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LETRAS/PORTUGUÊS 2º PERÍODO CADERNO DIDÁTICO II

CADERNO DITÁDICO DA UAB( UNIMONTES)--S DISCILPINA (Principios da Linguistica) LETRAS ESPANHOL

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  • LETRAS/PORTUGUS

    2 PERODO

    CADERNODIDTICO II

  • 2 PERODO

    INTRODUO LINGUSTICA

  • AUTORAS

    Arlete Ribeiro Nepomuceno

    Mestre em Lngua Portuguesa pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo - PUC/SP. Atualmente professora do Departamento de Comunicao e Letras da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes.

    Liliane Pereira Barbosa

    Mestre em lingustica pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Atualmente professora do Departamento de Comunicao e Letras da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes.

  • SUMRIODISCIPLINA

    Apresentao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

    Unidade I: Compreenso da Linguagem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

    1.1 O que linguagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

    1.2 A importncia da linguagem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

    1.3 Concepes de linguagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

    1.4 Noes e tipos de gramtica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

    1.5 Aquisio da linguagem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .20

    1.6 Referncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

    1.7 Vdeos sugeridos para debate . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

    Unidade II: lingustica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

    2.1 O que lingustica e o que Semiologia/Semitica. . . . . . . . 28

    2.2 lingustica versus Gramtica Tradicional . . . . . . . . . . . . . . . . 29

    2.3 Objeto de estudo, objetivo e mtodo investigativo da

    lingustica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

    2.4 lingustica e componentes da gramtica. . . . . . . . . . . . . . . . . 31

    2.5 Referncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

    Unidade III: Histria Ocidental da lingustica (sculo IV a.C

    ao sculo XX). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

    3.1 Na antiguidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

    3.2 Na Idade Mdia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

    3.3 Da Renascena ao fim do sculo XVIII. . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

    3.4 A lingustica no sculo XIX. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

    3.5 A lingustica no sculo XX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

    3.6 Referncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

    Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79

    Referncias bsica, complementar e suplementar . . . . . . . . . . . . . . . 83

    Atividades de Aprendizagem - AA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89

  • APRESENTAO

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    Ol! Nesse semestre, temos uma disciplina intitulada Introduo lingustica, que ser apresentada a voc.

    Nessa disciplina, vamos abordar uma atividade humana extremamente utilizada: a linguagem. J reparou quanto nos interagimos, comunicamos e expressamos o pensamento em nosso dia-a-dia? Pois . Especificamente, vamos nos restringir linguagem verbal humana, ou seja, a lngua falada e escrita e, tambm, s suas concepes. Veremos no s a histria das investigaes lingusticas do sc. IV a.C ao sculo XX, mas tambm algo interessante: o fato de o ser humano sempre ter se preocupado em tentar explicar nossa linguagem verbal. Nesse percurso, voc descobrir que, no Ocidente, isso retoma as ideias dos filsofos gregos. Ou seja, essas investigaes lingusticas pautavam-se na Filosofia, cujas intenes eram elaborar as leis do raciocnio, mas, para isso, era necessrio entenderem alguns aspectos associados relao linguagem, pensamento e realidade. Apenas no sculo XX, teremos uma cincia que investigar a linguagem verbal humana como seu objeto de estudo, com mtodos prprios de investigao. Cincia que ser denominada lingustica.

    Dessa cincia, veremos seu conceito, mtodos investigativos, objeto de estudo, modalidades, ramificaes... Ah, veremos noes de variao lingustica (as maneiras diferentes de se usar uma lngua em contextos diferenciados)!

    E, alm de a lingustica ser uma cincia que trata apenas da linguagem verbal humana, temos uma outra cincia que vai tratar de todos os sistemas de comunicao, de todos os tipos de linguagem (verbal e no-verbal), como mmicas, linguagem corporal, palavras, etc. a Semiologia.

    Assim, essa disciplina Introduo lingustica procura desenvolver um olhar lingustico que possibilite ao acadmico, atravs de conceitos e registros lingusticos mais relevantes, uma compreenso da teoria lingustica desde os seus primrdios (na antiguidade, na Idade Mdia, no Renascimento at o sculo XVIII), perpassando pelo sculo XIX (perodo histrico-comparativo) at o sculo XX (Estruturalismo, Gerativismo, lingustica do Texto, Funcionalismo, Anlise dos Discurso, entre outros).

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    Como as informaes abordadas sero fundamentais na discusso, bem como os pressupostos bsicos elaborados pela lingustica linguagem, lngua, fala, instituio social, etc. , interessante que voc os discuta.

    Sabendo-se que o conhecimento cientfico estimula a atitude crtica e contribui para o exerccio da cidadania, consideramos que forneceremos elementos que colaboraro em sua formao cidad e profissional.

    Nesse contexto, a disciplina tem como objetivos:

    ?Entender a linguagem verbal como o objeto de estudo da cincia lingustica;

    ?Considerar a linguagem como atividade humana passvel de ser descrita e explicada;

    ?Distinguir Gramtica Normativa de lingustica;

    ?Diferenciar as teorias de aquisio da linguagem;

    ?Conhecer, analisar e operar com alguns conceitos bsicos das teorias lingusticas considerando, tambm, as ramificaes dessa cincia;

    ?Analisar a lngua como um todo constitudo de variedades;

    ?Compreender a viso panormica dos estudos lingusticos (evoluo) no decorrer de sua histria;

    ?Perceber os diferentes olhares sobre a linguagem verbal, no priorizando um em detrimento de outro;

    ?Refletir sobre as teorias lingusticas e o ensino de lngua.

    Caro aluno, com tudo isso, voc vai perceber que a lingustica muito importante no ensino de lngua, materna e/ou estrangeira. Evidenciamos, nessa disciplina, que o conhecimento lingustico habilita o educador e o pesquisador de lnguas a compreender a sua funo e, sobretudo, a orientar, convenientemente, a anlise dos problemas pedaggicos surgidos durante suas aulas. Assim, voc, acadmico de Letras, dever ter em mente que essa disciplina muito importante para sua formao humanstico-artstico-cientfica, pois, por meio dela, poder compreender no s a linguagem verbal humana, mas tambm o processo educativo.

    Essa disciplina possui trs unidades, cuja diviso composta de subunidades.

    UNIDADE 1: Compreenso da linguagem

    1.1 O que linguagem

    1.2 A importncia da linguagem

    1.3 Concepes de linguagem

    1.4 Noes e tipos de gramtica

    Letras/Portugus Caderno Didtico II - 2 Perodo

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    1.5 Aquisio da linguagem

    1.5.1 As teorias de aquisio

    1.5.1.1 Teorias empiristas

    1.5.1.1.1 Proposta behaviorista

    1.5.1.1.2 Proposta conexionista

    1.5.1.2 Teorias racionalistas

    1.5.1.2.1 Proposta inatista

    1.5.1.2.2 Proposta construtivista

    1.5.1.2.2.1 Proposta cognitivista

    1.5.1.2.2.2 Proposta interacionista

    UNIDADE 2: lingustica

    2.1 O que lingustica e o que Semiologia/Semitica

    2.2 lingustica versus Gramtica Tradicional

    2.3 Objeto de estudo, objetivo e mtodo investigativo da lingustica

    2.4 lingustica e componentes da gramtica

    2.4.1 Fontica

    2.4.2 Fonologia

    2.4.3 Morfologia

    2.4.4 Sintaxe

    2.4.5 Semntica

    2.4.6 Lexicologia

    UNIDADE 3: Histria Ocidental da lingustica (sculo IV a.C ao sculo XX)

    3.1 Na antiguidade

    3.1.1 Na ndia

    3.1.2 Na Grcia antiga

    3.1.2.1 No perodo alexandrino

    3.1.3 Em Roma

    3.2 Na Idade Mdia

    3.3 Da Renascena ao fim do sculo XVIII

    3.4 A lingustica no sculo XIX

    3.5 A lingustica no sculo XX

    3.5.1 Estruturalismo

    3.5.1.1 Estruturalismo europeu

    3.5.1.1.1 Estruturalismo funcionalista

    3.5.1.2 Estruturalismo norte-americano

    3.5.2 Gerativismo

    3.5.3 Guinada pragmtica: linguagem e ao

    Introduo lingustica UAB/Unimontes

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    3.5.3.1 Funcionalismo

    3.5.3.1.1 Funcionalismo norte-americano

    3.5.3.2 Teoria da enunciao

    3.5.3.3 Semntica argumentativa

    3.5.3.4 Teoria dos atos de fala

    3.5.3.5 Teoria da atividade verbal

    3.5.3.6 Pragmtica conversacional de Grice

    3.5.3.7 lingustica do texto

    3.5.3.8 Anlise da conversao

    3.5.3.9 Anlise do discurso

    3.5.3.10 Sociolingustica: variao e mudana

    3.5.3.11 Psicolingustica

    3.5.3.12 Neurolingustica

    O texto est estruturado a partir do desenvolvimento das unidades e subunidades. Voc dever perceber que as questes para discusso e reflexo que acompanham os textos so muito importantes, bem como as sugestes para ir ao ambiente de aprendizagem, ao frum, acessar bibliotecas virtuais na web, etc. As sugestes, informaes, atividades e dicas esto localizadas nos textos, aparecendo com os seguintes cones:

    A leitura dos textos tambm importante, pois eles indicam os possveis desenvolvimentos e ampliaes para o estudo e a discusso, alm de, em determinadas ocasies, serem os textos a que nos remeteremos durante nossa abordagem nesse caderno. So recursos que podem ser explorados por voc de maneira eficaz, pois buscam promover atividades de observao e de investigao que permitam desenvolver habilidades prprias da anlise lingustica e exercitar a leitura e a interpretao de fenmenos lingusticos e culturais. Ao planejar esse material, consideramos que voc se familiarizaria, paulatinamente, com a viso e os procedimentos prprios da disciplina.

    Agora com voc. Explore tudo, abra espaos para a interao comunicativa com os colegas, para o questionamento, para a leitura crtica dos textos, bem como para as atividades e leituras.

    Boa viagem ao mundo da lingustica!

    Bom estudo!

    Letras/Portugus Caderno Didtico II - 2 Perodo

    DICAS PARA REFLETIR

    ATIVIDADESC

    A

    B

    FEGGLOSSRIO

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    1UNIDADE 1COMPREENSO DA LINGUAGEMEssa a primeira unidade desse Caderno Didtico. O objetivo

    principal que voc conhea as questes bsicas e discuta-as para ampliar seu conhecimento lingustico: o que linguagem, sua importncia, suas concepes, noes de gramtica e seus tipos, alm das propostas de como se d a aquisio da linguagem pelo ser humano.

    Considerando nossa proposta de trabalho, essa primeira unidade, Compreenso da Linguagem, foi organizada com as seguintes subunidades:

    1.1 O que linguagem

    1.2 A importncia da linguagem

    1.3 Concepes de linguagem

    1.4 Noes e tipos de gramtica

    1.5 Aquisio da linguagem

    1.5.1 As teorias de aquisio

    1.5.1.1 Teorias empiristas

    1.5.1.1.1 Proposta behaviorista

    1.5.1.1.2 Proposta conexionista

    1.5.1.2 Teorias racionalistas

    1.5.1.2.1 Proposta inatista

    1.5.1.2.2 Proposta construtivista

    1.5.1.2.2.1 Proposta cognitivista

    1.5.1.2.2.2 Proposta interacionista

    Ateno:

    No se esquea de que as questes sugeridas junto ao texto so fundamentais para a sua compreenso!

    Agora vamos comear a leitura.

    1.1 O QUE LINGUAGEM

    O homem sempre procurou dominar o mundo e, atravs do conhecimento, ele capaz de realizar esse seu intento, ao conseguir explicar o que existe no mundo. A linguagem uma das coisas que ele almeja explicar (os registros sobre esse assunto remontam ao sculo IV a. C!), j que se serve dela para expressar seu pensamento, se comunicar e interagir com outrem. Mas o que seria linguagem? Meu caro aluno, linguagem, em um sentido mais amplo e segundo uma dada concepo, equivale a todo e qualquer sistema de comunicao, seja verbal (comunicao que se d atravs da palavra, oral ou escrita), seja no- verbal (comunicao que se d

  • Fonte: CEREJA e MAGALHES. Gramtica: texto, reflexo e uso. So Paulo: Atual, 2004

    Linguagem, sendo considerada como qualquer sistema de comunicao, envolver a linguagem humana e a dos outros animais. Porm, de maneira mais restrita, como faz a lingustica, far referncia linguagem verbal (palavra) humana.

    atravs de outros meios que no seja a palavra, por exemplo, linguagem dos surdos-mudos, linguagem corporal, mmica, pintura, dana, gestos, cdigo morse, etc.).

    Nesse sentido, teramos de considerar, tambm, a linguagem dos outros animais (das abelhas, dos golfinhos, dos macacos,...), mas no o intento dessa disciplina. Utilizamos, nessa disciplina, o termo linguagem para nos referirmos linguagem humana. De uma maneira mais restrita ainda, essa disciplina ter como foco a linguagem verbal humana.

    Mas qual a importncia de se compreender, estudar a linguagem? Como a linguagem est em todo lugar, em toda parte e como participa das atividades do ser humano, podemos apontar alguns motivos que justificam a aquisio desse tipo de conhecimento (LANGACKER, 1972):

    ?Busca de respostas a questes que envolvam lngua e ortografia, lngua oficial de um pas, ensino de lngua materna e estrangeira, lngua universal, etc.;

    ?Significao intelectual com reflexo em outras cincias que tambm busquem conhecer a linguagem (por exemplo, Filosofia trata da viso do homem sobre o mundo, que se traduz a partir da linguagem; Psicologia destaca os fatos cognitivos que interferem na aquisio da linguagem; Antropologia dedica-se, primeiramente, s implicaes da escrita no que se refere evoluo cultural e ao crescimento dos sistemas sociais, etc.);

    ?Aplicao prtica desse conhecimento (no apenas no ensino, mas tambm na linguagem computacional, por exemplo);

    ?Formao intelectual e cultural do indivduo.

    Como o indivduo concebe a linguagem tambm importante; portanto, um conhecimento apurado dos enfoques lingusticos se torna imprescindvel para ampliar o ponto de vista do interessado.

    O pargrafo acima se justifica pelo fato de, muitas vezes, no se ter uma noo ampla de um dado assunto lingustico, atendo-se apenas noo da gramtica tradicional.

    1.2 A IMPORTNCIA DA LINGUAGEM

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    Figura 1: linguagem no-verbal Figura 2: linguagem verbal

    Letras/Portugus Caderno Didtico II - 2 Perodo

    DICAS

  • Gramtica tradicional: conhecido livro que contm

    as regras que devemos seguir para falar e escrever corretamente, geralmente

    ensinadas no ensino bsico: regras fonolgicas,

    morfolgicas, sintticas, semnticas, ortogrficas,

    etc.

    Em razo disso, enfocaremos, agora, na seo Concepes de linguagem, trs abordagens distintas de linguagem verbal humana, propostas por Travaglia (1996).

    Para a primeira concepo (TRAVAGLIA, 1996, p. 21-23), a linguagem ser considerada como expresso do pensamento, a qual prope que as pessoas no se expressam bem porque no pensam; sendo construda na mente, e a fala ou a escrita sua traduo. Sob essa concepo, a linguagem constituda de regras a serem seguidas para a estruturao lgica do pensamento e da linguagem concepo filosfica. E s s a s regras estariam descritas no que conhecemos por gramtica tradicional com o intuito de serem seguidas pelos indivduos para falarem e escreverem corretamente. O texto, aqui, no ser constitudo considerando o para quem, o que, onde, como, quando e para que se fala/escreve.

    A segunda concepo define linguagem como instrumento de comunicao, ou seja, a linguagem ser vista como recurso para se transmitir uma mensagem de um emissor para um receptor; um fato social, convencionado por um grupo social para que a comunicao se concretize. Essa a primeira concepo da linguagem proposta pela lingustica (representada pelos estruturalistas, que almejam descrever o funcionamento da lngua, e os gerativistas, que tentam descrever e explicar esse funcionamento).

    Pensando em um circuito de fala, segundo essa concepo, o falante tem em mente uma mensagem a transmitir a um ouvinte. Para isso, ele organiza seu pensamento, transmite a mensagem (codificao) atravs das ondas acsticas que so recebidas pelo ouvinte, o qual decodifica a mensagem.

    Na terceira concepo, a linguagem constitui um processo de interao humana, comunicativa. Para os adeptos dessa concepo, a linguagem no apenas expressa o pensamento ou transmite informaes, mas tambm age, atua sobre o ouvinte/leitor, considerando uma dada situao comunicativa e um dado contexto scio-histrico e ideolgico. Dessa forma, o sentido amplo do dilogo que caracteriza a linguagem; como exemplo, a anedota:

    1.3 CONCEPES DE LINGUAGEM

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    Introduo lingustica UAB/Unimontes

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    B

    FEGGLOSSRIO

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    1.4 NOES E TIPOS DE GRAMTICA

    Assim, como temos vrias concepes de linguagem tambm temos vrias noes de gramticas: normativa, descritiva e internalizada. O que isso quer dizer? Quer dizer que h mais de um conceito de gramtica, h mais de um tipo de gramtica? Por exemplo, no s aquele livro (quantas regras ele contm!) que estudamos na escola desde pequenos?

    isso mesmo. importante ter isso sempre em mente, pois o termo gramtica significa apenas conjunto de regras de uma lngua.

    Porm, quando se considera a linguagem uma expresso do pensamento, adota-se a viso de que a gramtica contm regras para serem seguidas (prescreve o que deve e o que no deve ser usado na lngua) chamaremos esse tipo de gramtica tradicional (GT) ou normativa (viso tradicional da lngua baseada na norma culta da lngua modelo a ser seguido e nas noes de certo/errado).

    Essa noo de gramtica, desenvolvida pelos filsofos gregos, representa uma tradio que tinha por interesse entender aspectos associados linguagem, pensamento e realidade. De base filosfica, essa tradio foi iniciada por Aristteles que se voltou para a relao linguagem e lgica almejando elaborar as leis do raciocnio e predominou at o sculo XIX (MARTELOTTA, 2008). Ela determina uma maneira correta de usar a lngua, impondo um dialeto padro ideal utilizado pelos grupos sociais dominantes para o sistema de escrita que serve de modelo para a fala.

    Temos, tambm, a gramtica que descreve as regras seguidas naturalmente pelos falantes, sem imposio alguma, ou seja, registra qualquer variedade da lngua, qualquer uso da lngua chamaremos esse

    Esta anedota retrata duas situaes de comunicao. Quais so elas? A enfermeira disse ao mdico a mesma coisa que o visitante disse ao amigo paciente? O sentido desses dois enunciados o mesmo? Segundo qual concepo de linguagem podemos analisar essa anedota? Justifique suas respostas.

    Voc sabia que aquele livro que voc chama de gramtica (cheia de regras para voc seguir, se quiser falar/escrever corretamente!) uma gramtica normativa? Mas h outros tipos de gramtica: por exemplo, a Gramtica do Portugus Falado uma gramtica descritiva. J a gramtica que voc tem arquivada no seu crebro sobre a lngua que voc adquiriu uma gramtica internalizada.

    Fonte: CEREJA e MAGALHES. Gramtica: texto, reflexo e uso. So Paulo: Atual, 2004

    O visitante vai passando pelo corredor do hospital, quando v o amigo saindo disparado, cheio de tubos, da sala de cirurgia:

    - Aonde que voc vai, rapaz?

    - T louco, bicho, vou cair fora!

    - Mas qual , rapaz?! Uma simples operao de apendicite! Voc tira isso de letra.

    E o paciente:

    - Era o que a enfermeira estava dizendo l dentro: Uma operaozinha de nada, rapaz! Coragem! Voc tira isso de letra! Vai fundo, homem!

    - Ento, por que voc est fugindo?

    - Porque ela estava dizendo isso pro mdico que ia me operar!

    (Apud Luiz Carlos Travaglia. Gramtica e interao: uma proposta para o ensino de gramtica no 1 e no 2 graus. So Paulo: Cortez, 1986. p. 91.)

    Letras/Portugus Caderno Didtico II - 2 Perodo

    ATIVIDADES

    DICAS

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    tipo de gramtica descritiva (viso cientfica baseada nas noes de adequado/inadequado, desenvolvida no sculo XX a partir da lingustica estruturalista). Essa gramtica considera que uma lngua constituda de diversas formas de uso, por exemplo: a Lngua Portuguesa constituda do falar mineiro, paulista, baiano, gacho, grias, etc. O mesmo valendo para as demais lnguasl.

    Mas, se considera linguagem uma predisposio biolgica do ser humano, cuja gramtica equivale ao conjunto de regras da lngua dominado pelo indivduo a partir de sua internalizao, temos a gramtica internalizada (viso cientfica, desenvolvida no sculo XX a partir do gerativismo, baseada na proposio de que a criana em fase de aquisio de uma lngua, medida que a ela exposta, internaliza suas regras). Essa gramtica no existe em forma de manual, grafado concretamente, pois est arquivada em nossa mente; na verdade, constitui o objeto de estudo das demais gramticas, que tentam descrever e explic-la.

    Essas noes diferentes de linguagem e gramtica podem conduzir-nos a um questionamento: Como elas se relacionam com o ensino de lngua? Esse um questionamento pertinente, mais ainda se voc pensar que a adoo de uma ou outra concepo pode repercutir de maneira diferente no ensino.

    Um ensino segundo as duas primeiras concepes de linguagem descontextualizado, ou seja, a anlise lingustica se baseia apenas no mbito da palavra, do sintagma ou da frase, apesar de a abordagem da primeira concepo ser normativa (dita regras da lngua que devem ser seguidas pelos falantes) e da segunda descritiva/explicativa (descreve as regras da lngua usadas pelos falantes e tenta explic-las).

    Alm disso, a primeira concepo, quando prope uma forma lingustica como padro a ser seguido gramtica normativa , reflete isso no ensino que adotar essa viso parcial da lngua ao tratar apenas esse modelo padronizado como correto, abandonando as demais formas existentes. Por outro lado, a gramtica descritiva no privilegia uma variedade de lngua, mas as variedades nela existentes, o que conduzir a um ensino mais abrangente, considerando essas variedades lingusticas sem preconceitos; inclusive a variedade do modelo padro.

    Mas, nem por isso, devemos descartar totalmente a gramtica normativa e seu ensino, pois ela sintetiza as reflexes e anlises de geraes de estudiosos que teceram investigaes sobre a linguagem humana. Nessa medida, salientamos que preciso desconsider-la como uma doutrina sagrada infalvel que todos devem seguir, cuja desobedincia crime contra a lngua (BAGNO, 2001).

    J a linguagem, quando vista como processo de interao, analisada de maneira contextualizada, ou seja, considerando as condies internas e externas do uso da linguagem, por exemplo: fatores sociais (idade, sexo, classe social, escolaridade, profisso, etc.), interao entre as pessoas,

    Dialeto: variedade de uma lngua, pertencente a um

    grupo de falantes.

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  • intenes comunicativas, informaes implcitas, entre outras. Desse modo, essa interao privilegiada no ensino (de lngua estrangeira ou materna) quando se adota essa concepo.

    1.5 AQUISIO DA LINGUAGEM

    Ao se discutir linguagem, no h como no se pensar em como o ser humano adquire sua linguagem verbal. Voc j parou para pensar em como as crianas (de dois a quatro anos, por exemplo) aprendem a lngua a que so expostas sem ningum as ensinar? Quais os mecanismos que precisam ser acionados? Os cientistas possuem propostas interessantes que tentam explicar como se d a aquisio e desenvolvimento da linguagem e o porqu da maneira como ocorre.

    Descreveremos, na seo As teorias de aquisio, a abordagem de Santos (in: FIORIN, 2002, p. 216-226) de aquisio da linguagem.

    Segundo essa autora, a linguagem no catica, aleatria, por isso nos transmite uma viso geral das teorias que abordam essa questo.

    1.5.1 As teorias de aquisio

    H dois grandes blocos de teorias sobre a aquisio da linguagem: empiristas e racionalistas.

    Para os primeiros, o conhecimento, assim como a aquisio da linguagem, se d atravs da experincia. Um dado estmulo conduzir a uma dada resposta que dever ser reforada para que haja aprendizagem. A estrutura lingustica no est no ser humano e nem por ele construda, mas est fora do homem, est no exterior.

    No entanto, para os racionalistas, juntamente com as experincias, as crianas fazem uso de uma predisposio biolgica do ser humano uma capacidade inata. Ou seja, h algum mecanismo no crebro humano responsvel pelo aprendizado da linguagem que ativado com as experincias, exposies a uma dada lngua.

    1.5.1.1 Teorias empiristas

    1.5.1.1.1 Proposta behaviorista

    A proposta behaviorista pauta-se no associacionismo. Segundo ela, o aprendizado dos comportamentos (lingusticos e no-lingusticos) se d por meio de estmulos, reforos e privaes (SKINNER, 1957).

    20

    Figura 3Fonte: ORLANDI, Eni Pulcinelli. O que lingustica. So Paulo: Ed. Brasiliense, 2003. p. 43

    Letras/Portugus Caderno Didtico II - 2 Perodo

  • Para Skinner, pode-se predizer e controlar o comportamento verbal: E (estmulo) R (resposta) Re (reforo)

    Ou seja, um estmulo externo provoca uma resposta externa ao organismo. Caso haja um reforo positivo dessa resposta, haver aprendizagem (manuteno do comportamento). Caso seja reforada negativamente, elimina-se o comportamento. Se no h reforo, o comportamento tende a desaparecer.

    Por exemplo, caso uma criana veja sua me segurando uma mamadeira (estmulo) e produza a palavra pap (resposta) e a me deseje que esse comportamento verbal seja aprendido, ela ir refor-lo, positivamente, at que haja a aprendizagem.

    Essa proposta considera apenas os fatos da lngua que so observados (mtodo indutivo), sua parte externa, desconsiderando a existncia de um componente organizador da lngua que trabalha junto com os dados na estruturao de uma lngua especfica.

    1.5.1.1.2 Proposta conexionista

    Baseado em uma inspirao neuronial, o conexionismo parte do princpio de que o crebro consiste em um grande nmero de neurnios (processadores) que esto interligados formando uma complexa rede neural.

    Prope, diferentemente do behaviorismo, que h um mecanismo cerebral gentico responsvel pela aprendizagem, ou seja, o indivduo aprende a partir de redes neurais estabelecidas com base em experincias.

    A aprendizagem centra-se na relao entre os dados de entrada (input) e sada (output) admitindo analogias e generalizaes.

    21

    Behaviorismo: restrio da psicologia ao estudo

    objetivo dos estmulos e reaes verificadas no fsico, com desprezo total dos fatos

    anmicos; condutismo (FERREIRA, 1999).

    Mtodo indutivo: consiste, na lingustica, em recolher

    um corpus de enunciados e tirar, por segmentao e substituio, classes (ou

    listas) de elementos e regras que permitem dar conta de todas as frases (DUBOIS et

    al, 2001).

    Fonte: Revista Linguagem em (Dis)curso, v. 4, n. 2, jan./jun. 2004

    BEHAVIORISMO

    Estmulo

    CREBRO

    (neurnios)

    CAIXA PRETA

    Resposta

    ? nfase nos sentidos e na experincia (TBULA RASA); ? Negao da existncia da mente; ? Todo saber aprendido.

    APRENDER saber responder corretamente a estmulos.

    Quadro 1: Paradigma behaviorista

    Figura 4: Burrhus Frederic SkinnerFonte: http://en.wikipedia.org

    Burrhus Frederic Skinner foi um psiclogo que baseou

    suas teorias na anlise das condutas observveis e

    dividiu o processo de aprendizagem em

    respostas operantes e estmulos de reforo.

    Introduo lingustica UAB/Unimontes

    DICAS

    CA

    B

    FEGGLOSSRIO

  • Para que haja aprendizagem, deve haver mudanas nas conexes neurais. Isso se dar porque os estmulos (input) ativam neurnios. O reforo fortalece essa conexo criando uma rede, de modo que, quando esse estmulo se repetir, toda a rede ser ativada. Quanto maior a frequncia de estmulos, mais forte se torna essa conexo; as redes aprendem alterando a fora das conexes neurais. A partir da, como j houve aprendizagem, s gerar os dados de sada. Abaixo segue um esquema de representao dessa relao input > output para a aprendizagem.

    1.5.1.2 Teorias racionalistas

    Apesar de haver consenso entre os tericos dessa corrente de que a linguagem uma capacidade inata do ser humano, h divergncias em relao sua natureza. Uma corrente assume que o aprendizado da linguagem est localizado em um mdulo independente, ou seja, nossos outros aprendizados esto em outro mdulo de aprendizagem (inatistas); e a outra, parte da ideia de que o aprendizado da linguagem e os outros aprendizados esto localizados no mesmo mdulo (construtivistas).

    22

    Fonte: Revista Linguagem em (Dis)curso, v. 4, n. 2, jan./jun. 2004

    CONEXIONISMO

    Unidades de Entrada

    (input )

    CREBRO

    (Redes neuroniais)

    Unidades intermedirias

    Unidades de Sada

    (output)

    MENTE:

    ?

    Processamento de

    distribuio em paralelo

    PDP;

    ?

    Existncia de um mecanismo cerebral gentico;

    APRENDER

    alterar a fora das sinapses neuroniais.

    Quadro 2: Paradigma conexionista

    Pesquise sobre a teoria behaviorista de Skinner para melhor compreender essa proposta de aquisio da linguagem.

    Sugesto: http://www.behaviorismo.psc.br

    Figura 5: Esquema de uma rede neuralFonte: Revista Linguagem em (Dis)curso, v. 4, n. 2, jan./jun. 2004

    Letras/Portugus Caderno Didtico II - 2 Perodo

    ATIVIDADES

  • 1.5.1.2. 1 Proposta inatista

    Os inatistas propem que o ser humano dotado de uma gramtica inata os quais tm como representante Noam Chomsky. Eles partem da ideia de que h uma parte do crebro responsvel pela aprendizagem da linguagem independente das nossas outras aprendizagens. Afirmam isso em razo de em casos de afasias, por exemplo, reas diferentes do crebro atingidas afetarem aspectos diferentes da linguagem; por outro lado, h casos de pessoas com problemas mentais que no necessariamente apresentam problemas lingusticos.

    Chomsky, inicialmente, prope-nos um modelo de aquisio da linguagem (1965), porm o ajusta, posteriormente (1981), em razo do excesso de regras do primeiro modelo.

    O modelo de 1965 prope que a criana nasce com uma Gramtica Universal (GU) inata, que contm as regras de todas as lnguas. Quando a criana entra em contato com as sentenas de uma lngua especfica (experincia), seleciona as regras dessa lngua particular e desativa as demais, construindo a gramtica da lngua a que exposta.

    Como dito anteriormente, em virtude de o primeiro modelo propor um excesso de regras, em 1981, prope-se que toda criana nasce com os Princpios (leis invariantes), que se aplicam a todas as lnguas, e com os Parmetros (leis particulares), que variam de lngua para lngua. A criana, nesse modelo, apenas ir escolher o parmetro, a partir do input que experienciar.

    23

    Avram Noam Chomsky professor e linguista norte-americano. Sua teoria prope que o

    processo de aquisio de uma lngua inato aos seres humanos e

    provocado to logo a "criana" comece a

    aprender as leis bsicas de uma lngua. Seu

    mtodo de investigao dedutivo, uma vez que

    prope princpios cujas verdades sero

    verificadas, posteriormente, nos dados da lngua.

    Quadro 3: Paradigma racionalista

    RACIONALISMO

    REPRESENTAES

    MENTE

    INSUMOS CREBRO PRODUTOS

    MENTALISMO:

    Existncia da mente;

    Existncia de ideiaS INATAS;

    Representao mental..

    APRENDER

    representar, na mente, o mundo circundante.

    Fonte: Revista Linguagem em (Dis)curso, v. 4, n. 2, jan./jun. 2004

    Figura 6: Avram Noam Chomsky.Fonte: http://en.wikipedia.org

    Introduo lingustica UAB/Unimontes

    DICAS

  • Por exemplo, h o princpio de que todas as lnguas tm a posio do sujeito; a criana, ento, ter apenas de escolher, com base nos dados, qual parmetro acionar: o sujeito deve sempre ser representado por uma palavra ou o sujeito pode ser omitido. Crianas expostas ao ingls acionaro o primeiro parmetro; porm, crianas expostas ao portugus acionaro o segundo parmetro.

    claro que nem todas as questes que geram essa proposta foram respondidas, mas muitas reflexes so realizadas. Ainda h muito a se investigar.

    1.5.1.2.2 Proposta construtivista

    Para os tericos construtivistas, o desenvolvimento da linguagem se d da mesma maneira que para as demais operaes mentais. Isso se deve ao fato de elas pertencerem ao mesmo mdulo de aprendizagem, conforme vimos na seo Teorias racionalistas. Alm disso, propem que a criana constri sua linguagem e desdobram a teoria em duas propostas: cognitivistas e interacionistas.

    1.5.1.2.2.1 Proposta cognitivista

    Desenvolvida a partir dos estudos de Piaget, a proposta cognitivista prope que a criana constri seu conhecimento com base nas suas experincias com o mundo fsico, o meio em que vive. Esses tericos determinam estgios para o desenvolvimento cognitivo, que so universais (invariveis), isto , todas as crianas passam por eles, numa mesma ordem e numa dada faixa etria, conforme esquema a seguir.

    ------------------------------------------------------------------------------------------sensrio-motor pr-operatrio operaes concretas operaes formais

    (at 18 meses) (2 7 anos) (7 12 anos)

    Em cada estgio, a criana desenvolve capacidades necessrias para o estgio seguinte, evoluindo-se.

    Nessa proposta, quando a criana fala consigo mesma discurso egocntrico no h inteno de comunicao com um dado interlocutor, ou seja, uma fala sem funo social. Discurso que, segundo os cognitivistas, desaparece por volta dos 7 (sete) anos, quando seu discurso passa a ser socializado.

    Essa proposta possui alguns problemas, segundo Santos (2002), principalmente, quanto ao fato de propor estgios invariveis: h estudos que apontam a ocorrncia de variaes no processo de aquisio da linguagem e at mesmo de crianas que no passam por determinados estgios.

    24

    Gramtica Universal (GU): gramtica inata ao ser humano que contm, segundo o modelo da teoria inatista de Noam Chomsky de 1965, as regras de todas as lnguas. Pelo modelo de 1981, a GU constituda apenas de princpios (leis universais), os quais todas as lnguas possuem.

    Jean Piaget foi bilogo e psiclogo com enorme produo na rea de Educao, j que Psicologia e Educao andam juntas. Afinal, para compreender os processos de ensino e aprendizagem no indivduo, necessrio acompanhar o meio em que est inserido e as influncias que ele exerce.

    No incio do sculo XX, com uma teoria at ento revolucionria, Piaget identificou que a constituio do conhecimento do sujeito no dependia apenas da ao do meio ou de sua herana gentica, mas tambm de sua prpria ao.

    Figura 7: Jean Piaget.Fonte: http://en.wikipedia.org

    Letras/Portugus Caderno Didtico II - 2 Perodo

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    FEGGLOSSRIO

    DICAS

  • 25

    A teoria de Vygotsky uma "teoria scio-histrico-

    cultural do desenvolvimento das funes mentais

    superiores". Segundo esse psiclogo bielo-russo, para

    o desenvolvimento da criana, principalmente, na primeira infncia, o que se

    reveste de importncia primordial so as interaes com os adultos, portadores de todas as mensagens da

    cultura.

    1.5.1.2.2.2 Proposta interacionista

    Propostas, inicialmente, por Vygotsky, as investigaes interacionistas apontam para a importncia do interlocutor no desenvolvimento da linguagem, uma vez que consideram que a fala tem funo social. Pensando dessa maneira, o adulto ser aquele que facilita o processo de aquisio da linguagem e cria situaes comunicativas.

    Os interacionistas propem os seguintes estgios de desenvolvimento de operaes mentais:----------------------------------------------------------------------------------------------------

    estgio psicologia signos crescimento

    natural ingnua exteriores interior

    Esses estgios, como propostos pelos cognitivistas, tambm so invariveis e gerais. Assim, importante abordar que o discurso egocntrico, aqui, visto de maneira diferente dos cognitivistas, pois para os interacionistas, esse discurso, que tende a se interiorizar quando a criana cresce, tem funo social e a criana o usa para resolver problemas.

    Essa proposta possui um aspecto interessante quanto linguagem. Segundo ela, h, inicialmente, uma dissociao entre fala e pensamento (um perodo do pensamento sem fala, e outro de fala sem pensamento) e, posteriormente, apenas por volta dos dois anos, fala e pensamento se unem, para que o pensamento possa ser verbalizado.

    Ufa! Quantas propostas! Sabe por qu? Porque essa capacidade humana de aquisio da linguagem notvel, desafiadora, instigante! Por isso tantas pessoas interessadas em tentar explic-la, o que gera propostas diferentes, como vimos. Fica uma pergunta: qual delas a melhor? Na verdade, no temos uma melhor do que a outra, quando algumas explicam melhor um dado processo lingustico, falham em relao a outros... Mas muitas questes ainda esto sem resposta, a cincia caminha...

    Figura 8: VygotskyFonte: http://en.wikipedia.org

    Introduo lingustica UAB/Unimontes

    DICAS

  • 26

    REFERNCIAS

    Letras/Portugus Caderno Didtico II - 2 Perodo

    BAGNO, Marcos. Portugus ou brasileiro? - um convite pesquisa. So Paulo: Parbola, 2001.

    DUBOIS, Jean et al. Dicionrio de lingustica. 8 ed. So Paulo: Cultrix, 2001.

    FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Novo Aurlio Sculo XXI: o dicionrio da lngua portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1999.

    FIORIN, Luiz Jos et al. Introduo lingustica. So Paulo: Ed. Contexto, 2002.

    LANGACKER, Roland W. A linguagem e sua estrutura. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 1972.

    ORLANDI, Eni Pulcinelli. O que lingustica. So Paulo: Ed. Brasiliense, 2003.

    REVISTA LINGUAGEM EM (DIS)CURSO. v. 4, n. 2, jan./jun. 2004.

    SANTOS, Raquel. A aquisio da linguagem. In: FIORIN, Luiz Jos et al. Introduo lingustica. v. 1. So Paulo: Ed. Contexto, 2002.

    SKINNER, B. F. Verbal behavior. New York: Appleton Century Crofts, 1957.

    TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramtica e interao: uma proposta para o ensino de gramtica no 1 e 2 graus. 6 ed. So Paulo: Cortez Editora, 2001.

    http://www.behaviorismo.psc.br

    http:/en.wikipedia.org

  • 27

    O enigma de Kaspar Hauser

    Ttulo original: Jeder Fur Sich und Gott Gegen Alle (Alemanha, 1974)

    Diretor: Werner Herzog

    Elenco: Bruno S., Walter Ladengast, Brigitte Mira, Michael Kroecher, Hans Musaeus, Willy Semmelrogge e Florian Fricke.

    Gnero:Drama

    Durao: 109 minutos

    Sinopse: Em 1828, em Nuremberg, o misterioso jovem Kaspar Hauser deixado em uma praa, aps passar toda a vida trancado em uma torre (supe-se que tivesse origem nobre e que havia sido escondido por problemas de sucesso ou bastardia). Aos poucos, ele tenta se integrar sociedade e entender sua complexidade.

    Nell

    Ttulo Original: Nell (EUA, 1994)

    Diretor: Michael Apted

    Elenco: Jodie Foster, Liam Neeson, Natasha Richardson, Richard Libertini, Nick Searcy, Robin Mullins, Jeremy Davies, O'Neal Compton, Sean Bridgers e Joe Inscoe.

    Gnero: Drama

    Durao: 115 minutos

    Sinopse: Uma jovem (Jodie Foster) encontrada em uma casa na floresta, onde vivia com sua me eremita, mas o mdico (Liam Neeson) que a encontra aps a morte da me constata que ela se expressa em um dialeto prprio, evidenciando que at aquele momento ela no havia tido contado com outras pessoas. Intrigado com a descoberta e ao mesmo tempo encantado com a inocncia e a pureza da moa, ele tenta ajud-la a se integrar na sociedade.

    Fonte: www.festival-larochelle.org

    Fonte: www.interfilmes.com

    Figura 10: cena do filme Nell

    Figura 9: cena do filme O Enigma de Kaspar Houser

    Introduo lingustica UAB/Unimontes

    VDEOS SUGERIDOS PARA DEBATE

  • Essa a segunda unidade desse Caderno Didtico. O objetivo principal que continue a conhecer as questes bsicas de linguagem e discuti-las ampliando seus conhecimentos. Agora, lidaremos com as noes de lingustica (objeto de estudo, objetivos, mtodo e componentes gramaticais de investigao), Semiologia e as diferenas entre essas duas cincias. Tambm, distinguiremos Gramtica Tradicional de lingustica, algo importante de se estabelecer nesse segundo momento de estudo.

    Essa segunda unidade, lingustica, foi organizada com as seguintes subunidades:

    2.2 O que lingustica e o que Semiologia/Semitica

    2.3 lingustica versus Gramtica Tradicional

    2.4 Objeto de estudo, objetivo e mtodo investigativo da lingustica

    2.5 lingustica e componentes da gramtica

    2.5.1 Fontica

    2.5.2 Fonologia

    2.5.3 Morfologia

    2.5.4 Sintaxe

    2.5.5 Semntica

    2.5.6 Lexicologia

    Ateno:

    No se esquea de que as questes sugeridas junto ao texto so fundamentais para a sua compreenso!

    Continuemos a leitura.

    2.1 O QUE LINGUSTICA E O QUE SEMIOLOGIA/SEMITICA

    At ento, discutimos lingustica, especificamente, linguagem e noes de gramtica; mas, para que continuemos, fazem-se necessrias a delimitao da lingustica e a nfase a seus pressupostos bsicos.

    O que lingustica? Bem, a resposta a essa pergunta no muito tranquila se voc responder que uma cincia que investiga a linguagem.

    Por que no uma resposta tranquila? Pelo simples fato de termos linguagem verbal (pautada na palavra) e linguagem no-verbal (pautada em outros sistemas de comunicao que no o da palavra) conforme visto na unidade 1, subunidade O que linguagem.

    28

    2UNIDADE 2LINGUSTICA

    Figura 11: Ferdinand Saussure.Fonte: http://en.wikipedia.org

  • A resposta a essa indagao que a lingustica uma cincia que investiga a linguagem verbal humana apenas um dos tipos de linguagem que podemos usar em um ato de comunicao.

    Essa resposta poderia nos conduzir a um outro questionamento: H uma cincia que trataria da linguagem no-verbal?

    Bem, na verdade, temos uma outra cincia de amplitude maior que estuda qualquer sistema de comunicao, tanto a linguagem verbal quanto a no-verbal. Segundo Ferdinand Saussure, denomina-se Semiologia; segundo Sanders Pierce, Semitica.

    Pelo fato de a lingustica tratar apenas da linguagem verbal, em razo de ser o sistema de comunicao mais bem desenvolvido e de maior uso, podemos considerar que a lingustica est inserida na Semiologia/Semitica.

    2.2 LINGUSTICA VERSUS GRAMTICA TRADICIONAL

    Pelo que j foi abordado, podemos considerar que lingustica e Gramtica Tradicional (GT) so sinnimas?

    Esse seria um questionamento possvel de ser formulado por iniciantes nessa rea a um docente em razo do peso da tradio da gramtica tradicional.

    Mas, a resposta do professor seria no. Por qu?

    Porque a Gramtica Tradicional (retomar subunidade Noes e tipos de gramtica) corresponde a um manual que descreve as regras da lngua que devem

    ser seguidas pelos seus usurios, tanto para fala quanto para escrita em razo de no diferenciar essas duas modalidades, mas considerar a escrita modelo.

    Essa gramtica difundiu falsos conceitos e at preconceitos a respeito da linguagem.

    Que falsos conceitos seriam esses?

    ?A difuso de que h uma variedade da lngua melhor do que a outra (privilegia-se o falar do grupo social de prestgio em detrimento dos demais grupos);

    ?A considerao de que a lngua escrita o modelo para a lngua falada (segundo essa gramtica, a fala deve espelhar a escrita);

    ?O fato de propor que h lnguas mais lgicas, mais ricas e melhores que outras (lnguas clssicas);

    ?A noo de que h lnguas mais evoludas que outras, consideradas primitivas.

    Alm de preconceitos inmeros, vejamos apenas dois:

    Figura 12: CharlesSanders Pierce.Fonte: http://en.wikipedia.org

    29

    Voc j refletiu sobre o fato de que nem sempre voc segue as regras que a GT

    impe? Analise uma regra sinttica da GT (colocao dos pronomes tonos, uso

    do pronome voc, concordncia/regncia verbal, por exemplo) e

    compare-a com o uso que voc faz da lngua.

    Introduo lingustica UAB/Unimontes

    PARA REFLETIR

  • 30

    ?O indivduo que no usa as regras que a gramtica tradicional prescreve fala/escreve errado;

    ?O indivduo que no segue a GT inferior em relao a quem a segue...

    Essas falsas noes so desmistificadas pela lingustica, segundo Petter (in FIORIN, 2002), sabe por qu? Porque a lingustica, cincia que investiga a linguagem verbal humana, de qualquer lngua indistintamente, no est interessada em propor regras lingusticas para os indivduos seguirem, em que muitas em nada correspondem ao uso. A lingustica, em suas pesquisas, busca descrever/explicar as regras utilizadas naturalmente pelos falantes de uma lngua (gramtica descritiva) e revela-nos outros resultados. Em primeiro lugar, no h uma variedade da lngua melhor que a outra, h diferentes maneiras de se expressar em uma mesma lngua; a lngua escrita, tambm, no pode ser modelo para a fala, em razo de a fala preceder a escrita e de suas organizaes e usos serem diferentes; no se tem lnguas mais evoludas que outras, pois as lnguas possuem os recursos necessrios para que seus falantes estabeleam comunicao; tambm, no h fala/escrita erradas apenas pelo fato de no seguirem a GT nem seu usurio inferior. Em razo disso, na verdade, deve-se pensar em noes de adequaes de uso da lngua a contextos situaes comunicativas variadas.

    Por exemplo, imagine-se escrevendo um convite para uma festa junina seguindo as regras da gramtica normativa. O convite ficaria descaracterizado. Nesse contexto, seria inadequado aplicar as regras da GT, pois o adequado seria escrever aproximando-o de uma linguagem caipira, ou seja, desobedecendo a regras impostas. Vejamos os exemplos que se seguem:

    Letras/Portugus Caderno Didtico II - 2 Perodo

    Figura 13: Modelo de convite de festa junina

    Joo Victor,Voismic t cunvidadu pruma festana nu arrai du Gerardo nu dia 18 di novembru s 20h casa du tiu Pedru.

    Vai t miu verdi, canjica, bolu,

    aminduim i quento. Num

    dexi di vim.

  • Consulte, em uma biblioteca, uma gramtica

    normativa e anlise as partes de que constituda.

    Faa um relato da abordagem feita em cada

    uma de suas sees e compare com os

    componentes gramaticais abordados pela lingustica.

    31

    Esses dois modelos de textos esto adequados para o que se prope, aos seus receptores e contexto comunicativo, apesar de apenas o modelo de memorando seguir as regras impostas pela gramtica normativa modelo tido por ela como correto.

    2.3 OBJETO DE ESTUDO, OBJETIVO E MTODO INVESTIGATIVO DA lingustica

    Como toda cincia, qual o objeto, objetivo e mtodo investigativo da lingustica?

    O objeto de estudo da lingustica a linguagem verbal humana (oral ou escrita), a qual observa com a finalidade de descrever e explicar os princpios fundamentais que a regem, atravs da anlise de sua estrutura e funcionamento.

    Em vista disso, a lingustica definiu seu mtodo de investigao: em uma dada pesquisa, o estudioso baseia suas descobertas na observao dos fatos lingusticos (dados da realidade) os quais devem ser analisados por meio de uma teoria e de experimentaes adequadas (MARTELOTTA, 2008).

    2.4 LINGUSTICA E COMPONENTES DA GRAMTICA

    Em razo de a lingustica almejar descrever/explicar as regras utilizadas naturalmente pelos falantes de uma lngua, suas investigaes, geralmente, por questo de restrio, equacionamento da complexidade da lngua, pautam-se em um ou outro aspecto lingustico. O que isso quer dizer, professor?

    Quer dizer que, em uma investigao, se pode observar a linguagem verbal sob aspectos diferentes. Isso porque a gramtica de uma lngua constituda de nveis: fontico/fonolgico, morfolgico, sinttico e semntico. Da a lingustica ser constituda de partes para enfocar cada um dos componentes de uma gramtica: Fontica e Fonologia, Morfologia,

    UNIVERSIDADE DE SO PEDRO

    Montes Claros, 29 de julho de 2008.

    Memorando n 24/ED

    Aos

    Srs.

    professores

    Assunto: Convocao

    Convocamo-los

    para uma reunio no dia vinte de nov embro de dois mil e oito, s dezenove horas ,

    na

    Universidade de So Pedro.

    Atenciosamente,

    Joo de Melo

    Chefe de Departamento

    Figura 14: Modelo de memorando

    Voc fez a reflexo e anlise solicitadas? Agora,

    faa uma pesquisa on-line e verifique o que a lingustica

    aborda sobre o assunto escolhido e comente-o.

    Introduo lingustica UAB/Unimontes

    DICAS

    ATIVIDADES

  • 32

    Sintaxe e Semntica, os quais sero descritos nas prximas subunidades, alm de abordar outros domnios (como a Lexicologia, por exemplo).

    Mas vale lembrar as palavras de Nida (1970): nenhuma parte de uma lngua pode ser descrita adequadamente sem referncia a todas as outras partes. Ou seja, seus componentes gramaticais articulam-se, pois so interdependentes.

    2.4.1 Fontica

    A Fontica o ramo da lingustica que trata dos sons da fala (parte fsica e fisiolgica do sistema sonoro), denominados de fone, cujas finalidades so: descrever o caminho percorrido pela corrente de ar na produo dos sons articulados de uma lngua, como esses sons so produzidos, sua propagao no espao e percepo do ouvinte em relao ao som articulado emitido pelo falante. Em decorrncia de investigar os sons isoladamente, a Fontica mostra-nos as variaes sonoras que uma lngua pode apresentar. Por exemplo:

    2.4.2 Fonologia

    A Fonologia o ramo da lingustica, interdependente da Fontica, que trata dos sons da lngua (fonema), parte psquica do sistema sonoro e se preocupa com a funcionalidade e organizao desses sons em sistemas. Chamamos os sons da lngua de funcionais. Por qu? Porque tm capacidade de, a partir de sons diferentes, gerarem significados distintos.

    A partir da tcnica do par mnimo, que equivale a um par de palavras que apresenta apenas uma diferena sonora em cada uma de suas palavras (essa diferena sonora deve estar na mesma posio do contexto e, a tonicidade das palavras deve ser a mesma), podemos analisar se os sons distintos que aparecerem nesse par mnimo so funcionais ou no, ou seja, se geram significados diferentes ou no. Por exemplo: o par mnimo mesada

    e melada nos permite afirmar que os sons e so fonemas (sons funcionais) em razo de gerarem significados diferentes entre as palavras. As finalidades da Fonologia so: distinguir significaes atravs de sons diferentes, descrever as combinaes de fonemas possveis em uma dada lngua e inventariar o sistema fonolgico os sons que tm funcionalidade (vogais, consoantes e semivogais).

    2.4.3 Morfologia

    A Morfologia o ramo da lingustica que trata das formas das palavras. Mas o que seria a forma de uma palavra? Bem... Seria seu aspecto,

    Fone: sinnimo de som da fala, corresponde parte fsica e fisiolgica do sistema sonoro, ou seja, a realizao dos sons de uma lngua.

    Fonema: sinnimo de som da lngua (unidade mnima distintiva), corresponde parte psquica (abstrata) do sistema sonoro. Esses sons so chamados de funcionais porque, a partir de pares mnimos, geram significados distintos.

    Letras/Portugus Caderno Didtico II - 2 Perodo

    CA

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    FEGGLOSSRIO

  • 33

    com a abstrao de seu sentido e funo (MONTEIRO, 2002). Ou melhor, a morfologia lida com a anlise da estrutura interna das palavras, enfocando os morfemas, sua distribuio, variantes e classificao, conforme seu ambiente e ordem de ocorrncia, alm dos processos de formao de palavras e categorias gramaticais (LAROCA, 2005).

    Possui um objeto mnimo de anlise: as unidades mnimas significativas (morfemas) e um objeto mximo, a palavra.

    2.4.4 Sintaxe

    Como mais um ramo da lingustica, a Sintaxe volta-se para a anlise das relaes entre as palavras e das relaes entre as oraes que compem um dado perodo. Os processos sequencial (coordenao) e sintagmtico (subordinao) so apenas alguns aspectos que aqui so tratados, alm da correlao, entre outros.

    2.4.5 Semntica

    Segundo Perini (2004), a Semntica outro ramo da lingustica responsvel por analisar o significado das formas lingusticas, cuja interpretao depreendida somente da estrutura formal da lngua, ou seja, est ligada sua estrutura morfossinttica, o que desconsidera os fatores ligados ao contexto comunicativo, conhecimento prvio, intenes do falante, etc. Esse tipo de anlise semntica preocupa-se com o significado literal das palavras atravs de regras semnticas.

    2.4.6 Lexicologia

    Por fim, dentro de nossa estratgia de abordar primeiramente apenas os componentes de uma gramtica (etapa j cumprida e encerrada na seo acima), faremos referncia, agora, a um ramo da lingustica que se distingue da gramtica propriamente dita: a Lexicologia, que analisa o significado individual dos itens lexicais. Mas isso no seria o que a semntica faz? No. Mas por qu?

    Porque a Semntica, conforme Perini (2004), analisa o significado das palavras relacionando-o s funes morfossintticas exercidas pelas palavras numa frase. A Lexicologia no, trata o significado desvinculado da frase os itens semnticos de uma palavra.

    Mas, ento, como seria isso?

    Vejamos a frase: Joo feriu Maria.

    Numa anlise luz da Semntica, as suas regras especificam que, nessa frase, a palavra Joo agente da ao e Maria paciente; porm esses

    Morfema: unidade mnima significativa objeto

    mnimo de anlise da Morfologia.

    Sintagma: numa noo saussuriana, esse termo

    nomeia a relao entre dois elementos consecutivos,

    estando um elemento subordinado (dependente) a

    um outro (principal).

    Sequncia: termo utilizado para nomear a relao de

    coordenao entre elementos consecutivos.

    Correlao: construo sinttica de duas partes

    relacionadas de tal maneira que a enunciao da

    primeira prepara a enunciao da segunda

    (GARCIA, 2000).

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    significados esto relacionados funo morfossinttica que exercem nessa frase: sujeito e objeto direto, respectivamente.

    Basta uma inverso dessa frase: Maria feriu Joo e teremos os mesmos itens lexicais, porm com funes morfossintticas diferentes, o que desencadear significados diferentes para cada um. Agora, Maria o agente e Joo, paciente, em razo de serem agora sujeito e objeto direto, respectivamente.

    Porm, numa anlise luz da Lexicologia, os itens lexicais Maria, feriu e Joo tero sempre os mesmos traos semnticos, por exemplo:

    Maria: nome de um ser humano, feminino, + animado, + concreto.

    Joo: nome de um ser humano, masculino, + animado, + concreto.

    Feriu: item lexical que indica ao.

    Alm dos componentes gramaticais e da Lexicologia, descritos em lingustica: componentes da gramtica, a lingustica possui outros domnios de estudos que, por causa de suas especificidades, sero vistos na Unidade 3.

    FIORIN, Luiz Jos et al. Introduo lingustica. So Paulo: Ed. Contexto, 2002.

    GARCIA, Othon M. Comunicao em prosa moderna. 19 ed. Rio de Janeiro: UGV, 2000.

    LAROCA, Maria Nazar de Carvalho. Manual de morfologia do portugus. Campinas: Ed. Pontes, 2005.

    MARTELOTTA, Mrio Eduardo et al. Manual de lingustica. So Paulo: Ed. Contexto, 2008.

    MONTEIRO, Jos Lemos. Morfologia portuguesa. 4 ed. Campinas: Pontes, 2002.

    NIDA, Eugne A. Morfology: the descriptive analysis of words. 2 ed. Ann Arbor, The University of Michigan Press, 1970.

    PERINI, Mrio Alberto. Gramtica descritiva do portugus. 4 ed. So Paulo: Ed. tica, 2004.

    PETTER, Margarida. Linguagem lngua, fala. In: FIORIN, Luiz Jos et al. Introduo lingustica. v. 1. So Paulo: Ed. Contexto, 2002.

    http://en.wikipedia.org

    REFERNCIAS

    Letras/Portugus Caderno Didtico II - 2 Perodo

  • 35

    Esta a terceira unidade desse Caderno Didtico cujo objetivo principal oferecer uma viso panormica da histria da lingustica. Para tanto, torna-se necessrio, antes de tudo, coloc-la no seu contexto histrico, a fim de que saibamos quais os motivos e intuies do passado serviram de bases a teorias e orientaes atuais e possamos formular uma srie de propostas satisfatrias a respeito do que seja linguagem.

    Um exame, mesmo superficial da histria da lingustica, demonstra que, se, por um lado, ela se desenvolveu metodologicamente sombra de outras disciplinas, por outro lado, procurar a natureza subjacente das lnguas sempre esteve no centro das preocupaes dos linguistas.

    Salientamos que nosso enfoque so as investigaes lingusticas no Ocidente, de Plato s propostas do sculo XX. Faremos referncia a poucas investigaes lingusticas ocorridas no Oriente, apenas quelas que interferiram no pensamento ocidental.

    Essa terceira unidade, Histria Ocidental da lingustica (sculo IV a.C ao sculo XX) foi organizada com as seguintes subunidades:

    3.1 Na antiguidade

    3.1.1 Na ndia

    3.1.2 Na Grcia antiga

    3.1.2.1 No perodo alexandrino

    3.1.3 Em Roma

    3.2 Na Idade Mdia

    3.3 Da Renascena ao fim do sculo XVIII

    3.4 A lingustica no sculo XIX

    3.5 A lingustica no sculo XX

    3.5.1 Estruturalismo

    3.5.1.1 Estruturalismo europeu

    3.5.1.1.1 Estruturalismo funcionalista

    3.5.1.2 Estruturalismo norte-americano

    3.5.2 Gerativismo

    3.5.3 Guinada pragmtica: linguagem e ao

    3.5.3.1 Funcionalismo

    3.5.3.1.1 Funcionalismo norte-americano

    3.5.3.2 Teoria da enunciao

    3.5.3.3 Semntica argumentativa

    3.5.3.4 Teoria dos atos de fala

    3.5.3.5 Teoria da atividade verbal

    3UNIDADE 3HISTRIA OCIDENTAL DA LINGUSTICA (SCULO IV A.C AO SCULO XX)

  • 36

    3.5.3.6 Pragmtica conversacional de Grice

    3.5.3.7 lingustica do texto

    3.5.3.8 Anlise da conversao

    3.5.3.9 Anlise do discurso

    3.5.3.10 Sociolingustica: variao e mudana

    3.5.3.11 Psicolingustica

    3.5.3.12 Neurolingustica

    Ateno:

    No se esquea de que as questes sugeridas junto ao texto so fundamentais para a sua compreenso!

    Continuemos nosso estudo.

    3.1 NA ANTIGUIDADE

    3.1.1 Na ndia

    Segundo Leroy (1971, p. 16), os hindus povos da civilizao oriental , por razes religiosas, foram os primeiros povos levados a estudar sua lngua. Preocuparam-se com os textos sagrados, reunidos no Veda, pois no queriam que sofressem alterao alguma no momento de serem cantados ou recitados durante os sacrilgios. Depois, os gramticos dos quais o mais clebre Panini (sculo IV a.C) dedicaram-se ao estudo do valor e do emprstimo das palavras e fizeram de sua lngua, com preciso e mincias admirveis, descries fonticas que so consideradas modelo no gnero. Por muito tempo esquecidas, foram elas descobertas pelos sbios ocidentais nos fins do sculo XVIII e constituram, como veremos ainda nessa unidade, o ponto de partida indispensvel criao da gramtica comparada.

    Na esteira de Laroca (2005, p.12), a descoberta do snscrito possibilitou aos estudiosos reconhecer a estrutura interna das palavras, depreendendo unidades mnimas como razes e afixos. Ademais, cumpre ressaltar que os estudos hindus eram puramente estticos, relativos apenas ao snscrito, efetuados por homens totalmente desprovidos de senso histrico, pois limitavam-se a classificar os fatos sem procurar-lhes a explicao.

    3.1.2 Na Grcia antiga

    Se, por um lado, os gregos civilizao ocidental no deixaram de sua lngua nenhuma descrio comparvel dos hindus, por outro,

    Dizem os historiadores que existiu, h uns 15.000 ou 20.000 anos, uma civilizao muito desenvolvida no vale do Rio Sarasvati e, posteriormente, no vale do Rio Hindus (ndia). Ali o bero da tradio dos Vedas com seus rituais, mantras e dilogos entre mestres e discpulos sobre o conhecimento do Ser Absoluto. A mais antiga evidncia que se possui do snscrito (lngua sagrada da ndia) o Rig Veda. Dessa lngua Rig Veda h um desenvolvimento at o snscrito clssico, conhecido e usado hoje sem sofrer qualquer mudana. Isso devido a gramticos como Panini, que escreveu um tratado da lngua snscrita chamado Ashtadhyayi, constitudo de oito captulos, cada um dividido em quatro partes. Infelizmente, mesmo na ndia, o snscrito raramente usado como um meio dirio de comunicao. No entanto, alguns grupos tm tentado reviver o snscrito como uma lngua falada.

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    DICAS

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    estudaram sua prpria lngua com muita ateno, no s no plano esttico (os procedimentos de estilo), mas tambm no plano filosfico (adequao da linguagem ao pensamento). Nessa medida, esse ltimo ponto de vista (sobre o qual falaremos nessa seo) interessa-nos particularmente, pois tais especulaes dos antigos constituem, em boa parte, o ponto de partida do pensamento lingustico moderno tanto nos seus desacertos como nos rumos de seus xitos, conforme veremos ao longo dessa unidade.

    As primeiras discusses dos filsofos gregos sobre a linguagem centravam-se no problema da relao entre o pensamento e a palavra, isto , discutiam se o que regia a lngua era a natureza ou a conveno. Essa oposio da natureza e da conveno era um lugar-comum da especulao filosfica. Dizer que uma determinada instituio era natural equivalia a dizer que tinha sua origem em princpios eternos e imutveis fora do prprio homem, e era por isso inviolvel; convencional equivalia a dizer que era o mero resultado do costume e da tradio, isto , de algum acordo tcito, ou contrato social, entre os membros da comunidade contrato que, por ter sido feito pelos homens, podia ser violado por eles mesmos.

    A palavra gramtica, no sentido amplo de sistematizao dos fatos de uma lngua (MELO, 1972, p. 7), comeou a ser empregada no mundo ocidental a partir de Aristteles:

    il faut se rappeller que les premires observations sur le langage furente faites par les sophistes l'occasion de la critique d'Homre. Ce n'est qu'aprs Aristteles que la grammaire se constitua em science independante (HARDY, 1984, p.10).

    Os sofistas (sculo V - IV a. C) tiveram da linguagem uma viso predominante utilitarista: eram professores de retrica e viam nas palavras, acima de tudo, um instrumento de persuaso; no lhes interessou um estudo aprofundado dos problemas da lngua nem uma sistematizao dos fatos lingusticos.

    J em Plato, filsofo grego, no sculo V a. C, podemos encontrar reflexes sobre a linguagem, questo central na poca, nos dilogos

    conhecidos como Crtilo. Nesses dilogos, tomavam como parte trs interlocutores Crti lo, Hermgenes e Scrates , representando cada qual um ponto de vista a respeito da denominao ou designao, isto , da relao existente entre o nome, a ideia e a coisa.

    A indagao central estava baseada na existncia ou no da relao de similaridade entre a forma (cdigo lingustico) e o sentido por ela expresso. Para Crtilo, a lngua o espelho do mundo, o que significa que existe uma

    relao natural e, portanto, similar entre os elementos da lngua e os seres

    Na antiguidade, os termos lngua e linguagem eram

    empregados indistintamente.

    Traduo da citao em francs ao lado: preciso

    lembrar-se de que as primeiras observaes sobre

    a linguagem foram feitas pelos sofistas no momento

    em que criticaram Homero. Somente aps Aristteles, a

    gramtica constituiu-se como uma cincia

    independente (HARDY, 1984, p. 10).

    Figura 15: PlatoFonte: http://en.wikipedia.org

    Sofistas: contemporneos de Scrates que chamavam a si a profisso de ensinar a

    sabedoria e a habilidade (FERREIRA, 1999).

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    por eles representados. Para Hermgenes, a lngua arbitrria, isto , convencional, pois entre o nome e as ideias ou as coisas designadas no h transparncia ou similaridade. Scrates, por sua vez, tem o papel de fazer a integrao entre os dois pontos de vista.

    Enquanto Aristteles (sculo IV a.C.) levou mais longe a preocupao com a linguagem, embora no tenha escrito obras que tratem especificamente desse assunto; sua doutrina lingustica encontra-se esparsa em vrios de seus tratados.

    Aristteles, em seus tratados de lgica, cujo conjunto recebeu a denominao de Organon, destaca um fato eminentemente humano que o exerccio da linguagem, nas palavras de Neves (1987, p. 61). O Organon inclui vrios captulos, entre os quais destacamos o captulo I (Categorias) e os captulos II, III e IV (Sobre a Interpretao). Nesse contexto, Aristteles aborda, logo de incio, sinnimos, homnimos e parnimos (Categorias, cap. I); mais alm, define o nome, verbo, o discurso (Sobre a Interpretao, cap. II-IV). Na sua obra Potica (cap. XX-XXII), da qual restou apenas fragmentos, esboa uma classificao das palavras, incluindo, alm do nome, do verbo e dos artigos, conectivo, articulao e frase (cap. XX) e a metfora (cap. XXII). na obra Poltica, que um conjunto de oito livros que no apresentam encadeamento lgico rigoroso, no Livro I, captulo II, que vai ser explicitada a natureza da linguagem. Para Aristteles, o animal poltico liga-se necessariamente faculdade humana de falar, pois sem linguagem no haveria sociedade poltica. O homem um animal poltico mais do que as abelhas ou os outros animais gregrios. A natureza no faz nada em vo e, entre os animais, o homem o nico que ela dotou de linguagem (NEVES, 1987, p. 62). Em outras palavras: a linguagem est no homem suscitada pela vocao de animal poltico e operada pela sua natureza, a fim de que essa vocao se possa cumprir. Assim sendo, a base para as sociedades a possibilidade de comunicao. S a voz articulada, a palavra humana, tem um sentido, o qual dado pela faculdade exclusivamente humana.

    No campo da lgica, Aristteles estabelece as categorias, que constituem uma classificao de ideias humanas: a substncia, a quantidade, a qualidade, a relao, o lugar, o tempo, a posio, o estado, atividade, a passividade (ARISTTELES, Categorias, cap. IV). Esses so, segundo ele, os dez gneros ou ideias universais em que se encerram todos os seres contingentes. Aristteles apresenta assim a totalidade dos predicados que se podem afirmar do ser (BENVENISTE, 2005, p. 71). Aps isso, seus segu idores fo ram, aos poucos , estabelecendo as chamadas categorias

    Para Aristteles, a lgica no seria parte integrante da cincia e da filosofia, mas apenas um instrumento (Organon) que elas utilizam em sua construo.

    Figura 16: AristtelesFonte: http://en.wikipedia.org

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    gramaticais (no sentido de partes do discurso): nome (substantivo e adjetivo), verbo, etc.

    Outra importante contribuio de Aristteles para os estudos gramaticais foi estabelecer, na lgica (Categorias, cap. II), o conceito de sujeito e predicado, elementos fundamentais em todo raciocnio e na orao.

    Alm disso, o mtodo que seria adotado pela chamada gramtica tradicional foi inaugurado por Aristteles: a partir dele, segundo Neves,

    aparece a definio das partes do discurso. Seu procedimento geral de investigao, que se baseia na definio e nas classificaes, aplica-se tambm s formas de expresso e caracteriza, a partir da, a apresentao das entidades da linguagem. Mais tarde, a gramtica alexandrina vai estruturar-se sobre o procedimento de classificaes e definies e, do mesmo modo, vai-se ver, pelo tempo afora assim apresentarem-se tambm as gramticas ocidentais (NEVES, 1987, p. 207).

    Partindo, pois, de Aristteles, os esticos (cuja escola data do sculo III a.C.) comearam a organizar a gramtica no sentido de estudo sistemtico da lngua, escrevendo obras especificamente gramaticais, em que trataram de fontica, de morfologia e de sintaxe; deles, porm, s nos chegaram notcias de fragmentos. Entre os esticos que trataram de questes lingusticas, temos Crates de Malo, que esteve em Roma em meados do sculo II a.C., e, com suas palestras, deu o primeiro impulso aos estudos sistemticos dos romanos no campo da lngua.

    Lobato (1986, p. 78) ressalta o fato de que, ainda que os esticos tenham se dedicado ao estudo de questes gramaticais, eles no se interessaram pela lngua em si mesma, o que coincide com o pensamento dos filsofos, visto que percebiam a lngua como a expresso do pensamento e dos sentimentos. Essa a caracterstica compartilhada com os estudiosos do perodo anterior: todos desenvolveram o estudo sobre a lngua no mbito de pesquisas filosficas ou lgicas.

    3.1.2.1 No Perodo Alexandrino

    Maior importncia para a evoluo dos estudos gramaticais tiveram os alexandrinos que (tambm a partir do sculo III a.C.) ocuparam-se desse assunto: as alteraes introduzidas pelos sbios alexandrinos nas doutrinas dos esticos que deram gramtica a forma com que, posteriormente, chegou aos romanos e, atravs destes, tradio europia. A sistematizao da gramtica efetuou-se no perodo alexandrino sob o influxo das condies polticas e culturais da poca: a extenso do imprio criado por Alexandre motivou o surgimento de uma discrepncia cada vez maior entre a lngua grega culta e a lngua corrente, que se contaminou com barbarismos devido introduo de povos diversos na comunidade cultural helnica; o estudo

    As obras de Aristteles foram elaboradas para um

    auditrio de discpulos, sendo apresentadas sob a

    forma de pequenos tratados.

    Esticos: seguidores das doutrinas dos filsofos

    gregos Zeno de Ccio (340-264) e seus seguidores Cleanto (sc. III a.C.),

    Crisipo (280 208) e os romanos Epicteto (c.55 c.

    135) e Marco Aurlio (121 180), caracterizadas

    sobretudo pela considerao do problema

    moral, constituindo, atravs do equilbrio e moderao

    na escolha dos prazeres sensveis e espirituais, o

    ideal do sbio (FERREIRA, 1999).

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    da gramtica foi um meio de preservar a lngua como expresso de valores da cultura que os gregos desejavam conservar.

    Segundo Lyons (1979, p. 9), cumpre ressaltar o fato de que, com o estabelecimento da grande biblioteca da colnia grega de Alexandria, no incio do sc. III a. C, essa cidade tornou-se o centro de intensa pesquisa literria e lingustica. Os manuscritos dos autores antigos, em particular os que traziam o texto dos poemas homricos, encontravam-se bastante corrompidos. Comparando diferentes manuscritos das mesmas obras, os fillogos alexandrinos dos sculos III e II a. C procuraram restaurar o texto original e escolher, entre os trabalhos, os genunos e os esprios. Porque a lngua dos textos clssicos diferia, em muitos aspectos, do grego contemporneo de Alexandria, desenvolveu-se a prtica de publicar comentrios de textos e tratados de gramtica para elucidar as vrias dificuldades que poderiam perturbar o leitor dos antigos poetas gregos. A admirao pelas grandes obras literrias do passado encorajou a crena de que a prpria lngua na qual elas tinham sido escritas era em si mais pura, mais correta do que a fala coloquial corrente de Alexandria e de outros centros helnicos. Assim, as gramticas escritas pelos filsofos helenistas tinham dupla finalidade: combinavam a inteno de estabelecer e explicar a lngua dos autores clssicos com o desejo de preservar o grego da corrupo por parte dos ignorantes e dos iletrados. Essa abordagem do estudo da lngua cultivada pelo classicismo alexandrino envolvia dois erros fatais de concepo, os quais figuram como os erros clssicos no estudo da lngua.

    Ora, o primeiro se refere ao fato de que a cultura lingustica grega valorizou a escrita em detrimento da fala. Quando se percebia diferenas entre a lngua falada e a escrita, havia uma grande tendncia em considerar a segunda como principal (independente) e a primeira como derivada (dependente), o que era reforado pelo interesse do povo alexandrino pela literatura.

    J o segundo erro era a suposio de que a lngua dos escritores do sculo V a. C era mais bem elaborada do que a fala coloquial; e, em geral, a deduo de que so as pessoas cultas que mantm o uso correto da lngua.

    Um dos sbios alexandrinos, Dionsio da Trcia, que viveu entre os sculos II e I a. C., o autor da primeira descrio explcita da lngua grega, contida num breve estudo intitulado Tchne Grammatik (A Arte da Gramtica). A grande contribuio de Dionsio para os estudos gramaticais foi fixar as classes de palavras, que, para ele, so oito: nome, verbo, particpio, artigo, pronome, preposio, advrbio e conjuno. Os esticos haviam reconhecido apenas o nome (que distribuam, alis, em duas classes, a dos nomes prprios e a dos nomes comuns), o verbo, a conjuno, o artigo e o advrbio. Em verdade, nas primeiras classificaes feitas na Grcia (ou seja, na de Plato, de Aristteles e dos esticos), as palavras so encaradas no em si, mas como partes do discurso. A fixao dessas palavras importante para o desenvolvimento dos estudos gramaticais, pois:

    Anomalistas: gramticos gregos que insistiam na importncia das irregularidades na lngua grega. Para eles, a gramtica concebida como um conjunto de excees.Analogistas: gramticos gregos que discutiam a importncia das regularidades no estudo dos fenmenos lingusticos. Enquanto os analogistas afirmavam que a lngua fundamentalmente regular e excepcionalmente irregular, os anomalistas defendiam a tese contrria.

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    especialmente na classificao das palavras partes do discurso que podemos apontar a construo de um sistema gramatical porque (...) exatamente nesse campo que a gramtica tem condies de mostrar um tratamento diferente, em natureza, do tratamento filosfico (NEVES, 1987, p. 201-202).

    Os filsofos classificaram as partes do discurso com um critrio nocional, isto , com base na significao. Em Dionsio, esse critrio ocasional, sendo muito mais importante o critrio da forma (flexo). Nesse sentido, as partes do discurso passam a ser encaradas como classes de palavras: a gramtica separa-se da filosofia e se estabelece como disciplina independente.

    Segundo Dionsio, a gramtica o conhecimento prtico do uso da lngua, baseado no estudo dos bons escritores; utiliza, pois, o mtodo emprico, fundamentando-se nas observaes dos fatos da lngua.

    A obra de Dionsio serviu de base para a elaborao de gramticas latinas at o sculo XIII e, atravs destas, influenciou tambm as gramticas de diversas lnguas modernas da Europa.

    3.1.3 Em Roma

    Em Roma, os estudos gramaticais consistiram, em grande parte, na aplicao da terminologia grega lngua latina. Destaca-se, porm, pela originalidade, o gramtico Marco Terncio Varro (sc. I a.C.), autor de um tratado intitulado De Lngua Latina; esta a mais antiga obra gramatical romana da qual nos resta algo mais que fragmentos: dos vinte e cinco livros que a compunham, seis chegaram at ns mais ou menos completos e permitem ver que o autor elaborou toda uma teoria gramatical, procurando conciliar as ideias dos estudiosos gregos que o precederam. Varro aceita que a lngua tenha irregularidades, mas, por outro lado, esboa uma teoria normativa. Define gramtica como o estudo sistemtico do uso dos poetas, historiadores e oradores, o que quase uma cpia da definio de Dionsio; mas, ao classificar as palavras, mostra-se original: distingue entre palavras variveis e invariveis e as divide em cinco classes (o nome, o verbo, o particpio, a conjuno e o advrbio). Apresenta, ainda, um estudo sobre flexo do nome, as vozes e os tempos do verbo. Contudo, Varro teve menor influncia sobre os estudos lingusticos do perodo medieval do que os outros autores sem originalidade, que apenas adaptaram o latim s teorias de Dionsio; entre estes, interessa-nos o gramtico Prisciano.

    Desse autor, que viveu entre os sculos V e VI d. C., chegou-nos uma obra intitulada Institutiones Grammaticae, na qual transps para o latim as classes de palavras estabelecidas por Dionsio; excluiu o artigo, inexistente em latim, acrescentou a interjeio e usou termos latinos em vez dos gregos: nomem (classe que compreende o substantivo e o adjetivo), verbum, participium, pronomem, adverbium, praepositio, interjectio e conjunctio

    Mtodo emprico: mtodo baseado na experincia,

    discordando da noo de ideias inatas.

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    (verbo, particpio, pronome, advrbio, preposio, interjeio e conjuno). A temos a origem da nomenclatura usada at hoje nas gramticas das lnguas europias em geral. Alm disso, Prisciano estabeleceu a ordem seguida at hoje pelos gramticos de linha tradicional: tratou primeiro da fontica, depois da morfologia e, por ltimo, da sintaxe, da qual Dionsio no tinha apresentado um estudo sistemtico.

    A obra de Prisciano constituiu, pois, uma ponte entre a antiguidade e a Idade Mdia. Durante toda a Idade Mdia, destaca-se sua grande influncia nos estudos da linguagem.

    3.2 NA IDADE MDIA

    Seguindo a tradio greco-romana, os gramticos medievais adotaram a nomenclatura estabelecida por Dionsio e adaptada ao latim por Prisciano. As gramticas medievais da primeira fase foram obras meramente didticas, quase sem nenhuma originalidade, destinadas, sobretudo, ao ensino do latim. J na segunda metade da Idade Mdia, caracterizada pelo intenso estudo da filosofia, surgiram obras que procuraram aplicar a lgica s questes lingusticas buscando as razes filosficas das teorias estabelecidas por Prisciano.

    A partir do sculo XII, graas atividade docente de Santo Toms de Aquino, a influncia de Aristteles sobre o pensamento medieval intensificou-se e a chamada filosofia escolstica chegou ao seu apogeu. Nessa poca, prevaleceu a ideia de que Prisciano fizera um trabalho superficial, pois lhe faltava uma base filosfica. Surgiu, ento, a chamada gramtica especulativa, que constituiu a integrao da descrio gramatical do latim, realizada por Prisciano, filosofia escolstica. Os gramticos especulativos conservaram, pois, quase sem alterao, a morfologia de Prisciano, mas apresentaram pensamento mais profundo, mais filosfico, buscando dar validade universal s regras da gramtica latina, e criaram uma grande quantidade de termos tcnicos para formalizar suas teorias. Assim, passa a vigorar a concepo de uma gramtica universal subjacente e admite-se a existncia dos universais lingusticos (princpios aplicveis a todas as lnguas); afirma-se que a gramtica , em essncia, a mesma para todas as lnguas e as diferenas so apenas variaes acidentais, ideia retomada no sculo XVII pelos chamados gramticos de Port-Royal, como veremos mais adiante.

    Os gramticos especulativos, porm, exageram o aspecto lgico da lngua, voltando-se mais para a teoria do que para os dados; por isso, e tambm porque na Idade Mdia a literatura pag era mal vista com exceo de algumas obras, como as de Aristteles, j assimiladas pelo cristianismo esses gramticos formularam seus prprios exemplos, em vez de extra-los dos textos clssicos.

    Gramtica especulativa: gramtica que procura encontrar as razes filosficas das regras gramaticais.O termo especulativo no deve ser compreendido no seu sentido moderno, mas num sentido particular, derivado da concepo de que a lngua como um espelho que reflete a realidade subjacente aos fenmenos do mundo fsico (LYONS, p.15, 1979).

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    Os filsofos nominalistas reforaram ainda mais o esprito logstico da Alta Idade Mdia, conforme Robins:

    O ponto de vista nominalista, segundo o qual os universais s se encontram nas prprias palavras ou nomes, no tendo existncia real fora da linguagem, tornou-se famoso com o trabalho de um de seus maiores representantes, Guilherme de Occam (primeira metade do sculo XIV) (ROBINS, 1979, p. 68).

    A excessiva valorizao da palavra levou esses pensadores a construir esquemas tericos distanciados da realidade; assim, por exemplo, Jean Buridan (sculo XIV) reduziu a gramtica a uma construo puramente terica, exemplificada por proposies que no se encontram na linguagem real. Buridan inclui seus estudos de gramtica numa obra chamada Compendium Totius Logicae; reconduz, pois, a gramtica ao campo da filosofia, desligando-a do estudo dos textos.

    Deve-se notar que tanto os primeiros gramticos medievais como os gramticos especulativos da Alta Idade Mdia, baseando-se na sistematizao de Dionsio e de Prisciano, rendem-se linha aristotlica; os exageros logicistas, porm, representam um desvio da tradio greco-romana, segundo a qual o estudo da lngua deve apoiar-se nos textos dos escritores consagrados.

    3.3 DA RENASCENA AO FIM DO SCULO XVIII

    A nossa gramtica, ao nascer, em Portugal, obedece ao modelo latino. A primeira obra a Grammatica da Lingoagem Portuguesa, de Ferno de Oliveyra. Em que pesem, como reconhecem os crticos, as observaes originais do autor, no se pode negar a sua forte base latina. Suas partes limitavam-se a Ortografia, Acento, Etimologia e Analogia, esta referente s flexes, sobretudo de gnero e nmero.

    O segundo de nossos gramticos, Joo de Barros, no hesita em imitar a gramtica latina, ao apresentar dec l inados artigos, substantivos e

    pronomes. Alis, a definio de gramtica que ele acolhe sintomtica: um modo certo e justo de falar e escrever, colhido do uso e autoridade dos bares doutos (BARROS, 1557, p. 1).

    Barros (1557, p. 1) divide sua gramtica em quatro partes, imitao dos latinos: ortografia, que trata da letra; prosdia, que trata

    Figura 18: Grammatica da Lingua Portuguesa,de Joo de Barros.Fonte: http://purl.pt

    Introduo lingustica UAB/Unimontes

    Figura 17:Grammatica da Lingoagem Portuguesa, de Ferno de OliveyraFonte: http://purl.pt

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    de slaba; etimologia, que trata de dico; sintaxe que responde construo.

    Reafirmando a fidelidade ao padro latino, prope tratar destas no segundo a ordem da gramtica especulativa, mas como requer a perceptiva, usando os termos da Gramtica Latina, cujos filhos ns somos, por no degenerar dela (BARROS, 1557, p. 1).

    Essa posio no gratuita e parece representar, da parte de Joo de Barros, a renncia tradio medieval, que herdara dos gregos a gramtica cientfica ou especulativa.

    Opondo-se aos gramticos especulativos da Idade Mdia, os renascentistas estudaram o latim e o grego, bem como as lnguas vernculas, com base na literatura, na lngua escrita das classes cultas, mais do que na lgica. Entre os gramticos dessa poca salienta-se, ainda, Pierre Rame (sculo XVI), para quem tudo o que Aristteles disse est errado: quaecumpe ab Aristotele dicta essent commentitia esse (ROBINS, 1979, p. 80). Rame foi um dos defensores do ensino das lnguas atravs da literatura e no do aristotelismo escolstico. Escreveu gramticas do grego, do latim e do francs, procurando basear suas teorias nas relaes entre as palavras e no na significao ou nas suas categorias lgicas. Conservou as oito classes de palavras de Prisciano, mas procurou identific-las por critrio de diviso: de um lado as palavras que tm flexo de nmero (nome, pronome, verbo e particpio) e, de outro lado as demais (advrbio, preposio, conjuno e interjeio). Cumpre observar que Pierre Rame e os renascentistas em geral, embora criticassem Aristteles, no se afastaram muito do aristotelismo que norteava os estudos de gramtica, pois continuaram aceitando, entre outros pontos, a classificao das palavras que Prisciano havia estabelecido com base em Dionsio da Trcia, cujo sistema gramatical se prende, em ltima anlise, a lgica aristotlica; afastaram-se do que se pode chamar de aristotelismo escolstico, isto , do logicismo que dominou os pensadores na segunda metade da Idade Mdia.

    Voltam, porm, postura logicista, os estudiosos reunidos, no sculo XVII, em redor da abadia francesa de Port-Royal, entre os quais Antoine Arnauld e Claude Lancelot, cuja Grammaire Gnrale et Raisone (1660) teve grande sucesso:

    essa obra, que durante dois sculos servir de base formao gramatical, explica os fatos partindo do postulado de que a linguagem, imagem do pensamento, exprime juzos e que as diversas realizaes que se encontram nas lnguas so conformes a esquemas lgicos universais (DUBOIS et al, 2001, p. 314).

    Figura 19: Gramticade Port-Royal, de Arnaulde Lancelot.Fonte: http://submarino.com.br

    Letras/Portugus Caderno Didtico II - 2 Perodo

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    Assim, o sculo XVII marca, na Frana a revivescncia dos ideais da gramtica especulativa pelos mestres de Port-Royal.

    Em linhas gerais, o pensamento desses autores prende-se mais a seu contemporneo Descartes do que a Aristteles. Assim, exageram o papel da razo e, em sua gramtica, estabelecem teorias muito rgidas, que nem sempre correspondem realidade. Por exemplo, o grego no tem o caso ablativo, que existe em latim, mas os gramticos de Port-Royal apresentam uma teoria segundo a qual o grego possui, sim, o caso ablativo, que se confunde, porm, com o dativo por ter forma sempre igual forma deste. Tal afirmao contraria a realidade de ambas as lnguas, pois o ablativo latino equivale ora ao dativo, ora ao genitivo grego.

    De certo modo, os gramticos de Port-Royal ligam-se ainda a seus predecessores medievais, pois admitem a existncia de uma estrutura universal do pensamento e, portanto, de universais lingusticos, e adotam as tradicionais classes de palavras, que, para eles, so nove: incluem novamente o artigo, excludo por Prisciano, e conservam a interjeio. Alm disso, aproximam-se de Aristteles quando, por exemplo, admitem que a funo das lnguas comunicar o pensamento, termo que abrange a simples apreenso, o juzo e o raciocnio (as trs operaes do esprito humano, segundo a lgica aristotlica); voltam ainda anlise sugerida por Aristteles (Sobre a Interpretao, cap.II), em que todos os verbos equivalem lgica e gramaticalmente ao verbo ser mais predicativo: Pedro vive o mesmo que Pedro vivente e, portanto, essa frase estruturalmente anloga frase Pedro homem. H, porm, nessa anlise dos gramticos de Port-Royal, uma inovao, que ser retomada por linguistas contemporneos, como veremos a seguir: Chomsky reconhecer que, sob a frase concreta, existir um nvel estrutural mais profundo.

    Em resumo, os gramticos de Port-Royal prendem-se ainda, em alguns pontos, ao pensamento aristotlico, mas apresentam inovaes decorrentes de sua formao racionalista, que os leva a procurar a unidade lingustica subjacente s diferentes lnguas e a construir esse universalismo com base na razo: ao contrrio dos escolsticos, fizeram prevalecer a razo sobre a autoridade.

    Outra obra que representa um marco na evoluo dos estudos lingusticos a Grammaire Gnrale de M. Bauze, publicada em 1767. Esse autor se aproxima dos estudiosos de Port-Royal, pois admite a existncia de princpios universais que decorrem da prpria natureza do pensamento humano, mas afasta-se da linha racionalista ao tomar uma atitude menos rgida, no pretendendo impor a todas as lnguas um sistema nico; assim, por exemplo, ele critica a teoria dos sbios de Port-Royal sobre o ablativo grego, mencionado

    Universais lingusticos: similaridades existentes

    em todas as lnguas do mundo (DUBOIS et al,

    2001).

    Figura 20: GrammaireGnrale, de M. BauzeFonte: http://purl.pt

    Introduo lingustica UAB/Unimontes

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    FEGGLOSSRIO

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    anteriormente. Alm disso, Beauze deixa de lado a diviso das classes de palavras em dois grupos, estabelecida pelos gramticos de Port-Royal, segundo a qual o nome, o artigo, o pronome, o particpio e o advrbio relacionam-se com os objetos de nossos pensamentos, enquanto o verbo, a conjuno e a interjeio relacionam-se com a forma ou modo.

    A classificao de Beauze separa definitivamente o adjetivo do substantivo; fixa, pois, em dez as classes gramaticais (substantivo, adjetivo, artigo, pronome, particpio, advrbio, verbo, preposio, conjuno e interjeio) que, a partir da, assim aparecem na gramtica francesa clssica, fiel tradio derivada de Aristteles.

    Entre as inmeras gramticas racionais, surgidas no Sculo das Luzes, destaca-se, para ns, a Grammatica Philosophica da Lngua