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    ARQUITETURA, URBANISMO E EDUCAO: CAMPI UNIVERSITRIOS BRASILEIROS

    Gelson de Almeida Pinto

    Universidade de So PauloEster Buffa

    Universidade Federal de So CarlosCentro Universitrio Nove de Julho

    RESUMO

    O objetivo geral desta pesquisa financiada pelo CNPq a investigao dos aspectos polticos, sociais,filosficos, histricos, pedaggicos e as diretrizes arquitetnicas e urbansticas de alguns campiuniversitrios brasileiros, com o intuito de observar, sobretudo, em que medida esses aspectosinfluenciaram ou determinaram os partidos arquitetnicos e urbansticos desses novos espaos. Paraalcanar este objetivo foi preciso, inicialmente, estudar as condies do surgimento das universidadeseuropias no perodo medieval (sculo XIII) e sua posterior evoluo. Quando so criadas as primeirasuniversidades, entre as quais se destacam as de Bolonha, Paris, Oxford e Montpellier, elas funcionamem qualquer local, na casa do mestre ou em uma sala por ele alugada, em oficinas, em igrejas ouqualquer outro ambiente onde fosse possvel reunir alunos, poucos mveis e o professor. No possuemum edifcio especfico, um lugar definido construdo para cumprir seus objetivos; praticamente noaparecem como lugar ou instituio nas cidades. Quando Robert da pequena localidade de Sorbon fazuma dotao para o que seria mais tarde a Sorbonne, famosa Escola de Teologia, esta dotao eracomposta por trs cmodos e um celeiro. As cerimnias universitrias mais importantes eramrealizadas em igrejas. Porm, no sculo XV, a maioria das universidades, nos diferentes paseseuropeus, passa a construir prdios especficos na cidade, cada vez mais sofisticados e marcantes napaisagem urbana. Vale lembrar que, na Europa, as universidades so instituies eminentementeurbanas. Nascem junto com as cidades, onde posteriormente instalam seus edifcios e nelas sedesenvolvem e ampliam suas dependncias e suas vrias atividades. Nos Estados Unidos, ao contrrio,o ensino superior, ainda que influenciado pelo exemplo ingls, assumiu caractersticas prprias.Quando da criao das universidades, vigorou o princpio de que elas deveriam funcionar no campo,longe do descontrole das cidades. Rompe-se, assim, com a tradio europia e inaugura-se uma nova

    viso do espao para o ensino nas universidades destinadas formao das classes dirigentes. Este osentido original do termo campus: os edifcios para o ensino situam-se no campo, longe das cidades.Gradualmente, este termo foi tendo seu significado ampliado: passou a incluir todos os edifciosacadmicos situados num determinado stio, uma pequena cidade, porm diferente das outras. Trata-sede uma cidade planejada, administrada com rigor e com uma populao de poucos privilegiados quepodem usufruir de um ambiente eminentemente acadmico, projetado e construdo para proporcionarmaior aproveitamento das atividades de ensino e de pesquisa. Um ambiente seleto e apartado do restodo mundo com suas regras, leis e instituies prprias. Esta a marca das universidades americanasque, apesar de tantos cuidados, acabou sendo cercada pelas cidades que se desenvolveram a seu redor.O presente texto visa a examinar o conceito de campus universitrio que chegou ao Brasil e inspirou aconstruo de muitas de nossas universidades. A concepo de campus universitrio no Brasil e suahistria sero mostrados por meio de alguns significativos exemplos que sero tratados, nessa fase dapesquisa, de forma cronolgica, investigando suas transformaes no decorrer dos tempos, traando

    um quadro mais apurado das intenes pedaggicas, dos partidos arquitetnicos e urbansticos dessesespaos destinados ao ensino, aprendizado, pesquisa.

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    TRABALHO COMPLETO1. Introduo

    Este texto parte de um projeto de pesquisa que tem por objetivo investigar a relao entretendncias educativas, propostas pedaggicas e diretrizes arquitetnicas e urbansticas de alguns campiuniversitrios brasileiros.

    Para tanto, rememoramos, inicialmente, o surgimento das universidades na Europa medieval,

    suas caractersticas fundamentais e sua evoluo para, em seguida, focalizar alguns traos bsicos dasuniversidades inglesas que influenciaram as universidades da Amrica do Norte. Ainda que herdeirasdas universidades inglesas, Oxford e Cambridge principalmente, a caracterstica mais genuna dasuniversidades americanas sua instalao no na cidade, mas no campo: o campusuniversitrio.

    Finalmente, abordamos o surgimento do ensino superior no Brasil que, inicialmente, no foiorganizado em universidade. Mais tarde, quando a instituio universitria, com caractersticas muitopeculiares, foi criada no Brasil, no sculo XX, no tardou, isto , nos anos 1960 para que fosse adotadaa tradio americana de campusem que pese toda a influncia cultural europia, sobretudo francesa.Mas, no Brasil, o campusuniversitrio ser aclimatado e assumir cores locais.

    2.A universidade medieval uma instituio urbana

    Os historiadores costumam situar por volta do sculo XII, o desenvolvimento urbano e culturaleuropeu. Conseqncia do crescimento demogrfico geral do ocidente, as cidades distinguem-se dasvilas que rodeavam castelos senhoriais ou grandes mosteiros no s por sua importncia quantitativa,mas, sobretudo, porque ofereciam aos que vinham habit-las condies econmicas, sociais e polticasinteiramente novas. Como afirma Verger, a cidade , em primeiro lugar, a diviso do trabalho, osurgimento dos ofcios, comerciais e artesanais. Conseqentemente, a cidade era tambm acorporao, muitas vezes chamada universitas os que exerciam o mesmo trabalho, o mesmo ofcio eviviam prximos uns dos outros, tendiam a se associarem, com o intuito de se protegerem. Mas, acidade, continua Verger, , em segundo lugar, a liberdade:

    [...] no momento em que atingiam uma certa importncia, as cidades, svezes fora, o mais das vezes por negociaes e compromissos,esforavam-se por obter de seu senhor uma certa autonomia, assim como

    garantias jurdicas, fiscais, militares para seus habitantes. Imagina-se ainfluncia desse movimento comunal sobre a prpria mentalidade doscitadinos: afirmavam-se como homens livres, tomavam conscincia daoriginalidade de seu modo de vida, aprendiam a se unir, a preparar entre si,pela discusso, um programa, a resistir s autoridades locais, a negociarcom elas a realizao de seus pedidos e o acesso de sua comuna autonomia; aprendiam, enfim, a instalar formas de governo municipal,muitas vezes muito prximas da organizao das guildas e corporaesprofissionais e, como elas, mais ou menos inspiradas nos modelos antigosredescobertos pelos juristas (VERGER, 1990, p.27-28).

    A cidade tambm uma outra corporao a de mestres e estudantes que recorrem associao corporativa para afirmarem sua fora e obter uma certa autonomia em relao aos poderes

    religioso e civil. Essa corporao era tambm chamada universitas- ensino aberto a todos, clrigos eleigos, ou studium o local do estudo, uma cidade onde h mestres oferecendo instruo. Esse era osentido original dessas palavras, mas foi o termo universitas e no studium que se tornou o nomepadro para designar a nova instituio nascente. Mais tarde, o termo universidade passou a ter osignificado de universalidade do saber, sentido que o termo no tinha inicialmente.

    Segundo Manacorda, as Leis de Afonso X, o Sbio (sculo XIII) constituem talvez a maisampla codificao da vida universitria. Estabelecem, antes de mais nada, o que um estudo(studium), quantos tipos dele existem e por ordem de quem deve ser feito:

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    [...] estudo unio de mestres e estudantes, que se realiza em qualquer lugarcom a vontade e o objetivo de aprender as cincias. Existem duas espciesde estudo: a primeira aquele que chamamos de estudo geral, em que hmestres das artes como gramtica, lgica, retrica, aritmtica, geometria,msica e astronomia, como tambm h mestres de decretos e senhores deleis; este estudo deve ser estabelecido por mandado do Papa, do Imperadorou do Rei. A segunda espcie aquela que chamamos de estudo

    particular, que o ensino que um mestre qualquer ministra numa cidadequalquer, privadamente, a alguns alunos (Lei I. in: MANACORDA, 1989,p. 151).

    O desenvolvimento urbano, comercial e cultural do sculo XII acarretara a expanso do uso daescrita, o desgaste do monoplio exclusivo da Igreja, a criao de escolas para a transmisso dastcnicas de leitura, escrita e clculo bem como para a formao em prticas jurdicas, mdicas ecomerciais. Esse mesmo movimento consagrou a liberdade dos mestres que reunidos em corporao,podiam dispor de sua capacidade de trabalho, at ento dependente dos senhores ou da Igreja.Segundo o costume da poca, essa associao em corporao, em parte sociedade de auxlio mtuo,em parte confraria religiosa, servia para defender seus interesses e privilgios conquistados. Osprofessores ministram seus cursos, e qualquer lugar serve, em troca de salrios ou de taxas pagas pelosestudantes.

    Fig. 1 -Casa medieval

    Nota-se a ausncia de prdios especficos para o funcionamento dessas aulas. O espao para aslies - a casa do professor ou uma sala alugada - era, geralmente, simples, sem decorao emobiliado, quando muito, com alguns bancos para os alunos e um mvel para o professor. Aconstruo, quase sempre de barro e madeira, no permitia aberturas generosas, por isso a iluminaoe a ventilao no eram, certamente, adequadas: no frio, a sala tornava-se glida e, no calor, quente eabafada, uma provao a mais para os alunos.

    A casa do final da Idade Mdia bastante diferente da que conhecemos. Uma de suascaractersticas marcantes era a falta de uma funcionalidade especfica para os poucos cmodos,quando esses existiam, que a compunham. Geralmente, eram edifcios pequenos de dois andares. No

    trreo, ficavam a cozinha e as oficinas ou outra atividade de trabalho. Era certamente a que os mestresconseguiam algum espao para ensinar. No andar superior, ficavam os espaos para comer e dormir,geralmente sobre a cozinha. Uma escada estreita ligava os dois pisos. Vale lembrar que o conceitomoderno de privacidade s comeou a aparecer no programa das residncias, e ainda assim muitolentamente, em fins do sculo XVII. At ento, membros da famlia, empregados e agregadoscompartilhavam o espao de comer e de dormir sem nenhuma divisria ou anteparos. Instalada notrreo quando alugada, a sala do mestre se misturava s outras atividades ali realizadas. Quandoministrava seus cursos em sua prpria casa, o espao para os alunos fazia parte do nico cmodo quedefinia essas residncias. Havia, tambm, prdios de trs ou quatro andares onde cada residncia eraconstituda de um nico cmodo. Fossem sobrados ou pequenos prdios, todos eram dispostos ao

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    longo das ruas estreitas, uns colados aos outros, um artifcio usado para se conseguir aquecimentointerno dos espaos. Mesmo as casas isoladas cercavam-se de outras construes (estbulos,depsitos), na tentativa de proteg-las nos perodos mais rigorosos do inverno.

    Fig. 2 - Mestre e alunos sculo XIII

    Fig. 3 - Mestre e alunos sculo XIII

    Enfim, esses espaos, aos nossos olhos, no eram definidos por funes especficas nem poralguma forma de isolamento ou privacidade e o conforto era quase inexistente. Para sua construousavam-se os materiais mais facilmente encontrados em cada regio. Normalmente, as casas eramfeitas de madeira, pedra, tijolo e mesmo barro. As aberturas, janelas e portas, dependiam de tcnicasconstrutivas estreitas e, por isso mesmo, em nmero menor do que o necessrio para oferecer uma boailuminao interna. Mesmo aps uma maior popularizao do vidro, as janelas ainda eramdimensionadas mais em razo da proteo contra o frio do que da iluminao e salubridade interna.Nelas, os mestres montavam suas salas de aula sempre iluminadas por velas sem as quais seriamimpossveis a leitura e as atividades das aulas.

    Algumas imagens das primeiras universidades medievais mostram alunos sentados frente a

    frente e, ao fundo, em posio de destaque, o professor. Esse arranjo da sala bastante adequado prtica pedaggica de ouvir e, sobretudo, de discutir. Dada a ausncia de prdios prprios, asassemblias, os debates solenes, os exames e as cerimnias universitrias realizavam-se em conventosou igrejas. (VERGER, 1990, p. 51)

    Por sua vez, os aprendizes no eram organizados por idade ou nvel de conhecimentos emsalas homogneas. No h classes nem sries. Ao contrrio, alunos iniciantes e mais adiantados, comidades que variam de doze a dezoito e mesmo vinte anos, assistem s mesmas lies por tanto tempoquanto permitirem seus recursos e exigirem suas ambies. A ambio poderia ser concluir aFaculdade de Artes, conquistar a licena e tornar-se, assim, um mestre em Artes. Ou, ento, concluir afaculdade de Artes e dirigir-se s faculdades superiores de Medicina, Direito ou Teologia e, depois,dedicar-se a essas profisses. Aos que sequer concluam a Faculdade de Artes, abriam-se perspectivasno comrcio, no artesanato, nas administraes comunais, no governo real (PETITAT, 1994, p.61).

    A vida do estudante marcada por um sistema de graus e exames. O grau mais importante o

    Mestrado que, em algumas faculdades, como por exemplo, as de Direito denominado Doutorado.Este grau precedido pelo bacharelado e pela licena. A licena, por sua vez, era, inicialmente, umaautorizao do chanceler para lecionar, (licencia docendi), mas com as universidades, essa autorizaodependia do sucesso num exame que revelasse as capacidades e conhecimentos dos estudantes(CLAUSSE, 1971, p.173).

    O nmero dessas salas de ensino ou universitas cresceu proporcionalmente ao crescimentodas cidades onde mestres instalavam-se e ofereciam seus servios. Como uma forma de controlar edisciplinar o nmero crescente de estudantes em algumas cidades, bem como de resolver um graveproblema, o da moradia, as administraes locais, ao longo do sculo XV, passaram a obrigar os

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    alunos, exceto os nobres, a inscreverem-se ou nas hospitiaou naspedagogia, conforme suas condiesfinanceiras, e a morar nessas casas at o final de seu perodo de aprendizado. Algumas cidades comoBolonha e Paris eram particularmente prsperas e ofereciam, alm de produtos agrcolas(alimentao), segurana fsica e liberdade acadmica, bens preciosos para estudantes e mestres a seestabelecerem. O comrcio tornara-se intenso e necessitava-se de mo-de-obra para os vrios negciose servios. Para essas cidades, dirigia-se um maior nmero de mestres que abriam novas salas deensino. Conseqentemente, aumentavam, assim, os estudantes, novos consumidores, que eram bem

    vindos e recebiam tratamento especial de toda a comunidade. No era para menos, pois mesmo algunsestudantes mais pobres eram financiados por nobres ou pela Igreja e sempre tinham algumas valiosasmoedas para gastar e garantir a prosperidade do comrcio e da cidade.

    Desordenadamente, as cidades cresciam aumentando as distncias entre seus vrios ncleosnascentes. Servios, moradia e comrcio no faziam mais parte de um nico ncleo central, maspassaram a espalhar-se, dada a nova configurao que as cidades iam assumindo. Entre outrosmotivos, passou a ser mais conveniente, sobretudo para os mestres, ministrar seus cursos nas prpriashospedarias; afinal, os alunos estavam todos ali reunidos, o aluguel j estava pago e o mestre liberavaum espao em sua casa ou deixava de pagar aluguel por sua sala de aula. Aos poucos, salasindependentes passaram a ser instaladas nessas hospedarias que, com pequenas reformas e mudanas,transformaram-se em espaos de ensino e moradia para estudantes e mestres que a viviam sob adireo de um principal. Criadas em fins do sculo XII, essas hospedarias, a partir do momento quepassam a abrigar tambm o ensino, constituem o grmen do colgio medieval. De simples instituiescaritativas que eram inicialmente, os colgios tornaram-se anexos universidade e acabaram porabsorver toda a vida da Faculdade de Artes. O mais clebre foi sem dvida aquele que Robert, dapequena localidade de Sorbon, fundou em 1257 que, mais tarde, tornou-se a renomada Sorbonne,escola de Teologia (GAL, 1969, p. 50).

    Comeavam a grandes transformaes na pedagogia e na configurao dos espaos e temposde ensino. A reunio de muitos estudantes e mestres num mesmo local passou a exigir,necessariamente, novas regras de disciplina, de conduta e de aprendizagem. Os espaos de ensinotiveram de ser reorganizados de forma a atender, mais eficientemente, a essa nova realidade; porm,eram espaos adaptados por meio de reformas ou de pequenas ampliaes que, geralmente, resultavamem construes de uma certa precariedade. Os prdios onde funcionavam os colgios no sculo XIIIcompreendiam alguns quartos e uma capela. Assim, por exemplo, a dotao inicial de Robert para oColgio de Sorbon consistia em trs casas e um celeiro (VERGER, 1990, p.149).

    3. As universidades no sculo XV

    A modesta origem das universidades medievais contrasta com sua evoluo posterior e j nofinal da Idade Mdia elas se transformaram. Um trao marcante dessa transformao foi suaaproximao a um modelo proposto pela classe dirigente, a nobreza, que redundou na aristocratizaocrescente das universidades, como nos explica Jacques Verger. Uma caracterstica marcante dessaaristocratizao foi a segregao dos estudantes pobres nos cursos curtos, no ultrapassando aFaculdade de Artes. Pobres eram aqueles estudantes que no podiam arcar com os custos dos cursos e,menos ainda, com o das suntuosas festas que os novos doutores eram obrigados a oferecer a toda acomunidade universitria e a convidados de grande distino. Estes estudantes poderiam obter, depois,apenas cargos subalternos, magros benefcios, empregos mal pagos como preceptor ou mestre-escola(VERGER, 1990, p. 143). Outros traos marcantes dessa aristocratizao foram o gosto pelo luxo e

    pela ostentao no vesturio, nas cerimnias universitrias, nos divertimentos dispendiosos e, naquiloque nos interessa mais de perto, nos prdios das universidades e, conseqentemente, nas atividadespedaggicas.

    J mencionamos que, nas origens, os mestres ensinavam em qualquer lugar disponvel. Nosculo XV, as universidades almejavam possuir seus prprios prdios para aulas e reunies. Assim,afirma Verger, que em Oxford, por volta de 1470, foram construdas as magnficas salas gticas da Divinity School para os telogos. Em Bolonha, foram construdas salas de aula, embora oArquiginsio, prdio que durante sculos abrigou a universidade, date do sculo XVI. Em 1470, aFaculdade de Medicina de Paris adquiriu um palcio para nele se instalar. Na fundao de novasuniversidades j se previa uma dotao de prdios e de rendas regulares. bem verdade que a

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    construo de novos prdios respondia, ento, a uma necessidade prtica, a de alojar as bibliotecas deque comearam a ser providas a maioria das universidades do sculo XV. Mesmo assim, afirma esteautor, os prdios das universidades permaneceram modestos se comparados aos dos colgiosmodernos, os do sculo XVI (VERGER, 1990, p.145).

    Bologna

    Fig. 4 Bolonha Fig. 5 - Faculdade de Medicina de Paris

    O surgimento dos prdios e das bibliotecas acarretou algumas transformaes nas condiesde ensino. Ministrado num ambiente majestoso, o ensino tornou-se, uma cerimnia, modificando,assim, a relao pedaggica entre o mestre e seus discpulos: o professor dava suas aulas como sefossem discursos de aparato; a elegncia do estilo, a perfeio formal, tornaram-se forte preocupaodos professores do sculo XV, diferentemente dos escolsticos do sculo XIII, para quem asofisticao do estilo poderia deformar as idias. Alm disso,

    [...] o gosto desinteressado pela cincia, o desejo de partilh-la com outros,a confiana no valor fecundo da discusso desapareceram e, com eles, aidia, pela qual haviam lutado os mestres dos sculos XII e XIII, de que

    todo homem que fosse capaz de faz-lo tinha o direito de ensinar.Doravante, o saber ser considerado como posse e tesouro; do mesmo modoque as casas, as terras, os livros, ele se tornar um dos elementos dopatrimnio familiar do doutor; garantir sua situao pessoal e, porconseguinte, toda ordem social estabelecida (VERGER, 1990, p. 147, 148).

    Dessa forma, ao findar o sculo XV, as universidades europias eram bem diferentes do quehaviam sido no sculo XIII.

    4. As universidades britnicas

    De acordo com Turner, nas suas origens, nos sculos XII e XIII, as universidades inglesas,principalmente, Oxford e Cambridge, foram modeladas pela Universidade de Paris, tanto no que diz

    respeito ao contedo dos estudos quanto aos mtodos de ensino.De forma anloga ao que acontecia no continente, os estudantes seguiam as lies, escolhiam

    os mestres e, inicialmente, salvo os ligados a ordens monsticas, alojavam-se em casas dos habitantesda cidade. Mas, logo halls e hostels tornaram-se comuns: eram casas alugadas por grupos deestudantes, algumas vezes sob a direo de um mestre, onde eles dormiam e faziam as refeies. Esteshallse hostelscorrespondem aos hospitiada Frana. Turner informa que, em meados do sculo XV,havia cerca de 70 desses halls, em Oxford. Mas, nesse momento, surgiram os colleges que eramestabelecimentos permanentes, fundados por benfeitores, muitas vezes destinados a estudantes pobres,com regulamentos especficos de disciplina e de estudo. O primeiro desses collegesfoi provavelmente

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    o Merton College de Oxford, fundado em 1264, destinado a estudantes que j eram graduados(masters). Em 1379, foi fundado o New College de Oxford que oferecia alojamento e educao aestudantes ainda no graduados (undergraduateds). No sculo XVI, este sistema universitrio deeducao formado pelos colleges atingiu seu pleno desenvolvimento. Por sua vez, as universidades deOxford e Cambridge, no incio do sculo XVII, atingiram o ponto alto de desenvolvimento. Emdecorrncia da Reforma poltica e religiosa, elas romperam com suas tradies medievais, reformandoo currculo suprimindo a escolstica e introduzindo as cincias - e recebendo um nmero de

    estudantes jamais visto. importante lembrar tudo isso porque Oxford e Cambridge bem comoalgumas universidades escocesas foram significativas na criao dos colleges na Amrica colonial,inclusive em termos de arquitetura (TURNER, 1995, p. 9).

    Inspirados nos claustros medievais, a planta dos colleges adotou o quadrngulo (quadrangleou quad) como espao articulador de todo edifcio. Nos claustros medievais, tratava-se de umretngulo ou quadrado cercado por arcadas sob as quais a circulao era livre, abertas nas laterais ecobertas. Nos colleges, o quadrngulo um espao cercado de edifcios, usualmente de dois andares,com um gramado simples no centro e circulao aberta ao seu redor. Na maioria das escolas, esseespao de circulao e de lazer era destinado aos alunos mais adiantados ( seniors) e permitia acessointerno a todos os edifcios.

    Como nos monastrios, o quadrngulo articulava tanto os edifcios ao seu redor como suaeventual expanso. Um novo quad e edifcios poderiam ser acrescidos ao conjunto. Muitos doscolleges ingleses foram implantados em edifcios religiosos medievais. Ao tornarem-se seculares, osdiversos claustros transformaram-se em espaos de reunio e de circulao. Espaos simples, fluidos,de fcil acesso e de visualizao de todo conjunto. Da mesma forma, os edifcios tiveram seus espaosinteriores reformados e destinados a novas funes. Continuaram repetindo a forma alongada dosprdios dos monastrios, com corredores compridos, nos quais salas, dormitrios e outros espaosdestinados a outras funes se sucediam. Formas mais compactas, em que um s edifcio abrigavatoda escola comearam a aparecer posteriormente.

    O New College em Oxford foi um dos primeiros a adotar o quadrngulo como formaarticuladora do edifcio. Os prdios que constituam o conjunto abrigavam um hall com refeitrio ecozinhas, salas de aulas e de estudo, biblioteca e quartos dos estudantes. Em algumas escolas, orefeitrio e a capela no faziam parte integrante do conjunto principal; eram conectados a ele, masfuncionavam como edifcios independentes.

    Fig. 6 Planta do New College - Oxford Fig. 7 - Quad do New College de OxfordA educao total entendia que o regime de internato formaria o cidado integralmente. Assim,

    morar na escola, territrio apartado da famlia, da sociedade, enfim, da cidade era imprescindvel paragarantir no apenas a aprendizagem dos conhecimentos como tambm a formao do carter docidado. Esta proposta pedaggica justificava as grandes alas de dormitrios e todos os demaisespaos de servios destinados a dar sustentao s atividades internas de moradia.

    Enquanto em Oxford, o quad, com seu gramado central criava uma circulao semprefaceando os edifcios, em Cambridge, o modelo adotado foi o do courtou ptio: todo calado, abertopara o cu, sempre propcio a reunies e encontros e permitindo a circulao sem obstculos. Mas, em

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    ambos os casos, os edifcios que constituam o conjunto da escola fechavam e definiam esse espaocentral.

    Fig. 8 - Oxford vista area

    As construes, geralmente feitas com paredes e estrutura de pedra, comumente se reportavamao gtico mais austero e simplificado, como podemos ver em vrias construes, sobretudo as deOxford. Muitas vezes, a construo remetia aos cottage ingleses, mas sempre mantendo o quad oucourt e os edifcios alongados com espaos articulados um aps o outro, como ilustra a imagem doTrinity College.

    Fig. 9 - Trinity College - Hall

    A influncia monstica visvel nesses edifcios de longos corredores e salas se sucedendouma aps a outra, como as celas dos monastrios. Mas, alm dessa influncia, devemos levar emconsiderao que o plano pedaggico dos colleges se assemelhava ao projeto da escola seriadaadotado pelos jesutas e reformistas. Cada sala correspondia a um perodo de estudo, cada andar ouzona do edifcio correspondia a uma ou a uma srie de funes afins: salas de aula, dormitrios,refeitrio etc. Assim, fazia sentido adotar o quad como elemento articulador desses prdios. Ele

    possibilitava, alm da circulao fluida entre os edifcios, a iluminao e a ventilao dos ambientesinternos de cada ala, recurso importante para se posicionar os corredores no centro do prdio e alocaras salas nas suas duas faces. De fato, o quad, antigo claustro, tornou-se espao simples e de pouco uso.No possua nenhum equipamento como bancos ou qualquer outro atrativo, mas, ainda assim, cumpriaimportante funo no conjunto: medida que definia hierarquias de privacidade, distribua, comfacilidade, o fluxo dos estudantes entre os prdios e, como j afirmamos, garantiam a ventilao e ailuminao das salas dispostas na face interior de cada ala.

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    Fig. 10 - The Great Quadrangle Oxford

    O carter urbano dessas construes o que mais nos interessa ressaltar. Como j pudemosver, as universidades nascem com o processo de urbanizao das cidades, na Europa. Esses espaos

    de ensino superior passaram por um longo perodo de transformaes, desde classes funcionando emsalas alugadas at se constiturem em edifcios com localizao e propsitos definidos. Comearam afazer parte das cidades e inauguravam uma nova categoria de prdios urbanos. Os primeiros,sobretudo na Inglaterra, foram implantados nos limites das cidades, mas, ainda, faziam parte dela.Novos cursos eram localizados prximos aos j existentes e, com o tempo, esse conjunto mesclado deedifcios urbanos e escolares acabou transformando-se em universidades (collegiate university) quecongregavam as escolas prximas. Oxford e Cambridge j surgiram nas cidades com o mesmo nome,como universidades e seus crescimentos acabaram por definir a regio posteriormente delimitada ondeesses collegiateesto instalados. A cidade se mesclava aos edifcios escolares e, posteriormente, esseconjunto acabou por tornar-se espao pertencente a uma universidade e, apesar de apartado da cidade,aparece na malha urbana como continuidade dela.

    Fig. 11 - Oxford mapa atual

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    Este mapa de localizao dos colleges e halls de Oxford, ainda que recente, explicita comclareza essa mescla entre a cidade e os diversos edifcios da Universidade. Esse no um caso isolado;praticamente, em todos os pases europeus, essa inter-relao com a cidade era comum. O territrio daescola definia-se por cada um dos seus edifcios e no por um stio, isto , uma rea delimitada,fechada e apartada da cidade. As escolas se integravam malha urbana e constituam elementos de seucrescimento. O conjunto de escolas e a cidade no eram divididos por limites fsicos que asseparassem; o limite da escola, como dissemos, era seu prprio edifcio e ao redor a cidade flua e

    crescia livremente. Como no poderia deixar de ser, em Oxford, Cambridge ou Paris, as universidadestentavam implantar seus edifcios prximos uns dos outros.

    5.Estados Unidos da Amrica: campus universitrio

    Ainda de acordo com Turner, no sculo XVII, havia, na Inglaterra, um contingente deestudantes universitrios jamais visto at ento e que s ser superado no sculo XX. Este entusiasmopopular pela educao foi exportado para as colnias americanas e tornou-se uma fora importante noestabelecimento dos primeiroscollegesnas novas terras. Tanto do ponto de vista educacional quantoarquitetnico os colleges americanos foram influenciados pelos ingleses, mas foram tambminfluenciados pela educao superior escocesa. A Esccia, diferentemente da Inglaterra (com suasduas universidades centralizadas), possua quatro instituies relativamente pequenas St. Andrews,Glasgow, Aberdeen e Edimburgo cada uma com dois ou trs collegesapenas. Conseqentemente,havia uma certa confuso na Esccia entre collegeeuniversity, o que ocorreu tambm na Amrica doNorte (TURNER, 1995, p. 15).

    O trao fundamental da educao superior americana desde o perodo colonial a concepode colleges e universities como comunidades nelas mesmas, isto , como cidades microscpicas.Ainda que refletindo padres e ideais europeus, as instituies de ensino superior americanas tomaramcaminhos distintos. Assim, se por um lado, os collegesamericanos seguiam a tradio dos collegesingleses estudantes e mestres vivendo e estudando juntos e no os padres universitrios docontinente europeu mais freqentemente concentrados em temas acadmicos e pouco se importandocom a vida extracurricular dos estudantes, por outro lado, as instituies de ensino superior americanasdesenvolveram caractersticas prprias. Os collegese universitiesamericanas construram no apenassalas de aula e outros espaos acadmicos, mas tambm, dormitrios, refeitrios e espaos recreativos.O trabalho do arquiteto no se resumia em projetar edifcios isolados, mas era o de projetar uma

    comunidade inteira. (TURNER, 1995, p.3).As inovaes americanas so assim sintetizadas por Turner: no incio do perodo colonial, osamericanos partiram da tradio criandocolleges individuais, localizados separadamente, muito maisdo que aglomerados numa universidade e isso intensificou a caracterstica de autonomia de cadacollege como uma comunidade em si mesmo. Eles reforaram isso, ainda mais, com uma outrainovao que foi a localizao dos collegesnos limites da cidade ou no campo, uma ruptura com atradio europia. A romntica noo de uma escola na natureza, separada das foras corruptoras dacidade, tornou-se um ideal americano. Nesse processo, o college tornou-se, mais ainda, uma espciede cidade em miniatura e o seu desenho tornou-se um experimento de urbanismo. Outro traoespecfico que tipifica o planejamento do college americano sua espacialidade e abertura para omundo. Desde o incio, em Harvard, no sculo XVII, o collegeamericano rejeitou a tradio europiade estruturas de claustros, em favor de edifcios separados, implantados num espao verde aberto. Esteideal to forte na Amrica que, mesmo as escolas localizadas nas cidades, onde a terra mais

    escassa, procuram reas que simulem, de alguma forma, com muito verde, um rio ou um lago, umaespacialidade rural (TURNER, 1995, p. 4).Um eixo no sentido norte sul traado na planta de uma antiga fazenda foi a base do projeto do

    campus da universidade. No final dessa linha, ao sul foi definido o local da biblioteca; perpendicular aela, diversos outros eixos definiam o local dos demais edifcios que comporiam o campus. Estavadefinido mais um novo e indito espao para o ensino e o aprendizado: o campusuniversitrio. Umainiciativa indita tanto no que se refere aos planos pedaggicos como no que se refere ao espaodestinado formao universitria e que, posteriormente, foi repetido por todos os EUA e, empropores mais modestas, em outros pases do mundo. Thomas Jefferson escolheu Charlotsville (suaterra natal), no centro do Estado da Virginia, para implantar esta universidade.

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    O projeto, propositadamente, distanciava-se de forma radical das iniciativas europias,sobretudo das inglesas. Propunha um territrio extenso e fechado, longe das cidades e projetadodetalhadamente com o objetivo de oferecer uma formao integral ao estudante. Ocampusdeveria ser,como, de fato, foi, uma pequena cidade: possuir equipamentos, servios e todas as facilidadespossveis que uma cidade pode oferecer. O aluno poderia viver e dedicar-se integralmente aos estudossem preocupaes nem interferncias nocivas das cidades. O territrio para o ensino e o aprendizadoampliava-se do prdio para o campus, uma grande rea projetada, fechada e com regras, costumes e

    leis prprias.

    Fig. 12 - Universidade da Virginia vista do campus

    No campusda Universidade de Virginia, como afirmamos, ao final de um eixo monumental,no sentido sul, que cortava toda rea, foi proposta a construo de uma biblioteca. Ao contrrio dasescolas inglesas, a construo principal no era uma igreja, mas uma biblioteca, uma rotundainspirada, ou melhor, copiada do edifcio romano, s que em escala menor. o edifcio marco ereferncia do campuse mostra uma definitiva ciso entre o ensino ligado Igreja e o ensino secular e

    livre, como queriam os norte-americanos.

    Fig. 13 - Projeto da Rotunda cpia Parthenon Fig. 14 - Rotunda Universidade da Virginia

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    No final de cada um dos eixos perpendiculares, implantou-se um edifcio. Um de cada lado doeixo, numa composio equilibrada em que os prdios ficavam separados por um largo jardim, umlown, gramado entremeado por arranjos paisagsticos ao longo dessa extensa avenida verde (de incio,o lown no passava de um descampado deserto, como a imagem mostra). De cada lado do lown epassando em frente aos edifcios, ruas levavam at a rotunda implantada, majestosamente, no final doconjunto. No incio, toda circulao se fazia por uma loggia, caminho abrigado que passava em frentea todos os prdios; posteriormente, foram abertas as ruas que, a princpio, passavam pelos fundos e

    que, de fato, no eram to necessrias nessa poca.No projeto inicial, ao lado de cada edifcio destinado ao ensino, situava-se um alojamento para

    estudantes ou professores. Sempre separado por um jardim, cada edifcio tinha sua independncia epersonalidade. As funes e a destinao de cada edifcio eram mais definidas e no havia asuperposio de cursos muito diferenciados nem a superposio de funes muito distintas nummesmo prdio. Uns eram destinados ao ensino, outros ao alojamento, outros a refeitrios, bibliotecaetc., de tal forma que cada edifcio tinha um uso preponderante.

    Estas construes no se assemelhavam, em nada, aos prdios monacais ou edifciosalongados dos collegesingleses. As plantas, geralmente quadradas, permitiam que os edifcios fossembanhados pelo sol e ventilados em todas as faces, graas forma e ao afastamento entre eles. A vastarea do campuspermitia esta individualizao e distanciamento entre os edifcios. Naturalmente, todoo conjunto era mais arejado e o reconhecimento de cada prdio facilitado por seu aspecto e localizaoindividual.

    No constitui surpresa a opo do projeto dos edifcios pelo estilo clssico, afinal este era arepresentao simblica da racionalidade to desejada. Todos os edifcios dessa primeira fase exibem,em suas fachadas e frontes, ou numa srie de colunas, um arranjo claramente inspirado em umVignola. As construes, como todas as do perodo neoclssico, eram erguidas em alvenaria e cobertascom telhas ou ardsia. Excetuando-se a fachada, corretamente desenhada segundo as regras dosmanuais, o edifcio era uma construo comum de alvenaria sem maiores detalhes simblicos nemreferncias marcantes da cultura grega. So construes relativamente simples, mas sempre se teve ocuidado de deix-las claras e ventiladas, com muitas janelas e aberturas generosas.

    Fig. 15 - Universidade da Virginia - edifcio

    Tudo deveria contribuir para o projeto de formao de um cidado diferenciado que assumiria,um dia, os altos cargos de direo, indicando os rumos do pas.

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    Fig. 16 - Universidade da Virginia mapa atual

    Como j afirmamos, a proposta do campus universitrio foi no s aceita como imitada noresto do pas. Em 1892, a Duke University construa seu campus baseado nas propostas daUniversidade de Virginia. Posteriormente, a Johns Hopkins, a Rice University e, em 1915, aVanderbilt University seguiram os mesmos conceitos. A idia de campusestava estabelecida e passavaa representar o local, por excelncia, do trabalho acadmico e universitrio. A idia difundiu-se pelomundo e at hoje continua a ser repetida. Nos EUA, os campi tornaram-se verdadeiras cidadesespeciais cercadas, com o decorrer do tempo, pela malha urbana das cidades prximas existentes, mas,continuando fechadas, com seu territrio definido e limitado e com o privilgio de estabelecer, dentrode certos limites, suas normas, regras e padres. O campus tornava-se o territrio de privilegiados:local destinado formao de dirigentes, pesquisa e produo cientifica sem a interferncia nefastadas cidades. Territrio independente, calmo, agradvel e completamente equipado para cumprir seusobjetivos. Nascia, assim, um novo territrio.

    6. Universidades brasileiras

    O ensino superior leigo, no Brasil, iniciou-se com a chegada da famlia real portuguesa, noincio do sculo XIX. verdade que os Jesutas, em alguns de seus colgios, ofereciam curso superiorde Teologia destinado a preparar os futuros religiosos. D. Joo VI, primeiramente em Salvador edepois no Rio de Janeiro, criou vrios cursos superiores profissionais que formavam os quadros para oEstado: cursos militares, como os da Academia Militar e da Academia da Marinha, cursos de medicinae cirurgia e o de matemtica que oferecia conhecimentos exigidos tanto pela engenharia militar quantopela engenharia civil. Foram ainda criados outros cursos no militares para formar profissionais para aburocracia do Estado, como os de agronomia, de qumica, de desenho tcnico, de economia poltica ede arquitetura. Acrescentaram-se a estes cursos, os destinados a formar profissionais produtores debens simblicos, como os de msica, desenho, histria. O prprio curso de arquitetura erasintomaticamente oferecido pela Academia de Belas Artes. Tais cursos foram implementados,principalmente, com a vinda da Misso Francesa, em 1820. Se incluirmos nesta relao as duasAcademias de Direito So Paulo e Olinda criadas em 1827, teremos o quadro do ensino superiorbrasileiro no perodo imperial. De todos eles, os mais prestigiados eram os cursos de Direito,formadores dos bacharis que elaboravam, discutiam e interpretavam as leis, tarefa essencial daburocracia do Estado (CUNHA, 1980, p. 62-63).

    Ao longo do sculo XIX, estes cursos e escolas sofreram transformaes, outros foramcriados, mas o fundamental que o ensino superior brasileiro, desde sua criao at a primeira metade

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    do sculo XX, foi estruturado em estabelecimentos isolados. No decorrer do perodo, houve vriastentativas frustradas de criao de universidades. Em 1920, foi criada a Universidade do Rio deJaneiro, a primeira instituio de ensino superior do Brasil que vingou com o nome de universidade.Tanto esta, quanto as que foram posteriormente criadas, como a de Minas Gerais (1927) e a de SoPaulo (1934), foram organizadas pela justaposio de escolas j existentes, reunidas sob uma reitoriarecm-criada.

    O ensino superior brasileiro foi, tradicionalmente, marcado pelo crescimento do nmero de

    escolas isoladas. No entanto, nos dez anos que antecedem o golpe militar de 1964, a organizaouniversitria tornou-se predominante. Em 1945, havia 5 universidades no Brasil e, em 1964, j eram37. O nmero de estabelecimentos isolados tambm aumentou: subiu de 293 para 564, neste perodo, oque significa que o nmero de universidades foi multiplicado por sete, enquanto o nmero de escolasisoladas no chegou a dobrar. (CUNHA, 1983, p. 253).

    Quanto aos modelos adotados pela universidade brasileira, Luiz Antonio Cunha afirma que ato fim do Estado Novo, os principais paradigmas eram os dos pases europeus. A partir da, asuniversidades norte-americanas, prestigiadas pela contribuio tecnolgica que deram ao esforo deguerra, tornaram-se o principal modelo para a universidade brasileira (CUNHA, 1983, p.151),inclusive, acrescentamos, no que diz respeito sua organizao espacial, a cidade universitria oucampusuniversitrio.

    Na verdade, a designao campus ou cidade universitria acabaram por definir o mesmoespao, com os mesmos objetivos. Cidade Universitria era, talvez, a aspirao inicial dos primeiroscampi instalados no Brasil: uma pequena cidade, apartada daquelas que poderamos chamar deregulares. Esse ncleo teria a capacidade de oferecer ensino, mas tambm de abrigar centros depesquisa, acolher alunos e professores, oferecer, enfim, todos os servios que qualquer cidade oferece.Todavia, isso no acontece. Os servios que os campibrasileiros oferecem mesmo um dos maiores,o da USP so restritos e deficientes. Os alojamentos para estudantes oferecem poucas vagas e no hmoradia para os professores. Servios, como transportes, s funcionam com regularidade nos diasteis e supermercados e outros comrcios necessrios subsistncia so raros e, na maioria dos casos,inexistentes. Os campibrasileiros no so auto-suficientes; dependem ainda e muito das cidades emque esto localizados e o termo cidade universitria no passa de uma aspirao que nunca se realizou.

    Campus seria o conceito mais apropriado. Trata-se de um territrio fechado, comadministrao independente e que abriga espaos de ensino, aprendizagem e pesquisa. Renem algunspoucos servios fundamentais como refeitrios, lanchonetes, farmcias, xerox, papelaria e

    praticamente s isso. O sonho da cidade universitria autnoma e independente, no Brasil, foi s umsonho. Por falta de verbas necessrias, este ideal foi sendo sempre postergado e nunca realizado.A histria dos diferentes campi universitrios no Brasil, ressalvados alguns aspectos

    particulares, muito semelhante. O Estado desapropria ou, s vezes, ganha uma determinada rea,geralmente distante da cidade por ser menos onerosa, solicita a contribuio de alguns profissionaispara a elaborao de um plano e de um projeto arquitetnico, realiza solenidades, descerra placas einicia as obras que, normalmente, duram pouco tempo. As verbas terminam e a obra de construo docampus pra. Nova administrao, novas esperanas, novas verbas e uma nova equipe, desta vez,geralmente composta por docentes altamente titulados: um novo plano realizado, novas metas sodefinidas. Realiza-se o que a verba permite. Fim da verba, fim da equipe, fim do plano e quase semprefim das obras.

    6.1. Ocampusda Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Este crculo vicioso se repete desde a implantao do campusda Universidade Federal do Riode Janeiro, o primeiro construdo no pas. Projetado pelo escritrio tcnico da Universidade do Brasilsob a responsabilidade do arquiteto Jorge Machado Moreira comeou a ser construdo depois de dezanos de estudos (1935-1945). Optou-se por construir a cidade universitria numa ilha artificial na baada Guanabara, Esturio de Manguinhos, na enseada de Inhama. As ilhas do Fundo, Catalo, BomJesus e Sapucaia foram interligadas criando uma superfcie de 4,8 milhes de metros quadrados e ali,tendo o Po de Acar como cenrio, iniciou-se, a partir de 1954, a implantao do campusda entoUniversidade do Brasil, posteriormente, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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    Fig. 17 Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Como nas obras dos campique vieram a ser implantados, em seguida, este incio foi ativo e demuitas obras. As ilhas foram interligadas, parte da infra-estrutura foi construda e alguns edifcioscomearam a aparecer. O projeto, inspirado nas regras de zoneamento urbano, discutidas eapresentadas pela Carta de Atenas, previa uma organizao por setores: administrao, unidadesacadmicas, alojamentos e servios auxiliares. Toda a rea deveria ser um parque contnuo, cortadopor ruas para automveis e pedestres que interligavam os edifcios implantados sempre isoladamente.Era o plano clssico moderno e que pode ser visto em cidades novas planejadas e em outros campiimplantados no Brasil. Como se pode perceber, o plano, desde o incio, no propriamente o de umacidade e no prev servios, nem mesmo espaos importantssimos para caracterizar um ncleourbano. Como j afirmamos, em algum momento, criou-se a denominao de cidade universitria,mas, de fato, o que se construa e se constri at hoje so campi. A idia de uma regio autnoma eindependente com servios regulares de toda ordem, um ambiente calmo e controlado, voltado para apesquisa e o ensino s se realizou mesmo nas universidades norte-americanas.

    No Brasil, o campusera, e ainda , uma regio delimitada que rene unidades de ensino epesquisa, alguns servios imprescindveis para sua manuteno e para seus usurios e umaadministrao centralizada nas reitorias e nas prefeituras dos campi. A cidade o aglomerado urbanoque comea a partir dos limites do campuse onde se situam os servios e a infra-estrutura necessriospara a vida cotidiana. Os campi brasileiros nunca ofereceram essa complexa estrutura que pode serobservada nos norte-americanos. O modelo existente tem servido aos propsitos do ensino e dapesquisa, mas est distante da concepo de cidade universitria.

    A frentica fase de construo do campusda UFRJ no durou muito tempo. O plano inicialpde ser implantado, em parte, e, ainda hoje, tem sido mantido, na medida das convenincias, mas, noque se refere aos edifcios (de toda ordem), o respeito ao projeto inicial foi abandonado e as novasconstrues so feitas a partir de recursos inconstantes e ocasionais.

    6.2 Ocampusda Universidade de So Paulo

    Nos campi da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, e mesmo no daUniversidade de So Paulo que tiveram as obras iniciadas logo depois das do campus da UFRJ, asituao no foi muito diferente. A USP, ao menos, podia contar com financiamento do Estado, umavez que era aspirao de uma intelectualidade conceituada e influente e contava (como ainda conta)

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    com considervel apoio poltico. Afinal, trata-se de universidade pblica financiada pelo Estado maisrico da federao. As verbas para a implantao de seu campusprincipal, o do Butant, em So Paulo,foram, no incio, e em algumas fases posteriores, substanciosas, mas, mesmo assim, o campus, emboramuito grande e bem administrado, no pode ser chamado de cidade universitria. um campusgrandee bem equipado, mas distante do conceito de uma cidade autnoma.

    Este campus, bem como o da UFRJ, nasceu da aspirao de juntar, num mesmo stio, vrioscursos j existentes e funcionando em diversos locais da cidade. Assim, a Universidade de So Paulo,

    criada em 1934, pelo governador Armando de Salles Oliveira, congregou as tradicionais EscolaPolitcnica, a de Medicina, a Faculdade de Direito, a Escola Superior de Agronomia, a Escola deVeterinria e criou a Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras. Em 1935, o governador nomeou umaComisso encarregada de estudar e propor a localizao de uma cidade universitria que abrigasse aUSP.

    Como nas justificativas para a implantao do campus da UFRJ, podemos ver, tambm naUSP, alguns pressupostos que nortearam a implantao dos campinorte-americanos. Ernesto de SouzaCampos elaborou uma justificativa onde enumerava, ao menos, doze motivos para a criao da cidadeuniversitria. Dentre eles, destacamos:

    [...] - exerccio real e eficiente das funes da Reitoria que assim ter, sobsuas vistas imediatas, todo o conjunto universitrio;- centralizao de departamentos ou institutos idnticos ou afins de acordocom as convenincias didticas, pedaggicas e econmicas;- centralizao bibliogrfica em biblioteca comum;- centralizao dos desportos;- centralizao burocrtica de servios idnticos;- formao do esprito universitrio, libertando alunos e ex-alunos doconceito de uma s escola como sua alma mater. (idem,ibidem, p. 155).

    Adiante, em seu relatrio enumera ainda condies necessrias para a eficincia do sistema.Ressaltamos algumas:

    [...] - vias de acesso e de comunicaes internas no sentido de proporcionare de evitar o congestionamento de estudantes no trfego dirio;

    - bons parques de estacionamento de viaturas, tomando em consideraouma populao universitria que poder atingir 10.0000 alunos;- sistematizao dos edifcios ou zoneamento, com determinao de setoresvizinhos.Teramos assim, os setores de engenharia, de belas artes, derecreao, de esportes, residencial etc.;- disposio de setores e edifcios respectivos, de modo a no ficarem muitoesparsos nem muito concentrados.- preparao do conjunto sob forma de parque aprazvel e de recreio;condies adequadas para exerccio dos diversos objetivos da universidade,a saber: educao, instruo, pesquisa, rotina, expanso cultural econservao da cincia (Idem, ibidem, p. 156).

    Desta forma, Ernesto Souza Campos, em 1935, apresentou uma pesquisa que indicava

    possveis locais para a instalao da cidade universitria. Um deles propunha uma rea deaproximadamente 10 milhes de metros quadrados e que se estendia desde a Faculdade de Medicina,prxima avenida Paulista, at o Instituto Butant, na outra margem do rio Pinheiros. Tratava-se deuma rea imensa num dos locais mais valorizados da cidade. A rea foi rejeitada e criou-se apenas oEscritrio Tcnico para a elaborao e o estudo do plano. Participavam deste Escritrio, intelectuais(professores), engenheiros, arquitetos, desenhista e servente. O Escritrio Tcnico concebeu um planoformado por vrios setores com relativa independncia: setor da Reitoria, biblioteca, teatro, setor defilosofia, cincias e letras, setor de economia, setor biolgico, setor de esportes etc. Mesmo sendo estanova rea bem menor que a primeira, ainda era enorme e o plano, grandioso. O projeto no foi adiante.

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    S em 1942, foi expedido o decreto que declarava ser de utilidade pblica a rea de 1.800.000metros quadrados na regio entre a nova e a velha estradas de Itu. Novos Escritrios Tcnicos foramformados e dissolvidos, concursos de idias realizados, mas, somente em janeiro de 1951, foi lanada,numa grande solenidade, com a participao do Governador do Estado e de altas autoridades civis emilitares, a pedra fundamental do edifcio da Reitoria no campusdo Butant. Comeavam as obras daCidade Universitria da Universidade de So Paulo.

    Um novo Escritrio Tcnico foi criado, dessa vez sob a orientao do arquiteto Hlio de

    Queiroz Duarte que j havia participado de diversas iniciativas no campo da arquitetura escolar. Asobras continuaram em ritmo lento e, em 1959, no governo Carvalho Pinto, foi criado um Fundo para aconstruo da cidade universitria que permitiria a continuidade das obras e o incio de outras. Nessaocasio, o responsvel passou a ser o arquiteto Paulo de Camargo e Almeida que reviu os planos e osencaminhou na perspectiva de departamentalizao dos Institutos, o que previa novos agrupamentosde edifcios em setores da rea de conhecimentos afins.

    Projetos de urbanismo e arquitetura foram realizados por mais de quarenta escritrios dearquitetura da cidade. Os projetos eram realizados em seus estdios e coordenados pelo EscritrioTcnico da universidade. Diversos arquitetos renomados fizeram parte desse grupo e realizaramprojetos significativos para a Universidade, como por exemplo, Rino Levi, Eduardo Kneese de Melo,Villanova Artigas, Bratke, caro de Castro Melo. Trata-se de uma gerao que estava envolvida eproduzindo arquitetura inspirada nos paradigmas modernos. Os edifcios do campus e mesmo seutraado apresentam claramente essa tendncia. Nos primeiros planos, uma pequena parte do campusfoi desenhada com claras evidncias da influncia dos projetos da Companhia City que projetara, paraa cidade de So Paulo, bairros como o Jardim Amrica, o Jardim Paulista e outros. O traado sinuoso,orgnico, contornando praas e reas verdes, bem ao estilo das cidades-jardim inglesas, marcantenessa pequena rea da entrada da Cidade Universitria. Posteriormente, a opo foi mais pragmtica eavenidas amplas de duas vias passaram a cortar o campus nos dois sentidos: vias rpidas, semcruzamentos, amplas e retas. Houve certa preocupao em respeitar a topografia sem cortes ou aterrosagressivos, mas no campus tornou-se evidente a opo pelo automvel e transportes coletivos. Oambiente de parque, tranqilo e inspirador para o trabalho acadmico, foi delimitado por pequenosbosques e praas. O caminhar, apesar das amplas e bem tratadas caladas, passou para um plano maisdistante. O traado moderno, praticamente ortogonal e voltado para o trfego automotivo, eraevidentemente mais barato que uma proposta orgnica que enfatizava a topografia e criava, alm dospercursos para pedestres, praas intermedirias, locais de lazer e outros espaos projetados nos vazios

    entre os edifcios. Esses chamados no espaos acabaram permanecendo livres espera de possveisampliaes de alguma unidade.A histria desse campus, entretanto, apesar de privilegiado por verbas e prestigio, no muito

    diferente da dos outros. Escassez de verbas, vontade dos integrantes das Comisses e mudanas naadministrao acabavam determinando uma descontinuidade no processo de implantao. certo que,em obras dessa magnitude, as verbas nem sempre esto disponveis ou, s vezes, no constituemprioridade do Estado, mas o fato que muitas delas foram projetadas e nem saram do papel, outraslevaram anos para serem concludas e outras, ainda, esperam sua finalizao. Como aconteceu emoutras universidades, a USP montou seu Escritrio Tcnico Permanente, o FUNDUSP, Fundo deConstruo da USP, (em 2002, passou a denominar-se COESF, Coordenadoria do Espao Fsico) cujomaior objetivo era cuidar de projetos e de obras da universidade. O Escritrio aprovava, ou no, osaspectos tcnicos, mas a aprovao final sempre cabia Reitoria ou s comisses designadas.

    Com o tempo, a USP construiu ou incorporou vrios outros campipelo interior do Estado que,

    infelizmente, no tiveram os privilgios do campusdo Butant. As verbas, insuficientes para o campusde So Paulo, eram ainda menores para os campi do interior do Estado. Aps a instalao deprefeituras administrativas em cada campus, essa situao teve uma melhora bastante razovel, masum problema ainda persiste: so raras as discusses pedaggicas que poderiam apontar paratransformaes ou inovaes nos edifcios e nos prprios campi. Os edifcios so projetados a partir deconceitos j estabelecidos e que, em muitos casos, infelizmente, j no correspondem s necessidadesde certas carreiras e disciplinas.

    J em 1962, Mrio Pedrosa, num Parecer sobre a cidade universitria da USP, assim seexprimiu:

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    A consolidao da cidade universitria da Universidade de So Paulo (USP) um longo enredo de iniciativas frustradas. Nenhum projeto concebidopelas vrias administraes que se responsabilizaram pelo planejamento docampus e de seus edifcios logrou ser implementado por completo,perdendo-se ao longo do tempo e das gestes, a integridade prpria desolues coerentemente planejadas. Muitas propostas algumas de inegvelvalor arquitetnico e urbanstico sequer saram do papel (SEGAWA e

    DOURADO, 2003, p.65).

    A reforma universitria de 1968, consubstanciada no Decreto-Lei 5540/68, no perodo dosgovernos militares, entre outras medidas, props duas que tiveram reflexos diretos na configuraodos novos edifcios dos diversos campi: a criao dos institutos e dos departamentos e o princpio dano duplicao de meios para fins idnticos ou equivalentes. Os institutos deveriam agregar carreirasafins, passando a ter relativa autonomia de decises, verba especfica e controle sobre osdepartamentos a ele ligados. Aos departamentos, estrutura menor, caberia a formao especfica. Oreflexo nas edificaes foi significativo. A maioria dos prdios pde diminuir suas dimenses j quepassaram a abrigar, praticamente, apenas os docentes e a administrao. Os alunos foram distribudospor diversas centrais de salas de aula localizadas em diversos pontos do campus. Os edifcios desalas de aula no pertencem a nenhum departamento ou instituto e servem a todos eles, conforme asnecessidades. Os departamentos podem ser abrigados em prdios compactos, distribudos pelocampus, conforme vo surgindo. Apesar da inteno de implant-los prximos a seus institutos deorigem, isso nem sempre foi possvel. As construes j existentes e, muitas vezes, as reas restritasdos campi acabaram por definir suas localizaes onde fosse possvel. Assim, o plano de concentrarreas de ensino em regies definidas do campus no teve continuidade.

    No decorrer dos tempos, o projeto e a implantao de edifcios bem como os planosurbansticos no sofreram modificaes substanciais em relao a estes modelos e encaminhamentos.Dependendo mais especificamente das carreiras, os departamentos apresentam algumastransformaes, mesmo assim pequenas, na configurao dos prdios. No geral, o modelo sempre serepete: departamentos com salas lado a lado para docentes e infra-estrutura mnima para seufuncionamento, tais como, secretaria, sala de reunies, sanitrios. As centrais de salas de aula, tambmso compostas de salas tradicionais de aula, colocadas lado a lado, sempre tentando maximizar o usodos espaos. Na maioria, so edifcios de dois andares com infra-estrutura bastante simples e, muitas

    vezes, deficientes. A poltica, j histrica, de construir edifcios ao menor preo possvel tem semostrado, na verdade, alternativa cara e problemtica. Novas tecnologias, processos didticos maiseficientes sempre acabam por exigir reformas e novos investimentos. Apesar do conhecimento dessaspossibilidades, quando o projeto realizado elas so abandonadas em funo de verbas ou deurgncias nem sempre bem justificadas. Enfim, construir barato e planejar apressadamente tmcustado muito mais dinheiro e esforos do que se o planejamento tivesse sido seguido desde o incio.Interrompe-se a utilizao dos espaos que devem ser reformados e desencadeiam-se contratemposque prejudicam aulas, interferem no andamento das pesquisas e dos trabalhos dirios.

    No podemos esquecer, entretanto, que apesar das questes apresentadas, a Universidade deSo Paulo tem cumprido regularmente seus objetivos e quando comparada a outras, sejam estaduais,federais e mesmo particulares, oferece, para nossos padres, estruturas especiais e privilegiadas para oensino, a pesquisa e a convivncia. Insistimos no fato de que seus campi no se aproximam dosprojetos de cidades universitrias como as propostas nos EUA, que os inspiraram, nem mesmo

    daqueles que faziam parte dos sonhos e dos projetos iniciais desta Universidade.6.3 Ocampusda Universidade Federal de Minas Gerais

    Por fim, apresentamos o campusda Universidade Federal de Minas Gerais. Nossa opo poresse campusem particular vem de suas caractersticas. Uma delas, o fato de estar dividido em duasreas: uma, eminentemente urbana, em regio central de Belo Horizonte, distribuda em diversosedifcios e outra, em bairro distante do centro, configurando-se como os demais campi: uma imensarea cercada e ainda relativamente vazia de edifcios.

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    A Universidade de Minas Gerais foi criada em 1927, por iniciativa do governo estadual. Estauniversidade tambm se organizou pela aglutinao de quatro escolas de nvel superior que jfuncionavam em Belo Horizonte: Direito, Odontologia, Medicina, Engenharia e o curso de Farmciaanexo Escola Livre de Odontologia.

    Em 1949, a universidade foi federalizada, mas antes disso (em 1940), j havia sidoincorporada ao patrimnio da universidade, uma grande rea na regio da Pampulha onde deveriamser construdos, inicialmente, um colgio tcnico e a reitoria. Somente em 1965, passou a chamar-se

    Universidade Federal de Minas Gerais.Logo aps a federalizao, vrios outros cursos foram criados, mas a opo foi a da

    permanncia na rea central da cidade e em alguns bairros. Atualmente, a UFMG ocupa trs reas: ochamado campusSade, situado no centro, com as faculdades de Medicina, a Escola de Enfermagem eHospital das Clnicas e outros cursos da rea mdica; as Unidades Isoladas, Cincias Econmicas,Direito, parte da Engenharia e a Escola de Arquitetura, tambm localizadas, em sua maioria, no centroda cidade, mas com perspectiva de mudarem-se para a Pampulha; por fim, o campusda Pampulhaonde foram instalados cursos criados a partir da dcada de 60.

    O projeto do campusficou sob a responsabilidade de arquitetos e engenheiros da prefeitura daUniversidade. O edifcio da Reitoria, projeto de Eduardo Mendes Guimares Junior, o nico que sedestaca em meio a uma profuso de construes moduladas de concreto.

    Figs. 18 e 19 - rea central e Campus da Pampulha

    Ao que tudo indica, o projeto e a construo deste campus foram determinados por duaspremissas principais: rapidez e economia. O plano do campus no apresenta nada de especial. adequado s determinaes da Reforma Universitria de 1968 e est zoneado a partir de institutos edepartamentos implantados nas suas proximidades. Numa rea central, situa-se a Reitoria, nicoedifcio, como afirmamos, a apresentar uma linguagem diferente da racional, econmica e despojadados volumes de concreto de todos os outros edifcios. Conceitos como estrutura independente davedao, relao forma/funo em um desenho modulado foram levados ao extremo e o resultado foium conjunto cinza de edifcios pesados, uns praticamente iguais aos outros. Felizmente, reas verdesainda conferem um pouco de graa e movimento a esta massa cinza, de ngulos retos, amarrada aosolo. Os edifcios, articulados de forma tradicional, com salas alinhadas e os invariveis corredoresresultantes, cumprem sua funo bsica e nada mais.

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    Fig. 20 Universidade Federal de Minas Gerais

    Fig. 21 - Universidade Federal de Minas Gerais

    Como sabemos, a atividade de ensino, na verdade, pode acontecer em qualquer lugar. Osexemplos so muitos. Entretanto, numa universidade, ou melhor, num campus universitrio, isto,inegavelmente, traz conseqncias. A inexistncia de espaos em que possam fruir as atividades

    acadmicas extracurriculares que, geralmente, do personalidade populao acadmica e soimportantssimas para a formao do cidado, deixam de acontecer. Os princpios de que os campideveriam, alm de oferecer a formao regular, contribuir para a formao de um cidado consciente ecapaz de contribuir, com mais qualidade, com a sociedade deixam, certamente, de acontecer em locaisespartanos como estes. A escola, o campus tornam-se locais de uso restrito e de passagem rpida, osuficiente para cumprir as exigncias bsicas de cada curso ou carreira. Enfim, trata-se de umaglomerado de prdios com linguagem repetitiva e espaos modulados estritamente voltados para suasfunes. Tudo isto, agravado pela inexistncia de manuteno, acaba por tornar todo esse espao bempouco atrativo para os usurios sejam docentes, pesquisadores ou alunos. A infra-estrutura de servio mnima e se resume ao essencial: algumas lanchonetes, rea desportiva e edifcios administrativos.No de se estranhar, pois, que as escolas situadas no centro da cidade resistam em se transferir para ocampus.

    Como j afirmamos, o campusest parcialmente ocupado e ainda resta uma grande rea para

    construes; porm, ser uma lstima se for repetida a ocupao caracterstica desta primeira etapa,em que no h relao alguma entre preceitos pedaggicos e arquitetura apropriada, nem umurbanismo capaz de congregar e permitir as necessrias e esperadas iniciativas sociais e culturaiscomuns e indispensveis nestes espaos to especiais. A esperada cidade dentro de uma outra cidadepassa a ser apenas local de uso e de passagem. A comunidade passa a no ter reais condies de seformar e de propor iniciativas. Como os blocos de edifcios, a comunidade universitria torna-se massasem face que vai e vem sem nada deixar.

    Em sntese, foi a partir das rpidas e profundas transformaes ocorridas no ensino superiorbrasileiro a partir dos anos 1960, especialmente no setor federal, que o espao universitrio passou aorganizar-se em campus. Como afirma Luiz Antonio Cunha, o argumento mais importante para

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    justificar esta soluo era, sem dvida, atingir os objetivos financeiros da Reforma Universitria de1968 que propunha a no duplicao de meios para fins idnticos ou equivalentes. Era igualmenteimportante a minimizao dos custos com um ensino superior em rpida expanso. Os consultoresnorte-americanos insistiam na idia de campus, no s por ser esta a experincia deles, mas tambmporque julgavam que, assim, poderiam atenuar a considerada excessiva politizao dos estudantesbrasileiros que, poca, realizaram ruidosas passeatas clamando por mais verbas e mais vagas nauniversidade. Como j vimos, os EUA ofereceram este modelo de organizao do espao universitrio

    e no Brasil, desta poca, tal modelo foi aceito e apoiado pelas fontes de financiamento internacional,sobretudo, norte-americanas. O sucesso do modelo deveu-se receptividade do Conselho Federal deEducao e das Reitorias das universidades (CUNHA, 2000, p. 182-183).

    Os campi e as propostas de cidades universitrias constituram um desafio novo paraurbanistas, arquitetos e educadores. Ainda no existia nenhum exemplo de cidade totalmente planejadavoltada especificamente ao ensino e pesquisa e que, ao mesmo tempo, preservasse caractersticas dascidades comuns. Como vimos, os primeiros campi foram implantados em locais relativamentedistantes das cidades existentes e pretendiam ser instituies para formar o cidado e os profissionaisdirigentes responsveis pelo desenvolvimento do pas. Deveriam, ainda, ser um lugar agradvel e bemequipado para as atividades de ensino, pesquisa, esportes e lazer.

    Desde as primeiras propostas de campi, o zoneamento por reas de atividade j fica evidente.Edifcios com atividades afins agrupavam-se em funo de suas especialidades. Pequenas regiesabrigavam, como ainda acontece, os conjuntos formados por estes prdios: institutos ou centros e seusdepartamentos, alojamentos, refeitrios etc. Neste sentido, j encontramos uma diferena marcante emrelao s cidades que conhecemos, onde o desenvolvimento e a implantao dos edifcios acontecemde forma mais livre e dependem, quase sempre, de aes especuladoras. Nas cidades universitrias,tudo depende de um plano elaborado e, geralmente, seguido, ao menos em seus aspectosfundamentais. Ao circularmos pelos espaos de uma cidade universitria, constatamos, com facilidade,a ao do planejamento que define uma ordem artificial marcada pelo desenho das ruas e pelaimplantao setorizada dos edifcios. s vezes, nas construes, opta-se por uma racionalidade quedefine materiais, tcnicas, modulao e, consequentemente, formas e espaos. Assim, fica impossvelsaber a que fim se destina o edifcio, pois todos so rigidamente iguais, em todos os aspectos. Quandoexiste, uma placa orienta. A circulao geralmente d preferncia aos automveis e s recentementeiniciativas voltadas aos pedestres tm sido adotadas. Se o terreno no plano, a topografia recortada,pois parte-se do princpio do melhor aproveitamento com o menos custo. Mas, mesmo quando o

    terreno plano, no se tem garantido uma ao paisagstica que oferea menos rigidez ao conjunto.Enfim, nossos campiconstituem lugar de trabalho e de passagem.Estas observaes so vlidas para as universidades pblicas de todo o pas nas quais o

    modelo de campuspassou a ser a regra. As universidades privadas, que tiveram uma expanso enormenas ltimas dcadas, seguiram o caminho inverso, expandindo suas instalaes na malha urbana, sejaem grandes edifcios verticais e/ou pequenas casas prximas umas das outras, mas sempre em regiesmuito bem servidas pelo sistema de transportes. Esse conjunto tambm denominado campus.

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