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Avaliação e Suporte Nutricional no Doente com Cancro do Foro Esófago-
Gástrico
Assessment and Nutritional Support in Esophageal and Gastric Cancer
Patients
Alexandra Sofia Alves de Sousa
Orientada por: Dra. Cristina Trindade
Monografia
Porto, 2008
i
Dedicatória
Pedras no Caminho?
Guardo todas…Um dia vou construir um castelo!
Atrevo-me a subscrever estas palavras de Fernando Pessoa para dedicar esta
monografia e agradecer a todos os que me ajudaram a guardar as minhas pedras,
que como eles sabem, foram muitas vezes grandes e pesadas…
ii
Índice
Dedicatória e Agradecimentos .......................................................................... i
Lista de Abreviaturas ..................................................................................... iv
Resumo em Português e Inglês ...................................................................... v
Palavras-Chave em Português e Inglês ......................................................... vi
Introdução........................................................................................................ 1
1. Definição de Cancro .................................................................................... 2
2. Cancro do Esófago e do Estômago ............................................................. 5
2.1. Etiologia e Factores de Risco do Cancro do Esófago e do Estômago ..... 5
2.1. 1. Cancro do Esófago .............................................................................. 5
2.1. 2. Cancro do Estômago ........................................................................... 8
2.2. Epidemiologia do Cancro do Esófago e do Estômago ........................... 11
3. Desnutrição associada ao cancro .............................................................. 13
4.Consequências Nutricionais do Tratamento do Cancro do Esófago e do
Estômago na Quimioterapia, Radioterapia e Cirurgia ................................... 16
5. Rastreio e Avaliação Nutricional do Doente com Cancro .......................... 17
5. 1. Malnutrition Screening Tool ................................................................... 18
5.2. Patient-Generated Subjective Global Assessment ................................. 18
5.3. Métodos de Avaliação Nutricional ......................................................... 19
5.3.1. Avaliação da Ingestão Alimentar ......................................................... 20
5.3.2. Exame Físico Objectivo ....................................................................... 21
5.3.3. Antropometria ...................................................................................... 22
5.3.4. Bioimpedância Eléctrica ..................................................................... 23
5.3.5. Parâmetros Laboratoriais .................................................................... 24
5.3.6. Avaliação Metabólica: Calorimetria...................................................... 25
iii
6. Suporte nutricional no doente com cancro do esófago e do estômago ..... 25
7. Considerações finais ................................................................................. 32
8. Reflexão Crítica ......................................................................................... 35
Referências bibliográficas ............................................................................. 37
Anexos ......................................................................................................... 40
Índice de Anexos .......................................................................................... 41
iv
Lista de Abreviaturas
CCEE – Carcinoma das Células Escamosas do Esófago
CE – Cancro do Esófago
EUA – Estados Unidos da América
ADN – Ácido desoxirribonucleico
Hp – Helicobacter pylori
IL-1 – Interleucina 1
IL-2 – Interleucina 2
IL-6 – Interleucina 6
PIF – Factor Indutor da Proteólise
TNF – Factor de Necrose Tumoral
g – gramas
dl – decilitro
SN – Suporte Nutricional
ASPEN – American Society for Parenteral and Enteral Nutrition
ESPEN – European Society for Clinical Nutrition and Metabolism
MST – Malnutrition Screening Tool
PG-SGA – Patient Generated Subjective Global Assessment
Gln – Glutamina
PCR – Proteína C Reactiva
EPA – Ácido Eicosopentanóico
QV – Qualidade de Vida
GER – Gasto Energético em Repouso
BA – Balanço Azotado
v
Resumo
O cancro do esófago e do estômago apresentam uma grande incidência
mundial, sendo que o cancro gástrico é o terceiro tumor maligno mais frequente
no Mundo. Na sua etiologia estão factores de ordem pessoal, social e ambiental.
A alimentação assume um papel particularmente importante neste
processo. Por um lado pode constituir um factor de risco e por outro assume um
papel inquestionável no tratamento.
A decisão acerca do tipo de suporte nutricional a instituir, que deve ser
sempre personalizado, baseia-se numa avaliação nutricional completa e
exaustiva. Actualmente, estão descritos os efeitos benéficos de vários nutrientes
como a arginina, glutamina, ácidos gordos da cadeia n-3, vitamina E e o ácido
ribonucleico. Estes, quando suplementados à dieta oral, entérica ou parentérica
produzem efeitos ao nível da resposta imunológica, o que constitui uma notável
vantagem para o doente oncológico.
Abstract
Esophageal and gastric cancer are quiet usual around the world. By the
way, gastric cancer is the third cancer most viewd. In their ethiology are personal,
social and enviormmental aspects.
In this process, nutrition have a very important role. In one hand, mean to
be a risk factor and, in the other hand it could have a crucial role in treatment.
The decision about the kind of nutritional support to administrate has always
to be personalize and result of one complete nutritional assessment. Nowadays,
the addition of some nutrients like arginin, glutamine, eicosopentanoic acid,
vi
vitamine E and RNA are had as bennefic. These nutrients improve the outcomes
of these patients, because they have a excellent effect on immunological
response.
Palavras-Chave/Keywords
Cancro do esófago, esophageal cancer
Cancro de estômago, gastric cancer
Suporte nutricional, Nutritional support
Suporte Nutricional no cancro, Nutritional Support in cancer
1
Introdução
O cancro caracteriza-se pelo crescimento e disseminação incontrolável de
células anormais. Na sua causa podem estar factores de ordem externa ou
interna.
A incidência cada vez maior do cancro do esófago e do estômago tem
despertado o seu estudo e compreensão, no sentido de contrariar esta tendência
epidemiológica.
Muitos estudos têm demonstrado a presença de desnutrição no doente
oncológico(1-10). A esta malnutrição está associado pior prognóstico, com aumento
do risco de complicações, diminuição da resposta e tolerância ao tratamento,
diminuição da qualidade de vida, aumento dos custos clínicos e diminuição da
taxa de sobrevivência(1-10). A perda de peso e a anorexia, características dos
doentes oncológicos, constituem uma grande barreira a transpor pelos
profissionais de saúde, em particular pelos nutricionistas.
O suporte nutricional no doente com cancro tem como objectivos evitar a
desnutrição e as complicações que lhe estão associadas, corrigir a desnutrição
que possa estar instalada, aumentar a tolerância e a eficácia do tratamento e
melhorar a qualidade de vida (QV) destes doentes(6, 10, 11).
A instituição de um suporte nutricional que vá de encontro às
necessidades reais do doente com cancro revela-se assim fundamental. Porém, a
chave do sucesso parece residir na identificação precoce dos doentes de risco,
que permite instituir um plano nutricional personalizado que será monitorizado e
ajustado ao longo de todo o processo da doença(5, 6, 11).
2
O facto da nutrição poder contribuir para uma melhoria do prognóstico e da
QV do doente oncológico constituiu a principal motivação para a realização desta
monografia. Os objectivos que se pretendem atingir são:
- Compreender a etiologia do cancro esófago e do estômago;
- Identificar os factores de risco do cancro do esófago e do estômago;
- Conhecer os aspectos que estão na origem da desnutrição associada ao cancro;
- Perceber as consequências nutricionais do tratamento do cancro do esófago e
do estômago;
- Saber quais os aspectos relevantes na avaliação nutricional destes doentes;
- Reconhecer a existência e importância dos diferentes tipos de suporte
nutricional.
Esta monografia está dividida em 3 partes principais. Numa primeira parte
define-se cancro e abordam-se aspectos epidemiológicos do cancro do esófago e
do estômago. Na segunda parte faz-se referência à desnutrição associada ao
cancro e às consequências nutricionais do seu tratamento. Na última parte
descreve-se a avaliação nutricional do doente com cancro e faz-se uma revisão
acerca do suporte nutricional no doente oncológico do foro esófago-gástrico.
1. Definição de Cancro
Actualmente, os termos neoplasia, tumor e cancro são vulgarmente
utilizados como sinónimos. Porém, cada um deles tem um significado específico.
De acordo com o oncologista Willis (1952) citado por Machado E.(1),
neoplasia é “uma massa anormal de tecido, cujo crescimento excede aquele dos
tecidos normais, e não está coordenado com ele, persistindo da mesma maneira
excessiva após o término do estímulo que induziu à alteração primitiva”. O termo
3
tumor foi originalmente aplicado ao intumescimento causado pela inflamação(12) e,
actualmente os dois termos são usados como sinónimos.
A diferenciação entre tumores benignos e malignos, conforme ilustrado no
anexo I, pode ser feita a partir de critérios morfológicos, da velocidade de
crescimento, da capacidade invasiva local e para locais distantes
(metastização)(12).
O termo cancro surge quando as células normais se transformam em
células cancerosas ou malignas, isto é, quando adquirem a capacidade de se
multiplicarem e invadirem os tecidos e outros órgãos(12-14).
Etimologicamente, Cancro deriva do latim câncer, que significa caranguejo.
O termo câncer foi, provavelmente aplicado por se estabelecer a comparação
com a capacidade que o caranguejo tem de “aderir a qualquer parte e agarrar-se
de modo obstinado”(1, 12).
A carcinogénese, o processo de transformação de uma célula normal em
célula cancerosa, passa por diferentes fases. As substâncias responsáveis por
esta transformação designam-se agentes carcinogéneos. São exemplos de
carcinogéneos as radiações ultravioletas do sol, os agentes químicos do tabaco,
etc.(13, 14).
A primeira fase da carcinogénese – iniciação – começa quando agentes
carcinogéneos actuam sobre a célula alterando irreversivelmente o seu ADN. A
este processo chama-se mutação. Uma primeira mutação não é suficiente para
que surja um cancro, contudo pode ser o início do processo. A condição
indispensável é que a célula alterada seja capaz de se dividir. As células
danificadas começam a multiplicar-se a uma velocidade ligeiramente superior à
4
normal, transmitindo às suas descendentes a mutação, esta é a chamada fase de
latência(13, 14).
Numa segunda fase – promoção – as células atingidas pela mutação, são
estimuladas por agentes promotores, originando as células cancerosas(13, 14).
Por último, surge a fase da progressão em que ocorre a maturação das
células cancerosas surgindo o cancro(13, 14).
Para que se desenvolva um cancro é necessário que, de forma cumulativa
e continuada, se produzam alterações celulares durante um longo período de
tempo(13-15).
O cancro pode ser classificado, de acordo com o tipo de células em
carcinoma, sarcoma, leucemia e linfoma(12).
O carcinoma é um tumor maligno que se origina em tecidos que são
compostos por células epiteliais. Aproximadamente 80 por cento dos tumores
malignos são carcinomas(12).
O sarcoma tem origem em células que estão em tecidos de ligação, como
ossos, ligamentos, músculos, etc. Nestes, as células estão unidas por substância
intercelular e não são epitélios, são tecidos conjuntivos(12).
Na leucemia as células cancerosas circulam no sangue e não há
normalmente um tumor propriamente dito(12).
O linfoma é um cancro no sistema linfático que afecta os linfócitos.
Existem dois tipos de linfomas, o linfoma de Hodgkin e não Hodgkin(12).
5
2. Cancro do Esófago e do Estômago
2.1. Etiologia e Factores de Risco do Cancro do Esófago e do Estômago
A etiologia do cancro do esófago e do estômago é, à semelhança de outros
tipos de cancro, de origem multifactorial. Resulta de uma interacção entre factores
genéticos, sociais e ambientais(11, 12, 16-22).
2.1.1. Cancro do Esófago (CE)
O carcinoma das células escamosas e o adenocarcinoma são os 2 tipos
histológicos de CE mais comuns e derivam das células epiteliais. O primeiro
ocorre em 60% dos casos e é mais frequente nos dois terços superiores do
esófago, os restantes 40% são adenocarcinomas, regra geral no terço distal, e
surgem numa região de metaplasia colunar (esófago de Barret), tecido glandular
ou como extensão directa de adenocarcinoma gástrico proximal(21-23). Outros
tumores, frequentemente observados ao nível da junção esófago-gástrica,
derivam das células basais da mucosa ou das glândulas da submucosa. O
carcinoma in situ é um precursor do carcinoma das células escamosas e
apresenta uma citologia atípica ao longo do epitélio(22).
O consumo de tabaco e álcool aumenta significativamente o risco de
cancro(16, 17, 21-24). O consumo de tabaco e álcool são as principais causas de
carcinoma das células escamosas do esófago (CCEE) nos Estados Unidos da
América (EUA) e nas Sociedades Ocidentais. A associação entre o consumo de
tabaco e o adenocarcinoma também se verifica, porém de uma forma menos
consistente. A relação desta associação com o CCEE explica, em parte, a maior
incidência deste tipo de cancro nos Afro-Americanos, que em relação aos
indivíduos de raça branca, consomem mais tabaco e álcool(17, 21-23). Diversos
6
estudos citados por Kelsen(21) demonstram que os fumadores apresentam um
risco 5 vezes maior de desenvolver cancro do esófago relativamente aos não
fumadores.
A associação entre o CCEE e o consumo de álcool está demonstrada por
vários estudos(17, 21-23).
Embora o etanol seja o factor etiológico apontado para esta relação causal,
a variação mundial de acordo com o tipo de bebida alcoólica consumida, sugere
que também concorrem outros ingredientes presentes nas bebidas. Os maiores
contribuidores para a relação entre o consumo de álcool e o CCEE são: o
consumo de cerveja na África do Sul, as bebidas destiladas de cana-de-açúcar
em Porto Rico e na América do Sul, o whisky na Carolina do Sul e os brandies no
Norte de França (região com maior incidência). Nos EUA, a diminuição do risco
do CCEE está associada ao consumo de licores, cerveja e vinho, porém aumenta
com o consumo de bebidas destiladas(17, 18, 21, 22).
No que respeita à relação entre adenocarcinoma do esófago e consumo de
álcool não se verifica uma relação consistente, aliás em alguns estudos
consultados nem se verifica relação(17, 21, 22).
Alimentação e nutrição: A alimentação tem sido apontada como factor
etiológico para o desenvolvimento do CE, particularmente em áreas do mundo em
que importantes factores de risco como o álcool e o tabaco não são
prevalentes(19, 21-23, 25).
Os factores nutricionais estão mais relacionados com o CCEE, mas
encontra-se relação positiva nos 2 tipos histológicos de cancro(21).
Existe uma forte associação entre o CCEE e a síndrome de Plummer-
Vinson, (deficiência de ferro e outros micronutrientes), característico das mulheres
7
no Norte da Suécia. Esta associação pode explicar, em parte, a elevada
incidência de CE nos países desenvolvidos. Estudos demonstram que existe
também uma relação entre doença celíaca e o CE, que se justifica pela mal
absorção de nutrientes a nível intestinal(21-23).
O elevado consumo de frutas e vegetais frescos revelou-se um factor
protector e despertou para o desenvolvimento de alguns estudos no sentido de
identificar quais são exactamente os nutrientes protectores(21, 22). Na China,
(região com elevada incidência de CE), foram desenvolvidas várias investigações
com o objectivo de estabelecer uma relação entre o consumo de vitaminas e
minerais específicos e o risco de CE. Verificou-se que ao final de 5 anos de
suplementação com �-caroteno, vitamina E e selénio, o número de mortes por
cancro diminuiu 13%. Também se verificou uma diminuição da incidência de CE
com a suplementação de riboflavina e niacina. Com outras combinações não se
obtiveram reduções significativas do risco de cancro, porém verificou-se uma
regressão na displasia do esófago. Num outro estudo levado a cabo na China
durante 13 meses com administração semanal de retinol, zinco e riboflavina, não
se verificou redução da prevalência de esofagite. Em suma, neste momento é
ainda prematuro recomendar a suplementação com selénio, �-caroteno, vitamina
E ou outros micronutrientes específicos para a redução do CE, porém alguns
estudos demonstram uma associação positiva entre esta suplementação e a
redução do risco de CE. A carência de vitamina A, zinco e molibdénio estão
também associados ao CE, mas são necessários mais estudos para clarificar esta
relação (21-23, 25).
De acordo com Wu(26), existe uma relação inversa entre o consumo de
fibras e a incidência de CE.
8
O hábito de beber chá e a consequente ingestão de taninos, tem sido
postulado como um grande contributo para os altos níveis de CE em Curaçau e
entre os Afro-Americanos na zona costeira da Carolina do Sul. A ingestão crónica
de bebidas exageradamente quentes está relacionada com o CE(15, 19, 21).
A obesidade é um factor claramente associado ao adenocarcinoma do
esófago, o aumento do seu risco é proporcional ao aumento do índice de massa
corporal, no entanto o mecanismo não está ainda bem esclarecido. Uma das
explicações poderá ser o refluxo gastroesofágico facilitado por uma diminuição da
função do esfíncter, porém alguns estudos demonstram indivíduos obesos com e
sem refluxo apresentam a mesma incidência deste cancro. Com o CCEE não se
encontrou ainda relação com este factor(18, 21, 22, 24, 27).
O esófago de Barret caracteriza-se por uma metaplasia das células do
epitélio glandular do esófago devido ao refluxo gastroesofágico que pode
progredir para adenocarcinoma(18, 21-23). Indivíduos com esófago de Barret têm 30
a 40 vezes mais probabilidade de desenvolver adenocarcinoma relativamente aos
indivíduos não portadores deste tipo de esófago(22).
Outros factores de risco apontados para o desenvolvimento de CE
incluem a ingestão de lixívia, a estenose esofágica, a exposição a radiações
ionizantes, cancro da cabeça e pescoço, acalasia, história prévia de úlcera
duodenal ou hérnia do hiato, o baixo estatuto sócio-económico, a predisposição
familiar e anomalias genéticas ao nível do gene P53(16-18, 21, 24).
2.1.2. Cancro do estômago
O estômago humano divide-se em 3 partes: o cardia, o corpo e o antro
pilórico. A cada uma destas estruturas anatómicas estão associados diferentes
9
factores de risco. Os tumores do antro são os mais frequentes seguidos pelos do
corpo do estômago(21).
Os dois subtipos histológicos mais comuns são o adenocarcinoma do
cardia e o do não cardia(21).
No anexo 2 descritos os factores de risco associados ao cancro do
estômago, de acordo com a sua localização anatómica.
Os factores de risco mais importantes para o desenvolvimento do cancro
do estômago são a gastrite atrófica e a infecção pela Helicobacter pylori(16, 21-23, 28-
31).
A gastrite atrófica multifocal é o precursor mais comum de cancro
gástrico nas populações de alto risco. É precedida por uma gastrite superficial e
está muitas vezes associada à infecção por Helicobacter pylori(21). A gastrite
atrófica multifocal resulta de um efeito combinado entre a Helicobacter pylori, o
elevado consumo de sal e nitratos, o consumo de tabaco e a baixa ingestão de
vegetais frescos e antioxidantes(21-23).
A Helicobacter pylori (Hp) está presente em 75% das pessoas com alto
risco para desenvolver este tipo de cancro(21). É uma bactéria Gram negativa da
qual o único reservatório identificado na natureza é o homem. A contaminação
pode ser fecal/oral, oral/oral e gastro/oral e está associada à falta de condições de
higiene básicas(15). Sabe-se que 50% da população mundial está infectada com
Hp, tendo os países sub-desenvolvidos uma maior incidência(15, 16, 28, 31). A
presença desta bactéria está fortemente associada ao cancro gástrico(7, 15, 16, 19, 21,
22, 28-31). Embora não se conheça exactamente o modo de actuação da Hp, têm
sido propostos vários mecanismos dos quais três são os mais importantes:
produção de produtos tóxicos lesivos nos tecidos locais, indução de uma resposta
10
local imunitária que provoca reacção inflamatória e elevação dos níveis de
gastrina com consequente elevação da secreção ácida(15).
Os indivíduos jovens infectados pela Hp apresentam maior risco de cancro
gástrico do que indivíduos mais velhos(29).
A Alimentação e Nutrição está fortemente relacionada com a
indução do cancro e/ou com a sua redução(11, 19-21). O uso abusivo de sal está
também fortemente relacionado com o cancro de estômago. A ingestão de
aminas heterocíclicas está também associada ao cancro gástrico(32).
Relativamente à ingestão de nitritos e nitratos (fumados) não há ainda uma
relação directa estabelecida, mas pensa-se que esta ingestão pode potenciar o
desenvolvimento deste tipo de cancro(19, 21-23, 25, 32).
Diversos estudos demonstram que existe uma relação inversa entre o
consumo de vegetais e frutas frescas e o cancro gástrico. Desconhecem-se ainda
os nutrientes específicos que são responsáveis por este efeito, mas sabe-se que
o ácido ascórbico e o �-caroteno têm papel antioxidante. O ácido ascórbico tem o
benefício adicional de prevenir lesões aquando da presença de nitrosaminas(11, 19-
21, 25, 32). Verifica-se uma associação inversa entre consumo de fibras e cancro
gástrico(26). Dietas ricas em polifenóis e flavonóides presentes no chá, selénio,
carotenóides e vitamina E, possivelmente reduzem o risco de estômago(11, 19, 21-23,
25).
No anexo 3 apresenta-se um resumo de alguns componentes da dieta e
evidências de associação com o risco de cancro gástrico de acordo com o
American Institute for Câncer Research.
Relativamente ao consumo de tabaco não existem dados consistentes
que fundamentem a sua associação com o cancro gástrico(21, 24).
11
A infecção pelo Vírus Epstein-Barr (VEB) também aumenta o risco deste
tipo de cancro(21). Para este facto sugerem-se três mecanismos:(21)
1º - A infecção pelo VEB induz a transformação do epitélio gástrico;
2º - A infecção pelo VEB pode ocorrer após a indução do tumor e, pode ou não
contribuir para o desenvolvimento do tumor;
3º - O facto de existir um elevado nível de anticorpos VEB pode ser um marcador
de desregulação imunológica, o que pode ter um papel importante na
carcinogénese, independentemente da infecção.
Existem ainda factores genéticos associados ao cancro gástrico, alguns
estudos sugerem que anomalias no gene p53 possam surgir como um factor de
risco(21). Em cerca de 10% dos carcinomas gástricos existe uma predisposição
familiar(15). Em alguns casos verifica-se que a susceptibilidade genética conjugada
com factores ambientais pode contribuir para o aumento do número de indivíduos
afectados na mesma família(15).
2.2. Epidemiologia do cancro do Esófago e do Estômago
A epidemiologia do cancro fornece informação acerca da distribuição do
mesmo na população(15). Cerca de três quartos dos cancros são originados por
factores extrínsecos e pelo menos um quarto poderia ser evitado se fossem
aplicados os conhecimentos obtidos a partir da epidemiologia(15).
O cancro do estômago e do esófago são responsáveis por um significativo
número de morte a nível mundial(17, 20, 21), sendo que o cancro gástrico é o terceiro
tumor maligno mais frequente no Mundo(20).
12
O cancro do esófago apresenta a sua incidência mais elevada no Norte e
Centro da China, Irão, Afeganistão, Sibéria e Mongólia, África do Sul e França(21-
23).
Nas últimas três décadas, a incidência de adenocarcinoma do esófago
aumentou consideravelmente nos EUA e na Europa Ocidental, principalmente nos
nos homens, cuja taxa triplicou desde 1970(16, 17, 20, 24).
Em 2003, o CE constituiu uma importante causa de morte nos EUA, com
13000 mortes e 13900 novos casos(21). Verificou-se que a incidência nos homens
é maior do que nas mulheres e que os indivíduos de raça negra são mais
afectados do que os de raça branca. O CE manifesta-se fundamentalmente a
partir da sexta década e apresenta uma sobrevida menor que 5 anos(23).
O cancro do estômago é um problema importante de saúde pública no
Leste Asiático (Hong Kong, Japão, Singapura), sendo o Japão o país com mais
alta incidência. Outras áreas de grande incidência incluem a Europa Central,
Finlândia, Islândia, algumas regiões da América Latina e da antiga União
Soviética, Irão e Portugal(22, 23).
Apesar da incidência de cancro gástrico estar a diminuir nos países
desenvolvidos da Europa Ocidental e Norte da América, continua a ser um dos
mais comuns no Mundo. Em 2003, ocorreram nos EUA 22400 novos casos e
12100 mortes por cancro gástrico (21).
Em Portugal, a sua incidência continua elevada (37/100 000) constituindo a
segunda causa de morte por tumores do tubo digestivo depois do cancro colo-
rectal (15).
De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) (33), em
Portugal no ano 2005 ocorreram 23232 óbitos por tumores (neoplasias), dos quais
13
22724 eram malignos. Destes 2428 (10,6%) eram do estômago e 575 (2,5%) do
esófago.
Relativamente ao sexo, conforme se pode verificar no gráfico 1 do anexo 4,
morrem, em ambos os tipos de tumor maligno, mais homens do que mulheres.
No que diz respeito à distribuição por faixa etária, verifica-se uma maior
incidência de óbitos dos 50 aos 69 anos para ambos os tipos de tumor maligno
(gráficos 2 e 3, anexo 4). Analisando o número de óbitos por região verifica-se
uma maior ocorrência na região Norte, em ambos os tumores (Gráfico 4 e 5,
anexo 4).
3. Desnutrição associada ao cancro
Em oncologia, a deterioração nutricional é de origem multifactorial e está
associada a um pior prognóstico. A presença de cancro é, por si só, um
importante factor de risco de desnutrição que pode ser influenciada pelo tipo
histológico, localização, estadio e pelo tratamento(1-8, 11).
A desnutriçã é o diagnóstico secundário mais frequente no doente
oncológico, a seguir à perda de peso(5, 11, 20). Interfere com o sistema imunológico
ao potenciar a imunossupressão já induzida, muitas vezes, pelo tratamento, o que
favorece o aparecimento de complicações infecciosas. A deficiente síntese
proteica impede a reparação e cicatrização dos tecidos após o tratamento
cirúrgico favorecendo, deste modo, a infecção e outras complicações como
deiscência da ferida cirúrgica, eventrações e fístulas(2-4, 6, 7).
A desnutrição pode ser usada como marcador/preditor de mau prognóstico.
Está correlacionada com o aumento de complicações pós operatórias,
aumento do tempo e custos relacionados com o internamento hospitalar,
14
diminuição da tolerância às terapias antineoplásicas, e diminuição da qualidade
de vida, entre outros(2, 5-7, 34-37).
Estima-se que a prevalência da desnutrição nos doentes com cancro varia
entre os 8% e os 84%, sendo que no cancro gastrointestinal atinge os 80%(6, 38).
De acordo com Laviano e Meguid, 1996 citados por Teixeira, M Lourdes(39)
a incidência de desnutrição no cancro gástrico ronda os 83% e no cancro do
esófago os 79%.
A Sociedade Portuguesa de Oncologia levou a cabo, em 2007, o primeiro
estudo nacional sobre carências alimentares e revelou que dos cerca de 37000
doentes oncológicos, mais de metade sofre de carências alimentares(40).
O cancro condiciona graves alterações nutricionais e metabólicas, cuja
expressão clínica se manifesta por um conjunto de sinais e sintomas que
caracterizam a caquexia(2, 3, 34-36).
A caquexia é uma síndrome de depleção nutricional progressiva com
impacto importante na morbilidade e mortalidade do doente oncológico(2). É
comum em estados avançados de cancro e caracteriza-se fundamentalmente
pela presença de anorexia, astenia, perda de peso e anemia. Outros sintomas
que podem estar associados à caquexia são as náuseas, sensação constante de
plenitude gástrica, dor abdominal e alterações do paladar e olfacto. Para além da
anemia, as alterações bioquímicas incluem hipoalbuminemia, hipoglicemia,
lactacidemia, hiperlipidemia e intolerância à glicose(2, 3, 13, 14, 34-36).
A caquexia resulta de uma complexa interacção entre factores
dependentes do tumor e factores dependentes do hospedeiro(2-4, 9, 11, 35).
Os factores dependentes do tumor são o aumento do consumo
energético originado pelo metabolismo tumoral e a secreção de citocinas pró-
15
inflamatórias. Estas iniciam a resposta inflamatória sistémica por parte do
hospedeiro e a secreção de substâncias com efeitos lipolíticos e anorexígenos,
como a serotonina e a bombesina. Dos efeitos metabólicos das substâncias
secretadas pelas células tumorais, destacam-se a destruição muscular pelo factor
indutor de proteólise (PIF), que actua por um mecanismo similar ao factor de
necrose tumoral (TNF). Ao nível do metabolismo proteico as alterações resultam
do aumento de síntese proteica, do aumento do catabolismo, da redução da
síntese de proteínas musculares, do aumento da síntese de proteínas hepáticas
inflamatórias e da falta de adaptação à diminuição do aporte proteico-energético.
Todas estas alterações condicionam uma constante perda de massa muscular e
visceral. Paralelamente, assiste-se a um balanço azotado constantemente
negativo que resulta na já referida depleção proteica e atrofia muscular(2-4, 21, 36).
Ocorre também diminuição da massa gorda relacionada com taxas
aumentadas de lipolise e diminuição da actividade da enzima lipoproteina lipase
(LPL), responsável pela remoção dos triacilgliceróis no plasma, o que condiciona
uma hipertrigliceridemia.
Relativamente ao metabolismo dos hidratos de carbono também se
verificam importantes alterações secundárias ao intenso turnover da glicose,
devido ao seu uso preferencial como fonte de energia pelas células tumorais. Por
outro lado, assiste-se também a uma intolerância à glicose e resistência periférica
à insulina, que se deve essencialmente à diminuição da sensibilidade hepática á
insulina e da sua segregação pelo pâncreas, em resposta a alimentação(2-4, 21, 41,
42).
Nos factores dependentes do hospedeiro podem incluir-se a secreção
de citocinas, alterações do gasto energético e do metabolismo. Relativamente às
16
citocinas, verifica-se uma elevada produção por parte dos macrófagos do TNF, da
interleucina-1 e interleucina-6 e pelos linfócitos do interferon-�. A mais estudada
é o TNF que origina anorexia e perda de peso com diminuição da gordura e
massa muscular(2-4). Em relação ao gasto energético em repouso (GER) este
encontra-se aumentado apenas em alguns tipos de cancro. Porém, a resposta
adaptativa com diminuição do GER na privação de aporte calórico, não está
preservada nestes doentes(2).
Outros factores que podem concorrer para a desnutrição do doente
oncológico são os relacionados com o tratamento, tais como a quimioterapia,
radioterapia, cirurgia, imunoterapia ou pela combinação destes. Estes
tratamentos, pelos seus efeitos adversos, podem interferir com a capacidade de
ingestão, digestão e absorção(19, 41, 42).
No anexo 5 encontram-se sumariados os principais factores que
contribuem para a desnutrição proteico-energética.
Pelas razões descritas, é fundamental que o estado nutricional do doente
com cancro seja monitorizado e optimizado o mais precocemente possível.
4. Consequências nutricionais do tratamento do cancro do Esófago e do
Estômago por quimioterapia, radioterapia e cirurgia
O cancro tem, por si só, um importante impacto no estado nutricional do
doente, porém o seu tratamento também condiciona uma série de alterações
importantes(11). Na tabela que se segue encontram-se descritos alguns efeitos
secundários com impacto nutricional, que podem surgir na sequência de
tratamentos como quimioterapia com corticóides ou com quimioterápicos gerais,
terapia hormonal ou com análogos, imunoterapia, radioterapia e cirurgia.
17
Tratamento Efeitos Secundários Com Impacto Nutricional
Quimioterapia com
corticóides
Distensão abdominal, anorexia, aumento do apetite, diarreia,
esofagite ulcerativa, hipocalcemia, hiper ou hipoglicemia,
hipocalemia, hipertensão, perda de massa muscular, náusea,
osteoporose, pancreatite, retenção de sódio e água, hemorragia
gastrointestinal, vómitos, aumento de peso
Quimioterápicos
gerais
Anorexia, desconforto abdominal, diarreia, estomatite, náusea,
vómitos, úlceras orais e gastrointestinais
Imunoterapia Anorexia, diarreia, edema, estomatite, náusea, vómitos,
emagrecimento
Terapia
hormonal/análogos
Anorexia, anemia, aumento do apetite, diarreia, edema, glossite,
náusea, vómitos, retenção de fluidos, aumento de peso
Radioterapia:
Cabeça, pescoço e
tórax:
Abdómen e pelve:
Disgeusia, disosmia, disfagia, esofagite, estenose, estomatite,
fibrose, fístula, hemorragia, queda de dentes, odinofagia,
xerostomia, trismo
Diarreia, estenose, fístulas, lesão intestinal, má absorção,
náusea, obstrução, vómitos
Cirurgia:
Esofagectomia
Gastrectomia
Ressecção intestinal
Diarreia, estase gástrica, esteatorreia, hipocloridria, regurgitação,
saciedade precoce
Acloridria (sem factor intrínseco), deficiência de vitamina B12,
cólicas, enfartamento, carências minerais, diarreia, síndrome de
Dumping, hipoglicemia, má absorção de gorduras e vitaminas
lipossolúveis, saciedade precoce
Deficiência de vitamina B12, desidratação, esteatorreia, calculos
renais, deplecção mineral, diarreia, desequilíbrio
hidroelectrolítico, hiperoxalúria, má absorção Tabela 1 – Efeitos colaterais do tratamento do cancro com impacto nutricional Adaptado de
Nutrição Oral, Enteral e Parenteral na Prática Clínica(11)
5. Rastreio e Avaliação nutricional do doente com cancro
Segundo a Resolução do Conselho da Europa de Novembro de 2003, o
rastreio e a avaliação do estado nutricional dos doentes deve ser prática comum
em todas as admissões hospitalares (43).
18
A Joint Comission for Acreditation of Health Care Organizations é uma
instituição que visa à acreditação de instituições de saúde com o objectivo de
garantir a qualidade assistencial dos cuidados prestados. Segundo esta
instituição, o rastreio e a avaliação nutricional são componentes obrigatórios do
processo clínico do doente (20).
Com a aplicação dos métodos de rastreio pretende-se identificar, de forma
rápida, doentes com alto risco desnutrição ou já desnutridos(37).
Dos vários métodos de rastreio e avaliação nutricional existentes, o
Malnutrition Screening Tool (MST) e o Patient-Generated Subjective Global
Assessment (PG-SGA) são os que estão recomendados pela ASPEN para
doentes oncológicos(37).
5.1. MST
O MST é o exemplo de um método de rastreio muito simples e curto que
contempla duas questões: uma acerca da perda não intencional de peso e outra
acerca da diminuição do apetite. O doente é classificado em risco nutricional ou
sem risco (anexo 6). Embora seja simples, fácil de aplicar e apresente uma
considerável especificidade e sensibilidade, identificam-se uma grande
percentagem de falsos positivos e, por outro lado, indivíduos em risco nutricional
podem ficar por identificar(37, 44).
5.2. PG-SGA
Ottery, citado por Dan(11), Bauer(10) e Huhmann(37) desenvolveu um método
de avaliação nutricional específico para doentes oncológicos, o PG-SGA (anexo
19
7). É considerado pela American Dietetic Association o método standard de
avaliação nutricional dos doentes oncológicos(10).
É composto por duas partes principais: uma a preencher pelo doente e
outra pelo profissional de saúde(10, 37, 45).
No questionário a preencher pelo doente constam perguntas acerca da
história do peso, da alteração da ingestão e da capacidade funcional. A segunda
parte do questionário é preenchida pelo nutricionista, médico ou enfermeiro, que
faz o exame físico, a avaliação de factores que aumentam as necessidades
metabólicas e o diagnóstico(10, 11, 37).
O score total encontrado classifica o doente em bem nutrido,
moderadamente desnutrido e severamente desnutrido. Um score �9 sugere uma
necessidade urgente de intervenção nutricional, que pode/deve incluir educação
do doente e família, controle de sintomas, alimentação oral personalizada, recurso
a suplementos nutricionais orais e alimentação entérica ou parentérica(10).
As vantagens apontadas a este método incluem a boa correlação com
métodos objectivos de avaliação (antropométricos, bioquímicos, imunológicos),
com indicadores de morbilidade (incidência de infecção, tempo de internamento) e
com a qualidade de vida. Simultaneamente também permite uma redução do
tempo dispendido pelo profissional e o envolvimento do doente(1, 10, 11, 37).
5.3. Métodos de Avaliação Nutricional
Dado o grande impacto que o estado nutricional assume na resposta
individual à doença, é fundamental que a avaliação no doente oncológico seja
individualizada e o mais completa possível(5, 20, 21, 46).
20
A avaliação nutricional ultrapassa a informação relativa ao diagnóstico,
antecedentes pessoais e de doença. Deve, idealmente, contemplar uma avaliação
subjectiva e objectiva global(20, 21, 46).
A avaliação subjectiva inclui aspectos como a avaliação da ingestão
alimentar actual e passada, alterações do apetite, história ponderal, sinais e
sintomas gastrointestinais(11, 20, 21, 46).
A avaliação objectiva inclui o exame físico objectivo medidas
antropométricas, avaliação da composição corporal e parâmetros bioquímicos(11,
20, 21, 46).
De todos os métodos disponíveis para concretizar a avaliação nutricional
destes doentes, nenhum pode ser considerado único e suficiente para predizer o
risco nutricional (20).
5.3.1 Avaliação da Ingestão Alimentar
Perceber as alterações da ingestão alimentar ao longo do processo de
doença oncológica é fundamental na avaliação nutricional do doente com
cancro(20).
A avaliação da ingestão alimentar tem como principais objectivos, por um
lado conhecer a ingestão alimentar actual do doente e compará-la com as
recomendações nutricionais, e por outro identificar défices alimentares e de
nutrientes(20). Existem métodos retrospectivos e métodos prospectivos de
avaliação da ingestão alimentar que podem fornecer informação qualitativa ou
quantitativa(20).
Os métodos retrospectivos incluem a recordação das 24 horas
anteriores, o questionário de frequência alimentar e a história alimentar. A
21
recordação das 24 horas precedentes é um método fácil e simples de aplicar,
porém não reflecte a ingestão habitual, nem tão pouco a dos últimos
dias/semanas(20).
O questionário de frequência alimentar é muitas vezes usado em estudos
epidemiológicos e permite obter uma estimativa do consumo alimentar habitual.
Pede-se ao doente que quantifique a frequência e a porção dos alimentos e
bebidas que ingere. Este método apresenta a desvantagem de o doente ter de
saber ler e escrever e ter de ser capaz de se recordar e quantificar as doses. Não
permite aferir as alterações do padrão habitual(20).
Na história alimentar o doente é entrevistado exaustivamente no sentido de
fornecer detalhadamente o maior número de informações possível acerca da
ingestão alimentar presente e passada(20). Para além da informação possível de
adquirir com os métodos anteriormente referidos, a história alimentar permite
obter outras informações fundamentais para a avaliação do doente com cancro(20).
São elas as preferências alimentares, aversões, hábitos, intolerâncias, crenças,
mitos, apetite, padrão habitual e actual das refeições e até informação acerca da
actividade física(20).
Nos métodos prospectivos estão incluídos o registo alimentar e o registo
alimentar com pesagem dos alimentos por parte do doente. Estes métodos têm a
vantagem, relativamente a todos os anteriores, de não depender da memória do
doente, porém requerem que o doente seja alfabetizado(20).
5.3.2 Exame físico objectivo
No exame físico objectivo avalia-se o aspecto geral. Pesquisa-se o estado
de hidratação e integridade da pele, a presença de ascite e edemas que
caracterizam a desnutrição proteica, alterações visíveis do tecido gordo
22
subcutâneo e do tecido muscular, a expressão facial e a coloração dos olhos e
pálpebras(20, 23, 45). Devem pesquisar-se sinais de carências vitamínicas, como
língua seca, com lesões e comissuras labiais com erosão, em especial quando o
consumo de álcool constitui um antecedente importante(45).
5.3.3 Antropometria
O peso corporal é talvez a medida antropométrica mais conhecida e
vulgarmente usada. Resulta da soma de todos os componentes de cada nível de
composição corporal e fornece uma avaliação global das reservas adiposa e
muscular(19).
Podem distinguir-se três tipos de peso: o peso actual, o habitual e o de
referência. O peso actual (PA) é o encontrado no momento da avaliação, o peso
habitual (PH) é aquele que o indivíduo normalmente apresenta e o peso de
referência (PR) é o calculado através de fórmulas aritméticas com base na idade,
altura e sexo. O peso é um critério que pode ser utilizado para avaliar o grau de
desnutrição do doente (20). Para o efeito, Blackburn et al. (1997) citados por Silva
(20) desenvolveram as fórmulas que se encontram no anexo 8.
Destas fórmulas de alteração ponderal, a que mais se correlaciona com a
morbilidade e mortalidade é a percentagem de alteração de peso recente, o que
se explica com o facto de muitos doentes terem peso acima da referência(20).
Embora fácil de medir e utilizar, o peso corporal apresenta a desvantagem
de medir todos os compartimentos corporais de uma só vez, não tendo em conta
as alterações de água, massa magra e massa gorda muitas vezes características
destes doentes(11, 19, 20, 45).
23
O Índice de Massa Corporal (IMC) ou índice de Quetelet é obtido a partir
da relação entre o peso (em kilogramas força) e o quadrado da altura (em metros)
que permite classificar o estado nutricional(47). A classificação do estado
nutricional a partir do IMC proposta pela OMS(47) encontra-se apresentada no
anexo 9.
A medição das pregas cutâneas é um método indirecto a partir do qual se
pode estimar a gordura corporal total. Este método pode ser útil para avaliar
mudanças das reservas individuais de tecido adiposo a longo prazo. Podem ser
medidas várias pregas cutâneas, como por exemplo a bicipital, tricipital,
subescapular e suprailíaca, sendo a tricipital a mais utilizada(20).
A principal limitação deste método reside no facto de que alterações na
distribuição corporal de fluidos alterar a interpretação de resultados(19, 20).
5.3.4. Bioimpedância eléctrica
A bioimpedância eléctrica (BIA) constitui um método indirecto de análise da
composição corporal que se baseia na medição da resistência total do corpo à
passagem de uma corrente eléctrica(9, 19, 20).
Este método baseia-se na premissa de que os diferentes componentes
corporais: massa magra, massa gorda e líquidos, oferecem uma resistência
diferente à passagem de uma corrente eléctrica. Assim sendo, os ossos e a
gordura, que contêm uma pequena quantidade de água, apresentam baixa
condutividade e, por isso, alta resistência à passagem de corrente eléctrica. A
massa magra e outros tecidos ricos em água e electrólitos são bons condutores,
facilitando assim a passagem da corrente eléctrica(19). A BIA constitui um método
validado, preciso e fiável para indivíduos adultos saudáveis(48).
24
Em situações de alteração da composição corporal, como no cancro, a
precisão da BIA pode ser limitada(48). Nestes casos, está demonstrado que o uso
da Bioelectrical Impedance Vector Analysis (BIVA), uma variância da BIA, detecta
as alterações tecidulares e é um método de prognóstico mais eficaz do que a
perda de peso(48). A sua limitação prende-se com o facto de não dar qualquer
indicação acerca da quantidade de massa gorda(48).
5.3.5. Parâmetros laboratoriais
Os dados laboratoriais, associados aos restantes parâmetros podem
assumir grande importância na avaliação e na monitorização nutricional do doente
com cancro (19, 20).
Conforme já anteriormente referido, o cancro pode desencadear um
processo de desnutrição proteico-energética. Perante esta situação ocorre
libertação de citocinas, como a IL-1, IL-6 e TNF. A libertação destas origina a
reorientação da síntese hepática de proteínas plasmáticas e o aumento da
degradação de proteínas musculares, no sentido de responder ao aumento das
necessidades(19, 20). A albumina e outras proteínas plasmáticas sintetizadas no
fígado podem reflectir os índices funcionais do estado proteico hepático(19). Deve
ter-se em conta que o resultado do doseamento destas proteínas reflecte o
estado de síntese e degradação por um período de tempo, pelo que a sua
interpretação deve ser prudente(19). As proteínas mais frequentemente usadas na
avaliação proteico-energética são a albumina, a transferrina, a transtiretina (pré-
albumina) e a proteína ligada ao retinol(20). No anexo 10 encontra-se um quadro
onde se apresenta a semi-vida média destas proteínas.
25
No doente oncológico a anemia é uma condição frequente, como tal o
doseamento da hemoglobina, vitaminas e minerais como a vitamina B12 e o ferro
podem ser úteis para complementar a avaliação nutricional (11, 19, 20).
O balanço azotado (BA) é a técnica mais antiga de avaliação do estado
proteico e resulta da diferença entre o azoto administrado e o excretado através
da urina (19). O azoto excretado calcula-se a partir da ureia urinária doseada numa
colheita durante 24 horas. O BA será negativo perante uma situação de
desnutrição proteico-energética. A grande desvantagem deste método é a
dificuldade em dosear o azoto ingerido por via oral em doentes com dieta
culinária(19, 20).
5.3.6 Avaliação metabólica: Calorimetria
Para medir o gasto energético pode-se recorrer à calorimetria directa ou
indirecta, na primeira mede-se o calor produzido através de um calorímetro e na
segunda mede-se o oxigénio consumido e o dióxido de carbono libertado (19).
Com o recurso a este método, que permite conhecer as necessidades
energéticas reais dos doentes, a desnutrição característica dos doentes
oncológicos pode ser prevenida e tratada mais assertivamente.(20).
6.Suporte nutricional no doente com cancro do esófago e do estômago
De acordo com a Resolução do Conselho da Europa de Novembro de
2003(27), o acesso a comida segura e saudável é um direito humano fundamental.
Também, de acordo com esta resolução o suporte nutricional (SN) deve ser
considerado sistematicamente como parte integrante do tratamento.
26
Após a avaliação nutricional o doente deve ser alvo de uma prescrição
nutricional individualizada(5, 19, 20).
O SN no doente com cancro tem como objectivo prevenir a desnutrição e
as complicações que lhe estão associadas, corrigir uma desnutrição que já possa
estar instalada, aumentar a tolerância e a eficácia do tratamento (cirurgia,
radioterapia ou quimioterapia) e melhorar a qualidade de vida destes doentes(11,
20).
Não existem até à data estudos que comprovem que o SN entérico ou
parentérico contribui para o crescimento do tumor(49, 50).
O suporte nutricional em oncologia deve ser considerado um adjuvante da
terapia(37).
A via de administração pode ser a oral, a entérica ou a parentérica,
consoante a situação clínica e a tolerância individual(20).
A alimentação por via oral deve ser personalizada durante o tratamento
oncológico. Pode sofrer alterações na consistência, tipo de confecção ou mesmo
ser suplementada com fórmulas comerciais(20). De acordo com Dias, citado por
Silva(20) o doente tem indicação para ser suplementado quando:
• IMC inferior a 18,5 kg/m2;
• Perda de peso superior ou igual a 5% nos últimos 6 meses;
• Ingestão oral não atinge três quartos das recomendações;
• Disfagia;
• Anorexia;
• Recusa por parte do doente à entubação.
A via entérica está indicada no risco de desnutrição, desnutrição grave,
ingestão oral insuficiente (quando não atinge dois terços das recomendações
27
nutricionais), obstrução parcial ou total do tracto gastrointestinal e jejum previsto
superior a 7 dias. Está também recomendada a administração de SN entérico
durante 10 a 14 dias no pré operatório de doentes que apresentem elevado risco
nutricional. O SN não está indicado por rotina em situações de quimioterapia e
radioterapia. Porém, o recurso a suplementos orais pode diminuir a perda de peso
nos doentes em tratamento de radioterapia (20, 50). De acordo com as guidelines da
ESPEN em situações de doença terminal e fim de vida, o SN deve suprir as
necessidades mínimas e a hidratação não deve ser esquecida(50). Nestas
situações, a alimentação deve constituir uma fonte de conforto e prazer, devendo
ser utilizada como uma medida na promoção da QV destes doentes. O SN
entérico é sempre preferível relativamente ao parentérico, uma vez que é mais
fisiológico, apresenta menos complicações metabólicas e infecciosas, evita a
colocação de um cateter endovenoso e os riscos que lhe estão associados e é
menos dispendioso. A nutrição entérica pode ser administrada através de sondas
nasogástricas, nasojejunais, gastrostomias e jejunostomias de alimentação(21, 50).
A prevalência e o impacto da malnutrição nos doentes com cancro
conduziram, desde muito cedo, ao estudo do uso da nutrição parentérica nestes
doentes(37).
Um estudo multicêntrico com 500 doentes citado por Kelsen(21) levado a
cabo pela Veterans Administration Cooperative Trial, demonstrou que doentes
severamente desnutridos que receberam SN parentérico durante 7 ou mais dias
antes da cirurgia, apresentaram uma diminuição de 90% da taxa de complicações
não infecciosas após a cirurgia. No caso dos doentes moderadamente
desnutridos e bem nutridos não se observaram benefícios do SN parentérico
prévio à cirurgia.
28
O recurso à alimentação por via parentérica deve ser ponderado e restrito
às situações que impossibilitem o uso do trato gastrointestinal(20). A administração
de soluções parenterais enriquecidas com aminoácidos de cadeia ramificada
demonstrou a preservação de massa magra, segundo alguns estudos citados por
Waitzberg(11).
De acordo com as guidelines publicadas pela American Dietetic Association
citadas por Teixeira(49), a recomendação energética para o doente com cancro
varia com o seu estado físico actual. As recomendações estão sumariadas na
tabela que se segue.
Realimentação 20 Kcal/Kg peso actual
Obesidade 21-25 Kcal/Kg peso actual
Manutenção 25-30 Kcal/Kg peso actual
Perda de peso 30 a 35 Kcal/Kg peso actual
Desnutridos 35-45 Kcal/Kg peso actual
Tabela 2 – Recomendações energéticas para doentes oncológicos
Adaptado de Nutrição no Doente com Cancro(49)
As dietas são muitas vezes enriquecidas em alguns nutrientes específicos
responsáveis por uma resposta fisiológica que pode beneficiar estes doentes. São
eles os ácidos gordos polinsaturados ómega-3 (n-3), a glutamina (Gln), a arginina,
a vitamina E e o ácido ribonucleico (RNA)(21).
Vários autores citados por Kelsen(21) e Teixeira(49) atribuem aos ácidos
gordos da série n-3, nomeadamente ao ácido eicosapentanóico (EPA) um efeito
anti-cancerígeno e anti-caquético. O efeito anti-cancerígeno está relacionado com
a peroxidação lipídica mediada por espécies reactivas de oxigénio, com o facto de
o EPA inibir a divisão celular e com a interacção com quimioterapia citotóxica, ao
29
potenciar o seu efeito. O efeito anti-caquético está associado ao facto de o EPA
inibir o PIF, a produção de IL-6 e o TNF(49, 51, 52).
De acordo com a ESPEN 2006(50), a evidência do efeito da suplementação
de fórmulas entéricas standard com n-3 nos doentes com cancro é ainda
controversa, o que não permite concluir acerca do papel destes na melhoria do
estado nutricional e físico. Recomenda por isso mais estudos controlados e
randomizados para que se possa produzir evidência científica.
Colomer et colaboradores em 2007(51) após uma revisão sistemática acerca
da relação entre ácidos gordos n- 3, cancro e caquexia concluíram que, doentes
em fase avançada de cancro do tracto digestivo alto e pâncreas com perda de
peso, beneficiam de suplementos orais com n-3. As vantagens observadas são o
aumento de peso e de apetite, melhoria da qualidade de vida e a redução da
morbilidade pós operatória. Estes efeitos verificam-se quando a administração
varia de 1-5g/dia num período superior a 8 semanas(51).
Vários estudos citados por Kelsen(21) referem que a suplementação com
arginina, RNA e/ou glutamina, as chamadas fórmulas imunomoduladoras,
potenciam a resposta imune celular e como tal melhoram o prognóstico dos
doentes submetidos a cirurgia gastrointestinal. Verifica-se diminuição da
incidência de infecção, baixos níveis de colonização microbiana, melhorias no
balanço azotado e redução de cerca de uma semana no tempo de internamento.
O uso combinado dos 3 imunomoduladores tem maior impacto clínico
relativamente ao seu uso de forma individual.
A arginina exerce um efeito imunomodulador na interacção tumor-
hospedeiro, preserva as funções das células T e potencia a resposta anti-
tumor(49).
30
A glutamina (Gln) é o aminoácido mais abundante no tecido muscular e
assume um papel fundamental na manutenção do equilíbrio do balanço azotado.
É também a principal fonte energética para células como enterócitos e linfócitos,
pelo que desempenha um papel fundamental a nível do sistema imunológico(53).
Klimberg et al citados por Teixeira(49), sintetiza os efeitos da Gln no doente
oncológico. Relativamente ao hospedeiro, a Gln restaura o nível de glutationa,
previne e repara potenciais danos intestinais e reduz alguns efeitos secundários
do tratamento. A nível do tumor a Gln pode aumentar a sua sensibilidade à
quimioterapia e radioterapia, diminuir o nível de glutationa do tumor e aumentar a
actividade da célula natural Killer.
A administração parentérica de L-alanil-L-glutamina, dipeptido da Gln, no
pré e pós operatório de doentes submetidos a cirurgia gastrointestinal, melhora a
resposta celular ao stress, a resposta imunológica e o balanço azotado(53). Na
meta análise de Zheng et al(53) acerca do papel da glutamina na cirurgia
gastrointestinal, conclui-se que a suplementação com glutamina no pós operatório
é segura, diminui a taxa de infecção e o tempo de internamento e melhora o
balanço azotado.
Dong(54) estudou o efeito da administração de 0,5g/kg/dia de glutamina via
parenteral durante 6 dias, em 40 doentes no pré operatório de gastrectomia.
Verificou diminuição da taxa de infecção, aumento dos níveis de CD4 e CD8,
diminuição do tempo de internamento e diminuição da PCR, IL2 e TNF.
A administração oral de 4g de Gln duas vezes ao dia resultou numa
redução da mucosite e redução da dor na boca em doentes com cancro
gastrointestinal a fazer tratamento de quimioterapia(1).
31
Sendo a cirurgia o tratamento mais antigo do cancro do esófago e do
estômago(15), o SN assume um importante papel no pré e no pós operatório. Para
além do já referido anteriormente, com o suporte nutricional pretende-se
minimizar os efeitos do jejum, garantir o fornecimento de energia e prevenir a
deficiência de nutrientes específicos (20). O SN entérico, parentérico ou uma
combinação dos dois no pré operatório diminui a incidência de complicações pós
operatórias em doentes oncológicos moderadamente e severamente
desnutridos(55).
No pós-operatório recomenda-se que o início do SN seja o mais precoce
possível, no sentido de manter ou recuperar o estado nutricional dos doentes (20).
A colocação de uma jejunostomia para alimentação permite iniciar com
segurança o SN nas primeiras 24 horas e é, em geral, bem tolerada (20).
A esofagectomia (remoção parcial ou total do esófago) é uma técnica
cirúrgica rotineira no tratamento do cancro do esófago (15, 20-22). A opção mais
comum para alimentação destes doentes é a via enteral, devido ao alto risco de
deiscência das anastomoses e formação de fístulas (20, 22). Em alguns casos
específicos pode ser necessário o recurso à nutrição parentérica(20). Logo que
existam condições de segurança para o início da dieta oral, o recurso à
consistência líquida é indicado e, conforme a tolerância individual, progride-se na
consistência da dieta (pastosa/cremosa/mole/consistência “normal”)(20).
No caso das gastrectomias deve ter-se em consideração o tipo de
gastrectomia: subtotal ou total. Nas subtotais o início da dieta por via oral é mais
precoce. Nas gastrectomias totais, a via de eleição é a entérica com o objectivo
de preservar a anastomose e ocorrência de fístulas(20). Pelas alterações
funcionais que este tipo de cirurgia implica, são necessários alguns ajustes na
32
dieta, em especial nos primeiros dois meses, período considerado de
readaptação(20).
As principais recomendações para a terapia nutricional por via oral nas
gastrectomias encontram-se sumariadas no anexo 11.
Os doentes submetidos a gastrectomia total apresentam compromisso da
absorção da vitamina B12 pela ausência do factor intrínseco. Assim, a sua
administração via intramuscular deve ser considerada para prevenir a anemia
megaloblástica. Também o ferro deve ser monitorizado, uma vez que é no
estômago que passa para a forma férrica, melhor absorvida(20).
Em suma, diversa evidência científica demonstra a inequívoca relevância
do SN no tratamento do doente oncológico, porém no que se refere ao benefício
do recurso a nutrientes específicos, e dada a controvérsia ainda existente, são
necessários mais estudos controlados e randomizados.
7 – Considerações finais
O cancro tem, por si só, um forte impacto negativo na vida das pessoas.
Neste processo a alimentação e nutrição está presente em dois momentos
distintos: no desenvolvimento do cancro como factor de risco e no tratamento
como factor adjuvante.
O número de mortes por cancro do esófago e do estômago em Portugal,
tem vindo, à semelhança de outros países, a crescer sendo mais expressivo nos
homens entre os 50 e os 69 anos de idade e no norte do país. Este resultado
deve-se, provavelmente, à maior exposição desta população aos factores de risco
descritos para estes 2 tipos de cancro.
33
A deterioração do estado nutricional resulta, na maioria das vezes em
caquexia, que atinge cerca de 80% dos doentes com cancro gastrointestinal(6, 38).
Na sua base estão alterações/limitações na ingestão, digestão e absorção e uma
série de complexos mecanismos fisiológicos, que se prendem com factores
dependentes do tumor e do hospedeiro. Assiste-se ao aumento do consumo
energético originado pelo metabolismo tumoral, com catabolismo proteico e
lipólise. A secreção de citocinas pró-inflamatórias inicia a resposta inflamatória
sistémica por parte do hospedeiro e induz a secreção de substâncias com efeitos
lipolíticos e anorexígenos.
Nas estratégias para o tratamento do cancro do esófago e do estômago
incluem-se a cirurgia, a radioterapia e a quimioterapia. Após esta revisão foi
possível inferir que também elas contribuem de forma activa para a desnutrição
destes doentes.
O objectivo do suporte nutricional pode ser prevenir a desnutrição, corrigir a
desnutrição instalada, aumentar a tolerância e a eficácia do tratamento ou, si
mplesmente, melhorar a qualidade de vida destes doentes.
O SN deve resultar de uma avaliação exaustiva, completa e
individualizada. O rastreio nutricional é o primeiro passo para sinalizar doentes em
risco. O MST constitui um método simples, rápido e fácil de aplicar que está
validado para doentes oncológicos. O PG-SGA é um método de rastreio e
avaliação nutricional especificamente desenvolvido para doentes oncológicos.
Mais completo que o anterior, tem a grande vantagem de envolver directamente o
doente, uma vez que uma das partes deste método é dirigida aos mesmos.
A avaliação subjectiva contempla os aspectos relacionados com a
ingestão. De todos os métodos existentes, pensa-se que a história alimentar é o
34
que mais se adequa a estes doentes. Para além de se obter informação acerca
da ingestão alimentar, este método permite conhecer preferências alimentares,
aversões, hábitos, intolerâncias, crenças, mitos, apetite, padrão habitual e actual
das refeições e até informação acerca da actividade física. Contextualizar o
doente no que respeita à ingestão alimentar permite-nos adequar o suporte
nutricional, o que facilita a adesão por parte do doente.
As medidas antropométricas fazem parte integrante da avaliação objectiva.
Do exposto, fica a ideia de que a sua interpretação deve ser prudente, devendo
atender-se ao facto de que as alterações na composição corporal do doente
oncológico são uma realidade muito frequente.
Os parâmetros laboratoriais revelam-se úteis não só na avaliação, mas
também na monitorização do tratamento do doente com cancro. Porém, na sua
análise e interpretação não se pode descurar o facto de, na sua maioria, eles não
reflectirem o estado fisiológico e metabólico presente.
Para concluir, é importante realçar que para a avaliação nutricional do
doente oncológico, não existe um “gold standard”, pelo que todos os parâmetros
referidos devem ser explorados e avaliados em conjunto, nunca de forma isolada.
Relativamente ao SN e, apesar das muitas discussões no mundo científico,
não existem até hoje estudos que provem que o mesmo contribui para o
crescimento do tumor. O que existe é uma série de evidência científica a
comprovar os efeitos benéficos da sua utilização no tratamento do doente com
cancro. Há até quem defenda que o suporte nutricional deve ser integrado na
terapia oncológica.
A via de acesso depende da situação concreta do doente, mas de realçar
que a oral/entérica é a preferencial.
35
O recurso a nutrientes específicos para enriquecer a dieta, por via oral ou
parentérica, está hoje largamente difundido. Os mais comuns são os ácidos
gordos polinsaturados ómega-3 (n-3), a glutamina (Gln), a arginina, a vitamina E e
o ácido ribonucleico (RNA). Vários estudos comprovam que a sua utilização
isolada ou combinada produz efeitos ao nível da resposta imunológica com
francas vantagens no prognóstico de vida destes doentes.
8 - Reflexão Crítica
A realização desta monografia foi-se revelando cada vez mais interessante
e enriquecedora à medida que foi dada resposta aos objectivos inicialmente
propostos.
A sua elaboração teve duas grandes barreiras a transpor, a primeira e mais
difícil foi a limitação de tempo inerente ao facto de ser trabalhadora estudante e a
segunda foi o facto de haver pouca informação específica acerca do tema
escolhido. Apesar disso, o meu conhecimento acerca desta temática ficou, sem
dúvida, enriquecido.
Na minha opinião é fundamental que no tratamento destes doentes seja
efectivado o conceito de equipa multidisciplinar. Uma equipa constituída por
nutricionista, médico oncologista, cirurgião, anestesista, enfermeiros, psicólogo e
técnico de serviço social faria todo o sentido de existir. Dada a complexidade do
processo “cancro”, é fundamental que estes profissionais ponham em prática o
conceito da multidisciplinaridade, e que de acordo com as suas competências
específicas interajam no sentido de optimizar cada uma das fases deste processo.
O recurso à uniformização de procedimentos aos diferentes níveis de actuação,
36
permite um melhor acompanhamento destes doentes em todas fases do processo
de tratamento, de forma a promover a sua qualidade de vida.
Pela sua complexidade, imensurável interesse e importância lanço o
desafio ao desenvolvimento de mais revisões e estudos acerca desta temática
nesta e noutras perspectivas. Com a realização deste trabalho ficou a vontade de
conhecer a realidade Portuguesa acerca do estado e suporte nutricional dos
doentes com cancro do esófago e do estômago. Desejo que seja possível
concretizar, em contexto profissional ou académico, um trabalho nesta área.
37
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41
Índice de Anexos
Anexo 1- Diferenciação entre neoplasia benigna e maligna……………………a1
Anexo 2 – Principais factores de risco associados ao cancro do estomago de
acordo com o local anatómico……………………………………………………...a3
Anexo 3 – Componentes da dieta e respectivas evidências científicas de
associação ao risco de cancro gástrico............................................................a5
Anexo 4- Epidemiologia do Cancro do Esófago e do Estômago em Portugal .a7
Anexo 5- Factores que contribuem para a desnutrição proteico-energética...a11
Anexo 6- Malnutrition Screening Tool……………………………………………a13
Anexo 7- Patient Generated-Subjective Global Assessment………………….a15
Anexo 8 – Fórmulas de cálculo da variação ponderal…….………..………….a18
Anexo 9 - Classificação do IMC segundo a World Health Organization …….a20
Anexo 10 – Semi-vida média das proteínas usadas na avaliação da
desnutrição proteico-energética…………………………………………………..a22
Anexo 11 – Recomendações nutricionais nas gastrectomias………….….….a24
a2
Diferenciação entre neoplasias benignas e malignas
Adaptado de Patologia Estrutural e Funcional, 2002(12)
Características Neoplasia Benigna Neoplasia Maligna
Diferenciação/Anaplasia Bem diferenciado, a
estrutura pode ser típica
do tecido de origem
Alguma falta de
diferenciação com
anaplasia, estrutura
atípica
Velocidade de
Crescimento
Progressiva a lenta,
pode estabilizar ou
regredir. As figuras
mitóticas são raras e
normais
Pode ser lenta e rápida,
as figuras mitóticas
podem ser numerosas e
anormais
Invasão Local Massas bem
demarcadas,
geralmente não invadem
nem infiltram os tecidos
Localmente invasivo e
infiltrante
Metástases Ausentes Frequentemente
presentes
a3
Anexo 2
Principais factores de risco associados ao cancro de estômago de acordo
com o local anatómico
a4
Localização Anatómica Factores de Risco
Antro Ingestão elevada de sal; baixo consumo de vegetais
frescos; NO2 (óxido nítrico); NO3 (nitratos); infecção por
Helicobacter pylori; consumo de tabaco; gastrite atrófica,
úlcera gástrica
Corpo Todos os anteriores; idade <50 anos; grupo sanguíneo A
em descendentes do Norte da Europa; doenças
autoimunes
Cardia Gastrectomia Bilroth I ou II previa, obesidade; raça branca,
sexo masculino; Esófago de Barret; pólipos do estômago;
refluxo gastroesofágico
Principais factores de risco associados ao cancro de estômago de acordo com o local anatómico. Adaptado de Gastrointestinal Oncology, 2002(21)
a5
Anexo 3
Componentes da dieta e respectivas evidências de associação ao risco do
cancro gástrico de acordo com o American Institute for Cancer Research
a6
Evidência Diminui o Risco Nenhuma Relação Aumenta o Risco
Convincente Vegetais e Frutas,
Refrigeração
Provável Vitamina C Álcool, Café, Chá
Preto, Nitratos
(vegetais)
Sal, Conservação com
Sal
Possível Carotenóides, Género
Allium (alho, cebola),
Cereais Integrais,
Chá Verde
Açucar, Vitamina E,
Retinol
Amido, Churrasco e
Grelhados (aminas
heterocíclicas)
Insuficiente Fibra, Alho, Selénio Carnes Fumadas, N-
nitrosaminas Componentes da dieta e evidências de associação ao risco de cancro gástrico de acordo
com o American Institute for Cancer Research. Adaptado de Tratado de Alimentação e
Nutrição(20)
Uma evidência convincente significa que a relação causal é forte,
consistente e biologicamente plausível. Uma evidência é provável quando as
evidências epidemiológicas são fracas e menos consistentes, mas existe
evidência experimental que as suporte. Evidência possível sugere que os estudos
epidemiológicos apoiam a relação causal, porém são limitados em qualidade,
quantidade ou consistência. Finalmente, diz-se evidência insuficiente quando
existem poucos estudos e estes são limitados em qualidade e consistência.
a8
0
500
1000
1500
T. Mal Esófago 482 93
T. Mal Estômago 1463 965
Masc Fem
Gráfico 1 – Distribuição por sexo do número de óbitos por tumor maligno do esófago e
estômago
Fonte: INE, 2005
020
406080
100120140
Masc 24 74 128 110 31
Fem 3 3 14 29 19
40-49 50-59 60-69 70-79 80-89
Gráfico 2 – Número de óbitos por tumor maligno do esófago e sexo segundo a idade (anos)
Fonte: INE, 2005
a9
0
100
200
300
400
500
600
Masc 21 88 207 317 504 278 41
Fem 11 49 93 169 296 278 59
30-39 40-49 50-59 60-69 70-79 80-89 >90
Gráfico 3 – Número de óbitos por tumor maligno do estômago e sexo segundo a idade
(anos)
Fonte: INE, 2005
0
50
100
150
200
250
Região 216 125 155 26 24 10 15
Norte Centro Lisboa Alentejo Algarve Açores Madeira
Gráfico 4 — Distribuição geográfica do número de óbitos por tumor maligno do esófago
Fonte: INE, 2005
a10
0
200
400
600
800
1000
1200
Região 1015 517 528 207 77 44 36
Norte Centro Lisboa Alentejo Algarve Açores Madeira
Gráfico 5 — Distribuição geográfica do número de óbitos por tumor maligno do estômago
Fonte: INE, 2005
a13
Factores que Contribuem para a Desnutrição Proteico-Energética
�Ingestão alimentar inadequada
�Diminuição do apetite
Mediado por citocinas ou outros factores humorais
Mediado pela depressão emocional
Mediado por perda da sensação do gosto (destruição neural, efeitos de
fármacos, síndrome paraneoplásico)
�Náuseas, vómitos e outros sintomas relacionados com a cirurgia, radioterapia
ou quimioterapia
�Dificuldades relacionadas com a mastigação ou deglutição
Redução da produção de saliva (invasão do tumor, efeitos secundários do
tratamento)
Efeito de massa provocado pelo tumor (obstrução)
Mucosite provocada pela quimioterapia ou pela radioterapia
�Pausa alimentar devido à cirurgia
�Alterações fisiológicas e do metabolismo
Mal-absorção
Dificuldades na digestão (provocada pelo tumor ou pela terapia)
Diarreia (dismotilidade gastrointestinal provocada por ressecção cirúrgica
da inervação autonómica intestinal ou pelos narcóticos e sedativos)
�Aumento do catabolismo proteico
�Aumento do gasto energético
Factores que Contribuem para a Desnutrição Proteico-Energética do Doente com Cancro
Adaptado de Gastrointestinal Oncology-Principles and Practice, 2002(21)
a20
Percentagem de peso corporal de referência=PA/PRx100
• 80 a 90%: desnutrição calórica leve
• 70 a 79%: desnutrição moderada
• 0 a 69%: desnutrição grave
Percentagem de peso corporal habitual=PA/PHx100
• 85 a 95%: desnutrição leve
• 75 a 84%: desnutrição moderada
• 0 a 74%: desnutrição grave
Percentagem de alteração do peso recente=PH-PA/PHx100
Considera-se perda de peso importante:
• � 1 a 2% numa semana
• � 5% num mês
• � 7,5% em três meses
� 10% em seis meses ou mais
Adaptado de Tratado de Alimentação, Nutrição & Dietoterapia(20)
a22
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�����������3�������������� -����� -�����
a24
Proteína Semi-vida média
Albumina 3 semanas
Transferrina 1 semana
Transtiretina 2 dias
Proteína ligada ao retinol 12 horas
Semi-vida média das proteínas mais frequentemente usadas na avaliação proteico-
energética
Adaptado de Tratado de Alimentação, Nutrição & Dietoterapia(20)
a26
Via Oral Recomendações Nutricionais
Consistência Iniciar com dieta líquida e evoluir para consistência
mole/cremosa e seguidamente para “geral”
Nº de Refeições 5-6 refeições
Volume das refeições Nos primeiros 15 dias pequenos volumes e evoluir
lentamente nas quantidades, conforme tolerância
individual. Não ingerir líquidos às refeições
Mastigação Os alimentos devem ser bem mastigados
Leite de vaca e produtos
lácteos
Introduzir a partir do 3º dia de alimentação (após cirurgia
níveis de lactase são baixos)
Ingestão de doces Evitar, prevenção de Dumping
Alimentos a evitar Pimenta vermelha: contém capsaicina que é irritante para
a mucosa. A preta também não deve ser consumida,
porém ainda não está indicado o agente irritante
Bebidas alcoólicas, café, refrigerantes
Recomendações Nutricionais nas gastrectomias
Adaptado de: Tratado de Alimentação, Nutrição & Dietoterapia (20)