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CENTRO UNIVERSITÁRIO DINAMICA DAS CATARATAS
LIVRO-REPORTAGEM: DOS RAMOS AO CONGÁ
HISTÓRIAS DE BENZEDEIRAS NARRADAS SOB A PERSPECTIVA
DO JORNALISMO LITERÁRIO
ANDRESSA FERREIRA DOS SANTOS
FOZ DO IGUAÇU
2017
CENTRO UNIVERSITÁRIO DINÂMICA DAS CATARATAS
CURSO DE JORNALISMO
LIVRO-REPORTAGEM: DOS RAMOS AO CONGÁ
HISTÓRIAS DE BENZEDEIRAS NARRADAS SOB A PERSPECTIVA
DO JORNALISMO LITERÁRIO
Trabalho de Conclusão de Curso
submetido à banca examinadora do curso
de graduação, como requisito para
obtenção do título de Bacharel em
Jornalismo na Instituição Centro
Universitário Dinâmica das Cataratas –
UDC.
Orientadora: Prof.ª Doutora Sônia Inês
Vendrame.
FOZ DO IGUAÇU
2017
3
TERMO DE APROVAÇÃO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado às 18h do dia 27 de novembro de
2017 como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Jornalismo pelo
Centro Universitário Dinâmica das Cataratas. O candidato foi arguido pela Banca
Examinadora composta pelos professores abaixo assinados. Após a deliberação, a
Banca Examinadora considerou o trabalho_______________________.
Prof.ª Doutora Sônia Inês Vendrame
(orientadora)
Prof.ª Mestre Anne Carolina Festucci
Prof.º Especialista Luciano Ferrari Villela
4
“O mundo é salvo todos os dias por pequenos gestos.
Diminutos, invisíveis. O mundo é salvo pelo avesso da
importância. Pelo antônimo da evidência. O mundo é
salvo por um olhar. Que envolve e afaga. Abarca.
Resgata. Reconhece. Salva.”
Eliane Brum
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais, Leontina Ferreira e Claudimir Guimarães, por seu
apoio incondicional, incentivo pela busca do conhecimento e por terem me ensinado
o valor do respeito e do esforço na busca pelos sonhos.
Sou imensamente grata também ao meu tio, Sebastião Ferreira (in
memorian), que sempre acreditou nos meus sonhos, por mais loucos que
parecessem, me ensinando que não existe o impossível enquanto houver forças
para lutar.
Agradeço aos fiéis amigos, Camila Meira, Adriana Gonçalves e Paulo
Henrique, que estiveram ao meu lado nesta caminhada, mesmo nos momentos mais
difíceis.
Aos meus padrinhos, Cleide e Sadi Santi, pelo cuidado e paciência e
principalmente, por desempenharem com maestria o papel de segundos pais.
Ao meu colega de profissão e amigo, Roger Meireles pelo conhecimento
transmitido.
Agradeço por fim, a minha orientadora, Professora Doutora Sônia Inês
Vendrame, pela dedicação em me guiar durante o processo de elaboração deste
trabalho, por toda a paciência e principalmente por acreditar em minha capacidade.
6
RESUMO
Este trabalho apresenta as Benzedeiras como referencial de estudo em um país de
predominância católica, mas definido como laico não reconhecendo nenhuma
religião como oficial. Segundo dados do IBGE, em 2010, (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística) aproximadamente 90% da população brasileira é seguidora
do cristianismo. Este número revela a margem na qual vive o restante dos adeptos a
outras seitas, práticas e até mesmo religiões de matriz africana como o Candomblé e
a Umbanda que cultuam mais de um deus e utilizam-se de elementos culturais
pagãos, como exemplo, o jogo de Búzios, as cartas de Tarot e a cura através de
orações e plantas medicinais. Na tentativa de demonstrar o anonimato e o
preconceito no qual coexistem essas manifestações apropria-se do discurso de
autores que tratam da Cultura de Borda, o Hibridismo Cultural, as Diásporas e o
Sincretismo Religioso. Dentro do proposto, analisou-se também o discurso da mídia
na repercussão de matérias envolvendo crimes associados a praticas espirituais e
seu impacto social visto que os meios de comunicação exercem forte influencia
sobre a opinião pública. No decorrer do estudo percebeu-se que o enfoque dado
principalmente pelo jornalismo diário a manifestações religiosas como as
Benzedeiras e o Candomblé é quase sempre negativa, associando tais cultos e
práticas aos termos pejorativos magia negra e macumba. Como resultado, vê-se que
as sombras que norteiam os cultos não cristãos no Brasil estão ligadas ao pré-
conceito gerado pelo desconhecimento associado à imagem distorcida apresentada
pela comunicação de massa, onde o jornalista parece ter desaprendido um dos
princípios mais importantes de sua profissão: ouvir todos os lados.
PALAVRAS CHAVE: Comunicação, Benzedeiras, Sincretismo.
7
ABSTRACT
This work presents the Benzedeiras as a reference for study in a predominantly
Catholic country, but considers itself secular not recognizing any religion as official.
According to data from the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE),
approximately 90% of the Brazilian population is a follower of Christianity. This
number reveals the margin on which the rest of the adherents live to other sects,
practices and even religions of African matrix like the Candomblé and the Umbanda
that worship more of a god and are used of pagan cultural elements, like example the
game of Búzios, the Tarot cards and the healing through prayers and medicinal
plants. In an attempt to demonstrate the anonymity and prejudice in which these
manifestations coexist, it appropriates the discourse of authors dealing with Edge
Culture, Cultural Hybridism, Diasporas and Religious Syncretism. Within the
proposal, we also analyzed the discourse of the media in the repercussion of matters
involving crimes associated with spiritual practices and their social impact since the
media exerted a strong influence on public opinion. In the course of the study it was
noticed that the focus given mainly by daily journalism to religious manifestations
such as the Benzedeiras and Candomblé is almost always negative, associating
such cults and practices with the pejorative terms black magic and macumba. As a
result, it is seen that the shadows that guide non-Christian cults in Brazil are linked to
the preconception generated by the ignorance associated with the distorted image
presented by mass communication, where the journalist seems to have unlearned
one of the most important principles of his profession : listen all the way.
KEY WORDS: Communication, Benzedeiras, Syncretism.
8
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Análise distribuição religiosa no Brasil ....................................................................... 16
Gráfico 2 – Idade dos respondentes ............................................................................................... 62
Gráfico 3 - Gênero .............................................................................................................................. 63
Gráfico 4 – Conhecimento do assunto/procura ............................................................................. 64
Gráfico 5 – Viabilidade de venda ..................................................................................................... 64
9
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 11
2. SINCRETISMO, DIVINDADES RELIGIOSAS E SUAS REPRESENTAÇÕES NO BRASIL ......................... 12
2.1 AS BENZEDEIRAS NO BRASIL ........................................................................................................... 16
2.2 DO PAGANISMO AO HIBRIDISMO E SINCRETISMO NO BRASIL ....................................................... 17
2.3. AS RAÍZES DO CANDOMBLÉ E A LEITURA MIDIÁTICA ................................................................... 21
2.4 O DOMÍNIO DO CRISTIANISMO E OS REFLEXOS DA SANTA INQUISIÇÃO ....................................... 23
2.5 AS BENZEDEIRAS: DE CULTURA DOMINANTE A CULTURA DE BORDA ............................................ 26
2.6 A CULTURA DE BORDA E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA ................................................................... 28
3. O LIVRO-REPORTAGEM COMO EXTENSÃO DO JORNALISMO DIÁRIO ........................................ 31
3.1 OS TIPOS DE LIVRO-REPORTAGEM E SEUS ASPECTOS .................................................................... 32
3.1.1 Livro-reportagem perfil ................................................................................................................ 32
3.1.2 Livro-reportagem depoimento ..................................................................................................... 33
3.1.3 Livro-reportagem retrato ............................................................................................................. 33
3.1.4 Livro-reportagem ciência ............................................................................................................. 33
3.1.5 Livro-reportagem ambiente ......................................................................................................... 33
3.1.6 Livro-reportagem história ............................................................................................................ 33
3.1.7 Livro-reportagem nova consciência ............................................................................................. 34
3.1.8 Livro-reportagem instantâneo ..................................................................................................... 34
3.1.9 Livro-reportagem atualidade ....................................................................................................... 34
3.1.10 Livro-reportagem antologia ....................................................................................................... 34
3.1.11 Livro-reportagem denúncia ........................................................................................................ 34
3.1.12 Livro-reportagem viagem ........................................................................................................... 35
3.1.13 Livro-reportagem ensaio ............................................................................................................ 35
3.2 A LINGUAGEM LITERÁRIA E A HUMANIZAÇÃO NAS GRANDES REPORTAGENS .............................. 35
3.3 A CONSTRUÇÃO DO TEXTO NA REPORTAGEM IMPRESSA .............................................................. 38
3.4 ENTREVISTADOR E ENTREVISTADO: A IMPORTÂNCIA DO DIÁLOGO .............................................. 41
3.5 JORNALISMO CULTURAL: DO POPULAR AS BORDAS ...................................................................... 43
3.6 LINGUAGEM CULTURAL: O DISCURSO IDEOLÓGICO DA MERCADORIA NOTÍCIA ........................... 46
4. LIVRO-REPORTAGEM “DOS RAMOS AO CONGÁ”: METODOLOGIA DE CONSTRUÇÃO ................. 49
4.1 ENTREVISTAS EM PROFUNDIDADE ................................................................................................. 52
4.2 O SILÊNCIO DAS BORDAS: O JORNALISMO COMO PORTA VOZ ...................................................... 53
4.3 DISCURSO DAS MINORIAS: O EU SILIENCIADO ............................................................................... 54
10
4.4 FOLKCOMUNICAÇÃO: A MÍDIA DOS EXCLUIDOS ............................................................................ 56
4.5 ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS ............................................................................................................. 58
4.5.1 Construção da capa ...................................................................................................................... 60
4.5.2 Títulos e fontes ............................................................................................................................. 60
4.5.3 Descrição e especificidades da obra ............................................................................................ 61
4.6 VIABILIDADE DE MERCADO ............................................................................................................. 62
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................... 65
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................ 66
7. ANEXOS .................................................................................................................................. 71
8. GLOSSÁRIO ............................................................................................................................. 73
11
1. INTRODUÇÃO
Retratar histórias de vida é um dos maiores desafios do jornalista, pois, é
necessário colocar-se no lugar do outro enquanto ser humano, carregado de
imperfeições e de belezas extraordinárias. Contar histórias é assumir riscos, despido
de achismos e de armaduras. É com esta proposta que este trabalho foi construído.
Considerada mais antiga que o cristianismo, a prática do benzimento sofre
hoje com o preconceito e a perseguição religiosa no Brasil. Denominado laico, o país
não reconhece uma religião como oficial, embora mais da metade de sua população
seja adepta do catolicismo.
Partindo dessa realidade, o presente estudo apresenta as Benzedeiras,
Rezadeiras e Curandeiras da Tríplice Fronteira sob o olhar do Jornalismo Cultural e
da Folkcomunicação, a fim de identificar a importância dessa prática na preservação
histórica do Brasil e a abordagem midiática enquanto influenciadora de opiniões.
Para facilitar o entendimento, recorreu-se aos estudos sobre o Sincretismo
Popular e Hibridismo Cultural, a fim de apontar as origens do preconceito que
norteia as práticas e religiões não cristãs, como a Umbanda e o Candomblé, que são
largamente debatidas no capítulo um.
No capítulo dois é feita uma leitura de como a mídia tradicional aborda os
assuntos relacionados as religiões afro brasileiras e os demais cultos que derivam
das mesmas, contribuindo para propagar informações errôneas e incitar a
discriminação.
Por fim, no terceiro capítulo, são detalhadas entrevistas em profundidade e
especificações técnicas a cerca da construção do livro-reportagem, produto
resultante deste estudo.
A obra “Dos Ramos ao Congá: Histórias de Benzedeiras narradas sob a
perspectiva do Jornalismo Literário” foi construída com a proposta de apresentar o
universo e a vida das Benzedeiras de Foz do Iguaçu sob uma linguagem
humanizada, expondo as vidas por trás da religião, das crenças e dos desafios
diários para manter vida uma tradição milenar carregada de simbolismos e
conhecimentos passados de geração a geração, mas que hoje corre o risco de
desaparecer em meio a uma sociedade que só permite sua existência enquanto
Cultura de Borda.
12
2. SINCRETISMO, DIVINDADES RELIGIOSAS E SUAS REPRESENTAÇÕES NO
BRASIL
Este capítulo trata do sincretismo popular e religioso e do conceito de
Hibridismo Cultural1 que compõe o Brasil. O objeto de estudo neste trabalho são as
benzedeiras, no entanto, partindo do princípio de que o país considera-se laico e sua
origem religiosa está ligada a miscigenação de culturas originadas pelo sincretismo,
julgou-se necessário esclarecer a origem do termo e retratar as principais religiões
que originaram o mesmo, em discussão, o Candomblé e a Umbanda.
Na tentativa de facilitar a leitura e verificação dos rituais por meio das
imagens ilustradas na abertura deste capítulo, optou-se por enumerá-las. Na
imagem de número um, vê-se o Candomblé em um dos seus rituais mais
importantes: o momento da feitura de cabeça 2 da pessoa que será iniciada na
religião. Todo iniciado passa pela tonsura, que é a raspagem dos cabelos em sinal
de renascimento, representada na foto pelo número dois.
1 CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: Estratégias para entrar e sair da modernidade, 7ª
reimpressão, São Paulo, 2015. 2 Ritual de iniciação no Candomblé.
13
A pena vermelha no alto da cabeça que pode ser vista no número três, é
denominada ekodide3 e simboliza realeza e honra por entregar-se ao Orixá4. As
pinturas corporais5, vistas no número quatro, são uma forma de homenagear as
divindades, sempre na cor da entidade dona da cabeça do filho de santo.
Normalmente em um ritual de iniciação, o filho de santo sai do Roncó6
quatro vezes, sempre com uma característica nova de seu Orixá. Na primeira saída
ilustrada na foto, as pinturas no corpo do iniciado e a sua roupa são da cor branca,
em respeito a Oxalá7, considerado o pai de todas as divindades, portanto, o primeiro
a ser homenageado.
A foto dois representa a Umbanda, que embora carregue traços africanos, é
uma religião que nasceu no Brasil e incorpora elementos também do espiritismo. Os
cultos umbandistas são geralmente voltados às entidades ciganas.
A imagem posta ao lado da representação do Candomblé retrata o momento
da gira8, onde os médiuns recebem os guias espirituais9 e dançam conforme o
comando deles como é possível ver no número sete. Na Umbanda as roupas são
geralmente brancas10 para representar pureza de espírito e atrair boas energias. As
cores mudam apenas em ocasião de festa, quando a decoração também é
determinada pelo tom preferido da entidade a qual será prestado culto.
As Benzedeiras, representadas nas imagens três e quatro, não se utilizam
de grandes ritos públicos. O trabalho delas é curar doenças, sejam físicas ou de
cunho espiritual através do uso de plantas medicinais e da fé11. Para tanto, elas
apropriam-se de elementos religiosos como a imagem de Nossa Senhora Aparecida,
representada pelo número dez, e atos simbólicos como o sinal da cruz 12 ,
3Akodide ou okodide como é chamado pelo povo do santo é uma pena vermelha (ilustrada na flecha
três), extraída da cauda de um tipo de papagaio africano, chamado no Brasil de papagaio do Gabão ou papagaio-cinzento, pertencente a espécie psittacuserithacus, denominado pelo povo Yorùbá como Odíde. 4 Divindade sagrada no culto do Candomblé; Deuses da natureza.
5 As pinturas feitas no corpo do filho de santo representam a divindade para o qual o iniciado nascerá
de acordo com a cor de seu Orixá de cabeça. 6 Quarto sagrado onde a pessoa em preparação para ser iniciada permanece recolhida pelo período
de 21 dias para purificar-se do mundo exterior. 7 Divindade máxima representada imagem de Jesus Cristo.
8 Celebração onde os médiuns incorporam as entidades e dançam ao seu comando.
9 Entidades ou espíritos que se apoderam do corpo do médium para se expressar em pano físico
como representado na flecha número sete da figura dois. 10
Ver número oito da imagem dois. 11
As plantas como representado no número nove da imagem quatro, são elementos fundamentais no ato do benzimento e carregam segundo a crença, poderes de cura e proteção. 12
Ato simbólico presente no catolicismo que representa a trindade santa do Pai, Filho e Espírito Santo. (ver número 11 na imagem três)
14
considerado uma das representações máximas do catolicismo, embora a prática do
benzimento não seja respectivamente cristã, uma vez, que tais conhecimentos
antecedem o cristianismo, tendo surgido em meio a cultura africana e indígena que
se utilizava de plantas como fonte de cura em rituais sagrados através das mãos de
um Pajé13 ou Xamã14.
Néstor García Canclini em sua obra “Culturas Híbridas15” esclarece que tais
práticas religiosas ou culturais tiveram origem a partir da fusão de variados
componentes, nas próprias palavras do escritor: “Conceitos que irrompem com força,
deslocam outros ou exigem reformulá-los”.
[...] É possível colocar sob um só termo fatos tão variados quanto os casamentos mestiços, a combinação dos ancestrais africanos, figuras indígenas e santos católicos na umbanda brasileira, as collages publicitárias de monumentos históricos com bebidas ou carros esportivos? [...] Grande parte de sua produção resulta do cruzamento multimídia e multicultural [...]
16.
Para Canclini, o surgimento dessas práticas vai ainda mais além do que
descreve o sincretismo, pois, não seriam apenas a mistura de diferentes elementos,
mais sim, a manifestação de um novo fenômeno, único e diferente. “Entendo por
hibridação processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas que,
existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e
práticas17”.
Nesse contexto proposto pelo autor pode-se abstrair que o benzimento
incorpora elementos tão antigos que não é possível precisar com exatidão o
momento ou local no qual tenha começado a ser praticado, uma vez que a
hibridação deu-se a partir da expansão dos continentes e das viagens de expedição
entre a Europa e a América Latina.
Para explicar de forma ainda mais clara essa miscigenação cultural, Canclini
apropria-se de uma fórmula denominada “ciclos de hibridação” criada pelo professor
13
Pessoa de destaque nas tribos indígenas responsável pela cura e realização de rituais mágicos. Espécie de curandeiro. 14
Indivíduo tido como sacerdote nas tribos indígenas ao qual se atribui poderes de invocar e controlar espíritos. 15
CANCLINI, Néstor García. Culturas Hibridas: Estratégias para entrar e sair da modernidade, 7ª reimpressão, São Paulo, 2015. 16
Ibidem XXVII 17
Ibidem
15
Brian Stross18. De acordo com a teoria, a sociedade passa de formas “heterogêneas
para homogêneas” e depois novamente para as heterogêneas sem que nenhuma
seja pura.
Em palavras mais claras o estudo de Stross defende que cada cultural nasce
de uma mistura de elementos, costumes e ciclos que se unem para posteriormente
se fundirem a novos e originarem derivados. Especificamente, o velho ditado de
“Nada se cria, tudo se transforma19”.
A importância deste tema é lançar luz sobre manifestações que ao longo do
tempo se tornaram invisíveis para a mídia tradicional, apesar de ainda serem
exercidas, como é o caso das Benzedeiras.
Para tentar discutir as expressões e manifestações religiosas citadas à cima,
será necessário valer-se dos autores que discutem a Análise do Discurso, a
expressão Cultura das Bordas 20 , as Diásporas 21 , e o Hibridismo Cultural 22 ,
empregada para nomear classes sociais, práticas religiosas e culturais que
coexistem a margem da sociedade tida como tradicional, em outras palavras, a
comunidade que aceita apenas aquilo que segue um padrão e de certa forma foi
elitizado pelas classes dominantes, como aponta o Sociólogo Emeli Durkheim em
sua tese autoral “Da Divisão do Trabalho Social23”.
Segundo Durkheim, cada indivíduo está ligado diretamente à sociedade, e
em seu comportamento prevalece sempre aquilo que é mais considerável à
consciência coletiva e não necessariamente ao seu desejo particular. Nessa
concepção, cada ser se orienta por aquilo que prevalece entre a maioria e as
proibições que vem dessa mesma percepção.
A necessidade de pertença leva o ser humano a buscar um encaixe que faça
com que ele seja aceito na sociedade em que vive, seja por uma tradição, religião ou
grupo. Quem foge deste padrão, como as mulheres e homens que praticam o
18
Ph.D em Antropologia da Universidade da Califórnia em Berkeley (1969). 19
Frase famosa do químico francês Antoine Laurent Lavoisier (considerado o pai da química) para explicar a combustão dos elementos químicos. 20
FERREIRA, Jerusa Pires. Culturas das Bordas, Ateliê editorial , 2010. 21
Substantivo feminino com origem no termo grego "diasporá", que significa dispersão de povos, por motivos políticos ou religiosos. 22
CANCLINI, Néstor García. Culturas Hibridas: Estratégias para entrar e sair da modernidade, 7ª reimpressão, São Paulo , 2015. 23
DURKHEIM, David Emile. De La Division Du Travail Social, Bibliotheque de Philosophie Contemporaine, Presses Universitairies de France, 1893.
16
benzimento, tido como uma espécie de cura pela fé, não são aceitos por ser uma
classe de minoria.
2.1 AS BENZEDEIRAS NO BRASIL
Na busca por demonstrar o anonimato com que as pessoas pertencentes a
esses grupos vivem, recorreu-se as últimas pesquisas realizadas pelo IBGE24 no
ano de 2010 que apontaram um número extremamente baixo de adeptos a religiões
de matriz africana e outros cultos exotéricos ancestrais.
De acordo com o levantamento, embora o Brasil não reconheça uma religião
como oficial, a maioria da população brasileira composta por mais de 200 milhões de
habitantes é adepta ao catolicismo com uma porcentagem de 64,6%. Em segundo
lugar, estão os evangélicos com 44,3% divididos entre ocidentais, pentecostais,
neopentecostais, de missão e não determinados. A diferença é de pouco mais de
20%, porém, ambas as crenças tem o cristianismo como base.
24
Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em todo o território nacional no ano de 2010. (Arquivo disponível em: www.ibge.gov.br – Censo demográfico de 2010) acessado em 15 de março de 2017 às 15h.
64,6% 44,3%
2%
0,3%
2,7%
8%
0,1%
Religiões no Brasil no ano de 2010 segundo o IBGE
Católicos
Evangélicos
Espíritas
Umbandistas e camdomblecistas
Outros cultos
Ateus
Não responderam
Gráfico 1 – Análise distribuição religiosa no Brasil
17
Em seguida vem os adeptos ao espiritismo em suas diferentes formas: de
incorporação, Kardecistas, com 2,0%, seguidos dos candomblecistas e umbandistas
com apenas 0,3% na média total. Pessoas que disseram seguirem outros cultos não
especificados somam 2,7%. Os que não responderão a pesquisa estão na margem
dos 0,1% e os que se declararam ateus ficam na casa dos 8%.
As Benzedeiras podem estar dentro do número relacionado a pessoas que
disseram seguir outros tipos de cultos não especificados, no entanto, não aparecem
com clareza na pesquisa.
Não se pode negar a priori qualquer verdade histórica às narrativas de curas acontecidas nos santuários pagãos e realizadas por curadores, ou mesmo de curas atribuídas a curandeiros não católicos. Se a até a pílula panis tem efeito placebo, conhecido e largamente usado nos hospitais, tanto mais pode ter efeito curativo, despertando as forças do inconsciente, um curador ou uma pessoa que tenha grande ascendência sobre o doente, ou a fé religiosa sincera do paciente. Medicina, religião e superstição tem campos e meios próprios de ação [...]
25.
Esta citação retirada de “A cura dos doentes na Bíblia” do Teólogo Calisto
Vendrame transparece a existência dos curandeiros e benzedeiras em um mundo
pré-cristão nos primórdios da medicina. Hoje, sua existência é ignorada e seus
praticantes vivem à margem da sociedade, em um mundo ainda mais excluído do
que o tido como minoria.
2.2 DO PAGANISMO AO HIBRIDISMO E SINCRETISMO NO BRASIL
O termo Sincretismo popular tem sua origem na expressão grega
“sygkretismós” 26 que significa combinar e remete a mistura de ritos, crenças e
tradições religiosas. Em comparação, a expressão hibridismo, já mencionada
anteriormente, é empregada em um sentido mais amplo que se estende não
somente a vertentes religiosas, mas a cultura como um todo.
O hibridismo está intimamente ligado às relações de comunicação entre os
diferentes povos, ou seja, quando grupos de culturas diferentes passam a conviver
25
VENDRAME, Calisto. A Cura dos Doentes na Bíblia, Centro Universitário São Camilo, edições Loyola, São Paulo 2001, Pg. 104. 26
Definição Sincretismo disponível em: https://www.significados.com.br/sincretismo/ acessado em 12 de março de 2017 às 20h.
18
entre sí, absorvem um pouco do outro. O Sincretismo por sua vez, é o resultado
dessas adaptações.
Para o antropólogo holandês André Droogers27, o termo sincretismo possui
duplo sentido. A expressão pode ser usada com significado objetivo, neutro e
descritivo que caracteriza a mistura de religiões, ou, subjetivo que inclui a avaliação
da miscigenação cultural, além da descrição.
No Brasil nativo antes da chegada dos colonizadores, os índios praticavam
livremente seus ritos e cultuavam seus muitos deuses da natureza. Se o tempo
estava seco, rezava-se para Tupã, deus do trovão, para que a chuva jorrasse
apaziguando a seca, e assim sucessivamente para outros malefícios, problemas
cotidianos e também para agradecer por coisas boas.
Com a chegada dos portugueses e posteriormente dos Jesuítas em 1549, foi
dado início ao processo de descaracterização da população nativa. Os índios
passaram pelo processo chamado de “catequização” que tinha como objetivo
implantar o cristianismo no território nacional.
Pouco tempo depois desse processo, os portugueses começaram a importar
mão de obra escrava principalmente da África e regiões da Angola 28 . Esses
territórios possuíam sua própria cultura local e sua fé que aos poucos foi sendo
moldada e transformada com a chegada no Brasil.
País de predominância católica, conforme já relatado no início deste
capítulo29, muito se tentou reprimir as manifestações religiosas dos negros e de seus
cultos, assim como de outros povos que aportavam no Brasil. Boa parte acabou por
aderir ao catolicismo, mas embora se apresentassem como cristãos, não
abandonaram sua fé nos Orixás, vodus30 e prática das oferendas oriundas de sua
terra natal.
Com o passar dos anos o hibridismo atribuído por Canclini31, não pode mais
ser controlado e houve a fusão de diversas culturas dando início ao também já
referido sincretismo religioso.
27
André Droogers é professor de Antropologia da Religião na Universidade Livre de Amsterdam. DROOGERS, André. Syncretism: the problem of definition. (Sincretismo: A Definição do problema) 28
VERGER, Pierre. Fluxo e Refluxo – do Tráfico de Escravos Entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos, Editora Corrupio, 1987. 29
CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: Estratégias para entrar e sair da modernidade, 7ª reimpressão, São Paulo 2015. 30
Culto animista de origem africana, frequente no Haiti. 31
CANCLINI, Néstor García. Culturas Hibridas: Estratégias para entrar e sair da modernidade, 7ª reimpressão, São Paulo, 2015.
19
Como a hibridação funde estruturas ou práticas sociais discretas para gerar novas estruturas e novas práticas? Às vezes, isso é ocorre de modo não planejado ou é resultado imprevisto de processos migratórios, turísticos e de intercâmbio econômico ou comunicacional. Mas frequentemente a hibridação surge da criatividade individual e coletiva [...]
32.
Dentro desse contexto, o Candomblé pode ser visto como o precursor do
sincretismo, sendo uma das religiões onde é possível observar claramente a relação
entre os santos católicos e os orixás africanos. Esta associação está intimamente
ligada aos tempos da escravidão, no qual, proibidos de cultuar seus deuses
considerados pagãos, os negros revestiam as imagens com a face de algum santo
cristão, assim, podiam realizar suas rezas e homenagens sem serem perseguidos.
Dessa prática nasceram as associações dos orixás com santos populares
como é o caso de Nossa Senhora Aparecida sincretizada no Brasil com Yemanjá33 e
Jesus Cristo, associado a Oxalá, o pai de todas as divindades africanas.
Os cultos Afro-Brasileiros são assim chamados por causa de seus principais portadores, os escravos traficados da África para o Brasil. Hoje essas práticas são reconhecidos como autênticas expressões culturais da negritude, embora seja cada vez maior o número de brancos, e até mesmo descendentes de japoneses e coreanos, que estão aderindo ao Candomblé e mais ainda, à Umbanda
34.
Esta citação retirada de “O Livro das Religiões35” descreve a forte aderência
de brasileiros e a migração de descendentes de outras religiões para os cultos afro.
Partindo desse exposto, pode-se tomar como exemplo o Japão, país que tem como
religiões oficiais o Budismo36 e o Xintoísmo37, porém muitos são simpatizantes e até
mesmo seguidores de outras religiões.
Nos dias atuais, embora haja uma liberdade um pouco maior em relação a
crenças adversas ao cristianismo, ainda nota-se um grande preconceito em relação
32
CANCLINI, Néstor García. Culturas Hibridas: Estratégias para entrar e sair da modernidade, 7ª reimpressão, São Paulo, 2015, XXVI. 33
Rainha dos mares, senhora das águas ferozes no Candomblé. 34
HELLERN, Victor. NOTAKER, Henry. GAARDER, Jostein. O Livro das Religiões, página 292, Companhia das Letras, Ano 2000. 35
Ibidem. 36
Foz do Iguaçu possui um Templo Budista aberto para visitação. O local construído em 1996 é um dos pontos da cidade que transparece a forte miscigenação cultural iguaçuense, assim como a Mesquita Muçulmana. 37
Informação extraída da Embaixada do Japão no Brasil disponível via internet na página oficial do órgão: http://www.br.emb-japan.go.jp/cultura/religiao.html acessado em 12 de março de 2017 às 20h.
20
à praticas tidas como pagãs: Candomblé, Umbanda, Benzedeiras, Wicca38, jogos de
carta, búzios39 dentre outros. Isso porque essas religiões não reconhecem um deus
único como o centro do universo, mas sim que o conjunto de todos os elementos
animais, vegetais e minerais, constituem o criador, e por tal motivo devem ser
igualmente adorados.
A mídia em muitos casos contribui para disseminar a discriminação e até
mesmo incitar indiretamente o ódio a essas práticas quanto vincula matérias de
caráter pejorativo e atribui adjetivos como magia negra e macumba a crimes que
sequer possuem vínculo real com qualquer uma dessas religiões.
Não é preciso ir muito longe para se deparar com consequências desse tipo
de matéria, exemplo disso, é o caso da estudante uruguaia Martina Piazza Conde
assassinada em março de 2014 em um quarto de apartamento no centro de Foz do
Iguaçu. A jovem foi encontrada nua e com um fio de computador enrolado no
pescoço, tendo a morte comprovada por asfixia mecânica.
O caso ganhou repercussão internacional e após dias em busca do suspeito,
o jovem Jeferson Diego Gonçalves de 33 anos, com quem Martina mantinha uma
amizade recente, foi localizado e confessou o crime à Polícia dizendo que havia
matado a jovem a pedido de uma entidade do terreiro de Candomblé que
frequentava.
Na época, grandes sites como o G1 notícias40 lançaram mão da confissão
do rapaz para explodir ainda mais o crime, sem ao menos ouvir o outro lado da
história: o terreiro mencionado. Em contrapartida, representantes da casa de
Candomblé foram a público em uma audiência para esclarecer que a religião não
realiza sacrifícios humanos em nenhuma hipótese e que o rapaz indiciado pelo
homicídio da jovem Martina, sequer era iniciado no culto.
Esse assim como muitos outros crimes e casos paralelos frequentemente
lançados na mídia provam o quão leviano os meios de comunicação tem conduzido
as informações que transmite e como pode facilmente induzir uma opinião errônea.
Um dos princípios do verdadeiro jornalista é saber ouvir todos os lados, seja ele
38
Prática religiosa pagã, também chamada de bruxaria moderna na qual cultua-se a figura da mulher. 39
Pequenas conchas usadas para consultas espirituais. 40
Morte de universitária teve “motivação espiritual”, afirma polícia. Matéria disponível no site: http://g1.globo.com/pr/oeste-sudoeste/noticia/2014/03/morte-de-universitaria-uruguaia-teve-motivacao-espiritual-afirma-policia.html - acessado em 23 de abril de 2017 às 15h42.
21
favorável ou não a determinada opinião. Se os comunicadores não estão sabendo
cumprir com o fundamental, está claramente na hora de rever conceitos.
2.3. AS RAÍZES DO CANDOMBLÉ E A LEITURA MIDIÁTICA
O etnólogo Pierre Verger em seu estudo “Fluxo e Refluxo – do tráfico de
escravos entre o Golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos 41 ”, define o
Candomblé como uma religião de matriz africana trazida para o Brasil pelos
escravos.
O nascimento da cresça definida por Verger, indica que as raízes da cultura
tenham se originado na Nigéria e na República do Benin, de onde migraram com os
negros que eram vendidos como mão de obra barata na época do Brasil Colônia por
volta de 1530.
A Bahia servia como principal porto, assim, as crenças e costumes se
fixaram com mais força na região, onde os Orixás continuam a dominar os terreiros
que resistiram ao tempo e a perseguição dos colonizadores, como exemplo, o de
“Mãe Menininha do Gantois42”, fundado em 1849, pela bisavó de Escolástica Maria
da Conceição Nazaré, a Mãe de Santo mais famosa do Brasil.
O espaço localizado em uma área alta, cercada por um bosque de difícil
acesso, protegia o terreiro da perseguição policial na época de sua fundação. Hoje,
o local é considerado Área de Proteção Cultural e Paisagística pela Prefeitura
Municipal de Salvador, sendo tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional43 em 2002, como Patrimônio Histórico e Etnográfico do Brasil.
O terreiro de Gantois se tornou conhecido por ser frequentado por artistas de
renome no mundo da música brasileira como Maria Bethânia, Caetano Veloso e
Dorival Caymmi que compôs a canção “Oração a Mãe Menininha” em homenagem a
sua Ialorixá44.
Grandes escritores como Vinícius de Moraes e Jorge Amado também se
aconselhavam com Menininha, que chegou a receber um selo em tributo ao seu
41
VERGER, Pierre. Fluxo e Refluxo – do Tráfico de Escravos Entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos, Editora Corrupio, 1987. 42
História do Terreiro de Gantois, disponível em: http://terreirodogantois.com.br/index.php/o-terreiro - acessado em 18 de junho às 15h30. 43
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, disponível em: http://portal.iphan.gov.br/ acessado em 18 de junho às 14h. 44
Equivalente a Mãe de Santo.
22
centenário de nascimento, desenvolvido pela Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos em 1994.
Aos poucos, o Candomblé e outros cultos ramificados da cultura africana,
como a Umbanda45 e o Vodu46, foram se tornando populares no Brasil com o fim da
escravidão em 1888, em grande parte, por conquistar seguidores famosos como os
nomes mencionados acima.
Esta propagação, no entanto, não garantiu a total liberdade de culto a seus
seguidores que ainda sofrem perseguições e frequentemente tem suas práticas
associadas aos termos pejorativos “magia negra” e “macumba” como descrito no
caso do homicídio da jovem Martina Piazza Conde.
Para compreender amplamente o surgimento dessas associações,
apropriou-se de alguns conceitos definidos pelo sociólogo Stuart Hall em sua obra
“Da diáspora: identidades e mediações culturais47” que descreve os efeitos culturais
e históricos do que o estudioso chamou de “transculturalismo”.
As diferenças entre as culturas colonizada e colonizadora permanecem profundas. Mas nunca operaram de forma absolutamente binária, nem certamente o fazem mais. Essa mudança de circunstâncias, nas quais as lutas anticolonialistas pareciam assumir uma forma binária de representação para o presente momento em que não podem mais ser representadas dentro de uma estrutura binária, eu descreveria como uma concepção de diferença para outra, e essa mudança é precisamente o que a transição em série ou titubeante para o “pós-colônia” designa
48.
Na citação acima, Hall refere às marcas de um passado macabro vivido pelo
Brasil que ainda hoje refletem nos comportamentos pessoais e continuam a diferir as
etnias e práticas religiosas do país de forma negativa.
No Brasil colônia, os escravos por medo dos cruéis patrões e ao mesmo
tempo, temendo o castigo dos deuses, revestiam as imagens de seus Orixás com a
figura de um santo católico para poder prestar suas homenagens e oferendas, sem
serem perseguidos e açoitados.
45
Religião nascida no Rio de Janeiro, entre o fim do XIX e o início do XX que se segmenta em vários cultos com influências indígenas, católicas, esotéricas, cabalísticas, dentre outros. 46
O vodu é uma forma de expressão espiritual que traz traços de religiões africanas, do espiritismo, do animismo e, em alguns casos, da magia e do xamanismo. 47
HALL, Stuart. Da diáspora: identidade e mediações culturais, editora Humanistas, 2003. 48
Ibidem, Pg.108.
23
2.4 O DOMÍNIO DO CRISTIANISMO E OS REFLEXOS DA SANTA INQUISIÇÃO
Implantada como religião oficial da Corte Portuguesa, o Catolicismo dominou
o país nos tempos coloniais, e ainda hoje permanece forte tendo o maior número de
seguidores, conforme mostrado no gráfico um que ilustra a última pesquisa do IBGE
em 2010.
De acordo com o levantamento apresentado, católicos somam mais de 64%
dos 6 milhões de brasileiros, enquanto candomblecistas ocupam apenas 0,3% do
total. Através desses números é possível identificar as diferenças profundas entre os
colonizados e os colonizadores, descritas por Stuart Hall no estudo das Diásporas.
O culto de vários deuses, a cura pela fé e o uso de plantas medicinais já era
praticado séculos antes do surgimento da bíblia cristã49. Hoje, essas práticas são
associadas ao mal como reflexo do que para Hall, é uma maneira de indiretamente
manter o negro submisso ao branco.
Não podemos ignorar os momentos sobre determinantes do período colonial “a missão” que seus binarismos tiveram que cumprir de reapresentar a proliferação da diferença cultural e das formas de vida (que sempre estiveram presentes ali) no interior da “unidade” suturada e sobre de terminada daquela polaridade simplificadora e toda abrangente: “O ocidente e o resto
50”.
Nesta observação de Hall, é possível perceber o quanto os vestígios do
colonialismo se impregnaram nas gerações e ainda permanecem fortes, mesmo
após séculos da “libertação” dos escravos.
Dentro desse contexto, optou-se por usar a palavra libertação entre aspas
para referir o conceito de utopia da diferença51, usado pelo sociólogo para descrever
o hibridismo cultural no qual costumes, crenças, valores e comportamentos distintos
são vistos como motivo de discórdia, perseguição e guerra.
De encontro ao pensamento de Hall, Pierre Bourdieu, fala das perseguições
religiosas e da diferença entre o profano e o sagrado interligando as crenças e
práticas as diferentes culturas e suas origens.
49
VENDRAME, Calisto. A Cura dos Doentes na Bíblia, Centro Universitário São Camilo, edições Loyola, São Paulo, 2001. 50
HALL, Stuart. Da diáspora: identidade e mediações culturais, editora Humanistas, 2003, Pg. 112. 51
Ibidem.
24
No âmbito de uma mesma formação social, a oposição entre a religião e a magia, entre o sagrado e o profano, entre a manipulação legítima e manipulação profana do sagrado, dissimula a oposição entre diferenças de competência religiosa que estão ligadas à estrutura da distribuição do capital cultural. Pode-se verificar esse fato entre o confucionismo e a religiosidade das classes populares [...]
52.
Em sua obra A Economia das Trocas Simbólicas, Bourdieu sugere que a
maioria das pessoas tende a associar as praticas religiosas tidas como pagãs ao
mal, que por sua vez, é associado ao negro na tentativa de incitar que a cultura
branca é superior, remetendo sempre aos tempos da escravidão.
Para o sociólogo, toda prática ou crença dominada está destinada a
aparecer como profanadora53 , em outras palavras, qualquer culto que não seja
cristão de acordo com a crença colonizadora, ou não venha da cultura branca é
considerada ruim, e acaba por cair na coexistência da sociedade, no que Jerusa
Pires Ferreira, denominou Cultura das Bordas no estudo da literatura e sociedade
brasileira.
Há estudiosos ou apreciadores que segmentam e assumem, por exemplo, o campo literário como um todo de fronteiras rígidas, apegando-se a uma certa fixidez e até, por hábito, preferem chamar para literatura qualquer outra coisa que pareça fugir ao padrão estabelecido pela instituição “literatura” ou, no polo oposto, aquilo que não caiba nos domínios legitimados de uma cultura popular tradicional que se costuma delimitar enquanto Folclore, por sua vez, matéria tornada nobre e justificada. Há no entanto quem sequer considere, e que despreze, mesmo esses textos de cultura, por não lhes encontrar valor
54.
A visão da mestre em História Social elenca a reflexão de Bourdieu
sobre o enfraquecimento das tradições nacionais, que aos poucos foram sendo
substituídas pela cultura da elite dominante.
O conceito de bordas, proposto por Jerusa, refere-se à margem social na
qual as práticas, crenças e costumes que eram comuns antes da colonização, como
o curandeirismo praticado pelos pajés nas tribos indígenas, passaram a coexistir
apenas como recurso das classes pobres após a chegada dos católicos portugueses
e jesuítas em 1.500.
52
BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas, Editora Perspectiva, São Paulo, 2007, Pg. 44. 53
Ibidem. 54
FERREIRA, Jerusa Pires. Cultura das Bordas: Edição, comunicação, literatura, Editora Cotia, SP, 2010, Pg.12.
25
Essa realidade explanada na obra de Ferreira é largamente debatida pela
filósofa Marilena Chaui em seu estudo: Cultura e Democracia, no qual ela revela a
decadência da cultura popular decorrente da modernidade capitalista e a religião
caracterizada por um limitado nível de consciência55.
A oposição entre religião popular e internalizada, em termos de tradicional e moderno, permite explicar a conversão inicial dos católicos (classe média urbana) ao protestantismo histórico, cuja ética, moderna, responde aos anseios individuais e democratizantes de homens que mergulham definitivamente na sociedade capitalista. E permite explicar também, num segundo momento, a conversão dos católicos pobres às religiões urbanas de massa (pentecostalismo, umbanda, espiritismo, seicho-no-yê)
56.
A conversão a qual Chaui se refere remete a inversão da consciência de
bom e mal, correto e errado, profano e sagrado provocada pelo capitalismo e pela já
descrita colonização.
Muito antes da ciência moderna e do juramento de Hipócrates57, a medicina
era praticada por sacerdotes e curandeiros que atribuíam as doenças a ira de Deus
ou deuses com os humanos. Aristocratas, servos, pobres, ricos, brancos, negros,
índios, todos recorriam às curas sagradas, ervas medicinais e orações contra os
mais diversos males.
Após o nascimento das religiões monoteístas (cristianismo, judaismo e
Islamismo)58 e a conversão de líderes e imperadores como Constantino I59, os cultos
e crenças politeístas passaram a ser vistos como heresia, desencadeando diversas
perseguições e mortes pela Santa Inquisição60.
A partir do século V, o cristianismo, mais especificamente a igreja
católica, passou a controlar o cenário religioso, a psicologia e o comportamento das
pessoas em um período que tornou-se conhecido como “Idade das Trevas”61, no
55
CHAUI, Marilena Sousa. Cultura e Democracia: o discurso competente e outras falas, Editora Cortez, 2001, Pg.75. 56
Ibidem. 57
Biografia de Hipócrates, disponível em: https://www.ebiografia.com/hipocrates/ acessado em 19 de agosto às 19h28. 58
Religiões Monoteístas, disponível em: https://mybrainsociety.blogspot.com.br/2013/06/as-tres-religioes-monoteistas.html acessado em 20 de agosto às 19h59. 59
ROPS, Daniel. A Igreja nos Tempos Bárbaros volume II, Editora Tavares Martins, Academia Francesa, 1960. 60
Grupo de instituições dentro do sistema jurídico da Igreja Católica Romana, cujo objetivo é combater a heresia. Começou no século XII na França para combater a propagação do sectarismo religioso, em particular, em relação aos cátaros e valdenses. 61
ROPS, Daniel. A Igreja nos Tempos Bárbaros volume II, Editora Tavares Martins, Academia Francesa, 1960.
26
qual aquele que fosse pego praticando algum tipo de cura, ou prestando culto a
outras figuras que não a de Jesus Cristo, era acusado de bruxaria e condenado a
morte na fogueira em praça pública62.
[...] todas as bruxas, todas as videntes, todas as necromantes e todos os que praticam qualquer espécie de arte divinatória, desde que uma vez tenham abraçado e professado a Santa Fé, devem ser submetidos ao Tribunal da Inquisição [...] na mesma categoria colocam os blasfemadores e aqueles de alguma forma ou de outra invocam demônios, e aqueles que de forma contumaz permanecem sob a pena de excomunhão durante um ano, seja por caso referente a fé, seja, em certas circunstâncias, por outro motivo; e ainda incluem aí, diversas outras ofensas
63.
Datado de 1487, o manuscrito Malleus Maleficarum – O martelo das
feiticeiras, do qual foi extraiu-se o trecho acima, foi escrito pelo inquisidor alemão
Heinrich Kramer que solicitou ao papa Inocêncio VIII permissão para investigar e
punir os atos de bruxaria na Alemanha.
Embora antigo, o livro é um dos poucos relatos que descreve as
condenações e torturas que levaram a morte de pelo menos 100 mil mulheres
acusadas de bruxaria entre 1450 e 1750. Na obra, são detalhados desde feitiços
supostamente praticados para invocar criaturas malignas, como o esforço
escancarado em demostrar que a figura feminina que expulsou o homem do paraíso,
ainda era a ameaça mais evidente.
Esse levantamento histórico expressa a tentativa do presente estudo
em localizar as raízes das benzedeiras e descrever o percurso das mesmas até os
dias atuais, demonstrando que o preconceito e o desentendimento a cerca do
trabalho desenvolvido por elas, é reflexo de uma opressão enraizada pelo poder das
elites sociais que fixou-se através dos séculos e ainda perdura fortemente no século
XXI.
2.5 AS BENZEDEIRAS: DE CULTURA DOMINANTE A CULTURA DE BORDA
Respeitadas e consultadas para os mais diversos males antes do
surgimento da medicina moderna, as benzedeiras, curandeiras e bruxas eram
adoradas, endeusadas e admiradas antes do nascimento do cristianismo, tanto, que
62
KRAMER, Heinrick. SPRENGER, James. Malleus Maleficarum (O martelo das feiticeiras), Editora Christopher S Machay, 1487. 63
Ibidem, Pgs. 393 e 394.
27
a própria Bíblia cristã traz relatos sobre a cura milagrosa de doentes através da fé,
orações e plantas medicinais64.
A propagação do monoteísmo e o crescimento do catolicismo fez com que
essas práticas, hoje tidas como pagãs, fossem associadas ao mal. A bruxaria que
inicialmente era reconhecida e praticada livremente, passou a ser associada ao
demônio, e quem fosse pego praticando qualquer culto não cristão era perseguido,
julgado e condenado pela igreja da época como herege65.
Essa nova realidade se tornou ainda mais explicita partir do domínio criado
pela opressão. A elite ditava o modo de vida, e consequentemente, passou a ditar as
crenças também. Dentro desse controle, não havia saída, quem quisesse viver
deveria aceitar o deus e a cultura que lhe era imposta.
Quando se fala na cultura popular, não enquanto manifestação dos explorados, mas enquanto cultura dominada, tende-se a mostrá-la como invadida, aniquilada pela cultura de massa e pela indústria cultural, envolvida pelos valores dominantes, pauperizada intelectualmente pela restrições impostas pela elite, manipulada pela folclorização nacionalista, demagógica e exploradora, em suma como impotente face à dominação e arrastada pela potência destrutiva da alienação
66.
Marilena Chaui expressa de modo bastante claro esse domínio sofrido pela
cultura popular que aos poucos foi devastada pelos valores propagados,
principalmente pelo clero, que detinha boa parte do poder de controle no início dos
séculos.
Mais de dez anos após a era negra do cristianismo dominante, novos
questionamentos sobre a existência humana, céu, inferno e a figura de Deus vieram
à tona através dos pensamentos de estudiosos, pesquisadores e cientistas como
Pico Della e Isaac Newton através do estudo da Cabala67.
A sabedoria cabalística se manteve oculta por muitos anos porque seus
estudiosos temiam que essa filosofia fosse mal entendida e por vezes, também mal
praticada. Questionando a origem da vida, a Cabala foi uma das portas para
64
VENDRAME, Calisto. A Cura dos Doentes na Bíblia. Centro Universitário São Camilo, edições Loyola, São Paulo 2001. 65
KRAMER, Heinrick. SPRENGER, James. Malleus Maleficarum (O martelo das feiticeiras), Editora Christopher S Machay, 1487. 66
CHAUI, Marilena Sousa. Cultura e Democracia: o discurso competente e outras falas, Editora Cortez, 2001, Pg.63. 67
Filosofia esotérica que visa conhecer a Deus e o Universo.
28
grandes descobertas como a Lei da Gravidade e a existência dos planetas,
constelações e outras galáxias68.
O interesse pelo exotérico revelou outros estudos como a Alquimia69 que já
era praticada nos tempos de Platão. O envolvimento de pessoas influentes, como os
nomes citados acima, a cerca do misticismo e da astrologia fez com que essas
práticas, até então tidas apenas como meras crenças passassem a ser
aprofundadas e posteriormente se tornassem teorias com grandes pesquisas
reconhecidas no século atual.
Levemos em conta uma época, que revive agora e traz a voga de certos fenômenos, como, por exemplo, a proliferação de textos ligados ao ocultismo. O “culto” e o “popular” se aproximam, e creio que os séculos XVIII e XIX na Europa foram a grande sementeira desse convívio, que resultaria na produção de livros populares e semipopulares
70.
Retomando o estudo de Jerusa Ferreira, em Culturas das Bordas, é possível
observar a dualidade entre o culto e popular mencionado por ela, onde as mesmas
práticas que um dia foram repreendidas voltam a liberdade de prática, mas somente
quando estas são realizadas por nomes de poder. Em outras palavras, Ferreira
contesta que o preconceito não está na crença, no ritual ou divindade cultuada, mas
sim, em que a pratica.
Negros, índios e pobres que um dia serviram como mão-de-obra escrava
para os senhores feudais, hoje, continuam a serem vistos com o mesmo olhar
escravocrata pela sociedade, vivendo em uma categoria designada como “borda”.
Dentro dessa realidade, toda e qualquer espécie de cultura proveniente dessa
suposta classe, passa a ser menosprezada, movida a pré-conceitos nascidos de
uma opressão que resiste a mais de vinte séculos.
2.6 A CULTURA DE BORDA E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA
A religião nunca é apenas metafísica. Partindo dessa teoria, o antropólogo
estadunidense, Clifford Geertz, afirma que todas as crenças carregam profundos
68
Estudos da Cabala, disponível em: http://culturahebraica.blogspot.com.br/2010/01/o-que-e-cabala.html acessado em 28 de agosto de 2017 às 20h57. 69
A alquimia é uma prática experimental milenar que utiliza princípios da ciencia, filosofia e magia para promover transformações na matéria. 70
FERREIRA, Jerusa Pires. Cultura das Bordas: Edição, comunicação, literatura. Editora Cotia, SP, 2010, Pg.65.
29
traços culturais que determinam o discernimento de cada ser humano sobre o
profano e o sagrado.
A religião nuca é apenas metafísica. Em todos os povos as formas, os veículos e os objetos de culto são rodeados por uma aura de profunda seriedade moral. Em todo o lugar, o sagrado contém em si mesmo um sentido de obrigação intrínseca: ele não apenas encoraja a devoção como a exige; não apenas induz a aceitação intelectual como reforça o compromisso emocional. Formulado como mana, como Brahma ou Santíssima Trindade, aquilo que é colocado à parte, como além do mundano, é considerado, inevitavelmente, como tendo implicações de grande alcance para a orientação da conduta humana. Não sendo meramente metafísica, a religião também nuca é meramente ética
71.
Neste trecho retirado da obra “A Interpretação das Culturas”, Geertz defende
que a conduta moral e a ética humana estão fortemente ligadas as origens de cada
ser, portando a religião não se baseia em princípios divinos que determinam o certo
e o errado, mas nos aspectos culturais e antropológicos de cada geração.
Partindo desse raciocínio, observa-se que a intolerância em suas múltiplas
faces, é gerada a partir de conceitos sociais e disputas por poder, visto que o
controle supremo da sociedade sempre pertenceu ao clero. As influências dessas
disputas geram conflitos em diversos modos e afeta a convivência social e as
relações humanas.
Uma matéria publicada pelo site G172, da rede Globo Produções, no dia 20
de agosto, traz um exemplo claro de intolerância religiosa ocorrido em Nova Iguaçu,
Baixada Fluminense. Na ocasião, uma idosa de 65 anos, seguidora do Candomblé,
foi atacada a pedradas pela vizinha evangélica.
Segundo o relato, a vítima é uma migrante nordestina que estabeleceu
moradia há pelos menos quatro décadas no Rio de Janeiro. Desde que se mudou, a
idosa recebe ameaças por parte da vizinha que a trata por nomes pejorativos e de
baixo calão como “velha macumbeira”.
Na última situação, as ameaças verbais se transformaram em agressão e
resultaram em um Boletim de Ocorrência junto a Polícia Civil. A queixa, no entanto,
foi registrada apenas como lesão corporal e não como intolerância, fato que revela
71
GEERTZ, Clifford. A Interpretação da Culturas, Editora ITC, Rio de Janeiro, 1989, Pg.93. 72
Intolerância religiosa, disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/idosa-e-agredida-a-pedradas-e-familia-denuncia-intolerancia-religiosa-em-nova-iguacu.ghtml, acessado em 15 de outubro de 2017 às 18h.
30
um cenário onde não existe uma preocupação real a cerca da gravidade do
problema e da necessidade em fazer cumprir a lei.
Contrariamente às interpretações intelectuais, para as quais a religião é efeito da ignorância da verdadeira natureza do absoluto, Espinosa
73
considera a religiosidade como forma ordinária e imaginária de relação com o poder. Exprimindo o jogo contraditório de duas paixões – o medo e a esperança – a religião realiza-se como temor da vinda de um mal quando se espera um bem e como esperança de que um bem advenha quando se teme um mal
74.
Apropriando-se novamente do estudo de Marilena Chaui, conclui-se nesse
capítulo que todo o conceito de religiosidade, preconceito e perseguição tem sua
origem em antepassados de disputas por poder de controle social, que permanecem
inalteradas ainda no século vigente, no entanto, sob a máscara da ignorância de
uma geração que segue dominada acreditando ser dominadora.
73
ESPINOSA. Tratado teológico-político, Haya, Van Vloten e Land, 1914,t. II, prefácio. 74
CHAUI, Marilena Sousa. Cultura e Democracia: O discurso Competente e Outras Falas, Editora Cortez, 2001, Pg.79.
31
3. O LIVRO-REPORTAGEM COMO EXTENSÃO DO JORNALISMO DIÁRIO
Este segundo capítulo apresenta às etapas e ferramentas necessárias a
construção de um livro-reportagem, produto deste estudo. A escolha foi inspirada
perante a escassez de conteúdos relacionados ao objeto desta monografia, em
questão, As Benzedeiras da Tríplice Fronteira. Diante disso, recorre-se a estrutura
de grandes reportagens apropriando-se da linguagem literária para narrar histórias e
estreitar a distância que separa o Jornalismo factual do campo de pesquisa.
O livro-reportagem surge com o objetivo de quebrar a rotina diária do
Jornalismo tradicional. Sua construção exige um levantamento apurado dos fatos
que serão abordados, análise de biografias e investigação detalhada da situação ou
personagem a ser retratado.
Na tentativa de exemplifica a função do livro, recorre-se as definições
apresentadas por Edvaldo Pereira Lima em sua obra: “O que é livro-reportagem?”
O livro-reportagem transcende as concepções norteadoras do jornalismo atual. Tem potencial para assumir posturas experimentais. Tem pique suficiente, se trabalhado de forma adequada, para fazer nascer a vanguarda de um jornalismo realmente afinado com as tendências mais avançadas do conhecimento humano contemporâneo
75.
Assim como em qualquer reportagem, o primeiro passo para a construção
de um bom texto é a elaboração de uma pauta e a apuração dos fatos que serão
retratados. A diferenciação entre uma matéria diária e uma grande reportagem está
no tempo, na profundidade da pesquisa e na linguagem utilizada pelo autor para
tornar o texto mais atraente ao leitor.
O livro-reportagem é um veículo impresso, uma extensão do tabloide. Sua
construção demanda paciência, dedicação, percepção aguçada e vocabulário bem
fundamentado. Apresenta informações detalhadas, permitindo que o leitor adentre o
mundo ali exposto, como em uma verdadeira viajem, mesmo nas matérias mais
densas como relatos de guerra.
O livro-reportagem cumpre um relevante papel, preenchendo vazios deixados pelo jornal, pela revista, pelas emissoras de rádio, pelos noticiários
75
LIMA, Edvaldo Pereira. O que é livro-reportagem? Editora Brasiliense, 1993, Pg.16.
32
da televisão, até mesmo pela internet quando utilizada jornalisticamente nos mesmos moldes das normas vigentes na prática impressa convencional
76.
Dentre os benefícios do livro-reportagem em relação ao Jornalismo
tradicional, pode-se destacar sua importância enquanto registro histórico que o torna
atemporal, diferente das notícias factuais que nascem pela manhã e morrem ao fim
do dia. As grandes reportagens transparecem a visão do autor e suas observações
transcritas de maneira clara, que possibilite expandir conhecimentos individuais ao
entendimento do receptor.
Livre do ranço limitador da presentificação restrita, o livro-reportagem avança para o relato da contemporaneidade, resgatando no tempo algo mais distante do de hoje, mas que todavia segue causando efeitos neste. Não necessita obrigatoriamente girar em torno da factualidade, do acontecimento. Pode vislumbrar um horizonte mais elevado penetrando na situação ou nas questões mais duradouras que compõem um terreno das linhas de força que determinam os acontecimentos
77.
3.1 OS TIPOS DE LIVRO-REPORTAGEM E SEUS ASPECTOS
Edvaldo Lima em seu livro “Páginas Ampliadas” define uma classificação de
treze tipos de livros-reportagem, destacando sua linguagem, forma de abordagem e
funções. Lima expõe também que várias faces podem ser encontradas no mesmo
livro, sendo as categorizações tidas como não permanentes.
3.1.1 Livro-reportagem perfil
Esta modalidade busca evidenciar o lado mais humano do personagem,
geralmente, figuras públicas ou anônimas com histórias interessantes. Uma vertente
desta classificação é a biografia, na qual, o Jornalista narra os fatos e a trajetória de
vida da pessoa, dando mais destaque ao passado do que ao presente. Um exemplo
deste tipo é a obra “Furacão Elis”, de Regina Echeverria, que narra a vida da cantora
Elis Regina.
76
LIMA, Edvaldo Pereira, Páginas Ampliadas: O livro-reportagem como extensão do Jornalismo e da Literatura, Editora Manole, 2004, Pg.4. 77
Ibidem, Pg.85.
33
3.1.2 Livro-reportagem depoimento
Trata-se de uma reconstituição de fatos a partir da visão de uma testemunha
sob a supervisão de um Jornalista. A linguagem é quase sempre narrativa, podendo
ser abordada em primeira pessoa. Normalmente essa modalidade compõe obras
embasadas em no caráter de ação. Como exemplo tem-se “O Relato de um
Náufrago”, de Gabriel García Márquez.
3.1.3 Livro-reportagem retrato
Seu papel é semelhante ao livro perfil, no entanto, ao contrário deste, não
retrata uma pessoa em questão, mas sim uma região geográfica, setor da sociedade
ou segmento da sociedade econômica. Seu objetivo é quase sempre de cunho
educativo, explicativo. Exemplo: “Airport International”, de Brian Moynahan.
3.1.4 Livro-reportagem ciência
Pode se apresentar com caráter de crítica ou reflexão sobre um assunto
específico. Normalmente serve como divulgação de pesquisas científicas. Um
exemplo desta linha é “Antártida”, de Luiz Oscar Matzenbacher
3.1.5 Livro-reportagem ambiente
Expõe causas ambientalistas e ecológicas com postura crítica, combativa ou
de conscientização, visando a aproximação do homem com a natureza. “Os Andes”,
de Tony Morrison, é um exemplo dessa categoria.
3.1.6 Livro-reportagem história
Traz reflexões sobre temas passados ou futuros, investigando e
contextualizando em um âmbito geral. Cria uma conversa entre o autor e o leitor,
resgatando fatos ou narrando algum acontecimento específico. Exemplo: “Olga”, de
Fernando Morais.
34
3.1.7 Livro-reportagem nova consciência
Engloba temas ligados ao comportamento social, cultural econômico e
religioso, emergentes da contracultura e do conjunto de movimentos de aproximação
à cultura e civilização do Oriente Médio e continente asiático nos anos 60. Exemplo:
“Murieron para vivir: el resurgimiento delI slam e el Sufismo em Espanã, de
Francisco Lópes Bárrios e Miguel José Haguerty.
3.1.8 Livro-reportagem instantâneo
Retrata temas atuais, analisando acontecimentos recentes com um olhar
sobre o futuro do fato. Exemplo: “A sangue quente”: A morte do jornalista Vladimir
Herzog, de Hamilton Almeida Filho.
3.1.9 Livro-reportagem atualidade
Assim como o livro instantâneo, aborda um tema atual, mas com uma
pequena diferença: seleciona o assunto cujos desdobramentos finais ainda são
desconhecidos. Como exemplo tem-se: “Struggle for takeoff”, de Duncan Campbell
Smith.
3.1.10 Livro-reportagem antologia
Reúne diversas reportagens já publicadas na imprensa cotidiana,
independente do tema. A obra em questão pode trazer um aglomerado de textos de
um único autor em variados temas, ou de diferentes autores sobre um tema
específico. “O circo do desespero”, de Audálio Dantas exemplifica essa modalidade.
3.1.11 Livro-reportagem denúncia
Tem propósito investigativo com apelo contra as injustiças, averiguando
fatos de interesse público. Exemplo: “Rota 66, a história da polícia que mata”, de
Caco Barcelos.
35
3.1.12 Livro-reportagem viagem
Traz relatos de uma viagem a determinada região sob os aspectos
sociológico, histórico e humano. Vai além da narrativa turística, abordando a
pesquisa e coleta de dados. Exemplo: “Enviado Especial”: 25 anos ao redor do
mundo”, de Clovis Rossi.
3.1.13 Livro-reportagem ensaio
Discorre sobre um tema específico com a finalidade de expor a opinião do
autor e convencer o leitor a compactuar com as mesmas. O uso da linguagem
narrativa em primeira pessoa é bastante frequente. Exemplo: “O despertar dos
mágicos”: introdução ao realismo fantástico, de Louis Pauwels e Jacques Bergier.
Para a construção deste estudo e da obra resultante do mesmo, o livro-
reportagem intitulado “Dos Ramos ao Congá: Histórias de Benzedeiras narradas sob
a perspectiva do Jornalismo Literário” apropriou-se de três características resultados
dos treze livros listados acima, sendo: livro-reportagem perfil, livro-reportagem
depoimento e livro-reportagem história.
Cada definição se enquadra a partir de elementos específicos identificados
nas modalidades. As narrativas em primeira e terceira pessoa resgatam a linguagem
literária presente no New Journalism que será largamente explanado ainda neste
capítulo.
3.2 A LINGUAGEM LITERÁRIA E A HUMANIZAÇÃO NAS GRANDES
REPORTAGENS
A utilização da linguagem narrativa e romanceada nas grandes reportagens
começou a dar os primeiros passos no início do século XX. Não foi um movimento
de massa, social ou militante, seu desenvolvimento caminhou tímido infiltrando-se
vagarosamente nas redações. “Na época, meados nos anos 60, o que aconteceu foi
que, de repente, sabia-se que havia uma espécie de excitação artística no
jornalismo, e isso em si já era uma novidade78”.
78
WOLFE, Tom. Radical chique e o novo jornalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, Pg.43.
36
No princípio, a nova modalidade foi vista como uma espécie de afronta aos
escritores romancista da época, e uma banalização do Jornalismo tradicional.
Embora tivessem o mesmo objetivo de tornar público o conhecimento de mundo,
havia diferença na forma como ambos tratavam essa finalidade.
A literatura buscava quase sempre a fantasia carregada de adjetivos
imagéticos, já o Jornalismo se apropriava da linguagem melodiosa para contar fatos
de maneira racional e pragmática. A briga perpetuou-se por alguns anos, até que o
reconhecido romancista Truman Capote se rendeu ao desejo de contar histórias
reais, narrando a vida de dois homens que assassinaram uma família rural da alta
sociedade. A obra “A Sangue Frio79” foi publicada parcialmente no jornal The new
Yorker e posteriormente lançada em livro no ano de 1966, pondo fim as
discrepâncias.
Tom wolfe descreve esse fato como o golpe certeiro e fatal para os
profissionais de ambas categorias na época.
Afinal, ali estava não um jornalista obscuro, nem algum escritor freelance, mas um romancista de longa data... cuja carreira estava meio parada... e, de repente, de um só golpe, com aquela virada para a maldita forma nova de jornalismo, não só ressuscitava sua reputação, mas a elevava mais alto que nunca antes... e, em troca, tornava-se uma celebridade da mais inacreditável magnitude
80.
A partir desse momento, o New Journalism passou a ser respeitado e
reconhecido como grande reportagem, tornando-se uma alternativa para os
comunicadores que não se encaixavam no velho padrão engessado do lead, ou que
tinham interesse em engajar-se em causas sociais, sem perder os princípios de sua
profissão.
Ser Jornalista é antes de tudo, ser um bom ouvinte. É do contato e da boa
conversa olho no olho que nascem as grandes histórias, sejam elas narrando a vida
de um personagem específico, ou de as emoções de grandes coberturas em
acontecimentos excepcionais.
José Hamilton Ribeiro é um dos grandes nomes do Jornalismo brasileiro que
ficou conhecido após detalhar em uma grande reportagem todas as suas emoções,
79
CAPOTE, Truman. A Sangue Frio, Editora Random House, Rio de Janeiro, 1967. 80
WOLFE, Tom. Radical chique e o novo jornalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, Pg.45.
37
medos e desafios como repórter de guerra. Sua obra “O Repórter do Século81”,
publicada em 2006, ganhou sete prêmios Esso, abrindo portas para a categoria.
No mesmo ano, Eliane Brum, uma das Jornalistas mais premiadas do Brasil,
lançou a obra que alavancaria sua carreira: “A Vida que Ninguém Vê82”. O livro é um
conjunto de crônicas-reportagem escritas sob o olhar da autora, que narra com
grande sensibilidade e riqueza de detalhes, a vida de pessoas invisíveis na
sociedade do século XIX.
Seguindo os exemplos citados acima, mais do que histórias de vida, este
trabalho narra emoções e lutas das Benzedeiras de Foz do Iguaçu para manter viva
uma tradição milenar. O tema em questão retrata uma cultura discriminada social e
midiaticamente, que coexiste a margem de uma sociedade predominantemente
cristã, conforme exposto no capítulo um desta pesquisa.
A utilização da literatura nas grandes reportagens parte do princípio de
humanização no qual o Jornalista não deixa de expor o real, mas de uma forma
delicada que leva o leitor a adentrar a vida do personagem, sendo capaz de sentir
suas angústias, alegrias, medos e conquistas, exatamente como descreve Edvaldo
Pereira Lima em sua obra “Páginas Ampliadas”.
A narrativa jornalística é como um aparato ótico que penetra na contemporaneidade para desnudá-la, mostra-la ao leitor, como se fosse uma extensão dos próprios olhos dele, leitor, naquela realidade que está sendo desvendada
83.
A elaboração de grandes reportagens necessita de aprofundamento,
pesquisa, e uma percepção aguçada do escritor. É literalmente um mergulho no
desconhecido, onde o repórter desprende-se de crenças, achismos e conceitos,
para percorrer um universo paralelo despido de pré-conceitos.
O repórter vai ao encontro do universo que tem de cobrir, mistura-se com ele, confunde-se até onde é possível, para captar pelo cérebro e pelas entranhas, pela emoção e pela razão, as componentes lógicas e subjetivas da vida que o trespassa e pela qual tem de atravessar com presença e envolvimento para retratá-la
84.
81
RIBEIRO, José Hamilton. O repórter do século, Geração Editorial, 2006. 82
BRUM, Eliane. A vida que ninguém vê, Editora Arquipélago, 2006. 83
LIMA, Edvaldo Pereira. Página Ampliadas: O Livro-reportagem como extensão do Jornalismo e da Literatura, Editora Manole, 2004, Pg.161. 84
LIMA, Edvaldo Pereira. Página Ampliadas: O Livro-reportagem como extensão do Jornalismo e da Literatura, Editora Manole, 2004, Pg.69.
38
O livro-reportagem ocupa a lacuna deixada pelo jornalismo diário,
aproximando os leitores através da identificação com o personagem. É uma troca
simultânea de conhecimento, onde o jornalista se despe de si mesmo para
mergulhar em outros universos sem perder-se de seu compromisso com a
veracidade dos fatos.
3.3 A CONSTRUÇÃO DO TEXTO NA REPORTAGEM IMPRESSA
O domínio da escrita é a principal arma do bom jornalista. É através da
linguagem bem trabalhada e de um rico vocabulário que uma reportagem ganha
destaque, seja ela de televisão, rádio, web ou jornal impresso.
Um bom conhecimento da norma culta e da gramática é o primeiro passo
para o profissional de comunicação. As palavras tem um grande poder, quando bem
utilizadas transmitem a mensagem a ser passada com clareza e a profundidade
adequada ao assunto. Da mesma forma, quando mal utilizadas, podem denegrir a
imagem tanto do personagem, quanto do autor ou passar as impressões erradas a
respeito do exposto.
Na construção das grandes reportagens, além do domínio de escrita, é
necessária uma boa estruturação dos fatos e um levantamento prévio do assunto
através de pesquisas e entrevistas em profundidade, dois fatores que serão
discutidos posteriormente neste capítulo.
Para Cremilda Medina em “Notícia: um produto à venda85” é o tratamento do
assunto que irá transformar uma simples notícia em uma reportagem bem
construída, aprofundando o fato no espaço e no tempo.
As linhas de tempo e espaço se enriquecem: enquanto a notícia fixa o aqui, o já, o acontecer, a grande reportagem abre o aqui num círculo mais amplo, reconstitui o já no antes e depois, deixa os limites do acontecer para um estar acontecendo atemporal ou menos presente. Através da contemplação de fatos que situam ou exemplificam o fato nuclear, através da pesquisa histórica de antecedentes, ou através da busca do humano permanente no acontecimento imediato a reportagem leva a um quadro interpretativo do fato
86.
85
MEDINA, Cremilda de Araújo. Notícia: um produto à venda, Editora Alfa ômega, São Paulo, 1978. 86
MEDINA, Cremilda de Araújo. Notícia: um produto à venda, Editora Alfa ômega, São Paulo, 1978, Pg.134.
39
A elaboração de um texto exige além da pesquisa, uma estruturação bem
definida. Na produção de um livro-reportagem, a linguagem irá obedecer a essa
estrutura, classificada em três categorias por Elisa Guimarães87:
● Gênero dissertativo: Sua função é unicamente a de informar, na maioria
das vezes exposto indiretamente a visão do autor. Escrito sempre em terceira
pessoa e norma culta, é embasado por argumentos que convençam o leitor da
veracidade do fato através do raciocínio lógico. O discurso argumentativo, de acordo
com Guimarães, é um dos mais difíceis de ser trabalhado, pois requer uma ampla
articulação do escritor. Sem ela, há anulação completa do raciocínio.
● Gênero descritivo: Se desenvolve assim como o anterior, com base na
argumentação, quase sempre, como parte de uma outra estrutura de texto, a
dissertativa ou a narrativa, sujeitando as finalidades específicas dessa outra
modalidade. A descrição é desenvolvida através da observação, em outras palavras,
só pode ser construída através da comunicação face a face com o personagem ou
do contato direto com o local, objeto em estudo. A análise das expressões,
sensações, cheiros, cores é que garantirá o envolvimento do leitor e
consequentemente, o alcance do objetivo proposto.
● Gênero narrativo: Este contexto expõe o problema, apresenta suas
complicações e define a solução, podendo ainda, contemplar uma avaliação ou
moral. Quase sempre é empregado para contar histórias de pessoas, como é o caso
do livro-reportagem, produto deste estudo. Pode ser escrito em primeira ou terceira
pessoa, aliado a rica descrição de comportamentos e expressões, como no item
anterior. Ainda dentro deste gênero encontram-se duas categorias: a narrativa
literária e a narrativa jornalística.
Para diferir uma abordagem da outra, José Luiz Fiorin88 e Francisco Platão
Savioli89, definem três características que permitem diferir uma categoria da outra: o
conteúdo, o caráter ficcional ou real e a função. No texto jornalístico, a principal
preocupação é informar, contar os fatos de maneira concreta a fim de convencer ou
documentar algo. Já na narrativa literária, a expressão vai além da informação e da
vinculação de conteúdos, de maneira que não importa apenas o que é dito, mas
87
GUIMARÃES, Elisa. A articulação do texto, Editora Ática, São Paulo, 1990. 88
FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso, Editoras Contexto e Edusp, São Paulo, 1989. 89
SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto, Editora Ática, São Paulo, 1990.
40
também como é dito. “O texto literário cria novos significados para as palavras, por
desautomatizá-las, ao estabelecer relações inesperadas e estranhas entre elas90.
Dentro da narrativa, há ainda o posicionamento do jornalista que do mesmo
modo como os gêneros, classifica-se em três modalidades:
● Narrador testemunha (1ª pessoa): De acordo com Lígia Leite, em “O foco
narrativo91”, neste tipo de narrativa, o jornalista faz parte do texto como personagem
e em alguns casos, o protagonista da história se torna personagem secundário. O
ângulo de visão é limitado, pois a história é contada a partir de fatos colhidos,
observações e do que o narrador ouviu, sem a necessidade de contato direto com o
a pessoa ou objeto de destaque.
● Narrador Onisciente (3ª pessoa): Nesta posição, o narrador conhece todos
os fatos, até mesmo a forma de pensar dos personagens, descrevendo suas
emoções, sentimentos e maneira de falar. Segundo Fiorin e Savioli, este método não
é bem visto pelo jornalismo por contar, inclusive, o que se passa no interior do
personagem.
● Narrador protagonista (1ª pessoa): Se limita aos pensamentos,
percepções e sentimentos do narrador. Quando utilizado no Jornalismo, apoia-se em
depoimentos extensos ou quando o narrador se torna o centro dos acontecimentos,
sendo, portanto, a melhor fonte da informação.
Uma vez definida a escolha do gênero e do posicionamento narrativo, é
necessário analisar qual será a densidade psicológica a ser aplicada sobre os
personagens. Neste item entra toda a composição de cena e expressões que irão
referenciá-lo. A classificação dos personagens se aplica em cinco categorias:
● Personagem plana: Neste tipo de abordagem o personagem é construído
a partir de uma única qualidade ou ideia. Geralmente se preocupa excessivamente
em glamurizar ou condenar a pessoa, sob o olhar do jornalista que mostra
claramente sua visão parcializada sobre o assunto tratado. Cremilda Mediana
descreve que após a caracterização, a pessoa torna-se previsível repetindo os
mesmo gestos e falas, não possui densidade.
● Personagem redonda: Definida como complexa e bem marcada, este tipo
de personagem é construído em múltiplas faces dinâmicas e imprevisíveis e exige
90
SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto, Editora Ática, São Paulo, 1990, Pg.349, 53. 91
LEITE, Ligia Moraes, O foco narrativo, Editora Ática, São Paulo, 1987.
41
um aprofundamento por parte do autor, que precisa compreender seus conceitos,
valores, comportamentos e histórico de vida.
● Personagem referencial: Remete a um sentido pleno e fixo imobilizado por
uma cultura. Geralmente é uma figura pública já conhecida pela sociedade. Beth
Brait, em “A personagem92” defende que o grau de reconhecimento desse tipo de
personagem depende da participação popular na cultura que o mesmo representa.
● Personagem Anáfora: Só existe dentro do texto, é um personagem fictício
desconhecido anteriormente pelo leitor, mas que consegue estabelecer vida dentro
da obra se tornando referencial.
● Personagem figurante: Ocupa um lugar subalterno e distante dos
acontecimentos narrados. Este tipo de personagem não carrega um significado
particular, mas serve para ilustrar o ambiente, portanto, indispensável. Segundo
Brait, os figurantes ilustram uma mentalidade e servem para compor uma
determinada cena.
Dentro do exposto, o livro-reportagem “Dos Ramos ao Congá: Histórias de
Benzedeiras narradas sob a perspectiva do Jornalismo Literário”, compõe-se de
gênero misto narrativo descritivo, escrito sob linguagem literária, através da
observação jornalística onisciente e testemunha. Os personagens se apresentam de
forma redonda, trazendo a descrição de características físicas e sentimentais a fim
de estabelecer uma conexão íntima com o leitor e cumprir o objetivo proposto de
apresentar o anonimato do assunto exposto de forma intensa e ao mesmo tempo
delicada.
3.4 ENTREVISTADOR E ENTREVISTADO: A IMPORTÂNCIA DO DIÁLOGO
A entrevista é o primeiro passo para a elaboração de qualquer reportagem, é
a partir dela que se define o personagem, o assunto a ser trabalhado, os pontos de
destaque, a linguagem e o tipo de abordagem.
Seja na construção de uma matéria factual ou no texto de livro-reportagem é
a partir do contato direto com o assunto que o texto se desenvolve, o que difere um
do outro é a profundidade que esse contato acontece.
92
BRAIT, Beth. A personagem, Editora Ática, São Paulo, 1987.
42
Nilson Lage em “A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa
jornalística” define que: “A entrevista é procedimento clássico de apuração de
informações em jornalismo. É uma expressão da consulta às fontes, objetivando,
geralmente, a coleta de interpretações e a reconstituição de fatos93.”
Partindo desse princípio, o autor estabelece quatro formas de entrevista, de
acordo com o objetivo predefinido, sendo elas:
● Entrevista ritual: classificada como breve, sendo mais centrada na voz e
na figura do entrevistado, do que no que o mesmo tem a dizer. Um exemplo desse
tipo de entrevista são os diálogos com técnicos, jogadores de futebol ou visitas
ilustres. Não há esforço para encontrar algo importante no que é declarado.
● Entrevista temática: aborda um tema específico sobre o qual se supõe que
o entrevistado tenha condições de discorrer. Geralmente esta modalidade é usada
para tratar de interpretações a cerca de um fato ocorrido ou assunto que esteja em
debate, ajudando a compreender o problema através da análise de um especialista.
● Entrevista testemunhal: reconstitui fatos a partir dos relatos do
entrevistado, destacando seu ponto de vista particular. Este tipo de entrevista não
inclui somente o depoimento sobre os episódios al qual a pessoa em questão se
envolveu ou participou indiretamente, mas também aborda informações que ela teve
acesso e impressões subjetivas.
● Entrevista em profundidade: Neste caso, o destaque não é o tema em
questão ou algum acontecimento específico, mas sim a figura do entrevistado, suas
opiniões e suas impressões de mundo relacionadas a sua vida particular.
Para a construção do objeto em estudo neste trabalho foi necessário utilizar-
se da entrevista em profundidade com o objetivo de contar histórias de vida e
pessoas relacionadas à prática do benzimento na Tríplice Fronteira. A intenção foi a
de fazer um resgate histórico da prática em questão e sua trajetória até os dias
atuais.
[...] o repórter, o autor, é apenas um sutil maestro que costura os depoimentos, interliga visões do mundo com tal talento que parece natural tal arranjo, como se surgisse ali espontaneamente, perfeito. Nessas ocasiões, o jornalista-escritor atinge uma situação máxima de excelência no
93
LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística, Editora Record, São Paulo, 2003.
43
domínio da entrevista: a de tecedor invisível da realidade, que salta, vívida, das páginas para o coração, a mente e todo o aparato perceptivo do leitor
94.
Construir uma reportagem é ir além do óbvio, é percorrer todas as faces do
personagem, cumprindo o papel de autor e transmissor de mensagem. O bom
jornalista precisa além da técnica e do domínio da norma culta, possuir uma
sensibilidade aguçada capaz de transmitir sensações, emoção e vida para as
palavras. Narrar uma história é emprestar a própria alma para o papel, como um
espelho que reflete o real.
Ao articular um livro-reportagem, o autor inicia um jogo implícito com seu leitor. O jogo consiste em captar o leitor, atraí-lo do seu mundo mental e emocional, cativá-lo par abstrair-se desse mundo, em alguma medida, para um mergulho no universo particular contido, representativamente, no livro
95.
O uso de uma linguagem humanizada na construção do livro-reportagem
concede ao autor, a possibilidade de construir um diálogo interativo com o leitor
carregado de empatia, desfazendo a velha crença de que o bom jornalismo precisa
ser engessado.
3.5 JORNALISMO CULTURAL: DO POPULAR AS BORDAS
Na produção deste estudo e do livro-reportagem, foi necessário um breve
levantamento sobre o Jornalismo Cultural, visto que a prática do benzimento é uma
cultura tradicional, embora como já descrito no capítulo um, esteja cercada por pré-
conceitos.
O objetivo desta abordagem é destacar a importância da mídia na
preservação cultural do país, analisando o campo de forma crítica diante da
realidade, a fim expor o posicionamento dos veículos de comunicação através da
análise de matérias vinculadas.
A palavra popular vem do latim popularis, em tradução livre, aquilo que é
relativo ou pertence ao povo. Dentro desse conceito, o termo admite duas
compreensões: pode referenciar aquilo que é próprio de classes sociais baixas ou
94
LIMA, Edvaldo Pereira. Página Ampliadas: O Livro-reportagem como extensão do Jornalismo e da Literatura, Editora Manole, 2004, Pg.107. 95
Ibidem Pg.143.
44
algo que é conhecido pela sociedade. Neste estudo, o popular é analisado como o
excluído, nas palavras de Jerusa Pires Ferreira: Uma Cultura de Borda.
“Bordas é a definição em equilíbrio, como no fio da faca. O convívio de uma tradição
oral persistente, com a emergente indústria da cultura e da edição, abastecendo
públicos a deriva96”.
Ao descrever as bordas, Ferreira abarca todas as culturas socialmente
discriminadas que existem à margem do tradicional. As Benzedeiras emergem de
uma cultura dominante que um dia foi vista com respeito e admiração, passando
com o tempo e emergente expansão do cristianismo, a ocupar o lugar de subcultura.
Ao falar da prática do benzimento é preciso sair da religião que funda o mundo,
assim como ao questionar as bordas é necessário sair das “Belas-Letras97”.
Jerusa descreve esse sair como abster-se de afirmações e achismo para
adentar um universo novo e desconhecido de mente limpa a fim de absorver um
espaço não consagrado do mundo urbano.
Dentro desse contexto, aplica-se o papel da mídia que tem como princípio, o
compromisso de ouvir todos os lados e garantir o direito de defesa dos mesmos. Na
prática, no entanto, observa-se que esta proposta acaba na maioria das vezes,
esquecida no papel.
Cinema, música, universos pop, populares em direcionamento midiático, inserções radiofônicas, gêneros variados e aceites, situações narrativas ou teatralizantes, tudo passou a fazer parte desse grande texto-universo que chamei de bordas
98.
De encontro ao posicionamento de Jerusa, Cláudio Novaes Pinto Coelho e
Valdir José de Castro, em “Comunicação e sociedade do espetáculo99” descrevem a
transformação da informação em mercadoria e do conhecimento em propriedade,
associado à espetacularização do real. Em outras palavras, os autores afirmam que
a cultura popular somente é abordada pela mídia, quando serve de espetáculo e de
atração de audiência.
O carnaval, por exemplo, é uma das maiores representações dessa
alienação midiática que se apropria do popular para conquistar espaço. Ao vincular
96
FERREIRA, Jerusa Pires. Cultura das Bordas: Edição, comunicação, literatura. Editora Cotia, SP, 2010, Pg.13. 97
Ibidem. 98
Ibidem, Pg.16. 99
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. CASTRO, Valdir José de Castro. Comunicação e sociedade do espetáculo, Editora Paulus, São Paulo, 2006.
45
as festas, a figura do negro e de mulheres seminuas, a intenção não é a de propagar
a cultura, mas sim, atrair a classe popular para o consumo midiático.
Assim, temos que os programas populares – considerando-se aqui apenas os presentes na grande mídia, não os que conquistam espaços alternativos, aproveitam-se das formas do popular não para expressar anseios, mas para esvaziar de sentido um outro discurso possível, para absorver o popular na normalização inerente à indústria à indústria cultural
100.
Dentro do exposto, observa-se que a cultura popular, em discussão as
Benzedeiras, objeto deste estudo, somente é abordado pela grande mídia quando
há algo envolto que atraia audiência, como no caso da série de ataques a terreiros
de Candomblé e Umbanda em setembro deste ano no Rio de Janeiro.
O cenário de destruição foi destaque na mídia nacional, no entanto, não pelo
crime de intolerância religiosa e sim pela depredação do patrimônio e das mortes
que ocorreram. Em uma das notícias vinculadas pelo portal CBN 101 , com a
manchete: “Criminosos obrigam Mãe-de-Santo a destruir o próprio terreiro em Nova
Iguaçu”, percebe-se o poder das palavras “criminosos” e Mãe-de-Santo”, vinculados
no título apenas para chamar a atenção do leitor.
Coelho e Castro criticam esse sensacionalismo explicito no jornalismo diário
e apontam contradições na linguagem utilizada na qual “Ao mesmo tempo em que
pretende identificar-se com o discurso do pobre e exigir os seus direitos, retrata o
marginalizado e o favelado como violento, bandido e potencial criminoso102”.
Da mesma forma, os autores apontam que as classes de borda conforme
descrito por Jerusa Ferreira, somente são notícia quando estão ligadas a algum
crime ou desastre, quase nunca por questões que valorizem a cultura. O
Candomblé, a Umbanda e as Benzedeiras, por exemplo, só se tornam notícia
quando acontecimentos como o retratado na notícia descrita acima, tomam grandes
proporções, e consequentemente atraem olhares e audiência para a mídia
esmagadora.
100
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. CASTRO, Valdir José de Castro. Comunicação e sociedade do espetáculo, Editora Paulus, São Paulo, 2006, Pg.65. 101
Criminosos obrigam Mãe-de-Santo a destruir o próprio terreiro, portal CBN disponível em :http://cbn.globoradio.globo.com/editorias/policia/2017/09/13/CRIMINOSOS-OBRIGAM-MAE-DE-SANTO-A-DESTRUIR-PROPRIO-TERREIRO-EM-NOVA-IGUACU.htm, acessado em 1º de novembro de 2017 às 10h25. 102
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. CASTRO, Valdir José de Castro. Comunicação e sociedade do espetáculo, Editora Paulus, São Paulo, 2006, pg.99.
46
Observamos um grande investimento nas manchetes, justamente porque elas são responsáveis pelo interesse (consumo) e pelo primeiro contato com o espectador. A compulsão pela novidade informativa e a exploração da curiosidade compromete a sensibilidade de tal forma que, de modo crescente e cumulativo, o receptor deixa de ser capaz de se sensibilizar quanto ao trágico, à miséria, a dor, passando a considerar a barbárie e o terror como normais
103.
A concorrência desenfreada entre os veículos de comunicação aliada a uma
sociedade em crise transforma a violência, a intolerância, o racismo etodo os outros
problemas sociais em espetáculo, um “show” que é aplaudido sem questionar pela
população.
3.6 LINGUAGEM CULTURAL: O DISCURSO IDEOLÓGICO DA MERCADORIA
NOTÍCIA
Engana-se quem pensa que o discurso sensacionalista está impregnado
apenas na televisão, no rádio ou na internet, a grande imprensa escrita também não
conseguiu escapar do domínio da grande indústria cultural. Neste contexto, observa-
se uma mídia cada vez mais preocupada com o sucesso no mercado do que com a
veracidade dos fatos.
Essa transformação nos veículos de comunicação ocorreu em paralelo com
o crescimento do setor comercial das empresas. As notícias, que antes eram
produzidas com uma extensa apuração de dados, passaram a ser construídas de
acordo com pesquisas sobre o comportamento de consumo da população. Mais
claramente, o rápido crescimento da indústria cultural levou os jornais a enxugarem
seus conteúdos e a “empobrecer” seus textos.
Essa é uma das razões que fazem os jornais publicarem textos mais concisos, onde o lead se justifica para possibilitar uma leitura mais rápida. Outros recursos também são utilizados como: gráficos, ilustrações, fotos coloridas, que, se em algum sentido colaboram para facilitar a leitura, atendendo as exigências de uma leitura mais rápida, também podem tornar a matéria mais superficial
104.
103
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. CASTRO, Valdir José de Castro. Comunicação e sociedade do espetáculo, Editora Paulus, São Paulo, 2006, Pg.100. 104
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. CASTRO, Valdir José de Castro. Comunicação e sociedade do espetáculo, Editora Paulus, São Paulo, 2006, Pg 37.
47
Na citação acima, Cláudio Coelho e Valdir Castro manifestam a falta de
liberdade vivida pelo jornalista atual, na visão deles, o profissional perdeu a
autonomia para expressar seu talento em estilo próprio e a liberdade para difundir
uma consciência crítica, ficando limitado a imagem que o veículo visa manter.
De encontro ao pensamento dos autores, Patrick Charaudeau, descreve a
informação como uma linguagem manipulada, em outras palavras, o Jornalista
possui liberdade dentro do espaço delimitado pelo meio de comunicação em que
atua. Ele deve passar a verdade, mas dentro de um sentido particular de mundo pré-
estabelecido.
A informação é essencialmente uma questão de linguagem, e a linguagem não é essencialmente transparente ao mundo, ela apresenta sua própria opacidade através da qual se constrói uma visão, um sentido particular do mundo. Mesmo a imagem, que se acredita ser mais apta a refletir o mundo como ele é, tem sua própria opacidade, que se descobre de forma patente quando produz efeitos perversos ou se coloca a serviço de notícias falsas
105.
A forma como a notícia é vinculada, determina como o assunto será visto
pelo leitor, ouvinte, telespectador ou internauta. Tomando novamente como exemplo
a morte da estudante uruguaia Martina Piazza Conde, já mencionada no capítulo um
deste estudo, destaca-se a forma como o crime foi noticiado pela mídia: “Morte de
universitária uruguaia teve ‘motivação espiritual’, afirma polícia106”.
A manchete tendenciosa, assim como toda a reportagem foi construída com
base apenas no depoimento do delegado responsável pelo caso e na versão
contada pelo autor do homicídio. Embora não aponte nomes, ao se utilizar dos
termos “motivação espiritual”, “sacrifício” e “Pai-de-Santo”, subentende-se que o
assassinato teria ocorrido dentro de uma religião de matriz africada, alimentando
indiretamente o preconceito e ódio contras os terreiros.
Em nenhum momento, o jornalista responsável pela matéria não se
preocupou com a repercussão do assunto, menos ainda com as consequências.
Tampouco, cumpriu seu papel de abastecer-se de informação antes de noticiar um
assunto de cunho tão delicado.
105
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias, Editora Contexto, São Paulo, 2006, Pg.9. 106
Morte de universitária uruguaia teve ‘motivação espiritual’, afirma polícia, disponível em http://g1.globo.com/pr/oeste-sudoeste/noticia/2014/03/morte-de-universitaria-uruguaia-teve-motivacao-espiritual-afirma-policia.html, acessado em 1º de novembro de 2017 às 16h.
48
Posteriormente a vinculação do assassinato, pessoas que conheciam o
acusado e sabiam de sua ligação com um terreiro de candomblé, passaram a atacar
verbalmente e fisicamente o local, sem averiguar se realmente a informação era
verídica.
O Candomblé não utiliza de sacrifícios humanos em rituais, existe o
sacrifício animal, que é feito em uma cerimônia religiosa, no entanto, nada é perdido,
pois toda a carne é preparada ao fim do rito e distribuída entre a comunidade.
Novamente o sensacionalismo tomou o lugar da verdade, do direito de resposta e
feriu um dos maiores princípio do Jornalismo: Dar voz a todos os lados.
O efeito de verdade está mais para o lado de “acreditar ser verdadeiro” do que para o do “ser verdadeiro”. Surge da subjetividade do sujeito em sua relação com o mundo, criando uma adesão ao que pode ser julgado verdadeiro pelo fato de que é compartilhável com outras pessoas, e se inscreve nas normas de reconhecimento do mundo
107.
Retomando o pensamento de Coelho e Castro, com base na obra:
“Comunicação e sociedade o espetáculo108” conclui-se que o Jornalismo somente
apropria-se da cultura quando há um interesse premeditado e quando o faz, o
mesmo está cercado pelo sensacionalismo a fim de vender sua mercadoria notícia.
Cultura está na maioria das vezes, ligada ao popular, e o popular por sua
vez, pertence as minorias sociais, as bordas. Dentro desse contexto, a cultura
apenas torna-se notícia quando está ligada a escândalos, crimes ou outras
condições degradantes, que apenas reforçam as diferenças sociais como algo ruim.
“A sociedade transformou-se numa sociedade de “voyeurs”, fenômeno de
comunicação como consumo e produção de imagens espetaculares, e instalou o
espetáculo em todas as instâncias comunicativas109”.
Por fim, conclui-se que o Jornalismo, que por ética deveria contribuir para
propagar questionamentos e quebrar paradigmas, se deixou corromper pelas regras
de um mercado desenfreado, dentro do qual para sobreviver, precisou abdicar de
seus princípios.
107
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias, Editora Contexto, São Paulo, 2006, Pg.24. 108
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. CASTRO, Valdir José de Castro. Comunicação e sociedade do espetáculo, Editora Paulus, São Paulo, 2006. 109
Ibidem, Pg.109.
49
4. LIVRO-REPORTAGEM “DOS RAMOS AO CONGÁ”: METODOLOGIA DE
CONSTRUÇÃO
O produto deste estudo “Dos Ramos ao Congá: Histórias de Benzedeiras
narradas sob a perspectiva do Jornalismo Literário” é um livro-reportagem escrito em
linguagem literária, histórias de vida, relatos de cura e percepções sobre as
Benzedeiras na Tríplice Fronteira, tendo como base as definições de Cultura de
Borda, de Jerusa Pires Ferreira e Culturas Híbridas, de Néstor Garcia Canclini.
A escolha do tema partiu de uma inquietação pessoal e do desejo de
discorrer sobre um assunto pouco abordado pela mídia e por vezes desconhecido
também pelo público leigo, na tentativa de lançar luz sobe um novo conhecimento,
como propõe Edvaldo Pereira Lima:
Veículo de comunicação jornalística não-períodica, o livro-reportagem é um produto cultural contemporâneo, bastante peculiar. De um lado, amplia o trabalho da imprensa cotidiana, como que concedendo uma espécie de sobrevida aos temas tratados pelos jornais, pelas revistas, emissoras de rádio e televisão. De outro, penetra em campos desprezados ou superficialmente tratados pelos veículos jornalísticos periódicos, recuperando para o leitor a gratificante viagem pelo conhecimento da contemporaneidade
110.
O livro é composto de seis capítulos, três descrevem a trajetória de vida e
aprendizado de Beth, Dona Vilma e Antônia, Benzedeiras de Foz do Iguaçu. Além
de apresentar a prática, as personagens contam sobre suas religiões: Umbanda,
catolicismo e espiritismo, demonstrando que o conhecimento não está atrelado a
nenhuma crença específica. Os outros três capítulos narram histórias de pessoas
comuns que recorreram a uma Benzedeira em busca de cura e acreditam terem sido
curadas pela fé. Os respectivos capítulos são:
● Capítulo I – O destino de Beth
● Capítulo II- A Baiana
● Capítulo III – Os três cigarros
● Capítulo IV- A herança de dona Vilma
● Capítulo V – Tomada pelo espírito
● Capítulo VI – A cura
110
LIMA, Edvaldo Pereira. Página Ampliadas: O Livro-reportagem como extensão do Jornalismo
e da Literatura, Editora Manole, 2004, Pg.7.
50
A construção da obra é resultado de um estudo jornalístico, desenvolvido
com o objetivo de compreender a abordagem dos meios de comunicação sobre o
tema em questão, e suprir as necessidades de pesquisas na área literária. O livro
poderá ser lido por profissionais de comunicação, pessoas ligadas a prática do
benzimento, por curiosos e interessados em cultura e religião e por qualquer pessoa
que se interesse pelo assunto abordado. Conforme pesquisa realizada para
comprovar a viabilidade do produto, antecipa-se que das 82 respostas, 86%
responderam que lerão o livro apresentado111.
No desenvolvimento da pesquisa foram referenciados autores que serviram
como base para a construção da abordagem e do tema em questão, citando suas
obras e certificando que as mesmas possam ser consultadas posteriormente por
qualquer pessoa que considere uma necessária uma averiguação dos fatos
apresentados.
A escolha da linguagem literária deu-se a partir da intenção de trazer
sensibilidade às palavras e proporcionar ao leitor as sensações descritas, além de
demonstrar que o Jornalismo não precisa utilizar-se apenas de linguagem técnica e
formal para cumprir seu papel de levar informação e transmitir verdade.
Para mim Jornalismo e Literatura sempre foram o mesmo ofício. O Jornalista é um escritor. Trabalha com as palavras. Busca comunicar uma história e o faz com vontade de estilo. Quando têm valor, o Jornalismo e a Literatura servem para o descobrimento da outra verdade, do lado oculto, a partir da investigação e acompanhamento de um acontecimento
112.
O trabalho desenvolvido para a elaboração do livro-reportagem “Dos Ramos
ao Congá 113 ” teve início a partir da compreensão sobre o que é a prática do
benzimento e de como o mesmo transita entre os séculos e as religiões, abordando
desde suas origens até a dispersão nos dias atuais.
Posteriormente, foi necessário compreender o Sincretismo entre as religiões
afro-brasileiras, emergente do Hibridismo Cultural iniciado nos tempos da
colonização do Brasil, com a chegada da Corte Portuguesa. Este processo
contribuiu para a compreensão do preconceito e da marginalização de práticas
religiosas consideradas não cristas.
111
Veja mais na Pg.62. 112
RIVAS, Manuel. El Periodismo es um cuento, Madrid, Alfaguara, 1998, Pg.23. 113
A partir desta página optou-se por utilizar apenas o primeiro nome do livro.
51
Na tentativa de comprovar a margem na qual coexistem essas religiões e
conhecimentos populares, foi necessário no transcorrer do projeto, uma pesquisa
sobre o mapeamento do IBGE sobre práticas religiosas no Brasil, e a abordagem da
mídia tradicional sobre o assunto, conforme antecipou-se no capítulo um.
Para o desenvolvimento do estudo houve a necessidade de apropriar-se da
pesquisa bibliográfica, através da consulta em livros e arquivos online que
proporcionaram um maior conhecimento e condução sobre o assunto exposto.
A pesquisa bibliográfica é feita a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites. Qualquer trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador
conhecer o que já se estudou sobre o assunto114
.
Após a conclusão do primeiro capítulo da pesquisa científica, iniciou-se o
planejamento de elaboração do livro-reportagem, através da pesquisa em campo.
Para uma melhor compreensão do tema proposto, foi necessário realizar pelo
menos três visitas as personagens e acompanhar o trabalho desenvolvido por elas.
Também foram realizadas visitas em terreiros de Candomblé e Umbanda, a fim de
compreender os rituais e a conduta dessas religiões na busca de transmitir
informações verídicas e reais dos fatos narrados.
A conduta do Jornalista só poderá ser a de quem busca uma única e exclusiva verdade. Mas com espírito aberto para não cegar diante de evidências contrárias ou ignorar a pluralidade de versões possíveis. Com a humildade de saber falível uma profissão que constrói um castelo de cartas como se fosse de pedra
115.
Essa foi uma das fazes de maior importância dentro de toda a pesquisa. Foi
através do contato, da interação e da observação em campo que partiu a construção
dos personagens e o tipo de abordagem que foi utilizada. Este acompanhamento
confirmou as impressões sobre o assunto tratado e a necessidade de mais
pesquisas que abordem o exposto.
114
FONSECA, João José Saraiva. Metodologia da pesquisa científica, 2002, Pg.32. 115
JUNIOR, Luiz Costa Pereira. A Apuração da Notícia: Métodos de investigação na imprensa, Editora Vozes, Rio de Janeiro, 2006, Pg.73.
52
4.1 ENTREVISTAS EM PROFUNDIDADE
Para a construção do livro-reportagem “Dos Ramos ao Congá” foi
necessário utilizar do recurso de entrevista em profundidade, apresentado por Jorge
Duarte, como uma “técnica qualitativa que explora um assunto a partir da busca de
informações, percepções e experiências de informantes para analisá-las e
apresentá-las de forma estruturada116”.
Dentre as principais qualidades apontas por Duarte nesse tipo de
abordagem, está a flexibilidade que permite ao entrevistador e ao entrevistado
definir os termos das respostas e ajustar a ideia das perguntas. A entrevista em
profundidade é dinâmica e não precisa ser premeditada.
A escolha por esse tipo de abordagem partiu da intenção de abster-se de
conclusões antecipadas e perguntas prontas, a fim de adentrar um mundo novo com
a mente preparada apenas para absorver o conhecimento. Este recurso permitiu
descobertas e a troca de experiências que contribuíram tanto para a definição do
estudo, quanto para o crescimento pessoal.
A seleção das personagens foi realizada a partir de um mapeamento prévio,
com o cuidado de que as mesmas fossem adeptas de religiões diferentes, com o
propósito de apresentar as principais diferenças e semelhanças na forma de
trabalho de cada.
Foram necessárias três visitas a cada uma das entrevistadas. Na primeira foi
realizada uma observação detalhada do local de trabalho de trabalho de cada uma,
e colhida as primeiras informações de como o benzimento é realizado. A partir da
segunda visita, as observações seguiram através de uma conversa informal,
procurando deixar a personagem livre para contar o que desejasse expor. Já no
terceiro encontro, foi realizada a confirmação das informações colhidas
anteriormente.
Na construção do texto, além da transmissão de informações, preocupou-se
em retratar as expressões, sensações e sentimentos tanto das personagens, quanto
da autora, a fim proporcionar ao leitor uma maior veracidade da história narrada, e a
oportunidade de sentir-se parte da mesma. A linguagem literária, conforme
mencionado no capítulo anterior, foi utilizada justamente com a intenção de
116
DUARTE, Jorge. Métodos e Técnicas de Pesquisa em Comunicação, Editora Atlas, São Paulo, 2011, Pg.62.
53
demostrar que é possível contar histórias verídicas, com base jornalística, sem
perder a riqueza do contato humano.
O bom Jornalismo é aquele que provoca algo, seja uma sensação, um
desejo ou um questionamento. Ao apropriar-se da literatura como suporte para a
transmissão de informações, o Jornalista consegue prender o espectador e instiga-lo
a pensar. Um povo pensante é capaz de mudar conceitos, logo, uma mídia
humanizada é capaz e transformar.
Mais do que uma técnica de coleta de informações interativa baseada na consulta direta a informantes, a entrevista em profundidade pode ser um rico processo de aprendizagem, em que a experiência, visão de mundo e perspicácia do entrevistador afloram e colocam-se à disposição das reflexões, conhecimento e percepções do entrevistado
117.
4.2 O SILÊNCIO DAS BORDAS: O JORNALISMO COMO PORTA VOZ
“Existir é insistir. Na própria existência. Nada fazemos sem afirmarmo-nos no
mundo. Tudo o que há, todo o ser, esforça-se na medida em que pode, para
continuar a ser. Nada escapa a verdade118”.
Partindo da definição de silencio proposta por Espinosa, este estudou busca
retratar o anonimato de uma cultura e acender uma crítica à mídia atual e a forma
como as práticas populares são retratadas pelos veículos de comunicação.
O silêncio dentro do exposto, não significa aquilo que não é dito, mas sim, a
maneira como é dito, que o coloca nesta condição. A prática do benzimento e as
religiões não cristãs são exemplos de culturas silenciadas, pois somente são notícia
quando estão ligadas a acontecimentos ruins, conforme exemplificado no capítulo
anterior.
Em outras palavras, estar silenciado é ser desprovido de espaço, um espaço
considerado público, mas apenas para quem se encaixa no perfil erudito da massa.
O popular é considerado dentro deste contexto, o resto, o impróprio, a borda da
sociedade dominante.
117
THIOLLENT, Michel. Crítica metodológica, investigação social e enquete operária. 2. ed. São Paulo: Polis, 1981. 118
FILHO, Clóvis de Barros. Comunicação do eu: Ética e solidão, Editora Vozes, Rio de Janeiro, 2005, Pg.93.
54
Durante as etapas de fundamentação deste trabalho, percebeu-se por meio
dos autores referenciados e do contato com os entrevistados, a importância de
transmitir o conhecimento. Tudo o que a mídia repercute causa algum impacto
social. Quando um veículo de comunicação retrata os terreiros de Umbanda e
Candomblé e práticas relacionadas ligadas a acontecimentos ruins, como supostos
sacrifícios humanos e rituais de “magia negra”, silencia ainda mais essa minoria, que
sofrerá as consequências sem direito de defesa.
Assim, quando dizemos que há silêncio nas palavras, estamos dizendo que elas são atravessadas de silêncio; elas produzem silêncio; o silêncio “fala” por elas; elas silenciam. As palavras são cheias de sentido a não dizer e, além disso, colocamos no silêncio muitas delas
119.
Orlandi revela em “As formas do silêncio”, todo esse complexo entre a mídia
e a manipulação da informação. De acordo com a autora, A forma como
determinado assunto é exposto, determinará como o mesmo será visto. As palavras
têm poder e a forma como são manipuladas, pode salvar ou condenar algo ou
alguém de forma definitiva. O Jornalista deve carregar consigo o compromisso com
a ética e escolher entre o poder ou a verdade, pois infelizmente são faces de
moedas diferentes.
Ao escrever sobre as Benzedeiras, foi necessário silenciar conceitos,
silenciar achismos, silenciar tudo o que até então havia se ouvido falar. Um silenciar
de forma positiva, a fim de permitir surpreender-se diante do novo, como criança que
abre os olhos para o mundo pela primeira vez.
4.3 DISCURSO DAS MINORIAS: O EU SILIENCIADO
Conforme Orlandi, compreender o sentido do silêncio e identifica-lo nos
discursos é o primeiro passo para descobrir as formas de mudança. Ao analisar o
discurso de Beth, dona Vilma e Antônia, as Benzedeiras que compõe a narrativa do
livro-reportagem produto deste estudo, foi possível identificar as angústias de
pessoas que já estiveram cara a cara com o preconceito e precisaram enfrentar a
própria família para professar sua fé.
119
ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio, Editora Unicamp, 2011, Pg. 14.
55
Beth é Umbandista, Vilma católica e Antônia espírita. Embora carreguem
crenças e costumes diferentes, as três praticam o benzimento para qualquer mal
seja ele físico e ou de cunho espiritual. Aos 65, 86 e 88 anos, depois de uma vida
difícil carregada de desafios, as benzedeiras sofrem ao pensar que seu dom e seus
conhecimentos um dia serão esquecidos, não porque não há procura pelo serviço,
mas porque elas sabem que quando partirem, não haverá quem continue o ofício.
Dona Vilma, tenta com muita paciência, ensinar o neto mais velho de oito
anos. Nele, ela deposita o ultimo fragmento de esperança em transmitir o seu legado
mais precioso. Beth teme que seus filhos de santo não saibam caminhar sozinhos,
uma preocupação de mãe, que sabe do preconceito em torno da religião. Ela
mesma o vivenciou na pele, ao abdicar do catolicismo e enfrentar a mãe biológica,
que ela definia como “quase beata”. A história de Antônia não é muito diferente, de
família também católica, só pode seguir seu caminho após se tornar maior de idade
e se casar.
O Brasil define-se como laico, mas a sua mídia propaga o ódio e a aversão
às religiões e práticas consideras não cristãs. O discurso dos meios de comunicação
é moldado em interesses próprios das empresas, o compromisso com a verdade se
perde em nome da elite dominante que propaga seus interesses através de um
discurso no qual silenciosamente tolera a existência de práticas não cristãs, desde
que as mesmas continuem a existir nas bordas. Reflexo de um discurso enraizado
na história de construção do país.
São enunciados que ecoam e reverberam efeitos de nossa história em nosso dia a dia, em nossa reconstrução cotidiana de nossos laços sociais, em nossa identidade histórica. Ainda que nem sejam exatamente o que repetimos em nosso discurso social, diferente já do que encontramos nos documentos históricos. Não são enunciados empíricos, são suas imagens enunciativas que funcionam. O que vale é a versão que ficou
120.
Com base no estudo de Orlandi, em “Discurso fundador”, é possível
exemplificar o impacto causado pela colonização portuguesa que reflete na conduta
e na maneira de pensar e agir dos brasileiros até os dias atuais. A religião da Corte
era o catolicismo, que permanece dominante 121 , enquanto outras práticas são
discriminadas por estarem ligadas a cultura colonizada, especialmente índios e
negros.
120
ORLANDI, Eni Puccinelli. Discurso fundador, Editora Pontes, São Paulo, 2003, Pg. 12. 121
Ver gráfico 1.
56
Compactuando com o pensamento de Orlandi, Pêcheux expõe que através
da análise do discurso, seja ele individual ou coletivo, é possível identificar as raízes
fundadoras do problema, pois toda enunciação emana de uma linhagem histórica.
Mais claramente, o ser humano, reflete aquilo que lhe foi implantado. Neste contexto
pode-se tomar como exemplo uma criança que crescerá sob os ensinamentos dos
pais, e logo, carregará os valores transmitidos por eles.
A partir do que procede, diremos que o gesto que o gesto que consiste em inscrever tal discurso dado em tal série, a incorporá-lo a um ‘corpus’, corre sempre o risco de absorver o acontecimento desse discurso na estrutura da tal série na medida em que esta tende a funcionar como transcendental histórico, grande de leitura ou memória antecipadora do discurso em questão [...] no limite, esta concepção estrutural da discursividade desembocaria em um apagamento de acontecimento
122.
4.4 FOLKCOMUNICAÇÃO: A MÍDIA DOS EXCLUIDOS
Da incessante disputa de poder entre os veículos de comunicação, originou-
se a indústria cultural e o discurso ideológico da mercadoria-notícia, revelados por
Cláudio Coelho e Valdir Castro123 em “Comunicação e sociedade do espetáculo”.
Dentro desse campo, o surgimento da internet e outras formas de propagar a
notícia, fez com que os meios tradicionais como a televisão, o rádio e jornal
impresso começasse a perder o público, até então tido como erudito, e precisasse
se reinventar para sobreviver.
O jornalismo precisava se reerguer e arrebanhar um público novo para não
perder seu poder dominante, e nessa busca, os veículos acabam por se apropriar da
manipulação ideológica, absorvendo a cultura popular como espetáculo.
É uma crise econômica: o jornalismo perde leitores para a internet e outras formas de “entretenimento”. É uma crise de identidade: a tendência dos grandes grupos de comunicação em transformar tudo em espetáculo descaracteriza o conteúdo jornalístico. É uma crise profissional: Assiste-se a diluição das fronteiras entre a publicidade e o jornalismo, assim como a manipulação (consciente ou inconsciente) da informação
124.
122
PÊUCHEUX, M. O Discurso: estrutura ou acontecimento, Editora Pontes, 1990, Pg.56. 123
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. CASTRO, Valdir José de Castro. Comunicação e sociedade do espetáculo, Editora Paulus, São Paulo, 2006. 124
Ibidem, Pg. 66.
57
Em meio a esse cenário, nasce a Folkcomunicação como instrumento para
abarcar o popular, englobando grupos sociais, regionais, manifestações religiosas e
outros aparatos históricos, unindo a comunicação e o folclore, que posteriormente se
tornaria um novo campo de estudo.
Os pilares da Folkcomunicação estão ligados à trajetória do professor Luiz
Beltrão125, primeiro doutor em Comunicação no Brasil. A partir de sua tese defendida
em 1967, na Universidade de Brasília, teve início as primeiras pesquisas sobre o
assunto, que só seria oficialmente reconhecido 14 anos mais tarde.
O estudo de Beltrão abriu as portas para um novo campo, onde a cultura
suburbana e marginalizada começa a ganhar espaço, como exemplo: os folhetins,
literatura de cordel, grafite e lendas folclóricas.
Costumes, tradições, gestos e comportamentos de outros povos, próximos ou distantes, circulam amplamente na aldeia global. Da mesma forma, padrões culturais que pareciam sepultados na memória nacional, regional ou local e ressuscitam profusamente, facilitando a interação entre gerações diferentes, permitindo o resgate de celebrações, ritos, ritmos ou festas aparentemente condenados ao esquecimento
126.
José Marques de Melo defende esta vertente da comunicação como uma
estrutura, um processo artesanal bastante semelhante aos tipos de comunicação
interpessoal, já que suas mensagens são elaboradas, codificadas e transmitidas em
linguagens e canais familiares à audiência. Em outras palavras, significa que a
Folkcomunicação permite a cultura popular apenas enquanto espetáculos isolados,
pois no âmbito de classe, ela continua a ser apenas a cultura marginal e subalterna.
Partindo desse contexto, é importante destacar que enquanto os discursos
da comunicação social são dirigidos ao mundo como um todo, os da Folk se
destinam a um universo paralelo, que coexiste à margem do erudito, sendo aceito
apenas como uma vertente. Tomando como exemplo a prática do benzimento,
embora o mesmo sincretize elementos da moral católica e de outras religiões, não é
tido como uma religião, doutrina ou medicina alternativa, mas sim, como um recurso
das classes pobres que não podem pagar por um tratamento dentro da medicina.
Dentro da mídia, o folclore se configura como atração. Fora desse conceito,
continua a ocupar a posição de cultura menosprezada.
125
Beltrão, Luiz. Folkcomunicação: a comunicação dos marginalizados, São Paulo: Cortez, 1980. 126
MARQUES DE MELO, José. O folclore midiático. In: A esfinge midiática. São Paulo: Paulus, 2004, Pg. 269-272.
58
Os programas populares que hoje se convertem em objetos preferenciais da crítica da mídia, ao invés de afastaram o medo, o incentivam exercendo um poder de violência simbólica que até pouco tempo era exclusivo do estado. Desse modo, não há um resgate da cultura marginal, mas a sua condenação
127.
Partindo da consideração acima, conclui-se que a mídia nacional não está
preocupada em resgatar a cultura do país quando vincula matérias e programas
sobre o negro, religiões de matriz africana e práticas como benzimento, mas
pretende a partir desse “entretenimento”, conquistar a audiência de quem pertence
ou se identifica como o que está sendo exibido, a fim de manter seu poder e
alienação dominadora.
Considerando os argumentos de Claudio Coelho e Valdir Castro128 observa-
se que o negro, por exemplo, só é exposto de forma positiva quando convém aos
veículos de comunicação, como as festas de Carnaval, que garantem o ibope.
No restante desse intervalo, o mesmo é retratado como o bandido da favela
ou o marginal assassino. Da mesma forma, as práticas tidas como não cristãs,
retratas apenas quando um pai ou mãe-de-santo é assassinado, um terreiro é
destruído ou alguém assinado em um suposto ritual de “magia negra”.
4.5 ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS
Para a construção do livro-reportagem “Dos Ramos ao Congá”, produto
deste estudo, foi necessária uma pesquisa bibliográfica iniciada em 2016, com o
objetivo de conhecer o a prática do benzimento e seus aspectos multifacetados.
Este processo permitiu delimitar os caminhos que seriam percorridos e o tipo de
abordagem.
A pesquisa de campo também foi de extrema importância, pois através dela,
foi possível conhecer de perto rituais praticados pelas benzedeiras em sua
pluralidade de religiões. Dentro desse espaço, optou-se por abordar o Candomblé, a
Umbanda e o Catolicismo, procurando comparar suas convergências e
discrepâncias, visto que as duas primeiras emergem de um espaço de borda e a
ultima ocupa uma posição dominante.
127
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. CASTRO, Valdir José de Castro. Comunicação e sociedade do espetáculo, Editora Paulus, São Paulo, 2006, Pgs. 64 e 65. 128
Ibidem.
59
Para melhor compreender este universo a fim de transmiti-lo de forma
próxima, foi aceito participar de ritos e cerimônias, com o propósito de observar a
preparação de cada local e de cada Benzedeira dentro de suas práticas e crenças.
Com o intuito de confirmar o problema em estudo, foram realizadas entrevistas em
profundidade, conforme especificado anteriormente, com mães-de-santo, zeladores,
praticantes em desenvolvimento mediúnico e consulentes129 das casas visitadas.
O contato direto com cada entrevistado permitiu o aprendizado básico sobre
os termos utilizados dentro de cada doutrina, a hierarquia de cada casa, bem como
suas regras e práticas.
A leitura de obras escritas sobre a perspectiva da linguagem literária, gênero
escolhido para a produção das histórias vinculadas no livro-reportagem, também foi
de extrema importância. Através desse panorama foi possível perceber a
importância empregada pelos autores ao ressaltar o contato direto e a observação
aguçada ao narrar a vida de um personagem.
Escrever, para mim, é um ato físico, carnal. Quem me conhece sabe a literalidade com que escrevo. Eu sou o que escrevo. E não é uma imagem retórica. Eu sinto como se cada palavra, escrita dentro do meu corpo com sangue, fluídos, nervos, fosse de sangue, fluídos, nervos. Quando o texto vira palavra escrita, código na tela de um computador, continua sendo carne minha. Sinto dor física, real e concreta, nesse parto
130.
Partindo de referências do estilo, como Eliane Brum, procurou-se executar
as produções de maneira envolvente, com o peso, a leveza, a emoção e os detalhes
particulares de cada história.
O objetivo principal deste trabalho foi o de contribuir para expandir o
conhecimento sobre o Benzimento e demais práticas religiosas relacionadas, na
tentativa de proporcionar um enfraquecimento da discriminação e da intolerância
religiosa. Para isso, o estudo retrata detalhes observados, ouvidos e vivenciados
com o intuito de instigar o leitor ao senso crítico, que acredita-se ser a missão do
Jornalista.
129
Pessoa comum que busca auxílio espiritual em uma casa de Umbanda ou Candomblé. 130
BRUM, Eliane. O olho da rua: uma repórter em busca da literatura da vida real, Editora Globo, São Paulo, 2008, Pg.127.
60
4.5.1 Construção da capa
A fotografia da capa foi escolhida em paralelo com o título. A imagem retrata
a mão de uma senhora de pele negra, segurando um ramo de erva medicinal. A
intenção foi de instigar o leitor a pensar quem seria a personagem por traz da foto,
suas origens, suas crenças, seus costumes e seus conhecimentos.
A foto é uma divulgação encontrada na Internet após buscas específicas,
visto que nenhuma das personagens permitiu ser fotografada, justamente pelo
preconceito vivido diariamente. Ao usar uma imagem simbólica no lugar de um rosto,
partiu da intenção de proporcionar ao leitor uma viajem sem pré-conceitos definidos.
Ela representa um mergulho no desconhecido, de mente limpa e coração aberto.
A semiótica das cores com pouco contraste revela a busca por desvendar o
mistério, remetendo a coragem de mulheres fortes na delicadeza sutil de mãos
marcadas pelo tempo e pela sabedoria.
O uso da cor adiciona uma outra dimensão a informação. Cores sugerem sua própria mensagem subliminar, despertam sentimentos e nos envolvem. As cores ajudam a nos orientar e deixa claro as diferenças. Podem também facilitar o acesso à informação
131.
4.5.2 Títulos e fontes
O título do livro-reportagem: “Dos Ramos ao Congá: Histórias de
Benzedeiras narradas sob a perspectiva do Jornalismo Literário” representa a
trajetória das personagens representadas na obra e a multiplicidade de suas
crenças. A palavra ramos foi usada com a intenção de simbolizar as plantas
medicinais utilizadas pelas benzedeiras durante as rezas e cultos de cura. O nome
Congá, revela o altar sagrado onde ficam dispostas as imagens de santos, Orixás e
outras divindades da Umbanda, uma das religiões abordadas no estudo.
O subtítulo foi necessário para identificar o assunto do livro, visto que uma
pessoa pouco afeta no assunto apresentado não conseguiria identificar o tipo de
abordagem e o tema em questão apenas pelas palavras do título. Partindo do
objetivo de apresentar a cultura, optou-se por facilitar a leitura e a interpretação.
131
AVILA, Bruno. O significado das cores, disponível online em: http://brunoavila.com.br/ebook-o-significado-das-cores/acessado em 05 de Novembro de 2017 às 20h.
61
A intenção ao unir as duas palavras em destaque no título foi a de demostrar
o caminho percorrido por uma cultura milenar, da simplicidade a representação
simbólica da fé. “Os símbolos religiosos formulam uma congruência básica entre um
estilo de vida particular e uma metafísica específica (implícita, no mais das vezes) e,
ao fazê-lo, sustentam cada uma delas com a autoridade emprestada do outro132”.
As fontes utilizadas na capa, folha de rosto e abertura dos capítulos foi a
Zephyr com tamanho 25. A escolha da cor branca foi decorrente da ideia em criar
um leve contraste com a imagem de fundo, sem desviar o foco de mistério. No
corpo do texto optou-se pela fonte Book Antigua em tamanho 12, para melhor
aproveitamento de página e um melhor conforto para o leitor, visto que o formato
das letras permite clareza na leitura sem o peso de uma fonte utilizada em trabalhos
científicos, como a Arial e Times New Roman, por exemplo.
4.5.3 Descrição e especificidades da obra
● Título do produto: “Dos Ramos ao Congá: Histórias de Benzedeiras narradas sob a
perspectiva do Jornalismo Literário”
● Tipo de mídia: Livro-reportagem/ mídia impressa
● Diagramação: Livro diagramado pela autora em formato A5: 14cm X21cm
● Viabilidade social: O livro-reportagem foi constituído, com a proposta de contribuir
diante da escassez de assuntos voltados ao trabalho cultural e social das
Benzedeiras de Foz do Iguaçu, além de estimular o debate e o censo crítica sobre a
intolerância religiosa gerada pelo preconceito.
● Distribuição: Foram impressas cinco cópias com a intenção apenas de divulgação
acadêmica. Não há intenção de publicação fora do meio no momento.
● Orçamento: Os livros foram impressos na gráfica Grapel pelo valor unitário de R$
55, totalizando R$ 275.
132
GEERTZ, Clifford, A Interpretação da Culturas, Editora ITC, Rio de Janeiro, 1989, Pg. 67.
62
● Público alvo: Pessoas ligadas a prática do benzimento, leigos interessados no
assunto, pesquisadores, acadêmicos e qualquer pessoas que apreciem a pesquisa e
o Jornalismo voltado a literatura.
4.6 VIABILIDADE DE MERCADO
Na tentativa de verificar o conhecimento e o interesse do público sobre as
Benzedeiras na Tríplice Fronteira, foi realizada uma pesquisa via internet entre os
meses de setembro e outubro, buscando levantar informações sobre a viabilidade
social do livro-reportagem e aceitação dos leitores a respeito do assunto
apresentado.
Os dados levantados na pesquisa por meio de formulários eletrônicos são
aqui apresentados, descritos e analisados. Neste tópico será apresentada ainda,
uma discussão sobre os resultados alcançados e as considerações a cerca destes.
O levantamento de dados foi possível através da aplicação de um
questionário simples, elaborado com base em cinco perguntas de fácil compreensão
e reposta rápida, pretendendo assim, obter clareza nas informações necessárias
para alcançar os objetivos propostos nesse trabalho.
Como primeiro resultado, foram obtidas 82 respostas das quais foram
extraídas as porcentagens resultantes de cada dado solicitado. Para promover um
melhor entendimento do exposto, apresenta-se gráficos para ilustrar as informações.
Gráfico 2 – Idade dos respondentes
63
Sobre a idade, a maioria dos respondentes disse ter em entre 18 e 25 anos,
com 52,4% do total. Em segunda colocação está o público com idade entre 25 e 35
anos com 31,7% das respostas. A quarta colocação ficou para os leitores com idade
entre 35 e 50 anos com o total de 12,2%. Por último, com apenas 3,7% está o
publico acima dos 50 anos.
Entende-se que a predominância de jovens deve-se ao fato de que a
pesquisa foi elaborada por meio eletrônico e publicada na rede social Facebook,
onde embora haja um publico de múltiplas idades, acredita-se que ainda os jovens
sejam a maioria.
Uma situação que chamou a atenção foi o fato de que 82,9% dos
respondentes são mulheres e apenas 17,1% homens, conforme pode ser observado
no gráfico abaixo:
Na primeira indagação do questionário: “Você já recorreu a uma
Benzedeira?” 62,2% dos participantes responderam que sim, independente do
motivo. Apenas 37,8% responderam que nunca recorreram a prática do benzimento,
Conforme o gráfico apresentado na página seguinte.
Gráfico 3 - Gênero
64
Visando a viabilidade de mercado, aplicou-se o questionamento: “Você leria
um livro sobre histórias e relatos de Benzedeiras?” Obtiveram-se as seguintes
respostas: 86,6% do público respondeu que leria um livro-reportagem sobre o
assunto. Apenas 13,4% responderam não ter interesse no conteúdo abordado.
Com base na análise das respostas concluiu-se o interesse do público
abordado pela leitura e melhor compreensão do assunto exposto. Visto que mais de
80% dos entrevistados disseram já ter recorrido à consulta com uma Benzedeira e
teriam interesse em ler relatos sobre as mesmas. A pesquisa evidenciada ainda, a
importância e real necessidade de mais estudos voltados à cultura no meio
acadêmico.
Gráfico 4 – Conhecimento do assunto/procura
Gráfico 5 – Viabilidade de venda
65
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ser jornalista é ocupar o papel de porta-voz social e de transmissor da
verdade. Quando um veículo de comunicação expõe determinado assunto, precisa
ter consciência de que o mesmo terá consequências, sejam elas positivas ou
negativas.
Infelizmente cumprir esse papel de forma imparcial não é uma tarefa fácil. O
profissional acaba quase sempre, sendo moldado pelo posicionamento do veículo no
qual atua, passando de comunicador a formador de opinião. Neste contexto, o
presente estudo serviu como base para esclarecer o quão a mídia é capaz de
moldar pensamentos, usando de seu poder para transmitir não a verdade legítima,
mas a sua verdade fundada em interesses próprios.
Partindo do exposto, este trabalho se propôs a apresentar a prática do
benzimento enquanto identidade cultural. Para isso, foi necessário recorrer à história
de religiões relacionadas a este conhecimento, em discussão, o Candomblé e a
Umbanda, com o objetivo de demonstrar o anonimato em que coexistem as práticas
não cristãs e a contribuição da mídia na propagação do preconceito contra as
mesmas.
Além do embasamento científico, o presente estudo teve como resultado um
livro-reportagem, onde são narradas histórias de vida e conhecimento sobre as
Benzedeiras da Tríplice Fronteira. A proposta partiu da ideia de apresentar uma
visão diferente do conceito religioso, apropriando-se da linguagem narrativa em
cunho literário com o objetivo de envolver o leitor e proporcionar uma nova visão
sobre o assunto, além da distorção vinculada pela mídia tradicional.
Para o desenvolvimento da obra foi necessário despir-se de conclusões e
pensamentos, adentrando a Cultura de Borda e principalmente, o mundo paralelo
onde os conhecimentos populares são marginalizados em benefício da elite
dominante.
Por fim, ao vivenciar as experiências de um terreiro, a simplicidade e a
sabedoria de uma Benzedeira foi possível observar a riqueza cultural que o Brasil
possui, mas que corre o risco de desaparecer pela mídia alienadora e a falta de
interesse do Brasileiro, que infelizmente não aprende a valorizar suas riquezas.
66
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIBLIOGRAFIAS:
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modernidade, 7ª reimpressão, São Paulo 2015.
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67
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69
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content/uploads/2014/06/04-codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros.pdf,
acessado em 21 de outubro de 2017 às 16h.
Criminosos obrigam Mãe-de-Santo a destruir o próprio terreiro, portal CBN disponível em : http://cbn.globoradio.globo.com/editorias/policia/2017/09/13/CRIMINOSOS-OBRIGAM-MAE-DE-SANTO-A-DESTRUIR-PROPRIO-TERREIRO-EM-NOVA-IGUACU.htm, acessado em 1º de novembro de 2017 às 10h25.
Definição Sincretismo disponível em:
https://www.significados.com.br/sincretismo/ acessado em 12 de março de 2017
às 20h.
Definição Xintoísmo Informação extraída da Embaixada do Japão no Brasil disponível via internet na página oficial do órgão disponível em: http://www.br.emb-japan.go.jp/cultura/religiao.html, acessado em 12 de março de 2017 às 20h.
Estudos da Cabala, disponível em:
http://culturahebraica.blogspot.com.br/2010/01/o-que-e-cabala.html acessado
em 28 de agosto de 2017 às 20h57.
História do Terreiro de Gantois, disponível em: http://terreirodogantois.com.br/index.php/o-terreiro - acessado em 18 de junho às 15h30. Biografia de Hipócrates disponível em: https://www.ebiografia.com/hipocrates/,
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http://portal.iphan.gov.br/, acessado em 18 de junho às 14h.
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janeiro/noticia/idosa-e-agredida-a-pedradas-e-familia-denuncia-intolerancia-
religiosa-em-nova-iguacu.ghtml, acessado em 15 de outubro de 2017 às 18h.
Morte de universitária teve “motivação espiritual”, afirma polícia. Matéria disponível
no site: http://g1.globo.com/pr/oeste-sudoeste/noticia/2014/03/morte-de-
universitaria-uruguaia-teve-motivacao-espiritual-afirma-policia.html, acessado
em 23 de abril de 2017 às 15h42.
70
Religiões Monoteístas, disponível em: https://mybrainsociety.blogspot.com.br/2013/06/as-tres-religioes-monoteistas.html, acessado em 20 de agosto de 2017 às 19h59.
72
ANEXO II: QUESTIONÁRIO DE PESQUISA DO PRODUTO
LIVRO-REPORTAGEM: Dos Ramos ao Congá: Histórias de Benzedeiras
Narradas sob a perspectiva do Jornalismo Literário
73
8. GLOSSÁRIO
Alquimia: Prática experimental milenar que utiliza princípios da ciência, filosofia e
magia para promover transformações na matéria
Búzios: Pequenas conchas usadas para consultas espirituais
Congá: Altar sagrado nos templos de Umbanda
Consulente: Pessoa que procura ajuda espiritual em um centro espírita ou templo
de Umbanda
Diásporas: dispersão de povos, por motivos políticos ou religiosos
Ekodide: pena vermelha extraída da cauda de um tipo de papagaio africano,
chamado no Brasil de papagaio do Gabão ou papagaio-cinzento, pertencente a
espécie psittacuserithacus, denominado pelo povo Yorùbá como Odíde
Feitura de cabeça: Ritual de iniciação no Candomblé
Gira: Festa onde os médiuns incorporam as entidades e dançam ao seu comando
Hibridismo Cultural: União de duas culturas que originam uma nova
Ialorixá: Equivalente a Mãe de Santo
Macumba: Instrumento de percussão utilizado nos cultos afro
Magia Negra: Ritual exotérico associado ao mal
Orixá: Divindade sagrada no culto do Candomblé; Deuses da natureza
Oxalá: Divindade máxima representada imagem de Jesus Cristo
Pajé: Pessoa de destaque nas tribos indígenas responsável pela cura e realização
de rituais mágicos. Espécie de curandeiro
Roncó: Quarto sagrado onde a pessoa em preparação para ser iniciada permanece
recolhida pelo período de 21 dias para purificar-se do mundo exterior
74
Sygkretismós: significa combinar e remete a mistura de ritos, crenças e tradições
religiosas
Tonsura: Raspagem dos cabelos durante a iniciação no Candomblé
Vodus: Culto animista de origem africana, frequente no Haiti
Wicca: Prática religiosa pagã, também chamada de bruxaria moderna na qual
cultua-se a figura da mulher
Xamã: Indivíduo tido como sacerdote nas tribos indígenas ao qual se atribui poderes
de invocar e controlar espíritos
Yemanjá: Rainha dos mares, senhora das águas ferozes no Candomblé