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Codevasf...Codevasf Agência Brasil julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios 3 longo dos séculos soube conviver com a natureza, respeitando-a e preservando-a. São

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  • Esta Revista nasceu em 1979 por iniciativa de 5 tuxauas

    É uma revista de: informação formação e intercâmbio a serviço dos Povos Indígenas

    Instrumento usado pelos mensageiros no Alto Amazonas. Com ele avisavam as aldeias quando

    traziam notícias.

    Correspondência para:Caixa Postal 41

    CEP 66.017-970 - Belém - Pará - BrasilTelefone: (091) 3252 - 4164- Fax: (091) 3252 - 2312

    E-mail: [email protected]: www.mutiraoamazonia.org.br

    ISSN 1679-2335

    Publicação do Conselho Indigenista Missionário

    CAPA: ARTUR DIAS, MONTAGEM COM FOTOS DE NELLO RUFFALDI; EDITORAÇÃO ELETRÔNICA: ARTUR DIAS.

    Apresentação 03Rio Xingu: A Fonte da Vida 05

    Encontro Xingu Vivo Para Sempre 08Uma Janela para o Mundo Kayapó 11o Avanço do Progresso: Dois mapas do Xingu 12Comentário do Pe. Renato Trevisan sobre a relação índios/ Eletronorte 14Os Povos Falam do Xingu 15Declaração Final dos Povos Indigenas do Encontro Xingu Vivo Para Sempre 17Argumentos contra e a favor de Belo Monte 20

    O Rio Madeira 22Biodiversidade do Madeira 25Quais as Hidrelétricas propostas para o Rio Madeira 26Ameaças ao Rio 27Povos Indígenas do Madeira 29

    Conversando sobre o Rio São Francisco 30O Projeto de Transposição 32Porque somos contra a Transposição 33Os Militares e a Transposição 36Conclusão 37

    2 julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • A Revista Mensageiro pretende, nesta edição especial, apresentar informações, re� exões e críticas ao projeto de desenvolvimen-to que está sendo executado pelo governo federal, através do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Vale destacar que isso vem acontecendo sem discussão, de-bates e consultas aos povos indígenas e as demais co-munidades e populações tradicionais na Amazônia e em todo o Brasil.Para ilustrar os impactos do programa de desenvolvi-mento do governo federal (sobre a Amazônia e outras regiões) falaremos, em especial, de três grandes obras: São duas hidrelétricas no Rio Madeira, em Rondônia e outra no Rio Xingu, no Pará. A terceira obra é a transposição do Rio São Francisco, que afetará a vida e o futuro de povos na região

    asiáticos e também os Estados Unidos; tornar o Brasil uma nação con� ável para investimentos econômicos, tendo em vista a implementação de indústrias para a exploração de matéria prima, tais como as madeiras, os minérios, as terras e as águas.Quem vai lucrar com o programa de desenvolvi-mento, que vem sendo executado pelo governo fede-ral, em todas as regiões do Brasil? A resposta é sim-ples: Lucram os grandes bancos porque � nanciarão os projetos e receberão juros pelos � nanciamentos; lucram as grandes empreiteiras que construirão as

    Nordeste do país.Os fundamentos do atual programa de desenvol-vimento do governo brasileiro são pensados em três grandes eixos: a exploração das terras e de seus recursos minerais, a exploração das matas e seus re-cursos ambientais e a exploração das águas e de sua potencialidade para gerar energia elétrica.Os objetivos deste programa são: gerar riquezas para grandes empresa nacionais e internacionais; melho-rar a imagem do Brasil diante dos países europeus,

    Tarcísio Feitosa

    Codevasf

    Agência Brasil

    3julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • longo dos séculos soube conviver com a natureza, respeitando-a e preservando-a. São os povos indí-

    genas que hoje enfrentam as invasões em suas terras, por causa de grandes interesses econô-micos que pretendem explorar as riquezas, as matas, os rios, os lagos. Quem perde também são as populações tradicionais, como os qui-lombolas, os ribeirinhos e comunidades que, para sobreviver, aprenderam a respeitar e ze-

    lar pela natureza, pelos rios, lagos, matas e pela terra. E perde o meio ambiente que será atacado

    e terá suas matas queimadas, derrubadas e de-vastadas; os rios morrerão porque seus leitos estarão secos em função das barragens; os peixes desapare-cerão e uma das fontes mais importantes de alimenta-ção será extinta; as terras sofrerão com a poluição com o envenenamento e com o cultivo de plantas que só

    destroem a vida, tais como a soja, a cana de açúcar e o eucalipto, ou pela a criação de boi que

    pisa a terra e a maltrata fazendo com que nada cresça sobre ela a não

    ser o pasto; perde o Brasil que ainda possuí em seu território inúmeros povos, uma popula-ção diversi� cada étnica e cul-turalmente, possui matas, rios,

    lagos, oceano, animais, plantas, alimentos e medicamentos tradi-

    cionais.Devemos nos unir por um projeto de de-

    obras de infra-estrutura, tais como estradas, barra-gens, hidrovias, transposições de rios e hidrelétricas; lucram as grandes empresas que vão ex-plorar os minérios, tais como a Vale e Votorantin; lucram os donos das grandes agroindústrias que transformarão soja em óleo, cana de açúcar em álcool, eucalipto em papel, boi e frango em presunto, lingüiça, enlatados; lucram as empresas de energia elé-trica que através das barragens fornecerão energia para todos estes exploradores das nossa terras e riquezas.Quem vai perder com o projeto de desenvolvimento do governo federal? A população em geral sairá no prejuízo, porque verá todas as riquezas do Brasil con-centradas em poucas mãos (de acordo com dados dos relatórios do Ipea e de organismos internacionais 75% das riquezas do Brasil estão concentradas nas mãos de menos de 10% da população do país. Se o Brasil tem hoje uma população superior a 200 milhões de pesso-as, isso signi� ca que menos de 25 milhões de pessoas são donas de quase todas as riquezas do nosso país); Quem perde também é a população indígena, que ao

    os rios morrerão porque seus leitos estarão secos; os peixes de-saparecerão e uma das fontes mais importantes de alimentação será extinta.

    senvolvimento que esteja voltado para o uso sus-tentável da terra, para a preservação das matas, para a revitalização dos rios, para o respeito ao meio ambiente. Nossa luta é pela vida, nossa pro-posta visa o bem de todos e não a lucratividade

    de uma minoria. Nossa luta pela justiça e pela dig-nidade não será em vão.

    RIMA - Transposição

    Januário Neto

    Nello Ruffaldi

    4 julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • Apresentamos aqui o Rio Xingu, que tem 2,3 mil km e atravessa a parte leste do Estado do Mato Grosso e também o Estado do Pará, até desembocar no Rio Amazonas. A Bacia do Xingu, da qual fazem parte 35 mu-nicípios, é habitada secularmente por povos indígenas. São dez mil índios de 20 etnias diferentes - 14 delas no Parque Indígena do Xingu, em Mato Grosso - que têm no rio a base de suas atividades tradicionais, ritos e intercâmbio cultural. Além dos povos indí-genas, vivem nesta região cerca de 450 mil não-índios.

    Paul

    o D

    utra

    5julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • Quando a Eletronorte anunciou a inten-ção de construir uma barragem no Rio Xingu, às proximidades da cidade de Altamira, no Pará, o mundo ainda estava indignado com a destruição provocada pelo lago da Hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocantins, também no Pará. A nova hidrelétrica pro-posta, denominada então de Kararaô, inun-daria uma área de 1200 km², complemen-tada por outras, rio acima. A reação veio no

    Tudo isso aconteceu sem planejamen-to ambiental, tendo como resultado a des-truição de grande parte da mata que prote-gia as margens do rio, e que chamamos de mata ciliar. Sem essa proteção, os barran-cos desabam e também grande quantidade de sedimentos escorre para dentro dos rios, acumulando-se no seu leito e provocando assoreamento. A situação tem gerado preo-cupação para os povos indígenas, em espe-cial os que habitam o Parque do Xingu, que têm sua sobrevivência e sua vida cultural di-retamente ligadas ao rio e seus afl uentes.

    No estado do Mato Grosso, junto às cabecei-ras do rio Xingu, localiza-se um dos maio-res pólos agropecuários do país. Essa região produtora se iniciou nos anos 60, quando o governo federal estimulou os primeiros grandes empreendimentos de pecuária na região através da Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia). A idéia era trazer para aquelas terras a presença não-índia, como parte das estratégias de integração nacional, em moda naquele pe-ríodo. Na mesma época o estado do Mato Grosso incentivou projetos de colonização que trouxeram consigo a produção de arroz na década de 70 e, a partir dos anos 80, a da soja. Nos anos 90, a soja rapidamen-te conquistou a preferência dos produtores da região, e a plantação de imensas áreas com um único tipo de cultivo, trouxe graves conseqüências ambientais, além do desma-tamento que foi feito para abrir grandes la-vouras.

    Hoje 1/3 da fl oresta que cobria a re-gião foi totalmente destruído para aumentar as áreas de agricultura, inclusive ocupando o que eram antes as pastagens.

    Nel

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    6 julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • evento de 2008, os parti-cipantes foram bem mais numerosos. Dezenas de Povos Indígenas da ba-cia do Xingu, do parque Nacional do Xingu, do estado de Tocantins e de outras regiões do Pará.

    Encontro dos Povos Indígenas de Altamira, em 1989. Lá, cerca de 3000 pessoas, en-tre índios e entidades ambientais e atingi-dos pelas barragens, apresentaram as ra-zões para não querer o projeto. E, para não restar dúvida quanto a esta recusa, a índia Tuíra, do povo Kayapó esfregou seu terça-do (que é como chamamos o facão, aqui no norte) no rosto do engenheiro Antônio Muniz Lopes, da Eletronorte. Era um gesto de reprovação claro. Tão claro que a empre-sa resolveu refazer todo o projeto, mudando até o nome, que foi usado sem o consenti-mento do povo indígena Kararaô. O projeto da hidrelétrica voltou com o nome de Belo Monte. Novamente, povos indígenas, atin-gidos pela barragem, as entidades ambien-talistas e Prelazia do Xingu realizaram uma grande assembléia na cidade de Altamira de 19 a 24 de maio de 2008.

    Foram os Povos Indígenas que pediram esta assembléia em junho de 2007, na Casa de Retiros “Betânia”, da Prelazia. Naquela ocasião, os povos indígenas presentes pe-diram para realizar outra assembléia com o

    maior número pos-sível de parentes, e assim foi feito, com ajuda de amigos e colaboradores. Neste

    Confi ra, abaixo, a lista de povos e enti-dades presentes nesta grande assembléia.

    Povos Indígenas

    Cenas do Encontro de 2007. Fotos de Nello Ruffaldi

    Povos IndígenasPovos IndígenasPovos IndígenasPotikrô Xikrin

    Djudjekô XikrinCateté XikrinÔodja Xikrin

    Parakanã da aldeia Apyterewa e Xingu

    AkrãtikatejêParkatejê

    MundurukuAraweté

    KuruwaiaXipaiaAsurini

    Arara da aldeia Laranjal e Cachoeira Seca

    Arara do Maia da terra AltaPanará

    Juruna do quilômetro 17TembéKayabiYudja

    KuikuroNafukua Kamaiurá

    KalapaloWauráTrumaiXavanteIkpeng.

    Kayapó da Aldeia KrinyKayapó do Bacajá Xikrin

    Kayapó de Las CasasKayapó de Gorotire

    Kayapó KubenkrãkênhKayapó MoikarakóKayapõ Pykarãrãkre Kayapó Kendjâm

    Kayapó KubenkrãkreKayapó KararaôKayapó PurureKayapó TeporeKayapó Nhàkin

    Kayapó BandjunkôreKayapó KrânhãpariKayapó Kawatire

    Kayapó KapotKayapó MetyktireKayapó Piaraçu

    Kayapó MenkrãgnotiKayapó Pykany

    Kayapó da Aldeia A’ukreKayapó da Aldeia

    KokraimoroKayapó Baú

    Kayapó KikretumKayapó Kôkôkuêdja

    Mrotidjam Xikrin

    Entidades:Prelazia Do Xingu; Movimento de Mulheres de Altamira.; So-ciedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH; Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade – MMCC; Forum Regional de Direitos Humanos Comitê Dorothy; Co-mitê em Defesa da Vida das Crianças Altamirenses; Fórum da Amazônia Oriental- FAOR; Fase; Comissão de Justiça e Paz - Regional Norte II; Conselho Indigenista Missionário – Norte II; Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB; Comissão Pastoral da Terra – CPT/ Regional Pará; Pastorais Sociais – Diocese De Marabá; Fundação Viver, Produzir e Preservar – FVPP; Comissão de Direitos Humanos da OAB/PA; Pastoral da Juventude; estudantes de escolas de Altamira e Movimento da Juventude.

    7julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • A fi nalidade do encontro está bem colocada na carta entregue ao juiz federal em 21 de maio, em Altamira:

    “Nos colocamos em defesa do Rio Xingu e seus afl uentes contra as barragens e outros projetos energé-ticos que estão previstos para se-rem construídos aqui. Gostaríamos muitos que a justiça federal seja sensível ao pedido das comunida-des indígenas, pois não aceitamos a construção de barragens no nos-so rio. Queremos que essa ação seja defi nitiva e para sempre.”

    Como em todos os grandes encon-tros, esta assembléia iniciou num clima de muita animação, porque os povos in-dígenas puderam se encontrar e trocar idéias. Cada povo apresentou suas danças e foi muito aplaudido pela pla-téia. Depois vieram as falas: a coordena-ção do encontro deu as boas vindas, e to-dos puderam escutar as sábias palavras de alguns caciques, do bispo da Prelazia do Xingu, Dom Erwin Krautler e de repre-sentantes dos movi-mentos e organiza-ções.

    No segundo dia, começaram as expo-sições e palestras. À tarde falou o pro-fessor Osvaldo Sevá, que muito colaborou com o estudo sobre Belo Monte, expli-cando o impacto am-biental e os prejuízos para as populações se for construído o complexo hidrelétri-co do Xingu.

    Foi importante escutar também os argumentos de quem defendia o projeto de Belo Monte. Por isso a palavra foi dada ao engenheiro da Eletrobrás Paulo Fernando Rezende. Nas palavras dele o projeto foi refeito, alagando não os 1200 km² previs-tos inicialmente, mas somente 400 km² e falou de outros aspectos que ele conside-rava vantajosos com a construção de Belo Monte. O engenheiro foi vaiado mais de uma vez pela platéia, mas ele continuou

    O Encontro dos índiose o desencontro com a Eletrobrás

    Paulo Dutra

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    Oswaldo Sevá

    8 julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • O Encontro dos índiose o desencontro com a Eletrobrás

    Paulo DutraNello Ruffaldi

    Paulo Dutra

    Nello Ruffaldi

    Paulo Dutra

    Nello Ruffaldi

    Paulo Dutra

    9julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • sua exposição e disse que de qualquer maneira, mesmo que muita gente fosse contra, o pro-jeto ia sair. Os índios reagiram a isso fazendo uma dança em tor-no do engenheiro. No meio de tudo isso houve um tumulto e o engenheiro recebeu um corte no braço. Foi algo inesperado e lamentável, tanto pelo fato em si, como pela utilização que os inimigos dos índios fi zeram des-te fato.

    Faz mais de 30 anos que os Povos indígenas dizem clara-mente que não querem que o Rio Xingu seja represado, mas não são ouvidos e eles não entendem o por-quê. Belo Monte vai garantir os interesses de gente poderosa às custas da degradação da natureza.

    Estes setores in-teressados na cons-trução de Belo Monte têm acesso aos jornais e a televisão e contam apenas a sua versão das coisas e espalham por aí somente a sua opinião.

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    Nello Ruffaldi

    Nello Ruffaldi

    Nello Ruffaldi

    Nello Ruffaldi

    10 julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • Abrindo uma janela dentro do mundo Kayapó

    mostra a vitória dos dois sobre o grande gavião que dominava

    o mundo. Eles viviam escon-didos, submersos em uma

    lagoa e eram alimentados pela avó materna. Quan-

    do se tornaram homens fortes, conseguiram

    abater o gavião. Usaram as penas dele para poder

    voar como o gavião, se livrar altos sobre o

    mato, podendo assim en-xergar longe e ao mesmo

    tempo descobrir os segredos da fl oresta.

    Enfeites confeccionados com penas de aves (gavião, araras, pa-

    pagaios, etc.) são fundamentais nas festas kayapó.

    Fundamental é o alimento à base de carne de jaboti.

    Não há festa kayapó sem o “prato forte”, à base

    de jaboti. Só aconte-ce a festa quando os caçadores conse-

    guem a quantidade (os estoques) neces-

    sária para a alimenta-ção dos dois - três dias de

    festa. Uma aldeia com 300\ 400 índios precisa de uns 120

    a 150 jabotis. Kikretum, aldeia kayapó situa-

    da na beira do Riozinho (afl uente do Rio Fresco, por sua vez afl uente do Xingu, com quase 500 indivíduos), onde eu vivi por cerca de 10 anos, caçava jaboti por três e até quatro vezes no mesmo ano, segundo as festas planejadas.O jabuti, no contexto kayapó, sai dos próprios limi-tes de quelônio da mata amazônica, para se tornar fonte de inspiração artística na pintura corporal, elemento de identifi cação kayapó. As mulheres “pintando” os corpos dos parentes mais próximos, não só dão prova de habilidade e criatividade ins-pirando-se no “jaboti” (e em outros animais tam-bém), mas sabem que com o corpo pintado os pa-rentes se tornam verdadeiros kayapó.A tinta é um extrato das sementes do fruto jeni-papo e do carvão de casca da árvore “agonandra brasiliensis”.É um exemplo emblemático, que está em lugar de muitos outros para acenar a profunda relação entre “kayapó e seu ambiente”.Pe. Renato Trevisan

    Uma frase foi constantemente re-petida quer no plenário de Alta-mira, quer na chácara “Betâ-nia”, da Prelazia do Xingu: “IMÃ NGÔBEJÊ KINH KÊT!” = Não quero bar-ragem!Porque tanta obstina-ção em não querer a barragem de “Belo Monte” no meio dos Kayapó e dos demais grupos indígenas da Região do Xingu? Porque tanta resistência em que-rer que o ambiente onde eles moram não seja deturpado, fe-rido, alagado, mas seja pelo con-trario respeitado?Vivendo com os Kayapó e refl e-tindo sobre os fenômenos co-tidianos que acontecem na vida deste povo, aprende-mos que os Kayapó têm uma diferente visão do mundo. Diferente visão daquela apre-sentada pela Bíblia, por exemplo. A cos-mologia kayapó vê o homem e a mulher, atores no palco do mun-do, não como soberanos do jardim do Éden, mas como atores interpretando seu papel junto aos outros animais. Na vi-são kayapó, o homem e a mulher não são o rei e a rainha, mas o irmão e a irmã, seres que partilham e convivem, porque vêm do mesmo chão e participam da mesma fragilidade dos ou-tros seres vivos. É comum nas aldeias kayapó cui-dar dos animais: pássaros feridos, cria de porcão do mato, de anta, pintinhos de arara e de periquito receber comida no bico pela boca da vovó Kayapó. A caça e a pesca para a subsistência são tidas como lutas necessária em que às vezes ganha o caçador e o pescador; ás vezes... são os porcões do mato que devastam o milho, ou o gato maracajá (jaguatirica) que carrega as galinhas...Na cultura e religião kayapó o homem não é “o fi lho do dono”, mas um irmão das criaturas. Os kayapó, assim como outros índios nos mostram uma “sen-sibilidade” menos arrogante, mais humana, mais cósmica. São Francisco de Assis teve uma atitude profética neste sentido.O mito dos irmãos gêmeos kukrytwer e Kukrytkakô,

    Paulo Dutra

    Na cultura e religião kayapó o homem não é “o fi lho do dono”, mas um irmão das criaturas

    11julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • leste/sudeste da Bacia do Xingu - já apresentam problemas graves de dimi-nuição do volume de água, conforme constatado pelas expedições realizadas pela Associação Terra Indígena do Xingu (Atix) e pela equipe do Programa Xingu

    do ISA nas áreas de en-torno do Parque do Xingu. No lado oeste, a situa-ção não é diferente. Só no município de Cláudia, sete nascentes do rio se-caram, conforme levanta-

    mento feito pelo Grupo Agrofl orestal de Proteção Ambiental (Gapa).

    Esse ritmo de desmatamento está ligado à expansão do cultivo da soja na região. Até 1994, a área desmatada na região era de 2 milhões de hectares, o equivalente ao Estado de Alagoas. Daquele ano até 2003, o desmatamen-to foi o dobro disso. Esse período coincide com a expansão do cultivo da soja, que trouxe desen-volvimento econômico, sem qualquer planeja-mento ambiental.

    Rios importantes como o Curisevo, o Culuene e o Suyá-Miçu – na porção

    A assembléia continuou no segundo dia, e o tema da discussão era a situação do Parque do Xingu afetado pelo desmatamen-to e por uma série de pequenas barragens construídas nas cabeceiras do rio Xingu. Esse estudo mostrou as conseqüências gra-ves do represamento do rio para a fl ores-

    ta, as plantas da várzea, os animais e os peixes. Olhando para um grande mapa que mostra a situação da mata em 1994 e ago-ra, todos puderam ver o quanto a natureza foi destruída em tão pouco tempo. As áreas que continuam preservadas são as terras in-dígenas.

    Dois mapas do Xingu, em 1994 e 10 anos depois: olhe o desmatamento.Este é o PROGRESSO defendido?

    Font

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    “Estamos correndo o perigo de destruir tesouros sem antes tê-los conhecido e aproveitado”.Darrel Posey, etnobiólogo.

    2º DIA: O XINGU AGREDIDO

    12 julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • O Brasil devia ser muito agradecido aos Povos Indígenas e a todos aqueles que olham com respeito para a natureza. Mas nos planos do governo, a conservação da fl oresta é in-terpretada e apresentada como atraso.

    Para a Unesco - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, o Xingu é o maior mosaico de lín-guas vivas da América. Tivemos uma amostra no encontro de Altamira. Lá quase todos os po-vos indígenas presentes eram

    Nello Ruffaldi Paulo Dutra

    Nello Ruffaldi

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    da bacia do Rio Xingu. Riqueza de fl ora e de fauna, riqueza de água e de ecossistemas mas, sobretudo riquezas de povos e culturas: As quatro principais famílias lingüísticas indígenas do Brasil -Tupi, Karib, Aruak e Jê- são faladas na região.

    Na parte da tarde os dife-rentes Povos permaneceram no Retiro Betânia para responder em grupo às perguntas sobre o que representa para cada gru-po a bacia do Xingu. Eles dis-cutiram, os mais novos escre-veram e ilustraram com dese-nhos. Para os Povos Indígenas o Xingu é vida. Os Parakanã disseram que eles nasceram da água. Do Xingu vem a vida. O Xingu é sagrado. Nesta terra estão sepultados os antepas-sados. Eles não querem terra alagada.

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    13julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • Os representantes Kaya-pó ajudaram na prepara-ção do evento. Eles saíram de Redenção para Alta-mira e estavam o tempo todo presentes nas sessões no Ginásio Polies-portivo de Al-tamira. Mas a imprensa não procurou os Kayapó para que eles contas-

    sem a sua versão do que aconteceu naquela tarde com o engenheiro da Eletrobrás.Eu estava o tem-po todo presente durante o evento “Xingu Vivo para sempre”, e esta-va presente há 19 anos atrás, sendo um dos organi-zadores do 1º encontro do Xingu em 1989. Inclusive, naquele histórico encontro, representava a Prelazia do Xingu, pois Dom Erwin Krautler es-tava ausente. Fui eu quem leu a men-sagem do saudoso Papa João Paulo II aos participantes do evento, em particular aos povos indígenas pre-

    sentes.Alguém viu d u r a n t e estas duas últimas dé-cadas (que já se foram depois daquele evento) al-guém da Eletrobrás passar numa das al-deias Kayapó, para falar sobre a usina de Belo Monte? Eu não! Os Kayapó também não! Em 1989 os ín-dios disseram que

    não queriam barragem... foram visitar aquela de Tucuruí e o que eles vi-ram foi sufi ciente para repetir: “guai ba kuni

    imã ngôbejê kum kinh kêt kumrenx!” = “Não gos-tamos de barragens de jeito e maneira nenhuma!”Sobrevoando o céu que cobre o ter-ritório que vai de Redenção até a re-serva indígena Kayapó (aldeias de Gorotire, Môikarakô, A’ukre) pode

    ser observa-da a diferença que existe entre as duas áreas aquela que per-tence aos muni-cípios de Cuma-ru, Ourilândia do Norte, São

    Félix do Xingu e á área da re-serva indígena Kayapó. A mata virgem começa lá onde termi-nam as fazendas. Ainda o Bra-sil tem fl oresta, lá onde vivem os povos e comunidades indí-genas. Até agora os próprios povos indígenas do vale do Xingu guardaram um patrimô-nio imenso para o Brasil. Não devia acontecer o episódio do “facão” kayapó! Fica porém a pergunta: “porque se continua “rasgando o mato amazônico”

    e “cortando e ferindo” os povos indígenas e o ambiente onde eles vivem?”Os sábios deste mundo dizem que “continuan-do a ferir o mundo, ele vai se vingar!” Aquilo que aconteceu em Altamira durante o encon-tro “Xingu vivo para sempre” é um alerta e ao mesmo tempo um “apelo dramático” para se ter uma vida mais sensata e humana.Este afi nal foi o recado de Altamira.

    Pe. Renato Trevisan

    “NÓS NÃO GOSTAMOS DE BARRAGENS!”

    Paulo Dutra

    Paulo Dutra

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    14 julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • Terra, Água, Ar, Astros, Rio, Animais, Peixes, Plantas e Flores, para os não índios, são seres inferiores, criados para servir aos humanos. Matar um animal, cortar uma ár-vore ou derrubar uma fl oresta, represar um rio, rasgar a terra para tirar minério, para tudo isso a sociedade capitalista tem justi-fi cativa.

    Nos encontros indígenas os índios fa-lam, referindo-se ao mundo vegetal e ani-mal: “Somos todos parentes”. Os antigos Galibi-Marworno, antes de derrubar uma ár-vore, conversavam com ela, explicando que precisavam dela para levantar a casa, cons-truir a canoa.

    Os bichos, assim como as plantas, os astros e até alguns seres inanimados têm alma, comunicam-se conosco. A terra é sa-grada, a água é irmã, os animais e plantas são nossos parentes.

    Imaginem o que signifi ca para os Povos Indígenas represar o rio, alagar a mata, poluir o meio ambiente, afugentar os ani-mais!!

    Tudo isso mexe não só na natureza, mas na cabeça e no coração dos indígenas. Eles não entendem o raciocínio do lucro, o critério econômico.

    Desenhos do povo Araweté

    15julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • Os povos indígenas destacam a importância do Rio Xingu:a importância do Rio Xingu:

    A terra é a casa dos animais: porcão do mato, cai-titu, jabuti, mutum, anta, tatu.O rio é a casa dos peixes, das tartarugas.

    Na mata tem inhame, açaí, cajá, mamão, castanha do Pará, ervas para curar nossas doenças. É a nos-sa alimentação; é a nossa caça! Tem muita caça! Tem muito peixe! Tem muita mata! Os rios são o nosso meio de transporte.

    Não estraga! Preserva! Não queremos barragem! Deixa como está!

    Queremos o rio Xingu limpo, cheio de vida, cheio de alegria, cheio de paz.

    A bacia do Xingu é tudo o que temos de mais valioso e que a natureza nos deu. Ela representa a continuidade da vida dos peixes, dos animais e a nossa própria de índios e ribeirinhos. Ela representa vida, futuro e alegria.

    Fotos: Paulo Dutra

    16 julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • Pensando sobre o futuro da Bacia do Xingu e as maneiras de garantir esse futuro, os índios disseram:

    O rio deve continuar como está, pro-duzindo peixes e dando água não só para nós, mas para todos os que precisam. Nós o queremos sem barragens e alimentando nossos fi lhos e netos. As gerações futuras têm que receber o rio Xingu de nós. Temos

    que perseverar na luta contra a barragem. O futuro tem que ser garantido pela união do povo da região: índios, ribeirinhos, associa-ções. Temos que resistir sem medo de de-fender o bem maior que é o nosso rio Xingu. Queremos ele vivo!

    Tudo isso está bem escrito na declara-ção fi nal que os próprios índios escreveram. Aqui vai:

    Nós, povos do rio Xingu, não quere-mos ouvir mais his-tória de barragens no rio Xingu. Não queremos nossos peixes mortos, nossos ani-mais mortos, nossos � lhos passando fome.

    Nós queremos nossa mata em pé; queremos nossos peixes vivos, nossas caças vivas; queremos nossas roças e manter nossos remédios.

    Precisamos do rio limpo para tomar banho, para beber água e não pegar doenças.

    Por tudo isso, estamos dizendo de novo que não queremos ne-nhuma barragem no rio Xingu; nós proibimos fazer qualquer tipo de barragem no rio Xingu.

    As pequenas barragens feitas nas terras do Parque do Xingu já co-meçaram a mudar o rio; ele começou a secar.

    Nós queremos viver em paz; não queremos mais agressão. Nosso direito deve ser respeitado. Desejamos � car em nossos lugares, felizes, com nossos � lhos e nossos netos fazendo a festa.

    Não queremos estar sempre nas cidades para viver continuamen-te defendendo nosso direito.

    Nosso direito tem que ser respeitado.Só isso que queremos dizer para vocês.

    Altamira – PA, 23 de maio de 2008.

    Nello Ruffaldi

    17julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • Este dia foi dedicado à contribuição do advogado Paulo Guimarães e do Procurador da República em Altamira, Marco Antônio Delfi no sobre a legislação a respeito de bar-

    ragens e da necessidade dos índios de se-rem ouvidos. Infelizmente a Constituição reconhece direitos aos índios que, porém não são ainda regulamentados em leis com-plementares que indiquem o caminho para

    que estes direitos sejam respeitados.Ainda pela manhã, continuando na

    parte da tarde, os povos Indígenas apresen-taram suas refl exões a respeito da bacia do Xingu e a platéia e organizações participa-ram ativamente no debate.

    Poesias e coreografi as, em defesa do

    Paulo Dutra

    Paulo Dutra

    Paulo Dutra

    Paulo Dutra Nello Ruffaldi

    Paulo Dutra

    Paulo Guimarães, advogado do Cimi.

    Jecinaldo Sateré Mawé (cocar), representante da Coiab, ao lado do Procurador Federal, Marco Antônio Delfino.

    O 3º DIA: OS ASSESSORES E A PALAVRA DOS INDÍGENAS

    18 julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • rio Xingu, foram apresentadas e apreciadas pelos índios e pelos outros participantes.

    A manhã do dia 23 viu movimentos, organizações, escolas, juventude e Povos Indígenas reunidos na “prainha” na beira do rio Xingu. Era muita gente. Dom Erwin, re-presentantes indígenas, ribeirinhos e convi-dados fizeram suas declarações. As crianças

    estavam entre as mais animadas e participa-tivas. Os Povos Indígenas quiseram de novo apresentar, cada um, suas danças. Uma parte dos Kaiapó deu um mergulho simbóli-co no rio Xingu, batendo a água com alegria e amor. “Água limpa! Água nossa! Água para sempre! Xingu vivo para sempre!”

    Paulo Dutra

    Paulo Dutra

    Paulo Dutra

    Nello Ruffaldi

    Paulo Dutra

    Anciã representante dos povos indígenas do Tapajós

    Diversos movimentos sociais do Xingu compareceram ao encontro.

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  • Precisamos de� nir políticas energéticas que estejam integradas com as políticas ambientais e com os direitos humanos. É necessário levar em conta o reconhecimento dos direitos e a avaliação dos riscos que cada projeto traz para a população e para o meio ambiente. Os riscos sociais também são importantes, ou seja, aquilo que o represamento da água provoca de ruim para seu bem estar individual e social e até sua visão espiritual do mundo e sua própria sobrevivência. A usina é inviável economicamente para o país, porque vai gerar energia elétrica, no máximo em quatro dos doze meses do ano. O prolongado verão amazôni-co fará o nível do rio Xingu, à altura do local onde será construída a hidrelétrica, baixar tanto que irá secar. O País precisa de energia sim, mas existem al-ternativas que atingem menos o Meio Ambiente, como por exemplo, a recuperação do potencial de 70 das 157 usinas já existentes. Teríamos um custo bem menor e um ganho de 8 mil megawatts. Quem vai bene� ciar-se com a construção de Belo Monte é a indústria das barragens, isto é as em-preiteiras que terão lucros bilionários. O que sustenta Belo Monte é o grande interesse econômico que ela representa. O estudo sobre as conseqüências das grandes barragens no mundo inteiro, promovido pelo Banco Mundial, acabou condenando-as e recomendando al-ternativas energéticas. Um assunto deste porte exige ampla participa-ção da sociedade e de todos os envolvidos. Um estu-do do impacto etno-sócio-ambiental é urgente antes de qualquer discussão. Os índios nunca foram ouvidos pelo Governo Federal, que sempre empurrou o projeto goela abaixo deles. Em 20 anos, os kayapó, por exem-

    O PAC - Programa de Aceleração do Crescimento é importante para o Brasil e nosso país precisa gerar mais energia para poder crescer. O prin-cipal potencial de geração de energia elétrica do país está nos rios amazônicos. Se este potencial não for aproveitado, o país vai � car sem energia em 2017. Os benefícios da hidrelétrica serão muito gran-des para o Estado do Pará. Belo Monte vai ajudar mui-to a região. São cinco municípios com impacto direto e seis com impacto indireto, que receberão 10% dos 3,7 bilhões de dólares a serem investidos no projeto. A população apóia o projeto e vê nele muitas vanta-gens, como construção de escolas, postos de saúde e preparação de mão de obra quali� cada. O Governo federal diz que o impacto ambien-tal será pequeno e compensado com medidas sociais em favor dos povos da região. Alega também que muitos empregos e renda serão gerados pela obra, o que dinamizará a economia de municípios da região. Sindicalistas, ambientalistas, dirigentes de ONGs, nacionais e internacionais, fazem campanha contra a hidrelétrica porque querem uma Amazônia atrasada, intocada e livre para o banquete de empre-sas multinacionais. En� m, são contrários ao desenvol-vimento do Brasil. Muitas indús-trias irão se instalar ao longo das Rodovias Transamazônica e Santarém- Cuiabá, fazendo o Governo despertar, de uma vez por todas, para o potencial econômico da região.

    Os argumentos usados a favor de Belo Monte são os seguintes:

    Os argumentos contra a construção da usina são estes:

    CHEQUE NOMINAL e cruzado em favor do Conselho Indigenista MissionárioDEPÓSITO INSTANTÂNEO: Banco Bradesco

    Ag. 3109-7 cc: 135641-0Para Conselho Indigenista Missionário

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    Belo Monte:Quem é a favor? Quem é contra?

  • afetados com as mudanças na natureza, no clima, e na reprodução de peixes. A caça, a pesca e a roça seriam muito prejudicadas se a usina fosse construída. Catorze mil índios serão afetados, direta e in-diretamente, pela usina. Suas vidas e seus costumes seriam seriamente prejudicados. Somente o Brasil insiste nas grandes hidrelétri-cas, enquanto que a maioria dos países investe na pro-dução de energia alternativa.

    plo, só participaram de dois encontros não coordena-dos pelo Governo. Nos dois, o terçado na mão e o grito de guerra foram os símbolos da resistência indígena. No caso do projeto Belo Monte, a Eletronorte nunca es-clareceu claramente o para a sociedade e para os Povos Indígenas e ribeirinhos. A arma dela não é a clareza, mas sim a compra de aprovação do projeto subornan-do índios e prefeitos. Dezoito Povos de onze terras indígenas seriam

    des indígenas.Assim, nós, cidadãos e cidadãs brasileiras, vimos a público comunicar à sociedade e às autoridades públicas federais, estaduais e municipais a nossa decisão de fazer valer o nosso direito e o de nossos fi lhos e netos a viver com dignidade, manter nossos lares e territórios, nossas culturas e formas de vida, honrando também nossos antepassados, que nos entregaram um ambiente equilibrado. Não admi-tiremos a construção de barragens no Xingu e seus afl uentes, grandes ou pequenas, e continuaremos lutando contra o enraizamento de um modelo de desenvolvimento socialmente injusto e ambiental-mente degradante, hoje representado pelo avanço da grilagem de terras públicas, pela instalação de madeireiras ilegais, pelo garimpo clandestino que mata nossos rios, pela ampliação das monocultu-ras e da pecuária extensiva que desmatam nossas fl orestas.

    Esse é o nosso desejo, essa é a nossa luta. Quere-mos o Xingu vivo para sempre.

    Nós, que somos os ancestrais habitantes da Bacia do Xingu, que navegamos seu curso e seus afl uen-tes para nos encontrarmos; que tiramos dele os peixes que nos alimentam; que dependemos da pureza de suas águas para beber sem temer doen-ças; que dependemos do regime de cheias e secas para praticar nossa agricultura, colher os produtos da fl oresta e que reverenciamos e celebramos sua beleza e generosidade a cada dia que nasce; nós te-mos nossa cultura, nossa espiritualidade e nossa sobrevivência profundamente enraizadas e depen-dentes de sua existência. Estamos cientes de que interromper o Xingu em sua Volta Grande causará enchentes permanentes acima da usina, deslocando milhares de famílias ribeirinhas e moradores e moradoras da cidade de Altamira, afetando a agricultura, o extrativismo e a biodiversidade, e encobrindo nossas praias. Por outro lado, o barramento praticamente secará mais de 100 quilômetros de rio, o que impossibilitará a navegação, a pesca e o uso da água por muitas co-munidades, incluindo aí várias terras e comunida-

    21julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • 22 julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • O que a Amazônia, uma ter-ra tão quente, tem a ver com o gelo e a neve que existem lá no alto das montanhas, nos Andes Bolivianos? Tem tudo a ver, por-que as águas formadas quando derrete a neve e o gelo das regi-ões montanhosas da Bolívia e do Peru alimentam os rios das terras mais baixas. Todos os dias descem das montanhas milhões de litros de água, formando cachoeiras aqui, corredeiras ali, desenhan-do uma rede de pequenos rios igual às nervuras de uma folha de árvore Estes rios se espalham por uma área de 1.420.000 km². Estas águas das montanhas dão origem ao rio Madeira, um impor-tante formador do rio Amazonas

    Agência Brasil

    23julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • Bacia do Rio Madeira, que se estende por países co-mo Bolívia e Peru

    As águas do Rio Madeira são conhecidas principalmen-te por serem caudalosas e turvas, carregadas de mine-rais e nutrientes. É um rio muito importante para a re-produção da vida na Amazônia.

    no território brasileiro.Água da chuva também não falta, prin-

    cipalmente entre dezembro e janeiro. Nesse tempo chuvoso o volume de água dos rios

    aumenta que é uma beleza, alagando a vár-zea, adubando a terra e formando muitos la-gos. Uma característica da água do Madeira é a presença de grande quantidade de se-dimentos, ou seja, grãozinhos de areia e barro, misturados com nutrientes, que ser-vem de alimento para os animais e às plan-tas de todo tamanho. Boiando nas águas do Madeira, encontramos galhos, folhas e tron-cos de árvore. Todo este material vai se acu-mulando pelas margens do rio, formando as chamadas barrancas.

    O rio Madeira vai sendo engrossado pelas águas de outros rios, principalmente o Rio Mamoré (o mais extenso) e o Rio Beni (o que tem o maior volume de água). Este rio

    CPMV

    RIMA

    IBGE

    24 julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • Mercado de peixe, em Porto Velho: Uma imensa variedade de espécies, altamente valorizadas pelo sabor, e fonte de renda para a região.

    tem partes mais fundas e outras mais rasas, porque o terreno é mais plano e a água se espalha. É nas regiões de Santo Antônio e Jirau que o governo e os empresários pen-sam em construir as hidrelétricas, represan-do boa parte da água e formando assim um grande lago, que irá colocar debaixo d´água uma área muito extensa.

    BiodiversidadeEsta área tem muita riqueza vegetal,

    conforme descreveram os técnicos que rea-lizaram o Estudo de Impacto Ambiental para a Construção das Hidrelétricas.

    O estudo diz que nas margens do rio Madeira existe uma bela mata, conhecida como fl oresta de terra fi rme, formada por árvores muito altas, de mais de 40 metros, e muitas castanheiras, o tauari, a muiracatia-ra e o angelim. Também são muito comuns as palmeiras, em especial de babaçu, inajá e tucumã, e umirizais, fl orestas de várzea e igapó, principalmente nas terras alagadas

    pelo rio quando as águas sobem. A terra é então fertilizada pela cheia do rio, e desse modo a vegetação pode crescer viçosa. Ali são freqüentes a sumaúma, a piranheira, a jacareiúba, entre muitas outras.

    A riqueza de nutrientes do rio Madeira garante a vida de muitas espécies de peixe, pelo menos 82 espécies são conhecidas e servem à alimentação da população ribei-rinha, em especial pacus, curimatãs, sardi-nhas, piranhas, branquinhas tambaquis, jaraquis, fi lhotes e pirarucus.

    Esta diversidade tem grande importân-cia não só para a alimentação das famílias, como também para garantir a economia lo-cal, que se dedica em grande parte a pesca. Os pescadores vendem seu produto nas vi-las e cidades, aumentando assim a oferta de alimentos. Outra atividade relacionada ao rio é a pesca esportiva, importante atrativo para o turismo.

    RIM

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    25julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • Quais as hidrelétricas propostas para o Rio Madeira?

    Ao longo do rio estão projetadas duas hidrelétricas, Santo Antônio e Jirau. Os dois projetos são pensados dentro do Estado de Rondônia, estão localizados no entorno da cidade de Porto Velho.

    Santo Antônio e Jirau foram pensadas para gerar juntas 7480 MW de energia.

    Para construir as hidrelétricas será ne-cessário fazer uma barragem, um grande muro de concreto que irá represar parte da água e inundar uma grande área. Como este rio é utilizado para a navegação, em cada uma das hidrelétricas está projetada uma eclusa, um “elevador” que carrega o barco da parte alta atrás do muro de concreto, até a parte baixa, seguindo o leito do rio. Esta eclusa é um canal de concreto por onde os grandes barcos entram, o canal é fechado dos dois lados, e preenchido com água até a altura necessária, caso o barco esteja su-bindo o rio, ou então esvaziado, caso este-ja descendo. Este é um projeto caro, mas o governo pretende construir não só por cau-sa da energia, mas também porque eles fa-zem parte de um projeto de integração de rios, criando uma hidrovia para aumentar a

    navegação acima da cidade de Porto Velho, através dos rios Orthon, Madre de Diós, Beni, Mamoré e Guaporé, complementando a atual hidrovia que vai de Porto Velho até Itacoatiara (AM). O que se pretende é for-mar uma grande cadeia de navegação entre a região Norte, a Bolívia e o Peru, permitindo assim o transporte de grãos entre os países e seu escoamento pelo mar. A estimativa é de que até 2015, a capacidade de transporte entre os países chegue a 50 milhões de to-neladas de grãos por ano.

    HabitaçãoSe em 2000 havia necessidade de 13.065 moradias de dois cômodos e com cerca de 6 pessoas por casa, tota-lizam cerca de 78.390 pessoas sem moradia, soman-do-se a outras 100 mil que virão com as obras temos um saldo estimado de 178.390 pessoas demandando do poder púbico por moradia. A moradia mais barata no mercado de Porto Velho tem um custo médio de R$ 14 mil (42m² sendo: 2 quartos, sala, cozinha e WC) o que equivaleria a uma demanda de 29.731 residências, equivalente a R$ 2.378.480,00.

    Cartilha da Campanha Popular viva o Rio Madeira Vivo

    26 julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • Turbina “bulbo”: serão tantas e tão grandes que cer-tamente precisarão de barramentos rio acima, mas os planejadores não revelam esta parte da história.

    Ameaças:Os problemas causados pelo projeto

    das hidrelétricas começam com o simples anúncio da obra. Milhares de pessoas, espe-cialmente a população masculina, em bus-ca de emprego, já migraram ou vão migrar para a região. Os serviços de saúde, segu-rança pública, educação e moradias existen-tes não darão conta desta nova população, o que produzirá graves confl itos sociais, como ensina a história dos grandes projetos.

    Da mesma forma, esses empreendi-mentos deverão aumentar a grilagem de terras, o desmatamento e o empobrecimen-to das populações locais. Isso tudo para assegurar energia e possibilidade de nave-gação para manter grandes plantações de monocultivo de grãos na Amazônia, uma atividade que causa outros impactos muito graves ao solo, ao meio ambiente e à popu-

    lação local.Um dos maiores problemas de qual-

    quer hidrelétrica é a formação de grandes lagos, que desequilibram todo o meio am-biente, afetam a vida dos peixes, impedem que eles migrem para desovar, e afetam de

    PescadoDe acordo com dados da Federação dos Pescadores do Estado de Rondônia – FEPERO , e do Presidente da Colônia dos Pescadores da Z-1, Sr. Walter Canuto Neves, a cidade de Porto Velho consome diariamente cerca de 5 a 6 toneladas de pescado. Esta quantida-de de peixe movimenta aproximadamente 60 pontos fi xos, mais as feiras livres e mercados, que comercia-lizam este peixe passado pela Colônia Z-1 e em sua maioria localizados nos bairros periféricas da cidade de Porto Velho. Esta economia garante a sobrevivên-cia fi nanceira de cerca de 2.400 pescadores, sendo que deste total 80% são homens e 20% mulheres. Sig-nifi ca dizer que o setor pesqueiro emprega, no Estado, cerca de 20 mil pessoas, deste total 70% somente em Porto Velho.

    Cartilha da Campanha Popular viva o Rio Madeira Vivo

    RIM

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    27julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • muitas maneiras as comunidades locais. Para responder a isto, os planejadores

    das duas hidrelétricas do Madeira anuncia-ram um sistema novo de turbinas geradoras, as chamadas turbinas bulbo, que dispensam a formação de grandes lagos. Por outro lado, eles querem colocar turbinas muito mais po-tentes do que se costuma usar neste tipo de hidrelétrica. O número de turbinas (44 em cada UHE) também é considerado alto por quem conhece o assunto. O que signifi ca isto? Signifi ca que, muito provavelmente, só a água que corre normalmente não vai ter a força necessária para mover as turbinas.

    ÁguaSomente cerca de 50% da população residente na sede municipal é atendida pelo serviço de abastecimento de água, enquanto os 50% restantes usam o sistema de “poços amazonas”, ou seja, água do primeiro len-çol freático, geralmente contaminado. Mesmo entre os atendidos pelo serviço, é comum a construção de reservatórios (cisternas) visando suprir a irregulari-dade do atendimento, pois a condição operacional do sistema de abastecimento de água é muito precária. Qual será o custo para dotar de esgotamento sanitário a cidade atual de Porto Velho, e para uma demanda de mais de 26.000 novas habitações?

    Cartilha da Campanha Popular viva o Rio Madeira Vivo

    Turismo no Rio Madeira: a beleza do rio e suas ma-tas atrai muitos visitantes, e gera renda.

    Então, para que as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio funcionem, novas barragens serão construídas a jusante, o que será uma catástrofe ambiental gravíssima principal-mente porque os sedimentos que enrique-cem a água, alimentando os peixes e a fl o-resta, vão fi car acumulados no pé das bar-ragens, como explica o professor Benedito Domingues do Amaral, mestre em Ciências da Engenharia Ambiental pela USP.

    Para evitar a perda de nutrientes no rio, a solução seria construir um “descarre-gador de fundo”, uma abertura por baixo do muro da barragem, por onde passariam os sedimentos. Na UHE de Tucuruí, onde essa abertura também era necessária, os cons-trutores alegaram que o sistema poderia causar abalos na estrutura da barragem, e por isso não foi construído.

    Carlos Metal

    Janu

    ário

    Net

    o

    28 julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • Povos indígenas:Os povos indígenas habitantes das áre-

    as de infl uência indireta das barragens, con-forme os estudos, são: Karitiana, Kapivari, Karipuna, Oro Wari e Uru Eu Wau Wau. Por outro lado, deixaram de fora os Kaxarari na região de Extrema, próximo a Ponta do Abunã, pelo fato de ter parte de suas terras em RO e parte no AM e AC. Fica a pergunta no ar: Porquê? Para não abrir margem para discussão também com estes Estados?

    O mais grave é que os Estudos de Impacto Ambiental não consideraram os in-dígenas sem-contato, que, de acordo com

    a FUNAI, seriam: os Karipuninha, do

    igarapé

    Karipuninha; Isolados do Rio Formoso; Isolados da bacia do Rio Mutum Paraná; Isolados da bacia superior do Rio Jaci-Paraná; Isolados do Médio Esquerdo do Rio Candeias; Isolados da Gleba Jacundá; Isolados do Parque Estadual de Guajará Mirim e Isolados do Rio Mucuin (T. I. Jacareúba – povo Katawixi).

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    29julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • O rio São Francisco é o único dos grandes rios do Brasil que nasce e deságua em território brasileiro, por isso é chamado de rio da inte-gração nacional.

    O rio São Francisco tem 2,7 mil qui-lômetros de extensão e passa por cinco estados brasileiros: Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe e no seu caminho até o oceano, este rio banha mais de 500 municípios. Este é o rio mais longo do território brasileiro, e dele se benefi ciam mais de14 milhões de pessoas, sendo fonte de vida para o sertão, especialmente nos lu-gares em que a água é escassa e a terra é seca por falta de chuvas.

    O “Velho Chico”, como é carinhosamen-te chamado, nasce num brejo da Serra da Canastra, a mil metros de altura. Nesta par-te o rio é cheio de corredeiras, cachoeiras e degraus, mas depois ele segue por lugares mais planos e permite que os barcos de to-dos os tamanhos naveguem suas águas. A nascente do Rio São Francisco está protegi-da porque faz parte do Parque Nacional da Serra da Canastra. As pessoas que visitam esse lugar fi cam emocionadas com tanta beleza e com as fl orestas nativas e campos que cercam o rio. Este rio deságua na cos-ta brasileira, entre coqueirais e manguezais, dunas e praias douradas.

    O Velho Chico está em perigo!O Rio São Francisco tem sido muito

    agredido, suas margens foram desmatadas, a mata que protege suas margens é conti-nuamente queimada, suas águas são poluí-das com venenos usados nas grandes plan-tações, na mineração e também em indús-trias que despejam seus esgotos nas águas

    do rio. Além disso, parte da água do São Francisco tem sido desviada e levada para outros lugares para irrigar as plantações, e isso causa um grande estrago. Muitas vezes a irrigação empurra para dentro do rio uma gran-de quantidade de terra, que vai se acumulando no fundo do rio e destruindo o seu lei-to. Isso tudo prejudica o rio e também a vida das pesso-as, dos animais, das plantas que dependem destas águas para sobreviver. Nos últimos anos, o volume da água do São Francisco vem diminuin-do, e isso é um sinal de que ele está em perigo.

    As derrubadas e quei-madas para aumentar as áreas de plantação estão cada vez maiores. O desma-tamento é um grande mal

    30 julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • porque faz as barrancas do rio desabarem e essa terra vai se acumular dentro do rio e mudar o seu curso. O desmatamento e as queimadas também desequi-libram o clima, fazem o planeta fi car mais quente e podem pro-duzir menos chuvas.

    Na década de 70, o en-genheiro agrônomo Maurício Roberto, da EMATER de Minas Gerais fez um estudo sobre o lei-to do rio São Francisco e as mu-danças por causa do desmata-mento e do acúmulo de terra nos locais onde o rio corre. O que ele percebeu é que se a gente não aprender a respeitar a nature-za, daqui há menos de 50 anos o São Francisco vai estar seco e vai virar somente uma história pra contar.

    Para onde vai a su-jeira doméstica?

    Mais de 150 cidades estão localizadas nas mar-gens do rio São Francisco, e muitas delas não têm sistema de tratamento de esgoto, despejando toda a sujeira no seu leito. Mas a cidade que mais colabora para poluir o São Francisco é Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. Muito da poluição produzida nesta cidade escorre para o Rio das Velhas, que despe-ja suas águas no rio São Francisco.

    Esgoto x Rio São Francisco: nesta luta, todos perdem

    RIMA - Transposição

    31julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • Além de todos os riscos que já existem para a vida do rio São Francisco por causa do desmatamento, das queimadas, da po-luição, dos desvios da água e das mudanças no clima, agora existe uma grande ameaça que é o projeto de transposição das águas, feito pelo governo federal.

    “Transposição” signifi ca tirar parte da água do leito natural do rio e levar para ou-tros rios. Para fazer isso, o governo vai ins-talar grandes máquinas que vão bombear a água para dentro de grandes dutos e em-purrar para os rios de outros estados como Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Além de colocar em perigo a existên-

    cia do rio mais comprido que há no Brasil, prejudicando a vida daqueles que vivem nesta região, esta obra do governo é mui-to cara, e os estudiosos já mostraram que boa parte da água transportada para outros lugares vai acabar se perdendo. O projeto visa abastecer 6,8 milhões de pessoas e ir-rigar 300 mil hectares de terra, a um cus-to, que até bem pouco tempo, era estimado pelo governo em aproximadamente R$3,3 bilhões, somente em obras de engenharia, que incluem estações de bombeamento, tú-neis, aquedutos e reservatórios.

    Veja abaixo o mapa e os gráfi cos que mostram o processo.

    A TRANSPOSIÇÃO

    32 julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • A carrancaPara espantar mau-olhado, espírito presepeiro, mal-assombro e pescaria ruim: caretas. Na base do quanto mais feia melhor, o nome ofi cial é carranca. Na proa das barcas, esculpidas em ma-deira, um rosto assustador, são mons-tros temíveis cuja função é botar pra correr os maus espíritos que vivem no São Francisco, como a Mãe-d’água e o Minhocão. De sobra, no passado, susto também para os indesejáveis jacarés, hoje extintos. Em algumas partes, as fi -guras de proa eram chamadas também de cara de pau ou leão de barca. Nas histórias que as pessoas contam sobre o São Francisco, o Negro d’Água, sai lá do fundo para pedir fumo, e a Mãe d’Água também faz suas visitas, mas ela é amiga das lavadeiras e adora pre-sentes.

    A transposição tem pouco a ver com a seca.

    Podemos dizer isso porque a maior par-te da água que seria retirada do rio passaria longe dos sertões onde chove pouco e das áreas de maior necessidade. E 87% dessas águas seriam usadas para benefi ciar produ-tores de frutas, grandes plantações, cria-ções de camarão e para a siderurgia.

    A transposição coloca em risco a natureza e as pessoas

    pessoas. O projeto ofi cial custaria mais de 6 bilhões de reais, atenderia apenas a quatro Estados (Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará) benefi ciando 12 milhões de pessoas de 391 municípios. Um projeto alternativo elaborado pela Agência Nacional das Águas (ANA) e apresentado no Atlas do Nordeste custaria pouco mais de 3 bilhões de reais, benefi ciando nove estados (Bahia, Sergipe, Piauí, Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba, Ceará e Norte de Minas), benefi ciando 34 milhões de pessoas de 1356 municípios. Além do mais, para as áreas mais secas e distantes do rio, seria mais barato e mais garantido construir cis-ternas, ou seja, um reservatório de águas da chuva.

    Esses riscos não foram discutidos com as populações envolvidas como os ribeiri-nhos, os pescadores, os povos indígenas, os quilombolas. Os estudos para mostrar os impactos ambientais também não são sufi -cientes para mostrar que um projeto assim seria viável. O Governo não conseguiu con-testar estudos de diversos especialistas que mostram que o problema das regiões para onde se pretende levar a água da transposi-ção, não é de escassez, mas de má gestão.

    O projeto é caro, tem muitos proble-mas e, além disso, não leva em conta al-ternativas mais baratas, mais viáveis e que trariam benefícios para um número maior de

    As bombas de água terão um consumo elevado de eletricidade

    De acordo com os dados do próprio pro-jeto, seriam necessários 1050 MW de ener-gia para bombear a água, e isso é o que se gera na usina de Sobradinho. Isso quer dizer que precisaria ter uma usina inteira, funcio-nando 24 horas por dia, apenas para manter o bombeamento de água funcionando.

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    RIMA - Transposição

    ARGUMENTOSCONTRA

    33julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • Jogo de interesses:Ao contrário do que se tem colocado à

    população brasileira, a obra de Transposição do Rio São Francisco só vai benefi ciar a pro-dução de etanol, a criação de camarões, a produção de frutas nobres e o aço. Todos estes produtos direcionados para a exporta-ção, benefi ciando, diretamente, as grandes empresas, o capital privado nacional e inter-nacional.

    Vamos destacar a seguir quatro pontos colocados pelo estudioso Washington Novaes que mostram que a transposição não é uma boa saída para resolver os problemas de falta de água no nordeste brasileiro:

    A água vai se concentrar nas mãos de quem menos precisa:

    Da forma como o projeto de transposi-ção foi colocado, ele atenderá diretamente a apenas 5% da superfície do semi-árido. Nenhuma das barragens da região do Seridó, por exemplo, onde o quadro das secas é mais acentuado no Rio Grande do Norte, re-ceberá as águas da transposição. O proble-ma do semi-árido nordestino não é a falta de água nos Estados envolvidos no projeto e sim a má distribuição, que não deixa a água chegar a quem mais precisa. A transposição não resolve isso. Com ela, a água será le-vada, basicamente, para reservatórios que atendem às áreas urbanas.

    E quem vai pagar a conta?

    O projeto da transposição vai elevar o preço das tarifas de água e luz para a popu-lação, em função dos altos custos de ope-

    As alternativas realmente viáveis:As alternativas à transposição que se

    apresentam mais econômicas, efi cientes e com menores impactos ambientais são: a revitalização do rio, a recuperação das nas-centes, o refl orestamento das barrancas, o uso cuidadoso da água, e a construção de cisternas para a população que hoje sofre com a seca. Antes de se pensar em trans-posição, o governo deveria planejar obras menores, que gastam menos recursos e que benefi ciam realmente quem mais precisa.

    ração e manutenção do sistema. Hoje, no Nordeste, a água bruta não é cobrada e as famílias da região pagam apenas pelo bom-beamento de água para plantações. Com a transposição, o custo da água será, no míni-mo, 5 a 6 vezes maior do que se cobra hoje em dia.

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    34 julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • mulheres dos povos Truká e Tumbalalá, fazendo o Toré. Foto de Priscila Carvalho

    Eu gostaria de dizer aos meus irmãos do Nordeste que não se deixem levar pela propaganda enganosa dizendo que nós somos egoístas e não queremos dar água para eles. Isso é uma maneira maliciosa, maldosa que deseja dividir o povo nordes-tino. Sempre fomos coesos, mas a propa-ganda ofi cial, maliciosa, enganosa, está di-vidindo e pondo na cabeça do povo que so-mos egoístas. Não é isso: eles estão sendo

    enganados, pois a água da transposição não será nunca em benefi cio deles e sim de um pequeno grupo. E ainda vai fazer com que através do subsídio cruzado o povo pague muito mais pela água que nem sequer vai utilizar. Eu quero que a verdade de Cristo ressuscitado se mostre e não nos deixemos levar pelos engodos e mentiras dos interes-ses do governo federal.

    Dom Luiz Cappio.

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    35julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • A Transposição é uma questão controversa e de muita luta social. O Governo Lula, além de iniciar as obras sem uma ampla consulta à sociedade e sem considerar as alternativas, propostas no âmbi-

    to do próprio governo, fez a opção pela militarização da Transposição. Entregou para o Exército Brasileiro o início

    da construção das Obras do Eixo Norte e do Eixo Leste da Transposição de parte das águas do Rio São Francisco.

    Ficou encarregado das obras o 2º Batalhão de Engenharia e Construção do Exército, de Teresina, que toca

    as obras de transposição de águas do Rio São Francisco para o eixo Norte do semi-árido. Os militares fi cam na Fazenda Mão

    Rosa e os acessos à área da obra estão impedidos. Uma grande área já foi desmatada.

    Hoje tropas do exército estão estacionadas na região das obras nos dois eixos, bem como na barragem de Sobradinho. As

    notícias são de que também soldados da infantaria se encontram na região. Com armamento pesado e até mesmo presença de tan-

    ques.O exército faz operação social, como que querendo ganhar para

    si uma opinião favorável da população de Cabrobó.Tratar uma questão social e ambiental numa perspectiva militar

    é um grande erro. Não se impõem políticas que pretendem promover a vida por meio da força. Já vivemos no Brasil, no período da ditadura

    militar a infame ideologia de “segurança nacional”. Essa ideologia bus-cava o tal inimigo interno e encarava toda e qualquer idéia do povo dife-

    rente das dos dirigentes, como um perigo para a segurança do país, mas ao mesmo tempo ampliava os interesses do capital internacional no país.

    Hoje, a Transposição serve aos interesses do agro – hidro - negócio e não ao consumo humano e às necessidades dos camponeses, povos indígenas,

    ribeirinhos e quilombolas.Paz e Todo Bem!

    Frei Rodrigo Péret, ofmSecretário Nacional de Justiça, Paz e Ecologia dos Franciscanos

    ATransposição é uma questão controversa e de muita luta social. O Governo Lula, além de iniciar as obras sem uma ampla consulta à sociedade e sem considerar as alternativas, propostas no âmbi-

    to do próprio governo, fez a opção pela militarização da

    Os militares e A Transposição

    36 julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • A conjuntura brasileira é bastante desfa-vorável aos povos indígenas, quilom-bolas e outros segmentos da popula-ção que lutam pelo direito a terra e por uma vida com dignidade e cidadania. Está sendo imposto um modelo de desenvolvimento eco-nômico que apresenta como única saída os projetos de exploração das terras, das águas e do meio ambiente (minério, agroindústria, gado, eucalipto, cana de açúcar, soja). Do modo como o governo atual pensa a econo-mia, não existem alternativas que não este-jam ligadas à exploração da Amazônia, sen-do esta uma importante fonte de riquezas naturais, minerais e hídricas. Ou seja, pretendem explorar o solo, o sub-solo, as matas e águas dos rios e la-gos ama-zônicos. E o mais grave é que nestes pro-jetos só interes-sam os lucros e não importam as pessoas e o meio ambiente.

    Esse desca-so com a vida das pessoas e com a natureza acontece em outras partes do

    Brasil. Por exemplo, no Mato Grosso do Sul se incentiva o plantio da cana de açúcar e a criação do gado, mesmo que isso aumente a pobreza, e a fome da maioria da popula-ção. Em outros estados a exploração mine-ral, madeireira e hídrica deixam também as suas marcas. As grandes plantações de soja, cana de açúcar e eucalipto servem apenas para manter grandes indústrias, grandes in-teresses e fazer grandes fortunas..

    Os rios e lagos hoje são considerados não pela sua riqueza para gerar a vida, mas por sua riqueza para gerar dinheiro para al-guns. Os projetos do PAC, como a transpo-sição do Rio São Francisco e as Hidrelétricas de Belo Monte e do Madeira estão voltados

    para o desenvolvimento, mas não em benefício de toda a po-

    pulação. Pagamos um preço muito alto para

    garantir o enriqueci-mento e o bem estar

    de uns poucos. Todo o dinhei-ro explorado, à

    custa dos povos indígenas e das demais

    populações da região ama-zônica e nordestina alimen-

    tarão as contas bancárias de empresas e de políticos que vivem exclusivamente da ex-ploração ambiental, das ter-

    ras e da mão de obra barata de comunidades pobres e dos

    povos indígenas.É chegada a

    naturais, minerais e hídricas. Ou seja, pretendem explorar o solo, o sub-solo, as matas e águas dos rios e la-gos ama-zônicos. E o mais grave é que nestes pro-jetos só interes-sam os lucros e não importam as pessoas e o meio ambiente.

    Esse desca-so com a vida das pessoas e com a natureza acontece em outras partes do

    sição do Rio São Francisco e as Hidrelétricas de Belo Monte e do Madeira estão voltados

    para o desenvolvimento, mas não em benefício de toda a po-

    pulação. Pagamos um preço muito alto para

    garantir o enriqueci-mento e o bem estar

    de uns poucos. Todo o dinhei-ro explorado, à

    custa dos povos indígenas e das demais

    populações da região ama-zônica e nordestina alimen-

    tarão as contas bancárias de empresas e de políticos que vivem exclusivamente da ex-ploração ambiental, das ter-

    ras e da mão de obra barata de comunidades pobres e dos

    povos indígenas.É chegada a

    povos indígenas.É chegada a

    povos indígenas.

    37julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • hora de romper com es-tes segmentos da eco-nomia e da política. Os povos indígenas devem exigir o cumprimen-to dos direitos consti-tucionais a terra (art. 231 da CF), o cumpri-mento das leis ambien-tais, da convenção 169 da OIT e da Declaração da ONU sobre os Povos Indígenas.

    Os povos indíge-nas e demais segmen-tos devem estar mobi-lizados contra os em-preendimentos hidre-létricos de Belo Monte, Rio Madeira e contra a transposição do Rio São Francisco.

    Nossa mobilização e luta devem focar tam-bém o direito à demar-

    Povo Truká; Foto: Markus BreussPa

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    38 julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios

  • cação das terras, direito caracterizado não como favor ou concessão do estado, mas como direito constitucional; devem focar o combate às grandes obras de infra-estrutu-ra que atingirão e devastarão as terras e o meio ambiente, tais como as hidrelétricas e a transposição do Rio São Francisco; e por fi m exigir que se cumpram com as determi-nações legislativas e constitucionais e que se implemente um modelo de assistência di-ferenciada, digna e igualitária.

    Retomada Povos Truká e Tumbalalá - afetados pe-la Transposição do rio São Francisco. Foto: Priscila Carvalho

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    39julho / agosto 2008 - Edição Especial - A Morte dos Rios