicidade e a atividade antimalárica de diferentes análogos da
cloroquina.
3.2. Objetivos Específicos
• Avaliar a atividade in vitro dos análogos da cloroquina contra P.
falciparum;
• Avaliar a atividade citotóxica dos compostos nas linhagens celulares
BGM e HepG2;
• Avaliar a atividade hemolítica dos compostos em hemácias normais não
infectadas;
• Avaliar a atividade antiplasmodial dos análogos da cloroquina contra o
P. berghei em camundongos experimentalmente infectados com formas
sanguíneas;
• Determinar o possível mecanismo de ação dos análogos da cloroquina.
11
4. MATERIAIS E MÉTODOS
4.1. Obtenção dos análogos metálicos da cloroquina
Os análogos da cloroquina foram sintetizados e enviados para os ensaios
quimioterápicos pelo colaborador químico Dr. Mário Meneghetti, da Universidade
Federal de Alagoas – UFAL. Esses compostos pertencem a duas classes: DETA, com
apenas um anel quinolínico na sua estrutura, e DMA com dois anéis quinolínicos. Em
seguida DETA foi complexado aos metais ferro, platina e paládio e DMA ao ferro e à
platina.
4.2. Solubilização dos compostos para testes de atividade biológica
Para a realização dos testes antimaláricos in vitro, os compostos foram
solubilizados de acordo com as especificações e informações fornecidas pelo
colaborador químico. Para o preparo da solução estoque foi utilizado o solvente
dimetilsulfóxido (DMSO) (Sigma-Aldrich, St. Louis, MO, EUA) na concentração final
de até 0,005% para testes in vitro e 3% para testes in vivo. Todas as soluções foram
preparadas no dia da realização dos experimentos.
4.3. Testes antimaláricos in vitro contra o P. falciparum
4.3.1. Cultivo contínuo da fase eritrocítica do parasito
Nos ensaios de atividade antimalárica foram utilizadas formas sanguíneas de um
clone de P. falciparum CQ-resistente (W2). Os parasitos foram cultivados em hemácias
humanas sob condições estabelecidas por Trager e Jensen (1976), com pequenas
modificações, utilizando um protocolo previamente padronizado no Laboratório de
Malária do Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR) (de Andrade-Neto et al., 2004).
Os parasitos foram cultivados em placas de Petri (Corning, Santa Clara, CA, EUA) com
hematócrito a 2%, diluídos em meio de cultura RPMI 1640 (Sigma-Aldrich)
12
suplementado com 25mM de Hepes (Sigma-Aldrich), 21mM de bicarbonato de sódio
(Sigma-Aldrich), 11mM de glicose (Sigma-Aldrich), 40µg/mL de gentamicina
(Schering-Plough, Kenilworth, New Jersey, EUA) e 10% (v/v) de plasma humano A+
inativado. As placas foram mantidas em dessecadores à 37°C ou em mistura gasogênica
contendo 5% de O2, 5% de CO2 e 90% de N2. Diariamente, foram realizadas trocas do
meio de cultura e a parasitemia monitorada em esfregaços sanguíneos, fixados com
metanol, corados com Giemsa e visualizados em microscópio óptico com objetiva de
imersão (1.000x).
4.3.2. Sincronização dos parasitos para utilização nos testes in vitro
Os cultivos com predomínio de anéis utilizados nos ensaios de quimioterapia
foram obtidos através de sincronização com sorbitol conforme descrito na literatura
(Lambros e Vanderberg, 1979). Resumidamente, o meio de cultura foi retirado da placa
de Petri e 10mL de uma solução de sorbitol 5% e glicose 0,5% foram adicionados ao
sedimento contendo o sangue parasitado. O conteúdo foi transferido para um tubo de
centrífuga de fundo cônico de 15mL (tipo Falcon) e incubado à 37°C por 10min. Após
esse período o material foi centrifugado por 5min, 70g à temperatura ambiente. O
sobrenadante foi retirado e o sedimento ressuspendido com meio RPMI suplementado
com soro humano A+ inativado, ajustando-se o hematócrito para 5%. Essa suspensão
foi novamente transferida para uma placa de Petri, e deixada em repouso a 37ºC por
aproximadamente 10min para que as hemácias sedimentassem. Posteriormente, foi
realizado um esfregaço sanguíneo para determinação da parasitemia. O hematócrito e a
parasitemia, pré-determinados para cada teste, foi ajustado com a adição de hemácias e
meio RPMI completo em quantidades adequadas.
4.3.3. Preparo das placas para os ensaios de quimioterapia
Culturas de parasitos sincronizadas com predomínio de anéis de P. falciparum
foram distribuídas em microplacas de 96 poços (Corning, Santa Clara, CA, USA)
adicionando-se 180µL/poço de meio de cultura RPMI contendo: (i) 1% de parasitemia e
1% de hematócrito para o teste de incorporação de hipoxantina tritiada, ou (ii) 0,05% de
13
parasitemia e 1,5% de hematócrito para o teste de ELISA anti-HRPII. Anteriormente a
adição da suspensão dos parasitos, 20µL dos compostos a serem testados foram
adicionados a placa teste, em triplicata, e em diferentes concentrações seriadas (400-
0.625ng/mL). Os poços controles (seis por teste) continham hemácias normais não
infectadas (controle negativo), ou hemácias infectadas sem adição dos compostos-testes
(controle positivo). O antimalárico padrão, CQ, foi testado em paralelo em todos os
experimentos realizados, em diluições seriadas de 500 à 7,8ng/mL. Os compostos testes
foram inicialmente testados nas concentrações de 50 e 25µg/mL, posteriormente
titulados, utilizando concentrações seriadas até atingir a concentração inibitória para
50% do crescimento dos parasitos (IC50).
4.3.4. Teste de incorporação de hipoxantina tritiada
No teste de incorporação de hipoxantina, os parasitos foram previamente
cultivados em meio isento de hipoxantina por pelo menos 72h, posteriormente
sincronizados e utilizados como descrito acima (item 4.3.2). Após o preparo das
microplacas com os compostos teste e controles (item 4.3.3), a mistura parasito-
compostos teste e controles foi incubada por 24h à 37°C. Após esse período, a cada
poço foram adicionados 20µL de solução de [3H]-hipoxantina à 5µCi (PerkinElmer,
Waltham, MA, EUA), e as placas incubadas por mais 18h à 37°C (Desjardins et al.,
1979). Após este segundo período de incubação, as microplacas foram mantidas à -20°C
(por 6 a 10h) para promover a lise das hemácias. As amostras foram então aspiradas
pelo coletor de células “Harvester 96 Mach III” (TomTec Imaging Systems GmbH,
Unterschleissheim, Germany), em papéis de filtro (Perkin Elmer), secas em microondas
por 3min em potência média e acondicionadas em embalagem plástica apropriada, na
qual foram adicionados 4mL de líquido de cintilação. A concentração de hipoxantina
tritiada incorporada aos parasitos foi avaliada através da leitura da radioatividade
incorporada, sendo a mesma realizada no equipamento Microbeta 1450 (Perkin Elmer).
A medida de incorporação de [3H]-hipoxantina foi realizada em contagem por minuto,
sendo proporcional à viabilidade do parasito. Os resultados foram comparados com os
controles positivos, considerando-se que nestes últimos a viabilidade foi igual a 100%.
14
4.3.5. Teste imunoenzimático anti-HRPII
No ensaio imunoenzimático anti-HRPII (Noedl et al., 2002) duas placas de 96
poços foram preparadas para cada experimento, uma placa-teste, contendo os parasitos e
os compostos a serem testados (item 4.3.3), e outra pré-sensibilizada com o anticorpo
monoclonal anti-HRPII. As placas-testes foram incubadas por 24h à 37ºC, e o conteúdo
de seis poços (controle positivo) foi retirado e congelado à -20°C para ser utilizado
posteriormente como background. A placa foi novamente incubada por 48h nas
condições ideais para o crescimento do parasito. Após 72h totais de incubação, as placas
foram congeladas e descongeladas duas vezes à -70°C para que houvesse a lise das
hemácias. Para a sensibilização das placas no teste anti-HRPII, 100µL do anticorpo
primário (MPFM-55A ICLLAB®, EUA) a 1,0µg/mL foram adicionados a cada poço da
placa de ensaio (Maxysorp, Nunc, Denmark). Após incubação por 12 a 16h a 4°C, o
conteúdo dos poços foi descartado e 200µL/poço de uma solução de bloqueio (PBS-
BSA 2%) adicionada, sendo a placa mantida à temperatura ambiente por 2h. Após esse
tempo, o conteúdo dos poços foi novamente descartado e a placa lavada três vezes com
PBS-Tween 20 a 0,05% (PBS-T). A cada poço da placa foram adicionados 100µL das
amostras da cultura de P. falciparum hemolisadas. Em seis poços da placa foram
adicionados 100µL dos controles congelados nas primeiras 24h (background). A placa
foi então incubada por 1h à temperatura ambiente, em câmara úmida, em seguida foi
lavada três vezes com PBS-T, adicionando-se a cada poço 100µL do anticorpo
secundário (MPFG55P ICLLAB®, EUA) diluído a 1:5.000. Após incubação à
temperatura ambiente por 1h, em câmara úmida, a placa foi lavada três vezes com PBS-
T e 100µL de uma solução de 3,3′,5,5′-Tetramethylbenzidine (TMB) acrescentados a
cada poço. A placa foi incubada por 5 a 10min à temperatura ambiente, ao abrigo da
luz, e a reação interrompida adicionando-se 50µL/poço de uma solução de ácido
sulfúrico 1M. A leitura das absorbâncias foi realizada à 450nm em um espectofotômetro
de microplacas (leitor de ELISA) (Spectra Max 340PC384, Molecular Devices).
15
4.3.6. Determinação da concentração inibitória de 50% do crescimento
do parasito (IC50)
A inibição do crescimento de 50% dos parasitos foi determinada através de
curvas dose-resposta, em função de regressão não linear. Foi utilizado o programa
Origin (OriginLab Corporation, Northampton, MA, EUA), para determinar o valor de
IC50.
4.4. Ensaios in vitro de citotoxicidade
4.4.1. Cultivo de linhagens celulares
As linhagens celulares de HepG2 (derivada de um hepatoma humano) e BGM
(célula renal basal de macaco verde africano) foram cultivadas como recomendado
(Calvo-Calle et al., 1994). As mesmas foram mantidas em garrafas de cultura de 75cm2
(Corning) suplementadas em RPMI contendo 5% de soro bovino fetal (SBF)
(Gibco/Invitrogen, Carlsbad, CA, EUA) e 40mg/L de gentamicina (Schering-Plough).
As células foram mantidas em estufa com 5% de CO2, a 95% de umidade e a 37°C. O
meio das garrafas foi substituído a cada dois dias. Após confluência de cerca de 80%, a
cultura de células foi repicada, ou utilizada na realização de ensaios de citotoxicidade.
Quando necessário, o congelamento das células foi realizado em ampolas de
criopreservação com uma solução contendo 95% de SBF e 5% de DMSO.
4.4.2. Preparo das placas
Para o preparo das placas testes, as células foram lavadas com meio sem SBF,
tratadas com 1mL de tripsina-EDTA a 0,25% (Gibco/Invitrogen) e incubadas a 37°C
por 3min, para que as células se descolassem da garrafa. Ao conteúdo resultante da
tripsinização foram adicionados 9 mL de meio completo, seguido por centrifugação a
80g por 5min na temperatura ambiente. O sobrenadante foi descartado e o sedimento
ressuspendido em meio completo contendo 5% SBF. Após a contagem, em câmara de
Neubauer, a suspensão foi ajustada para 5x103/mL e 180µL acrescentados a cada poço
16
da microplaca. As células foram incubadas por 12 a 16h em estufa de CO2 a 37°C para
adesão aos poços da microplaca. Em seguida, 20µL de meio completo contendo
diferentes concentrações dos compostos (1000 - 1 µg/mL) foram adicionados aos poços
da microplaca. As placas foram incubadas por 24h à 37°C, 5% de CO2 e 95% de
umidade.
4.4.3. Ensaio de citotoxicidade utilizando o MTT
Os ensaios de citotoxicidade foram realizados em triplicata, conforme descrito
por Madureira e colaboradores (2002). Após o preparo das placas como descrito no item
4.4.2, 20µL de uma solução de Brometo 3-(4,5-dimetiltiazol-2-yl)-2,5-difeniltetrazol
(MTT) (Sigma-Aldrich), na concentração de 5mg/mL foram adicionados aos poços da
placa (Denizot e Lang, 1986). Após 3h de incubação com o MTT, o sobrenadante foi
retirado e o corante presente nos fundos dos poços da placa diluído em uma solução de
DMSO em um volume de 100µL/poço. As microplacas foram então lidas em um leitor
de ELISA (Spectra Max340PC384, Molecular Devices), utilizando-se filtro de 570nm.
4.4.4. Ensaio de citotoxicidade utilizando o Vermelho Neutro
O ensaio de vermelho neutro (Borenfreunda et al., 1987) também foi realizado
em triplicata. Após o preparo das microplacas, como descrito no item 4.4.2, o
sobrenandante foi retirado e 200 µL de solução de vermelho neutro (40µg/mL) foram
adicionados a cada poço. A microplaca foi incubada novamente em estufa a 37ºC
umidificada em ambiente com 5% de CO2, por 3h. Em seguida, o sobrenadante foi
retirado e adicionaram-se 200 µL de solução de formaldeído (0,5%, v/v) em CaCl2
(1%), a cada poço da placa teste. Após 5min o sobrenadante foi retirado novamente e
100µL de solução de álcool ácido (50% v/v de etanol em 1% v/v de ácido acético)
foram adicionados a cada poço. As absorbâncias das microplacas foram lidas em um
leitor de ELISA (Spectra Max340PC384, Molecular Devices), utilizando-se filtro de
540nm.
17
4.4.5. Índice de Seletividade
O índice de seletividade (IS) das amostras testadas foi obtido calculando-se a
razão entre o valor de MDL50 e o valor de IC50. Valores maiores que 10 foram
considerados indicativos de ausência de toxicidade, enquanto substâncias com valores
abaixo de 10 foram consideradas tóxicas (Bézivin et al., 2003).
4.5. Ensaio de hemólise
O teste foi realizado como proposto por Wang e colaboradores (2010). Os
compostos-testes foram diluídos em solução de DMSO a 0,005% (v/v), sendo os
mesmos testados nas concentrações seriadas de 50 a 0,62 µg/mL. Após a diluição dos
compostos, 20µL das amostras foram adicionados a 180µL de uma suspensão de
eritrócitos humanos a 1%. Uma solução de saponina (Sigma-Aldrich) a 0,05% foi
utilizada como controle positivo do teste, por gerar 100% de hemólise. A microplaca
foi então incubada por 30min à 37°C em agitação constante, centrifugada a 1000g por
10min e o sobrenadante transferido para outra microplaca com fundo em U. A leitura
foi realizada a 540nm em um leitor de ELISA (Spectra Max 340PC384, Molecular
Devices). A taxa de hemólise das amostras foi calculada como abaixo:
% hemólise = absorbância da amostra – absorbância do branco
absorbância do controle com saponina
4.6. Teste de inibição da formação de hemozoína
O ensaio de hemozoína foi realizado como descrito por Kanyile e Egan (2004).
Resumidamente, 10,1µL dos compostos em diferentes concentrações seriadas (40-
0,62mg/mL) em triplicata, foram adicionados a uma microplaca de 96 poços de fundo
em “U” juntamente com 101,2µL da solução estoque de hematina a 1,680mM diluída
em uma solução de NaOH a 0,1M. As suspensões foram então homogeneizadas e
58,7µL de uma solução de acetato de sódio (12,9M, pH 5,0) adicionados à cada poço. A
18
microplaca foi incubada a 60ºC por 60min, em seguida adicionou 80µL de solução de
piridina (30% (v/v) em 20 mM Hepes pH 7,5. A placa foi incubada a temperatura
ambiente. Nessa solução os sólidos foram homogeneizados e deixados em repouso por
15min para que houvesse sua sedimentação. Posteriormente, 38µL do sobrenadante dos
poços da placa foram transferidos para outra microplaca diluídos em 250µL de uma
solução de piridina à 30% (v/v) (pH 7,5, 20mM Hepes). A microplaca foi lida a 405nm
(SpectraMax340PC384, Molecular Devices). Os resultados, expressos em concentração
de heme livre, foram calculados a partir da comparação da absorbância da curva padrão
de solução de hemina.
4.7. Testes antimaláricos in vivo contra o P. berghei
4.7.1. Comitê de ética para uso de animais
Os experimentos envolvendo o uso de animais de laboratório neste estudo foram
aprovados pelo Comitê de Ética para Uso de Animais da Fundação Oswaldo Cruz-
Fiocruz (CEUA L-0046/08).
4.7.2. Teste esquizonticida sanguíneo in vivo com P. berghei
Camundongos suíços Webster, fêmeas, pesando 20 ± 2g, provenientes do
biotério de produção do CPqRR, foram inoculados com hemácias infectadas com P.
berghei, cepa NK65, originalmente recebida da Universidade de Nova Iorque (EUA) e
mantida em camundongos por passagens sanguíneas semanais. Cada camundongo foi
inoculado com 105 hemácias parasitadas (0,2mL), via intraperitoneal (1º dia de
experimento). Aproximadamente 24h após a inoculação os animais foram divididos,
aleatoriamente, em grupos de seis camundongos por gaiola. Em cada experimento,
foram utilizados dois grupos controles: um não-tratado, e um tratado com CQ,
utilizando 3 a 5 animais por grupo. Nos 2º, 3º e 4º dias após a inoculação, os
camundongos foram tratados por via oral com os compostos testes e com o controle
(CQ), em diferentes concentrações. A parasitemia foi avaliada nos 5º, 8º e 10º dias de
19
experimento pela contagem dos parasitos em esfregaços sanguíneos em microscópio
óptico (objetiva de imersão a 1.000x).
A atividade antimalárica foi determinada pela percentagem de redução da
parasitemia dos animais tratados em relação aos controles. Inibição de 30% do
crescimento dos parasitos, quando comparado o grupo controle com o grupo teste, foi
considerada como indicador de uma amostra ativa (Andrade-Neto et al. 2003).
4.7.3. Determinação da parasitemia
Para avaliação da parasitemia os esfregaços sanguíneos dos camundongos foram
secos ao ar, fixados com metanol e corados com solução recém diluída de Giemsa, na
proporção de duas gotas para cada 1mL de água tamponada (pH 6,8). Após 10min, as
lâminas foram lavadas em água corrente, secas ao ar e examinadas ao microscópio
óptico com objetiva de imersão (1.000x). A parasitemia foi determinada através da
contagem do número de hemácias infectadas. Nesse caso, a avaliação foi realizada pela
estimativa do número total de hemácias visualizadas em cada campo microscópico,
sendo quantificados os parasitos em 50 a 100 campos. A parasitemia foi expressa em
percentagem de hemácias parasitadas.
4.8. Modelo molecular de docking
A capacidade de inibição da formação de hemozoína foi também avaliada através
de testes computacionais, feitos por colaboradores no Instituto Militar de Engenharia do
Rio de Janeiro (IME-RJ).
4.9. Análise estatística
Para a análise estatística dos dados foi utilizado o software GraphPad Prism 5
(GraphPad Inc, EUA). Para caracterizar a distribuição dos dados, foram utilizados os
testes de Kolmogorov-Smirnov e o de Shapiro-Wilk. Para determinar a diferença entre
as médias de pelo menos três grupos analisados, os testes ANOVA seguido do de
20
Bonferroni (dados paramétricos) e os testes de Kruskal Wallis seguido do de Dunns
(dados não-paramétricos) foram utilizados.
Na análise de correlação foram utilizados os testes de Pearson (dados
paramétricos) e Spearman (dados não paramétricos). Todos os testes foram
considerados significativos quando apresentaram um valor de p ≤ 0,05.
21
5. RESULTADOS
5.1. Atividade antiplasmodial de análogos da cloroquina
Inicialmente, os compostos foram testados quanto a sua atividade antiplasmodial
contra o P. falciparum, utilizando o clone W2, cloroquina resistente e mefloquina-
sensível, para avaliação de sua atividade in vitro através: (i) de um ensaio
imunoenzimático com anticorpos monoclonais dirigidos contra a proteína rica em
histidina e alanina (HRPII) específica do parasito, essencial à sua sobrevivência; (ii) do
teste hipoxantina tritiada, incorporada pelo DNA dos parasitos viáveis. Os compostos
foram sempre testados três ou quatro vezes em cada ensaio, utilizando triplicata para
cada concentração do composto, em paralelo com a CQ. Após a realização desses
ensaios os valores de IC50 foram determinados em curvas de dose-resposta como
descrito no item 4.3.6.
Os análogos da cloroquina, complexados ou não com metais, apresentaram
intensa atividade anti-P. falciparum, em escala nanomolar, nos ensaios de HRPII e de
hipoxantina (Tabela 1). O composto DMA e seus derivados apresentaram valores de
IC50 (0,05 à 0,32nM) menores quando comparados a DETA e seus derivados (0,32 à
0,49nM) no ensaio de hipoxantina tritiada. A análise estatística dos valores de IC50 dos
novos compostos em comparação com a CQ, nos dois métodos, mostrou que não houve
diferença estatística entre os mesmos. No entanto, a análise estatística dos valores de
IC50 obtidos pelas duas técnicas de testes in vitro mostrou diferenças significativas entre
os análogos DMA, DMA Pt, DETA Pt e DETA Fe. Essas moléculas foram mais ativas
no ensaio de HRPII, exceto DMA, que foi mais ativa no ensaio de hipoxantina (Figura
3). O análogo DMA Fe apresentou valor de IC50 semelhante nos dois ensaios, ambos
menores que a CQ, no entanto, DETA complexado com o Fe foi menos ativo,
provavelmente devido ao menor numero de anéis quinolínicos. Os valores de IC50 da
CQ e de DETA Pd foram semelhantes nos dois ensaios.
22
Tabela 1 - Atividade anti-P. falciparum (clone W2 cloroquina-resistente) de análogos
da cloroquina, utilizando os ensaios imunoenzimático anti-HRPII e de hipoxantina.
Figura 3. Comparação entre os valores de IC50 dos análogos da cloroquina em dois
métodos distintos, HRPII (círculo) e Hipoxantina (quadrado), sendo significativas as
diferenças representadas por asterisco (p ≤ 0,05).
Análogos da cloroquina IC50 (nM) (média ± DP)
HRPII Hipoxantina
DMA 0,55 ± 0,000 0,06 ± 0,020
DMA Fe 0,06 ± 0,000 0,05 ± 0,004
DMA Pt 0,07 ± 0,004 0,32 ± 0,020
DETA 0,26 ± 0,020 0,32 ± 0,070
DETA Fe 0,17 ± 0,005 0,49 ± 0,030
DETA Pt 0,04 ± 0,010 0,40 ± 0,060
DETA Pd 0,51 ± 0,060 0,40 ± 0,020
Cloroquina 0,12 ± 0,002 0,18 ± 0,006
23
5.2. Atividade citotóxica de análogos da cloroquina
Para avaliar a atividade citotóxica dos análogos da cloroquina, foram realizados
dois ensaios, o ensaio de MTT e o de vermelho neutro, em duas linhagens celulares,
HepG2 ( hepatoma humano) e BGM (célula basal de macaco verde africano).
As doses letais mínimas para 50% das células (MDL50), nos diferentes testes,
foram aparentemente semelhantes para a maioria dos análogos da cloroquina (Tabela
2). Entretanto, quando realizada a análise de dispersão (Figura 4), o composto DETA
Pd apresentou valor de MDL50 maior em todos os ensaios e linhagens celulares
avaliadas, sendo, portanto, o composto menos tóxico. No ensaio de vermelho neutro e
na linhagem celular HepG2, o composto DETA Fe também apresentou valor de MDL50
elevado, enquanto DMA Fe apresentou valor inferior quando comparado aos demais. A
CQ apresentou um menor valor de MDL50 no ensaio de vermelho neutro nas duas
linhagens celulares quando comparado ao valor de MDL50 obtido no ensaio de MTT.
Tabela 2 - Atividade citotóxica de análogos da cloroquina utilizando o ensaio de MTT
e vermelho neutro nas duas linhagens celulares, HepG2 e BGM.
Análogos da cloroquina
MDL50 (µM) (média ± DP)
MTT Vermelho Neutro
BGM HepG2 BGM HepG2
DMA 0,05 ± 0,03 0,05 ± 0,00 0,04 ± 0,02 0,10 ± 0.03
DMA Fe 0,06 ± 0,00 0,09 ± 0,02 0,04 ± 0,01 0,04 ± 0,00
DMA Pt 0,02 ± 0,01 0,02 ± 0,00 0,05 ± 0,00 0,06 ± 0,02
DETA 0,10 ± 0,00 0,27 ± 0,01 0,24 ± 0,06 0,16 ± 0,05
DETA Fe 0,12 ± 0,07 0,97 ± 0,03 0,23 ± 0,00 0,31 ± 0,05
DETA Pt 0,10 ± 0,01 0,15 ± 0,08 0,09 ± 0,00 0,13 ± 0,00
DETA Pd >1,95 >1,95 >0,40 >0,40
Cloroquina 0,37 ± 0,00 0,49 ± 0,00 0,18 ± 0,18 0,21 ± 0,02
24
Figura 4. Dispersão dos valores de MDL50 dos sete análogos da cloroquina nas duas
linhagens celulares, BGM (círculo) e HepG2 (quadrado).
5.3. Análise do Índice de seletividade
O calculo do índice de seletividade (IS) de cada análogo da cloroquina foi feito a
partir da razão entre a dose tóxica para 50% das células e sua atividade anti-P.
falciparum (IC50). Essa análise mostrou que todos os compostos são seguros uma vez
que a relação entre a dose tóxica e a dose efetiva, avaliada pelo IS (> 10), apresenta uma
ampla janela terapêutica (Tabelas 3 e 4). A comparação dos IS em função do ensaio de
hipoxantina tritiada e MTT na linhagem celular HepG2, mostrou valores variando entre
62 (DMA Pt) até 4875 (DETA Pd), sendo o IS de DETA Pd maior do que o observado
para a CQ (IS = 2722).
25
Tabela 3 - Índice de Seletividade dos análogos da cloroquina em diferentes ensaios de
viabilidade celular nas linhagens celulares estudadas (HepG2 e BGM), calculados em
relação ao ensaio de atividade antiplasmodial de hipoxantina.
Análogos da
cloroquina
Hipoxantina
MTT Vermelho Neutro
BGM HepG2 BGM HepG2
DMA 833 833 666 1666
DMA Fe 1200 1800 800 800
DMA Pt 62 62 156 187
DETA 312 844 750 500
DETA Fe 244 1979 469 632
DETA Pt 250 375 225 325
DETA Pd >4875 >4875 >1000 >1000
Cloroquina 2055 2722 1000 1166
26
Tabela 4 - Índice de Seletividade dos análogos da cloroquina em diferentes ensaios de
viabilidade celular nas linhagens celulares estudadas (HepG2 e BGM), calculados em
relação ao ensaio de atividade antiplasmodial anti-HRPII.
5.4. Avaliação da atividade hemolítica de análogos da cloroquina
Como medida de citotoxicidade in vitro foi avaliada também a taxa de hemólise
causada pelos compostos às hemácias humanas não-infectadas, usando diluições
seriadas entre 1,5 a 50µg/mL, o que representa 100 vezes o valor testado para a
obtenção do IC50. Nenhum dos análogos da cloroquina causou hemólise nas doses
testadas.
5.5. Teste supressivo in vivo de análogos da cloroquina contra o P. berghei
A atividade antimalárica de DETA e DMA foi avaliada in vivo, em
camundongos infectados com P. berghei, em três experimentos independentes. O
percentual de redução da parasitemia foi calculado em relação ao grupo controle não
Análogos da
cloroquina
Anti-HRPII
MTT Vermelho Neutro
BGM HepG2 BGM HepG2
DMA 90 90 72 181
DMA Fe 1000 1500 666 666
DMA Pt 285 285 714 857
DETA 384 1038 932 615
DETA Fe 705 5705 1352 1823
DETA Pt 2500 3750 2250 3250
DETA Pd >3823 >3823 >784 >784
Cloroquina 3083 4083 1500 1750
27
tratado, nos dias 5, 8 e 10 após a infecção nas doses de 25 e 50mg/Kg (Tabela 5).
Foram consideradas ativas as substâncias capazes de reduzir 30% ou mais da
parasitemia, sendo a CQ a molécula mais ativa, seguida de DETA, com redução
máxima de 95%, no 5º dia e de DMA, que na dose de 50 mg/Kg causou 81% de redução
no 5º dia. A Figura 5 apresenta a evolução da parasitemia dos animais tratados e dos
controles.
Tabela 5: Atividade antimalárica in vivo de análogos da cloroquina e da cloroquina em
camundongos infectados com o Plasmodium berghei.
Análogos da cloroquina
Dose (mg/kg) % Redução Sobrevida
(tempo em dias) ±DP 5º 8º 10º
DMA 25 64 26 37 25 ± 2
50 81 75 43 24 ± 1
DETA 25 91 61 70 24 ± 1
50 95 71 76 25 ± 1
Cloroquina 20 100 100 100 >30
Controle - - - - 19 ± 7
A sobrevida média dos animais foi maior nos grupos tratados com os análogos
da cloroquina em relação ao controle não tratado, no entanto, as diferenças não foram
significativas (p > 0,05), provavelmente devido ao pequeno número de animais por
grupo. Apenas a CQ foi curativa, eliminando 100% da parasitemia.
28
Figura 5. Parasitemia média em camundongos infectados pelo P. berghei (cepa NK65)
tratados com análogos da cloroquina e com cloroquina, avaliada em diferentes dias após
a infecção.
5.6. Avaliação da inibição da formação de hemozoína de análogos da cloroquina
Com o objetivo de se avaliar um possível mecanismo de ação dos análogos da
cloroquina, foi avaliada sua capacidade de inibição da formação de hemozoína. Foi
utilizado um protocolo in vitro que mimetiza o ambiente in vivo no VD do parasito,
onde o produto da digestão da hemoglobina é depositado na forma polimerizada. Neste
protocolo, quanto maior a formação de heme livre, menor a concentração de hemozoína,
portanto, mais ativa a substância avaliada (Kanyile e Egan, 2004).
O ponto de corte (cut-off) foi determinado pela quantidade de heme livre em
relação ao controle negativo (sem a substância teste). Foram realizados dois
experimentos, representados como média ± desvio-padrão (DP) de triplicatas. As
concentrações testadas pelos análogos da cloroquina e pela CQ variaram entre 0,62 a
40mg/mL, sendo as diferenças significativas em relação ao controle negativo indicadas
por asterisco (p ≤ 0,05).
29
Os dados mostram que todos os compostos inibiram significativamente a
formação de hemozoína (Figura 6). A CQ causou inibição a partir da concentração de
2,5mg/mL, com um perfil dose-resposta (p = 0,004 ; r = 1,000 ). Tanto DETA como
seus derivados inibiram significativamente a formação de hemozoína, com um perfil de
dose-resposta, com valores de r entre 1,000 à 0,964 e p ≤ 0,05. O análogo DETA e seus
derivados com platina e ferro (Figura 6A, 6C e 6E) inibiram a formação de hemozoína
em doses menores do que a observada para a CQ. No entanto, o DETA Pd somente
inibiu a formação de hemozoína em doses elevadas, ou seja, a partir de 5mg/mL
(Figura 6G). O análogo DMA (Figura 6B) inibiu a formação de hemozoína a partir da
concentração de 2,5mg/mL e não apresentou perfil dose-dependente (p = 0,1095;
r = 0,6785). Os seus derivados (Figura 6D e 6F) foram mais ativos, inibindo
significativamente a formação de hemozoína em todas as concentrações avaliadas,
apresentando também um perfil dose-resposta.
Em resumo, a CQ e seus sete novos análogos avaliados inibiram
significativamente a formação de hemozoína in vitro.
30
0.62 1.25 2.5 5 10 20 400
5000
10000
15000
20000
*
*
** * * *
Deta (mg/mL)
Hem
e liv
re (
µM)
r = 1,000p = 0,0004
0.62 1.25 2.5 5 10 20 400
5000
10000
15000
20000
** * * *
DMA (mg/mL)
Hem
e liv
re (
µM)
r = 0,6786p = 0,1095
Deta Pt (mg/mL)
Hem
e liv
re (
µM)
0.62 1.25 2.5 5 10 20 400
5000
10000
15000
20000
*
*
** * * *
r = 0,964p = 0,002
DMA Pt (mg/mL)
Hem
e liv
re (
µM)
0.62 1.25 2.5 5 10 20 400
5000
10000
15000
20000
*
** * * * *
r = 0,829p = 0,012
0.62 1.25 2.5 5 10 20 40
0
5000
10000
15000
20000
Deta Fe (mg/mL)
Hem
e liv
re (
µM)
* *
* * * * *
r = 0,964p = 0,002
Dma Fe (mg/mL)
Hem
e liv
re
( µM
)
0.62 1.25 2.5 5 10 20 400
5000
10000
15000
20000
*
* *
* * **
r = 0,829p = 0,012
0.62 1.25 2.5 5 10 20 400
5000
10000
15000
20000
** *
*
Deta Pd (mg/mL)
Hem
e liv
re (
µM)
r = 0,964p = 0,028
Cloroquina (mg/mL)
Hem
e liv
re
( µM
)
0.62 1.25 2.5 5 10 20 400
5000
10000
15000
20000
*
* * *
*
r = 1,000p = 0,004
Figura 6. Inibição da formação de hemozoína pela cloroquina (H), utilizada como
controle e por seus análogos DETA (A), DETA Pt (C), DETA Fe (E), DETA Pd (G),
DMA (B), DMA Pt (D) e DMA Fe (F).
A B
C D
E F
G H
31
5.7. Estudo molecular de docking
Foi utilizado o modelo molecular de docking, que avalia a força de ligação entre
um ligante na região do sítio ativo de um alvo molecular do parasito, e consiste em se
quantificar essa interação ligante-alvo. O alvo molecular pode um ser receptor protéico,
enzima, ácido nucléico ou canal iônico, todos relacionados ao agente causador de
doenças ou do processo fisiológico, contra os quais se deseja desenvolver um
tratamento quimioterápico (Gehlhaar, 1995; Yang e Chen, 2004; Da Silva, 2010).
A possível interação da CQ e dos análogos DETA e DMA com a hematina
dimérica foi avaliada, sendo consideradas as protonações mais favoráveis no meio
biológico das substâncias (Figura 7). Sabe-se que a CQ no VD do parasito torna-se
protonada e perde assim a capacidade de atravessar a membrana plasmática do parasito
(Sullivan 2002; Fitch 2004). Três possíveis protonações foram estudadas para o análogo
DETA (DETA-1, DETA-2, DETA-3) e duas protonações para o análogo DMA (DMA-1
e DMA-2), ilustrados na figura abaixo.
Figura 7. Estrutura química da cloroquina e dos análogos da cloroquina na forma
protonada.
32
As energias obtidas utilizando-se o algoritmo MolDock Score (Molegro Virtual
Docker) para os análogos da cloroquina e para a CQ estão representadas na Tabela 6.
Os resultados mostram que DETA e DMA, em todas as possíveis protonações, se
ligaram a hematina dimérica (hemozoína sintética), sugerindo uma possível interação
com consequente inibição da formação de hemozoína. Esses dados, como esperado,
foram semelhantes aos dados encontrados in vitro e descritos no Item 5.5. As energias
de interação de hidrogênio possuem uma contribuição significativa para manter a
interação entre os compostos estudados e a hematina dimérica. Somente a forma
protonada DMA-1 apresentou energia de interação de hidrogênio igual a zero. Os outros
compostos apresentaram energias de interação de hidrogênio próximas de -3 Kcal mol-1,
evidenciando a importância de tais interações para a formação do complexo fármaco-
hematina. A Figura 8 ilustra a interação da hematina com os análogos estudados e a
CQ.
Tabela 6 - Energia de ancoramento entre os análogos da cloroquina e a hematina
dimérica.
Ligante Energia interação H (Kcal mol-1)
MolDock Score (Kcal mol-1)
Cloroquina protonada -3, 428 -105, 966
DETA-1 -1, 954 -100, 567
DETA-2 -5, 000 -92, 157
DETA-3 -3, 500 -76, 500
DMA_1 0, 000 -116, 037
DMA_2 -2, 198 -124, 915
33
Figura 8. Compostos ancorados à hematina dimérica sendo eles: (A) Cloroquina
protonada, (B) DETA-1, (C) DETA-2, (D) DETA-3, (E) DMA-1 e (F) DMA.
34
6. DISCUSSÃO
A luta no controle na malária começou há muitos anos, inclusive no Brasil.
Segundo revisão do Professor Leônidas M. Deane (1988), entre os fatos marcantes na
história da luta contra a doença destacam-se: (i) designação de Carlos Chagas, em 1905,
ao porto de Santos, SP, para controlar um surto da doença, e em 1907 para combater
uma epidemia de malária em Minas Gerais, na região do rio das Velhas, durante as
obras de prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brasil; (ii) início, em 1940, de
uma intensa campanha, coordenada por Fred Soper, visando a erradicação do mosquito
Anopheles gambiae, acidentalmente importado em navios vindos da África, responsável
por uma grande epidemia da malária no nordeste do Brasil; (iii) chegada em 1945, do
DDT e novos fármacos no Brasil. A partir desse momento, a campanha de erradicação
da doença foi iniciada, liderada pela OMS em conjunto com serviços de saúde no
Brasil. Milhares de casas eram borrifadas semestralmente, inclusive no sul e sudeste do
país. Essa política diminuiu substancialmente o número de casos nessas regiões no
entanto, somente o uso de DDT não estava sendo o suficiente para controlar a doença,
principalmente no norte do Brasil. Assim, iniciou a campanha de erradicação da malária
na década de 50, com o tratamento em massa dos doentes e o uso de profilaxia
medicamentosa.
Esse programa começou quando o serviço Nacional de Malária tornou
responsabilidade do Estado o controle da doença no Brasil. Em 1953, Mario Pinotti
estabeleceu o uso do sal cloroquinado para a profilaxia da malária na região Amazônica
(Deane, 1988). Como a CQ é muito higroscópica, em áreas com intensa umidade, o
fármaco se hidratava, sendo depositado no fundo do saco de sal (Oliveira-Ferreira et al.,
2010). Concentrações ineficazes de CQ foram assim consumidas pela população,
expondo o parasito a dosagens subterapêuticas. Acredita-se que essa medida aliada ao
uso da cloroquina como profilático, tenham colaborado para a seleção de cepas
resistentes à CQ e outras aminoquinolinas nessa região.
A detecção de casos de pacientes infectados com parasitos resistentes ao
tratamento com CQ no mundo ocorreu inicialmente na década de 60 (Wongsrichanalai
et al., 2002), sendo atribuído, sobretudo, ao extenso uso desse fármaco em campanhas
de erradicação da malária. O primeiro relato de P. falciparum CQ-resistente ocorreu nos
35
anos 60 na Colômbia, no vale do Rio Magdalena, seguido de outros relatos no sudeste
da Ásia (Wongsrichanalai et al., 2002).
A resistência à CQ está associada a mutações no gene Pfcrt, que pertence a uma
superfamília de transportadores e que está localizado no cromossomo 7. Este gene é
responsável por codificar uma proteína, com 10 domínios transmembrânicos, expressa
na membrana do vacúolo digestivo do parasito (Wellems e Plowe, 2001). O gene Pfcrt
foi identificado por análises de DNA através da comparação de sequências entre
linhagens de P. falciparum CQ sensível e resistente (Djimé et al., 2001; Durand et al.,
2001; Vieira et al., 2004). Várias mutações foram observadas e associadas com a
resistência a CQ em amostras de P. falciparum coletados de pacientes da África, da
América do Sul e do sudoeste asiático. No entanto, uma mutação de substituição de uma
treonina (T76) para uma lisina (K76) na posição 76 (K76T) mostrou-se presente em
todas as cepas resistentes e ausentes em todos os isolados sensíveis testados in vitro
(Carlton et al., 2001). A alteração na expressão dessa proteína faz com que a CQ se
torne incapaz de acumular no interior do VD e de agir contra o parasito. Alguns estudos
também sugerem que esta mutação é capaz de interferir no pH do VD reduzindo, assim,
a ligação da CQ ao heme (Sanchez et al., 1997).
Atualmente a resistência à CQ e à maioria dos antimaláricos encontra-se
disseminada por todo o mundo, inclusive na África, onde foi relatada inicialmente nos
anos 80 (Winstanley et al., 2004). Ocorreu a dispersão de cepas de P. falciparum
multirresistente à maioria dos antimaláricos disponíveis, inclusive no continente
africano, tornando necessária a busca de substâncias mais eficazes e com preços
acessíveis (Dondorp et al., 2009; Enserink, 2010).
A busca por um novo tratamento da malária deve levar em conta que as áreas
malarígenas endêmicas e hiperendêmicas concentram populações de menor poder
aquisitivo, sendo a transmissão da malária concentrada nos países ditos “periféricos”
(Rosenthal, 2003). Apesar da resistência a CQ, a busca por análogos desse fármaco é de
grande relevância, uma vez que a CQ foi o fármaco mais eficaz, menos tóxico e de
menor custo para uso humano até hoje em uso, principalmente para o tratamento de
malárias não falciparum (Yearick et al., 2008; Ekoue-Kovi et al., 2009; Andrews et al.,
2010). Além disso, tem sido sugerido que se descontinuada a pressão da CQ ocorre
reversão da sensibilidade dos parasitos ao fármaco (Pereira et al., 2011).
No presente trabalho, a CQ serviu de base para a síntese de dois novos análogos,
DETA com um anel quinolínico e DMA com dois anéis quinolínicos. Ambas as
36
moléculas foram complexadas com metais, considerando que a associação a metais é
uma estratégia promissora na busca de novos fármacos, devido ao seu efeito sinérgico
com os compostos a ele associados, aumentando a sua eficácia (Sánchez-Delgado et al.,
1996; Navarro et al., 1997; Navarro, 2009; Chellan et al., 2010).
Os complexos metálicos são utilizados na pesquisa por medicamentos contra
várias doenças, especialmente contra o câncer (Gasser et al., 2011; Galanski et al.,
2005) bem com no desenvolvimento de novos agentes antiparasitários (Sanchez-
Delgado et al., 1993; Goldberg et al., 1997; Delhaes et al., 2001; Navarro et al., 2009;
Snow et al., 2005; Ajibade et al., 2006; Gabbiani et al., 2009). Apesar do seu potencial,
há poucos exemplos de complexos metálicos eficazes contra as doenças citadas. A
ferroquina (Figura 9) é um exemplo de sucesso na busca de antimaláricos complexados
com metais, sendo sua atividade comparável a da CQ (Kreidenweiss et al., 2006). Ainda
não ocorreu sua resistência cruzada com a CQ. Este fato foi confirmado em
experimentos para avaliar a sensibilidade antimalárica da ferroquina em cepas de P.
falciparum, isoladas de pacientes de Camboja, resistentes a CQ e em camundongos após
a indução de resistência por pressão de fármacos (Biot et al., 2005; Dubar et al., 2008;
Biot et al., 2009).
Figura 9. Estrutura da ferroquina (Biot et al., 2009).
As substâncias avaliadas nesse trabalho apresentaram intensa atividade in vitro
contra o P. falciparum nos métodos hipoxantina e HRPII. Em geral, no teste de
incorporação de hipoxantina tritiada, DMA e seus derivados foram mais ativos que os
derivados de DETA. Essa maior atividade se deve provavelmente a presença de dois
anéis quinolícos na estrutura de DMA, em relação à DETA. A presença dos metais
platina e paládio não aumentou a atividade dos compostos complexados. No entanto,
quando DMA foi associada ao Fe sua atividade aumentou nos ensaios de hipoxantina e
37
HRPII, sendo maior do que a da CQ. Esse efeito se deve, provavelmente, a existência de
dois anéis quinolínicos juntamente a do Fe.
Os análogos DMA PT, DETA Pt e DETA Fe apresentaram valores de IC50
menores no ensaio de HRPII, provavelmente devido ao maior tempo de incubação
(72h) em relação ao ensaio de hipoxantina feito em 42h, como se observou em um
estudo concluído recentemente no laboratório por Isabela Oliveira de Freitas
(Dissertação mestrado, UFMG, 2011). Assim, ao testar extratos e substâncias puras de
plantas contra o P. falciparum, ajustados para o mesmo tempo nos testes de hipoxantina
e o tradicional, a mudança resultou em IC50 semelhantes.
A avaliação da citotoxicidade nos programas de busca de novos fármacos é
essencial e a atividade das substâncias contra o P. falciparum necessita ser especifica e
não tóxica. Para a avaliação da atividade citotóxica dos compostos foram utilizadas duas
linhagens celulares de mamíferos, HepG2, procedente de um hepatoma humano e BGM,
procedente do rim de macaco verde africano. O fígado e o rim são os principais órgãos
envolvidos no metabolismo de fármacos e alguns estudos sugerem que o uso
prolongado da CQ pode afetar a função renal de ratos (Musabayane et al., 1996).
Portanto, essas células foram incluídas nos testes in vitro.
O método de MTT avalia indiretamente a viabilidade celular através do dano na
mitocôndria, uma vez que a enzima succinato desidrogenase, presente nessa organela, é
responsável pela clivagem do sal tetrazólico (MTT). Essa clivagem resulta na formação
de cristais de formazan, responsáveis pela coloração roxa, presente nas células vivas.
O método de vermelho neutro avalia a viabilidade celular a partir de lisossomos,
pois essa organela acumula o corante. Esse se mostrou o método mais sensível na
análise da toxicidade da CQ, pois esse antimalárico atua nessa organela
especificamente. Expressa em MDL50, a toxicidade da CQ foi duas vezes maior no
ensaio de VN em relação ao de MTT.
A partir da razão entre o IC50 e o MDL50 calculou-se o índice de seletividade de
cada composto, o que representa a relação entre a dose ativa e a dose tóxica. A literatura
considera IS de pelo menos dez para que o composto seja considerado seguro (Bézivin
et al., 2003). É importante ressaltar que a linhagem celular HepG2 e o ensaio de MTT
são os mais utilizados na literatura para avaliação da toxicidade (Fotakis e Timbrell
2006). Os sete análogos da cloroquina apresentaram altos valores de seletividade,
especialmente DETA Pd com índice de seletividade de >4875, portanto, maior do que o
38
da CQ. Esse dado é muito promissor, uma vez que a CQ foi considerada por muito
tempo como o fármaco ideal principalmente devido a sua baixa toxicidade.
Somente os compostos DETA e DMA puderam ser avaliados quanto a sua
atividade antimalárica in vivo, pois foram os únicos produzidos em quantidades
suficientes para a realização do experimento. Os dados dos testes em camundongos
infectados com P. berghei, corroboraram com os resultados obtidos in vitro. Houve uma
intensa redução da parasitemia nos animais tratados, além disso, a sobrevida dos
animais tratados com DETA, DMA e CQ foi aumentada em até 11 dias em relação ao
grupo controle não tratado. Entretanto, a presença de dois anéis quinolínicos em DMA
não resultou em sua maior atividade in vivo e apenas o tratamento com CQ curou os
animais.
Na tentativa de elucidar possíveis mecanismos de ação dos análogos da
cloroquina, foi avaliada in vitro a capacidade de inibição da formação de hemozoína.
Utilizou-se para isso, um protocolo indireto, descrito por Kanyile e Egan (2004), o qual
mimetiza o ambiente in vivo do vacúolo digestivo. Este teste somente é possível devido
à existência de um produto químico e estruturalmente idêntico a hemozoína, a hematina
sintética, conhecida como β-hematina (Blauer e Akkawi, 1995).
Após a diluição da β-hematina sintética em NaOH a mesma se dissocia em
heme. Essa solução é incubada com os compostos testes em um tampão de acetato, que
induz a formação de hemozoína. A quantidade de heme livre é então dosada. Quanto
mais ativa a substância testada, maior a formação de heme livre, e consequentemente,
menor a formação de hemozoína. Todos os compostos inibiram a formação de
hemozoína e alguns atuaram em doses menores que a CQ (DETA, DETA Pt, DMA Pt,
DETA Fe, DMA Fe). Em geral, esse dado corrobora com a atividade in vitro. Se
analisarmos o teste de HRPII, as moléculas menos ativas in vitro (DMA e DETA Pd)
foram as únicas que não inibiram a formação de hemozoína em todas as concentrações
avaliadas.
Os resultados de inibição da formação de hemozoína in vitro pelos análogos da
cloroquina DETA e DMA, foram confirmados através do modelo molecular de docking.
O composto DMA apresentou maior energia de ancoramento do que CQ e DETA,
possivelmente devido à presença de dois anéis quinolícos na sua estrutura, uma vez que
a atividade está relacionada com a presença do anel quinolíco, responsável por impedir
a polimerização do heme (Fitch, 2004).
39
Baseados nos resultados do teste in vitro de inibição da formação de hemozoína
e no teste molecular de docking, podemos sugerir que os análogos de CQ avaliados
atuam no processo de inibição da formação de hemozoína, assim como a CQ. Além do
mais, compostos que atuam por esse processo são promissores antimaláricos (Bazararte
et al., 2009).
Alguns estudos recentes de docking sugerem que a CQ e outras quinolínas se
complexam com o produto de digestão da hemozoína ligando-se no sítio ativo da
enzima lactato desidrogenase do P. falciparum (PfLDH), inibindo essa enzima e
levando a morte do parasito (Figura 10) (Cortopassi et al.,2011). Essa rota de atuação
ainda não foi estudada para os análogos metálicos de CQ, cuja atividade antiparasitária
foi avaliada nesse trabalho. Seria interessante também estudar se os novos análogos da
cloroquina atuam na proteína HRPII, uma vez que a mesma auxilia no processo de
detoxificação do heme (Kumar et al., 2007).
Figura 10. Ligação do complexo cloroquina-heme na enzima lactato desidrogenase
(Cortopassi et al.,2011).
Também não foi estudada uma possível resistência cruzada do P. falciparum à CQ e
os novos complexos metálicos, ponto fundamental, tendo em vista a semelhança nos
novos compostos com a CQ. Estudar a associação dos análogos da cloroquina com
outros antimaláricos também é importante, uma vez que associação de medicamentos
com diferentes mecanismos de ação diminui o surgimento da resistência (Andrade et al.,
2006).
40
7. CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS
A resistência do P. falciparum aos antimaláricos disponíveis tem sido amplamente
documentada (WHO, 2010), inclusive contra derivados da artemisinina, usados na
ACT, tornando essencial a busca por fármacos ativos contra alvos específicos do
parasito. Com base nos resultados obtidos com esse fim, podemos concluir que:
� Sete novos análogos da cloroquina testados apresentaram atividade contra P.
falciparum em escala nanomolar, sendo DETA Pt; DMA Pt; DMA Fe mais ativos do
que a CQ.
� Nenhum dos análogos da cloroquina apresentou toxicidade nas duas linhagens
celulares testadas, sendo os valores de IS maiores para DETA Pd, com este maior do
que o da CQ.
� Os análogos DETA e DMA foram ativos contra P. berghei em camundongos, sendo
o DETA o mais promissor.
� O mecanismo de ação dos compostos testados depende, pelo menos em parte, da sua
capacidade de inibir a formação de hemozoína, hipótese confirmada pelo ensaio in
vitro e pelo estudo molecular de docking.
� As perspectivas são as seguintes: (i) Avaliar in vitro a atividade dos análogos da
cloroquina em outras cepas do P.falciparum, sensíveis ou resistentes a CQ; (ii) testar a
atividade dos análogos da cloroquina em isolados de parasitos de pacientes; (iii)
selecionar os compostos mais ativos para estudar mecanismos de resistência, com P.
falciparum submetido à pressão de fármacos, avaliando-se os genes envolvidos na
resistência dos parasitos aos compostos; (iv) avaliar a atividade antiplasmodial dos
análogos da cloroquina complexados com metais, em camundongos infectados com P.
berghei; (v) avaliar a produção de citocinas pró-inflamatórias e moléculas de adesão
envolvidas na malária grave, em camundongos infectados com a cepa ANKA de P.
berghei, antes e após a administração dos compostos.
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