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O presente trabalho tem como foco central avaliar as condições fáticas do sistema penitenciário no âmbito do Estado do Piauí, bem como o comportamento da sociedade em relação ao egresso, de tal forma que se possa ao final visualizar o desdobramento social desta realidade.
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HÊNIO DE OLIVEIRA ARAGÃO
O PANORAMA PRISIONAL DO ESTADO DO PIAUÍ E
SUAS REPERCUSSÕES SOCIAIS: O CICLO VICIOSO
DA VIOLÊNCIA.
Junho 2014
EDITORIAL
Presidente
Georgia Maria de Oliveira Aragão
Diretor Executivo
Rafael Costa da Cruz
Secretário Executivo
Hênio de Oliveira Aragão
Editores
Georgia Maria de Oliveira Aragão
Hênio de Oliveira Aragão
Rafael Costa da Cruz
Designer Gráfico
Lara França
Dissemina Marketing
Contato
facebook/IPIPEA
Ficha para referência
ARAGÃO, H.O. Breves Considerações
Sobre o Panorama Prisional Do Estado
do Piauí e suas Repercussões Sociais: O
Ciclo Vicioso da Violência. Cadernos de
Pesquisa IPIPEA, Nº 2, 2014.
Os Cadernos de Pesquisa IPIPEA
Os cadernos de pesquisa têm como
objetivo trazer para a comunidade assuntos
referentes às pesquisas desenvolvidas junto
ao IPIPEA, de modo que possa gerar uma
reflexão sobre os temas abordados, bem
como uma discussão que contribua no
andamento destas. Os cadernos não são uma
publicação final, definitiva, pois os assuntos
são de pesquisas maiores que estão sendo
realizadas. De modo geral, em sequência
serão publicados artigos científicos e demais
publicações pertinentes de cada área.
Pretende-se realizar publicações
bimestrais, com temas das três áreas de
atuação do IPIPEA: ambiental, social e
econômica; cada publicação um tema será
abordado. As publicações serão elaboradas
pela diretoria e por técnicos voluntários do
IPIPEA. É permitida a reprodução deste texto
e dos dados nele contidos, desde que citada a
fonte. Reproduções para fins comerciais são
proibidas.
Perfil do Colaborador
Hênio de Oliveira Aragão, é Secretario do
IPIPEA; graduado em Direito pela
Universidade Estadual do Piauí – UESPI;
Advogado inscrito na OAB-SC.
HÊNIO DE OLIVEIRA ARAGÃO
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O PANORAMA PRISIONAL DO ESTADO DO
PIAUÍ E SUAS REPERCUSSÕES SOCIAIS: O CICLO VICIOSO DA VIOLÊNCIA.
Florianópolis - SC/2014
SUMÁRIO
1. Introdução ................................................................................................................................. 3
2. Registros sobre as condições carcerárias no estado do Piauí........................................................ 4
3. Conclusão ................................................................................................................................ 10
4. Referências .............................................................................................................................. 11
1. Introdução
O presente trabalho tem como foco central avaliar as condições fáticas do sistema
penitenciário no âmbito do Estado do Piauí, bem como o comportamento da sociedade em
relação ao egresso, de tal forma que se possa ao final visualizar o desdobramento social desta
realidade. Entorno disso, avalia-se tais aspectos na seara do Direito Processual Penal, do
Direito Internacional e do Direito Constitucional, em especial. A partir de um estudo
doutrinário, uma vez tratando-se da realidade do sistema de Execução Penal, questionar-se-á a
atuação do Estado frente a tais questões, notadamente sobre a ineficácia pedagógica do
sistema penitenciário pátrio no dever de (res)socialização o apenado ao convívio em
liberdade. Outrossim, reputa-se pertinente a leitura sociológica da sociedade civil, uma vez
sendo ela parte integrante do sistema disciplinar e pedagógico sob o qual se submete o
apenado. Neste diapasão, é fundamental suscitar a cooperação para a reintegração e
reabilitação daquele que foi segregado, e, então, exaurido o cumprimento da pena, posto
novamente ao convívio em sociedade.
2. Registros sobre as condições carcerárias no Estado do Piauí.
Temos ao logo deste segundo milênio visto se avolumar o grande índice de
violência urbana, configurada não somente nos crimes comuns, mormente mencionados na
grande mídia (roubo, sequestro, homicídios por motivos fúteis etc.), mas também em diversas
formas que se tem desdobrado, como a violência doméstica contra a mulher, a criança e ao
adolescente, bem como a pessoa idosa. Nada obstante, tem-se ainda a propalada violência em
face dos preconceitos sobre a raça, cor e preferência sexual, consubstanciada na crise da
insinuante homofobia.
Diante de tais circunstâncias, que ainda evidenciam o estado da humanidade em
níveis indesejados de desenvolvimento humanístico, quando em pleno século XXI,
ultrapassados holocaustos e diversas guerras em níveis mundiais, que avassalaram diversas
vidas humanas inocentes, bem como pelo terror imposto pelos governos ditatoriais que se
seguiram intercaladamente até se chegar a uma democratização relativamente estabilizada,
temos que enfrentar o problema da violência urbana e social, que está muito além dos perigos
das ruas, permeiam os lares das famílias mais discretas.
Não obstante isso, o Estado, em parceria com a sociedade civil, tem um peculiar
dever: o de "corrigir" a pessoa delinquente, preparando-o para o convívio sadio e harmônico
em sociedade, seu estado natural, a fim de evitar a alimentação do ciclo vicioso da violência.
Contudo, o que se percebe é o total fracasso destes atores sociais, estando
atualmente o sistema penitenciário um instituto totalmente falido, servindo apenas como
depósito de almas humanas, sem quaisquer condições dignas de sobrevivência nos
estabelecimentos prisionais, desenvolvendo-se em sentido diametralmente oposto ao da
reeducação comportamental.
Conforme o “censo” mais recente sobre a população de presos no Estado do Piauí,
feito pela OAB - PI em 20131, no relatório da Ordem consta que existem 2.238 vagas no
sistema prisional de todo o Estado, com 3.155 presos, o que já caracteriza situação de
1 Disponível em: < http://www.oabpi.org.br/site/paginas/showId/6650/index.html>
superlotação (1,40 preso/vaga). O presídio com situação mais grave é a Casa de Custódia,
onde apresentou 767 presos para 336 vagas (2,28 presos/vagas).
A vistoria constatou também que, em virtude da superlotação, não há separação
entre presos provisórios e apenados, ou separação segundo a periculosidade dos detentos,
conforme determina a Lei de Execução Penal. A distribuição de material, como roupas de
cama, toalhas, materiais de higiene e limpeza também estão em situação precária. Não há
cama ou colchões para todos os presos e as condições de higiene das celas as tornam
inabitáveis.
Atualmente o Estado do Piauí possui apenas 14 unidades prisionais, cujo custo
mensal para a manutenção de cada detento é de aproximadamente de R$ 1.200,00. O Governo
do Estado iniciou a construção de dois presídios, um em Altos e outro em Campo Maior, que
irá gerar mais 350 vagas no sistema, ainda insuficiente, uma vez que o Estado já alcançou a
quantidade de 900 detentos, ultrapassando a sua capacidade.
Segundo dados fornecidos pelo Sindicato dos Agentes de Penitenciários do Piauí
(Sinpoljuspi), em Picos, a penitenciária com capacidade para 144 presos abriga 380 detentos.
Já em Parnaíba, a capacidade máxima é de 176 internos, mas no presídio há 450 presos.
Willian Guimarães, presidente da OAB-PI, adverte:
É necessário que todas as entidades envolvidas com o sistema prisional se
mobilizem para encontrarmos soluções rápidas para este problema. A
situação dos nossos presídios atinge não apenas aqueles que estão presos,
mas toda a sociedade, pois invariavelmente, quem está preso vai sair.
Os indicadores mostram que o Estado perdeu o controle sobre o sistema prisional.
Presos que esperam pelo julgamento de seus processos sob o regime de prisão preventiva
somam entre a maioria, superando em 60%2 aos presos condenados. Não obstante isso, não é
possível dizer que existam regimes diferenciados entre os constritos. Presos que esperam por
seus julgamentos estão misturados com presos já condenados e tidos como perigosos;
2 Conforme dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2013.
condenados por crimes mais leves, que gozam de penas mais brandas igualmente não
possuem lugar adequado, por conta das superlotações, reflexo da falta de recursos voltados
para o sistema prisional somado a falta de gestão.
Consequência de toda esta problemática, é a ineficácia da função pedagógica do
encarceramento. Ao se engajar na cultura carcerária, o recluso é submetido a uma nova
aprendizagem ou assimilação, que não é o de viver em paz em sociedade extramuros, mas o
de sobrevivência no ambiente prisional. Conhecido como prisionalização (BITENCOURT,
2004, p. 187), tal processo age como um poderoso estímulo para que o recluso rejeite, de
forma definitiva, as normas admitidas pela sociedade exterior e sempre produzirá graves
dificuldades ao processo de ressocialização.
Existe, a par disso, um processo de mortificação da individualidade do recluso ao
penetrar o sistema carcerário (THOMPSON, 1980, p. 63): no mundo externo, o indivíduo
pode manter objetos pessoais, seu corpo, suas ações e seus pensamentos fora de contato com
coisas estranhas ou contaminadoras. No entanto, no ambiente prisional ele é despido de
qualquer tipo de individualidade; além da restrição das liberdades individuais referentes ao
direito de ir e vir, sua intimidade é devassada, não raro submetido a experiências sexuais
doentias, sempre sob o risco de contaminação venérea; banhos de sol limitados, convivência
com pessoas de seu vínculo afetivo (família e amigos) prejudicada; educação, trabalho, todos
estes bens devidos pelo Estado, reduzidos a mera expectativa. Tais situações minam a
individualidade, tornando o homem recluso um ser avesso à vida social. Ao se comparar com
as pessoas do mundo livre, assalta ao preso a dramática sensação de haver atingido o mais
baixo ponto possível de degradação, identificando-se como algo que não merece mais que
indiferença, descaso e desprezo.
De encontro à realidade sobre o atual sistema prisional, reza o artigo 1º, III, da
Constituição Federal, que o Brasil é um Estado de Direito Democrático, possuindo como um
dos fundamentos do seu arcabouço jurídico a dignidade da pessoa humana. Fundamentada sob
este princípio, a Magna Carta enumerou direitos e garantias fundamentais, estritamente a ele
relacionados e insculpidos nos incisos III, XLVII, "e", e XLIX, do artigo 5º:
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante;
XLVII - não haverá penas:
e) cruéis;
XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo
com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o
que ficar preso além do tempo fixado na sentença. (Grifo Nosso)
Neste mesmo sentido, no âmbito do Direito Internacional, a Convenção Americana
de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San José da Costa Rica), do qual o Brasil é
signatário, tem reconhecido como direito fundamental da criatura humana, independente do
caráter ou do crime que tenha praticado, o direito a integridade pessoal (física e psíquica), como
é possível verificar da leitura do art. 5ª, que segue transcrito:
Artigo 5º - Direito à integridade pessoal
1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e
moral.
2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis,
desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser
tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.
[...]
4. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em
circunstâncias excepcionais, e devem ser submetidos a tratamento adequado
à sua condição de pessoas não condenadas.
[...]
6. As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a
reforma e a readaptação social dos condenados.
Leal se pronuncia de maneira ímpar:
De fato, como falar em respeito à integridade física e moral em prisões onde
convivem pessoas sadias e doentes; onde o lixo e os dejetos humanos se
acumulam a olhos vistos e as fossas abertas, nas ruas e galerias, exalam um
odor insuportável; onde as celas individuais são desprovidas por vezes de
instalações sanitárias, onde os alojamentos coletivos chegam a abrigar 30 ou
40 homens; onde permanecem sendo utilizadas, ao arrepio da proibição
expressa da Lei nº 7.210/84, as celas escuras, as de segurança, em que os
presos são recolhidos por longos períodos sem banho de sol, sem direito a
visita; onde a alimentação e o tratamento médico e odontológico são
precários e a violência sexual atinge níveis desassossegantes? Como falar,
insistimos, em integridade física e moral em prisões onde a oferta de
trabalho inexiste ou é absolutamente insuficiente; onde presos são obrigados
a assumirem a paternidade de crimes que não cometeram, por imposição dos
mais fortes. (LEAL, 2004, p. 89).
Relativamente aos direitos civis, ressalte-se, entretanto, que tanto o detento quanto
o egresso prisional permanecem titulares dos seus direitos, conforme preconiza o art. 38 da
Lei 7. 209/84 e o art. 5º XLI da Constituição Federal, ao estabelecerem que:
Art. 38 - O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da
liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade
física e moral.
Art. 5º XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e
liberdades fundamentais.
Não obstante todas as mazelas já auferidas no interior do sistema carcerário, tem
ainda o egresso que superar os desafios extramuros, imposto pela sociedade, que desacreditada
no poder público rejeita-o, pois ainda o considera criminoso.
Valiosa contribuição sobre a temática ofereceu Francesco Carnelutti, em sua obra
"As Misérias do Processo Penal", com um estudo sistemático sobre a postura do "cidadão
comum" face ao "marginal" repudiado, estereotipado na figura do "delinquente", imérito da
complacência e confiança da sociedade, uma vez tendo usurpado a fidúcia original. Sobre esta
situação, Carnelutti já prescrevia:
Somente, na linha de raciocínio, igualmente se deve reconhecer que aquilo do
encarcerado, que conta os dias sonhando com a libertação, não é mais que um
sonho; bastam poucos dias depois que as portas da cadeia se abriram para
acorda-lo. Então, infelizmente, dia a dia, a sua visão do mundo se coloca de
cabeça para baixo: no fundo, no fundo, estava melhor na cadeia. Este lento
desfolhar se das ilusões, este reverter de posições, este desgosto daquela que
ele acreditava ser a liberdade, este voltar o pensamento à prisão, como aquela
que é, enfim a sua casa, foi descrito egregiamente em um notável romance de
Hans Fallada; mas as pessoas não devem crer que sejam situações criadas
pela fantasia do escritor: a invenção corresponde infelizmente à realidade.
Como se pode ver, em uma sociedade enraizada na cultura do medo, sentencia o
indivíduo ao exílio social, já desacreditado nas instituições estatais que têm a missão de
reintegração social da pessoa, igualmente humana. Com isso, inevitável concluir que a pena não
termina para o sentenciado, o qual tem de suportar após o cárcere a marginalização e o
preconceito.
Combater os vícios inerentes ao senso comum é um dever do Estado, porquanto
deverá utilizar a pena como mecanismo não só de punição, mas como um artifício pedagógico de
reestruturação de conduta do apenado, fazendo-o interagir com a sociedade civil, preparando-o
para o inarredável reencontro, bem como egregiamente Foucault (1987) preconizara:
Lembremos um certo número de fatos. Nos códigos de 1808 e de 1810, e nas
medidas que os seguiram ou os precederam imediatamente, o
encarceramento nunca se confunde com a simples privação de liberdade. É,
ou deve ser em todo caso, um mecanismo diferenciado e finalizado.
Diferenciado pois não deve ter: a mesma forma, consoante se trate de um
indiciado ou de um condenado, de um contraventor ou de um criminoso:
cadeia, casa de correção, penitenciária devem em princípio corresponder
mais ou menos a essas diferenças, e realizar um castigo não só graduado em
intensidade, mas diversificado em seus objetivos. Pois a prisão tem um fim,
apresentado de saída:
Como a lei inflige penas umas mais graves que outras, não pode permitir que
o indivíduo condenado a penas leves se encontre preso no mesmo local que o
criminoso condenado a penas mais graves [...]; se a pena infligida pela lei
tem como objetivo principal a reparação do crime, ela pretende também que
o culpado se emende.
O sistema prisional adotado pelo Brasil, para os presos condenados, segue o
princípio da progressão de regime (fechado, semiaberto e aberto), evoluindo-se sempre que
preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos, do regime mais severo para o mais brando (art.
112, da Lei 7.210/84). Ou seja, se iniciado a partir do regime fechado, após o cumprimento de
1/6 da pena, salvo se condenado por crimes hediondos (art. 2º, §2º, da Lei 8.072/90), que será de
2/5 ou 3/5, se reincidente, poderá passar para o regime imediatamente mais brando, uma vez
preenchidos os requisitos subjetivos, dentre os quais o bom comportamento carcerário.
Assim, a pena, o encarceramento, deve visar não somente a punição do indivíduo,
mas a sua correção comportamental está inclusa como uma meta necessária, uma vez
considerando os predicados da dignidade da pessoa humana, um dever do Estado para com todos
indistintamente, e em razão do inevitável reencontro do apenado com a sociedade. Posto isso,
Foucault tece considerações sobre o "dever-ser" do sistema, in verbis:
1 - A detenção penal deve ter por função essencial a transformação do
comportamento do indivíduo;
2 - Os detentos devem ser isolados ou pelo menos repartidos de acordo com
a gravidade penal de seu ato, mas principalmente segundo sua idade, suas
disposições, as técnicas de correção que se pretende utilizar com eles, as
fases de sua transformação;
3 - As penas, cujo desenrolar deve poder ser modificada segundo a
individualidade dos detentos, os resultados obtidos, os progressos ou as
recaídas;
4 - O trabalho deve ser uma das peças essenciais da transformação e da
socialização progressiva dos detentos;
5 - A educação do detento é, por parte do poder público, ao mesmo tempo
uma precaução indispensável no interesse da sociedade e uma obrigação
para com o detento;
6 - O regime da prisão deve ser, pelo menos em parte, controlado e assumido
por um pessoal especializado que possua as capacidades morais e técnicas de
zelar pela boa formação dos indivíduos;
7 - O encarceramento deve ser acompanhado de medidas de controle e de
assistência até a readaptação definitiva do antigo detento. (FOUCAULT,
1999, p. 237)
Como restou demonstrado, tal não é procedido e a consequência é o aviltante
número de detentos que após ganhar o benefício de progressão de regime não continuam com
o cumprimento da pena, pois não desejam vivenciar as misérias do cárcere novamente, bem
como é numerosa a quantidade de egressos que tornam a cometer ilícitos penais,
demonstração da ineficácia do sistema, que ainda investe em métodos obsoletos, com
ausência de investimentos e gestão.
Para dirimir a problemática da violência é necessária uma ação sincrética entre o
próprio Estado e a sociedade civil, que devem participar diretamente no trabalho de educação
da conduta social de seus pares, seja através de trabalhos preventivos ou saneadores, a
exemplo das ainda incipientes práticas de socializam que o Piauí aos poucos vem adotando,
tais como:
• BIJUTERIAS E RETALHOS - curso ministrado para detentas por empresa
privada na Penitenciaria Feminina de Teresina;
• CTO - TEATRO - peça teatral encenada por detentos da Penitenciaria
Feminina finalizando o projeto do teatro oprimido, encaminhado pelo
Ministério da Justiça;
• CURSO DE MAQUIAGEM - ministrado por empresa privada na
Penitenciaria Feminina para detentas;
• CURSO DE PRODUTOS ARTESANAIS - ministrada na Penitenciaria
Feminina de Teresina;
• PROJETO EDUCANDO PARA A LIBERDADE;
• PLANTAÇÃO DE HORTALIÇAS - detentas na Penitenciaria Feminina de
Teresina em convênio com o Programa Fome Zero;
• CURSO DE FABRICAÇÃO DE FRALDAS E ABSORVENTES -
ministrado para detentas na Penitenciaria Feminina de Teresina;
• PROJETO DE HORTICULTURA da Penitenciaria de Bom Jesus;
• CURSO DE CONFECÇÃO DE CALÇADOS na Penitenciaria de
Esperantina;3
Estes são exemplos de práticas que têm minimizado os efeitos colaterais do
cárcere, mas que ainda precisam de ampliação e efetividade, para que, de uma vez por todas,
seja interrompido o ciclo vicioso da violência e para que ninguém seja condenado ao exílio
social, respeitando-se, pois, os princípios e direitos fundamentais da pessoa humana.
3 Disponível em: Ministério da Justiça http: //portal. mj. gov. br/main.asp? ViewID =
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3. Conclusão
Temos, finalmente, que o sistema prisional carece de políticas públicas efetivas
que viabilizem a reintegração do apenado a sociedade. Mantê-lo sob o cárcere, desprovido
dos elementos humanos mais comesinhos, como educação, trabalho e vida social-afetiva é
percorrer exatamente o caminho oposto ao da (r)educação comportamental.
Os números mostrados sobre o Piauí não diferem muito do que acontece no
restante do país, sendo este um problema crônico que urge tomada de iniciativas que vão
muito além da construção de presídios para enfurnar pessoas, mas que deve prever políticas
sociais de socialização humana, fazendo com que o futuro egresso se sinta integrante desta
sociedade, com oportunidade de poder escolher o caminho correto, com trabalho, educação,
saúde e lazer, disponíveis a todos os cidadãos indistintamente.
A contrario sensu, a permanência neste estado de caos em que se encontra o
sistema de execução penal, apenas alimentará o ciclo vicioso de violência no Estado do Piauí,
que já apresenta um dos índices mais elevados de violência entre os entes da federação. Os
mandamentos Constitucionais e de Direito Internacional de Direitos Humanos devem ser o
manual norteador dos atos da administração pública em conjunto com a sociedade civil, com
o fim de ao menos conter ou minimizar o grau de reincidência criminal, pois aquele que está
preso hoje sob condições desumanas, ou seja, sem nenhuma ação pedagógica efetiva, voltará
à vida em liberdade, haja vista, em regra, não existir nem pena de prisão perpétua nem pena
de morte no Brasil, e a maioria voltará a delinquir, pois condicionado pelo elo de violência
vivenciado no cárcere e pela marginalização imposta socialmente, esta decorrente da
descrença popular no poder ressocializador do sistema prisional.
4. Referência
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Trad. Luis Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa:
Edições 70, 2012.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. São
Paulo: Saraiva, 2004.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.
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______Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br
/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em: 14 mai. 2014.
CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Tradução de José Antônio
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FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1986.
LEAL, Cesar Barros. Prisão, Crepúsculo de uma Era. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey Editora,
2001.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Execução Penal. Disponível em: < http: // portal. mj. gov. br /
main. asp? View = { D574E9CE - 3C7D - 437A A5B62166AD2E896} & Browser Type = NN
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THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense. 1980.
OAB-PI divulga relatório sobre sistema prisional no Piauí. Disponível em: <
http://www.oabpi.org.br/site/paginas/showId/6650/index.html>. Acessado em: 14 mai. 2014.