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Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em trabalhar, academicamente, determinados assuntos. Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo dogmático. É possível, à luz da tradicional visão empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual não se incluem somente as instituições legais, as ordens legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das mencionadas instituições, ordens e decisões, materializando, comumente, uma “meta direito”. No Direito, a construção do conhecimento advém da interpretação de leis e as pessoas autorizadas a interpretar as leis são os juristas.Contudo, o alvorecer acadêmico que é presenciado pelos Operadores do Direito, que se debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando as experiências empíricas e o contorno regional como elementos indissociáveis para a compreensão do Direito. Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento jurídico como algo dogmático, buscando conferir molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e inquietações produzida durante a formação acadêmica do autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática de Direito do Patrimônio Cultural, o presente busca trazer para o debate uma série de assuntos contemporâneos e que reclamam maiores reflexões.
Citation preview
TAUÃ LIMA VERDAN
RANGEL
COMPÊNDIO DE ENSAIOS
JURÍDICOS: TEMAS DE DIREITO
DO PATRIMÔNIO CULTURAL
V.
01
N.
07
COMPÊNDIO DE ENSAIOS JURÍDICOS:
TEMAS DE DIREITO DO PATRIMÔNIO
CULTURAL
(V. 01, N. 07)
Capa: Cândido Portinari, Cacau (1938).
ISBN: 978-1517057794
Editoração, padronização e formatação de texto
Tauã Lima Verdan Rangel
Projeto Gráfico e capa
Tauã Lima Verdan Rangel
Conteúdo, citações e referências bibliográficas
O autor
É de inteira responsabilidade do autor os conceitos aqui
apresentados. Reprodução dos textos autorizada
mediante citação da fonte.
A P R E S E N T A Ç Ã O
Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por
meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de
pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em
trabalhar, academicamente, determinados assuntos.
Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo
dogmático. É possível, à luz da tradicional visão
empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual
não se incluem somente as instituições legais, as ordens
legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados
tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das
mencionadas instituições, ordens e decisões,
materializando, comumente, uma “meta direito”. No
Direito, a construção do conhecimento advém da
interpretação de leis e as pessoas autorizadas a
interpretar as leis são os juristas.
Contudo, o alvorecer acadêmico que é
presenciado pelos Operadores do Direito, que se
debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a
conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando
as experiências empíricas e o contorno regional como
elementos indissociáveis para a compreensão do Direito.
Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento
jurídico como algo dogmático, buscando conferir
molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos
científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios
Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade
interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e
inquietações produzida durante a formação acadêmica do
autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática
de Direito do Patrimônio Cultural, o presente busca
trazer para o debate uma série de assuntos
contemporâneos e que reclamam maiores reflexões.
Boa leitura!
Tauã Lima Verdan Rangel
5
S U M Á R I O
Da utilização do instituto do itinerário como instrumento
para a promoção e salvaguarda do patrimônio
cultural................................................................................. 06
Da edificação do conceito de paisagem cultural:
apontamentos à Portaria nº 127/2009 do IPHAN .............. 36
Da edificação da universalização do acesso ao patrimônio
cultural: ponderações à Lei nº 12.343/2010 ........................ 69
Tessituras à proteção internacional dos bens culturais: a
universalidade do meio ambiente cultural ......................... 115
6
DA UTILIZAÇÃO DO INSTITUTO DO ITINERÁRIO
COMO INSTRUMENTO PARA A PROMOÇÃO E
SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO CULTURAL
Resumo: O objetivo do presente está assentado na
análise itinerário como instrumento apto à promoção
e salvaguarda do patrimônio cultural. Cuida salientar
que o meio ambiente cultural é constituído por bens
culturais, cuja acepção compreende aqueles que
possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar
que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo
formada pela história e maciçamente influenciada
pela natureza, como localização geográfica e clima.
Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma
intensa interação entre homem e natureza, porquanto
aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e
percepção são conformadas pela sua cultural. A
cultura brasileira é o resultado daquilo que era
7
próprio das populações tradicionais indígenas e das
transformações trazidas pelos diversos grupos
colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se
analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo
macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo,
abstrato, fluído, constituído por bens culturais
materiais e imateriais portadores de referência à
memória, à ação e à identidade dos distintos grupos
formadores da sociedade brasileira. O conceito de
patrimônio histórico e artístico nacional abrange
todos os bens moveis e imóveis, existentes no País,
cuja conservação seja de interesse público, por sua
vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou
por seu excepcional valor artístico, arqueológico,
etnográfico, bibliográfico e ambiental.
Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Itinerário.
Instrumento de Preservação. Tutela Jurídica.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas
à construção teórica da Ramificação Ambiental do
Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente;
3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 4 Da Utilização do Instituto do
Itinerário como Instrumento para a Promoção e
Salvaguarda do Patrimônio Cultural
8
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA
RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
9
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”1. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
1 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 01
mar. 2015, s.p.
10
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”2. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
01 mar. 2015.
11
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”3. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
3 VERDAN, 2009, s.p.
12
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”4. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
4 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 01 mar. 2015.
13
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de
direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,
contemplando, em sua estrutura, uma patente
preocupação com o destino da humanidade5·. Ora, daí se
verifica a inclusão de meio ambiente como um direito
fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com
humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que
abriga em sua redação tais pressupostos como os
princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária”6.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
5 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 6 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2015.
14
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível7.
7 Idem. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
15
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”8. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 01 mar. 2015. 8 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
16
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 19819,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
9 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2015.
17
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos
apresentados por José Afonso da Silva, considera-se
meio-ambiente como “a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”10.
Nesta senda, ainda, Fiorillo11, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
10 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 11 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
18
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal12.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
12 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 01 mar.
2015.
19
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”13.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 198814 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
13 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 14 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2015: “Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
20
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade15.
15 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
21
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 01 mar. 2015.
22
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
23
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
24
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Quadra salientar que o meio ambiente cultural
é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao lado
disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu
25
meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas
pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado
daquilo que era próprio das populações tradicionais
indígenas e das transformações trazidas pelos diversos
grupos colonizadores e escravos africanos”16. Desta
maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela
como instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
16 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 01 mar. 2015, p.
15-16.
26
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”17. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
17 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
27
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
28
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”18. Esses aspectos
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
18 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 01 mar.
2015.
29
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”19, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200020,
que institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo21, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se,
segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo22, que
os bens que constituem o denominado patrimônio
cultural consistem na materialização da história de um
19 BROLLO, 2006, p. 33. 20 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2015. 21 BROLLO, 2006, p. 33. 22 FIORILLO, 2012, p. 80.
30
povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação
de seus valores culturais, os quais têm o condão de
substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos
insertos em uma determinada comunidade. Necessário se
faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto
seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em
razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado
de valor especial, notadamente em decorrência de
produzir um sentimento de identidade no grupo em que
se encontra inserido, bem como é propiciada a constante
evolução fomentada pela atenção à diversidade e à
criatividade humana.
4 DA UTILIZAÇÃO DO INSTITUTO DO
ITINERÁRIO COMO INSTRUMENTO PARA A
PROMOÇÃO E SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO
CULTURAL
Ao se conceber a diversidade cultural como o
conjunto dos elementos materiais e imateriais, afetivos e
intelectuais, responsáveis por estabelecer os aspectos
caracterizadores de uma sociedade ou um grupo social e
que compreende, além das artes e das letras, os modos de
vida, as maneiras de viver, os sistemas de valores, as
31
tradições e as crenças. Desta feita, por meio da valoração
da diversidade cultural, sustenta-se o ideário de que
possa haver uma maior consciência da unidade do gênero
humano e no desenvolvimento de intercâmbios culturais.
Ao lado disso, salta aos olhos a importância sobre o
reconhecimento do patrimônio imaterial como fonte
maior de promoção da diversidade cultural e garantia do
desenvolvimento sustentável. Igualmente, há que se
sublinhar que há uma robusta interdependência entre o
patrimônio cultural imaterial e o material, no sentido de
promoção de significância e reconhecimento da
existência. Ademais, quadra anotar que a subjetividade
inerente do patrimônio cultural imaterial reclama
formas diferenciadas, tanto em sua percepção, quando
em sua promoção e salvaguarda.
Tecidos estes comentários, ao analisar o
instituto do itinerário, há que se expor, oportunamente,
que aquele constitui em si um bem patrimonial e pode
ser palco para diversas expressões e manifestações
cultural, porquanto promove, ainda que indiretamente, a
valorização dos direitos humanos. Ao lado do esposado, o
instituto deverá manter um sentido de unicidade,
concomitantemente em que expõe a polivalência de
valores que emolduram o patrimônio cultural. Observa-
32
se, portanto, que o itinerário passa a ser inserido em um
novel contexto de promoção e salvaguarda do patrimônio,
abarcando tanto as expressões naturais como culturais.
Logo, a caracterização do instituto do itinerário
desdobra-se tanto pela presença de elementos físicos
quanto substantivos, havendo uma interação entre
aqueles, os quais se completam pela significação. É
possível, assim, estabelecer uma leitura dinâmica do
processo interativo que é explicitado por meio do liame
entre o ser humano e o meio ambiente, revelando,
maiormente, quais os valores são atribuídos aos bens
patrimoniais existentes ao longo de um determinado
trajeto.
Cumpre reconhecer que o itinerário, na
condição de instrumento de promoção e salvaguarda do
patrimônio cultural, é responsável por estabelecer, a
partir de uma relação entre os elementos culturais e
naturais, uma zona em que tal diálogo se revela ainda
mais robusto. Essa contribuição robustece o sentido de
conservar o patrimônio cultural nas cidades e nas
paisagens em processo de mudança, na qual se faz
imprescindível a delimitação de zonas de respeito. Tais
regiões passam a se associar ao bem patrimonial de
forma em que o entorno passa a garantir sua
33
autenticidade. Considera-se, portanto, uma tentativa de
se conter ou amenizar os impactos negativos e a
descaracterização da integridade, dos significados e dos
valores que emolduram o patrimônio cultural. Busca-se,
dessa maneira, valorizar a diversidade de expressões
culturais presentes.
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
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__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de
2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2015.
__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de
1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2015.
__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
34
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2015.
__________. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001.
Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição
Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e
dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 01 mar. 2015.
__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível
em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 01 mar. 2015.
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Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 01
mar. 2015.
BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna
classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
problemática sobre a existência ou a inexistência das
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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo
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35
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THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental:
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VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
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Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 01 mar. 2015.
36
DA EDIFICAÇÃO DO CONCEITO DE PAISAGEM
CULTURAL: APONTAMENTOS À PORTARIA Nº
127/2009 DO IPHAN
Resumo: O objetivo do presente está assentado na
análise da concepção de paisagem cultural,
estabelecido pela Portaria nº 127/2009 do IPHAN.
Cuida salientar que o meio ambiente cultural é
constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao
lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o
seu meio, e toda sua atividade e percepção são
conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é
37
o resultado daquilo que era próprio das populações
tradicionais indígenas e das transformações trazidas
pelos diversos grupos colonizadores e escravos
africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio
ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema,
é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da
sociedade brasileira. O conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação
seja de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico
e ambiental.
Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Paisagem
Cultural. Instrumento de Tutela.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas
à construção teórica da Ramificação Ambiental do
Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente;
3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 4 Da Edificação do Conceito de
Paisagem Cultural: Apontamentos à Portaria nº
127/2009 do IPHAN
38
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA
RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
39
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”23. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
23 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 26 jul.
2015, s.p.
40
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”24. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
24 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
26 jul. 2015.
41
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”25. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
25 VERDAN, 2009, s.p.
42
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”26. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
26 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 26 jul. 2015.
43
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de
direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,
contemplando, em sua estrutura, uma patente
preocupação com o destino da humanidade27·. Ora, daí se
verifica a inclusão de meio ambiente como um direito
fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com
humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que
abriga em sua redação tais pressupostos como os
princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária”28.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
27 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 28 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 jul. 2015.
44
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível29.
29 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
45
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”30. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 26 jul. 2015. 30 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
46
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198131,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
31 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 jul. 2015.
47
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos
apresentados por José Afonso da Silva, considera-se
meio-ambiente como “a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”32.
Nesta senda, ainda, Fiorillo33, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
32 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 33 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
48
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal34.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
34 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 26 jul. 2015.
49
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”35.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 198836 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
35 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 36 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 jul. 2015: “Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
50
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade37.
37 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
51
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 26 jul. 2015.
52
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
53
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
54
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Quadra salientar que o meio ambiente cultural
é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao lado
disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu
55
meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas
pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado
daquilo que era próprio das populações tradicionais
indígenas e das transformações trazidas pelos diversos
grupos colonizadores e escravos africanos”38. Desta
maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela
como instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
38 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 26 jul. 2015, p.
15-16.
56
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”39. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
39 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
57
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
58
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”40. Esses aspectos
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
40 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 26 jul.
2015.
59
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”41, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200042,
que institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo43, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se,
segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo44, que
os bens que constituem o denominado patrimônio
cultural consistem na materialização da história de um
41 BROLLO, 2006, p. 33. 42 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 jul. 2015. 43 BROLLO, 2006, p. 33. 44 FIORILLO, 2012, p. 80.
60
povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação
de seus valores culturais, os quais têm o condão de
substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos
insertos em uma determinada comunidade. Necessário se
faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto
seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em
razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado
de valor especial, notadamente em decorrência de
produzir um sentimento de identidade no grupo em que
se encontra inserido, bem como é propiciada a constante
evolução fomentada pela atenção à diversidade e à
criatividade humana.
4 DA EDIFICAÇÃO DO CONCEITO DE PAISAGEM
CULTURAL: APONTAMENTOS À PORTARIA Nº
127/2009 DO IPHAN
De plano, quadra apontar que a conceituação
da Paisagem Cultural Brasileira fundamenta-se na
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
segundo a qual o patrimônio cultural é formado por bens
de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes
61
grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se
incluem as formas de expressão, os modos de criar, fazer
e viver, as criações científicas, artísticas e tecnológicas,
as obras, objetos, documentos, edificações e demais
espaços destinados às manifestações artístico-culturais,
os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,
paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico,
ecológico e científico. Igualmente, os fenômenos
contemporâneos de expansão urbana, globalização e
massificação das paisagens urbanas e rurais colocam em
risco contextos de vida e tradições locais em todo o
planeta. Ao lado disso, a necessidade de ações e
iniciativas administrativas e institucionais de
preservação de contextos culturais complexos, que
abranjam porções do território nacional e destaquem-se
pela interação peculiar do homem com o meio natural.
No mais, o reconhecimento das paisagens
culturais é mundialmente praticado com a finalidade de
preservação do patrimônio e que sua adoção insere o
Brasil entre as nações que protegem institucionalmente o
conjunto de fatores que compõem as paisagens. Em igual
linha, a chancela da Paisagem Cultural Brasileira
estimula e valoriza a motivação da ação humana que cria
e que expressa o patrimônio cultural. Em mesmo sentido,
62
a chancela da Paisagem Cultural Brasileira valoriza a
relação harmônica com a natureza, estimulando a
dimensão afetiva com o território e tendo como premissa
a qualidade de vida da população. Nesta dicção, os
instrumentos legais vigentes que tratam do patrimônio
cultural e natural, tomados individualmente, não
contemplam integralmente o conjunto de fatores
implícitos nas paisagens culturais. Em uma concepção
inicial, entende-se por Paisagem Cultural Brasileira uma
porção peculiar do território nacional, representativa do
processo de interação do homem com o meio natural, à
qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou
atribuíram valores. A Paisagem Cultural Brasileira é
declarada por chancela instituída pelo IPHAN, mediante
procedimento específico.
A chancela da Paisagem Cultural Brasileira
tem por finalidade de atender ao interesse público e
contribuir para a preservação do patrimônio cultural,
complementando e integrando os instrumentos de
promoção e proteção existentes, nos termos preconizados
na Constituição Federal. A chancela da Paisagem
Cultural Brasileira considera o caráter dinâmico da
cultura e da ação humana sobre as porções do território a
que se aplica, convive com as transformações inerentes
63
ao desenvolvimento econômico e social sustentáveis e
valoriza a motivação responsável pela preservação do
patrimônio. A chancela da Paisagem Cultural Brasileira
implica no estabelecimento de pacto que pode envolver o
poder público, a sociedade civil e a iniciativa privada,
visando a gestão compartilhada da porção do território
nacional assim reconhecida. O pacto convencionado para
proteção da Paisagem Cultural Brasileira chancelada
poderá ser integrado de Plano de Gestão a ser acordado
entre as diversas entidades, órgãos e agentes públicos e
privados envolvidos, o qual será acompanhado pelo
IPHAN. Qualquer pessoa natural ou jurídica é parte
legítima para requerer a instauração de processo
administrativo visando a chancela de Paisagem Cultural
Brasileira. O requerimento para a chancela da Paisagem
Cultural Brasileira, acompanhado da documentação
pertinente, poderá ser dirigido: I - às Superintendências
Regionais do IPHAN, em cuja circunscrição o bem se
situar; II - ao Presidente do IPHAN; ou III - ao Ministro
de Estado da Cultura.
Verificada a pertinência do requerimento para
chancela da Paisagem Cultural Brasileira será
instaurado processo administrativo. O Departamento do
Patrimônio Material e Fiscalização - DEPAM/IPHAN é o
64
órgão responsável pela instauração, coordenação,
instrução e análise do processo. A instauração do
processo será comunicada à Presidência do IPHAN e às
Superintendências Regionais em cuja circunscrição o
bem se situar. Para a instrução do processo
administrativo poderão ser consultados os diversos
setores internos do IPHAN que detenham atribuições na
área, as entidades, órgãos e agentes públicos e privados
envolvidos, com vistas à celebração de um pacto para a
gestão da Paisagem Cultural Brasileira a ser chancelada.
Finalizada a instrução, o processo administrativo será
submetido para análise jurídica e expedição de edital de
notificação da chancela, com publicação no Diário Oficial
da União e abertura do prazo de 30 dias para
manifestações ou eventuais contestações ao
reconhecimento pelos interessados. As manifestações
serão analisadas e as contestações julgadas pelo
Departamento do Patrimônio Material e Fiscalização -
DEPAM/IPHAN, no prazo de 30 (trinta) dias, mediante
prévia oitiva da Procuradoria Federal, remetendo-se o
processo administrativo para deliberação ao Conselho
Consultivo do Patrimônio Cultural. Aprovada a chancela
da Paisagem Cultural Brasileira pelo Conselho
Consultivo do Patrimônio Cultural, a súmula da decisão
65
será publicada no Diário Oficial da União, sendo o
processo administrativo remetido pelo Presidente do
IPHAN para homologação final do Ministro da Cultura.
A aprovação da chancela da Paisagem Cultural
Brasileira pelo Conselho Consultivo do Patrimônio
Cultural será comunicada aos Estados-membros e
Municípios onde a porção territorial estiver localizada,
dando-se ciência ao Ministério Público Federal e
Estadual, com ampla publicidade do ato por meio da
divulgação nos meios de comunicação pertinentes. O
acompanhamento da Paisagem Cultural Brasileira
chancelada compreende a elaboração de relatórios de
monitoramento das ações previstas e de avaliação
periódica das qualidades atribuídas ao bem. A chancela
da Paisagem Cultural Brasileira deve ser revalidada
num prazo máximo de 10 anos. O processo de revalidação
será formalizado e instruído a partir dos relatórios de
monitoramento e de avaliação, juntando-se
manifestações das instâncias regional e local, para
deliberação pelo Conselho Consultivo do Patrimônio
Cultural. A decisão do Conselho Consultivo do
Patrimônio Cultural a propósito da perda ou manutenção
da chancela da Paisagem Cultural Brasileira será
publicada no Diário Oficial da União, dando-se ampla
66
divulgação ao ato nos meios de comunicação pertinentes.
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
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2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 jul. 2015.
__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de
1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 jul. 2015.
__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 jul. 2015.
__________. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009.
Institui o Estatuto de Museus e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em
67
26 jul. 2015.
__________. Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009.
Cria o Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM, cria 425
(quatrocentos e vinte e cinco) cargos efetivos do Plano
Especial de Cargos da Cultura, cria Cargos em Comissão
do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS e
Funções Gratificadas, no âmbito do Poder Executivo
Federal, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br >. Acesso em 26 jul. 2015.
__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível
em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 26 jul. 2015.
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Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 26
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classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
problemática sobre a existência ou a inexistência das
classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente
misto. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 968.
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Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São
Paulo: Editora Saraiva, 2012.
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Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.
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Conforme o Novo Código Florestal e a Lei
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do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 26 jul. 2015.
69
DA EDIFICAÇÃO DA UNIVERSALIZAÇÃO DO
ACESSO AO PATRIMÔNIO CULTURAL:
PONDERAÇOES À LEI Nº 12.343/2010
Resumo: O objetivo do presente está assentado
na análise da edificação da universalização do
acesso ao patrimônio cultural à luz Lei nº 12.343,
de 02 de dezembro de 2010. Cuida salientar que o
meio ambiente cultural é constituído por bens
culturais, cuja acepção compreende aqueles que
possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra
anotar que a cultura identifica as sociedades
humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa
interação entre homem e natureza, porquanto
aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e
percepção são conformadas pela sua cultural. A
cultura brasileira é o resultado daquilo que era
próprio das populações tradicionais indígenas e
70
das transformações trazidas pelos diversos
grupos colonizadores e escravos africanos. Nesta
toada, ao se analisar o meio ambiente cultural,
enquanto complexo macrossistema, é perceptível
que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e
imateriais portadores de referência à memória, à
ação e à identidade dos distintos grupos
formadores da sociedade brasileira. O conceito de
patrimônio histórico e artístico nacional abrange
todos os bens moveis e imóveis, existentes no
País, cuja conservação seja de interesse público,
por sua vinculação a fatos memoráveis da
História pátria ou por seu excepcional valor
artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental.
Palavras-chaves: Patrimônio Cultural.
Universalização do Acesso à Cultura. Tutela
Jurídica.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves
notas à construção teórica da Ramificação
Ambiental do Direito; 2 Comentários à concepção
de Meio Ambiente; 3 Meio Ambiente e
Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios; 4 O
Plano Nacional de Cultura em análise: Primeiros
Comentários à Lei nº 12.343/2010; 5 Da
Edificação da Universalização do Acesso ao
Patrimônio Cultural: Ponderações à Lei nº
12.343/2010
71
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA
RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
72
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”45. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
45 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 12
mar. 2015, s.p.
73
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”46. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
46 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
12 mar. 2015.
74
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”47. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
47 VERDAN, 2009, s.p.
75
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”48. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
48 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 12 mar. 2015.
76
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de
direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,
contemplando, em sua estrutura, uma patente
preocupação com o destino da humanidade49·. Ora, daí se
verifica a inclusão de meio ambiente como um direito
fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com
humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que
abriga em sua redação tais pressupostos como os
princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária”50.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
49 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 50 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 mar. 2015.
77
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível51.
51 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
78
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”52. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 12 mar. 2015. 52 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
79
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198153,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
53 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 mar. 2015.
80
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos
apresentados por José Afonso da Silva, considera-se
meio-ambiente como “a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”54.
Nesta senda, ainda, Fiorillo55, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
54 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 55 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
81
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal56.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
56 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 12 mar.
2015.
82
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”57.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 198858 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
57 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 58 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 mar. 2015: “Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
83
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade59.
59 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
84
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 12 mar. 2015.
85
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
86
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
87
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Quadra salientar que o meio ambiente cultural
é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao lado
disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu
88
meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas
pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado
daquilo que era próprio das populações tradicionais
indígenas e das transformações trazidas pelos diversos
grupos colonizadores e escravos africanos”60. Desta
maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela
como instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
60 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 12 mar. 2015, p.
15-16.
89
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”61. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
61 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
90
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
91
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”62. Esses aspectos
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
62 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 12 mar.
2015.
92
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”63, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200064,
que institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo65, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se,
segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo66, que
os bens que constituem o denominado patrimônio
cultural consistem na materialização da história de um
63 BROLLO, 2006, p. 33. 64 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 mar. 2015. 65 BROLLO, 2006, p. 33. 66 FIORILLO, 2012, p. 80.
93
povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação
de seus valores culturais, os quais têm o condão de
substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos
insertos em uma determinada comunidade. Necessário se
faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto
seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em
razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado
de valor especial, notadamente em decorrência de
produzir um sentimento de identidade no grupo em que
se encontra inserido, bem como é propiciada a constante
evolução fomentada pela atenção à diversidade e à
criatividade humana.
4 O PLANO NACIONAL DE CULTURA EM
ANÁLISE: PRIMEIROS COMENTÁRIOS À LEI Nº
12.343/2010
Em um primeiro momento, cuida assinalar que
o Plano Nacional de Cultura reflete os ideários
axiológicos encerrados no artigo 215, §3º, da Constituição
da República Federativa do Brasil de 198867, sendo
norteado pelos seguintes preceitos: (i) liberdade de
67 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 mar. 2015.
94
expressão, criação e fruição; (ii) diversidade cultural; (iii)
respeito aos direitos humanos; (iv) direito de todos à arte
e à cultura; (v) direito à informação, à comunicação e à
crítica cultural; (vi) direito à memória e às tradições; (vii)
responsabilidade socioambiental; (viii) valorização da
cultura como vetor do desenvolvimento sustentável; (ix)
democratização das instâncias de formulação das
políticas culturais; (x) responsabilidade dos agentes
públicos pela implementação das políticas culturais; (xi)
colaboração entre agentes públicos e privados para o
desenvolvimento da economia da cultura; (xii)
participação e controle social na formulação e
acompanhamento das políticas culturais. Igualmente, a
Lei nº 12.343, de 02 de Dezembro de 201068, que institui
o Plano Nacional de Cultura – PNC, cria o Sistema
Nacional de Informações e Indicadores Culturais –
SNIIC e dá outras providências, em seu artigo 2º,
estabelece que são objetivos: (i) reconhecer e valorizar a
diversidade cultural, étnica e regional brasileira; (ii)
proteger e promover o patrimônio histórico e artístico,
material e imaterial; (iii) valorizar e difundir as criações
68 BRASIL. Lei nº 12.343, de 02 de Dezembro de 2010. Institui o
Plano Nacional de Cultura – PNC, cria o Sistema Nacional de
Informações e Indicadores Culturais – SNIIC e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso
em 12 mar. 2015.
95
artísticas e os bens culturais; (iv) promover o direito à
memória por meio dos museus, arquivos e coleções; (v)
universalizar o acesso à arte e à cultura; (vi) estimular a
presença da arte e da cultura no ambiente
educacional; (vii) estimular o pensamento crítico e
reflexivo em torno dos valores simbólicos; (viii) estimular
a sustentabilidade socioambiental; (ix) desenvolver a
economia da cultura, o mercado interno, o consumo
cultural e a exportação de bens, serviços e conteúdos
culturais; (x) reconhecer os saberes, conhecimentos e
expressões tradicionais e os direitos de seus
detentores; (xi) qualificar a gestão na área cultural nos
setores público e privado; (xii) profissionalizar e
especializar os agentes e gestores culturais; (xiii)
descentralizar a implementação das políticas públicas de
cultura; (xiv) consolidar processos de consulta e
participação da sociedade na formulação das políticas
culturais; (xv) ampliar a presença e o intercâmbio da
cultura brasileira no mundo contemporâneo; (xvi)
articular e integrar sistemas de gestão cultural.
O Plano Nacional de Cultura, ainda, estabelece
uma série de atribuições do Poder Público no que
concerne à tutela da cultura, assentando, em seu artigo
3º, com clareza ofuscante, que compete àquele: (i)
96
formular políticas públicas e programas que conduzam à
efetivação dos objetivos, diretrizes e metas do Plano; (ii)
garantir a avaliação e a mensuração do desempenho do
Plano Nacional de Cultura e assegurar sua efetivação
pelos órgãos responsáveis; (iii) fomentar a cultura de
forma ampla, por meio da promoção e difusão, da
realização de editais e seleções públicas para o estímulo a
projetos e processos culturais, da concessão de apoio
financeiro e fiscal aos agentes culturais, da adoção de
subsídios econômicos, da implantação regulada de fundos
públicos e privados, entre outros incentivos, nos termos
da lei; (iv) proteger e promover a diversidade cultural, a
criação artística e suas manifestações e as expressões
culturais, individuais ou coletivas, de todos os grupos
étnicos e suas derivações sociais, reconhecendo a
abrangência da noção de cultura em todo o território
nacional e garantindo a multiplicidade de seus valores e
formações; (v) promover e estimular o acesso à produção
e ao empreendimento cultural; a circulação e o
intercâmbio de bens, serviços e conteúdos culturais; e o
contato e a fruição do público com a arte e a cultura de
forma universal; (vi) garantir a preservação do
patrimônio cultural brasileiro, resguardando os bens de
natureza material e imaterial, os documentos históricos,
97
acervos e coleções, as formações urbanas e rurais, as
línguas e cosmologias indígenas, os sítios arqueológicos
pré-históricos e as obras de arte, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de
referência aos valores, identidades, ações e memórias dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.
Igualmente, incumbe, ainda, ao Poder Público:
(i) articular as políticas públicas de cultura e promover a
organização de redes e consórcios para a sua
implantação, de forma integrada com as políticas
públicas de educação, comunicação, ciência e tecnologia,
direitos humanos, meio ambiente, turismo, planejamento
urbano e cidades, desenvolvimento econômico e social,
indústria e comércio, relações exteriores, dentre outras;
(ii) dinamizar as políticas de intercâmbio e a difusão da
cultura brasileira no exterior, promovendo bens culturais
e criações artísticas brasileiras no ambiente
internacional; dar suporte à presença desses produtos
nos mercados de interesse econômico e geopolítico do
País; (iii) organizar instâncias consultivas e de
participação da sociedade para contribuir na formulação
e debater estratégias de execução das políticas públicas
de cultura; (x) regular o mercado interno, estimulando os
produtos culturais brasileiros com o objetivo de reduzir
98
desigualdades sociais e regionais, profissionalizando os
agentes culturais, formalizando o mercado e qualificando
as relações de trabalho na cultura, consolidando e
ampliando os níveis de emprego e renda, fortalecendo
redes de colaboração, valorizando empreendimentos de
economia solidária e controlando abusos de poder
econômico; (xi) coordenar o processo de elaboração de
planos setoriais para as diferentes áreas artísticas,
respeitando seus desdobramentos e segmentações, e
também para os demais campos de manifestação
simbólica identificados entre as diversas expressões
culturais e que reivindiquem a sua estruturação
nacional; (xii) incentivar a adesão de organizações e
instituições do setor privado e entidades da sociedade
civil às diretrizes e metas do Plano Nacional de Cultura
por meio de ações próprias, parcerias, participação em
programas e integração ao Sistema Nacional de
Informações e Indicadores Culturais - SNIIC.
Ao lado disso, o artigo 3º69 comina que o
Sistema Nacional de Cultura - SNC, criado por lei
específica, será o principal articulador federativo do
69 BRASIL. Lei nº 12.343, de 02 de Dezembro de 2010. Institui o
Plano Nacional de Cultura – PNC, cria o Sistema Nacional de
Informações e Indicadores Culturais – SNIIC e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso
em 12 mar. 2015.
99
PNC, estabelecendo mecanismos de gestão
compartilhada entre os entes federados e a sociedade
civil. A vinculação dos Estados, Distrito Federal e
Municípios às diretrizes e metas do Plano Nacional de
Cultura far-se-á por meio de termo de adesão voluntária,
na forma do regulamento. Ademais, os entes da
Federação que aderirem ao Plano Nacional de Cultura
deverão elaborar os seus planos decenais até 1 (um) ano
após a assinatura do termo de adesão voluntária. O
Poder Executivo federal, observados os limites
orçamentários e operacionais, poderá oferecer assistência
técnica e financeira aos entes da federação que aderirem
ao Plano, nos termos de regulamento. Segundo o texto
legal, poderão colaborar com o Plano Nacional de
Cultura, em caráter voluntário, outros entes, públicos e
privados, tais como empresas, organizações corporativas
e sindicais, organizações da sociedade civil, fundações,
pessoas físicas e jurídicas que se mobilizem para a
garantia dos princípios, objetivos, diretrizes e metas do
PNC, estabelecendo termos de adesão específicos. Por
derradeiro, o artigo supramencionado estabelece que o
Ministério da Cultura exercerá a função de coordenação
executiva do Plano Nacional de Cultura - PNC, conforme
esta Lei, ficando responsável pela organização de suas
100
instâncias, pelos termos de adesão, pela implantação do
Sistema Nacional de Informações e Indicadores
Culturais - SNIIC, pelo estabelecimento de metas, pelos
regimentos e demais especificações necessárias à sua
implantação.
O Plano Nacional de Cultura estabelece, ao
versar acerca do Sistema de Monitoramento e Avaliação,
que compete ao Ministério da Cultura monitorar e
avaliar periodicamente o alcance das diretrizes e eficácia
das metas do Plano Nacional de Cultura com base em
indicadores nacionais, regionais e locais que
quantifiquem a oferta e a demanda por bens, serviços e
conteúdos, os níveis de trabalho, renda e acesso da
cultura, de institucionalização e gestão cultural, de
desenvolvimento econômico-cultural e de implantação
sustentável de equipamentos culturais. Neste aspecto,
ainda, o processo de monitoramento e avaliação do PNC
contará com a participação do Conselho Nacional de
Política Cultural, tendo o apoio de especialistas, técnicos
e agentes culturais, de institutos de pesquisa, de
universidades, de instituições culturais, de organizações
e redes socioculturais, além do apoio de outros órgãos
colegiados de caráter consultivo, na forma do
regulamento. Por sua vez, o Sistema Nacional de
101
Informações e Indicadores Culturais - SNIIC, instituído
pelo artigo 9º70, é dotado dos seguintes objetivos: (i)
coletar, sistematizar e interpretar dados, fornecer
metodologias e estabelecer parâmetros à mensuração da
atividade do campo cultural e das necessidades sociais
por cultura, que permitam a formulação, monitoramento,
gestão e avaliação das políticas públicas de cultura e das
políticas culturais em geral, verificando e racionalizando
a implementação do PNC e sua revisão nos prazos
previstos; (ii) disponibilizar estatísticas, indicadores e
outras informações relevantes para a caracterização da
demanda e oferta de bens culturais, para a construção de
modelos de economia e sustentabilidade da cultura, para
a adoção de mecanismos de indução e regulação da
atividade econômica no campo cultural, dando apoio aos
gestores culturais públicos e privados; (iii) exercer e
facilitar o monitoramento e avaliação das políticas
públicas de cultura e das políticas culturais em geral,
assegurando ao poder público e à sociedade civil o
acompanhamento do desempenho do PNC.
Por fim, o Sistema Nacional de Informações e
70 BRASIL. Lei nº 12.343, de 02 de Dezembro de 2010. Institui o
Plano Nacional de Cultura – PNC, cria o Sistema Nacional de
Informações e Indicadores Culturais – SNIIC e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso
em 12 mar. 2015.
102
Indicadores Culturais - SNIIC terá as seguintes
características: (i) obrigatoriedade da inserção e
atualização permanente de dados pela União e pelos
Estados, Distrito Federal e Municípios que vierem a
aderir ao Plano; (ii) caráter declaratório; (iii) processos
informatizados de declaração, armazenamento e extração
de dados; (iv) ampla publicidade e transparência para as
informações declaradas e sistematizadas,
preferencialmente em meios digitais, atualizados
tecnologicamente e disponíveis na rede mundial de
computadores. O declarante será responsável pela
inserção de dados no programa de declaração e pela
veracidade das informações inseridas na base de
dados. As informações coletadas serão processadas de
forma sistêmica e objetiva e deverão integrar o processo
de monitoramento e avaliação do PNC. O Ministério da
Cultura poderá promover parcerias e convênios com
instituições especializadas na área de economia da
cultura, de pesquisas socioeconômicas e demográficas
para a constituição do Sistema Nacional de Informações
e Indicadores Culturais - SNIIC.
5 DA EDIFICAÇÃO DA UNIVERSALIZAÇÃO DO
ACESSO AO PATRIMÔNIO CULTURAL:
103
PONDERAÇÕES À LEI Nº 12.343/2010
O acesso à arte e à cultura, à memória e ao
conhecimento é um direito constitucional e condição
fundamental para o exercício pleno da cidadania e para a
formação da subjetividade e dos valores sociais. É
necessário, para tanto, ultrapassar o estado de carência e
falta de contato com os bens simbólicos e conteúdos
culturais que as acentuadas desigualdades
socioeconômicas produziram nas cidades brasileiras, nos
meios rurais e nos demais territórios em que vivem as
populações. Igualmente, é carecido ampliar o horizonte
de contato de nossa população com os bens simbólicos e
os valores culturais do passado e do presente,
diversificando as fontes de informação. Isso requer a
qualificação dos ambientes e equipamentos culturais em
patamares contemporâneos, aumento e diversificação da
oferta de programações e exposições, atualização das
fontes e canais de conexão com os produtos culturais e a
ampliação das opções de consumo cultural
doméstico. Faz-se premente, assim, diversificar a ação do
Estado, gerando suporte aos produtores das diversas
manifestações criativas e expressões simbólicas,
alargando as possibilidades de experimentação e criação
104
estética, inovação e resultado. Isso pressupõe novas
conexões, formas de cooperação e relação institucional
entre artistas, criadores, mestres, produtores, gestores
culturais, organizações sociais e instituições locais. Por
derradeiro, na busca da universalização do acesso ao
patrimônio cultural, Estado e sociedade devem pactuar
esforços para garantir as condições necessárias à
realização dos ciclos que constituem os fenômenos
culturais, fazendo com que sejam disponibilizados para
quem os demanda e necessita.
Entre as estratégias e ações para a
universalização do acesso ao patrimônio cultural, pode-se
estabelecer, como objetivo geral, ampliar e diversificar as
ações de formação e fidelização de público, a fim de
qualificar o contato com e a fruição das artes e das
culturas, brasileiras e internacionais e aproximar as
esferas de recepção pública e social das criações
artísticas e expressões culturais. A título de objetivos
específicos: (i) promover o financiamento de políticas de
formação de público, para permitir a disponibilização de
repertórios, de acervos, de documentos e de obras de
referência, incentivando projetos e ações; (ii) criar
programas e subsídios para a ampliação de oferta e
redução de preços estimulando acesso aos produtos, bens
105
e serviços culturais, incorporando novas tecnologias da
informação e da comunicação nessas estratégias; (iii)
estimular as associações de amigos, clubes, associações,
sociedades e outras formas comunitárias que
potencializem o acesso a bens e serviços em
equipamentos culturais (iv) identificar e divulgar, por
meio de seleções, prêmios e outras formas de incentivo,
iniciativas de formação, desenvolvimento de arte
educação e qualificação da fruição cultural; (v) ampliar o
acesso à fruição cultural, por meio de programas voltados
a crianças, jovens, idosos e pessoas com deficiência,
articulando iniciativas como a oferta de transporte,
descontos e ingressos gratuitos, ações educativas e
visitas a equipamentos culturais; (vi) implantar, em
parceria com as empresas empregadoras, programas de
acesso à cultura para o trabalhador brasileiro, que
permitam a expansão do consumo e o estímulo à
formalização do mercado de bens, serviços e conteúdos
culturais.
São, ainda, objetivos específicos: (vii) promover
a integração entre espaços educacionais, esportivos,
praças e parques de lazer e culturais, com o objetivo de
aprimorar as políticas de formação de público,
especialmente na infância e juventude; (viii) estimular e
106
fomentar a instalação, a manutenção e a atualização de
equipamentos culturais em espaços de livre acesso,
dotando-os de ambientes atrativos e de dispositivos
técnicos e tecnológicos adequados à produção, difusão,
preservação e intercâmbio artístico e cultural,
especialmente em áreas ainda desatendidas e com
problemas de sustentação econômica; (ix) garantir que os
equipamentos culturais ofereçam infraestrutura,
arquitetura, design, equipamentos, programação, acervos
e atividades culturais qualificados e adequados às
expectativas de acesso, de contato e de fruição do público,
garantindo a especificidade de pessoas com necessidades
especiais; (x) estabelecer e fomentar programas de
amparo e apoio à manutenção e gestão em rede de
equipamentos culturais, potencializando investimento e
garantindo padrões de qualidade; (xi) instalar espaços de
exibição audiovisual nos centros culturais, educativos e
comunitários de todo o País, especialmente aqueles
localizados em áreas de vulnerabilidade social ou de
baixos índices de acesso à cultura, disponibilizando
aparelhos multimídia e digitais e promovendo a
expansão dos circuitos de exibição; (xii) reabilitar os
teatros, praças, centros comunitários, bibliotecas,
cineclubes e cinemas de bairro, criando programas
107
estaduais e municipais de circulação de produtos,
circuitos de exibição cinematográfica, eventos culturais e
demais programações; (xiii) mapear espaços ociosos,
patrimônio público e imóveis da União, criando
programas para apoiar e estimular o seu uso para a
realização de manifestações artísticas e culturais,
espaços de ateliês, plataformas criativas e núcleos de
produção independente.
Por derradeiro, são, ainda, objetivos
específicos: (xiv) fomentar unidades móveis com
infraestrutura adequada à criação e à apresentação
artística, oferta de bens e produtos culturais, atendendo
às comunidades de todas as regiões brasileiras,
especialmente de regiões rurais ou remotas dos centros
urbanos; (xv) estabelecer critérios técnicos para a
construção e reforma de equipamentos culturais,
bibliotecas, praças, assim como outros espaços públicos
culturais, dando ênfase à criação arquitetônica e
ao design, estimulando a criação de profissionais
brasileiros e estrangeiros de valor internacional; (xvi)
implantar, ampliar e atualizar espaços multimídia em
instituições e equipamentos culturais, conectando-os em
rede para ampliar a experimentação, criação, fruição e
difusão da cultura por meio da tecnologia digital,
108
democratizando as capacidades técnicas de produção, os
dispositivos de consumo e a recepção das obras e
trabalhos, principalmente aqueles desenvolvidos em
suportes digitais; (xvii) implementar uma política
nacional de digitalização e atualização tecnológica de
laboratórios de produção, conservação, restauro e
reprodução de obras artísticas, documentos e acervos
culturais mantidos em museus, bibliotecas e arquivos,
integrando seus bancos de conteúdos e recursos
tecnológicos; (xviii) garantir a implantação e manutenção
de bibliotecas em todos os Municípios brasileiros como
espaço fundamental de informação, de memória literária,
da língua e do design gráfico, de formação e educação, de
lazer e fruição cultural, expandindo, atualizando e
diversificando a rede de bibliotecas públicas e
comunitárias e abastecendo-as com os acervos mínimos
recomendados pela Unesco, acrescidos de integração
digital e disponibilização de sites de referência; (xix)
estimular a criação de centros de referência e
comunitários voltados às culturas populares, ao
artesanato, às técnicas e aos saberes tradicionais com a
finalidade de registro e transmissão da memória,
desenvolvimento de pesquisas e valorização das tradições
locais; (xx) estabelecer parcerias entre o poder público,
109
escritórios de arquitetura e design, técnicos e
especialistas, artistas, críticos e curadores, produtores e
empresários para a manutenção de equipamentos
culturais que abriguem a produção contemporânea e
reflitam sobre ela, motivando a pesquisa contínua de
linguagens e interações destas com outros campos das
expressões culturais brasileiras; e (xxi) fomentar a
implantação, manutenção e qualificação dos museus nos
Municípios brasileiros, com o intuito de preservar e
difundir o patrimônio cultural, promover a fruição
artística e democratizar o acesso, dando destaque à
memória das comunidades e localidades.
Figura, ainda, como estratégia, o
estabelecimento de redes de equipamentos culturais
geridos pelo poder público, pela iniciativa privada, pelas
comunidades ou por artistas e grupos culturais, de forma
a propiciar maior acesso e o compartilhamento de
programações, experiências, informações e acervos. Para
tanto, é necessário: (i) estimular a formação de redes de
equipamentos públicos e privados conforme os perfis
culturais e vocações institucionais, promovendo
programações diferenciadas para gerações distintas,
principalmente as dedicadas às crianças e aos jovens; e
(ii) atualizar e ampliar a rede de centros técnicos de
110
produção e finalização de produtos culturais,
aumentando suas capacidades de operação e
atendimento, promovendo a articulação com redes de
distribuição de obras, sejam as desenvolvidas em
suportes tradicionais, sejam as multimídias,
audiovisuais, digitais e desenvolvidas por meio de novas
tecnologias. É computado, também, como estratégia para
a universalização do acesso à cultura a organização, em
rede, da infraestrutura de arquivos, bibliotecas, museus
e outros centros de documentação, atualizando os
conceitos e os modelos de promoção cultural, gestão
técnica profissional e atendimento ao público, reciclando
a formação e a estrutura institucional, ampliando o
emprego de recursos humanos inovadores, de tecnologias
e de modelos de sustentabilidade econômica, efetivando a
constituição de uma rede nacional que dinamize esses
equipamentos públicos e privados.
Ademais, para que haja a concreção do
sobredito escopo, é imprescindível: (i) instituir programas
em parceria com a iniciativa privada e organizações civis
para a ampliação da circulação de bens culturais
brasileiros e abertura de canais de prospecção e
visibilidade para a produção jovem e independente,
disponibilizando-a publicamente por meio da captação e
111
transmissão de conteúdos em rede, dando acesso público
digital aos usuários e consumidores; (ii) garantir a
criação, manutenção e expansão da rede de
universidades públicas, desenvolvendo políticas públicas
e a articulação com as pró-reitorias de cultura e
extensão, para os equipamentos culturais universitários,
os laboratórios de criação artística e experimentação
tecnológica, os cursos e carreiras que formam criadores e
interagem com o campo cultural e artístico,
principalmente nas universidades públicas e centros de
formação técnica e profissionalizante; (iii) desenvolver
redes e financiar programas de incorporação de design,
tecnologias construtivas e de materiais, inovação e
sustentabilidade para a qualificação dos equipamentos
culturais brasileiros, permitindo construir espaços de
referência que disponibilizem objetos projetados por
criadores brasileiros históricos. Qualificar em rede as
livrarias e os cafés presentes nesses equipamentos,
ampliando a relação do público com as soluções
ergonômicas e técnicas desenvolvidas no País
pelo design.
112
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
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classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
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115
TESSITURAS À PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS
BENS CULTURAIS: A UNIVERSALIDADE DO MEIO
AMBIENTE CULTURAL
Resumo: Em sede de comentários introdutórios,
cuida salientar que o meio ambiente cultural é
constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. A
cultura brasileira é o resultado daquilo que era
próprio das populações tradicionais indígenas e das
transformações trazidas pelos diversos grupos
colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se
analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo
macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo,
abstrato, fluído, constituído por bens culturais
materiais e imateriais portadores de referência à
memória, à ação e à identidade dos distintos grupos
formadores da sociedade brasileira. O conceito de
116
patrimônio histórico e artístico nacional abrange
todos os bens moveis e imóveis, existentes no País,
cuja conservação seja de interesse público, por sua
vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou
por seu excepcional valor artístico, arqueológico,
etnográfico, bibliográfico e ambiental. Imerso nas
ponderações aventadas até o momento, cuida elucidar
que a proteção de um patrimônio mundial, cultural e
natural, pode ser insuficiente em escala nacional,
porquanto, corriqueiramente, é necessária a utilização
de recursos econômicos de grande vulto. No mais, não
é possível suprimir a premissa que o desaparecimento
e a degradação de um bem do patrimônio cultural e
natural afigura um empobrecimento nefasto do
patrimônio de todos os povos do mundo.
Palavras-chaves: Meio Ambiente Cultural. Proteção
Internacional. Bens Culturais
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas
à construção teórica do Direito Ambiental; 2
Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3 Meio
Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 4 Proteção Internacional dos Bens
Culturais
117
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DIREITO
AMBIENTAL
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
118
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”71. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
71 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 04 ago.
2013.
119
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”72. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
72 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
04 ago. 2013.
120
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”73. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
73 VERDAN, 2009, s.p.
121
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”74. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
74 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 04 ago. 2013.
122
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os
direitos que constituem a terceira dimensão recebem a
alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de
solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma
patente preocupação com o destino da humanidade75.
Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um
direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado
com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga
em sua redação tais pressupostos como os princípios
fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.
3º - Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,
justa e solidária”76.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
75 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 76 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 04 ago. 2013.
123
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível77.
77 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
124
“Têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”78. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e
tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução
e concretização dos direitos fundamentais. Verifica-se,
neste cenário, a concreção dos ideários de solidariedade,
ultrapassando a individualidade egoística que tendia a
qualificar os direitos humanos construídos,
sensibilizando-se para uma realidade coletiva,
ultrapassando a premissa da sociedade como constituída
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 04 ago. 2013. 78 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
125
por um grupamento de indivíduos, imprimindo a
fraternidade como traço caracterizador.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198179,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos de
79 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 04 ago. 2013.
126
Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do
conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que
propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em
todas as suas formas”80.
Nesta senda, ainda, Fiorillo81, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
[...] o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
80 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 81 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
127
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal82.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
82 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 04 ago.
2013.
128
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”83.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 198884 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
83 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 84 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 04 ago. 2013: “Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
129
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade85.
85 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
130
O termo “todos”, aludido na redação do
caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 04 ago. 2013.
131
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
132
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
133
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Em sede de comentários introdutórios, cuida
salientar que o meio ambiente cultural é constituído por
bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que
possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que
a cultura identifica as sociedades humanas, sendo
formada pela história e maciçamente influenciada pela
natureza, como localização geográfica e clima. Com
efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa
interação entre homem e natureza, porquanto aquele
constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são
conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o
134
resultado daquilo que era próprio das populações
tradicionais indígenas e das transformações trazidas
pelos diversos grupos colonizadores e escravos
africanos”86. Desta maneira, cuida reconhecer que a
proteção do patrimônio cultural se revela como
instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
86 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 04 ago. 2013, p.
15-16.
135
ambiental”87. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
87 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
136
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de
dunas que encobriam sítios arqueológicos
deve indenizar pelos prejuízos causados ao
meio ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
137
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”88. Esses aspectos
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. No mais, insta salientar que “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
88 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 04 ago.
2013.
138
grupos em função de seu ambiente”89, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
Ao lado do explicitado, pontuar faz-se mister
que o Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200090, que
institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo91, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio.
Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por
Fiorillo92, que os bens que constituem o denominado
89 BROLLO, 2006, p. 33. 90 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 04 ago. 2013. 91 BROLLO, 2006, p. 33. 92 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 80.
139
patrimônio cultural consistem na materialização da
história de um povo, de todo o caminho de sua formação e
reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o
condão de substancializar a identidade e a cidadania dos
indivíduos insertos em uma determinada comunidade.
No mais, necessário faz-se salientar que o meio-ambiente
cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-
ambiente humano em razão do aspecto cultural que o
caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente
em decorrência de produzir um sentimento de identidade
no grupo em que se encontra inserido, bem como é
propiciada a constante evolução fomentada pela atenção
à diversidade e à criatividade humana.
4 PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS BENS
CULTURAIS
Imerso nas ponderações aventadas até o
momento, cuida elucidar que a proteção de um
patrimônio mundial, cultural e natural, pode ser
insuficiente em escala nacional, porquanto,
corriqueiramente, é necessária a utilização de recursos
econômicos de grande vulto. Desta feita, objetivando
minorar as ameaças de degradação e evitar, via de
140
consequência, o desaparecimento daquilo que reflete uma
determinada identidade cultural, fez-se imprescindível
instituir a proteção internacional dos bens culturais. No
mais, não é possível suprimir a premissa que o
desaparecimento e a degradação de um bem do
patrimônio cultural e natural afigura um
empobrecimento nefasto do patrimônio de todos os povos
do mundo. Neste sentido, é possível trazer à colação o
preâmbulo da Convenção relativa à Proteção do
Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, de 06 de
Novembro de 1972, que, com clareza solar, explicita que:
Constatando que o patrimônio cultural e o
patrimônio natural encontram-se cada vez
mais ameaçados de destruição não somente
devido a causas naturais de degradação,
mas também pelo desenvolvimento social e
econômico agravado por fenômenos de
alteração ou de destruição ainda mais
preocupantes; Considerando que a
degradação ou o desaparecimento de um
bem cultural e natural acarreta um
empobrecimento irreversível do patrimônio
de todos os povos do mundo; Considerando
que a proteção desse patrimônio em âmbito
nacional é muitas vezes insatisfatório
devido à magnitude dos meios necessários e
à insuficiência dos recursos financeiros,
científicos e técnicos do país em cujo
território se localiza o bem a ser
salvaguardado, [...] Considerando que as
convenções, recomendações e resoluções
internacionais dedicadas à proteção dos
bens culturais e naturais mostram a
141
importância que constitui, para os povos do
mundo, a salvaguarda desses bens únicos e
insubstituíveis independentemente do povo
ao qual pertençam; Considerando que
determinados bens do patrimônio cultural e
natural são detentores de excepcional
interesse, que exige sua preservação
enquanto elemento do patrimônio de toda
humanidade; Considerando que frente à
amplitude e à gravidade dos novos perigos
que os ameaçam, incumbe à coletividade
internacional participar da proteção do
patrimônio cultural e natural de valor
universal excepcional, prestando assistência
coletiva que, sem substituir a ação do
Estado interessado, a completará
eficazmente; Considerando que para isto é
indispensável adotar novas disposições
convencionais, que estabeleçam um sistema
eficaz de proteção coletiva do patrimônio
cultural e natural de valor universal
excepcional organizadas de modo
permanente, e segundo métodos científicos e
modernos93.
Cuida salientar que a proteção internacional
dos bens culturais é promovida por meio da Convenção
Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e
Natural, sendo introduzida no ordenamento jurídico.
Neste passo, o procedimento para inscrição do bem na
lista do patrimônio cultural e natural mundial observa
quatro fases. A primeira fase consiste na identificação do
93 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Convenção relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural. Disponível em: <http://sigep.cprm.gov.br/Convencao_1972.htm>. Acesso em 04 ago. 2013.
142
bem, incumbindo ao Estado integrante da convenção e
interessado em promover a inscrição de um bem alocado
em seu território confecciona um inventário dos bens. Ao
depois, será feita a proposta de inscrição, devendo
especificar o bem, assim como descrever sua situação,
fornecendo informações e indicando os critérios nos quais
ele se enquadra para ser efetivamente inscrito. Por sua
vez, a terceira etapa reside na avaliação, incumbindo ao
centro do patrimônio mundial verificar se as
formalidades foram preenchidas, encaminhando, em
seguida, a documentação para o órgão técnico
especializado, o qual deverá opinar sobre o valor
universal excepcional do bem.
A última etapa consiste na decisão, a qual, em
consonância com o parecer das agências especializadas, o
bem é recomendado para o comitê, a quem cabe a decisão
final, aceitando ou rejeitando o bem proposto. “A
apresentação de novas propostas de inscrição encerra-se
em 1º de julho de cada ano, e o comitê irá deferir ou
indeferir a proposta de inscrição em dezembro do ano
seguinte”94, de maneira que o procedimento tem a
duração de um ano e meio. Convém apontar que a Lista
do Patrimônio Mundial contém mais de quinhentos bens,
94 FIORILLO, 2012, p. 433.
143
encontrando-se em permanente expansão, eis que a cada
ano por volta de trinta novos sítios são inscritos.
Entretanto, apesar desses números, mencionada relação
não reflete a diversidade cultural e natural do mundo, eis
que monumentos religiosos cristãos, as cidades históricas
e a arquitetura elitista recebem maior representação, ao
passo que outras culturas tradicionais vivas e outras
estruturas monumentais não recebem a mesma
relevância e tratamento.
De igual modo, a convenção estipula, ainda,
que deve ser atualizada e divulgada uma Lista do
Patrimônio Mundial em Perigo. Ao lado disso, os bens
elencados na lista são aqueles que correm perigo, estando
de qualquer forma ameaçados e recebem atenção
especial, de modo que sua conservação exige trabalhos
muito específicos. Cuida salientar que na lista em
comento são feitas claras distinções entre catástrofes
causadas pelos homens como as decorrentes de
fenômenos naturais. No mais, os Estados-partes da
convenção empregam-na para mobilizar assistência
internacional para os projetos de restauração ou chamar
a atenção sobre as consequências de conflitos civis que os
afetam. Neste passo, cristalino é o artigo 5º da
Convenção relativa à Proteção do Patrimônio Mundial,
144
Cultural e Natural, o qual dicciona no sentido que:
Artigo 5º. A fim de assegurar proteção e
conservação eficazes e valorizar de forma
ativa o patrimônio cultural e natural
situado em seu território e em condições
adequadas a cada país, cada Estado-parte
da presente Convenção se empenhará em:
a) adotar uma política geral com vistas a
atribuir uma função ao patrimônio cultural
e natural na vida coletiva e integrar sua
proteção nos programas de planejamento; b)
instituir no seu território, caso não existam,
um ou vários órgãos de proteção,
conservação ou valorização do patrimônio
cultural e natural, dotados de pessoal
capacitado e que disponha de meios que lhes
permitam desempenhar suas atribuições; c)
desenvolver estudos, pesquisas científicas e
técnicas e aperfeiçoar os métodos de
intervenção que permitam ao Estado
enfrentar os perigos que ameaçam seu
patrimônio cultural ou natural; d) tomar as
medidas jurídicas, científicas, técnicas,
administrativas e financeiras cabíveis para
identificar, proteger, conservar, valorizar e
reabilitar o patrimônio; e e) fomentar a
criação ou o desenvolvimento de centros
nacionais ou regionais de formação em
matéria de proteção, conservação ou
valorização do patrimônio cultural e natural
e estimular a pesquisa científica nesse
campo95.
Outra questão a ser destacada refere-se ao
95 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Convenção
relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e
Natural. Disponível em:
<http://sigep.cprm.gov.br/Convencao_1972.htm>. Acesso em 04 ago.
2013
145
Fundo para o Patrimônio Cultural e Natural Mundial em
conjunto com a lista dos bens forma um dos meios para
alcançar os fitos de minimizar as ameaças de destruição
de degradação do patrimônio cultural e natural mundial
da convenção. “Esse fundo é formado pelas contribuições
obrigatórias e voluntárias dos Estados integrantes ou de
qualquer instituição que queira contribuir”96. Entretanto,
a sua existência não tem o condão de retirar a
responsabilidade do Estado de proteger, conservar e
valorizar os bens que integram a lista, utilizando, para
tanto, seus próprios recursos. Tal fato deriva da premissa
que a UNESCO fornecerá aos Estados que precisam
assistência internacional no plano técnico, científico e
financeiro, sendo este último materializado por meio do
Fundo em comento.
REFERÊNCIA:
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Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 04 ago. 2013.
96 FIORILLO, 2012, p. 434.
146
BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000.
Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências. Disponível em:
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