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15/02/13 Cenários e Análise Estratégica: questões metodológicas www.espacoacademico.com.br/059/59toni.htm 1/10 Por JACKSON DE TONI Economista, Mestre em Planejamento Regional e Urbano (UFRGS/1994), Técnico em Planejamento da Secretaria da Coordenação e Planejamento do Estado do Rio Grande do Sul e professor do Depto. de Economia da ULBRA (RS) Cenários e Análise Estratégica: questões metodológicas Introdução Este trabalho trata dos problemas envolvidos na elaboração de cenários e definição de estratégias como etapas do processo de planejamento estratégico. Na primeira parte (Como fazer cenários?”) abordamos os principais problemas teóricos envolvidos na definição de cenários futuros e recomendamos um conjunto de procedimentos metodológicos para sua elaboração. Na segunda parte (“A construção das estratégias de viabilidade do plano”) abordamos o tema do desenho de estratégias, isto é, tratamos dos problemas da viabilidade das ações planejadas, do relacionamento com outros atores sociais e das questões relativas ao uso do poder no processo de planejamento. O marco teórico geral desta concepção de planejamento foi abordado em outro artigo[1] , ele incorpora a elaboração de cenários como ferramenta essencial para construir viabilidade ao planejamento, o centro de sua metodologia é a fusão da dimensão política com a dimensão técnica. Nossa preocupação essencial ao abordar este tema foi problematizar o ambiente de governo e o uso de técnicas de gestão. Apesar dos avanços importantes da administração pública federal nos últimos anos, particularmente com as inovações introduzidas pelo Plano Diretor da Reforma do Estado desde 1998, as técnicas de planejamento e gestão estratégica permanecem muito rudimentares. Neste campo – a administração pública - o domínio por excelência da incerteza e da imprevisibilidade exige constante aprimoramento e revisão crítica das práticas atuais. Este trabalho se propõe a contribuir nesta direção, isto é, para a modernização metodológica do processo de planejamento público, onde cenários e pensamento estratégico são ainda mais imprescindíveis e justificáveis. Uma breve retrospectiva O uso de cenários se generaliza a partir da teoria militar e ganha terreno como ferramenta de gestão pública e privada a partir dos estudos da Rand Corporation, do Clube de Roma desde os anos cinqüenta e do Hudson Institute (Herman Kahn). Grandes corporações empresariais como a Shell ou empresas de consultoria como a Global Business Network (GBN, fundada por Pierre Wack e Arie de Geus), difundiram e popularizaram metodologias hoje largamente conhecidas[2] . No Brasil o pioneirismo coube há pelo menos vinte anos, às empresas estatais de grande porte como a Petrobrás, a Eletrobrás ou a antiga Telebrás (CPqD), na prospecção de mercados, projeção de preços ou da demanda futura[3] . Variáveis essenciais para o planejamento estratégico e sobrevivência competitiva. No campo acadêmico poucas iniciativas merecem destaque, o estudo de Jaguaribe (1989) e de Rattner (1979) poderiam ser os destaques mais importantes. Nos anos oitenta e noventa diversas organizações governamentais desenvolveram cenarizações importantes relacionados ao desenvolvimento regional (SUDAM, Eletronorte), tecnologia (CNPq), financiamento tecnológico (FINEP), crédito e fomento (BNDES) até o marco representado pelo projeto “Brasil 2020” da antiga Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República em 1998[4] . O trabalho de prospecção no âmbito do governo federal continua atualmente no projeto “Brasil 3 Tempos: 2007, 2015 e 2022” protagonizado pelo Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. O método consiste em gerar Cenários Prospectivos promovendo uma consulta Delphi (perguntas estruturadas sobre eventos futuros em rodadas sucessivas) enviada a 50 mil pessoas e uma Matriz de Impactos Cruzados (hierarquiza variáveis segundo sua motricidade) com temas estratégicos nacionais (NAE, 2005). Estas tentativas particularmente no setor público, entretanto, não têm contribuído para criação de uma cultura organizacional e de planejamento que incorpore permanentemente a elaboração de cenários como prática de gestão, mesmo onde os recursos humanos e a tecnologia da informação estão mais avançados. No setor público a descontinuidade de projetos, a instabilidade institucional e a precariedade das bases de dados disponíveis têm contribuído para manter hegemônicas a mentalidade do curto prazo e da improvisação imediatista. Para trabalhar com cenários é preciso disposição para rejeitar a tentação das visões determinísticas, sejam elas profecias religiosas (“o futuro está nas mãos de Deus”), sejam elas de inspiração racionalista (todas as relações humanas estão estabelecidas por relações de causalidade conhecidas e definidas). O futuro não está definido e não há Clique e cadastre-se para receber os informes mensais da Revista Espaço Acadêmico

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PorJACKSON DETONI

Economista, Mestreem PlanejamentoRegional e Urbano(UFRGS/1994),Técnico emPlanejamento daSecretaria daCoordenação ePlanejamento doEstado do RioGrande do Sul eprofessor do Depto.de Economia daULBRA (RS)

Cenários e Análise Estratégica:

questões metodológicas

Introdução

Este trabalho trata dos problemas envolvidos na elaboração de cenários e definição deestratégias como etapas do processo de planejamento estratégico. Na primeira parte(“Como fazer cenários?”) abordamos os principais problemas teóricos envolvidos nadefinição de cenários futuros e recomendamos um conjunto de procedimentosmetodológicos para sua elaboração. Na segunda parte (“A construção das estratégias deviabilidade do plano”) abordamos o tema do desenho de estratégias, isto é, tratamos dosproblemas da viabilidade das ações planejadas, do relacionamento com outros atoressociais e das questões relativas ao uso do poder no processo de planejamento. O marcoteórico geral desta concepção de planejamento foi abordado em outro artigo[1], eleincorpora a elaboração de cenários como ferramenta essencial para construir viabilidade aoplanejamento, o centro de sua metodologia é a fusão da dimensão política com adimensão técnica. Nossa preocupação essencial ao abordar este tema foi problematizar oambiente de governo e o uso de técnicas de gestão. Apesar dos avanços importantes daadministração pública federal nos últimos anos, particularmente com as inovaçõesintroduzidas pelo Plano Diretor da Reforma do Estado desde 1998, as técnicas deplanejamento e gestão estratégica permanecem muito rudimentares. Neste campo – aadministração pública - o domínio por excelência da incerteza e da imprevisibilidade exigeconstante aprimoramento e revisão crítica das práticas atuais. Este trabalho se propõe acontribuir nesta direção, isto é, para a modernização metodológica do processo deplanejamento público, onde cenários e pensamento estratégico são ainda maisimprescindíveis e justificáveis.

Uma breve retrospectiva

O uso de cenários se generaliza a partir da teoria militar e ganha terreno como ferramentade gestão pública e privada a partir dos estudos da Rand Corporation, do Clube de Romadesde os anos cinqüenta e do Hudson Institute (Herman Kahn). Grandes corporaçõesempresariais como a Shell ou empresas de consultoria como a Global Business Network(GBN, fundada por Pierre Wack e Arie de Geus), difundiram e popularizaram metodologiashoje largamente conhecidas[2]. No Brasil o pioneirismo coube há pelo menos vinte anos,às empresas estatais de grande porte como a Petrobrás, a Eletrobrás ou a antiga Telebrás(CPqD), na prospecção de mercados, projeção de preços ou da demanda futura[3].Variáveis essenciais para o planejamento estratégico e sobrevivência competitiva. Nocampo acadêmico poucas iniciativas merecem destaque, o estudo de Jaguaribe (1989) ede Rattner (1979) poderiam ser os destaques mais importantes. Nos anos oitenta enoventa diversas organizações governamentais desenvolveram cenarizações importantesrelacionados ao desenvolvimento regional (SUDAM, Eletronorte), tecnologia (CNPq),financiamento tecnológico (FINEP), crédito e fomento (BNDES) até o marco representadopelo projeto “Brasil 2020” da antiga Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência daRepública em 1998[4]. O trabalho de prospecção no âmbito do governo federal continuaatualmente no projeto “Brasil 3 Tempos: 2007, 2015 e 2022” protagonizado pelo Núcleo deAssuntos Estratégicos da Presidência da República. O método consiste em gerarCenários Prospectivos promovendo uma consulta Delphi (perguntas estruturadas sobreeventos futuros em rodadas sucessivas) enviada a 50 mil pessoas e uma Matriz deImpactos Cruzados (hierarquiza variáveis segundo sua motricidade) com temasestratégicos nacionais (NAE, 2005).

Estas tentativas particularmente no setor público, entretanto, não têm contribuído paracriação de uma cultura organizacional e de planejamento que incorpore permanentementea elaboração de cenários como prática de gestão, mesmo onde os recursos humanos e atecnologia da informação estão mais avançados. No setor público a descontinuidade de

projetos, a instabilidade institucional e a precariedade das bases de dados disponíveis têmcontribuído para manter hegemônicas a mentalidade do curto prazo e da improvisaçãoimediatista.

Para trabalhar com cenários é preciso disposição para rejeitar a tentação das visõesdeterminísticas, sejam elas profecias religiosas (“o futuro está nas mãos de Deus”), sejamelas de inspiração racionalista (todas as relações humanas estão estabelecidas porrelações de causalidade conhecidas e definidas). O futuro não está definido e não há

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relações de causalidade conhecidas e definidas). O futuro não está definido e não hácapacidade humana e racional suficiente para predizer comportamentos sociais e singulares, só podemos trabalhar com a noção de riscos e probabilidades, em muitoscasos nem isso... Jamais saberemos dominar cognitivamente todas as relações de causa-efeito, mesmo as teorias mais modernas em planejamento já admitem que aimprevisibilidade não depende só da nossa ignorância sistêmica sobre a realidade em si,mas porque há de fato sistemas complexos, não lineares, cuja instabilidade emutabilidade caótica impedem qualquer previsibilidade confiável ou simplesmente nãopodem ser mensurados (Capra, 1996, Van Der Heijden, 1996). Os sistemas sociais têmesta natureza, são espaços do imponderável, da liberdade e criatividade humana, do podere da vontade, de ameaças e oportunidades. Desenhar cenários implica em montar umconjunto plausível de combinações possíveis e imagináveis. A percepção de cenáriosfuturos e a capacidade de antecipação talvez seja a primeira etapa da análise estratégicaem planejamento, ela segue e se completa com a problematização do tipo de estratégia aser adotada e seu encadeamento no tempo, assim como a relação do agente que planejacom os demais atores e seu contexto.

I. Como fazer cenários?

Vamos fazer um pequeno exercício para introduzir o problema. Recorde agora dois ou trêsacontecimentos dos últimos doze meses (ou três anos...) que afetaram significativamenteseu modo de ver as coisas ou seu comportamento...lembrou ? Agora tente voltar aopassado – antes destes fatos - e imagine o que você faria se conscientemente soubesseque eles teriam alguma chance ou probabilidade de acontecer ?! Talvez você não mudasseo curso da realidade, mas com certeza sua conduta teria sido outra...suas escolhas nãoseriam as mesmas. Pensar o futuro, formular cenários, mobiliza exatamente estessentimentos: insegurança, vontade, temor, esperança, desejos,... Estabelecer um roteirotentativo para organizar estes impulsos será o nosso desafio nas próximas páginas.

Ao desenhar projetos, ações, operações, supomos algum juízo sobre o resultado futuro donosso esforço, da mobilização de recursos, mesmo que isso não seja explicitadoclaramente. Esta direcionalidade do programa depende, contudo, de muitas outrasvariáveis que são controladas por diversos atores em contextos específicos, que sempresão nebulosos e impossíveis de predizer. Por isso, é preciso aprender com o passado,simular o futuro e diminuir as chances da improvisação.

A elaboração de cenários não é tarefa simples, depende de muitas variáveis combinadas:do grau de informação disponível, do grau de consenso do grupo, da legitimidade doprocesso decisório, da complexidade do problema a ser enfrentado, do grau degovernabilidade do ator que planeja e assim por diante. Quanto maior o âmbito temático doproblema e menor, por efeito, a governabilidade do ator que planeja, mais difícil fazer ocenário sem cair na armadilha da “futurologia especulativa”. Imaginar cenários é comofazer análise de conjuntura, só que para situações prováveis no futuro, tentandocriativamente projetar (ou fixar no tempo) prováveis comportamentos. O cenário desejadoserá sempre a “utopia futura”, a síntese entre o presente e os graus de liberdade que ascircunstâncias futuras e desconhecidas condicionarão nossos planos, projetos e desejos.

Normalmente o primeiro passo é elencar as variáveis importantes para o cenário (variáveisdeterminantes), de acordo com o âmbito do problema, a abrangência das operações e asdiretrizes da organização. Lembramos que as variáveis podem ser subdivididas de acordocom o grau de governabilidade que temos sobre elas para facilitar a análise posterior. Porexemplo, para a Casa Civil da Presidência da República a variável “número de votos noCongresso Nacional”, provavelmente implique em menor grau de governabilidade que avariável “recurso orçamentário não vinculado do governo federal” . Variáveis sobre as quaispossuímos total controle na verdade não são de fato “variáveis”, são “invariantes”.Processos sem riscos ou surpresas são raros nas “estórias sobre o futuro”, como oscenários foram chamados por Godet (1993)[5].

A seguir podemos construir três hipóteses básicas sobre o cenário, sendo o cenárionormativo (aquele que converge para nossa visão de futuro) uma versão possível para ocenário mais provável:

(1) um cenário de trajetória mais provável

(2) uma variação otimista do cenário provável

(3) uma variação pessimista do cenário provável.

Há que se definir com muito cuidado as hipóteses de comportamento para cada variávelem cada cenário e atentar sobretudo para aqueles condicionantes mais críticos e maisincertos (alguns poucos), pois sem dúvida serão estes que – caso venham a serconfirmados no futuro – impactarão os resultados esperados dos projetos com maisintensidade (Buarque, 2003). Por exemplo: quais são os condicionantes para as

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intensidade (Buarque, 2003). Por exemplo: quais são os condicionantes para asmobilizações sociais no próximo período ? Quais fatores-chave condicionarão ocomportamento dos movimentos sociais ? Hierarquizar variáveis e seus condicionantesajuda a identificar prioridades e focalizar os planos de contingência, otimizando recursosescassos. Uma técnica simples e eficaz que ajuda a estabelecer precedências entrevariáveis é cruzá-las em uma matriz de dupla entrada, descobrindo as relações dedependência e influência mútuas.

É evidente que o conceito de “provável” depende de uma série de fatores entre os quais aquantidade de informação disponível sobre o comportamento passado de determinadosagentes sociais e processos, os juízos de valor de cada um sobre o que pode acontecer,uma boa dose de “intuição cognitiva”, de sensibilidade e aprendizado, etc... Em todo caso,sempre devemos evitar dois extremos bem definidos: a extrapolação simples e projeçãolinear de tendências passadas ou a projeção de um quadro de absolutas descontinuidadese rupturas em todos os sistemas (sociais, econômicos, políticos, etc...).

É hora de perguntar: mesmo com todas estas dificuldades é importante elaborar cenáriosfuturos? A resposta é sim. Por que saber identificar prováveis ameaças e oportunidadescom antecipação permite-nos adquirir uma vantagem estratégica sobre os demais, otimizaos recursos de poder disponíveis, focaliza a ação naquilo que importa. Desenhar cenáriospermite simular a viabilidade futura das ações do plano. Este pensamento antecipativo nãopode ser confundido com adivinhação ou astrologia, trata-se de identificar tendências epadrões estruturais de comportamento, formular conjuntos coerentes de relações emodelar visões de futuro com plausibilidade, longe de qualquer charlatanismo.

Concluídos os cenários em suas três dimensões, revisamos os resultados esperados decada projeto e identificamos as vulnerabilidades existentes. Estas fragilidades serão fontesinspiradoras para redesenhar as ações ou elaborar outros projetos capazes de manter oresultado original. Identificar trajetórias variáveis (pontos de bifurcação) implica emcombinar a racionalidade dos modelos com a experiência acumulada e o aprendizadocoletivo, neste esforço reside (ou não) a qualidade dos planos de contingência. Porexemplo, um cenário provável de fragilidade dos sistemas de controladoria, deveria sugerirantecipadamente o desenho de estratégias alternativas para assegurar a probidadeadministrativa, a impessoalidade, etc...

Síntese das recomendações metodológicas:

Ter uma visão situacional da realidade como construção social: admitir e processara divergência de visões, opiniões e padrões de raciocínio como oportunidade paraqualificar e dar mais consistência aos cenários. Como disse Godet (op. cit.), ofuturo depende da capacidade hegemônica de atores sociais, eles são elementoscentrais dos cenários.

O futuro não é só a extrapolação de padrões comportamentais do passado:combinar o estudo sistemático do passado (retrospecção) com a identificação dastendências de descontinuidade.

Distinguir tendências conjunturais daquelas estruturais: estabilidade X ruptura depadrão de conduta ou comportamento: evitar o “impressionismo” derivado de fatosmarcantes no curto prazo, quase sempre a intensidade do que é visível nomomento imediato ofusca a liberdade para pensar sob padrões e regras diferentes.

Construir hipóteses alternativas com plausibilidade e factibilidade: possuir a noçãode restrição, conhecer os limites dos demais atores e de si próprio.

Imaginar as surpresas como rupturas dos padrões observados: atenção parafocalizar detalhes aparentemente “não-importantes”. É preciso duvidar dosconsensos e do senso comum, cultivar a “lateralidade do pensamento”, usar obrainstorming.

Nunca “congelar” os cenários, nem indicadores quantitativos: possibilitar insightscriativos, estimular a intuição e a imaginação, pensar o que é aparentementeimpensável.

É evidente que cabe ao grupo de planejamento monitorar a evolução dos cenários e suasprincipais variáveis para fornecer informações de gestão e execução do plano. Se nãohouver viabilidade para acompanhar e monitorar cenários ao longo da execução do plano,não vale a pena gastar energias na sua elaboração durante um quase sempre sofrível ecustoso processo de planejamento interno. Esta tarefa poderá ser atribuída, pordelegação, para um “Comitê de Gestão” ou qualquer outra instância responsável vinculadaà direção. É muito comum ver, especialmente no setor público, processos penosos deavaliação e metodologias sofisticadas que simplesmente ignoram a qualidade dos cenárioselaborados vis-à-vis produtos e resultados dos projetos. Avaliam produtos e resultados forade suas circunstâncias.

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de suas circunstâncias.

Como tratar com as incertezas no planejamento ?

Uma concepção mais moderna de planejamento concebe a inevitabilidade das incertezascomo categoria teórica central na elaboração do plano e na arte de planejar (Matus,1993). Não há como ignorar ou esconder incertezas de modo permanente, a menos queestejamos trabalhando de forma convencional e determinística (como é o limite dosmodelos econométricos, por exemplo). O cálculo estratégico nunca pode ser congelado,é um processo cujo formato deve mudar continuamente, na medida em que as condiçõesdo jogo social, são elas mesmas modificadas e produzidas incessantemente.

A organização social que planeja, por sua vez, deve estar sempre preparada para reagirrapidamente, aprendendo com o passado recente, acompanhando cenários, aguçando aimaginação e a intuição criativa (promover a “gestão do conhecimento”). Ou seja, oplanejamento deve de alguma forma preparar a organização para estar em prontidãopermanente, pronta para rápida reação diante de imprevistos. Quando aparentemente nãohouver alternativas políticas, entra em cena a capacidade de criar as próprias opções dastrajetórias futuras.

O preparo de planos de contingência e sua condição stand by não podem, em absoluto,diminuir o estado de prontidão diante das surpresas inevitáveis dos cenários futuros, daí aimportância do modelo de gestão e de aspectos cruciais como a motivação, liderança elucidez da alta direção. Não devemos esquecer o conselho de Schwartz (2000): o cenárioé um “salto imaginativo no futuro” que serve essencialmente para sensibilizar (aorganização) e facilitar a reação prévia aos eventos indesejados de modo que – casoocorram – sejam neutralizados ou transformados em oportunidades. Godet (op. cit.) dizia,por exemplo, que estratégia e a elaboração de cenários (processo também conhecidocomo “prospectiva”) são “amantes intimamente ligados”.

II. A construção das estratégias de viabilidade do plano

Este é o momento crucial no processo de planejamento. É o momento ou em querefletimos e formulamos o que fazer para criar as condições nas quais as ações ganharãoviabilidade, isto é, se realização plenamente, produzirão resultados esperados. A questãoestratégica portanto pode ser sintetizada no modo como gastamos recursos (econômicos,políticos, administrativos, etc...) para conquistarmos e assegurarmos a viabilidade política(o uso de poder) para execução do plano. A estratégia é a “etapa nobre” das técnicas deplanejamento, é um dos elementos metodológicos que mais diferenciam enfoques maisdinâmicos das concepções normativas e tradicionais.

A formulação estratégica é uma necessidade teórica lógica, porque a visão situacional do“jogo social” implica na aceitação de outros jogadores e do futuro como resultadonebuloso, aberto e permanente. O centro do momento estratégico é a análise deviabilidade política do plano. Conforme Matus (1993) é um cálculo necessário ao processo

de governo, sujeito a fortes elementos de incerteza e conflito. A análise não é um meroexercício de predição, mas um a incursão simulada no futuro, expressa também nossavontade de fazer, tentando criar situações favoráveis e antecipando o pré-desenho dosprojetos viáveis, com potencial para aproveitar as oportunidades abertas e alterar o cursoda mudança situacional, num movimento de aproximação da situação-objetivo. A perguntafundamental é: o que vamos fazer se acontecer “x” ou “y”, quem serão aliados eadversários, e assim por diante, construindo verdadeiras “árvores de decisão”.

Qual objetivo do cálculo estratégico?

Quanto maior for a necessidade de mobilização de recursos (humanos, financeiros,cognitivos, etc...) ou a ambição do projeto político, maior a necessidade do cálculoestratégico, porque maior será o grau de resistência, oposição e conflito com os demaisatores sociais. O pensar estratégico depende muito das habilidades e períciasorganizacionais e institucionais, da capacidade de governar. Embora possam existiralguns protocolos metodológicos para elaborar estratégias, grande parte do sucessodepende da perícia individual e institucional, do “pensar” estrategicamente que é construídotambém pela “experiência que ensina”, a expertise. A categoria central que organiza estemomento do método é o “conceito de poder”, que para todos os efeitos vamos considerarpragmaticamente como o resultado das pressões que a força aplicada de cada “jogador”(ator ou agente social) produz no contexto (cenário) do jogo social.

Aumenta-se a viabilidade do plano quando se acumula mais poder, perde-se poder quandoprojetos e ações tornam-se inviáveis, e este campo de forças sempre será indeterminadopela ação (des)coordenada de múltiplos atores, ora em conflito, ora em cooperação. Mas oque é o poder ? O conceito de “poder” talvez seja um dos mais complexos na ciênciapolítica, Matus prefere responder com uma série de perguntas...

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“O que é poder? É um complexo de recursos de aplicação potencial? É umaacumulação que sintetiza todas as acumulações sociais possíveis para umaforça social? É ao mesmo tempo uma relação social e uma acumulação? Deonde emana o poder? Como se cria e se perde poder? Quais são osinsumos sociais da produção de poder? As forças sociais apropriam-se deum poder pré-existente ou o poder só existe como atributo das forçassociais? Como o poder relaciona-se com outros conceitos como dominação,autoridade, habilidade para conduzir, etc.? Como se relaciona o poder deuma força social com o uso do poder que ela faz numa situação? Liberdadede ação é poder? A variedade do possível para um ator expressa seu poderna situação? Quanto vale o poder? Seu valor é absoluto ou é relativo aoâmbito de seu uso? O poder é sempre relativo a outros? Qualqueracumulação social é redutível a poder? Então, o que não é poder? Ainformação, o domínio das ciências, o carisma, a simpatia, a organização,os recursos econômicos, a ideologia assimilável, os meios de comunicação,os meios de repressão, a adesão popular, os deputados e senadores noCongresso Nacional e o controle do aparelho de Estado são poder? Tudoisto, tão vago e tão complexo, pode ser expresso em categoriasoperacionais que sejam úteis para uma análise de viabilidade política?” (opcit, p. 418)

Respondendo parcialmente suas próprias perguntas este autor propõe um conceitomultidimensional de poder (“tudo é poder”) o que abre novos horizontes intelectuais, masnão ajuda muita do ponto de vista mais prático. O dilema é resolvido simplificadamente,considerando-se que o poder só existe como capacidade de fazer ou influir sobre o que osoutros fazem, ou seja, está relacionado ao agir e à ação social ou à expectativa de ação (amera demonstração de poder). Portanto, o poder é uma relação social que sempre serefere ao nosso projeto vis a vis o projeto dos demais agentes, é passível de acumulação(estoque de poder) ou perda na arena social quando “compra-se” poder (no conflito) deoutros atores.

Como fazer o desenho das estratégias?

No momento normativo do planejamento, quando desenhamos um conjunto de açõesestamos debatendo e construindo uma certa direcionalidade para o Plano, um certo

caminho a ser trilhado, porém in abstractus, sem considerar as circunstâncias com maiorparcimônia e rigor. Agora devemos nos propor o desafio de construir a análise deviabilidade colocando o plano com os “pés no chão”.

Normalmente a viabilidade de um plano tem dimensões variadas e combinadas: viabilidadepolítica, econômica, técnica e institucional, por exemplo. Destas a viabilidade política é amais complexa porque diz respeito imediato às relações que estabeleço com outrosatores (relações de dominância e/ou dependência), aos recursos que domino e àsmotivações e interesses pelos problemas concretos. Portanto sempre envolve cenáriosonde a incerteza é quase absoluta. Em resumo, a viabilidade política implica em acumularpoder “no jogo” e através deste processo ser capaz de materializar os resultados do planoe atingir as diretrizes.

Só há debate estratégico se reconhecemos nossas limitações, nossas restrições dequalquer ordem. Embora a passividade e conformidade diante das restrições possamconfigurar uma estratégia deliberada (do tipo: “não há como neutralizar o adversário”), alimitação ao que é viável hoje não constitui uma opção estratégica, antes disso traduz arenúncia ao um projeto próprio ou completa adesão ao projeto de outro(s) ator(es), com aperda de autonomia ou identidade, diluição... Seria uma opção trágica.

Podemos classificar três grandes grupos temáticos ou opções básicas:

de cooperação, que supõe negociação e acordo onde cada parte cede em trocade benefícios mútuos (jogo com resultado diferente de zero);

de cooptação, implicando que uma parte ganhe a adesão da vontade de outrosatores seja pelo peso, domínio de recursos ou força do projeto ideológico, ou

de conflito com outros atores sociais.

A escolha da melhor estratégia em cada caso concreto varia de acordo com adirecionalidade de cada projeto, fatores ideológicos, culturais, emocionais e não rarasvezes absolutamente circunstanciais e imprevisíveis que – por isso mesmo - costumamsubverter qualquer esquema prévio. A definição depende basicamente da intensidade davontade política em cumprir determinado plano, apesar dos conflitos prováveis que istopode implicar. Numa situação de definição estratégica concreta (cooperação,convencimento ou conflito) haverá sempre uma concorrência entre processos alternativos e

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convencimento ou conflito) haverá sempre uma concorrência entre processos alternativos emutuamente excludentes: eficácia relativa à probabilidade de êxito, economia de tempocomo velocidade para obter resultados, eficiência do custo político e econômico emrelação aos resultados esperados, segurança para evitar os riscos desnecessários e aredução de alternativas futuras, etc... O grande problema é que o “custo de oportunidade”de cada escolha nem sempre pode ser identificado claramente.

A formulação estratégica, como já estamos percebendo, não é tarefa de simples resoluçãoe requer muita reflexão e tempo do grupo de planejamento[6]. Muitas vezes ascircunstâncias exigem ceder diante das restrições, buscar aliados, fazer rodeios táticos,atacar pelo ponto de menor resistência, dissimular o objetivo de maior valor, esperar umaconjuntura mais favorável, etc. O importante para preservar a identidade própria é nuncaperder o sentido da direcionalidade do projeto político (assegurado pelo repertório deoperações e diretrizes). Muitos atores sociais abandonam qualquer perspectiva deautonomia quando perdem este sentido no processo de luta política ou acumulação depoder.

Se a imagem de futuro ou as diretrizes estratégicas indicam uma situação-objetivo, queatualmente não se mostra viável então será preciso planejar estrategicamente,aproveitando cada oportunidade e agindo planejadamente (ou fazer a opção pelo não-planejamento e governar ao sabor dos ventos...). Para ilustrar a complexidade destedebate imaginemos por um instante como seria a análise estratégica, no Brasilcontemporâneo, do “jogo da Reforma Agrária” com atores sociais como o INCRA, o MST ea CNA ou o “jogo da política econômica” com os “jogadores” como o Banco Central, oFMI, a FEBRABAN, o Ministro “x”, o partido “y”, etc... ou o “jogo do SUS”[7] com o Ministério da Saúde, os Planos privados, as Prefeituras, as entidades de usuários, etc...

Os diferentes domínios da viabilidade estratégica

Viabilidade Política: refere-se à administração de recursos de poder para

aplicação na consecução dos objetivos possíveis. Trata-se de produzir açõesque acrescentem recursos de poder no relacionamento com os demaisatores.

Viabilidade Econômica: refere-se à disponibilidade de recursos econômicose financeiros necessários para desenhar as operações. Trata-se de produzirações que ajustem os resultados aos recursos disponíveis ou elevar osrecursos às necessidades das operações. Aqui entra o tema da eficácia eeficiência meramente econômica, os critérios de produtividade, rentabilidade,as metas das taxas de crescimento, viabilidade micro ou macroeconômica,etc.

Viabilidade Técnica: consiste em disponibilizar a capacidade técnicaexistente na forma de tecnologia que viabilize as operações, sejam elasmobilizadoras de recursos na área das ciências naturais (projetos deengenharia, p. ex.), ou na tecnologia organizacional e administrativa(modelos de gestão).

Viabilidade Organizacional: refere-se às capacidades institucionais dosistema como um todo e as capacidades pessoais e de liderança dosgestores envolvidos no processo de planejamento. Ao nos perguntarmos senosso plano é viável organizacionalmente, qual é nossa real capacidadeoperativa e se a rigidez burocrática é uma ameaça ao êxito do plano,avaliamos este tipo de viabilidade. Isto implica na imensa maioria doscasos, em colocar em cheque o modo como dirigimos, organizamos nossosdepartamentos e tomamos nossas decisões.

A viabilidade organizacional do plano depende da capacidade da liderança política dosgestores em conduzir as estratégias de transformação dos organismos. Capacidade deplanejamento estratégico, flexibilidade e descentralização gerencial, responsabilizaçãocoletiva, alto desenvolvimento de recursos humanos, avaliação permanente de resultados,sistemas que combinem decisão democrática e responsabilização pessoal e coletiva,processo decisório participativo (que diminui o atrito hierárquico e gera consensos), altocapital intelectual e capacidade de aprendizagem são características necessárias para oaumento da viabilidade organizacional do plano.

Estas “viabilidades situacionais” conformam um conjunto de “testes” independentes pelosquais deve passar o plano elaborado. Cada uma delas tem implicações sobre as demais,entretanto a existência isolada de uma delas não compensa a ausência de outras.

Para a análise estratégica o que se requer é uma análise de síntese e balanço entre todosos tipos de viabilidade simultaneamente. É a capacidade de antecipação sobre a provável

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os tipos de viabilidade simultaneamente. É a capacidade de antecipação sobre a provávelreação dos demais atores sociais (aliados e adversários) aos resultados desejados dosnossos projetos e ações.

A Análise dos Atores Sociais

O comportamento dos demais atores ou entidades que estão no espaço dos nossosproblemas é determinante para a eficácia dos nossos planos, em todos os domínios daviabilidade estratégica.

Conhecer profundamente os adversários ou concorrentes, como também os aliados, écondição para formulação da estratégica mais adequada. Identificar suas posições, seusinteresses diante dos problemas e projetos, simular sua provável reação no tempo,identificar sua capacidade de resposta, conhecer os recursos críticos que controla, enfim,a viabilidade política de uma estratégia é proporcional ao grau de conhecimento quepossuímos sobre o outro, embora não devemos esquecer que este conhecimento não édefinitivo e que os comportamentos são sempre criativos e imprevisíveis.

No processo de planejamento o grupo pode utilizar uma técnica gráfica simples paraanálise dos demais atores sociais, a descrevemos a seguir. Preliminarmente definimos“ator” como qualquer organização social que mobiliza recursos, que sustenta com certaestabilidade um projeto político, enfim, que “joga” na conjuntura. A partir daí deve-se listartodos atores sociais relevantes para a solução do problema já analisado.

Em seguida, relacionamos o conjunto dos atores selecionados com o conjunto dos

projetos ou ações projetadas no momento normativo do planejamento, feito lá no ínício. Oresultado gráfico é uma matriz de dupla entrada entre atores sociais selecionados e açõesou projetos planejados. O valor que um ator atribui para uma ação (alto, médio ou baixo) eo interesse (positivo, caso ele apóie ou negativo, caso ele rejeite a operação), definem anatureza destes relacionamentos atores/projetos. Assim os atores sociais que valorizamsignificativamente determinado projeto e que simultaneamente tem interesse negativoconstituem a base dos prováveis oponentes ou adversários enquanto os de alto valor einteresse positivo os aliados e apoiadores. O valor e o interesse juntos sinalizam amotivação ou a intenção dos atores, porém esta identificação isolada da capacidade realnão nos diz muita coisa, ainda. Será preciso perguntar qual é a força de cada jogador !

O que é a “força” de um Ator social enquanto poder?

É multidimensional, não é sua natureza que define, mas a circunstância do seu uso(o poder).

Só tem valor relativo ao propósito do Ator, é situacional, isto é, depende dascircunstância presentes e futuras.

É produto da acumulação social, é capacidade ganha ou perdida no jogo, temhistoricidade própria, existe num contexto com passado histórico.

É um conceito que permite comparação, é mensurável, existe quando está emmovimento. É poder aplicado.

Pode produzir resultados sem ser usada como o poder de dissuasão, p. ex.

Na política se expressa pelo controle de “centros de poder”.

É um recurso permutável, pode ser intercambiado no jogo social.

As acumulações do jogo são condicionadas pelas regras de poder, ainstitucionalidade vigente fixa o limite imediato da ação.

Será necessário analisar a capacidade real “de jogo” dos atores, pois ela confere poderreal (ou não) às suas motivações e intenções. A motivação e a capacidade de um atorconformam sua capacidade de pressão no jogo social, isto é, um ponto de aplicação daforça do ator. Um ator que pressiona (outro ator) demonstra o exercício de forçaacumulada (perícia, domínio de recursos, aliados, etc...).

Deve-se proceder uma análise dos recursos controlados por cada ator social selecionado.Os recursos no campo do debate estratégico sempre serão de múltipla natureza. Constituierro grave restringi-los, por exemplo, à dimensão econômica ou financeira. Podem serrecursos (no sentido de capacidades latentes) sob a dimensão econômica, adesãopopular, controle dos meios de comunicação, controle de bancadas parlamentares, etc.Continuando com nossas técnicas de visualização gráfica podemos montar uma matriz dedupla entrada com os recursos relevantes na primeira coluna e os atores na primeira linha,as casas da matriz são preenchidas com alguma graduação que pode ser quantitativa(percentual, p.ex.) ou qualitativa (alto, médio e baixo). Assim, os atores mais importantespara o problema estratégico são os que representam a um só tempo os maiores graus demotivação, contra e a favor, com as maiores capacidades expressas como controle derecursos críticos.

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recursos críticos.

Esquematizada a “correlação de forças” relativas ao espaço do problema já há condiçõesmínimas de avançar na análise estratégica, lembrando que estas técnicas sempre serãosimplificações em relação ao mundo real. Sabemos que os comportamentos institucionaisnão dependem só das motivações ou do poder acumulado por cada agente social, o jogode pressões se realiza em conjunturas concretas, em determinadas cenas ou cenários,portanto, aqui é crucial retomar os cenários elaborados no momento anterior e analisardetida e minuciosamente cada variável escolhida, sua projeção em cada cenário, oimpacto de cada projeção nos projetos e programas planejados e a partir daí ponderarsobre a viabilidade do plano. Atores sociais mudarão sua motivação (valor e interesse) egrau de controle de recursos conforme mudarem também os cenários e suas variáveis.

Sugestões para formulação da estratégia

Aprecie eficazmente a situação: dissolva o problema em espaços maiores.

Compatibilize a relação recursos-objetivos: proponha-se objetivos ao alcance dasua capacidade de criar recursos.

Mantenha a concentração: evitar a “distração tática” imposta pela agenda do dia-a-dia ou pelo ritualismo da burocracia (paisagem das urgências).

Use o rodeio tático: evitar a “síndrome do touro”, não confundir o tático com anegociação do doutrinário.

Economia de recursos: não abusar do poder, não “ganhar” oponentes semnecessidade.

Valorize os demais Atores: conheça os recursos que controlam e suas motivações,seu código operacional, o padrão de comportamento institucional.

Encadeamento estratégico: não há vácuo em política, simule os efeitos dosmovimentos táticos, projetando a seqüência de estratégias.

Evitar o pior é sempre prioridade: impedir o retrocesso ou desacúmulo de poder ésempre prioridade.

Evite trabalhar com certezas: não faça predições, prepare-se para surpresasatravés da análise de cenários.

A melhor estratégia será sempre aquela que aumenta o campo de possibilidades futuraspara atingir as diretrizes estratégicas da organização. É por isso que o centro estratégicoconcreto é a ampliação da governabilidade do ator social que planeja. No setor públicoeste debate é imprescindível para enfrentar a crise do Estado com relativa lucidez e afragilização das funções governamentais e a própria despolitização da gestão pública, semresvalar na demagogia populista, nem no liberalismo selvagem de ocasião. Ampliar agovernabilidade dos governos, neste caso, é mais que uma redundância necessária.

Novamente é crucial ter uma atitude mental aberta a compreender o mundo e os agentesde uma forma situacional, isto é relativa ao posicionamento de cada um no tabuleiro dojogo. Gadamer (1997) coloca magistralmente esta impossibilidade de clarividênciaabsoluta sobre a circunstâncias do jogo social e sua implicação: a necessária consciênciasobre os limites e os horizontes, pois estamos “imersos” na própria história quedescrevemos:

"(...) tornar-se consciente de uma situação é uma tarefa que em cada casoreveste uma dificuldade própria. O conceito de situação se caracteriza pelofato de não nos encontrarmos diante dela e, portanto, não podemos ter umsaber objetivo dela. Nós estamos nela, já que nos encontramos semprenuma situação, cuja iluminação é a nossa tarefa, e esta nunca pode secumprir por completo. E isso vale também para a situação hermenêutica,isto é, para a situação em que nos encontramos face à tradição quequeremos compreender. Também a iluminação dessa situação, isto é, areflexão da história efeitual, não pode ser plenamente realizada, estaimpossibilidade não é defeito da reflexão, mas encontra-se na essênciamesma do ser histórico que somos. Ser histórico quer dizer não se esgotarnunca no saber-se." (p.451)

Neste cenário ampliar a governabilidade no setor público sinaliza uma efetiva recuperaçãoda capacidade de governo, pressuposto imprescindível para realização de projetostransformadores e contra-hegemônicos. Um outro recurso teórico bastante útil, emborapouco utilizado, é a análise e o estudo de casos diversos (cenários retrospectivos) e asexperiências históricas ou mais recentes do ponto-de-vista do embate e de conflitos

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estratégicos. Tente, por exemplo, lembrar das últimas eleições presidenciais e respondermetodicamente a estas perguntas: Quem acumulou poder? Porque? Quais as estratégiasadotadas? O que estava realmente em jogo?

Conclusões

Precisamos responder a uma série de perguntas necessárias para resolver o problema daestratégia no planejamento. Quais as verdadeiras motivações dos nossos oponentes?Quais Projetos ou ações nossas tem maior oposição? Porque? Quais estratégias

possíveis viabilizarão as operações mais críticas (que mobilizam mais recursos)? Quaisrecursos os demais atores controlam que são importantes para o êxito do nosso plano?Como podemos usar/neutralizar suas capacidades? Devemos redesenhar as operações eprojetos? Repensar os cenários? Estamos preparados para adotar a melhor estratégia? Muitas perguntas ficarão sem resposta... o exercício é assim mesmo, não há fórmulas ouesquemas totalmente racionais no jogo social, arte e ciência, intuição e razão, combinam-se sistematicamente em doses variáveis e imprevisíveis.

Retomando os objetivos iniciais do artigo, tentamos demonstrar que a elaboração decenários prospectivos e a análise estratégica são fundamentais nas metodologias maisdinâmicas de planejamento. Assinalamos que no setor público há uma longa tradição nodomínio da improvisação e de técnicas mais rudimentares de gestão, é certo que taiscondutas sempre foram funcionais às práticas do clientelismo, do fisiologismo e daformação híbrida do sistema administrativo brasileiro, que historicamente conciliou demodo imperfeito práticas weberianas com o mandonismo natural das oligarquias.

A existência de escassa literatura especializada sobre o uso de cenários e análiseestratégica no planejamento público dimensiona o tamanho das investigações ainda porfazer neste campo teórico. Entre as várias possibilidades existentes podemos registrar, atítulo de exemplo, o estudo de políticas públicas, a análise do processo de planejamentofederal materializada nos Planos Plurianuais, a evolução dos partidos políticos e as“coalizões de poder” e os estudos típicos da ciência política e das escolas deadministração pública. Uma agenda de pesquisa nesta linha poderia ser estruturadasobretudo para investigar cenários prospectivos sobre a modernização do Estadobrasileiro, seus principais protagonistas e narrativas da crise contemporânea.

Referências bibliográficas:

BUARQUE, S. (2003) Metodologias e Técnicas de Construção de Cenários Globais eRegionais, TD 939, IPEA, Brasília.

CAPRA, F. (1996) A teia da vida, Cultrix, São Paulo.

GADAMER, H. (1997) Verdade e Método, Ed. Vozes, Petrópolis, RJ.

GODET, M. (1993) Manual de Prospectiva Estratégica: da antecipação a acção, DomQuixote, Lisboa.

JAGUARIBE, H. (1989) Brasil 2000, Paz e Terra, Rio de Janeiro.

MATUS, C. (1993) Política, Planejamento e Governo, Tomo I e II, IPEA, Brasília.

NAE (2005) Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República,Contribuição para o tema Reforma Política, Secretaria de Comunicação de Governo eGestão Estratégica (www.planalto.gov.br/secom/nae/) , Brasília.

RATTNER, H. (1979) Estudos do Futuro, FGV, Rio de Janeiro.

SANTOS, M. et alii (2004) Prospecção em ciência, tecnologia e inovação: a abordagemconceitual e metodológica do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos e sua aplicaçãopara os setores de Recursos hídricos e energia, em Parcerias Estratégicas, n. 18,CGEE, Brasília.

SCHWARTZ, P. (2000) A arte da visão de longo prazo. Nova Cultural, São Paulo.

VAN DER HEIJDEN, K. (1996) Schenarios, the art of strategic conversation, John Wiley& Sons, New York.

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[1] Sobre a concepção de planejamento relacionada ao conceito de cenários e análiseestratégica adotada deve-sekkjn consultar o artigo do autor “O que é PlanejamentoEstratégico Situacional” em www.espacoacademico.com.br/032/32ctoni.htm

[2] Para exemplificar alguns: “Técnica de Grupo Nominal”, Método Delphi (da RandCorporation, em 1964), Análise Multicritério, “Pattern” (séries temporais, Nasa em 1963),Método da GBN (fatores chaves e forças motrizes), Árvore de Relevâncias, Análise do Cicloe Vida, Painéis de Especialistas, modelos econométricos diversos, análise bayesiana, etc...

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[3] Para aprofundar o conhecimento da experiência brasileira consultar o artigo de S.Buarque “Experiências Recentes de Elaboração de Cenários do Brasil e da Amazônia

Brasileira”, revista Parcerias Estratégicas, n. 5, 1998 e algumas experiências internacionaisem tecnologia (Alemanha, Austrália e Coréia) na mesma revista, n. 10, 2001 (disponíveisem www.mct.gov.br/CEE/) . A experiência da Comunidade Européia do Futures Project podeser encontrada em http://futures.jrc.es.

[4] Cabe registrar o avanço importante nesta área com a criação do Centro de Gestão eEstudos Estratégicos (CGEE), vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia, em 2001com a missão de fazer foresight ou technological prospectives. Sobre a trajetória destaorganização e o modelo teórico adotado consultar o artigo de Santos et alii (2004). O“Laboratório de Estudos do Futuro” da USP, criado em 1978, também merece registropelo pioneirismo em âmbito acadêmico.

[5] Michel Godet é um referência obrigatória, nascido em 1948 é professor do ConservatoireNational des Arts et Métiers na França e dirige o Laboratoire d´Investigation em Prospective,Stratégie et Organisation, criou uma ferramenta chamada “Análise Estrutural” (tambémconhecido como “SMIC – Sistema e Matriz de Impactos Cruzados”) para identificar asvariáveis de um sistema e suas relações ponderadas. Classifica a incerteza em (a)invariantes, (b) fatos portadores de futuro, (c) mudanças em andamento, (d) tendênciassignificantes e (e) estrangulamentos.

[6] há uma obra de C. Matus dedicada exclusivamente ao debate estratégico noplanejamento: ”Chipanzé, Maquiavel e Ghandi, Estratégias Políticas”, Edições FUNDAP,1996, São Paulo.

[7] sobre o tema da saúde pública uma abordagem deste tipo pode ser encontrada em “Ocampo da atenção à saúde após a Constituição de 1988: uma narrativa de sua produção

social”, UFRGS/EAD, 2002, tese de doutoramento da Profa. Maria Ceci Araujo Misoczky.

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