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Revista Urutágua - revista acadêmica multidisciplinar – http://www.urutagua.uem.br/013/13nasi.htm Nº 13 – ago./set./out./nov. 2007 – Quadrimestral – Maringá - Paraná - Brasil - ISSN 1519.6178 Departamento de Ciências Sociais - Universidade Estadual de Maringá (DCS/UEM) O conceito de língua: um contraponto entre a Gramática Normativa e a Lingüística 1 Lara Nasi * Resumo: O conceito de língua perpassa diferentes abordagens teóricas, sem ser consensual. Mesmo entre a gramática tradicional e as teorias que a seguem, podemos encontrar distintas e, até mesmo, contraditórias visões sobre a noção de língua. O projeto de pesquisa “Um percurso teórico sobre a noção de língua”, insere-se no âmbito de uma pesquisa que trata de práticas de escrita e/ou escritura na teoria da análise do discurso. Neste texto, fazemos uma trajetória da noção de língua, partindo das gramáticas tradicionais e passando pelas abordagens de Saussure e de Chomsky, que respectivamente consideram a língua como um sistema de signos, e como um conjunto de sentenças. A partir disso, verificamos que os dicionários lingüísticos abordam a língua a partir dos conceitos dos autores citados, enfatizando sua importância como instrumento de comunicação. A realização dessa trajetória de pesquisa tem como objetivo contrapor essas abordagens à noção de língua em Análise do Discurso. Palavras chave: Língua, gramática normativa, lingüística. The language concept: Traditional Grammar and Linguistics approaches. Abstract: The language concept is explained for different theoretical approaches, without being consensual. When considering the Traditional Grammar and theories after it, we can find other different and even contradictory visions about the language notion. The research project called "Um percurso teórico sobre a noção de língua" (a theoretical course about the language notion) is in ambit of a bigger research, that is about the writing practices, based on Discourse Analysis Theory. In this text, our proposal is to research about the language notion in different theoretical approaches, starting up with the study of traditional grammars. After, we study Saussure's and Chomsky's conceptions; the first of them considers the language as a system of signs while the second one considers it like a set of sentences. In this way, we verify that linguistics dictionaries concept the language based in the notions from the referred authors, but the dictionaries emphasize the language's use as a communication instrument. This research's purpose is opposing these language concepts to the Discourse Analysis notion about it. Key words: language, Traditional Grammar, Linguistics. 1 Este texto é resultado parcial do sub-projeto de pesquisa “Um percurso teórico sobre a noção de língua”, desenvolvido através do programa PIBIC/UNIJUÍ e orientado pela Professora Ercília Ana Cazarin. * Graduanda em Comunicação Social, e bolsista de pesquisa PIBIC/UNIJUÍ em Letras

Conceito de Lingua

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estudo detalhado do conceito de Língua

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  • Revista Urutgua - revista acadmica multidisciplinar http://www.urutagua.uem.br/013/13nasi.htm N 13 ago./set./out./nov. 2007 Quadrimestral Maring - Paran - Brasil - ISSN 1519.6178

    Departamento de Cincias Sociais - Universidade Estadual de Maring (DCS/UEM)

    O conceito de lngua: um contraponto entre a Gramtica Normativa e a Lingstica1

    Lara Nasi*

    Resumo: O conceito de lngua perpassa diferentes abordagens tericas, sem ser consensual. Mesmo entre a gramtica tradicional e as teorias que a seguem, podemos encontrar distintas e, at mesmo, contraditrias vises sobre a noo de lngua. O projeto de pesquisa Um percurso terico sobre a noo de lngua, insere-se no mbito de uma pesquisa que trata de prticas de escrita e/ou escritura na teoria da anlise do discurso. Neste texto, fazemos uma trajetria da noo de lngua, partindo das gramticas tradicionais e passando pelas abordagens de Saussure e de Chomsky, que respectivamente consideram a lngua como um sistema de signos, e como um conjunto de sentenas. A partir disso, verificamos que os dicionrios lingsticos abordam a lngua a partir dos conceitos dos autores citados, enfatizando sua importncia como instrumento de comunicao. A realizao dessa trajetria de pesquisa tem como objetivo contrapor essas abordagens noo de lngua em Anlise do Discurso.

    Palavras chave: Lngua, gramtica normativa, lingstica.

    The language concept: Traditional Grammar and Linguistics approaches.

    Abstract: The language concept is explained for different theoretical approaches, without being consensual. When considering the Traditional Grammar and theories after it, we can find other different and even contradictory visions about the language notion. The research project called "Um percurso terico sobre a noo de lngua" (a theoretical course about the language notion) is in ambit of a bigger research, that is about the writing practices, based on Discourse Analysis Theory. In this text, our proposal is to research about the language notion in different theoretical approaches, starting up with the study of traditional grammars. After, we study Saussure's and Chomsky's conceptions; the first of them considers the language as a system of signs while the second one considers it like a set of sentences. In this way, we verify that linguistics dictionaries concept the language based in the notions from the referred authors, but the dictionaries emphasize the language's use as a communication instrument. This research's purpose is opposing these language concepts to the Discourse Analysis notion about it.

    Key words: language, Traditional Grammar, Linguistics.

    1 Este texto resultado parcial do sub-projeto de pesquisa Um percurso terico sobre a noo de lngua, desenvolvido atravs do programa PIBIC/UNIJU e orientado pela Professora Erclia Ana Cazarin. * Graduanda em Comunicao Social, e bolsista de pesquisa PIBIC/UNIJU em Letras

  • 1. Introduo A possibilidade humana de se comunicar, de interagir no nvel das idias, s possvel com a aquisio desta ferramenta abstrata que a lngua. Se at hoje persistem dvidas para conceitu-la de uma forma correta, ou mesmo sobre o que permite sua assimilao, sua utilizao e ainda questes como por que existem tantas concepes de lngua, podemos ter noo da complexidade da temtica. Assim, para compreender por que a conceituao de lngua no consensual, propomos a construo de um caminho, buscando compreender como diferentes perspectivas tericas abordam a questo da lngua. Faremos isso a partir do vis da Gramtica Normativa e da Lingstica, tratando, em especial, das abordagens de Saussure e Chomsky. A partir disso, buscaremos tambm compreender a noo de lngua na perspectiva terica da Anlise do Discurso.

    Este percurso faz-se necessrio para pensarmos nas implicaes que surgem a partir dessas diferentes abordagens. Pensar a lngua significa pensar tambm nos processos de fala e de escrita, enfim, pensar a linguagem em seu uso. A maneira com que estas vertentes tericas tratam a lngua implicar a maneira como elas percebem esses processos, para os quais a lngua fundamental. Assim, justifica-se o interesse em compreender as distintas noes de lngua.

    2. De que lngua trata a Gramtica Normativa? Comeamos este percurso terico a partir de 1952, com os estudos de Napoleo Mendes de Almeida, publicados na Gramtica metdica da lngua portuguesa. A essa poca a gramtica estava em sua sexta edio. Trinta e seis edies depois, em 1999, a definio de lngua permanecia a mesma na gramtica do autor: Conquanto constitua a linguagem dom comum de todos os homens, nem todos eles se comunicam pelas mesmas palavras. O conjunto de palavras, ou melhor, a linguagem prpria de um povo chama-se lngua ou idioma (op. cit, 1999, p. 17). Podemos perceber que o autor define a lngua quando se dedica a conceituar o que a linguagem, e assim diferencia os dois termos. A noo de lngua parece ento emergir apenas nos aspectos que a diferem da linguagem. Esse processo se repete em inmeras outras gramticas.

    esse o caso de Cunha e Cintra (1985), que tambm conceituam a lngua diferenciando-a da linguagem. Em um captulo especfico dessa gramtica, estabelecem uma distino entre linguagem, lngua e discurso. Assim, a postura terica prxima daquela que nos trazia Mendes de Almeida. Para Cunha e Cintra, a lngua um sistema gramatical pertencente a um grupo de indivduos. Meio atravs do qual uma coletividade se expressa, concebe o mundo e age sobre ele. a utilizao social da faculdade da linguagem (op. cit, p.1). Outro ponto importante na gramtica de Cunha e Cintra que, embora na primeira definio de lngua eles a tratem como um sistema gramatical, a seguir, referem-se lngua como um conjunto de sistemas lingsticos, ou diassistema2. Contrapondo-se a esta viso de conjunto de sistemas, Rocha Lima (2003), apresenta uma noo de lngua como um sistema nico: [A lngua] um sistema: um conjunto organizado e opositivo de relaes, adotado por determinada sociedade para permitir o

    2 O termo utilizado para sinalizar a existncia de distintos subsistemas que constituem cada lngua, levando-se em considerao as diferenas regionais como, por exemplo, dialetos, alm das diferenas que emergem a partir de fatores scio-culturais, e ainda as diferenas entre as modalidades da lngua (escrita, falada etc).

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  • exerccio da linguagem entre os homens (op. cit., p.5). Se h a uma diferena conceitual em relao abordagem terica de Cunha e Cintra, essa diferena relativizada ao percebermos que Rocha Lima demonstra estar de acordo com as definies desses autores, e ainda com a de Mendes de Almeida, considerando a lngua como um fator que permite a realizao da linguagem. Quanto ao fato de tratar-se de um sistema, importante destacar que Rocha Lima trata a lngua como um instrumento de comunicao geral, aceito pelos membros de uma coletividade. Ele ainda pontua que h uma dicotomia entre o que chama de diferenciao e unificao da lngua, j que, embora cada indivduo apresente um estilo (a seleo por ele feita a partir dos recursos da lngua), a lngua no se desfigura, no perde suas caractersticas gerais.

    Bechara (2001), quando se dedica a conceituar lngua, trata de duas possibilidades: a lngua histrica e a lngua funcional. Assim, a lngua seria um produto histrico e, ao mesmo tempo, uma unidade idealizada, devido impossibilidade de alcanar, na realidade, uma lngua que se quer homognea, unitria.

    Esse autor tambm considera que a lngua nunca um sistema nico, mas um conjunto de sistemas, que encerra em si vrias tradies. Uma mesma lngua apresenta diferenas internas: no espao geogrfico, no nvel scio cultural e no estilo ou aspecto expressivo. Nesse sentido, Bechara utiliza uma abordagem muito prxima quela utilizada por Cunha e Cintra, quando esses autores se referem lngua como um diassistema. Importante destacar que, para Bechara, um lngua nunca est plenamente pronta, mas se faz continuamente, devido atividade lingstica.

    Assim, podemos perceber que, para os gramticos, a lngua tida como um sistema, ou conjunto de sistemas. A preocupao em defini-la no uma constante: muitas gramticas no fazem sequer meno a uma conceituao de lngua. Nas gramticas em que esta conceituao est presente, na maioria das vezes, ela surge como um recurso para diferenar a lngua da linguagem, e nesse caso, o foco dos gramticos a linguagem e no a lngua. Curiosamente, as regras a que se dedicam os gramticos esto no nvel da lngua.

    Na Lingstica, a lngua vai ocupar uma outra posio, diferente daquela da gramtica. A lngua tida como um sistema de signos lingsticos que pode ser considerada um fato social, embora este no seja da ordem do histrico social, e sim pelo fato de envolver a massa de falantes. A Lingstica Moderna desenvolveu essa e outras premissas a partir dos estudos de Ferdinand de Saussure, aos quais recorremos a seguir.

    3. A definio de lngua em Saussure Quando Saussure inaugura a Lingstica Moderna, no incio do sculo XX, conhecida a partir da publicao do Curso de lingstica geral, provavelmente o aspecto mais importante de seu estudo inovador seja justamente a definio da lngua como objeto da Lingstica. Saussure afirma que a lingstica constituda por todas as manifestaes da linguagem humana, mas faz uma diferenciao importante dentro da prpria linguagem. Para ele, a linguagem tem duas partes: a lngua, considerada essencial, e a fala, tida como secundria. Poderamos falar dessa distino nos termos langue e parole, ambos introduzidos por Saussure. O primeiro termo, em traos gerais, refere-se lngua como sistema de signos interiorizado culturalmente pelos sujeitos falantes, ao passo que parole (fala) se refere ao ato individual de escolha das palavras para a enunciao do que se deseja.

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  • Saussure ainda diferenciou os aspectos evolutivos, histricos da lngua, a que denominou diacrnicos; e o estudo dos estados de lngua, da relao entre os elementos simultneos, a que denominou sincrnicos.

    Para o autor, a faculdade de constituir uma lngua seria natural ao homem, embora seja ela prpria uma conveno (Saussure, 1970, p.18). Para Saussure, a lngua um sistema de signos lingsticos, no qual, de essencial, s existe a unio do sentido e da imagem acstica, e onde as duas partes do signo so igualmente psquicas (op. cit, p.23).

    A assimilao da lngua pelos grupos sociais explicada pelo autor: A lngua existe na coletividade sob a forma duma soma de sinais depositados em cada crebro, mais ou menos como um dicionrio cujos exemplares, todos idnticos, fossem repartidos entre os indivduos. Trata-se, pois, de algo que est em cada um deles, embora seja comum a todos e independe da vontade dos depositrios (op. cit, p.27).

    Considerando essas afirmaes, possvel entender porque Saussure afirma que os sujeitos, individualmente, no podem criar uma lngua, ou mesmo modificar uma j existente. A lngua um fato social. Ela a parte social da linguagem, exterior ao indivduo, que, por si s, no pode nem cri-la nem modific-la; ela no existe seno em virtude duma espcie de contrato estabelecido entre os membros da comunidade (op. cit, p. 22).

    certo que Saussure inaugurou uma nova forma de pensar a lngua e, com isso, concedeu Lingstica o estatuto de cientificidade. Mas a partir de seus estudos, surgiram muitos outros, que, com diferentes abordagens e recortes tericos, foram desenvolvendo os estudos na rea. Chomsky um dos autores que, embora faa parte da mesma vertente terica que Saussure (estruturalismo), apresenta uma nova teoria, a Gramtica Gerativa, com a qual prope pensar maneiras atravs das quais os indivduos formulam as sentenas.

    4. A definio de lngua em Chomsky Os estudos de Chomsky nos indicam que os seres humanos apresentam uma predisposio gentica que permite a aquisio da linguagem. Assim, ele utiliza o termo estado inicial para caracterizar o que seria um dispositivo de aquisio da lngua (Chomsky, 1998).

    Ora, se todos os seres humanos esto aptos a adquirirem uma lngua, a experincia vivida pelos sujeitos seria um dado de entrada no sistema (permitindo a assimilao de palavras e seus significados) e a lngua propriamente dita, um dado de sada. Assim, para Chomsky, cada lngua em particular uma manifestao especfica do estado inicial uniforme (op. cit. p. 24).

    Perini (1985), numa introduo ao estudo do gerativismo, afirma que, para os gerativistas, a lngua tida como um conjunto de sentenas, sendo cada uma delas formada por uma cadeia de elementos (palavras e morfemas) (op. cit, p.16). Em outras palavras, Chomsky considera que o sujeito que dominar um conjunto finito de regras ser capaz de produzir um nmero infinito de sentenas.

    A teoria que abarca os estudos chomskyanos o gerativismo. Gerativismo porque prope o uso de uma gramtica gerativa, relacionada com as possibilidades de cada lngua de gerar expresses. Assim, para Lyons (1981), os gerativistas esto interessados

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  • no que as lnguas tm em comum, o que representa um retorno antiga tradio da gramtica universal. Ainda para este autor, o corao do gerativismo est na distino entre competncia e desempenho. Perini (1985) nos traz uma explicao bastante didtica para o termo desempenho: O uso que fazemos da lngua, resultado desse complexo de fatores lingsticos e extralingsticos se denomina desempenho. [...] O desempenho , afinal, aquilo que efetivamente realizamos quando falamos (ou quando ouvimos, ou escrevemos ou lemos) (op. cit, p. 27).

    J competncia, afirma o autor, trata-se de um conjunto de normas internalizadas, ou regras, que nos permite emitir, receber e julgar enunciados de nossa lngua (op. cit, p.27).

    Embora os conceitos de desempenho e competncia de Chomsky se assemelhem aos conceitos de langue e parole de Saussure, para Lyons, h uma distino fundamental entre eles. O que Lyons apresenta de comum entre esses conceitos cunhados pelos dois autores que ambos separam o que lingstico do que no . Para o autor recm citado, Saussure apresenta uma tendncia mais psicolgica do que Chomsky. Alm disso, conforme Lyons, a questo principal que na definio dos dois conceitos de Saussure no existe nada que trate sobre as regras para gerar sentenas, o que fundamental em Chomsky, e explcito no seu sistema de competncia e desempenho.

    Se comparssemos a langue de Saussure com a competncia de Chomsky, a diferena fundamental que a langue trata de um sistema interiorizado, e a competncia, embora trate tambm de um sistema interiorizado, trata no dos signos internalizados, mas das regras para gerar os enunciados da lngua. Nas palavras do prprio Chomsky (1978), a distino entre competncia e desempenho realmente est relacionada com a distino langue-parole de Saussure, mas, segundo ele, necessrio rejeitar o seu conceito de langue como sendo meramente um inventrio sistemtico de itens e regressar antes concepo Humboldtiana de competncia subjacente como um sistema de processos generativos (op. cit, p. 84).

    a que reside a principal diferena conceitual entre os dois autores. Para Saussure, a lngua, de forma generalizada, um sistema de signos, e para Chomsky, um conjunto de sentenas. A partir dos estudos desses dois importantes autores no campo na Lingstica, partiremos para o estudo de dicionrios de lingstica para analisarmos como a Lingstica contempornea conceitua a lngua.

    5. A abordagem de dicionrios de Lingstica sobre a noo de lngua A Lingstica atualmente engloba os conceitos cunhados por Saussure, principalmente, mas tambm os de Chomsky. Assim, comum encontrarmos referncia a esses autores nos modernos dicionrios de Lingstica, quando se referem s concepes/noes de lngua.

    O Dicionrio de lingstica e fontica, de Crystal (1988) caracteriza vrios conceitos para o termo lngua. Cita inicialmente o ato concreto de fala como um dos sentidos que a lngua tem, em seu nvel mais especfico. Talvez porque o livro seja traduzido do ingls (em que language significa tanto lngua como linguagem), muitas vezes, aps a palavra lngua, h, entre parnteses a palavra linguagem, indicando a dupla possibilidade de definio. O texto aponta para o fato de que variedades da lngua tambm podem receber essa denominao, como no exemplo de lngua cientfica

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  • (aqui poderia haver a substituio por linguagem).

    O autor registra que o sentido para o termo lngua dado em expresses como lngua-me, ou lngua inglesa, o de um sistema abstrato de signos lingsticos subjacente fala/escrita usadas coletivamente por uma comunidade, e ento se refere noo de langue, de Saussure. Mas tambm afirma que o sentido para lngua pode ser o conhecimento deste sistema por um indivduo, e ento nos remete noo de competncia, de Chomsky (op. cit, p.159). J Dubois et. al. (1993) inicialmente concebe a lngua como um instrumento de comunicao, um sistema de signos especficos aos membros de uma mesma comunidade. O Dicionrio de Lingstica em questo refere-se a termos como lngua materna, lnguas vivas, lnguas mortas, e a distino entre lngua escrita e lngua falada, sendo consideradas cada uma como um sistema singular dentro da prpria lngua.

    Saussure uma referncia importante para a definio de lngua apresentada pelos autores, tendo assim, seus conceitos de lngua, fala e linguagem explicitados. Os autores referem-se lngua como aspecto social, e fala como ato individual. Da soma de ambas, teramos a linguagem. O sistema de signos a que Saussure denomina lngua tambm destacado, como um sistema cujas partes devem ser consideradas em sua solidariedade sincrnica (op. cit, p. 380). Saussure tambm retomado quando os autores explicam que as palavras s significam pela diferena de valores em relao s outras palavras.

    Os estudos saussurianos das relaes sintagmticas so abordados, como a maneira de organizar os elementos da lngua, com as possveis variaes de combinaes e escolha de palavras. Lembramos aqui que, para os estruturalistas, a lngua um complexo de estruturas de naturezas diferentes (op. cit, p. 382).

    Retomando os sintagmas de Saussure, os autores concluem: A lngua , portanto, um sistema de signos cujo funcionamento repousa sobre um certo nmero de regras, de coeres. , portanto, um cdigo que permite estabelecer uma comunicao entre um emissor e um receptor (op. cit, p. 383).

    Apesar de os autores conceberem a lngua como um sistema de signos, conforme a abordagem de Saussure, Chomsky tambm retomado no dicionrio, sendo que os autores aproximam seu conceito de competncia ao de lngua, e o de desempenho ao de fala. Assim, reafirma-se a importncia de Saussure para a definio de lngua desse dicionrio, j que os conceitos chomskyanos so reduzidos comparao com os conceitos de Saussure.

    A partir das definies j mencionadas, os autores trazem ainda um conceito para lngua em que se reconhece a pluralidade de lnguas e dialetos. H aqui o esclarecimento de que

    a noo de lngua uma noo prtica introduzida bem antes que a lingstica se constitusse; o termo foi empregado com valores to diversos pelos lingistas e no-especialistas, que ningum est de acordo com uma definio, que seria, entretanto, essencial estabelecer com preciso (op. cit, p. 384).

    Assim, admitindo-se a no existncia de uma definio clara para a noo de lngua, os autores discutem a relao das lnguas vigentes com as instituies, as maneiras que fazem com que um dialeto ou uma lngua prevalea sobre outro(a).

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  • Diferentes noes de lngua so apresentadas no Dicionrio de linguagem e lingstica de R.L. Trask (2004), tais como: lngua artificial, lngua de sinais, lngua do imigrante, lngua franca, lngua minoritria, lngua morta etc., alm de relaes como lngua e etnicidade, lngua e identidade, lngua e ideologia, lngua e poder dentre outras.

    O autor trata da lngua como objeto central do estudo em Lingstica, na mesma perspectiva de Saussure, o que tambm observamos nos dicionrios j citados. Distingue lngua especfica e lngua em geral, destacando que muitos lingistas acreditam que as vrias lnguas possuem propriedades comuns.

    So citados os estudos de Chomsky, relativos anlise exaustiva de poucas lnguas para identificar princpios abstratos, o que, como indica Trask (op. cit.), criticado por outros lingistas, que consideram essa abordagem estreita e enganadora. O autor resgata os conceitos de lange e parole de Saussure, e de competncia e performance (desempenho) de Chomsky. possvel notar que a descrio de lngua de Trask (op. cit.) muito mais voltada s tcnicas e definies dos lingistas, do que descrio da lngua em si.

    Desta maneira, com base nas definies de lngua encontradas nos trs dicionrios estudados, entendemos que os conceitos de Chomsky e de Saussure nos levam a compreender a lngua como um sistema de signos lingsticos, e tambm como o conhecimento deste sistema pelos indivduos, em sua capacidade de gerar sentenas. Outras abordagens lingsticas, contudo, introduzem aspectos no considerados pelos autores at aqui citados, e passam a pensar a lngua em atos concretos de fala, isto , na realizao da interlocuo humana, sendo que a prpria lngua se constitui como o instrumento fundamental para que esse processo ocorra.

    6. Do sistema da lngua ao funcionamento do discurso No percurso terico que percorremos, foi possvel perceber como o conceito/noo de lngua varia de acordo com a perspectiva terica em questo. Na Gramtica Tradicional, observamos uma viso delimitada, fechada, que considera a lngua como um sistema de regras que permite a realizao da linguagem.

    Saussure problematizou a questo e transformou a lngua no objeto de estudo da Lingstica, dando a esta o estatuto de cincia, tal foi a importncia de seus estudos.

    Chomsky, seguindo a mesma perspectiva de Saussure, inicia os estudos que fundam o campo do gerativismo, introduzindo uma abordagem voltada para a criatividade humana, para a capacidade de gerar/criar sentenas.

    Alguns seguidores da Lingstica Moderna, embora tambm numa perspectiva estruturalista, introduzem novas questes para pensar a lngua, concebendo-a como um instrumento de comunicao, ou como um cdigo que permite que se estabelea a comunicao humana. Isso justifica a afirmao de Dubois (1993), no sentido de que no h uma definio de lngua com a qual todos estejam de acordo. O mesmo autor escreve que seria essencial estabelecer uma definio comum, para avanar nos estudos lingsticos.

    Podemos pensar, no entanto, afastando-nos do que defende esse autor, que a pluralidade de concepes de lngua permite, dentre outras coisas, que aceitemos a diversidade de pontos de vista, bem como de concepes das noes de fala, de escrita, de comunicao, dentre outras.

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  • justamente a partir de distintas vertentes tericas, cada uma com sua importncia, que hoje podemos pensar a lngua como o lugar em que se configura a materialidade do discurso, conforme os estudos desenvolvidos em Anlise do Discurso (AD).

    Se a lngua, atravs das abordagens visitadas nesse texto, concebida como um sistema, a AD vai apresentar uma perspectiva diferenciada. No se trata, no entanto, de negar a idia de sistema, mas de compreender que a lngua a base material para que o discurso ocorra, como afirma Pcheux (1988, p.91), ou seja, para que tratemos do uso e do funcionamento da lngua.

    Conforme Cazarin (2005), o discurso no a lngua nem a fala de Saussure, mas situa-se entre elas, em um lugar particular, porm social (p. 230). Essa autora salienta que Saussure apresenta a lngua como um fato social, mas social no sentido de compartilhada por todos os membros de uma comunidade lingstica. Diferentemente, a AD trata o aspecto social da lngua quando a considera a partir de uma perspectiva histrico-social. O sujeito que enuncia no o faz simplesmente como um ato individual; o lugar do sujeito o lugar de um sujeito histrico, que enuncia a partir de uma posio-sujeito, e afetado pelo inconsciente e pela ideologia. Esta a ruptura introduzida pela AD: uma lngua que perpassa a condio de sistema para ser uma lngua que a base do discurso, e que por isso apresenta tambm espao para o impossvel, para o indizvel na estrutura. o que os analistas do discurso chamam de real da lngua, ou seja, o furo, o lapso, o equvoco ocorrem e so apreendidos na e pela lngua o real da lngua a lngua como ela funciona em situaes de uso, e no na sua abstrao (op. cit. p. 231). A introduo da perspectiva da AD desloca o lugar e a importncia da lngua na realizao de processos discursivos, quer na sua abordagem escrita, quer em outros processos de interlocuo.

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