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tese de doutorado.
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CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DA INFLUÊNCIA DE PEQUENOS DUTOS NA
INFILTRAÇÃO DE CHUVA E INSTABILIDADE DE ENCOSTAS
João Hermem Fagundes Tozatto
TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS
PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS
PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM CIÊNCIAS EM ENGENHARIA
CIVIL.
Aprovada por :
RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL
JUNHO DE 2005
ii
TOZATTO, JOÃO HERMEM FAGUNDES
Contribuição ao estudo da influência de
pequenos dutos na infiltração de chuva e
instabilidade de encostas [Rio de Janeiro] 2005
XII, 241 p. 29,7 cm (COPPE/UFRJ, D.Sc.,
Engenharia Civil, 2005)
Tese - Universidade Federal do Rio de
Janeiro, COPPE
1. Infiltração; 2. Solos não saturados; 3. Análise
Numérica; 4. Estabilidade de encostas; 5. Favela;
6. Lixo.
I. COPPE/UFRJ II. Título ( série )
iii
Às famílias que me apoiaram nessa
longa caminhada.
iv
Agradecimentos
Anderson BORGHETTI Soares ⋅ HÉLCIO Gonçaves de Souza ⋅ Luiz de FRANÇA
Vieira Neto ⋅ MAURO Dias de Souza ⋅ Marcos Pereira Antunes BORORÓ ⋅ Maria da
GLÓRIA M. Rodrigues ⋅ ÁLVARO Augusto Dellê Vianna ⋅ MÁRCIA Monteiro ⋅ Max
TUNINHO Gomes de Souza ⋅ LUIZ CARLOS de Oliveira ⋅ ANDRÉ Salviano ⋅
JOCIANE Rodrigues ⋅ ABDOUL Aziz Diene ⋅ MARCELO Aldaher Magalhães ⋅
ROSANE Chagas Bonelli ⋅ CRISTIANE Correa da Silva ⋅ ALUNOS do CEFET-RJ ⋅
JAIRO A. Leite ⋅ ELISABETH Cornélio ⋅ RITA de Cássia ⋅ WILMA Souza ⋅ GLÓRIA
Quélhas ⋅ FÁBIO dos Santos Oliveira ⋅ ELIOMAR Santos de Souza ⋅ EdiNEIDE Silvina
Vieira ⋅ Maria da PAZ ⋅ LÚCIA Helena Fagundes Tozatto ⋅ ROBERTA Magaldi
Hespanhol Tozatto ⋅ CAIO Hespanhol Tozatto ⋅ HUGO Hespanhol Tozatto ⋅ LORI
Newman ⋅ ROBERTO Diniz ⋅ MACCAFERRI do Brasil ⋅ ORIENTADORES · CNPQ ⋅
FAPERJ ⋅
v
Resumo da Tese apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos necessários
para a obtenção do grau de Doutor em Ciências (D.Sc.)
CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DA INFLUÊNCIA DE PEQUENOS DUTOS NA
INFILTRAÇÃO DE CHUVA E INSTABILIDADE DE ENCOSTAS
João Hermem Fagundes Tozatto
Junho/2005
Orientadores: Francisco de Rezende Lopes
Fernando Artur Brasil Danziger
Programa : Engenharia Civil
O trabalho apresenta a influência de pequenos dutos subverticais na
velocidade de infiltração de água de chuva. Os pequenos dutos podem ter origem
animal, conforme evidências encontradas no campo, ou representarem a ação de
raízes quando depois de seu apodrecimento.
Desenvolveu-se um modelo de laboratório que representa uma camada de solo
influenciada por um duto. Os ensaios foram efetuados com areia de São Francisco
(Niterói, RJ), granulometricamente selecionada e pluviada ao ar. Foram realizados
ensaios com e sem duto, nas condições de solo previamente seco e úmido. O modelo
revelou-se útil não só para a visualização e qualificação do fenômeno como também
para sua quantificação. Os resultados dos ensaios mostraram que os pequenos dutos
promovem um aumento na velocidade de infiltração da água da chuva, associado à
relação entre a área da seção do duto e a da amostra.
Foram realizadas análises numéricas pelo Método dos Elementos Finitos, que
reproduziram satisfatoriamente os resultados dos ensaios levados a cabo no modelo
experimental. Além disto, foram simuladas situações em que o duto recebe água
superficial (água de “run-off”). Nesse caso, os dutos foram modelados como um poço
de recarga e como um elemento vertical de elevada condutividade hidráulica. Estas
últimas análises mostraram um efeito marcante do duto.
Foi proposta uma metodologia, para uso na prática da engenharia, para
considerar a contribuição dos dutos numa análise de infiltração e estabilidade de
encostas.
vi
Abstract of Thesis presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of the
requirements for the degree of Doctor in Science (D.Sc.)
CONTRIBUTION TO THE STUDY OF THE INFLUENCE OF SMALL PIPES ON RAIN
INFILTRATION AND ON INSTABILITY OF NATURAL SLOPES
João Hermem Fagundes Tozatto
June/2005
Advisors: Francisco de Rezende Lopes
Fernando Artur Brasil Danziger
Department: Civil Engineering
This work studies the influence of small subvertical pipes on the rate of rain
infiltration. The small pipes may be produced by insects or animals, as some field
evidences support, or represent the voids of rotten roots.
A laboratory model representing a soil layer influenced by a small pipe has
been developed. São Francisco’s (Niterói, RJ) sand, dry and pluviated was used in all
tests. Tests were performed with and without the pipe and with dry and wet initial
conditions. The model not only produced numerical results, but also allowed a
visualization of the phenomenon in different conditions.
Analyses performed with the Finite Element Method were able to satisfactory
simulate the laboratory tests. The results show that if the action of rain is considered
only by the amount of water that falls directly at the bottom of the pipe, little influence is
obtained. On the other hand, if the pipe receives surface (run-off) water, its influence is
remarkable. These last results were obtained with pipe simulated (a) as a well filled
with water and (b) as a vertical element of high permeability.
A method, for the Engineering practice, for the consideration of the influence of
small pipes on rain infiltration and on slope stability has been proposed.
vii
ÍNDICE
Capítulo 1 - Introdução ............................................................................. 1
1.1 – Considerações Preliminares ............................................................ 1
1.2 – Motivação Inicial da Tese: Estudo de uma Encosta Coberta por
Lixo na Cidade do Rio de Janeiro ............................................................. 3
1.2.1 – Breve histórico do uso e ocupação das encostas da cidade do
Rio de Janeiro ........................................................................................... 3
1.2.2 – Histórico de acidentes geotécnicos com encostas cobertas com
lixo ............................................................................................................. 11
1.2.3 – Caracterização dos resíduos urbanos depositados nas encostas
da cidade ................................................................................................... 13
1.2.4 – Caracterização da encosta estudada ............................................ 18
1.2.4.1 – Localização ................................................................................ 18
1.2.4.2 – Aspectos geológicos-geotécnicos .............................................. 21
1.2.4.3 – Características climáticas ........................................................... 23
1.2.4.3.1 – Clima ....................................................................................... 23
1.2.4.3.2 – Caracterização do regime pluviométrico ................................. 24
1.2.5 – O deslizamento parcial ocorrido no Morro Santa Marta em 2002 . 28
1.2.5.1 – Solo tropical não saturado .......................................................... 28
1.2.5.1.1 – Caracterização ........................................................................ 28
1.2.5.1.2 – Ensaios especiais .................................................................... 30
1.2.5.2 – A geometria do problema ........................................................... 31
Capítulo 2 – A Possível Contribuição da Fauna para a Instabilidade de
Taludes. Objetivos do Trabalho ................................................................ 33
2.1 – Evidências da ação da fauna em uma encosta coberta com lixo .... 33
2.2 – Identificação e aspectos comportamentais da espécie coletada ..... 35
2.3 – Aspectos da estabilidade de taludes ................................................ 39
viii
2.4 – Objetivos do trabalho ....................................................................... 41
Capítulo 3 – Hidrologia e Processos de Instabilidade de Encostas: uma
Revisão ..................................................................................................... 42
3.1 – Aspectos da Hidrologia de encostas ................................................ 42
3.1.1 – Introdução ..................................................................................... 42
3.1.2 – Elementos da hidrologia de encostas ........................................... 43
3.2 – Aspectos de Hidrologia Subterrânea ................................................ 46
3.2.1 – Preliminares .................................................................................. 46
3.2.2 – Solos tropicais ............................................................................... 47
3.2.3 – O elemento de solo não saturado ................................................. 52
3.2.4 – Infiltração e percolação nos solos não saturados ......................... 54
3.2.5 – Regimes de fluxo no solo .............................................................. 56
3.2.6 – O fluxo da água (e do ar) através do solo não saturado ............... 57
3.2.7 – Considerações sobre o coeficiente de permeabilidade em solos
saturados ................................................................................................... 61
3.2.8 – A lei de Darcy para solos não saturados ....................................... 61
3.2.9 – Considerações sobre a condutividade hidráulica em solos não
saturados ................................................................................................... 62
3.2.10 – Medição da condutividade hidráulica .......................................... 64
3.2.11 – Curva característica .................................................................... 65
3.2.12 – Relações empíricas ..................................................................... 69
3.2.13 – Medição da sucção nos solos ..................................................... 73
3.3 – Aspectos da análise de estabilidade de taludes .............................. 74
3.3.1 – Aspectos sobre a resistência ao cisalhamento dos solos não
saturados ................................................................................................... 74
3.3.2 – Deslizamentos ou escorregamentos. Classificação. ..................... 77
3.3.3 – Agentes causadores dos escorregamentos .................................. 80
3.3.4 – Métodos para cálculo de estabilidade de taludes ......................... 83
ix
Capítulo 4 – Estudo Experimental da Influência de Pequenos Dutos na
Infiltração de Água de Chuva .................................................................... 87
4.1 – Introdução ........................................................................................ 87
4.2 - Algumas considerações sobre modelos físicos..... ........................... 87
4.3 - Tanque experimental ........................................................................ 89
4.3.1 – Concepção .................................................................................... 89
4.3.1.1 – O projeto do tanque ................................................................... 90
4.3.1.2 – O pluviador de solo .................................................................... 95
4.3.1.3 – O pluviador de água ................................................................... 98
4.3.2 – Tipos de ensaios realizados .......................................................... 100
4.4 – O solo utilizado na modelagem ........................................................ 101
4.5 – Metodologia dos ensaios .................................................................. 106
4.5.1 – Ensaio tipo 1 .................................................................................. 106
4.5.2 – Ensaio tipo 2 .................................................................................. 106
4.5.3 – Ensaio tipo 3 .................................................................................. 107
4.5.4 – Ensaio tipo 4 .................................................................................. 108
4.6 – Quadro geral de ensaios realizados ................................................. 108
4.7 – A campanha de ensaios ................................................................... 110
4.7.1 – Ensaio tipo 1, número 1................................................................. 110
4.7.2 – Ensaio tipo 2, número 1 ................................................................ 111
4.7.3 – Ensaio tipo 3, número 1 ................................................................ 111
4.7.4 – Ensaio tipo 3, número 2 ................................................................ 112
4.7.5 – Ensaio tipo 4, número 1 ................................................................ 114
4.7.6 – Ensaio tipo 1, número 2 ................................................................ 116
4.7.7 – Ensaio tipo 2, número 2 ................................................................ 117
4.7.8 – Ensaio tipo 2, número 3 ................................................................ 118
4.7.9 – Ensaio tipo 1, número 3 ................................................................ 120
4.7.10 – Ensaio tipo 2, número 4 .............................................................. 120
x
4.7.11 – Ensaio tipo 2, número 5 .............................................................. 121
4.7.12 – Ensaio tipo 3, número 3 .............................................................. 122
4.7.13 – Ensaio tipo 4, número 2 .............................................................. 123
4.7.14 – Ensaio tipo 4, número 3 .............................................................. 124
4.7.15 – Ensaio tipo 3, número 4 .............................................................. 125
4.8 – Ensaios adicionais ............................................................................ 126
4.8.1 – Ensaio tipo 1, número 4 ................................................................ 126
4.8.2 – Ensaio tipo 3, número 5 ................................................................ 127
4.8.3 – Ensaio tipo 5, número 1 ................................................................ 130
4.9 − Análises e conclusões dos ensaios de laboratório ........................... 131
4.9.1 − Repetibilidade ................................................................................ 131
4.9.2 − Análise dos efeitos dos pequenos dutos no regime de fluxo no
solo não saturado ...................................................................................... 136
4.9.2.1 − Comparativo entre ensaios de vazão x tempo ........................... 136
4.9.2.2 − Comparativo entre ensaios de piezometria x tempo .................. 139
4.10 − Outras aplicações para o tanque experimental .............................. 141
Capítulo 5 – Estudos Numéricos ............................................................... 143
5.1 − Introdução ........................................................................................ 143
5.2 − O MEF .............................................................................................. 144
5.3 − O MEF aplicado em problemas de fluxo em solo não saturado ...... 145
5.4 − Modelagem da percolação ............................................................... 146
5.4.1 – Considerações sobre alguns aspectos a serem observados na
modelagem................................................................................................. 146
5.5 – O programa SEEP/W ....................................................................... 148
5.5.1 – Introdução ..................................................................................... 148
5.6 − Estudo do tanque experimental ........................................................ 149
5.6.1 – Introdução ..................................................................................... 149
xi
5.6.2 – Geometria e malha de elementos finitos ....................................... 153
5.6.3 – Casos estudados............................................................................ 155
5.6.3.1 – Caso do maciço de areia sem duto ............................................ 155
5.6.3.1.1 – Medição de vazão (ensaio tipo 1) ........................................... 155
5.6.3.1.2 – Piezometria (ensaio tipo 2) ...................................................... 161
5.6.3.2 – Caso do maciço de areia com duto ............................................ 163
5.6.3.2.1 – Medição de vazão (ensaio tipo 3) ........................................... 163
5.6.3.2.2 – Piezometria (ensaio tipo 4) ...................................................... 167
5.6.4 – Modelagens complementares ....................................................... 169
5.6.4.1 – Caso 2A (duto ampliado) ............................................................ 170
5.6.4.2 – Caso 11 (duto cheio de água do run-off) .................................... 172
5.6.4.3 – Caso 12 (duto preenchido com material drenante) .................... 174
5.6.4.4 – Caso 12A .................................................................................... 176
5.6.5 – Análises dos resultados ................................................................ 178
Capítulo 6 – Proposta de Metodologia de Análise da Influência de
Pequenos Dutos na Estabilidade de Taludes ....................... ................... 181
6.1 – Proposta de metodologia.................................................................. 181
6.2 – Uma aplicação da metodologia.... .................................................... 184
6.2.1 – Obtenção da função de condutividade equivalente ..................... 184
6.2.2 – Modelagem da percolação de água de chuva em um talude......... 185
6.2.3 – Resultados .................................................................................... 190
6.3 – Análise de estabilidade..................................................................... 196
6.3.1 – Objetivos........................................................................................ 196
6.3.2 – O programa SLOPE/W................................................................... 197
6.3.3 – Resultados..................................................................................... 198
6.3.3.1 – Talude sem a influência dos pequenos dutos............................. 199
6.3.3.2 – Talude com a influência dos pequenos dutos............................. 201
6.3.4 – Análise dos resultados................................................................... 203
xii
Capítulo 7 – Conclusões e Sugestões para Futuras Pesquisas ............... 204
7.1 – Considerações adicionais e conclusões .......................................... 204
7.2 – Sugestões para futuras pesquisas ................................................... 206
Referências bibliográficas ......................................................................... 208
Anexo A ..................................................................................................... 234
1
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
1.1 – Considerações preliminares
Ao longo dos séculos a humanidade tem buscado, através da ciência,
estabelecer teorias que permitam a compreensão dos fenômenos que a cercam. Os
avanços experimentados são inegáveis, com reflexos na melhoria da qualidade de
vida de uma maneira geral. Entretanto, muitos são os problemas ainda a serem
resolvidos.
A maioria das teorias para o estudo de fenômenos naturais se vale de
hipóteses simplificadoras e aproximações para que se possa compreender e prever o
seu comportamento. Novas teorias e abordagens têm timidamente procurado enfocar
os fenômenos utilizando a inter/multidisciplinaridade natural dos mesmos. CANDOTTI
(2002) salienta que “um dos grandes desafios da ciência moderna é conciliar a
especificidade com a multidisciplinaridade...”. Afinal, a complexidade dos fenômenos
verificados na natureza decorre da simultaneidade de eventos que para ele
concorrem.
Inserido neste contexto, o Projeto conjunto de pesquisa e desenvolvimento
científico denominado Engenharia Geotécnica e Hidrologia no Sistema Encosta -
Planície Costeira, do âmbito do PRONEX (Programa de Apoio a Núcleos de
Excelência - criado em 1996), teve como objetivo o estudo das relações entre a água e
o meio ambiente. Envolveu, por exemplo, aspectos geotécnicos, hidrológicos e
2
geomorfológicos na problemática da estabilidade de encostas, integrando
conhecimentos e instituições.
O tema do presente estudo insere-se nesta atmosfera multidisciplinar. Apesar
de já ser bastante estudado no âmbito da Engenharia Geotécnica (em estabilidade de
encostas), ainda hoje persistem ocorrências de escorregamentos (deslizamentos) cujo
mecanismo de instabilidade não é satisfatoriamente explicado pelas teorias vigentes.
Considerou-se conveniente dar a seguinte seqüência aos capítulos desta
dissertação:
O capítulo 1 relata aspectos da ocupação de encostas na cidade, fazendo um
breve histórico; mostra o tipo e as características dos solos destas encostas; a
composição gravimétrica dos depósitos de lixo em favelas; o regime pluviométrico;
apresenta ainda o histórico de deslizamentos desta tipologia (encostas com lixo), bem
como um caso ocorrido no Morro Santa Marta, demonstrando sua relevância.
O capítulo 2 enfoca a hipótese de se considerar a ação da fauna como fator
contribuinte para o mecanismo de instabilidade de um maciço recoberto com lixo
doméstico. Esta ação é feita através de pequenos dutos feitos no maciço. Apresenta-
se também a espécie coletada no local e descritos alguns aspectos do seu
comportamento.
O capítulo 3 apresenta uma revisão sobre a Hidrologia e Processos de
Instabilidade de Encostas. São abordados, entre outros assuntos, elementos
hidrológicos de encostas, solos não saturados, terminologia e classificação dos
escorregamentos, agentes causadores e mecanismos de instabilidade conhecidos e o
estágio atual das metodologias de análise de estabilidade de taludes.
A partir do capítulo 4 é apresentado o estudo da influência dos pequenos dutos
na infiltração das águas de chuva. Para tal foi desenvolvido um modelo físico de
laboratório, denominado tanque experimental, que procura reproduzir o fenômeno
observado no campo. Apresentam-se também seus resultados.
3
No capítulo 5, abordam-se os aspectos relacionados à modelagem numérica
do tanque experimental. São expostas também as características básicas do programa
Seep/w, utilizado na análise numérica e uma discussão sobre a influência dos
pequenos dutos sobre a resistência ao cisalhamento de encostas em solos não
saturados.
O capítulo 6 propõe uma metodologia para que a ação dos pequenos dutos
seja considerada na análise de estabilidade de taludes. Através do estudo paramétrico
de um talude (análise numérica por elementos finitos empregando o programa Seep/W
e análise de estabilidade de taludes com o programa Slope/W), revela-se que sua
estabilidade pode ser comprometida pela ação dos dutos.
Finalmente, no capítulo 7 apresentam-se as conclusões e as sugestões para
futuras pesquisas.
1.2 − Motivação Inicial da Tese: Estudo de uma Encosta Coberta por Lixo na
Cidade do Rio de Janeiro
1.2.1 – Breve histórico do uso e ocupação das encostas da cidade do Rio de
Janeiro
Nas últimas cinco ou seis décadas as metrópoles brasileiras vêm
experimentando as conseqüências funestas da complexa problemática da ocupação
desordenada, particularmente nas suas encostas. Segundo MENDONÇA e GUERRA
(1997), esta ocupação, sem orientação técnica, de áreas normalmente impróprias,
vem sendo, mais recentemente, registrada em cidades de menor porte. FIGUEIREDO
(1997) diz que este problema vem se agravando a cada ano, sobretudo nas cidades
com mais de cem mil habitantes.
As áreas ditas impróprias para uso são aquelas que constituem, segundo
FIGUEIREDO (1997), as chamadas áreas de risco. Elas são caracterizadas pela
4
ausência de intervenções de engenharia e pela possibilidade de perdas humanas e
materiais face à ocorrência de fenômenos de natureza geológico-geotécnica e
hidrológica, geralmente durante a estação chuvosa.
As causas, ou as motivações, para a persistência deste fenômeno urbano são
apontadas por vários autores como, por exemplo, CARVALHO (1994), FIGUEIREDO
(1995), GUSMÃO FILHO (1997) e MENDONÇA et al. (1998). Verifica-se que têm
raízes sócio-político-econômicas, quais sejam:
- industrialização;
- urbanização;
- migração para as cidades (busca de oportunidades e melhor qualidade de vida);
- déficit habitacional histórico;
- falta de conscientização (fator associado ao nível educacional /cultural);
- especulação imobiliária;
- desemprego;
- omissão histórica do Poder Público (Fiscalização);
- falta de planejamento e de uma política de uso e ocupação do solo.
As conseqüências de tal processo de ocupação das encostas são um conjunto
de ações desfavoráveis que, juntamente com os fatores climáticos, contribuem para a
instabilidade dos maciços de solo. Assim, citam-se o desmatamento e implantação de
moradias desprovidas de técnicas construtivas adequadas (cortes e aterros
desprotegidos para execução de platô de implantação da moradia, descalçamento de
elementos rochosos); a precariedade ou ausência de serviços de infra-estrutura
urbana tais como água, esgoto, coleta de lixo, entre outros (com o lançamento de lixo
e entulho na encosta; vazamento de esgoto a céu aberto) (FIGUEIREDO, 1997;
DANZIGER et al, 1992; VIEIRA e MARINHO, 2001). Entretanto, CARVALHO et al.
(1992) alertam para o fato de que a definição do grau de risco de uma área é bastante
5
subjetiva e apoia-se na experiência do profissional encarregado da análise da
situação. Levantamento de setores de risco feito em 240 favelas da cidade de São
Paulo mostrou que 51% das moradias não se encontravam em níveis de risco
iminente que justificasse uma rápida intervenção do Poder Público.
O processo de ocupação das encostas na cidade do Rio de Janeiro não diferiu
deste quadro. Segundo VIAL (2001), além dos fatores anteriormente citados, outras
três causas deram início ao processo de favelização da cidade do Rio de Janeiro:
- falência do sistema escravocrata e a posterior abolição da escravatura, fato este
que trouxe ao desabrigo um enorme contingente humano de desempregados e de
famílias sem teto;
- a batalha travada contra os cortiços tidos como insalubres, proliferadores de
doenças contagiosas, que terminavam por ser demolidos;
- a implantação da Reforma Passos, que derrubou vários quarteirões com
habitações não repostas e, consequentemente, aumentou o número de
desabrigados;
O surgimento da primeira “favela”, já com esta denominação, na cidade do Rio
de Janeiro, ocorre no fim do século XIX com a ocupação do Morro da Providência, em
1897, por militares vindos da Guerra de Canudos, que passaram a tratar tal morro
como o “Morro da Favela”, em referência a uma planta nordestina de mesmo nome
(VIAL, 2001).
Segundo ABREU (1994. In: VIAL, 2001), “favela” é um arbusto típico da
caatinga nordestina e muito abundante no sertão de Canudos. Lá havia inclusive um
morro com este nome. Seja porque o morro da Providência se assemelhava ao morro
existente em Canudos, seja porque os soldados ali encontraram (ou construíram) algo
que lhes recordava Canudos, a verdade é que o morro da Providência passou a ser
conhecido na cidade como morro da Favela (VIAL, 2001).
6
O significado atual da palavra favela, segundo PARISSE (1969), é: “habitação
pobre, precária, agrupamento em 15 ou 20 unidades, no mínimo, instalada em terreno
não utilizado pela construção organizada, isto é, fora da especulação imobiliária”.
Trata-se de uma denominação dada a uma área contendo um agrupamento de
residências, sem nenhuma ou com parcas condições de habitabilidade, ou seja, sem
infra-estrutura e, originariamente, sem legalidade da situação fundiária (VIAL, 2001).
A partir de então, vários morros da cidade foram sendo progressivamente
ocupados (em poucos casos, desocupados), em decorrência de fatos históricos
ocorridos ao longo do tempo. Até 1900, a política oficial vigente procurou estimular a
erradicação dos cortiços em prol da melhoria da saúde pública. Tais cortiços se
localizavam principalmente no centro da cidade ou em suas cercanias, servindo de
reduto para a então recém libertada mão-de-obra escrava e para os migrantes (êxodo
rural e imigrantes) desempregados (figura 1.1). Eram considerados vilões, tanto
esteticamente quanto para o desenvolvimento da cidade. Chegou-se ao ponto de se
promulgarem leis que isentariam de impostos as indústrias que construíssem vilas
operárias para abrigar seus trabalhadores.
Assim, surgiram várias vilas, como a Vila Maxwell em Vila Isabel. Algumas
delas ainda existem nos dias de hoje, como a de Vila Isabel, próxima à antiga fábrica
de tecelagem Confiança (atualmente um supermercado). Tais vilas minimizaram, mas
não resolveram o problema. Os cortiços continuaram a existir.
Em 1893, com a demolição do cortiço chamado de “Cabeça de Porco” (próximo
à atual Central do Brasil), desabrigando cerca de 2000 pessoas, o Governo começou a
agir diretamente na tentativa do reordenamento urbano. Durante o governo do Prefeito
Pereira Passos (1902-1906) houve uma consolidação da implantação de medidas para
melhoramentos na cidade, combatendo intensivamente os cortiços.
7
Figura 1.1 - Vista dos sobrados e cortiços do morro do Castelo tomada a partir da
fortaleza de São Sebastião, aproximadamente 1893/1894 (MHN, 2003).
Com a reforma urbana estabelecida, os terrenos afetados se valorizaram, e
como tal fato não permitia a presença de pobres e de condições anti-higiênicas na
área central, grande parte das habitações de baixa renda foi demolida. Na abertura da
Avenida Central (hoje Av. Rio Branco), cerca de 2.000 pessoas foram afetadas (figura
1.2). Esta população foi sendo progressivamente obrigada a improvisar novas
soluções de moradia, mudando-se para os subúrbios e, em casos extremos, ocupando
os morros da cidade, principalmente no Centro: Morro da Providência, São Carlos e
Santo Antônio (VIAL, 2001).
No final da década de 1910, novos locais de ocupação, que não o Centro da
cidade, são delineados na paisagem urbana pela camada de mais baixa renda: os
subúrbios, com pessoas atraídas pela instalação de indústrias, e a Zona Sul, pelo
desenvolvimento e construção de moradias de alto padrão, atraindo empregados
domésticos (VIAL, 2001).
No início da década de 1920, durante a administração de Carlos Sampaio (cujo
mandato foi de 1920 a 1922), com o objetivo de higienizar, dar estética à área e
produzir capital através do oferecimento de áreas na parte mais valorizada da cidade,
8
o Morro do Castelo foi demolido, e, com ele, o bairro mais pobre da cidade que se
desenvolvia em seu sopé, o bairro da Misericórdia. Este havia sido um dos bairros que
sobrevivera à grande Reforma Passos, trazendo como conseqüência grande
contingente de desabrigados (VIAL, 2001).
Por volta de 1930 a cidade se encontrava bastante estratificada, com setores
destinados às classes mais ou menos favorecidas: a classe alta na Zona Sul, a classe
média na Zona Norte e antiga Zona Sul (Botafogo, Flamengo) e a classe dos mais
pobres nos subúrbios, que naquela ocasião já se apresentavam bastante ocupados
(VIAL, 2001). Entretanto a cidade parece tomar ciência do “problema” das favelas a
partir de 1933, quando estas começam a marcar a paisagem carioca. Em 1940 as
favelas, localizadas em grande número no centro e na Zona Sul, expandem-se nas
margens da Avenida Brasil em direção à periferia (VIAL, 2001).
Figura 1.2 - Abertura da Avenida Central, atual Avenida Rio Branco (Foto de Augusto
Malta. In: VIAL, 2001).
O período de 1950 a 1964, com o agravamento da crise econômica, se
caracteriza pela valorização do solo urbano (através da retenção de terrenos) e a
ausência de política urbana adequada. O barateamento dos transportes coletivos abriu
9
uma oportunidade de ocupação de terrenos longínquos, resultando porém em um
distanciamento dos loteamentos ao local de emprego. A política habitacional - que
acabou por não cumprir seu papel - se baseava na construção de conjuntos
habitacionais pelas Caixas Econômicas e Institutos de Previdência (VIAL, 2001).
A partir de 1964 a cidade avança em direção a São Conrado e Barra da Tijuca
e, consequentemente, as favelas crescem e se desenvolvem paralelamente à
evolução da cidade (VIAL, 2001).
Segundo dados dos censos, a taxa de crescimento anual da população das
favelas decresceu na década de 60, acentuando-se na década de 70. As favelas
tenderiam a decrescer e desaparecer, mas, na década de 80, o ritmo de crescimento
das favelas esteve acima do da cidade. As antigas favelas sofrem um processo de
adensamento e novas outras surgem no cenário urbano carioca. Tal fato deve-se ao
processo de ocupação da periferia entrar em colapso, pois a população fica sem
capacidade de endividamento, além do encarecimento da terra e, a partir de 82, ocorre
então o período de legitimação da favela por parte do Poder Público (VIAL, 2001).
Como fato marcante da década de 80, o crescimento das favelas se dá mais
intensamente em direção à baixada e Zona Oeste. O crescimento das favelas, até
então observado, deixa de ter o caráter de pólos concentradores. A cidade passa a ter
um crescimento uniforme em todas as favelas através do adensamento de áreas
existentes. Segundo dados do IBGE, a população residente em favelas na cidade do
Rio de Janeiro em 2000 somava 1.092.476, distribuída em mais de 600 comunidades.
A tabela 1.1 mostra a evolução da população morando em favelas no Rio nos anos de
1991, 1996 e 2000 (DADOS, 2003).
Em substituição ao termo cortiço, favela herda, entretanto, o mesmo estigma
do termo de outrora. Assim como em outros países: no Peru favela chama-se “Pueblos
Jóvenes”; no Chile “Callampas”; e na Argentina “Villas Miséria”. As figuras 1.3 e 1.4
exemplificam típicas favelas cariocas.
10
Tabela 1.1 – Domicílios e população residente em favelas (IBGE, 2000. In: DADOS,
2003).
1991 1996 2000
Domicílios 226.141 256.586 308.581
População 882.483 952.429 1.092.476
Figura 1.3 – Típicas habitações de favelas na cidade do Rio de Janeiro - RJ
(CYPRIANO, 2002).
Figura 1.4 – Vista parcial do Complexo do Alemão – Rio de Janeiro – RJ (cortesia da
GEORIO, 2002).
11
1.2.2 − Histórico de acidentes geotécnicos com encostas cobertas com lixo
CARVALHO (1997) definiu escorregamentos em depósitos artificiais de
encosta como uma unidade geotécnica bastante comum em áreas urbanas, estando
presente na maioria das favelas implantadas em áreas de elevada declividade. Apesar
dos esforços da Municipalidade, através da COMLURB, em dotar as favelas de coleta
regular de lixo, há que se observar que tais esforços se iniciaram em 1976 e, mesmo
assim, não contemplam todas as comunidades.
Essas unidades constituem-se em camadas pouco espessas que acompanham
aproximadamente a superfície dos taludes naturais, formadas por massas mobilizadas
em escorregamentos e por materiais diversos lançados na superfície dos taludes,
como lixo doméstico, por exemplo. Deste processo de formação resultam camadas
heterogêneas, permeáveis e pouco resistentes.
É freqüente, em áreas de favelas, que estes depósitos se apresentem com
elevado grau de saturação, devido à produção de chorume do próprio lixo doméstico e
pelo lançamento de efluentes de esgoto e redes de drenagem pluviais. Estes fatores
fazem com que a estabilidade dos depósitos artificiais de encosta seja normalmente
precária (CARVALHO, 1997). As causas mais comuns de deflagração de
escorregamentos ou deslizamentos desta tipologia são (CARVALHO, 1997):
- saturação das camadas superficiais;
- formação de redes de percolação temporárias por ocasião da estação chuvosa e;
- execução de cortes para implantação de moradias de baixo padrão.
Segundo AMARAL (1996), escorregamentos ou deslizamentos em depósitos
artificiais de encosta são movimentos rasos e com superfície de ruptura paralela à
superfície da rocha, mas também aqueles mais profundos, com superfície de ruptura
circular. CARVALHO (1997) define esta categoria de deslizamentos como
12
normalmente delgados, circulares, paralelos ao talude ou condicionados pela
superfície original do terreno, eventualmente com a superfície de deslizamento
localizando-se no interior do maciço.
As massas mobilizadas apresentam-se velozes e com alto potencial destrutivo,
especialmente se a área atingida for ocupada por moradias estruturalmente precárias
(CARVALHO, 1997), como se observa na figura 1.5.
Figura 1.5 – Escorregamento de lixo/entulho e solo na favela Pavão-Pavãozinho,
bairro de Copacabana, no natal de 1983. Vinte casas destruídas, treze pessoas
mortas (AMARAL, 1996).
AMARAL (1996) mostra que, em relação ao número de vítimas, os
escorregamentos de lixo (incluindo-se lixo com solo), nos últimos 60 anos na cidade
do Rio de Janeiro (tendo inventariado 1008 escorregamentos significativos, no período
de 1938 a 1996), foram responsáveis por 9% do total de mortes. “Os
resultados...justificam uma grande preocupação: 17% dos escorregamentos afetaram
depósitos de lixo e a freqüência está crescendo muito rapidamente, já que, nos últimos
10 anos, 58 mortes foram causadas por lixo”. Vale ressaltar que “mesmo quando
13
envolve uma espessura de solo residual, é classificado como um deslizamento nesta
categoria” (escorregamento de lixo). E mais: “deslizamentos famosos em lixo são os
que afetaram o Morro Santa Marta em 1988 (8 mortes) e o Morro de São Carlos em
1993 (6 mortes)”.
A tendência de aumento nos escorregamentos de lixo reportada por AMARAL
(1996) é corroborada por FEIJÓ et al. (2001), que relatam que, de 1998 a 2000, 7%
das ocorrências vistoriadas pela GEORIO eram de escorregamento ou deslizamento
de lixo e entulho jogados na encosta.
Esta tipologia de escorregamento constitui, portanto, um desafio atual, e tem
sua relevância justificada na medida em que, a partir da compreensão dos
mecanismos geológico-geotécnicos e dos fatores ambientais intervenientes, pode-se
tomar medidas que permitam mitigar, e até mesmo prevenir, as conseqüências destes
escorregamentos para as comunidades envolvidas.
1.2.3 − Caracterização dos resíduos urbanos depositados nas encostas da
cidade
A ocupação desordenada fez as favelas surgirem não só sem os sistemas
básicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, como também sem
previsão de espaço suficiente para a implantação de logradouros e redes de energia
elétrica. Desta forma, serviços essenciais, tais como a limpeza pública, são bastante
prejudicados, quando não totalmente inviáveis. Consequentemente, desde o
surgimento das primeiras favelas, existiu (e existe) o hábito de se utilizar algumas
encostas, na própria comunidade, para servirem de depósito de lixo (figura 1.6).
Mesmo o esforço da administração pública para equacionar o problema - em
iniciativas como o Projeto Favela Limpa (desde 1996) e Gari Comunitário (desde 1984)
- não impediu que ao longo do tempo se formassem encostas recobertas por uma
14
camada de lixo, composta geralmente de matéria orgânica acondicionada em sacos
plásticos (de embalar mercadorias em supermercados).
Figura 1.6 – Encosta servindo de depósito de lixo em favela (COMLURB, 2002).
Segundo a NBR 10004/87 da ABNT, lixo é todo resíduo sólido e semi-sólido
que resulta de atividades da comunidade de origem industrial, doméstica, hospitalar,
comercial, agrícola, de serviços e de varrição. Este resíduo compõe-se basicamente
de sobras de alimentos, papéis, papelões, plásticos, trapos (panos), couros, madeira,
latas (metal), vidros, borracha, fezes de animais, pequenos animais mortos, lamas,
gases, vapores, poeiras, sabões, detergentes e outras substâncias descartadas pelo
homem no meio ambiente.
Muitos são os fatores que influenciam a origem e formação do lixo no meio
urbano: número de habitantes do local, área relativa de produção, variações sazonais
(férias, etc.), condições climáticas, hábitos e costumes da população, etc. Entretanto,
um dos fatores mais importantes é a componente econômica. Quando ocorrem
variações na economia, seus reflexos são imediatamente percebidos nos locais de
disposição e tratamento do lixo. Se o sistema econômico entra em desaquecimento e
as fábricas e o comércio reduzem suas atividades, menores quantidades de lixo são
produzidas. O inverso também ocorre, apesar de que após determinado período de
tempo há uma estabilização no nível de consumo. Atualmente, tem-se associado o
aumento da quantidade de matéria orgânica no lixo domiciliar à queda de poder
aquisitivo da população, principalmente nas áreas mais carentes. Particularmente em
15
favelas, o percentual de matéria orgânica “está acima de 50%, o que indica uma maior
manipulação de alimentos nas residências, que é facilmente identificada pela grande
quantidade de cascas de batatas, folhagens comestíveis e restos de comida
encontrados na catação. A este fator soma-se ainda uma deficiência na armazenagem
(falta em muitos casos a refrigeração) e a aquisição de produtos já vencidos, gerando
um maior desperdício e uma perda prematura dos gêneros alimentícios” (COMLURB,
2002).
Além destes fatores ditos primários, existem também fatores secundários que
influenciam na formação e caracterização do lixo. O teor de umidade¹, por exemplo,
representa a quantidade de água contida na massa do lixo. Ele depende das
condições climáticas, variando bastante de um lugar para outro. No Brasil, o valor
médio do teor de umidade do lixo domiciliar é da ordem de 60% (LIMA, 1991). De fato,
segundo estudos da COMLURB (2002), no Rio de Janeiro o teor de umidade médio
em 2002 foi de 63,74%.
O peso específico, outro fator secundário, representa a relação entre o peso e
o volume do lixo. São observadas significativas variações no peso específico do lixo
em todo o mundo. Na cidade do Rio de Janeiro, o peso específico médio em 2002 foi
de 150,81 kgf/m³ (COMLURB, 2002).
Por fim, o teor de matéria orgânica representa a relação entre o peso seco de
matéria orgânica contida na amostra e o peso total da amostra de lixo. Por exemplo,
em países em desenvolvimento o teor de matéria orgânica costuma representar a
maior fração em peso, conforme já citado nos parágrafos acima: “No geral da cidade
(Rio de Janeiro), a matéria orgânica passou de 50,05% em 1999 para 51,27% em
2000...confirmando uma perda de poder aquisitivo da população” (COMLURB, 2002).
¹ Segundo LIMA (1991), para a determinação do teor de umidade do lixo, devemos submeter amostra de
lixo para laboratório (sofre um processo de separação e triagem apenas dos componentes metálicos) a
um processo de secagem em estufa a 105°C. O total de peso perdido na secagem é a água contida na
amostra de lixo. É calculado de forma idêntica ao teor de umidade gravimétrica da geotecnia.
16
Considerando-se o lixo quanto à sua natureza e estado físico, pode-se ter os
seguintes tipos: sólido, líquido, gasoso e pastoso.
Considerando-se o critério de origem e produção, pode-se classificar o lixo em
(LIMA, 1991):
- residencial;
- comercial;
- industrial;
- hospitalar;
- especial (veículos abandonados, podas de praças e ruas, animais mortos, entulhos,
etc.);
- outros (varredura e limpeza de galerias e bocas de lobo).
Destes tipos, este trabalho enfocará apenas o lixo domiciliar, pois “no caso
das favelas, o tipo de lixo produzido é essencialmente doméstico” (COMLURB, 2002).
De fato, esta situação foi confirmada no depósito da encosta abordada neste capítulo.
Denomina-se lixo residencial ou doméstico aquele constituído, em geral, por
sobras de alimentos, embalagens, papéis, papelões, plásticos, vidros, trapos de
roupas, etc.
A análise gravimétrica, ou seja, a determinação da percentagem de cada um de
seus componentes a partir da relação entre o peso do componente analisado e o total
da amostra considerada, do lixo doméstico no Rio de Janeiro, em 2002, apresentou os
resultados mostrados na tabela 1.2.
O lixo, disposto inadequadamente, sem qualquer tratamento, pode poluir o
solo, alterando suas características físicas, químicas e biológicas, constituindo-se num
problema de ordem estética e, mais ainda, numa séria ameaça à saúde pública (LIMA,
1991).
17
Por conter substâncias de alto teor energético, e por oferecer disponibilidade
simultânea de água, alimento e abrigo, o lixo é preferido por inúmeros organismos
vivos, a ponto de algumas espécies o utilizarem como nicho ecológico (LIMA, 1991).
Pode-se classificar em dois grandes grupos os seres que habitam o lixo: os
macrovetores (ratos, baratas, moscas e mesmo animais de maior porte como cães,
aves, suínos e eqüinos); o próprio homem, catador de lixo, enquadra-se neste grupo.
No segundo grupo estão os microvetores (vermes, bactérias, fungos e vírus) (LIMA,
1991).
Tabela 1.2 - Análise gravimétrica do lixo domiciliar da cidade do Rio de Janeiro
(COMLURB, 2002).
Componentes % média 2002
Matéria Orgânica 55,96
Papel 18,78
Plástico 17,61
Vidro 2,74
Metal 1,97
Pano/trapo 1,21
Folha 0,60
Madeira 0,38
Inerte 0,35
Borracha 0,18
Couro 0,15
Osso 0,07
Alguns destes organismos utilizam o lixo durante toda a sua vida. Outros o
fazem apenas em determinados períodos. Quando estes vetores entram em contato
com o homem, são os responsáveis pelo surgimento de doenças respiratórias,
epidérmicas, intestinais e outras enfermidades lesivas e até letais, como o cólera, o
tifo, a leptospirose, a poliomielite, etc. (LIMA, 1991).
18
Quanto aos macrovetores que habitam o lixo, os que oferecem maior risco ao
homem e ao meio ambiente são os ratos, as moscas e as baratas (LIMA, 1991).
1.2.4 – Caracterização da encosta estudada
1.2.4.1– Localização
A encosta coberta com lixo, objeto de estudo deste trabalho, situa-se na Favela
Santa Marta, vertente sul da Serra da Carioca, no bairro de Botafogo, cidade do Rio de
Janeiro – RJ. O acesso principal à favela se dá por uma rua transversal à rua São
Clemente (rua Marechal Francisco de Moura).
Figura 1.7 – Localização do bairro de Botafogo, onde se situa a encosta estudada
(DADOS, 2003).
19
Figura 1.8 – Localização da favela Santa Marta no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro
(fragmento de ortofoto, escala 1:10.000) (DADOS, 2003).
Os moradores se referem à favela como Santa Marta por causa da imagem da
santa homônima guardada até hoje numa capela na parte mais alta do morro. A
imagem teria sido levada para lá por uma antiga moradora ainda no início do século
20. Ela costumava rezar na localidade conhecida atualmente como Campinho do Pico.
Com a chegada do Padre Veloso, nos anos 30, foi construída ali uma pequena igreja
para abrigar a imagem e também servir como local de descanso (RIO, 2004).
A confusão com o nome (Santa Marta / Dona Marta) começou quando a mídia
passou a se referir à favela como Dona Marta nos anos 80, por causa do mirante
homônimo que existe no alto do morro. Somente os moradores que pertencem à
religião evangélica – e portanto não acreditam em santos – chamam a comunidade de
Dona Marta. Por causa do crescimento do movimento evangélico nos últimos anos, a
forma como a favela é chamada representa hoje uma disputa de poder relevante
dentro da comunidade (RIO, 2004).
A origem do nome Dona Marta é antiga. Por volta de 1680, um padre chamado
Clemente comprou as terras do atual bairro de Botafogo, batizando um dos morros
que circundavam suas terras em homenagem à sua mãe, Marta, que havia morrido
20
anos antes, perto de completar cem anos. Daí o nome Dona Marta. Foi também o
padre Clemente que ordenou a abertura de uma via ligando a enseada de Botafogo
até sua capela, na atual rua Viúva Lacerda, no Humaitá, posteriormente batizada
como rua São Clemente (RIO, 2004).
O terreno ocupado atualmente pela favela pertencia ao Colégio Santo Inácio.
Seus primeiros moradores foram abrigados ali pelo Padre José Maria Natuzzi. A
maioria era formada por famílias pobres contratadas para trabalhar na ampliação da
igreja do colégio ou agricultores que migraram para o Rio vindos do Vale do Paraíba
após a crise do Café de 1929 (RIO, 2004).
A declividade média da encosta ocupada é bastante acentuada. Segundo
AMARAL (1996), a favela abrange uma área de 0,6 km² entre as cotas 30 e 180 m,
com declividade média de 80% (oscila entre 45 e 100%).
Figura 1.9 – Vista externa e interna da favela Santa Marta (PEDROZA, 2003)
21
1.2.4.2 – Aspectos geológico-geotécnicos
O Morro Santa Marta possui encostas de gradiente topográfico elevado, com
escarpas rochosas e depósitos de tálus se sucedendo em grandes rupturas de declive,
presença de grande número de blocos e de solos pouco espessos (AMARAL, 1987).
Segundo BARROSO (1992) e BERNARDES et al. (1992), o embasamento
rochoso de toda a favela é o leptinito (figura 1.10), rocha metamórfica leucocrática, de
granulação fina a média, com xistosidade em média N45E/30°SE, caracterizando uma
vertente em “dip slope”.
O fraturamento maior é subparalelo à xistosidade, apresenta diques básicos e é
circundado por fraturas NW. É mineralogicamente formada por quartzo, plagioclásio e
quantidades subordinadas de biotita e granada. Esta rocha exibe uma estrutura
laminar e faz parte do período pré-cambriano.
A baixa porcentagem de micas (biotita), em relação a quartzos e feldspatos,
confere à rocha um aspecto bastante homogêneo, fazendo com que seus perfis de
intemperismo se aproximem muito dos solos desenvolvidos de granitos.
Figura 1.10 – Perfil geológico ao longo da Serra da Carioca (PIRES e HEILBRON,
1990).
22
Outra característica marcante é a pouca espessura de solo, conferindo grandes
áreas de afloramentos que, somadas às áreas de tálus/colúvio, representam 75% da
área total. Distribuem-se pelo prolongamento para jusante da escarpa do Mirante
Dona Marta, com declividades superiores a 100% e, na parte central da favela,
imediatamente acima da escarpa inferior, com declividade média de 70%.
As áreas de colúvio/tálus, diferenciadas das áreas de tálus/colúvio pela
presença dominante de solo coluvial envolvendo blocos menores e bem menos
freqüentes, localizam-se próximas ao topo da favela.
Os depósitos de lixo são uma constante, ocupando grandes áreas e
alcançando espessuras métricas (BARROSO, 1992). A figura 1.11 mostra o
mapeamento geotécnico da área da favela.
Segundo LACERDA (2002), os taludes coluviais mais importantes, do ponto de
vista da engenharia, são os colúvios de espessura superior a 5 metros, ocupando
depressões de vales e permanentemente saturados, pelo menos na zona de
escorregamento.
Os colúvios situados acima do lençol freático possuem resistência devida à
sucção e à sua estrutura, que os fazem permanecer estáveis mesmo em situações de
inclinação acentuada.
23
Figura 1.11 – Mapeamento geotécnico de 1997 correspondente à área da favela Santa
Marta. (GEORIO, 2003).
Legenda:
Depósito de tálus/colúvio;
Solo residual (espessura > 2m); topo/encosta;
Solo residual/rocha (espessura < 2m); topo/encosta;
Afloramentos rochosos: fraturados/maciço/pedreira
1.2.4.3 − Características climáticas
1.2.4.3.1 – Clima
A cidade do Rio de Janeiro tem uma grande variação climática, possuindo
cinco microclimas (Köppen) em seu território. Isto se deve à influencia das condições
do seu relevo (serras e baixadas).
Área da favelaSanta Marta
24
Segundo a classificação de Köppen (BRITO, 1981), a área em estudo situa-se
em uma zona megatérmica quente e chuvosa, portanto Af, ou seja, clima tropical
úmido e chuvoso sem estação seca com todos os meses chuvosos, sendo que o mês
mais seco, com mais de 60 mm de precipitação mensal, ocorre na vertente leste da
Serra da Carioca (BERNARDES et al., 1992).
1.2.4.3.2 - Caracterização do regime pluviométrico
Conforme mencionado no Capítulo 2 deste trabalho, dentre os vários fatores
que causam decréscimo na resistência de um talude de solo, seja ele natural ou
artificial, a água proveniente da infiltração das precipitações pluviométricas (chuva) é
considerado o mais importante agente instabilizador, principalmente em regiões de
clima tropical como é o caso do Rio de Janeiro.
Existem estudos de correlações entre a precipitação e os deslizamentos em
regiões tropicais, como os de VARGAS (1971), GUIDICINI e IWASA (1976),
TATIZANA et al. (1986), ELBACHÁ et al. (1992), BORDA GOMES (1996), AMARAL
(1996), d’ORSI et al. (1997) e FEIJÓ et al. (2001). Tais estudos são empregados, por
exemplo, em mecanismos de previsão e alerta à população sobre o maior/menor risco
de deslizamento em áreas de risco previamente mapeadas.
Uma aplicação decorrente destes estudos de correlação é o Sistema de Alerta
de Chuvas Intensas e de Deslizamento de Encostas da cidade do Rio de Janeiro.
Criado em setembro de 1996, tem como objetivo emitir boletins de alerta à população
(através da mídia) sempre que houver previsão de chuvas intensas que possam gerar
inundações de vias públicas e/ou acidentes geotécnicos em encostas. O Sistema,
operado pela GeoRio, utiliza informações, em tempo real, de 32 estações
pluviométricas automáticas instaladas no Município do Rio de Janeiro, entre outras
fontes (imagens de radares meteorológicos, etc). Os dados são então analisados em
esquema de plantão de 24 horas por dia.
25
Com base nestes dados, a GEORIO (2003) publicou a classificação da
intensidade das chuvas na cidade do Rio de Janeiro, constante da tabela 1.3.
Tabela 1.3 – Classificação da intensidade da chuva em mm/h (GEORIO, 2003).
INTENSIDADE DAS CHUVAS
Chuva i(mm/h)
Leve 1,1 a 5,0
Moderada 5,1 a 25,0
Forte 25,1 a 50,0
Muito Forte > 50,0
LACERDA (1998) diz que um significativo número de deslizamentos ocorre
durante a estação chuvosa, janeiro a março, e está associado com chuvas intensas,
precedidas ou não por uma chuva anterior. ELBACHÁ et al. (1992) concluíram que,
para a cidade de Salvador, a chuva acumulada de 4 dias é a que mais influência
exerce sobre os deslizamentos.
Uma pequena quantidade de deslizamentos, entretanto, acontece às vezes
uma semana ou mais depois do fim do período chuvoso (ELBACHA et al., 1992).
Na cidade do Rio de Janeiro, a chuva total anual varia de 700 a 2200mm, com
uma média da ordem de 1100mm para a cidade como um todo e 2200 mm para a
região montanhosa da cidade (cotas acima de 500 m) (LACERDA, 1998).
As tabelas 1.4 e 1.5 corroboram LACERDA (1998), fornecendo os valores de
precipitações médias (das 32 estações) anuais da cidade do Rio de Janeiro nos
últimos seis anos.
26
Tabela 1.4 – Valores médios de precipitação anual na cidade do Rio de Janeiro de
1997 a 2002 (GEORIO, 2003).
Ano 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Precipitação
(mm)903,8 1644,7 1003,1 1062,8 1012,3 1037,7
Tabela 1.5 – Precipitação na estação pluviográfica do Sumaré (acima da cota 500)
(GEORIO, 2003).
Ano 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Média
Precipitação
(mm)
Não
disponível3441,3 2353,8 1775,7 1692,6 2082,0 2269,1
Para o domínio em estudo adotou-se como representativas dos dados de
chuva as estações de Santa Teresa (operada pela GEORIO), apesar de constituir uma
série de dados pluviométricos de apenas sete anos até o presente momento (1997-
2004), e do Jardim Botânico, cuja série histórica de dados de chuva tabulados por
PFAFSTETTER (1982) é superior a 25 anos. Para a segunda é possível ajustar uma
equação empírica deduzida pelo próprio PFASTETTER (1982).
Uma terceira fonte de dados de chuva é a equação intensidade-duração-
freqüência para a cidade do Rio de Janeiro obtida por Ulisses Alcântara e Aguinaldo
Lima (VILLELA e MATTOS, 1975) para 33 anos de dados observados (até 1959):
i = 99,154.T0,217 / (t + 26)1,15 (1.1)
onde:
i chuva ou intensidade pluviométrica (mm/h);
T tempo de recorrência (anos) e;
t tempo de duração da chuva (min).
27
A dificuldade de se adotar um valor de chuva para a realização de uma
modelagem reside na determinação da duração e do tempo de recorrência.
Inicialmente, a adoção de um valor de baixa duração, por exemplo de 5 minutos,
adotada em muitos projetos hidráulicos, atenderia ao quesito de chuva intensa,
geralmente associada à deflagração de deslizamentos. Por outro lado, a corrente que
correlaciona os eventos geotécnicos com chuvas acumuladas (de 4 a 25 dias) revela
que não são apenas chuvas intensas que provocam deslizamentos, mas também
chuvas de longa duração. Este tipo de chuva, segundo a relação intensidade x
duração x freqüência de qualquer posto pluviométrico/pluviográfico, apresenta uma
intensidade muito menor que a verificada para curtas durações. Desta forma, não
parece correta a associação dos deslizamentos de massas de solo às altas
pluviosidades, já que eles se verificam também para baixas intensidades
pluviométricas (chuvas de longa duração).
SANTOS e GUIMARÃES (1992) propõem um modelo quantitativo para se
medir a profundidade alcançada pela água de chuva que infiltra no solo. O modelo
sugere que o volume de água precipitado é o fator preponderante para a diminuição
dos níveis de sucção em uma encosta. Volumes elevados de água de chuva ocorrem
nos dois extremos da relação intensidade x duração x freqüência: chuva intensa e de
curta duração ou chuva menos intensa e de longa duração.
FEIJÓ et al. (2001) relatam que, de 1998 a 2000, 7% das ocorrências
vistoriadas pela GEORIO eram de escorregamento ou deslizamento de lixo e entulho
(38 em 542 acidentes verificados no período) jogados na encosta, mesma tipologia da
analisada na presente tese. Além disso, estabeleceram, por correlação, que as
precipitações médias horária, diária e dos quatro dias anteriores necessárias para que
ocorra um acidente com esta tipologia foram de: 30 mm/h ou 70 mm/24h ou 100
mm/96h, respectivamente. Entretanto, os próprios autores ressalvam: “Devido à
grande variedade de fatores envolvidos, a compreensão das relações entre
pluviometria e movimentos de massa em encostas densamente ocupadas requer
28
regulares atualização e ajuste dos dados, de modo a tornar mais eficazes as previsões
das conseqüências...”, principalmente quando se trabalha com uma série de dados
relativamente curta.
Um outro aspecto a ser considerado na determinação da chuva a ser usada
numa modelagem é a escolha do tempo de recorrência. No caso de deslizamentos de
encostas é razoável supor – para efeito de retro-análise dos acidentes verificados −
que a ocorrência destes eventos se situe numa faixa de 1 a 5 anos.
Com base nas equações empíricas, como as de Ulisses Alcântara por
exemplo, bastante utilizadas em dimensionamento de projetos hidráulicos, é possível a
análise do tempo de recorrência das chuvas obtidas por correlações, como a de FEIJÓ
et al. (2001). Entrando-se com seus dados, obter-se-ão tempos de recorrência de
1,15; 1,21 e 9,03 anos, respectivamente.
1.2.5 – O deslizamento parcial ocorrido no Morro Santa Marta em 2002
1.2.5.1 - Solo tropical não saturado
Somente a título de caracterização do solo do local do deslizamento parcial
ocorrido no Morro Santa Marta – motivação inicial desta tese − adotaram-se os
resultados dos ensaios publicados por BERNARDES et al. (1992) com amostras
indeformadas de um solo residual de leptinito (proveniente do próprio Morro Santa
Marta).
Foram realizados pelos autores ensaios de adensamento, cisalhamento direto
e de permeabilidade, o que permite o estabelecimento dos parâmetros de resistência
ao cisalhamento c’, φ’, além da condutividade hidráulica saturada.
1.2.5.1.1 – Caracterização
29
Os ensaios de caracterização seguiram a metodologia da ABNT, exceto por
uma mudança no procedimento de separação da fração fina. Utilizou-se a peneira #40
(0,42mm), ao invés da peneira #10 (2mm) como recomenda a Norma. A figura 1.12
apresenta a curva granulométrica obtida.
Figura 1.12 – Curva granulométrica do solo residual de leptinito do morro Santa Marta
(BERNARDES et al., 1992).
A curva granulométrica demonstra o predomínio da fração areia sobre as
demais, com a fração silte/argila de 18%. Quanto aos limites de consistência, o solo
mostrou-se não plástico. De acordo com a classificação unificada dos solos (SUCS), o
solo estudado é enquadrado no grupo das areias siltosas (SM), com distribuição
granulométrica uniforme.
Os resultados referentes à densidade real dos grãos mostraram um valor médio
de 2,63.
30
1.2.5.1.2 – Ensaios especiais
A) Cisalhamento direto
Para a determinação da envoltória de resistência, foram cisalhadas por
BERNARDES et al. (1992), três amostras (retiradas de uma profundidade de 0,80m)
adensadas para tensões normais de 100, 200 e 400 kPa em condição natural e
inundada. A figura 1.13 mostra os resultados para a condição inundada.
As curvas tensão cisalhante versus deslocamento horizontal não apresentaram
um pico de resistência bem definido, tendo a resistência máxima sido obtida próxima
ao deslocamento máximo da prensa de cisalhamento (15mm).
Figura 1.13 – Resultados do ensaio de cisalhamento direto para corpos de prova
inundados. Umidade gravimétrica inicial aprox. de 9,5% (BERNARDES et al., 1992).
O valor de ângulo de atrito efetivo obtido foi de 35 ± 1°, praticamente
independente da condição de saturação da amostra. Já a coesão obtida para as
31
amostras inundadas foi invariavelmente nula. Para a condição natural, entretanto,
verificaram-se valores elevados devidos à ação da sucção mátrica (10 a 30 kPa).
B) Permeabilidade
Os ensaios, conduzidos por BERNARDES et al. (1992), para a determinação
da permeabilidade das amostras utilizaram um permeâmetro de parede flexível com
carga constante. As amostras foram saturadas inicialmente por fluxo e em seguida
através de contrapressão. Para cada amostra moldada, a permeabilidade foi
determinada para quatro níveis de tensão efetiva (25, 100, 200 e 300 kPa), tendo se
observado que os valores encontravam-se na faixa de 2 a 6 x 10–4 cm/s.
O índice de vazios inicial das amostras utilizadas nos ensaios variou de 1,1 a
1,2 e o peso específico seco típico foi de 12,5 kN/m³.
1.2.5.2 – A geometria do problema
A figura 1.14 mostra a geometria do talude estudado. Com base em AMARAL
(1987), a declividade adotada como típica é de 70%, o que fornece uma inclinação de
35°.
Sobre a espessura típica de 4 m de solo residual/colúvio encontra-se uma
camada de aproximadamente 2m de lixo doméstico.
À época em que ainda havia acesso autorizado ao Morro (acompanhando a
fiscalização da Geo-Rio), verificou-se que havia ocorrido um deslizamento parcial da
porção mais a montante da encosta - motivo da realização de obras de contenção pela
Geo-Rio. A figura 1.15 mostra uma fotografia, registrada num segundo momento já em
fase final, das intervenções feitas no maciço (contenção e tratamento urbanístico).
32
Figura 1.14 – Desenho esquemático (sem escala) do talude estudado no morro Santa
Marta.
Figura 1.15 – Obra de contenção de talude de lixo+colúvio no local estudado no Morro
Santa Marta.
33
CAPÍTULO 2
A POSSÍVEL CONTRIBUIÇÃO DA FAUNA PARA A INSTABILIDADE
DE TALUDES. OBJETIVOS DO TRABALHO.
2.1 – Evidências da ação da fauna em uma encosta coberta com lixo
Conforme mencionado no capítulo anterior, o objetivo desta tese é o de
apresentar a possível influência da fauna como mais um agente que contribui para a
instabilidade de encostas (taludes naturais). Este tema teve origem nas observações
realizadas pelo autor da presente tese em uma série de visitas empreendidas, em
conjunto com técnicos da GEORIO, a alguns morros cariocas (Santa Marta, Complexo
do Alemão, por exemplo).
Em visita ao Morro Santa Marta (Dona Marta), acompanhando a vistoria de
técnicos da GEORIO a uma intervenção na parte mais a montante da favela (conforme
descrito no capítulo 1 desta tese) em meados de 2002, constatou-se a existência de
pequenos dutos, de direção sub-vertical, na cicatriz do deslizamento parcial de colúvio
e lixo que havia ocorrido e motivado tal intervenção.
Por curiosidade científica, entrevistou-se alguns operários que relataram uma
grande incidência de pequenos dutos, durante as escavações para a implantação da
obra de contenção. Lamentavelmente, naquele momento não havia uma câmera para
o devido registro fotográfico.
Inicialmente, suspeitou-se de que os dutos teriam sido executados por
roedores, dada a existência de uma camada de 1 a 2 m de espessura de lixo. Mas o
34
diâmetro e a textura bastante lisa das paredes dos pequenos dutos levaram o autor
desta tese, após consulta a biólogos do Museu Nacional, a descartar tal hipótese.
Numa segunda visita ao local, providenciou-se material e equipamento para
coleta de solo (e o que mais se encontrasse nos dutos), assim como câmera
fotográfica para os devidos registros. Mas, para infortúnio da pesquisa, a obra já havia
sido concluída, conforme atesta a figura 1.15 (Capítulo 1) onde são vistos o aspecto
final da obra de contenção e o talude remanescente de colúvio e lixo recoberto com
placas de grama.
Apesar da dificuldade de acesso aos morros da cidade do Rio de Janeiro,
conseguiu-se finalmente um ponto autorizado para estudo.
A figura 2.1 mostra o aspecto do duto durante a investigação. Entretanto,
outras dificuldades surgiram: a impossibilidade de coleta de amostras do solo (questão
de segurança) e a captura dos espécimes encontrados no duto. Após escavá-lo, um
significativo número deles se evadia a grande velocidade, dificultando sua captura.
Apesar de lestos, finalmente conseguiu-se coletar um (e somente um) espécime da
fauna encontrada naquele momento no pequeno duto. Acondicionado em um pote de
vidro com um pouco do solo residual do local, pode-se constatar o primeiro traço de
comportamento do animal: gosta de se encafuar no solo.
Figura 2.1 – Aspecto de um pequeno duto feito pela fauna (cerca de 7,5 cm de
diâmetro).
35
2.2 – Identificação e aspectos comportamentais da espécie coletada
Levado, então, ao Museu Nacional, os biólogos tiveram dificuldade de
identificá-lo com precisão, dada sua pouca idade (ninfa, sem ter atingido a fase
adulta). Entretanto pôde-se concluir que a espécie, dentro da Zoologia, pertence ao
ramo da Entomologia, ou seja, trata-se de um Artrópode (animal cujas patas
apresentam articulações), um membro da Classe dos Insetos (insectum = aquele que
é dividido em partes) (CARRERA, 1963).
Segundo CARRERA (1963), “para se capacitar da pasmosa predominância dos
insetos na fauna mundial, basta este pequeno dado: o Reino Animal contém cerca de
1.000.000 de espécies diferentes, das quais os insetos compreendem 640.000. As
demais 360.000 espécies distribuem-se entre mamíferos, répteis, aves, batráquios,
peixes, todo o restante da bicharada, enfim. Não há dúvida de que eles são maioria e
que o mundo lhes pertence há muito tempo...”
Após análise microscópica pelos técnicos do Museu Nacional, confirmou-se a
impressão visual inicial, ou seja, trata-se, segundo CARRERA (1963), do mais típico
representante dos insetos: um membro da Ordem Blattaria.
Os espécimes dessa Ordem são conhecidos popularmente por baratas,
cajards, blattes, cockroaches, schabem, tarakan, cucarachas. O nome vem do latim
blatta, nome genérico da barata ou inseto que evita a luz. Têm pouca importância para
a agricultura, entretanto, algumas são muito importantes do ponto de vista sanitário,
devido à sua adaptação aos domicílios e outras construções feitas pelo homem,
quando danificam alimentos e roupas e ainda disseminam doenças. Podem ser
aladas, semi-aladas ou ápteras (MN, 2003).
As baratas constituem um grupo de insetos dos mais antigos conhecidos desde
o Carbonífero Inferior, como comprovam coletas de terrenos de cerca de 300 milhões
de anos (figura 2.2).
36
.
Figura 2.2 – Fóssil de barata (MN, 2003)
Atualmente são conhecidas cerca de 4.000 espécies no mundo, sendo que, no
Brasil, o número aproxima-se de 1.000 (MN, 2003).
Ainda segundo o Museu Nacional, estão distribuídas em todo o mundo desde
regiões neotropicais até paleárticas, podendo atingir tamanho de 5mm até 100mm,
como é o caso daquelas pertencentes ao gênero Megaloblatta. As figuras 2.3 a 2.6
fornecem uma pequena visão desta diversidade.
Figura 2.3 – Blaberus giganteus (MN, 2003).
Figura 2.4 – Helgaia serrana (MN, 2003).
Figura 2.5 – Periplaneta americana (MN, 2003).
37
Figura 2.6- Picnoscelus surinamensis (MN, 2003).
São espécies de hábitos noturnos e lucífogos (fogem da luz), higrófilas (gostam
de lugares úmidos) e termófilas (têm preferência por ambientes quentes). São
divididas em espécies aquáticas e terrestres.
Dentre as terrestres, há espécies cavernícolas (vivem em cavernas), desérticas
e de outros habitats. Vivem em lugares escuros por excelência, em abrigos sob folhas
mortas, sob musgos, na base das folhas de bromélias, em cascas de árvores, debaixo
de pedras, associadas a formigas (mirmecófilas) e a cupins (termófilas). Podem ser
miméticas (tomam a cor e a configuração dos objetos em cujo meio vivem, ou de
outros animais de grupos diferentes) ou domésticas, associadas às habitações.
Exigem um certo grau de umidade, daí a sua preferência por lugares mais ou
menos escondidos, apresentando mesmo uma tendência bastante acentuada para
penetrar em cavidades do solo.
Outra característica consiste na resistência da sua pele, uma vez que está
impregnada de quitina, que forma uma couraça envolvendo todo o corpo. A barata
também respira, retirando o oxigênio do ar e eliminando gás carbônico (CARRERA,
1963).
Sua importância médico-sanitária é bastante discutida na literatura, pois podem
servir de veículo de bactérias e vírus patogênicos, bem como hospedeiros para
helmintos, protozoários e fungos. O hábito de regurgitar parte do alimento digerido, ao
38
mesmo tempo que defecam, representa o grande perigo desses insetos para os lares
humanos.
Entre as doenças causadas por microorganismos transportados pelas baratas
tem-se: a lepra; a disenteria; a gastroenterite; o tifo; a meningite; a pneumonia; a
difteria; o tétano; a tuberculose e outras.
Segundo OLIVEIRA (2002), apesar de não se conseguir identificar
precisamente qual é a espécie (exemplar capturado na fase ninfa), trata-se de uma
barata bastante semelhante à Picnoscelus surinamensis, cuja presença é comum em
comunidades faveladas. A figura 2.7 mostra o espécime capturado.
Figura 2.7 – Barata, provavelmente uma Picnocellus Surinamensis, capturada no duto
encontrado sob o lixo na favela Santa Marta.
Entretanto, somente com a captura de um outro exemplar, adulto, se
conseguirá definir se a espécie é conhecida, e seus hábitos já publicados, ou se trata
de uma nova espécie, cujo estudo poderá ser levado a cabo por profissional da área
biológica.
Outro aspecto a ser considerado é que, apesar das evidências de campo
indicarem somente a presença da barata, a definição da autoria da confecção do
pequeno duto não é parte integrante do presente trabalho de engenharia civil, mas sim
uma sugestão para futuras pesquisas.
39
Com relação aos hábitos comportamentais observados do espécime capturado,
conforme mencionado no item 2.2 deste capítulo, seu habitat é o solo (durante 4 dias
em que ficou em um pote de vidro com solo, a barata ficou enterrada em pequenos
dutos por ela escavado). Conforme relatado no Capítulo 1 desta tese, o lixo que cobre
o solo no local investigado é tipicamente domiciliar. O lixo domiciliar produzido em
favelas é predominantemente de matéria orgânica, ou seja, restos de alimentos
manipulados nas residências – fonte de alimentação para estas baratas.
O grau de infestação, ou seja, a densidade ou presença de dutos, por metro
quadrado por exemplo, não foi levantada. Entretanto, segundo os relatos dos
operários da obra, havia de 4 a 5 orifícios (parte superior do duto) por metro quadrado,
segundo estimativa feita pelo autor no local.
Dos aspectos relativos à descoberta do pequeno duto, este trabalho se
ocupará da interface com a engenharia geotécnica, ou seja, da possível influência
exercida pelo duto na infiltração da água de chuva para o interior de um maciço de
solo e seu efeito na estabilidade do mesmo.
2.3 – Hipóteses sobre a contribuição da fauna para a instabilidade de taludes.
Com base nas observações feitas em campo e nos aspectos comportamentais
do inseto capturado, mesmo não sendo possível uma afirmação categórica sobre sua
autoria com relação aos dutos, partiu-se para a elaboração de hipóteses sobre qual a
contribuição que estes canais poderiam ter sobre a estabilidade do talude.
1) O depósito de lixo, pela sua espessura verificada no campo, não é recente e,
portanto, já experimentou índices pluviométricos que, pelos dados da GEORIO,
podem ocasionar escorregamentos de solo e lixo. Por que ele veio a se romper
parcialmente somente em 2002 ?
40
2) Através de observações no local, o índice de vazios da camada de lixo é alto, o
que justifica seu peso específico médio de 150,81 kgf/m³, ou seja, 1,5 kN/m³
(COMLURB, 2002). O teor de umidade médio do lixo em 2002 foi de 63,74%.
Portanto, dada a elevada umidade natural e seu reduzido peso específico, o lixo
provavelmente não deve contribuir significativamente como fator de sobrecarga
sobre o talude, mesmo sob ação de alta pluviosidade;
3) O papel desta camada de lixo seria então o de retardar um pouco a chegada da
água da chuva à superfície do talude. Já os pequenos dutos poderiam fazer o
papel inverso: funcionariam como uma espécie de drenos verticais e sub-verticais,
aumentado a velocidade de infiltração de água no solo e, por conseguinte, fazendo
aumentar a umidade das partes mais profundas do talude com a água da chuva
(com maior velocidade e abrangência, dependendo da densidade de canais por
metro quadrado)?;
4) Se os espécimes considerados necessitam de oxigênio para sobreviver, há a
hipótese de que haja interconexões (horizontais) entre os dutos, já que
provavelmente há nível d’água dentro dos mesmos quando da ocorrência de “run-
off”;
5) Os dutos promovem um aumento na velocidade de infiltração da água ?
6) A estabilidade do talude em estudo ficaria comprometida com o aumento da
velocidade da frente de umedecimento promovida pelos dutos ? Ou não teriam
nenhuma influência ?
Para tentar responder a estas questões, partiu-se para o enunciado da
seguinte hipótese: tendo em vista a densidade de dutos no talude, em solo
residual/colúvio recoberto por uma camada de lixo, os pequenos dutos poderiam ser
responsáveis pelo aumento de velocidade de avanço da frente de umedecimento no
seu entorno, proveniente da infiltração das águas da chuva no solo. Esta recarga a
41
níveis profundos dentro do talude poderia desencadear a instabilidade do maciço,
gerando um deslizamento de solo e lixo.
No que pesem os esforços da Municipalidade em erradicar estes depósitos de
lixo em encostas, é inegável que os existentes já devem apresentar um certo grau de
infestação, grau este que em determinado momento poderia contribuir decisivamente
para o deslizamento do talude. No Morro Santa Marta, por exemplo, observou-se o
surgimento de um novo depósito.
2.4– Objetivos do trabalho
Ainda nos dias de hoje, deslizamentos de encostas recobertas com depósito de
lixo domiciliar provocam perdas humanas e materiais nas favelas da cidade do Rio de
Janeiro.
O objetivo primeiro deste estudo é o de apresentar uma contribuição ao
mecanismo de instabilidade de uma encosta − atribuída à possível ação da fauna −
que provoca sinistros com a tipologia acima descrita.
Baseado nas evidências coletadas no campo, apresentadas nos itens
anteriores, elaboraram-se hipóteses para o comportamento do maciço. Nesta primeira
abordagem, recorre-se a modelos físicos de laboratório e à simulação numérica para
se verificar se tais hipóteses são factíveis, deixando-se para futuras pesquisas a busca
de resultados que venham complementar o assunto aqui apresentado.
42
CAPÍTULO 3
HIDROLOGIA E PROCESSOS DE INSTABILIDADE DE ENCOSTAS:
UMA REVISÃO
3.1 – Aspectos da Hidrologia de encostas
3.1.1 – Introdução
Não é parte integrante do escopo deste trabalho discutir a importância da água,
suas ocorrências, transformações e relações, não só para a engenharia como para a
toda a vida na Terra. Entretanto, faz-se necessária a abordagem de alguns dos
conceitos fundamentais da Hidrologia para caracterizar e contextualizar a problemática
aqui apresentada.
Bastante conhecido, por exemplo, é o conceito de ciclo hidrológico, geralmente
descrito como um mecanismo contínuo que pode ser iniciado com a evaporação dos
corpos d’água (mar, rios, etc.), formação de nuvens e terminar com a precipitação
realimentando esses mesmos corpos d’água, iniciando-se novamente o ciclo. Neste
processo, parte da água que se precipita sobre a crosta terrestre infiltra-se no solo.
Outra parte fica retida na superfície da mesma, em depressões; e outra ainda é
interceptada pela flora. Para esta última existem diversos trabalhos mostrando o papel
da vegetação como reguladora do fluxo de água que chega ao solo, tais como os de
COELHO NETTO (1985,1987), VALLEJO (1982), MIRANDA (1992), ALLEMÃO
(1997), PUGLIESE et al. (1997), JANSEN (2001), SILVEIRA (2004), entre outros.
43
Entretanto, o presente trabalho contempla apenas o fenômeno da infiltração ou
percolação de água de precipitação no solo, por motivos que serão adiante
explicitados.
3.1.2 – Elementos da hidrologia de encostas
Segundo FIORI e CARMIGNANI (2001), o termo encosta (ou vertente), do
ponto de vista geotécnico, é utilizado para designar uma superfície inclinada, natural,
que limita um maciço de terra, de rocha ou de ambos. Já COELHO NETTO (1995) diz
que as encostas são espaços físicos situados entre os fundos de vales e os topos ou
cristas da superfície crustal. Do ponto de vista da geomorfologia, encostas, cristas,
fundos de vales, canais, corpos de água subterrânea, entre outras unidades deste
espaço, estão interligados como componentes de bacias de drenagem.
O conceito de bacia de drenagem pode ser entendido como uma área da
superfície terrestre que drena água, sedimentos e materiais dissolvidos para uma
saída comum, num determinado ponto de um canal fluvial. Segundo VILLELA e
MATTOS (1975) as bacias hidrográficas ou bacias de drenagem podem ser de
grandes, médias ou pequenas áreas. O presente estudo se situa no domínio das
pequenas bacias, ou seja, encostas sujeitas à deposição de lixo domiciliar em favelas,
que geralmente ocupam parcial ou totalmente uma pequena bacia de drenagem (área
< 1 km²).
Além da área de drenagem, outras características físicas de uma bacia, tais
como forma, sistema de drenagem e relevo, figuram como elementos de grande
importância para previsão do seu comportamento hidrológico.
Das trajetórias de drenagem possíveis em uma bacia, abordar-se-á a
percolação da água no solo.
Quando penetra no solo, a água percorre caminhos diversos, ficando
temporariamente armazenada no solo, daí percolando para camadas mais profundas,
44
formando o lençol subterrâneo, ou surgindo superficialmente em pontos de exfiltração,
ou até mesmo escoando para outra bacia.
Conforme mencionado no item 3.1.1, a água que irá percolar o solo é
proveniente de um dos principais fatores climáticos associados ao ciclo hidrológico de
uma bacia: a precipitação pluviométrica. Para um hidrologista, segundo VILLELA e
MATTOS (1975), precipitação vem a ser o termo geral empregado para todas as
formas de umidade emanadas da atmosfera e depositadas na superfície terrestre
como chuva, granizo, orvalho, neblina, neve ou geada. Entretanto, será tratado neste
estudo somente a precipitação em forma de chuva, por ser bastante incomum a
ocorrência das outras formas na cidade do Rio de Janeiro, além de “pouco
contribuírem para o regime hidrológico de uma região” (VILLELA e MATTOS, 1975).
A formação das chuvas se dá basicamente pela presença de umidade na
atmosfera associada com outros elementos tais como mecanismos de resfriamento do
ar. Assim, a formação de uma precipitação segue o seguinte processo: o ar úmido das
camadas mais baixas da atmosfera, quando aquecido, torna-se mais leve que o ar das
vizinhanças e sofre uma ascensão adiabática (resfriando à razão de 1°C a cada 100m
de altitude), até atingir a condição de saturação ou nível de condensação. A partir
deste nível, em condições favoráveis, e com a existência de núcleos higroscópicos, o
vapor d’água condensa, formando minúsculas gotas em torno destes núcleos. As
gotas, por sua vez, só se precipitam sobre o solo quando, nas nuvens, atingirem
tamanho suficiente para vencer a resistência do ar (VILLELA e MATTOS, 1975).
Ainda segundo VILLELA e MATTOS (1975), exprime-se a quantidade de chuva
pela altura de água caída e acumulada sobre uma superfície plana e impermeável. Ela
é avaliada por meio de medidas executadas em pontos previamente escolhidos,
utilizando-se aparelhos denominados pluviômetros ou pluviógrafos, conforme sejam
simples recipientes da água precipitada ou registrem essas alturas no decorrer do
tempo. As medidas realizadas nos pluviômetros devem ser periódicas (em geral a
cada 24 horas).
45
Para sua obtenção, analisam-se estatisticamente as observações realizadas
nos postos representativos da região em estudo, verificando-se com que freqüência
cada uma delas ocorreu. Empregam-se para isto métodos estatísticos apropriados,
onde pode-se avaliar a probabilidade teórica de ocorrência de cada uma delas.
Em projetos hidráulicos, assim como em alguns projetos geotécnicos, a
escolha do valor do tempo de recorrência tem uma importância fundamental, pois há a
necessidade de se determinar as precipitações extremas esperadas e o risco de falha
ou ruptura ao longo de sua vida útil. O valor a ser adotado para o tempo de retorno
depende, basicamente, do custo do projeto e dos possíveis danos que a falha, por
exemplo um deslizamento de talude, venha a causar (perdas humanas e materiais).
Finalmente, faz-se necessário conhecer a distribuição e as variações da
precipitação no tempo e no espaço geográfico. Mesmo que estas variações espaço-
temporais da precipitação em uma pequena bacia possam ser consideradas não
significativas, ou seja, quando há precipitação, considera-se que chova em toda a
parcela da pequena bacia, há a necessidade de se estabelecer a relação entre a
intensidade, a duração e a freqüência das chuvas na região em estudo.
Nos trabalhos em que se utiliza a Hidrologia aplicada à engenharia, geralmente
há interesse em não só se conhecer as máximas precipitações observadas nas séries
históricas, mas, principalmente, prever, com base nos dados observados e no
tratamento probabilístico, quais as máximas precipitações que possam vir a ocorrer
em uma certa localidade com determinada freqüência. Em geral as distribuições de
valores extremos de grandezas hidrológicas, tais como as chuvas, ajustam-se
satisfatoriamente à distribuição de Gumbel-Chow (VILLELA e MATTOS, 1975).
Empregam-se também equações empíricas, como a indicada a seguir, para
representar a relação intensidade-duração-freqüência, que só é válida para a região
em que foram obtidos os dados pluviométricos (VILLELA e MATTOS, 1975):
46
i = k . T m / (t + t0)n (3.1)
onde:
i intensidade máxima média (mm/min);
t duração da chuva i;
k, t0 , m e n parâmetros a determinar;
T tempo de retorno;
Na bibliografia existem equações determinadas para diversas cidades
brasileiras, sendo em geral i expresso em mm/h, T em anos e t em minutos.
3.2 – Aspectos de Hidrologia subterrânea
3.2.1 – Preliminares
A história do estudo do comportamento dos solos mostra que os conceitos e
modelos clássicos da Mecânica dos Solos foram concebidos com a tendência de
considerá-los em situações saturadas. Embora a condição de saturação se mostre
crítica para várias aplicações em engenharia, nem sempre esta situação extrema está
associada ao pior efeito do comportamento do solo. Além disto, admitir que o solo
exposto às condições naturais sempre experimentará um estado de saturação não
condiz com a realidade, conforme salientam FREDLUND e RAHARDJO (1993), em
que mais de um terço da superfície do planeta é coberto por regiões áridas e semi-
áridas, onde os solos permanecem não saturados próximos à superfície do terreno.
No Brasil, segundo FUTAI (2002), aproximadamente setenta por cento dos
solos superficiais encontram-se na maior parte do tempo em uma condição não
saturada. Desta forma, faz-se necessária a abordagem dos conceitos da Mecânica
dos Solos não Saturados para o entendimento e desenvolvimento deste trabalho.
47
3.2.2 – Solos tropicais
Ainda persiste a falta de consenso com relação à definição da nomenclatura e
classificação a ser empregada pelos profissionais do meio geotécnico para os solos
tropicais. Para os pedólogos, os ditos solos tropicais são comumente constituídos por
dois materiais de comportamento bem distinto: as lateritas e os saprolitos. Já para os
engenheiros e mecanicistas de solos tradicionais, tem-se: as lateritas, os solos
residuais e os solos coluvionares, constituindo um perfil muito mais complexo,
menciona SILVEIRA (1993) .
Um dos fatores que possivelmente contribui para esta discussão foi citado por
SANDRONI (1985): até mesmo quando o perfil expõe os horizontes, a fronteira entre
os componentes do perfil é freqüentemente difícil de se estabelecer. Se é dada a
oportunidade a alguém de observar um corte ou as paredes de uma cava, a distinção
entre os solos "maduro" e "jovem" é fácil e possível de fixar em meio metro ou coisa
assim. Se apenas se dispõe de uma amostra amolgada de um furo de sondagem, a
distinção fica mascarada, sendo que diferentes e experientes engenheiros poderão
escolher, com os mesmos dados e amostras, várias fronteiras distintas separadas de
até um metro de distância. O que está em jogo aqui, como foi colocado por COSTA
NUNES (1969) e DE MELLO (1972), é como encontrar a fronteira entre o material que
pode ser tratado com base na Mecânica dos Solos convencional (contínuo
homogêneo) e aqueles que, devido à sua forte heterogeneidade e à presença de
descontinuidades marcantes (isto é, estruturas reliquiares), devem ser abordados por
um ponto de vista da Mecânica dos Solos não convencional. Os limites entre o "solo
residual" e a "alteração de rocha" é tão ou mais difícil de estabelecer.
Com relação à classificação dos solos tropicais, a divergência é ainda maior,
pois existem diversas propostas. A mais recente proposta de classificação de solos
tropicais é de PASTORE (1992, 1995), que analisa 17 classificações existentes
(LACERDA e ALMEIDA, 1995).
48
A discussão sobre a adoção de terminologia e classificação unificada para os
solos tropicais é de grande relevância, porém foge do escopo do presente trabalho.
Para fins de compreensão desta tese, é adotada a seguinte terminologia, citada em
PINTO (1998):
- SOLO RESIDUAL : é o solo formado pela intemperização química
e/ou física da rocha que lhe deu origem, permanecendo no local
onde teve início sua formação.
De uma maneira geral, os solos residuais são formados pela influência dos seguintes
fatores (baseado em SALOMÃO e ANTUNES, 1998):
- mineralogia das rochas que lhe deram origem;
- clima (temperatura e pluviometria);
- topografia e drenagem da região;
- organismos (vegetais e animais);
- tempo.
Sob a influência conjunta dos fatores responsáveis pela formação do solo,
determinados fenômenos se manifestam simultaneamente, em diferentes
intensidades, constituindo os processos pedogenéticos. A formação do substrato
pedogenético desenvolve-se pela ação do intemperismo das rochas (SALOMÃO e
ANTUNES, 1998).
Os solos residuais são os mais representativos solos das regiões tropicais, já
que nestas eles têm as mais amplas possibilidades de se formar e desenvolver
(BARATA, 1981). Existem no Brasil solos residuais provenientes dos mais diversos
tipos de rochas ( magmáticas, metamórficas e sedimentares): de granitos, de
gnaisses, de basaltos, de arenitos, de xistos e filitos, de calcáreos, entre outras
(BARATA, 1981).
49
As espessuras atingidas pelas camadas de solos residuais no Brasil e na
Austrália são, provavelmente, as maiores do mundo. Na década de 70, com a
descoberta do minério de ferro na região da Serra dos Carajás, no sul do Pará, foram
localizados terrenos residuais, provenientes de basalto, com espessura total (soma de
camadas madura e jovem) da ordem de 100m, ou mais (BARATA, 1981).
Segundo LACERDA e ALMEIDA (1995), cada aplicação geotécnica deve
adotar uma apropriada descrição das camadas, bem como prover os respectivos
ensaios conforme a finalidade a que se destina. Esta descrição deve sempre que
possível utilizar em conjunto características geológicas e geotécnicas. Só assim a
correlação com outros solos já estudados será viável.
A figura 3.1 mostra o perfil de alteração de um solo residual oriundo da
decomposição de gnaisse (VARGAS, 1981).
Figura 3.1 - Perfil de solo residual de decomposição de gnaisse (VARGAS, 1981).
Os solos residuais (jovens) se caracterizam por manter peculiaridades
estruturais das rochas que lhes deram origem. Freqüentemente estas peculiaridades
se constituem no aspecto mais importante do maciço no que diz respeito ao
comportamento estrutural perante uma obra de engenharia. Falhas preenchidas com
materiais menos resistentes, descontinuidades, presença de caminhos preferenciais
50
de percolação são alguns exemplos das peculiaridades que podem ocorrer num solo
residual. Além disto, eles se apresentam em camadas ou horizontes, compondo o
chamado perfil do solo ou perfil de alteração.
Apesar da diversidade de descrições existentes para caracterizar as diversas
camadas, há a concordância de que o perfil apresenta um grau de intemperização
decrescente com a profundidade. Neste trabalho serão empregadas as seguintes
terminologias:
- Solo Coluvial ou Coluvionar Solto: solos recém escorregados por ação da gravidade,
no estado desestruturado;
- Solo Residual Maduro: é a camada de solo intemperizada mais evoluída, já tendo
perdido toda a estrutura original da rocha-mãe;
- Solo Residual Jovem ou Solo Saprolítico: é a camada de solo residual que mantém a
estrutura da rocha-mãe, inclusive com veios intrusivos, fissuras e xistosidade, mas
perde a consistência da rocha. Visualmente pode confundir-se com uma rocha
alterada, mas apresenta pequena resistência ao manuseio;
- Rocha Alterada: horizonte em que a intemperização progrediu ao longo de fraturas
ou zonas de menor resistência, deixando intactos grandes blocos da rocha-mãe.
FUTAI (2002) ainda cita o Solo Coluvionar Estruturado, “solo estruturado em
evolução pedogenética, podendo haver cimentação de óxidos e hidróxidos de ferro e
alumínio.”
Em qualquer estudo ou análise que envolva um solo residual, é de suma
importância que se identifique a rocha que lhe deu origem, pois ela condiciona, entre
outras coisas, a composição ou frações constitutivas do solo. VARGAS (1951)
51
exemplifica que o granito decomposto gera um solo com uma fração argila (constituída
pelos minerais argílicos e sílica livre) e de uma fração areia (constituída pelos cristais
de quartzo e fragmentos de feldspato e mica, ainda não alterados).
Além disto, o engenheiro deve considerar nas suas análises as quatro
dificuldades básicas, enumeradas por SANDRONI (1985), que a abordagem
geotécnica, ou seja, a determinação de parâmetros geotécnicos dos solos residuais
enfrenta:
- a heterogeneidade da massa;
- estrutura reliquiar;
- perturbações na estrutura, pois a união dos grãos minerais em uma
estrutura de um solo residual é fraca e pode ser quebrada facilmente
(LACERDA e ALMEIDA, 1995);
- pedras, matacões e blocos remanescentes.
LACERDA e ALMEIDA (1995) dizem que na maioria dos problemas que
envolvem solos residuais o nível do lençol freático é profundo, e o estudo dos solos
não saturados é necessário para a compreensão do comportamento destes solos. De
fato, verifica-se que, apesar do lençol freático estar profundo, é nos períodos de
enxurradas (com redução da sucção no solo) que os fatores instabilizantes podem
fazer o talude entrar em colapso.
3.2.2.1 – Colúvio
LACERDA e SANDRONI (1985) discutiram o significado do termo colúvio, e
sua definição é a que será adotada neste trabalho: colúvio é um depósito composto
por blocos e/ou grãos de qualquer dimensão, transportados por gravidade e
acumulados no sopé ou a pequena distância de taludes mais íngremes ou escarpas
rochosas. São, pois, casos particulares de colúvio: os tálus, as massas escorregadas,
52
os detritos de avalanches e suas misturas e a deposição por erosão de solo oriundo
de cotas superiores (este último processo também chamado de alúvio por alguns
autores) (LACERDA, 2002).
Tálus ou depósitos de tálus são aqueles formados pelo desprendimento e
queda livre (às vezes por escorregamento) de blocos ou lascas de rocha, acumulando-
se no pé da encosta rochosa, gerados pela ação do intemperismo (ação alternada de
congelamento e degelo ao longo de fraturas e juntas; ciclagem térmica e ação de
raízes de plantas, por exemplo). LACERDA (2002) diz que caso se desloquem e se
incorporem a um depósito de colúvio, alguns autores chamam estes depósitos de
“massa de tálus” ou “tálus-colúvio”.
3.2.3 – O elemento de solo não saturado
Quando ocorre uma precipitação pluviométrica em uma encosta, dois
fenômenos podem ocorrer : fluxo superficial ao longo da superfície da encosta,
podendo ocasionar processos erosivos, no caso em que o solo tenha atingido sua
máxima condutividade. Em hidrologia usa-se também o termo deflúvio superficial para
denominar este tipo de fluxo.
Por outro lado, se o solo está numa condição não saturada, ocorrerão outros
fenômenos tais como a infiltração e a percolação (ver item 3.2.4), cuja compreensão
necessita da abordagem de conceitos básicos de solos não saturados. Assim, um
elemento ou porção fundamental de um solo não saturado, segundo FREDLUND e
RAHARDJO (1993), pode ser entendido como um sistema composto de tetrafásico
formado pela fase sólida (partículas minerais), gasosa (ar), líquida (água) e a interface
água-ar (também denominada película ou membrana contrátil) (figura 3.2).
53
Figura 3.2 – Elemento de solo não saturado e suas fases (FREDLUND e RAHARDJO,
1993).
A fase sólida é composta de partículas do solo (areia e/ou silte e/ou argila)
dispostas segundo um arranjo que forma a estrutura ou esqueleto sólido do solo
(inclusive com cimentação entre elas).
A fase líquida é geralmente constituída de água. No caso de um solo não
saturado, a água ocupa parcialmente os vazios entre as partículas sólidas do solo.
Quando o faz integralmente, diz-se que o solo está saturado.
A fase gasosa é composta de ar, ocupando o espaço nos vazios do solo
deixados pela água e também podendo nela estar dissolvido.
Ainda segundo FREDLUND e RAHARDJO (1993), quando um solo não
saturado é solicitado (submetido a um gradiente de tensões), duas de suas fases (a
sólida e a película) atingem um novo equilíbrio, enquanto que as duas outras (líquida e
gasosa) fluem através da massa do solo. Somente para o caso do estudo das relações
entre massa e volume de um solo não saturado é que existe a possibilidade de se
considerá-lo composto de três fases, pois a membrana contrátil, além do seu pequeno
volume, tem sua massa considerada como parte da massa da água (RÖHM, 1997).
54
3.2.4 – Infiltração e percolação nos solos não saturados
Segundo COELHO NETTO (1995), o termo infiltração foi proposto por
HORTON (1933) para expressar a água que molha ou é absorvida pelo solo.
Entretanto, as características da superfície e da cobertura dos solos limitam a
infiltração e, por isso, HORTON (1933) propôs o termo percolação para referir-se ao
fluxo que atravessa a zona de aeração em direção ao nível freático (lençol de água
profundo que delimita o horizonte de solo saturado do não saturado).
Segundo KLAR (1984), estudos desenvolvidos por COLEMAN e BODMAN
(1945) sobre a infiltração de água no solo em condições de laboratório, depois
confirmados para perfis homogêneos no campo, mostram que esse processo pode ser
dividido em cinco etapas ou zonas: zona saturada; zona de transição; zona de
transmissão; zona de umedecimento e frente de umedecimento, conforme pode-se
visualizar na figura 3.3.
O solo vai sendo umedecido em estágios. O que gera um fluxo vertical
descendente é o gradiente da carga hidráulica entre a superfície (zona saturada,
formada no estágio inicial da infiltração) e a camada limite das partes úmida (zona de
umedecimento) e não saturada do solo (frente de saturação). Com o tempo, a zona de
transmissão aumenta sua espessura e a frente de saturação vai se deslocando para
camadas mais profundas do solo até que se atinja um outro conceito proposto por
HORTON (1933): o de capacidade de infiltração – taxa máxima de absorção de água
por um solo.
55
Figura 3.3 – Perfil da infiltração de umidade no solo (a) seção do perfil; (b) curvas da
relação teor de água² (%) x profundidade ao longo do tempo (COLEMAN e
BODMAN, 1945. In: KLAR, 1984).
Diversas variáveis influenciam este parâmetro, entre as quais podem-se citar:
1) Intensidade e duração da chuva: chuvas de longa duração tendem a saturar o
solo;
2) Tipo de cobertura do solo: a cobertura vegetal, conforme já mencionado
anteriormente, tende a aumentar a capacidade de infiltração. A redução na
densidade de cobertura vegetal é acompanhada pelo decréscimo da infiltração;
3) Condições topográficas: declives menores da superfície da encosta tendem a
aumentar a infiltração, assim como a carga hidráulica superficial;
4) Atividade biogênica: a formação de bioporos e dutos oriundos da atividade
escavadora da fauna que habita as encostas aumenta a capacidade de infiltração
e a percolação. FUTAI (2002) relata que, em trabalhos como o de SANTOS (2001),
a maior capacidade de infiltração do solo também está condicionada à presença
de furos, canalículos, tufos de vegetação e ninhos de formigueiros. SANTOS
(2001) concluiu que a maior concentração destes fatores tornou a alta vertente por
ele estudada com maior capacidade de infiltração.
² Trata-se do teor de umidade volumétrico, definido a seguir no item 3.2.9.
56
A capacidade de infiltração varia não apenas em solos com composições
diferentes, mas também ao longo da duração de uma chuva. Estudos mostram que ela
decresce rapidamente após o início das chuvas. A partir de 1 a 3 horas de duração de
chuva, verifica-se que a taxa de infiltração torna-se constante (COELHO NETTO,
1995).
JANSEN (2001) apresenta uma discussão interessante sobre a estabilidade do
avanço da frente de saturação. Citando HILL e PARLANGE (1972), argumenta que a
instabilidade da frente de saturação torna possível, após a ocorrência de chuvas, que
um maior volume de água penetre até maiores profundidades do que quando a frente
de umidade se mantém constante. Esta instabilidade teria a forma de dedos, em
alusão à forma da área de umedecimento do solo gerada por caminhos preferenciais
para a infiltração da água. Na literatura, tal formação é conhecida como “fingering”.
Os caminhos preferenciais aos quais HILL e PARLANGE (1972) se referem
constituem-se de furos ou buracos promovidos pela fauna, fissuras e outras
heterogeneidades típicas dos solos tropicais. Estes furos ou buracos são importantes
agentes na aceleração do transporte de água no solo.
3.2.5 – Regimes de fluxo no solo
O fluxo de água subterrâneo em um meio poroso é laminar, com velocidade
máxima da ordem de 1 cm por dia (COELHO NETTO, 1995). Porém, pode apresentar-
se turbulento no interior de dutos ou canais subterrâneos, particularmente quando a
matriz do solo circundante estiver saturada ou próxima da saturação. Alguns autores
referem-se a estes fluxos concentrados como fluxos em dutos (pipe flow). Estes dutos
podem ser iniciados em zonas de descontinuidades litológicas ou podem estar
associados à atividade biológica, tais como a ação escavadora da fauna e a morte de
raízes de árvores. Nestes dutos prevalecem os fluxos gravitacionais livres, por
57
representarem espaços mais abertos no meio poroso sem a interferência das forças
capilares (COELHO NETTO, 1995).
O estudo realizado no presente trabalho procura enfocar, não o regime da água
que flui para o interior dos pequenos dutos (provavelmente turbulento), mas sim a
influência que os ditos dutos exercem sobre o tempo de avanço da frente de
umedecimento no solo de uma encosta.
3.2.6 – O fluxo da água (e do ar) através do solo não saturado
Segundo COELHO NETTO (1995), quando ocorre entrada de água no solo,
parte dela é estocada, ocorrendo a elevação do teor de umidade progressivamente. O
volume máximo de água que pode ser estocado no solo é determinado pela sua
porosidade. Quando os vazios ou poros estão totalmente preenchidos de água, ocorre
a saturação do solo e as forças capilar e osmótica são neutralizadas pela outra força
atuante neste sistema: a gravidade. A poro-pressão passa a ser positiva (superior a 1
atm). Porém, na medida em que a água começa a drenar para fora do solo, os poros
começam a esvaziar e a força capilar volta a atuar.
Segundo CALLE (2000), uma representação mais completa e abrangente da
atuação da água presente no solo pode ser conseguida através da descrição do
estado de energia dessa água, expressando-a como a soma das duas formas
clássicas de energia: a cinética e a potencial. Sendo a velocidade da água no solo
reduzida, conforme exposto no item 3.2.3, considera-se a energia cinética nula e,
portanto, a energia potencial pode caracterizar o estado de energia da água no solo
(BAVER et al., 1972). O fluxo da água do solo, saturado ou não, se daria então em
função das variações do potencial total da água do solo.
O potencial total da água no solo, do ponto de vista geotécnico, possui as
seguintes componentes mais significativas (FREDLUND e RAHARDJO, 1993):
- potencial mátrico;
58
- potencial osmótico;
- potencial gravitacional;
Nos estudos do movimento da água no solo, geralmente não ocorre a presença
de membrana semipermeável, o que permite admitir desprezível o movimento em
função das diferenças de potenciais osmóticos (para a Geotecnia). Sua importância
cresce apenas quando a concentração salina é significativa ou quando o teor de
umidade é muito baixo (REICHARDT, 1985). O potencial total da água no solo não
saturado pode ser expresso como:
H (ou ψ) = ψΜ + ψΟ + ψZ (3.2)
onde:
H (ou ψ) potencial total da água no solo;
ψΜ potencial mátrico;
ψΟ potencial osmótico;
ψZ potencial gravitacional.
O potencial mátrico é um potencial de pressão que resulta do efeito combinado
da ação de forças capilares e de adsorção, que surgem devido à interação entre a
água e as partículas sólidas do solo (matriz do solo) (figura 3.4). Esta componente da
pressão total é sempre negativa. Quando o solo é saturado, ψΜ = 0, pois não há o
desenvolvimento de tensões capilares (poros totalmente preenchidos com água).
Quando o solo se encontra em um estado não saturado, mas com certo teor de
umidade, os valores de ψΜ são elevados e a capilaridade é o fenômeno que mais
contribui para a elevação destes valores. Logo, o arranjo dos grãos, a textura e a
composição mineralógica das partículas são fatores que fortemente influenciam o
potencial mátrico.
59
Quando o solo estiver com umidade muito reduzida, ou seja, praticamente
seco, a capilaridade perde importância para as forças de adsorção.
Figura 3.4 – Água de um solo não saturado sujeita à capilaridade e adsorção que,
combinadas, produzem um potencial mátrico (HILLEL, 1971. In: CALLE, 2000).
O potencial osmótico: conforme mencionado nos parágrafos anteriores, o
potencial osmótico existe porque a água do solo não é quimicamente pura. Em
geotecnia geralmente é desprezado face ao potencial mátrico. Entretanto, RICHARDS
et al. (1986) admitem que o potencial osmótico não pode ser desconsiderado no
estudo do comportamento dos solos não saturados.
O potencial gravitacional traduz a componente de posição. Ele traduz a
diferença entre a cota de um referencial adotado como padrão e a cota da massa de
solo em consideração. Este componente está sempre presente, variando apenas sua
importância diante da magnitude dos demais potenciais. Nos solos saturados, ou
próximos da saturação, a importância quantitativa deste potencial é significativa.
Quando os solos se afastam da saturação, este componente vai, gradativamente,
perdendo sua importância para o componente mátrico (FREDLUND e RAHARDJO,
1993).
60
Através de experimentos é possível notar que o solo tem uma afinidade natural
por água. Tal afinidade traduz-se num efeito de sucção ou de armazenamento de água
na massa de solo por ação de forças capilares, adsorção e osmótica. Tais forças
geram uma tensão (negativa) denominada sucção.
A sucção total equivale ao potencial total da água no solo (quando o potencial
gravitacional for desprezível). Dessa forma, a sucção total pode ser separada em duas
componentes: a sucção mátrica e a sucção osmótica, que correspondem,
respectivamente, ao potencial mátrico e ao potencial osmótico.
Das correntes de estudos sobre a influência do potencial da água no solo sobre
o comportamento mecânico dos solos não saturados, o presente trabalho adotará
aquela em que a sucção total controla o comportamento dos solos não saturados,
desprezando-se a sucção osmótica (prática comum nas aplicações de não saturados
em geotecnia). Assim, ψ (sucção total) = ψΜ (sucção mátrica).
Segundo MARINHO (1997), as variações na sucção osmótica são geralmente
menos significativas do que as variações na sucção mátrica. Contudo, podem ser
relevantes em estudos de contaminação e em técnicas de ensaios de laboratório.
A sucção mátrica é dada pela diferença entre a pressão de ar (uA) e a poro
pressão de água no solo (uW). Portanto:
ψΜ = uA - uW (3.3)
O grau de saturação do solo tem uma influência fundamental no fluxo do ar e
da água no solo. Em condições de baixo teor de umidade (altas sucções), a água do
solo mostra-se preponderantemente adsorvida às partículas do solo e com baixa
mobilidade. Nessas condições, o ar dos vazios do solo apresenta-se de forma
contínua, com a condutividade do ar muito maior do que a da água (RÖHM, 1997).
Com o aumento do grau de saturação do solo, os vazios vão sendo
preenchidos por água e a condutividade hidráulica não saturada vai crescendo,
61
enquanto que o movimento do ar decresce até que o ar se torna capturado em vazios
isolados.
3.2.7 - Considerações sobre o coeficiente de permeabilidade em solos saturados
Bastante conhecidos e apresentados em toda a sua extensão, em diversas
publicações didáticas sobre o assunto, como em LOPES (2003), são os fatores que
afetam o coeficiente de permeabilidade de um solo saturado: a viscosidade, a
temperatura e o peso específico do fluido que escoa; a granulometria, o índice de
vazios, a composição mineralógica, a estrutura e o grau de saturação do solo.
Também são conhecidos os principais métodos de determinação da
permeabilidade de solos saturados, em campo e em laboratório. Particularmente para
solos tropicais, como o analisado neste trabalho, FUTAI (2002) argumenta que várias
críticas podem ser feitas aos valores obtidos em laboratório, dentre elas o tamanho do
corpo de prova, que não é suficiente para representar toda a heterogeneidade,
fissuras, xistosidades e outras características de origem geológica.
FUTAI (2002) também argumenta que ao se realizar um ensaio no campo, em
cava, em furo, tipo Guelph ou por bombeamento, a direção do fluxo não pode ser
totalmente controlada. Há nestes casos fluxo tridimensional, com contribuições
horizontal e vertical, que são afetados pela anisotropia do material e pela forma e
dimensões do furo.
3.2.8 – A lei de Darcy para solos não saturados
A lei de Darcy é usada correntemente para descrever o fluxo de água em solos
saturados. LOPES (2003) esclarece que a análise de fluxo em meios porosos não
saturados baseia-se nas mesmas leis do fluxo em meios saturados. São elas a
equação da continuidade (ou lei da conservação de massa) e a Lei de Darcy. A
62
principal diferença entre eles deve-se ao fato de que em meios saturados a
condutividade hidráulica (k) é considerada constante, enquanto que nos meios não
saturados a mesma é variável, função do teor de umidade e da poro-pressão negativa
(sucção mátrica).
Segundo FREDLUND e RAHARDJO (1993) a validade da lei de Darcy pode
ser verificada num solo não saturado de modo similar à verificação em um solo
saturado: é aplicável aos solos não saturados desde que se observe que o valor do
coeficiente de permeabilidade será diferente para diferentes valores de teor de
umidade.
3.2.9 – Considerações sobre a condutividade hidráulica em solos não saturados
Segundo FREDLUND e RAHARDJO (1993), em solos não saturados o
coeficiente de permeabilidade é significativamente afetado pelas mudanças no índice
de vazios e no grau de saturação do solo (ou no teor de umidade). Tomando-se k
como coeficiente de permeabilidade do solo em geral, saturado ou não (e não mais
representando o coeficiente de permeabilidade dos solos saturados, doravante
denominado kSAT), verifica-se que é função de três propriedades físicas do solo,
combinadas duas a duas, ou seja:
k = k(S,e) ou (3.4)
k = k(e,w) ou (3.5)
k = k(w,S), (3.6)
onde:
S grau de saturação;
e índice de vazios;
w teor de umidade.
63
A água flui, num solo não saturado, através dos poros preenchidos com água.
Portanto, quanto menor o espaço ou vazios com água disponível para a água fluir,
menor será o coeficiente de permeabilidade.
Quando o solo se torna não saturado, o ar é reposto primeiro do que a água
nos grandes poros, e isto faz com que o fluxo de água se faça nos pequenos poros,
aumentando a tortuosidade do caminho do fluxo. Um acréscimo promovido na sucção
mátrica do solo leva a um decréscimo no volume de poros ocupados por água. Em
outras palavras, a interface ar-água se aproxima das partículas sólidas do solo.
Resulta então que o coeficiente de permeabilidade decresce rapidamente, na
proporção em que são reduzidos os espaços disponíveis para a água fluir.
Uma mudança no índice de vazios em solos não saturados pode não
causar variações tão significativas na sua permeabilidade. Entretanto, o mesmo não
se pode dizer com relação ao grau de saturação. Tanto que, usualmente, o coeficiente
de permeabilidade é expresso como função única do grau de saturação.
Por outro lado, uma mudança na sucção mátrica pode produzir uma alteração
mais significativa no grau de saturação ou no teor de umidade. Assim, o grau de
saturação tem sido comumente descrito como uma função da sucção mátrica.
Por conseguinte, pode-se concluir que o coeficiente de permeabilidade de um
solo pode ser descrito como uma função singular do grau de saturação (S) ou do teor
de umidade volumétrica (θ), ou ainda, da sucção mátrica (ua – uw ) (LOPES, 2003).
O teor de umidade volumétrico (θ), em % ou decimal, é definido, em
FREDLUND e RAHARDJO (1993) por exemplo, como a razão entre o volume de
água, Vw, e o volume total do solo, V, ou seja:
θ = Vw / V (3.7)
64
O teor de umidade volumétrico também pode ser expresso em função da
porosidade, do grau de saturação e do índice de vazios.
Numerosas equações semi-empíricas para a determinação do coeficiente de
permeabilidade têm sido deduzidas, usando tanto a curva de sucção mátrica x grau de
saturação (ou teor de umidade) quanto a curva característica do solo. FREDLUND e
RAHARDJO (1993) e ALONSO et al. (1987) apresentam algumas destas funções.
3.2.10 – Medição da condutividade hidráulica
A condutividade hidráulica de um solo saturado pode ser medida através de
vários tipos de ensaios de laboratório e ensaios de campo. Como exemplo de ensaio
de laboratório, cita-se o permeâmetro, que pode ser de parede rígida ou de parede
flexível.
Os ensaios utilizando-se permeâmetros são calculados considerando-se a Lei
de Darcy e, basicamente, existem duas formas de conduzi-los:
- à carga constante, onde a carga hidráulica é mantida constante e a
vazão correspondente é medida. É o ensaio mais indicado para
materiais arenosos;
- à carga variável, onde a carga hidráulica varia com o tempo. A
medição da vazão é feita a partir das medidas da variação do nível
d’água. É bastante utilizado na determinação da permeabilidade de
solos argilosos.
Já para a condutividade hidráulica dos solos não saturados, usualmente são
empregadas relações empíricas. Tais relações estabelecem a chamada função de
condutividade hidráulica, geralmente tomando como referência a curva característica
do solo.
65
Dos ensaios de campo que visam estudar o solo no estado o mais próximo
possível de seu estado natural (umidade e sucção preservados), destaca-se o
permeâmetro de Guelph (LACERDA et al., 1997). Ele pode ser usado tanto para a
estimativa da permeabilidade saturada quanto da não saturada em campo, até uma
profundidade média de 3 m. Basicamente, trata-se de um ensaio do tipo de carga
constante, rápido (duração inferior a 1 hora em média) e de baixo consumo de água
(30 litros para 6 determinações) (LACERDA et al., 1997).
3.2.11 – Curva característica
As propriedades hidráulicas do solo não saturado, que determinam o
comportamento do fluxo da água em seus vazios, são expressas pela curva de
condutividade hidráulica e pela curva característica do solo. A curva de condutividade
hidráulica do solo, conforme anteriormente citado, representa sua capacidade de
transmitir água. Já a curva característica, como se verá a seguir, é uma representação
da capacidade do solo armazenar água (RÖHM, 1997).
Antes de se definir o conceito de curva característica, faz-se necessário
apresentar outros conceitos básicos da Mecânica dos Solos não Saturados. O primeiro
deles é o de permeabilidade relativa (kr), definida por (RÖHM, 1997):
kr = k / kSAT (3.8)
onde:
kr permeabilidade relativa;
k permeabilidade para um dado grau de saturação;
kSAT permeabilidade saturada.
66
O coeficiente de permeabilidade relativa varia de 0 a 1. Quando o solo se
encontra em condição saturada, k = kSAT e kr = 1. Para a condição de solo seco, k = 0
e kr = 0.
À curva teor de umidade (volumétrico) versus sucção mátrica dão-se várias
denominações: curva característica solo-água (SWCC), curva de retenção da água no
solo, curva de sucção mátrica ou simplesmente curva característica. Segundo
CAMPOS (2004) e DELAGE (2002), a curva característica é conhecida através de
diversas abreviações, tais como: SMCC, SWCC, CCS, WRC. Visualiza-se na figura
3.5 a forma típica dos dois tipos de curvas que caracterizam um solo não saturado.
Segundo GERSCOVICH e SAYÃO (2002), numa curva característica de
umedecimento de um solo inicialmente em estado seco, os valores de umidade são
menores que os valores de umidade da curva característica de secagem para
qualquer valor de sucção adotado. Por conseguinte, a condição de solo totalmente
saturado raramente é alcançada durante processos de umedecimento dos solos. Este
comportamento não linear e dependente da trajetória seguida da curva característica,
portanto exibindo histerese, conforme pode-se observar na figura 3.5, é principalmente
atribuído à geometria não uniforme das interconexões entre os poros do solo e/ou ao
ar neles aprisionado.
ALONSO et al. (1987) ressaltam que ao se plotar o coeficiente de
permeabilidade com o grau de saturação, a histerese é bastante reduzida.
FREDLUND e RAHARDJO (1993) chegaram à mesma conclusão plotando k versus θ.
GERSCOVICH e SAYÃO (2002) dizem que, além do caminho ou trajetória
seguido para sua determinação, a forma da curva característica depende da
mineralogia e da granulometria dos solos, as quais por sua vez estão intrinsecamente
relacionadas com a distribuição do tamanho dos poros. Solos arenosos, por exemplo,
apresentam uma queda brusca de umidade para valores relativamente baixos de
sucção. Solos argilosos normalmente apresentam uma curva característica com
67
comportamento mais suave (figura 3.6a). Solos siltosos exibem um comportamento
intermediário. Finalmente, os solos de graduação uniforme, portanto mal graduados,
têm uma curva característica similar à dos solos arenosos, enquanto que os solos bem
graduados podem ser comparados aos solos argilosos.
O estado de tensões, a energia de compactação e a estrutura são também
parâmetros que influenciam a forma da curva característica dos solos granulares finos
(VANAPALLI et al., 1999). A compactação de um solo originalmente inalterado ou de
estrutura não perturbada causa uma redução do volume dos macroporos e tem uma
pequena, e até mesmo desprezível, influência nos pequenos poros ou microporos do
solo. Dessa forma, existe um acréscimo na porcentagem de poros com volume
intermediário, resultando em uma curva característica com um patamar mais
pronunciado para valores baixos de sucção (figura 3.6b) (GERSCOVICH e SAYÃO,
2002).
Figura 3.5 – Curva característica (θ x sucção mátrica) (a) e curva k x sucção mátrica
(b) (adaptado de FREDLUND e RAHARDJO, 1993).
68
Figura 3.6 – Curvas características típicas: (a) influência da granulometria e (b)
influência da estrutura do solo (adaptado de GERSCOVICH e SAYÃO, 2002).
Normalmente a forma típica de uma curva característica, conforme visualizada
na figura 3.7, é de um esse (S). Dela, obtêm-se quatro parâmetros que podem defini-
la: o teor de umidade volumétrico saturado (θs); o teor de umidade volumétrico residual
(θr); a pressão de entrada de ar ou pressão de borbulhamento (ψb) e a capacidade de
retenção volumétrica da água (∆ψ / ∆θ).
Figura 3.7 – Parâmetros obtidos de uma curva característica (adaptado de
GERSCOVICH e SAYÃO, 2002).
69
O teor de umidade volumétrico (θ) foi definido nos parágrafos anteriores. A
pressão de borbulhamento (ψb) define o valor de sucção na qual a água dos
macroporos começa a drenar para fora do solo. O valor de ψb é relativamente pequeno
e depende do tamanho dos poros do solo. A pressão de borbulhamento pode ser
graficamente estimada como mostrado na figura 3.7.
O teor de umidade residual (θr) é o limite inferior, além do qual um acréscimo
na sucção mátrica não reduz significativamente a umidade no solo. O valor de θr pode
ser obtido, também graficamente, como indicado na figura 3.7.
3.2.12 – Relações empíricas
A curva característica pode ser definida segundo relações empíricas, obtidas
dos dados de sucção mátrica e umidade volumétrica de ensaios específicos de
medição destes parâmetros.
Diversas equações estão disponíveis na literatura para representar
matematicamente os valores de uma curva característica. Essas equações, por sua
vez, são utilizadas em funções empíricas para modelar o fluxo em solos não
saturados. A maior parte delas é baseada na hipótese de que a forma da curva
característica depende da distribuição dos tamanhos de poros do solo. GARDNER
(1958), BROOKS e COREY (1964), FARREL e LARSON (1972), VAN GENUCHTEN
(1980), WILLIAMS et al. (1983), SAXTON et al. (1986), HAVERKAMP e PARLANGE
(1986), McKEE e BUMB (1987), FREDLUND e XING (1994) assumem que os
meniscos de água dentro dos poros do solo têm forma esférica e que os canais de
interligação entre os poros têm a forma cilíndrica. Os parâmetros de entrada destas
equações são calibrados por regressão linear dos dados obtidos experimentalmente
(GERSCOVICH e SAYÃO, 2002).
70
Outra maneira empírica de estimar a curva característica é a que utiliza a curva
granulométrica e propriedades físicas do solo (GOSH, 1980; ARYA e PARIS, 1981;
RAWLS e BRAKENSIEK, 1989). Segundo GERSCOVICH e SAYÃO (2002) estes
procedimentos simples são convenientes para a prática da engenharia, pois a
granulometria é um ensaio realizado em qualquer laboratório de solos convencional.
Entretanto, tais procedimentos desconsideram o estado de tensões e a estrutura do
solo, entre outros fatores que têm papel fundamental na definição da forma da curva
característica e influência no comportamento do fluxo dos solos não saturados.
PREVEDELLO e LOYOLA (2002), apesar de concordarem que a curva de retenção ou
curva característica é determinada pela distribuição do tamanho dos poros,
apresentam um modelo numérico, onde a curva granulométrica é trasladada para a
curva característica, assumindo que possuem a mesma forma. Aparentemente
simples, esta hipótese de traslado é baseada em uma função “spline” cúbica
(PREVEDELLO, 1987) e pelo algoritmo de ARYA e PARIS (1981). Os resultados desta
metodologia parecem promissores, tanto para solos argilosos quanto para arenosos.
Nas figuras 3.8 e 3.9 observam-se alguns ajustes, tanto para a previsão sem um ponto
conhecido como para aquela que se apoiou em um ponto determinado
experimentalmente. Entretanto, reconhecem os autores que “evidentemente, como é o
tamanho e distribuição dos poros, e não o tamanho e distribuição das partículas, que
determinam a curva de retenção, alguns desvios poderão ocorrer.” (PREVEDELLO e
LOYOLA, 2002).
71
(a) (b)
Legenda:
valores estimados pelo modelo; valores obtidos experimentalmente.
Figura 3.8 – Curva de retenção de água de um latossolo roxo (horizonte A) : (a)
estimativa considerando um ponto conhecido da curva de retenção; (b) estimativa sem
nenhum ponto (PREVEDELLO e LOYOLA, 2002).
(a) (b)
Legenda:
valores estimados pelo modelo; valores obtidos experimentalmente.
Figura 3.9 - Curva de retenção de água de uma areia marinha : (A) estimativa
considerando um ponto conhecido da curva de retenção; (B) estimativa sem nenhum
ponto (PREVEDELLO e LOYOLA, 2002).
72
GERSCOVICH e SAYÃO (2002) mostraram que as equações empíricas de
GARDNER (1958), VAN GENUCHTEN (1980) e FREDLUND e XING (1994),
apresentadas a seguir, fornecem bons ajustes da curva característica para solos
brasileiros já estudados. Entretanto, CAMPOS (2004) considera que a maioria das
equações existentes não se ajusta satisfatoriamente aos solos brasileiros.
• Equação de GARDNER (1958):
(3.9)
onde:
α e n parâmetros de ajuste da equação;
Θ teor de umidade volumétrico normalizado = (θ - θr) / (θs - θr).
• Equação de VAN GENUCHTEN (1980):
(3.10)
similar à anterior, onde:
m parâmetro de ajuste da curva, com m = 1 – 1/n.
• Equação de FREDLUND e XING (1994):
(3.11)
73
onde o primeiro termo é um fator de correção para altos valores de sucção, e:
a, m e n parâmetros da equação;
ψ sucção mátrica;
ψr sucção mátrica correspondente à umidade volumétrica residual;
ψo sucção mátrica correspondente ao solo seco (106 kPa);
θs umidade volumétrica de saturação.
3.2.13 – Medição da sucção nos solos
MARINHO (1997) lembra que para se medir ou detectar uma grandeza física
ou química é necessário possuir um elemento que interaja com essas grandezas.
Esse elemento (ou instrumento) é designado sensor. Ele permite converter medições
de um tipo de sinal para outro, através de uma calibração (correspondência entre as
leituras de um instrumento e valores de uma grandeza física por ele medida, direta ou
indiretamente).
No caso dos solos não saturados, conforme mencionado no item 3.2.3, as
variações na sucção total, e portanto no comportamento mecânico, são fortemente
influenciadas pela sucção mátrica, constituindo-se esta última a grandeza a ser
medida. Para tal, o sensor ou instrumento deverá interagir com o solo, podendo fazê-lo
em contato direto com o mesmo (métodos diretos) ou não (métodos indiretos).
MARINHO (1997) ressalta que não há qualquer prejuízo para a medição da sucção
utilizando-se um ou outro método. Ressalva, entretanto, que, antes do início de um
processo de medição de sucção utilizando-se qualquer dos métodos citados, deve-se
certificar que o solo esteja em equilíbrio com o meio ambiente no qual está inserido.
Um dos princípios utilizados pelos Métodos Indiretos é o que diz que o solo,
quando em equilíbrio com o ar em seu entorno, terá uma sucção proporcional à
74
umidade relativa do ar. Assim, os sensores utilizados nesse caso determinam a
sucção através da umidade relativa do ar, interagindo ou entrando em equilíbrio com o
vapor d’água proveniente do sistema solo/água intersticial. É o caso dos psicrômetros
e do papel filtro. A grandeza medida é a sucção total, já que ambas as sucções
(osmótica e mátrica) estão ocorrendo no sistema solo/água.
Nos métodos ditos diretos, o princípio básico utilizado é o da absorção por
capilaridade. Como o sensor, nesses métodos, se encontra em contato com a água
intersticial, o equilíbrio de sucção entre o solo e o sensor se dará através de um fluxo
capilar. Ou seja, o sensor possui a habilidade de absorver água do solo ou de perder
água para ele, atingindo em seguida um equilíbrio.
Após o equilíbrio ser atingido processa-se a medição que pode ser feita através
de vários instrumentos: papel filtro (em contato com o solo), termo-dissipador,
tensiômetro, entre outros. A grandeza medida nesse caso é a sucção mátrica.
3.3 – Aspectos da análise de estabilidade de taludes
3.3.1 – Aspectos sobre a resistência ao cisalhamento dos solos não saturados.
Segundo GUIDICINI e NIEBLE (1984), para que ocorra um escorregamento é
necessário que a razão entre a resistência média ao cisalhamento do solo ou da rocha
e as tensões médias de cisalhamento na superfície potencial de movimentação
(quociente conhecido como fator de segurança) tenha decrescido, de um valor inicial
maior que 1 até a unidade, no instante do escorregamento. O decréscimo nesta
relação é, via de regra, gradual, envolvendo uma deformação progressiva do corpo do
material situado acima da superfície potencial de escorregamento.
A resistência ao cisalhamento de um solo saturado é geralmente descrita
utilizando-se o critério de Mohr-Coulomb e o conceito de tensões efetivas proposto por
Terzaghi, ou seja:
75
τ = c’ + ( σ − uw ) tg φ’ (3.12)
onde:
τ é a resistência ao cisalhamento na ruptura;
c’ é a coesão efetiva do solo;
σ tensão normal total;
uw poro-pressão na água;
φ’ ângulo de atrito interno do solo.
Entretanto, boa parte dos solos, em seu estado natural, encontra-se numa
condição não saturada. Neste caso, a expressão (3.12) não representa
adequadamente os fatores e interações intervenientes na resistência ao cisalhamento
de um solo não saturado. Para tal, há relações estabelecidas na bibliografia que
mostram que a resistência ao cisalhamento em solos não saturados é governada pela
sucção, dada por (uA-uW), também chamada sucção mátrica (LACERDA e ALMEIDA,
1995).
A expressão mais conhecida que relaciona a resistência ao cisalhamento com
a sucção é a de Bishop, baseada no critério de ruptura de Mohr-Coulomb e no
princípio das tensões efetivas:
τ = c’ + [ ( σ - uA ) + X ( uA – uW) ] tg φ’ (3.13)
onde:
τ resistência ao cisalhamento do solo;
c’ coesão efetiva;
σ tensão total;
φ’ ângulo de atrito interno efetivo;
uW pressão na fase líquida do fluido dos vazios do solo;
76
uA pressão na fase gasosa do fluido dos vazios do solo;
X parâmetro que depende do grau de saturação, tipo de solo e de efeitos de
histereses decorrentes da secagem ou umedecimento do solo.
FREDLUND et al. (1978) propuseram uma expressão para a resistência ao
cisalhamento de solos não saturados em termos de duas variáveis de estado de
tensão independentes. Segundo esses autores, entretanto, a forma de expressão mais
prática do ponto de vista de aplicações em Engenharia é:
τ = c' + (uA - uW) tan φb + (σ - uA) tan φ' (3.14)
onde :
τ resistência ao cisalhamento;
c' coesão efetiva;
(uA - uW) sucção mátrica;
(σ - uA) tensão líquida;
φ' ângulo de atrito efetivo;
φb parâmetro considerado constante para determinado solo.
Vários pesquisadores têm discutido desde então alguns aspectos referentes à
proposição de FREDLUND et al. (1978). WOOD (1979), por exemplo, mostra que há
uma relação entre o parâmetro φb e o parâmetro X de Bishop e comenta que se X não
é uma constante do solo, não haveria nenhuma razão para tgφb o ser. ESCÁRIO e
SAEZ (1986) também questionaram a invariabilidade de φb . DELAGE et al. (1987)
mostram resultados experimentais que permitem concluir que φb varia com a sucção,
e que a coesão e o ângulo de atrito interno também variam com a sucção mátrica
(figura 3.10).
77
Figura 3.10 – Variação da coesão e do ângulo de atrito interno em função da sucção
mátrica e φb (DELAGE et al., 1987. In: RÖHM, 1997).
FREDLUND et al. (1987) admitem a não linearidade da envoltória de
resistência dos solos não saturados.
3.3.2 - Deslizamentos ou escorregamentos. Classificação.
Movimentos de massas, ou movimentos de solos e rochas, têm sido objeto de
amplos estudos, não apenas por sua importância como agentes atuantes na evolução
das formas de relevo, mas também em função de suas implicações práticas e de sua
importância do ponto de vista econômico. Assim, diversos são os campos de
especialização que os enfocam (geologia, geotecnia, geomorfologia, entre outras),
gerando aspectos nem sempre concordantes (GUIDICINI e NIEBLE, 1984).
Ainda segundo GUIDICINI e NIEBLE (1984), deve-se, talvez, aos mecanicistas
de solos a mais importante contribuição ao estudo dos mecanismos de tais
movimentos, genericamente chamados de escorregamentos. O termo escorregamento
tem sido comumente utilizado no sentido de abranger todo e qualquer movimento de
78
materiais terrosos e/ou rochosos, independentemente da diversidade de processos,
causas, velocidades, formas e demais características.
Face à extrema diversidade de enfoque, à complexidade dos processos
envolvidos e à multiplicidade de ambientes de ocorrência, o tema escorregamento
apresenta uma grande dificuldade de análise e síntese (GUIDICINI e NIEBLE, 1984).
Essa dificuldade se manifesta na inexistência de um sistema classificador
razoavelmente divulgado e aceito, conseqüência da própria falta de definições básicas
dos fenômenos envolvidos e da ausência de uma nomenclatura padronizada
(GUIDICINI e NIEBLE, 1984).
Assim, ocorreu uma grande proliferação de sistemas classificatórios, a maioria
com aplicabilidade regional - influenciada pelas condições do ambiente em que o autor
as elaborou.
GUIDICINI e NIEBLE (1984) estabeleceram uma classificação com base na de
FREIRE (1965). Nesta classificação nota-se a ausência dos deslizamentos ou
escorregamentos de lixo e solo em taludes naturais, de ocorrência significativa
principalmente nas favelas não assistidas por programas de coleta e disposição de
resíduos sólidos.
FEIJÓ et al. (2001) propõem uma classificação própria para melhor descrever
os acidentes geotécnicos mais comumente observados nas encostas do Município do
Rio de Janeiro. Essa classificação reuniu 13 tipos, incluindo as rupturas de estruturas
de contenção (normalmente associadas às obras de contenção realizadas por leigos
sem critérios técnicos) e os correspondentes aos processos erosivos (superficiais) e
assoreamentos.
A tabela 3.1 mostra a classificação de acidentes geotécnicos adotada na
GeoRio, na qual vislumbra-se o escorregamento de lixo/entulho sob a sigla EL/E.
79
Tabela 3.1 – Classificação dos acidentes geotécnicos adotada na GeoRio (FEIJÓ et al.
2001)
Tipo de Acidente SimbologiaEscorregamento de Solo ES/tc
Escorregamento de Solo/Rocha ES/RtcTalude de Corte
Escorregamento de Rocha ER/tcRuptura de Aterro RA
Escorregamento de Solo ES/enEscorregamento de Solo/Rocha ES/R/enTalude Natural
Escorregamento de Rocha ER/enQueda/Rolamento de Blocos ou Lascas Rochosos Q/R
Escorregamento de Tálus ETRuptura de Estrutura de Contenção REC
Escorregamento de Lixo/Entulho EL/ECorridas C
Processos Erosivos/Assoreamento PE/A
Para o presente estudo, adotar-se-á a classificação ou tipologia proposta no
tabela 3.1, tendo em vista sua aplicabilidade para o cenário escolhido: a cidade do Rio
de Janeiro e suas favelas. Também para efeito de entendimento desta tese, adotar-se-
á a seguinte definição para o termo escorregamento: é um movimento rápido, de
duração relativamente curta, de massas de terreno geralmente bem definidas quanto
ao seu volume, cujo centro de gravidade se desloca para baixo e para fora do talude.
A velocidade de avanço de um escorregamento cresce mais ou menos rapidamente,
de quase zero a pelo menos 0,30m/h (TERZAGHI, 1950), decrescendo, a seguir, até
um valor diminuto. Velocidades maiores, da ordem de alguns metros por segundo
podem ser atingidas (GUIDICINI e NIEBLE, 1984). O escorregamento rotacional pode
ser dividido em escorregamento de talude (figura 3.11a) e escorregamento de base
(figura 3.11b), conforme a profundidade da superfície de escorregamento.
80
Figura 3.11 – Dois casos teóricos de deslizamento rotacional: (a) escorregamento de
talude e; (b) escorregamento de base (KRYNINE e JUDD, 1957. In: GUIDICINI e
NIEBLE, 1984).
FEIJÓ et al. (2001) também concluíram que, de 1998 a 2000, os
escorregamentos de solo em taludes de corte (ES/tc), normalmente de pequeno
volume, corresponderam a 40,2% dos acidentes geotécnicos registrados pelas
vistorias de campo da GEORIO. A seguir, apareceram as rupturas de estruturas de
contenção (REC) com 23,1% e escorregamentos de lixo e entulho (EL/E) com 7%.
3.3.3 – Agentes causadores dos escorregamentos.
Segundo LACERDA (1998), os mecanismos de instabilidade de taludes em
solos tropicais têm sido abordados por inúmeros autores, TERZAZGHI (1950),
BARATA (1969), COSTA NUNES (1969), DEERE e PATTON (1971), de MELLO
(1972), GUIDICINI e NIEBLE (1984) e HUTCHINSON (1988), para citar apenas
algumas das mais importantes publicações sobre o assunto. Destes trabalhos, retiram-
se aspectos importantes com relação ao comportamento (face à ação dos agentes)
dos taludes em solo tropical na região da cidade do Rio de Janeiro, ou seja:
a) Perda de sucção : a perda de sucção é o principal processo de instabilidade. A
vegetação aumenta a resistência ao cisalhamento do solo superficial, o qual
apresentará um intercepto de coesão devido à ação de reforço propiciado pelas
81
raízes. O intercepto de coesão caracteriza um aumento do efeito da coesão
aparente no solo. A coesão aparente ocorre pela presença de água intersticial em
solos, mesmo em materiais perfeitamente não-coesivos, como as areias finas e
limpas. Esta água pode conferir ao solo, por efeito de pressão ou tensão capilar,
características de materiais coesivos. Entretanto, como esta coesão desaparece
completamente após imersão ou após secagem, ela é dita aparente.
Em taludes onde o nível freático é baixo, ele se apresenta estável. Contudo,
a infiltração da água da chuva traz o solo superficial a um estado bem próximo da
saturação. Se a frente de saturação puder alcançar uma profundidade situada
abaixo da base da zona enraizada, a perda de coesão aparente pode causar a
ruptura do talude. WOLLE (1988) e WOLLE e HACHICH (1989) têm mostrado este
fenômeno como causa de milhares de escorregamentos próximos do topo, na faixa
costeira próxima à cidade de Cubatão – SP. O acúmulo dos detritos destes
escorregamentos na baixada junto ao mar foi a causa do recobrimento com lama
da cidade de Caraguatatuba, próxima a Santos, em 1967 (JONES, 1973). A perda
de sucção está diretamente vinculada à infiltração da água da chuva. VARGAS Jr
et al. (1986) concluíram que, em solos residuais de gnaisse, para 180 mm de
precipitação num período de 7 horas (25,7 mm/h), a frente de saturação pode
alcançar uma profundidade de 4 metros, o suficiente, na maioria dos casos, para
superar a região do solo com predominância de raízes. VARGAS Jr et al. (1990)
realizaram ampla análise de infiltração e perda de sucção em taludes de solos não
saturados para diversas condições de contorno.
b) Variação do nível d’água e aqüíferos artesianos: deve-se conhecer bem o
mecanismo de redução no fator de segurança devido à elevação do nível d’água
no colúvio, pois o mesmo é responsável pela constante movimentação do material
coluvial que recobre o solo residual ou a rocha.
c) Queda de blocos de rocha: a esfoliação térmica faz com que lascas ou pedaços de
rochas sejam produzidos freqüentemente, e as fendas de alívio paralelas à
82
superfície da rocha agem como um caminho preferencial para a infiltração da água
da chuva. Daí, tem-se a separação da lasca em relação à rocha-mãe, ficando
pronta para cair sobre um talude.
d) Corrida ou fluxo de detritos (debris flows): a corrida de detritos pode ter muitas
causas, uma das quais é a queda de blocos ou lascas de rocha sobre um colúvio
saturado durante a ocorrência de fortes chuvas, como foi abordado no item c).
Outra causa é o processo erosivo que ocorre durante temporais, como descrito por
COSTA NUNES (1969): “devido aos temporais que caem sobre as partes mais
altas de taludes saturados, predominantemente de solo siltoso, ravinas ou sulcos
erosivos são escavados e o solo adjacente colapsa próximo à sua base, mais e
mais, aumentando o fenômeno, o qual aumenta a área afetada, como uma
avalanche....” LACERDA (1998) chama a atenção para o fato de que este processo
é favorecido, simultaneamente ou não, pelas seguintes circunstâncias:
- chuvas excepcionalmente intensas;
- solos siltosos ou silto-arenosos (altamente erodíveis);
- falta de uma drenagem adequada;
- altas declividades do terreno natural e;
- fina camada de solo recobrindo o substrato rochoso.
Mais recentemente, tem sido mostrado (COELHO NETO, 1985) que este
processo é predominante em áreas onde a cobertura vegetal (floresta natural) tem
sido removida para fins de agricultura ou por degradação devido à poluição;
e) Raios: o impacto de raios sobre rochas e blocos de rocha podem fazer com que
sejam projetados a certa distância, podendo eclodir um escorregamento devido ao
impacto do bloco sobre o talude.
Estes são os principais fatores, agentes e mecanismos que deflagram
escorregamentos.
83
3.3.4 – Métodos para cálculo de estabilidade de taludes
Os métodos de análise de estabilidade de taludes conhecidos até o momento
são os abaixo enumerados (GUIDICINI e NIEBLE, 1984):
1) Modelos físicos ou reduzidos: podem fornecer informações sobre o padrão de
comportamento e informações quantitativas quanto à estabilidade de taludes;
2) Modelagem numérica: graças ao desenvolvimento dos recursos da informática,
tornou-se ferramenta poderosa de análise de estabilidade de taludes usando
tensões e deformações. Permite várias simulações;
3) Equilíbrio-limite: segundo HUAMÁN et al. (1992), análises de estabilidade de
taludes, na prática da engenharia geotécnica, são efetuadas, na maioria das
vezes, utilizando-se métodos de equilíbrio-limite. A análise de equilíbrio-limite
considera que as forças que tendem a induzir a ruptura do talude são contrapostas
e equilibradas pelos esforços resistentes. A fim de comparar a estabilidade de
taludes em condições diferentes de equilíbrio-limite, define-se o fator de segurança
(FS), inicialmente mencionado no item 3.3.1, como a relação entre a resultante das
forças solicitantes e as resistentes ao escorregamento. À condição de equilíbrio-
limite corresponderia um fator de segurança unitário. Vale ressalvar, entretanto,
conforme dizem HOEK e BRAY (1974) que, “devido às incertezas sobre dados de
entrada nos cálculos, o valor do fator de segurança não é suficientemente digno de
confiança...” (GUIDICINI e NIEBLE, 1984).
Atualmente, o fator de segurança é utilizado como um índice relativo, servindo
para mensurar a sensibilidade de um projeto a mudanças em parâmetros
significativos.
84
Na prática de engenharia, o êxito na aplicação de um determinado método
depende fundamentalmente da escolha do modelo de ruptura (GEO, 1997), ou seja,
da escolha do tipo de superfície potencial de ruptura do talude.
A seleção do modo de ruptura possível deve basear-se no conhecimento da
geologia in situ e do perfil do solo intemperizado (CALLE, 2000). Entretanto, outros
fatores são necessários à análise de estabilidade de um talude, tais como a topografia,
a resistência ao cisalhamento, as condições do nível d’água e as cargas externas
(GEO, 1997).
Dentre os métodos mais conhecidos atualmente e que utilizam o equilíbrio-
limite e o critério de ruptura de Mohr-Coulomb para solos, tem-se:
- FELLENIUS ou Sueco ou das fatias (1936)
- TAYLOR (1937);
- BISHOP (1955);
- JANBU (1954, 1973);
- SPENCER (1967);
- MORGENSTERN e PRICE (1965).
A superfície de ruptura adotada nos quatro primeiros é circular. Nos demais
tem-se superfícies não-circulares.
Existem diversos outros métodos, não tão usuais, como os citados em estudos
como o de CALLE (2000) e GUIDICINI e NIEBLE (1984).
Comparações entre os métodos de cálculo do fator de segurança foram feitos
por diversos trabalhos da bibliografia internacional, tais como em WHITMAN e
MOORE (1963), WRIGHT et al. (1973), FREDLUND e KRAHN (1977),
MORGENSTERN e SANGREY (1978), DUNCAN (1980), CHING e FREDLUND (1983)
e FREDLUND (1984). Destes estudos concluiu-se, por exemplo, que os valores de FS
calculados por Fellenius são geralmente menores que os demais (portanto mais
conservadores), tanto que, em condições extremas, o valor do FS calculado por esse
85
método chega a ser a metade do valor calculado pelos métodos que satisfazem todas
as condições de equilíbrio.
Já os valores de FS calculados pelo método simplificado de Bishop são
geralmente comparáveis àqueles calculados pelos métodos que satisfazem todas as
condições de equilíbrio. As diferenças encontradas variam de 0 a 6% (CALLE, 2000).
Conforme dizem LAMBE e WITHMAN (1969), no passado os cálculos de
estabilidade de taludes envolviam um considerável tédio. Esta situação tem sido
mitigada pelo largo emprego de computadores. É essencial, entretanto, que qualquer
engenheiro que use programas de computador tenha bastante cuidado com as
limitações do método de cálculo usado como base do programa. Ábacos de
estabilidade, dando combinações de coesão e ângulo de atrito necessários à
estabilidade em situações típicas, estão disponíveis e são usados em análises
preliminares.
Estudos recentes têm demonstrado que o método do equilíbrio-limite, apesar
de largamente aplicado, possui deficiências. HUAMÁN et al. (1992), citando
CHOWDHURY (1978), por exemplo, diz que uma das hipóteses comuns a estes
métodos é a de que o fator de segurança é constante ao longo da superfície potencial
de ruptura. Numerosos casos históricos, entretanto, mostram que deslizamentos
raramente ocorrem de maneira abrupta ou instantânea sendo, desta forma,
questionável que a ruptura ocorra simultaneamente ao longo de toda a superfície
potencial de ruptura como pressupõem os métodos de análise de estabilidade
convencionais. Desta forma, a ruptura ocorreria de maneira progressiva, iniciando-se,
segundo de CAMPOS (1985), na forma de uma ruptura localizada decorrente de
pontos no interior do maciço sujeitos a grandes deformações ou a concentração de
tensões. A transferência de tensões excessivas a pontos adjacentes pode criar
condições para a ocorrência de ruptura generalizada, através de um processo
progressivo de ampliação da zona plastificada.
86
Esta evolução da zona plastificada com o tempo pode ser visualizada em
simulações numéricas de tensão-deformação (programas de computadores)
utilizando-se malhas de elementos finitos, por exemplo. Apesar deste tipo de análise
ter se desenvolvido nos últimos quarenta anos, segundo HUNGR (1997), há uma
tendência de se integrar estas metodologias num futuro próximo.
87
CAPÍTULO 4
ESTUDO EXPERIMENTAL DA INFLUÊNCIA DE PEQUENOS DUTOS
NA INFILTRAÇÃO DE ÁGUA DE CHUVA
4.1 – Introdução
Conforme relatado no capítulo 2, com o término da obra da Geo-Rio os
trabalhos de campo na favela Santa Marta ficaram inviáveis por problemas de
segurança - triste constatação de mais um dos vários corolários da violência urbana.
Desta forma, com o intuito de se verificar a validade das hipóteses delineadas
no Capítulo 2, procedeu-se à modelagem, em laboratório, da presença de pequenos
dutos em um maciço de solo, como encontrados no campo.
4.2 – Algumas considerações sobre modelos físicos
Segundo CARNEIRO (1993), se dois processos físicos são semelhantes, é
possível prever o comportamento de um deles quando é conhecido o comportamento
do outro. Numa experimentação deste tipo, os dois processos físicos são o protótipo e
o seu modelo. Utiliza-se o modelo por ser mais fácil ensaiá-lo em laboratório. Em geral
os modelos podem ser em escala geométrica reduzida, daí serem chamados de
modelos reduzidos.
88
A primeira condição para a semelhança física é a semelhança geométrica.
Entretanto, ela não é suficiente. Um modelo reduzido não é uma simples maquete. As
dimensões correspondentes relacionam-se pela escala geométrica.
No caso de processos transientes, a semelhança física implicará em escalas
de tempos diferentes: os dois processos físicos semelhantes (protótipo e modelo
reduzido) desenvolvem-se ao longo do tempo com velocidades diferentes. Os pontos e
instantes correspondentes, nos dois processos são chamados de homólogos.
Em dois processos físicos semelhantes, os parâmetros envolvidos são os
mesmos (CARNEIRO, 1993). A relação entre a magnitude (quantidade) de uma
grandeza nos dois processos é chamada de escala ou fator de escala. Na
experimentação com modelos, define-se como fator de escala a relação entre a
magnitude da grandeza no modelo e no protótipo; se o modelo é reduzido, então a
escala geométrica é menor que a unidade, sendo representada por:
1 : (xp / xm) (4.1)
onde:
xp escala do protótipo;
xm escala do modelo.
No caso do tanque experimental utilizado, as proporções geométricas são
próximas da situação de campo (encosta-protótipo) e, portanto, não se constitui em
um modelo reduzido. Assim, uma vez que o tanque não se constitui em um modelo
reduzido, fica isento dos problemas de interpretação advindos deste tipo de
modelagem, como o efeito de escala (um fator antes secundário ou desprezível passa
a ter papel importante no modelo).
89
CARNEIRO (1993) exemplifica o efeito de escala citando o caso de corpos
constituídos de grãos ou partículas (solo), que podem ser macroscopicamente
considerados como contínuos no protótipo, mas não no modelo, se a dimensão
representativa desses grãos é a mesma (inclusive desrespeita-se a condição de
semelhança imposta pela adoção de um fator de escala). Por outro lado, se fossem
reduzidas as dimensões dos grãos no modelo, segundo um fator de escala adotado,
poderia haver uma intensificação da influência de um fenômeno cujo efeito seria
desprezível no protótipo (se os grãos forem muito reduzidos, a tensão superficial da
água passa a ter uma influência considerável, ao contrário do que acontece no
protótipo).
4.3 – Tanque experimental
4.3.1 – Concepção
O emprego de caixas ou tanques experimentais, mais conhecidos na literatura
como “flumes” (AVELAR, 2003), tem se diversificado no estudo de vários problemas,
inclusive os geotécnicos. JANSEN (2001) realizou estudos sobre a influência das
raízes de árvores na infiltração de água no solo. AVELAR (2003), assim como diversos
outros pesquisadores internacionais, utilizou uma caixa para o estudo do efeito da
água subterrânea nos deslizamentos e fluxos detríticos.
Nesta tese, o tanque experimental foi concebido para o estudo da influência de
pequenos dutos na percolação e no regime de fluxo de água de chuva infiltrada em um
solo não saturado. Para atender a este requisito, foi necessário conceber um sistema
composto de três aparatos: o tanque propriamente dito, para ensaio com amostra de
solo; um pluviador de solo (ao ar), baseado no modelo de MIURA & TOKI (1982), para
moldagem do corpo de prova, e um pluviador, utilizado como entrada de água no
modelo.
90
4.3.1.1 – O projeto do tanque
O tanque adotado para a modelagem foi originalmente criado e utilizado para o
estudo de fundações. É composto basicamente de chapas de alumínio, de formato
semicircular, raio de 30 cm e tampa frontal de acrílico de 60 cm x 40 cm, para permitir
a visualização de mecanismos de ruptura. O fundo, também em chapa de alumínio, é
plano e aparafusado no corpo do tanque. A tampa frontal é presa sob a pressão de
parafusos.
Para viabilizar a utilização do tanque para os estudos de infiltração e
percolação, foi necessária a realização de um teste preliminar de estanquidade.
Constatou-se que o mesmo apresentava vazamento em inúmeros pontos, no fundo e
na frente. Em uma primeira tentativa, providenciou-se a troca das borrachas de
vedação do fundo e implantou-se novas tiras entre a placa de acrílico e a parede do
tanque para a vedação na parte frontal do tanque. Para garantir a eficiência do
sistema de vedação, foi aplicado silicone em todos os locais passíveis de vazamento
de água.
Além de dotar o tanque de estanquidade, foram necessárias outras
adaptações para adequar o tanque às necessidades do ensaio proposto. Por exemplo,
foi necessária a usinagem de peças específicas e montagem de conexões para
possibilitar a medição de vazões e de níveis piezométricos.
Para a drenagem do fundo do tanque, foram realizadas as seguintes medidas:
a) furação da placa de alumínio do fundo no seu baricentro para implantação de uma
válvula para tanque de 32 mm (1 ¼ “);
b) execução de revestimento do fundo do tanque com argamassa colante aditivada
com produto impermeabilizante (Cimentcola com Sikalite).
c) fixação do tanque (de aproximadamente 15 kgf) sobre suporte metálico, com
velcro de alta resistência. O suporte promoveu uma elevação de 30 cm do tanque
91
acima da bancada, fornecendo desta maneira o espaço necessário para a
instalação do derivador e tubos de coleta da água;
d) colocação de derivador na saída da válvula: um ramal de tubo para atender o
piezômetro, e um segundo para proporcionar a drenagem da água;
e) usinagem de cantoneiras para fixação dos tubos piezométrico e de drenagem.
A figura 4.1 apresenta o desenho esquemático (vista frontal e em planta baixa) do
tanque.
Figura 4.1 – Desenho esquemático do tanque experimental
92
Um aspecto delicado na montagem do experimento foi o projeto do colchão
drenante, no fundo do tanque, que permitisse uma drenagem franca e ao mesmo
tempo impedisse o carreamento do solo. Outro foi a reprodução, em laboratório, do
pequeno duto encontrado no levantamento de campo, considerando que o solo da
modelagem é uma areia fina (instabilidade nas paredes do duto).
Para o primeiro quesito, havia-se projetado preliminarmente um colchão
drenante tradicional, composto de brita e coberto com geotêxtil. Vários foram,
entretanto, os aspectos desfavoráveis para sua adoção: a significativa deformabilidade
do geotêxtil, ao ser solicitado pelo pesado corpo de prova (146 kgf), quando apoiado
sobre pedras pontiagudas, causaria o surgimento de fronteira drenante irregular;
desprendimento do geotêxtil no contato com as paredes do tanque, causando
vazamento e perda de solo pela válvula; a perda de espaço, que seria ocupado pelo
colchão de brita, reduzindo significativamente a altura final do corpo de prova (ou a
margem livre até a borda superior do tanque).
No caso da simulação do pequeno duto no interior do maciço de areia fina
compacta, pensou-se, a priori, na confecção de uma meia cana a partir de um tubo de
esgoto em PVC de 50 mm. Com furos ao longo de toda a sua parede, simularia um
furo permeável ou drenante. Aproveitar-se-ia a pressão da areia sobre a meia cana
como fixação do mesmo à parede de acrílico.
Estas soluções mostraram-se inadequadas quando implementadas.
As soluções definitivas surgiram quando se vislumbrou a possibilidade do
emprego de um geocomposto fabricado pela Maccaferri para fins de drenagem em
obras: o MacDrain 2L. Segundo especificações do fabricante, o produto é um
geocomposto para drenagem, leve e flexível, cujo núcleo drenante é formado por uma
geomanta tridimensional, fabricada com filamentos de polipropileno e termosoldada
entre dois geotêxteis não-tecido de poliéster em todos os pontos de contato. Devido à
pré-compressão da geomanta durante o processo de fabricação, ele mantém sua alta
capacidade de vazão mesmo quando instalado a grandes profundidades.
93
Ainda segundo o fabricante, O MACDRAIN®, numa drenagem vertical com 10
metros de profundidade, com apenas 1 cm de espessura, possui a mesma capacidade
drenante de 30 cm de brita com o geotêxtil.
A permeabilidade deste sistema, informada pelo fabricante, é de 1,1 x 10-1
cm/s. Sua capacidade de vazão vertical (i =1,00), para 20 kPa, é de 1,51 l/s.m ou 5436
l/h.m e, para i = 0,03 (3% de declividade), uma vazão 0,16 l/s.m ou 576 l/h.m
(MACAFERRI, 2004). Apesar de não se ter levado a cabo, nesta tese, ensaios
comprobatórios destas informações, os testes de vazão do tanque revelaram que este
sistema drenante não limitava o fluxo proveniente do corpo de prova (ksat = 2x10-2
cm/s).
A espessura total do conjunto é de 11,4 mm (sendo 10 mm do geocomposto e
0,7 mm de cada geotêxtil) (MACAFERRI, 2004). A figura 4.2 permite a visualização do
produto.
Figura 4.2 – Produto utilizado no sistema de drenagem e na moldagem do duto
(MACAFERRI, 2004).
Para a utilização do produto como fronteira drenante do tanque, foi necessário
arrancar um dos geotêxteis, pois o experimento requeria apenas uma camada filtrante.
Apesar da remoção de um dos geotêxteis, o produto apresentou resistência mecânica
compatível com as pressões atuantes (do corpo de prova), não mostrando
deformações que comprometessem o sistema, tanto com relação à sua eficiência
94
hidráulica, à manutenção do cordão de silicone, sem rupturas, no contato com as
paredes laterais do tanque, quanto à regularidade da fronteira drenante.
Seu material permitiu o recorte no formato semicircular do tanque com uma
simples tesoura. Além disto, em função da reduzida espessura, liberou espaço no
tanque para a moldagem de um corpo de prova de 30 cm de altura e conferiu um
melhor aspecto estético ao conjunto.
Na moldagem do pequeno duto, da mesma maneira que na solução adotada
para a fronteira drenante, um dos geotêxteis foi retirado, de modo a constituir um
sistema de uma única camada filtrante e outra drenante. O duto a ser simulado, na
verdade, deveria ter uma seção semicircular para possibilitar a visualização do fluxo
de água em seu interior. Adotou-se uma seção com 5 cm de diâmetro e 20 cm de
comprimento vertical.
O produto não era capaz de manter, por si só, a forma de semicírculo requerida
para a simulação do duto. A solução encontrada foi a de utilizar o antigo tubo de PVC,
cortado em seção meia-cana, de 5 cm, como molde (para manter o formato
semicircular) e colar as abas do geotêxtil à parede de acrílico do tanque. Assim,
depois de preenchido o modelo com o solo seco, o molde era retirado com sucesso.
Finalmente, projetou-se o sistema de medição das grandezas hidráulicas, ou
seja, a vazão do dreno do fundo do tanque e o nível piezométrico ao longo do corpo
de prova. Optou-se pela implantação de um derivador dotado de dois pequenos
registros, um para cada sistema. Este derivador, em PVC, foi acoplado ao sistema da
válvula do tanque.
Em uma das saídas do derivador instalou-se um tubo plástico transparente de
15 mm (½”) com comprimento suficiente para manter o nível d’água na fronteira
drenante (fundo do tanque). Um copo de Becker de 4000 ml, para leitura do volume de
água drenado, completava este sistema.
Na outra saída, conectou-se igualmente um tubo plástico transparente com
comprimento suficiente para atingir o topo do corpo de prova. Fixado no corpo do
95
tanque e ladeado por uma escala métrica, este tubo constituiu um piezômetro de tubo
aberto.
4.3.1.2 – O pluviador de solo
A técnica usual para estudos envolvendo solos granulares em laboratório,
como o realizado no tanque experimental, tem sido, segundo OLIVEIRA FILHO (1987),
a de empregar amostras reconstituídas do material. Isto se deve à dificuldade de
amostragem e consequentemente à qualidade da amostra desse tipo de material.
Para ensaios de solos granulares em laboratório, no presente estudo uma areia
fina, as condições de umidade e o modo de depositar a areia são duas características
básicas dos vários métodos disponíveis de preparação de amostras desse material.
Dentre os métodos descritos por OLIVEIRA FILHO (1987), foi adotada a
pluviação no ar, utilizando areia seca em estufa a 105°C. As justificativas para tal
escolha são por ele apontadas:
(1) obtenção de um corpo de prova uniforme (figura 4.3);
(2) reprodutibilidade e;
(3) simplicidade de operação.
Figura 4.3 – Aspecto homogêneo do corpo de prova durante a pluviação.
96
O método consiste em verter a areia seca através de um recipiente de abertura
pré-selecionada. Uma dada vazão, controlada pela abertura escolhida, produz, como
resultado, um corpo de prova com uma determinada densidade relativa (figura 4.4).
Figura 4.4 – Método de pluviação de areia seca (OLIVEIRA FILHO, 1987).
MULILIS et al. (1977) e MIURA & TOKI (1982) comentam que a abertura do
bocal e a altura de queda seriam os fatores preponderantes na determinação da
densidade relativa do corpo de prova. Entretanto, MIURA & TOKI (1982) fizeram
experiências com a areia de Toyura (Japão), variando a altura de queda e notaram
que a densidade relativa era muito pouco afetada. Para exemplificar, com um bocal de
20 mm (areia muito compacta), obteve-se uma densidade relativa de 85% para uma
altura de queda de 30 cm, enquanto que para uma altura de 70 cm a densidade
relativa passou para 88%, um acréscimo pouco significativo. Assim, o fator mais
importante para a definição da densidade relativa do material arenoso é a abertura do
bocal do recipiente.
Este método, ressalvam, é desaconselhável para solos granulares com
coeficientes de desuniformidade superiores a 5 (problemas de segregação das
partículas mais pesadas), o que não é o caso da areia utilizada no presente trabalho.
Inspirado no modelo apresentado por MIURA & TOKI (1982), utilizou-se o
pluviador ao ar ou MSP (‘Multiple Sieving Pluviation’, figura 4.5) para preparar o corpo-
de-prova (42 litros) a ser ensaiado no tanque experimental. Ele consiste, basicamente,
97
de um funil, feito com folha de flandres, com determinada abertura no bocal e de um
conjunto de peneiras, do tipo utilizado em ensaios de granulometria, além de uma
estrutura de fixação e sustentação vertical.
Figura 4.5 – Pluviador ao ar de areia utilizado no tanque experimental.
O funil utilizado tem 6,5 mm de abertura no bocal. As peneiras escolhidas são
fruto de correlações feitas por OLIVEIRA FILHO (1987) com base nos estudos
experimentais de MIURA & TOKI (1982), sendo que a escolha da malha é feita em
função das características granulométricas da areia. Assim, tem-se um conjunto de
peneiras empilhadas, de cima para baixo, da menor (#10) para a maior (#4) abertura.
Tendo em vista as dimensões (área) do tanque, foi necessário movimentar-se o
pluviador horizontalmente, mantendo-se assim a mesma altura de queda do material.
O tempo médio de pluviação para a moldagem de um corpo de prova
semicircular (0,30m de raio) e 0,30m de altura, para a realização da campanha de
ensaios, foi de 3h30’.
Em alguns ensaios procedeu-se à determinação da densidade relativa em três
níveis de pluviação, para controle da homogeneidade do corpo de prova e verificação
98
das observações de MIURA & TOKI (1982). Na cota 2,5cm (próxima à base do corpo
de prova), o valor médio da densidade relativa foi de 92,8% e na cota 24,0cm (próxima
da superfície da amostra), 89,5%, apresentando pois uma diferença de
aproximadamente 3%. Estes resultados não só corroboram as observações de MIURA
& TOKI (1982) como também permitem classificar o solo pluviado como muito
compacto, o que, segundo estes autores, conduzem a resultados mais confiáveis
(repetibilidade).
Ao final da pluviação, o peso do conjunto (tanque + suporte + amostra) era de
aproximadamente 90 kgf.
4.3.1.3 – O pluviador de água
Finalmente, o terceiro aparato, desenvolvido para esta tese, consistiu em um
dispositivo de entrada de água acoplado a um permeâmetro de carga constante, com
o intuito de evitar possíveis oscilações de carga hidráulica da rede pública.
O dispositivo (figura 4.6) permite simular vazões de várias intensidades. Ele é
composto de um ramal em tubo de PVC, diâmetro de 20 mm (3/4“), que alimenta sete
varetas de acrílico com comprimentos variáveis de forma a cobrir a superfície
semicircular, de 1413,7 cm² do corpo de prova. O espaçamento adotado entre as
varetas foi de 10 cm. Isto permitiu uma visualização do avanço gradual da frente de
umedecimento, com a formação de bulbos. Nas varetas foram perfurados orifícios de
1,5 mm de diâmetro, permitindo a obtenção de diversos padrões de gotejamento sobre
a amostra.
O sistema dispõe de dois registros: o primeiro, situado no alimentador, é um
registro tipo esfera, roscável, diâmetro de 20 mm (3/4”) em PVC, que tem a função de
iniciar/finalizar a simulação de chuva; o segundo, no permeâmetro (figura 4.7),
consiste de um registro de ajuste fino da vazão que é fornecida pelo reservatório do
99
permeâmetro de carga constante. Depois de calibrado o simulador de chuva, este
registro não era mais manuseado no decorrer do ensaio.
Posteriormente, foi instalado um nível de bolha no conjunto de forma a evitar
que pequenos desnivelamentos alterassem o regime ou padrão de gotejamento dos
orifícios.
O simulador de chuva é removível, de forma a permitir, quando terminado um
ensaio, a retirada e pluviação ao ar de uma nova amostra sem causar interferência. O
sistema de fixação adotado foi do tipo velcro aplicado no topo das paredes do tanque
e do simulador.
Figura 4.6 – Dispositivo de entrada de água.
Tendo em vista a visualização dos fenômenos de infiltração e percolação,
adotou-se, como típica, a vazão de 250 ml/min. Com este valor conseguiu-se um
padrão de gotejamento em todos os 13 orifícios do pluviador. Outros valores de vazão
foram também utilizados com o intuito de verificar a confiabilidade dos resultados
fornecidos pelo tanque na realização dos ensaios.
100
Figura 4.7 – Permeâmetro de carga constante e registro de calibração do fluxo,
integrantes do sistema de pluviação de água.
4.3.2 – Tipos de ensaios realizados
Com o objetivo de verificar a influência dos pequenos dutos sobre a infiltração
das águas de chuva, bem como a verificação das condições iniciais para subsidiar a
modelagem numérica, desenvolvida no Capítulo 5 deste trabalho, foram concebidos,
inicialmente, quatro ensaios:
Registro deregulagem da
vazão fornecidaao ensaio
101
Ensaio tipo 1: Amostra de areia seca em estufa (105°C), sem o pequeno duto,
com nível d’água mantido próxima à fronteira drenante, mas sem entrar em
contato com o solo, piezômetro fechado, drenagem aberta e pluviação de água.
Com este ensaio é possível a verificação de padrões de infiltração da água em
solo não saturado, ocorrência de fenômenos capilares e verificação da
evolução da permeabilidade média com o tempo (à medida que toda a amostra
vai sendo umedecida). Tempo médio de duração do ensaio: 2 horas;
Ensaio tipo 2: Amostra de areia úmida (perfil de umidade obtido após um
período de secagem), sem o pequeno duto, nível d’água mantido no mesmo
nível do ensaio tipo 1, drenagem fechada, piezômetro ativado e pluviação de
água. Com este ensaio foi possível verificar o tempo de início de ascensão dos
níveis piezométricos para uma dada condição anterior de umidade. Tempo
médio do ensaio: 15 minutos;
Ensaio tipo 3: idêntico ao ensaio tipo 1, porém com a presença do pequeno
duto no corpo de prova de solo;
Ensaio tipo 4: idêntico ao ensaio tipo 2, porém com a presença do pequeno
duto no corpo de prova de solo.
4.4 – O solo utilizado na modelagem
O solo utilizado nesta pesquisa, estudado por OLIVEIRA FILHO (1987) e
AVELAR (1996 e 2003), é uma areia fina a média, selecionada pelo vento, proveniente
da praia de São Francisco, na cidade de Niterói – RJ.
Quanto à mineralogia, é composta de grãos de quartzo, havendo também a
presença de biotita e eventualmente minerais escuros como a hematita e o lecoxênio.
102
A forma predominante dos grãos varia de subarredondada a subangular (OLIVEIRA
FILHO, 1987).
A areia foi inicialmente peneirada de modo a separar uma fração
granulométrica compreendida entre as peneiras # 100 (0,149 mm) e a # 40 (0,420
mm). Obteve-se, dessa maneira, um material fino e uniforme, sem possibilidade de
segregação durante a preparação do corpo de prova. Em seguida, procedeu-se à
lavagem em água corrente, com a finalidade de remover qualquer traço de finos,
impurezas (sais, etc). Com este tratamento, feito por BORGHETTI (2004), obteve-se a
mesma areia utilizada nas teses de OLIVEIRA FILHO (1987) e AVELAR (1996 e
2003). Desta forma, vários parâmetros já determinados por estes autores puderam ser
adotados no estudo do tanque experimental.
Os índices físicos determinados por OLIVEIRA FILHO (1987) para esta areia
foram:
- Densidade real dos grãos (G): 2,632;
- Índice de vazios para funil de 8 mm: 0,559. Foram realizados 10
ensaios nesta pesquisa (tabela 4.1) para a determinação de mais
um ponto na curva da figura 4.8, correspondendo ao índice de
vazios para esta areia, utilizando funil de 6,5 mm: 0,531;
- Índice de vazios máximo: 0,80
- Peso específico aparente seco (γd) : 16,55 kN/m³ (para funil de
8mm). Entretanto, para o funil de 6,5 mm, obteve-se neste trabalho
a média de 17,2 kN/m³, conforme resultados de 10 pluviações
mostrados na tabela 4.1;
A determinação da densidade relativa foi feita utilizando-se o processo MSP
que, segundo OLIVEIRA FILHO (1987), produz amostras “tão ou mais compactas que
aquelas preconizadas em outros métodos já normalizados”, tais como o ASTM –
2049/69 (vibração), compactação dinâmica, entre outros. Ressalve-se que suas
103
conclusões se referem a areias uniformes. Utilizou-se um molde de latão de
dimensões idênticas ao utilizado pelo autor, cujos valores de peso e volume estão
indicados na tabela 4.1.
Tabela 4.1 – Determinação do índice de vazios mínimo para o funil de 6,5 mm.
Determinação Molde + Solo
(gf)
Tara
(gf)
Solo
(gf)
Volume
Molde
(cm³)
γ d
(gf/cm³)
1 651,02 285,4 365,62 212,31 1,722
2 650,53 285,4 365,13 212,31 1,720
3 650,49 285,4 365,09 212,31 1,720
4 650,30 285,4 364,90 212,31 1,719
5 650,66 285,4 365,20 212,31 1,720
6 650,30 285,4 364,90 212,31 1,719
7 650,09 285,4 364,69 212,31 1,718
8 650,09 285,4 364,69 212,31 1,718
9 649,72 285,4 364,32 212,31 1,716
10 650,22 285,4 364,82 212,31 1,718
O peso específico aparente médio, obtido da tabela 4.1, foi de 1,719 gf/cm³, o
que fornece um e = 0,531. Este valor foi então plotado no gráfico produzido por
OLIVEIRA FILHO (1987), notando-se que é coerente com a curva de calibração obtida
pelo autor (figura 4.8).
A curva granulométrica e a curva característica foram determinadas por
BORGHETTI (2004) e são apresentadas nas figuras 4.9 e 4.10.
A condutividade hidráulica saturada foi determinada por AVELAR (2003), com o
emprego de ensaios de permeabilidade sob carga constante, apresentando uma
variação pouco significativa (tabela 4.2) em relação aos diferentes índices de vazios
iniciais por ele ensaiados.
O valor médio obtido foi ksat = 2,46 x 10-2 cm/s. Para o estado compacto,
obteve-se uma média de ksat = 2,05 x 10-2 cm/s.
104
Tabela 4.2 – Comparação entre a condutividade hidráulica saturada e o índice de
vazios inicial da areia utilizada nos ensaios em caixa experimental (AVELAR, 2003).
eoDr
(%)Estado
γd
(gf/cm³)
Ksat médio
(cm/s)
Ksat máx
(cm/s)
Ksat min
(cm/s)
0,865 2 Muito fofo 1,419 3,00 . 10-2 3,01 . 10-2 3,01 . 10-2
0,858 4,8 Muito fofo 1,424 2,75 . 10-2 2,73 . 10-2 2,77 . 10-2
0,723 58,8 Median. compacto 1,536 1,97 . 10-2 1,98 . 10-2 1,96 . 10-2
0,639 92,4 Muito compacto 1,615 2,14 . 10-2 2,07 . 10-2 2,29 . 10-2
Conforme anteriormente citado nesse capítulo, foram realizadas determinações
da densidade relativa da areia de São Francisco em quatro pontos distribuídos no
tanque experimental. Os resultados obtidos apresentaram pequenas discrepâncias,
não indicando mudança no estado (muito compacto) das camadas de areia pluviada
no tanque.
Figura 4.8 – Variação da densidade relativa com a abertura do bocal do funil (df) na
moldagem por pluviação ao ar (OLIVEIRA FILHO, 1987). O ponto maior é o
determinado para o funil de 6,5 mm no presente trabalho.
105
Figura 4.9 – Curva granulométrica da areia de São Francisco (BORGHETTI, 2004).
Figura 4.10 – Curva de retenção ou curva característica da areia de São Francisco,
obtida experimentalmente com o emprego da técnica do papel filtro (BORGHETTI,
2004).
106
4.5 – Metodologia dos ensaios
4.5.1 – Ensaio tipo 1
Este ensaio consiste na moldagem de um corpo de prova semicilíndrico, com
areia de São Francisco seca em estufa a 105°C, utilizando a técnica da pluviação ao
ar, sem a presença do duto vertical na massa de solo. Depois da pluviação, posiciona-
se o pluviador de água apoiado na parte superior do tanque e coloca-se o
permeâmetro de carga constante para funcionar.
Antes do início dos ensaios, procede-se a três determinações para verificação
da vazão fornecida pelo pluviador de água.
Uma vez feita a calibração do pluviador, coloca-se um geotêxtil úmido para
evitar a formação de sulcos na superfície do corpo-de-prova.
Com o equipamento fotográfico posicionado, e o nível d’água mantido na
camada drenante, o registro da drenagem é mantido aberto, enquanto o registro do
piezômetro é mantido fechado. Inicia-se o ensaio abrindo o registro do pluviador de
água e acionando o cronômetro.
Na maioria dos ensaios deste tipo foram realizados registros fotográficos de
minuto em minuto para o acompanhamento do avanço da frente de umedecimento.
4.5.2 – Ensaio tipo 2
Este ensaio é sempre realizado com o corpo-de-prova em um dado perfil de
umidade. É realizado algum tempo após o ensaio tipo 1, consistindo da secagem
natural, no ambiente do laboratório (protegido), durante determinado número de dias,
dos corpos de prova utilizados nos referidos ensaios. Eventualmente, em condições
ambientes muito úmidas e frias, utilizava-se a secagem com auxílio de lâmpadas
incandescentes para acelerar o processo.
107
É realizada, inicialmente, a medida da umidade da cota 30 cm (superfície do
corpo-de-prova). Tendo atingido um valor previamente escolhido, procede-se de
maneira idêntica ao ensaio tipo 1 no tocante à calibração do pluviador de água (cuja
vazão é idêntica ao do ensaio tipo 1), colocação do geotêxtil e montagem do
equipamento fotográfico. A drenagem do fundo do tanque, entretanto, fica fechada e o
registro do piezômetro fica, então, aberto.
Realizam-se registros fotográficos de trinta em trinta segundos para o
acompanhamento da elevação do nível piezométrico.
Iniciado o ensaio, registra-se a leitura feita em escala graduada, fixada junto ao
tubo piezométrico, também de trinta em trinta segundos.
4.5.3 – Ensaio tipo 3
A diferença fundamental para o ensaio tipo 1 é a presença de um pequeno
duto, de diâmetro de 5 cm. A razão da escolha deste diâmetro, além de poder
representar uma condição real, se deve à facilidade de montagem do duto (utilização
de molde de PVC de 50mm). Conforme já mencionado anteriormente, o material
utilizado para simular o duto em terreno arenoso, cujas paredes seriam instáveis, foi
um pedaço de MacDrain. Sua trabalhabilidade e facilidade de corte possibilitaram criar
uma interface drenante como “parede do duto” (a permeabilidade vertical do produto é
superior ao da areia de São Francisco).
O pluviador de água é aferido para a vazão pré-definida de 250ml/min (13
furos), através de três determinações de cinco minutos (assim como no ensaio tipo 1).
Uma vez feita a calibração do pluviador, coloca-se um geotêxtil úmido para evitar a
formação de sulcos na superfície do corpo-de-prova.
A drenagem do fundo do tanque foi mantida aberta para a medição da vazão
do fluxo ao longo do tempo.
108
Foram realizados registros fotográficos de minuto em minuto para o
acompanhamento do avanço da frente de umedecimento.
4.5.4 – Ensaio tipo 4
Idêntico ao ensaio tipo 2, só que com a presença do pequeno duto na massa
de solo.
4.6 – Quadro geral de ensaios realizados
Inicialmente foram realizados 15 ensaios dentre os quatro tipos anteriormente
descritos. Posteriormente foram executados três ensaios adicionais para a verificação
do efeito da chuva caindo dentro do duto, tendo sido criado o quinto tipo de ensaio, em
que é feita a medição de vazão com o corpo-de-prova inicialmente úmido. A tabela 4.3
fornece uma visão geral da campanha de ensaios com o tanque experimental.
Paralelamente à execução dos ensaios no tanque, foram executadas diversas
determinações do teor de umidade gravimétrica e densidade relativa do material.
Uma das dificuldades para a consecução dos ensaios foi a necessidade do
transporte de cerca de 73 Kgf de areia para a estufa do setor de recebimento de
amostras. Em média, do preparo à realização do ensaio, despendia-se cerca de 7
horas.
109
Tabela 4.3 – Resumo da campanha de ensaios com o tanque experimental.
110
Para uma melhor compreensão da evolução dos procedimentos adotados na
realização dos ensaios, optou-se pela apresentação dos mesmos em ordem
cronológica.
Todos os gráficos foram elaborados a partir do momento em que as grandezas
puderam ser medidas. Assim, nos ensaios tipos 1 e 3, o dreno só começa a fornecer
dados de vazão quando o corpo-de-prova, inicialmente seco, atinge uma condição de
umidade que permita fluxo para o dreno.
No caso dos ensaios 2 e 4, como são iniciados com os de corpos-de-prova
com determinado perfil de umidade, o tempo de resposta à chuva aplicada é muito
rápido (de alguns poucos minutos a segundos, dependendo do perfil de umidade
inicial).
4.7 – A campanha inicial de ensaios
4.7.1 – Ensaio tipo 1, número 1 (30/8/2004)
Após testes preliminares, foi executado o primeiro ensaio do tipo 1, sem duto e
com medição de vazão ao longo do tempo. Com 18’ decorridos de ensaio, a água do
reservatório do permeâmetro acabou, por falta d’água na tubulação de alimentação
conectada na rede pública de abastecimento. Aos 20’30” a água retornou. Entretanto,
a entrada de ar no simulador de chuva e o retardo causado, pela falta de água, no
umedecimento da amostra, levaram ao descarte deste ensaio para fins de coleta de
dados. O início da vazão no dreno, por exemplo, se deu somente com 1h30’27” de
ensaio.
Foram feitos registros fotográficos de minuto em minuto.
Deste ensaio retiraram-se algumas diretrizes para os ensaios subseqüentes:
- O geotêxtil de proteção deve ser colocado úmido sobre a amostra e;
111
- O flash da máquina deveria ser desativado para evitar o reflexo na tampa
de acrílico do tanque.
4.7.2 – Ensaio tipo 2, número 1 (6/9/2004)
Este ensaio aproveita a montagem do ensaio tipo 1, iniciando-se, entretanto,
em uma condição inicial diferente: o corpo-de-prova está úmido, com perfil de umidade
determinado. Desta forma, neste primeiro experimento deixou-se o corpo-de-prova
secar durante uma semana. Com 2 dias, sua umidade gravimétrica superficial (cota 30
cm do corpo-de-prova), era de 17,4%. Quando o ensaio foi realizado na data prevista,
não se mediu a umidade. Além disto, o geotêxtil foi colocado saturado, podendo ter
sido a razão pela qual o piezômetro acusou, antes de iniciar o ensaio, uma subida de
9cm. Por estas razões, este ensaio foi descartado apesar de haver registro fotográfico
de minuto em minuto. Contudo, extraíram-se novas diretrizes para os ensaios
subseqüentes:
- O geotêxtil não pode estar saturado, mas apenas úmido;
- É necessário o uso de um corante no piezômetro para que as leituras
fiquem nítidas nas fotografias, bem como o intervalo entre as fotos deve ser
reduzido para 30s.
4.7.3 – Ensaio tipo 3, número 1 (13/9/2004)
Quando o fluxo começou, 22’30” depois de iniciada a pluviação, iniciou-se o
registro do volume drenado ao longo do tempo. No gráfico da figura 4.11 visualiza-se a
relação vazão x tempo, contados a partir do instante em que começa a sair água do
dreno do fundo do tanque, revelando, conforme preconiza a teoria tratada no Capítulo
2, que a condutividade hidráulica de um solo não saturado cresce com o tempo,
tendendo para o valor saturado.
112
Como este ensaio apresentou problemas no nivelamento do tanque, o que
levou ao seu encerramento decorridos apenas 51’, tomaram-se apenas oito leituras de
vazão e os registros fotográficos foram descartados.
Figura 4.11 – Relação vazão no dreno x tempo após o início da vazão do ensaio tipo
3, número 1, onde t é o tempo contado a partir da saída de água no dreno.
4.7.4 – Ensaio tipo 3, número 2 (16/9/2004)
Quando o fluxo no dreno começou, 37’17” depois de iniciada a chuva, iniciou-
se o registro do volume drenado ao longo do tempo. No gráfico da figura 4.12
visualiza-se a relação vazão x tempo. Foram realizados registros fotográficos de
minuto a minuto durante as 1h55’40” de ensaio.
Decorrida 1h00’ de ensaio, o fundo do duto começou a encher (figura 4.13).
0
50
100
150
200
250
300
350
0 20 40 60 80 100 120
t (min)
Q (c
m³/m
in)
113
Figura 4.12 - Relação vazão no dreno x tempo após o início da vazão do ensaio tipo 3,
número 2, onde t é o tempo contado a partir da saída de água no dreno.
Figura 4.13 – Evolução da drenagem da água do solo pelo duto (enchimento).
0
50
100
150
200
250
300
350
0 20 40 60 80 100 120
t (min)
Q (c
m³/m
in)
Vazão fornecida
114
A figura 4.14 mostra o fluxo, com auxílio de corante, do duto para a massa de
solo.
Figura 4.14 – Visualização do fluxo gerado pelo duto para o interior da massa de solo.
4.7.5 – Ensaio tipo 4, número 1 (24/9/2004)
Após sete dias de secagem no laboratório, percebe-se na figura 4.15 os
contornos da curva de secagem.
A umidade gravimétrica da cota 30 cm (superfície do corpo-de-prova) foi
determinada: 8,6%.
Este ensaio foi feito com leituras do nível piezométrico, na escala métrica, de
30 em 30s e encerrado aos 15’ de duração, pois a água subiu 1cm acima da superfície
do corpo-de-prova (cota 31 cm). Até este momento, não se cogitava de utilizar a
subida da água acima do solo ao final do ensaio como forma de aferir a vazão
fornecida pelo pluviador de água ao ensaio.
Foram feitos registros fotográficos de 30 em 30s, dos quais são mostrados na
figura 4.15 os instantes inicial, 1’, 4’ e 8’. Notar o umedecimento progressivo do corpo-
115
de-prova e a presença de água no interior do duto à medida que o nível piezométrico
sobe. A figura 4.16 mostra a relação altura piezométrica x tempo.
Figura 4.15 – Evolução do nível piezométrico (tubo com água cor laranja, à direita da
escala) do ensaio tipo 4, número 1.
Figura 4.16 – Relação altura piezométrica x tempo do ensaio tipo 4, número 1.
Piezômetrode tuboaberto
0
5
10
15
20
25
30
0 5 10 15 20 25 30 35 40
t (min)
h (c
m)
116
4.7.6 – Ensaio tipo 1, número 2 (30/9/2004)
Quando o fluxo no dreno começou, 33’45” depois de iniciada a pluviação,
iniciou-se o registro do volume drenado ao longo do tempo. No gráfico da figura 4.17
visualiza-se a relação vazão x tempo. Nota-se que o valor da vazão fornecida pelo
simulador de chuva foi inferior ao adotado no início da campanha. Houve uma
perturbação no registro de regulagem do permeâmetro, alterando o valor da vazão,
possivelmente de modo acidental.
Este ensaio teve a duração de 2h03’. Fotografias foram tiradas de minuto em
minuto.
Figura 4.17 - Relação vazão no dreno x tempo do ensaio tipo 1, número 2, onde t é o
tempo contado a partir da saída de água no dreno.
0
50
100
150
200
250
300
350
0 20 40 60 80 100 120
t (min)
Q (c
m³/m
in)
117
4.7.7 – Ensaio tipo 2, número 2 (4/10/2004)
Feito com o corpo-de-prova ensaiado em 30/9, após a umidade superficial
atingir a umidade gravimétrica de 11,1%.
Fotografias de 30 em 30 segundos. O ensaio durou 8’30”.
Na figura 4.18 é apresentada a relação altura piezométrica x tempo e, na figura
4.19, a evolução das leituras nos tempos inicial, 1’, 1’30” e 2’. Neste curto intervalo a
variação da altura piezométrica foi de 16 cm.
Tendo em vista o ocorrido com o simulador de chuva no ensaio de 30/9,
procedeu-se a uma nova calibragem para a chuva padrão de 250 ml/min.
Figura 4.18 - Relação altura piezométrica x tempo do ensaio tipo 2, número 2.
0
5
10
15
20
25
30
0 5 10 15 20 25 30 35 40
t (min)
h (c
m)
118
Figura 4.19 – Evolução da piezometria do ensaio tipo 2, número 2, nos instantes
inicial, 1’, 1’30” e 2’.
4.7.8 – Ensaio tipo 2, número 3 (13/10/2004)
Feito com o corpo-de-prova ensaiado em 30/9, com a umidade gravimétrica
superficial (cota 30cm) de 4%.
Foram tiradas fotografias de 30 em 30 segundos. O ensaio durou 40 minutos.
Na figura 4.20 é apresentada a relação altura piezométrica x tempo e na figura
4.21 a evolução do processo nos tempos inicial, 10’, 15’ e 30’.
Constatou-se novamente uma interferência no registro do permeâmetro, tendo-
se medido uma vazão fornecida, pós-ensaio, pelo simulador de chuva, de apenas 150
ml/min.
119
Figura 4.20 - Relação altura piezométrica x tempo do ensaio tipo 2, número 3.
Figura 4.21 - Evolução da piezometria do ensaio tipo 2, número 3, nos instantes inicial,
10’, 15’” e 30’.
0
5
10
15
20
25
30
0 5 10 15 20 25 30 35 40
t (min)
h (c
m)
120
4.7.9 – Ensaio tipo 1, número 3 (15/10/2004)
Ensaio para medição de vazão realizado em 1h34’09”. O fluxo no dreno
começou 30’00” após o início da chuva simulada. No gráfico da figura 4.22 visualiza-se
a relação vazão x tempo.
Fotografias foram tiradas de minuto em minuto. O pluviador de água foi
calibrado para 350 ml/min.
Figura 4.22 - Relação vazão no dreno x tempo do ensaio tipo 1, número 3, onde t é o
tempo contado a partir da saída de água no dreno.
4.7.10 – Ensaio tipo 2, número 4 (20/10/2004)
0
50
100
150
200
250
300
350
0 10 20 30 40 50 60 70 80
t (min)
Q (c
m³/m
in)
Vazão fornecida
Vazão parc x tempo
121
Feito com o corpo-de-prova ensaiado em 15/10, com uma umidade superficial
gravimétrica de 12,7%. Foram tiradas fotografias de 30 em 30 segundos. O ensaio
durou 13 minutos. Na figura 4.23 é apresentada a relação altura piezométrica x tempo.
Figura 4.23 - Relação altura piezométrica x tempo do ensaio tipo 2, número 4.
4.7.11 – Ensaio tipo 2, número 5 (25/10/2004)
Feito com o corpo-de-prova ensaiado em 15/10, com umidade superficial
gravimétrica de 10,7%.
Foram tiradas fotografias de 30 em 30 segundos. O ensaio durou 11 minutos.
Na figura 4.24 é apresentada a relação altura piezométrica versus tempo.
0
5
10
15
20
25
30
35
0 5 10 15 20 25 30 35 40
t (min)
h (c
m)
122
Figura 4.24 - Relação altura piezométrica x tempo do ensaio tipo 2, número 5.
4.7.12 – Ensaio tipo 3, número 3 (27/10/2004)
O fluxo no dreno começou 30’03” depois de iniciada a chuva. Registrou-se o
volume drenado ao longo do tempo. Apesar da coerência dos resultados, optou-se
por descartá-lo em virtude de um vazamento verificado em uma das varetas do
simulador de chuva. O ensaio durou 1h56’.
Não há registro fotográfico deste ensaio.
0
5
10
15
20
25
30
35
0 5 10 15 20 25 30 35 40
t (min)
h (c
m)
123
Figura 4.25 – Relação vazão x tempo do ensaio 3.3, onde t é o tempo contado a partir
da saída de água no dreno.
4.7.13 – Ensaio tipo 4, número 2 (2/11/2004)
Ensaio realizado com o corpo-de-prova do ensaio 3.3. Duração de 8 minutos,
não se dispondo de registros fotográficos.
Na figura 4.26 apresentam-se os resultados deste ensaio.
O simulador de chuva foi calibrado para 250 ml/min. Utilização da técnica de
aceleração de evaporação com o emprego de lâmpadas. Umidade gravimétrica da
cota 30: 8,4%
0
50
100
150
200
250
300
350
0 20 40 60 80 100 120
t (min)
Q (c
m³/m
in)
Vazão fornecida
124
Figura 4.26 – Relação altura piezométrica x tempo do ensaio tipo 4, número 2.
4.7.14 – Ensaio tipo 4, número 3 (3/11/2004)
Ensaio feito com o corpo-de-prova do ensaio 3.3. Umidade gravimétrica da cota
30: 12%. Ensaio sem registro fotográfico. Duração 6’30”. Os resultados são
apresentados na figura 4.27.
Figura 4.27 – Relação altura piezométrica x tempo do ensaio tipo 4, número 3.
0
5
10
15
20
25
30
0 5 10 15 20 25 30 35 40
t (min)
h (c
m)
0
5
10
15
20
25
30
0 5 10 15 20 25 30 35 40
t (min)
h (c
m)
125
4.7.15 – Ensaio tipo 3, número 4 (3/11/2004)
Ensaio considerado válido. Início de fluxo no dreno: 40’36”. Início de
enchimento do duto: 1h01’. Registros fotográficos de minuto em minuto durante as
2h00’ de duração do ensaio.
Vazão aferida do simulador de chuva: 250 ml/min.
Na figura 4.28 apresenta-se o resultado deste ensaio e na figura 4.29 o
momento em que o fundo do duto começa a encher.
Figura 4.28 – Relação vazão x tempo do ensaio tipo 3, número 4, onde t é o tempo
contado a partir da saída de água no dreno.
0
50
100
150
200
250
300
350
0 20 40 60 80 100 120
t (min)
Q (c
m³/m
in)
Vazão fornecida
126
Figura 4.29 – Momento do ensaio 3.4 em que o fundo do dreno começa a encher.
4.8 – Ensaios adicionais
Foram realizados 3 ensaios complementares com o intuito de se verificar três
aspectos: um ensaio de vazão sem duto com a entrada de água calibrada em 250
ml/min, um ensaio com duto para o estudo do efeito da chuva caindo dentro do mesmo
e um ensaio, diferente dos quatro tipos iniciais, onde se mediu vazão com o corpo de
prova inicialmente em um certo perfil de umidade. Desta forma, a campanha totaliza
18 ensaios.
4.8.1 – Ensaio tipo 1, número 4
Ensaio realizado com o corpo-de-prova de areia inicialmente no estado seco,
sem a presença do duto. O objetivo foi a medição de vazão ao longo do tempo para
uma vazão calibrada em 250 ml/min.
127
O início de fluxo foi verificado aos 41min07s. Ensaio sem registro fotográfico. O
resultado da variação do volume de água percolado ao longo do tempo pode ser visto
na figura 4.30.
Figura 4.30 - Relação vazão x tempo do ensaio tipo 1, número 4, onde t é o tempo
contado a partir da saída de água no dreno.
4.8.2 – Ensaio tipo 3, número 5
Apesar de ser montado de modo idêntico ao ensaio do tipo 3, este ensaio teve
o objetivo de verificar de que forma a precipitação dentro do duto influencia a relação
vazão x tempo.
Foram necessárias algumas adaptações adicionais do tanque para a realização
deste ensaio como, por exemplo, a execução de mais um furo no pluviador de água de
forma que se localizasse na prumada do duto no tanque e o recorte do geotêxtil,
usado para proteger superficialmente a amostra contra a formação de sulcos, no
formato do duto, para permitir que a água precipitasse direto no interior do duto. Desta
maneira, com 14 furos, ao invés dos 13 utilizados em toda a campanha, a vazão
0
50
100
150
200
250
300
350
0 20 40 60 80 100 120
t (min)
Q (c
m³/m
in)
Vazão fornecida
128
média por furo diminuiu de 19,2 ml/min para 17,8ml/min (a calibração em 250 ml/min
foi mantida). Como conseqüência, seria de se esperar que os valores de vazão
medidos no fundo do tanque atingissem valores menores se comparados aos ensaios
com 13 furos.
Verificou-se que, conforme esperado, o início de fluxo se deu mais cedo do que
o mesmo ensaio sem chuva no duto. A diferença foi de cerca de 4 minutos. Também o
início de enchimento do duto se deu mais rapidamente (52min contra 60min). E os
resultados da relação vazão x tempo, indicados na figura 4.31, mostraram-se menores
do que o ensaio 3.4 (figura 4.32), corroborando a expectativa inicial acima descrita. Na
figura 4.33 apresenta-se um momento do ensaio em que o duto está enchendo,
revelando a repetibilidade do aparato.
Figura 4.31 - Relação vazão x tempo do ensaio tipo 3, número 5, onde t é o tempo
contado a partir da saída de água no dreno.
0
50
100
150
200
250
300
350
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
t (min)
Q (c
m³/m
in)
Vazão fornecida
129
Figura 4.32 – Comparação entre os resultados dos ensaios 3.4 (com 13 furos) e 3.5
(com 14 furos), onde t é o tempo contado a partir da saída de água no dreno.
Figura 4.33 – Momento do ensaio 3.5 em que a água se encontra no interior do duto.
0
50
100
150
200
250
300
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
t (min)
Q (c
m³/m
in)
Ensaio 3.4 Ensaio 3.5 Vazão fornecida
130
4.8.3 – Ensaio tipo 5, número 1.
Este ensaio difere dos demais do tipo 3 somente pela condição inicial do corpo-
de-prova, que apresenta um determinado perfil de umidade. A umidade gravimétrica
determinada para este ensaio foi de 3,4% (medida na superfície). Vazão fornecida de
250 ml/min. Os resultados são mostrados na figura 4.34.
O fluxo iniciou-se aos 12min34s e o enchimento do duto aos 16min41s.
Conforme esperado, verificou-se que se comparado a um corpo-de-prova seco, o
ensaio com corpo-de-prova úmido faz com que a percolação seja mais rápida (3,3
vezes, no caso).
Figura 4.34 - Relação vazão x tempo do ensaio tipo 5, número 1, onde t é o tempo
contado a partir da saída de água no dreno.
0
50
100
150
200
250
300
0 5 10 15 20 25 30 35 40
t (min)
Q (c
m³/m
in)
Vazão fornecida
131
4.9 – Análises e conclusões dos ensaios de laboratório
4.9.1 – Repetibilidade
Para a verificação da repetibilidade, fez-se a comparação dos resultados de
alguns dos ensaios realizados, sob as mesmas condições iniciais de vazão e umidade.
Inicialmente, apresentam-se na figura 4.35 os resultados dos ensaios tipo 1
(medição de vazão ao longo do tempo, sem duto), feitos com diferentes valores de
vazão fornecida pelo dispositivo de entrada de água para avaliação do seus
comportamentos.
Figura 4.35 – Resultados dos ensaios tipo 1, onde t é o tempo contado a partir da
saída de água no dreno.
O ensaio 1.2, realizado com uma vazão de 200 ml/min, portanto menor que a
de referência (250 ml/min), apresenta a mesma tendência de evolução gradual das
vazões dos ensaios 1.4 (250ml/min) e 1.3 (350 ml/min).
0
50
100
150
200
250
300
350
0 20 40 60 80 100 120
t (min)
Q (c
m³/m
in)
Ensaio 1.2 Ensaio 1.3 Ensaio 1.4
132
Outro aspecto oriundo da análise da figura 4.35 é que, para uma mesma
condição inicial do solo (seco), quanto maior a vazão fornecida, maior será a vazão
lida num determinado instante de tempo (contado a partir do momento em que sai
água no dreno situado no fundo do tanque), ou seja, a relação vazão versus tempo da
água que sai do dreno do tanque é função da vazão do fluxo de água fornecido pelo
dispositivo de entrada de água.
No caso dos ensaios tipo 3 (medição de vazão ao longo do tempo, com o
pequeno duto), verifica-se na figura 4.36 uma tendência, dada pela inclinação dos
resultados até 60 minutos de ensaio, de que a vazão no dreno situado no fundo do
tanque atinja mais rapidamente o valor fornecido pelo pluviador do que os ensaios tipo
1.
De maneira análoga aos ensaios tipo 1, os ensaios 3.2 e 3.4, com vazão
fornecida de cerca de 230 ml/min e 250ml/min respectivamente, apresentaram boa
repetibilidade com relação ao enchimento do duto, ambos no instante t = 1h, bem
como mostram a mesma tendência anteriormente mencionada para os ensaios tipo1.
Figura 4.36 – Resultados dos ensaios tipo 3, onde t é o tempo contado a partir da
saída de água no dreno.
0
50
100
150
200
250
300
350
0 20 40 60 80 100 120
t (min)
Q (c
m³/m
in)
Ensaio 3.2 Ensaio 3.4
133
Para os ensaios de medição de piezometria do tipo 2 (sem duto), apresentam-
se na figura 4.37 seus resultados.
Figura 4.37 – Relação de altura piezométrica x tempo dos ensaios tipo 2.
Diferentemente dos ensaios de vazão, o corpo-de-prova destes ensaios tinha
para condição inicial um determinado perfil de umidade. A título de exemplo,
determinou-se no ensaio 2.5 o teor de umidade gravimétrica nas cotas 30 (superfície
do corpo de prova), 25, 20, 15 e 10cm, tendo sido encontrados os valores de 10,7%,
18,1%, 19,2%, 22,6% e 23,4% respectivamente. Utilizando-se a correlação entre
índices físicos, obteviveram-se teores de umidade volumétricos de 0,17, 0,29, 0,31,
0,36 e 0,38 respectivamente, revelando um perfil de umidade variando não
linearmente com a profundidade. A saturação é revelada na cota 10 cm, uma vez que
esta condição ocorre para a areia de São Francisco quando θ = 0,38. A figura 4.38
esclarece.
0
5
10
15
20
25
30
0 5 10 15 20 25 30 35 40
t (min)
h (c
m)
Ensaio 2.3 Ensaio 2.4 Ensaio 2.2 Ensaio 2.5
134
Figura 4.38 – Perfil de umidade volumétrica do corpo de prova do ensaio 2.5.
Conforme mencionado anteriormente, um lençol freático é mantido na fronteira
drenante do tanque.
Para teores de umidade gravimétrica semelhantes (determinados para a cota
30cm do tanque e apresentados na tabela 4.4), verificou-se diferenças pouco
significativas nos resultados de altura piezométrica. Os ensaios 2.2, 2.4 e 2.5, plotados
praticamente superpostos na figura 4.37, demonstram sua boa repetibilidade.
Outro aspecto a ser ressaltado é o “salto” dado pelo gráfico dos ensaios em um
determinado instante. Este salto, conforme hipótese sugerida por BRAND (1982) e
também considerada por VAUGHAN (1985), seria resultante do encontro da frente de
umedecimento com o lençol d’água, fazendo com que o nível piezométrico suba
rapidamente. Portanto, quanto menor o intervalo de tempo entre uma chuva e outra,
mais rapidamente o lençol d’água se elevará e, quanto menores os teores de umidade
existentes no perfil, maior o tempo necessário para que o “salto” se efetive.
0
10
20
30
0,15 0,2 0,25 0,3 0,35 0,4
θ
cota
(cm
)
0,38
135
Tabela 4.4 – Teores de umidade gravimétrica na cota 30 cm
Ensaio 2.2 Ensaio 2.4 Ensaio 2.5
11,1% 12,7% 10,7%
Os ensaios tipo 4 também apresentaram boa repetibilidade (ensaios 4.1 e 4.2,
com teores de umidade gravimétrica próximos, cerca de 8,4%), conforme pode ser
visto na figura 4.39. Analogamente aos ensaios tipo 2, apresentaram trecho de subida
acentuada do nível piezométrico. O ensaio 4.3 foi feito com um teor de umidade maior
(10%) que os ensaios 4.1 e 4.2, apresentando resultados coerentes (deslocamento
para a esquerda, indicando uma maior velocidade de resposta à pluviação).
Figura 4.39 - Relação de altura piezométrica x tempo dos ensaios tipo 4.
0
5
10
15
20
25
30
0 5 10 15 20 25 30 35 40
t (min)
h (c
m)
Ensaio 4.1 Ensaio 4.2 Ensaio 4.3
136
4.9.2 – Análise dos efeitos dos pequenos dutos no regime de fluxo no solo não
saturado.
4.9.2.1 - Comparativo entre medidas de vazão x tempo
A figura 4.40 mostra a evolução da vazão sem a presença do duto (ensaio tipo
1) e com a presença do duto (ensaio tipo 3).
Conforme já mencionado no item anterior, a presença do pequeno duto fez
com que a velocidade de infiltração da água da chuva aumentasse ligeiramente,
atingindo-se, no fundo do modelo, a vazão fornecida um pouco mais cedo. O aumento
de velocidade da infiltração pode ser melhor observado com o auxílio dos ensaios
adicionais. O ensaio 1.4, por exemplo, feito sem a presença do pequeno duto (e com
13 furos no pluviador de água), tem um tempo de início de fluxo mais lento do que no
ensaio 3.5, com 14 furos no pluviador, onde há o duto e se fez precipitação em seu
interior (figura 4.41). Fazendo-se a razão entre os tempos de chegada da água no
fundo da amostra dos ensaios sem e com duto, obteve-se o valor 1,1, ou seja, no
ensaio com precipitação no duto a água chega ao fundo do modelo num tempo 10%
menor. Este valor parece guardar uma relação a razão entre a vazão fornecida ao
duto e a vazão total (1/14 ou 7%).
137
Figura 4.40 – Comparativo de vazão x tempo entre os ensaio tipo 1 (sem duto) e o
ensaio tipo 3 (com duto, sem chuva no mesmo).
Figura 4.41 – Influência da chuva no duto, fazendo com que o fluxo na base do tanque
se inicie mais cedo e aumentando a velocidade de infiltração da chuva.
R2 = 0,9848
R2 = 0,9851
0
50
100
150
200
250
300
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
t (min)(Após o início da medição do fluxo)
Q (c
m³/m
in)
Com duto Sem duto Vazão fornecida
0
50
100
150
200
250
0 20 40 60 80 100 120 140
tempo decorrido desde o acionamento do cronômetro (min)
Q (c
m³/m
in)
ensaio 1.5 ensaio 3.5
138
A figura 4.42 apresenta de outra forma o efeito da chuva no duto com o
aumento da infiltração da água de chuva. Observa-se que a relação entre as vazões
medidas na base do modelo com e sem o duto atinge valores bastante próximos de
1,0 num tempo da ordem de 120 minutos.
Figura 4.42 – Relação entre as vazões observadas no tempo para ensaios com e sem
a presença de duto no Tanque Experimental.
Mesmo tendo o ensaio com pluviação diretamente no duto (3.5) realizado com
14 furos (não houve tempo hábil para a realização de um ensaio tipo 1 com 14 furos),
nota-se na figura 4.41 que a tendência da vazão é semelhante ao comportamento dos
ensaios tipo 3 (com 13 furos), ou seja, a vazão fornecida é mais rapidamente
alcançada se comparada com o comportamento do ensaio sem a presença do duto
(1.4, com 13 furos).
A figura 4.43 mostra o volume acumulado de água ao longo do tempo para os
ensaios 1.4 (sem duto, 13 furos), 3.4 (com duto, 13 furos) e 3.5 (com chuva no duto,
14 furos), onde é possível verificar a diferença entre as vazões apuradas para os
casos com e sem duto.
139
Figura 4.43 – Volume de água acumulado x tempo para os ensaios 1.4 (sem duto), 3.4
(com duto), ambos com 13 furos e o ensaio 3.5 (com chuva no duto) e 14 furos.
Ao se comparar os ensaios 5.1 e 3.4, ambos ensaios sem pluviação direta no
duto, mas com estados iniciais diferentes (úmido e seco respectivamente), verifica-se
que o início do fluxo se faz 3,3 vezes mais rápido.
4.9.2.2 – Comparativo entre medidas de piezometria x tempo
Conforme resultados dos ensaios tipo 2 (sem duto) e tipo 4 (com duto), o nível
piezométrico de ambos subiu de maneira praticamente igual (figura 4.44),
comparando-se teores de umidade gravimétrica superficial semelhantes. As razões
desta igualdade já foram apontadas no item anterior.
Outra constatação feita com a realização dos ensaios é o fato de que quanto
maior o teor de umidade no solo na condição inicial, menor o tempo em que a frente
de umedecimento chega à base do modelo. Conforme pode-se observar na figura
0
2000
4000
6000
8000
10000
12000
14000
16000
18000
0 20 40 60 80 100tempo (min)
Volu
me
acum
ulad
o (c
m³ o
u m
l)
Ensaio1-4Ensaio3-4Ensaio3-5
140
4.45, onde o ensaio, sem duto, com umidade gravimétrica superficial (na cota 30cm)
de 12,7%, apresentou uma elevação do nível piezométrico mais rápida do que o com
umidade gravimétrica superficial de 4%.
Figura 4.44 – Comparação entre a evolução da altura piezométrica com e sem o duto.
Figura 4.45 – Comparação entre ensaios tipo 2 com teores de umidade gravimétrica
diferentes.
0
5
10
15
20
25
30
0 5 10 15 20 25 30 35 40
t(min)
h(cm
)
sem duto com duto
0
5
10
15
20
25
30
0 5 10 15 20 25 30 35 40
t (min)
h (c
m)
Ensaio 2.4(12,7%) Ensaio 2.3(4%)
141
4.10 – Outras aplicações para o tanque experimental
Além da análise qualitativa e quantitativa da influência dos pequenos dutos
sobre a vazão, a permeabilidade média e os níveis piezométricos, o tanque
experimental demonstrou possuir potencial como modelo didático, no ensino de várias
disciplinas, como, por exemplo, a mecânica dos solos não saturados e a geotecnia
ambiental.
No caso da aplicação para os solos não saturados, os ensaios tipos 1 e 3, com
condição inicial de solo seco (em estufa), permitem a visualização da frente de
umedecimento. Pelos resultados apresentados neste capítulo, percebe-se que antes
que os corpos de prova produzam vazão pelo dreno no fundo do tanque, cerca de 40’,
em média, se passam (para 250ml/min). É neste intervalo de tempo que os potenciais
gravitacional e mátrico (bem como a capilaridade) são claramente percebidos, por
contraste do solo úmido com o seco.
As figuras 4.46 e 4.47 mostram a maneira como as gotas de água, ao penetrar
no solo, formam bulbos de umidade, que por sua vez vão formando o que a literatura
alcunha de “fingers”. Mais tarde, estes se unem lateralmente, formando a frente de
umedecimento e avançam no sentido da profundidade.
Figura 4.46 - Visualização da infiltração da água no solo no ensaio sem duto.
142
Com o emprego de corantes dispostos estrategicamente em alguns pontos
selecionados é possível a visualização de linhas de fluxo.
Em termos de solos não saturados, outra possibilidade seria a instrumentação
de vários níveis de profundidade da amostra com tensiômetros.
Em geotecnia ambiental, o tanque poderia ser empregado para a visualização
da migração de contaminantes.
O sistema de pluviação de água é muito simples e não pode ser considerado
um simulador de chuva. Este item do experimento merece ser melhorado para
utilização futura.
Figura 4.47 – Visualização da infiltração da água no solo no ensaio com duto.
143
CAPÍTULO 5
ESTUDOS NUMÉRICOS
5.1 – Introdução
No estudo do comportamento de sistemas físicos são utilizados modelos de
laboratório (usualmente em escala reduzida ou modelo reduzido) e/ou modelos
matemáticos (SORIANO e LIMA, 1998).
No caso da influência dos pequenos dutos, tema do presente trabalho, o
capítulo 4 se ocupou da apresentação do modelo de laboratório (tanque experimental).
Neste capítulo serão apresentadas as modelagens numéricas do referido tanque,
como forma de verificar se as mesmas reproduzem os fenômenos observados
experimentalmente.
A análise de percolação pode ser realizada através de vários métodos: gráfico,
analógico, analítico e numérico. Dentre estes métodos, para a obtenção de soluções
de problemas de percolação, um dos mais empregados atualmente é o numérico.
Segundo LOPES (2003), na história de utilização dos métodos numéricos, o
Método das Diferenças Finitas (MDF) foi o pioneiro. Na década de 1950, outro método
foi criado, substituindo com vantagens o MDF, lançando mão dos recursos propiciados
pelos computadores digitais: o Método dos Elementos Finitos (MEF).
LOPES (2003) explica que o MEF consiste basicamente da divisão do domínio
do problema em elementos (cujo comportamento pode ser facilmente formulado em
144
função de sua geometria e propriedades) conectados apenas em alguns pontos
através dos quais interagem entre si (figura 5.1_c).
Os métodos numéricos são também chamados de métodos discretos, pois
fornecem a solução do problema apenas em alguns pontos do domínio. A solução
obtida, portanto, se aproximará da exata à medida em que se utilize um maior número
de pontos na análise, ou seja, com a malha ou rede mais refinada.
Figura 5.1 – Esquema de solução de um problema (a) pelo MDF (b) e pelo MEF (c)
(LOPES, 2003).
5.2 – O MEF
O Método dos Elementos Finitos surgiu em 1956 como evolução do cálculo
matricial de estruturas junto com a disponibilização de computadores. Ele foi
inicialmente desenvolvido para a análise de tensões e deformações em meios
contínuos.
As bases do método, na verdade, foram estabelecidas por Lord Rayleigh em
1887, por Walther Ritz em 1909 e por Richard Courant em 1943. Em 1963, com a
apresentação de várias formulações do método, é que se verificou que o Método dos
Elementos Finitos é um caso particular do método de Rayleigh-Ritz (SORIANO e
LIMA, 1998).
145
A partir de então o desenvolvimento do método foi amplo, permitindo sua
aplicação no estudo de muitos outros fenômenos, como a percolação em meios
porosos, transferência de calor, eletrostáticos, entre outros.
5.3 – O MEF aplicado em problemas de fluxo em solo não saturado
Tendo em vista as análises que serão conduzidas neste trabalho, a lei de fluxo
para a percolação de água em um solo não saturado é dada por (partindo-se da lei de
conservação de massa):
(5.1)
onde:
H carga hidráulica;
θ teor de umidade volumétrico;
t tempo;
k coeficiente de permeabilidade na direção considerada.
A equação do fluxo tridimensional em solo não saturado pode ser expressa em
termos de carga hidráulica ou em termos de teor de umidade volumétrica. À primeira
dá-se o nome de equação de Richards e é aplicada para descrever o fluxo de água em
solos com zonas saturadas e não saturadas (equação 5.1). À segunda dá-se o nome
de equação de Phillip. Entretanto, ALONSO et al. (1987) ressaltam que esta segunda
equação é válida somente para análises com zonas não saturadas.
De maneira análoga à problemática tensão x deformação, o MEF é aplicado a
problemas de percolação nos solos. O equivalente ao campo de deslocamentos, na
análise de percolação em meios porosos, é o campo das cargas hidráulicas (H). As
146
incógnitas a determinar no interior dos elementos, ao invés de tensão e deformação,
são o gradiente hidráulico (i) e a velocidade do fluxo (v).
5.4 – Modelagem da percolação
Bastante conhecidos na literatura são os processos para a solução de um
problema de fluxo utilizando-se o Método dos Elementos Finitos. A definição do
domínio do fluxo; a identificação das fronteiras do problema; a definição da malha; o
fornecimento dos dados de entrada (geometria, propriedades dos materiais, condições
de contorno), entre outros são exemplos dos passos iniciais em busca da resolução do
problema de fluxo utilizando o MEF.
Toda a parte de processamento matemático (montagem da matriz de fluxo de
cada elemento; montagem da matriz global, etc) é feita com auxílio de um programa
de computador, como o que será utilizado nesta tese.
5.4.1 – Considerações sobre alguns aspectos a serem observados na
modelagem
Segundo SORIANO e LIMA (1998), apesar dos grandes avanços e dos
modernos recursos computacionais, como a geração automática de malha, de seu
auto-refinamento até atingir margem de erro em resultados preestabelecidos como
aceitáveis, e do amplo desenvolvimento do MEF, cabe ao analista do problema não só
a concepção, mas também a monitoração dos resultados da análise, bem como da
interpretação e utilização dos mesmos. Portanto, a boa utilização destes sistemas
computacionais não consiste apenas em fazê-los funcionar. As modelagens numéricas
ainda dependem em muito de conhecimentos e experiência do usuário.
O primeiro aspecto a ser considerado diz respeito às aproximações da
modelagem numérica. Conforme pode ser visto na figura 5.3, desde o momento em
147
que são deduzidas as expressões matemáticas que governam o fenômeno em estudo,
já se está promovendo algumas aproximações na forma de hipóteses simplificadoras
(etapa Ι da figura 5.3).
Um procedimento que deve ser tomado como rotineiro é iniciar a abordagem
do problema de fluxo com um modelo simples, o qual deve ser gradativamente
refinado à medida em que se tem a necessidade de respostas com melhor nível de
aproximação.
As aproximações da etapa ΙΙ (figura 5.3), de discretização, não se restringem
ao lançamento de uma malha, pois incluem também a definição das propriedades dos
materiais, tipo de interação entre os elementos, o estabelecimento das condições de
contorno, entre outros.
Figura 5.3 – Etapas de obtenção de comportamento de sistema contínuo pelo MEF
(SORIANO e LIMA, 1998)
Contudo, as inovações apresentadas pelos novos sistemas têm procurado abrir
oportunidades para modelagens mais realísticas.
As aproximações de representação dos coeficientes de matrizes e as
aproximações nas operações aritméticas (uso de algoritmos), com estes coeficientes,
148
utilizadas no processamento em computadores constituem o que se denomina
condicionamento matricial (SORIANO e LIMA, 1998). Tais aproximações ocorrem na
etapa ΙΙΙ da figura 5.3 e estão relacionadas basicamente aos chamados erros de
truncamento e erros de arredondamento.
Ressalte-se que, mesmo tendo os atuais sistemas computacionais diminuído
os erros em função da precisão simples e dupla (uso de mais casas decimais), novas
circunstâncias de mau condicionamento matricial podem aparecer.
Bem modelar significa usar com critério as aproximações das etapas I, II e III
de forma a obter resultados, no caso do presente estudo, em termos de carga,
gradiente hidráulico e velocidade de fluxo com o nível de acurácia desejado e dentro
das limitações dos recursos disponíveis (computacionais e de tempo) (SORIANO e
LIMA, 1998).
Atualmente, com a existência de elaborados programas computacionais,
muitas vezes o usuário não tem pleno conhecimento dos modelos, equações e
algoritmos (utilizando-os como “caixas-pretas”), acabando por obter resultados de
nenhum valor, além da dificuldade em identificar esta ocorrência.
5.5 – O programa SEEP/W
5.5.1 – Introdução
Dentre os programas comerciais disponíveis para análise de fluxo por
elementos finitos, o presente trabalho optou pela utilização do software desenvolvido e
comercializado pela Geo-Slope International Ltd. situada em Calgary, Canadá, de
nome SEEP/W, versão 4.21. Um dos critérios para esta escolha, além da
disponibilidade na COPPE/UFRJ, do largo uso no meio acadêmico e da possibilidade
de análise de vários problemas geotécnicos associados ao fluxo saturado-não
saturado, foi o fato de sua interface com o usuário ser bastante amigável, valendo-se
149
para isto de um ambiente tipo CAD (Computer Aided Drafting). Dispensa dessa forma
a geração prévia de arquivos codificados de entrada de dados, requisito comum à
maioria dos outros programas disponíveis.
Não faz parte do escopo desta tese a descrição do programa; entretanto,
apresentar-se-ão algumas características básicas que podem ser úteis para outros
usuários, no anexo A.
5.6 - Estudo do tanque experimental
5.6.1 – Introdução
Apresentar-se-á nesta tese a modelagem numérica por elementos finitos
(MEF), com o emprego do programa SEEP/W, na simulação dos fenômenos de
infiltração e fluxo observados no modelo de laboratório apresentado no capítulo 4.
Os parâmetros geotécnicos necessários para a simulação de fluxo em solo não
saturado foram definidos no Capítulo 5, os quais, exceto a curva característica e a
função de condutividade, são resumidamente apresentados na tabela 5.1.
Tabela 5.1 – Parâmetros geotécnicos adotados para a areia de São Francisco.
AREIA DE SÃO FRANCISCO
Parâmetro Valor
Permeabilidade saturada 2 x 10–2 cm/s (AVELAR, 2002)
Peso específico aparente para funil de
6,5mm17,2 KN/m³
Índice de vazios máximo 0,80 (OLIVEIRA FILHO, 1987)
Índice de vazios para funil de 6,5mm 0,531
150
Na figura 5.4 apresenta-se a curva característica da areia de São Francisco
(Niterói-RJ), obtida experimentalmente por BORGHETTI (2004) e ajustada pela
relação empírica de VAN GENUCHTEN (1980).
A curva granulométrica desta areia foi apresentada no capítulo 4, sendo
classificada, segundo o Sistema Único de Classificação dos Solos (SUCS) como SM.
O resultado obtido para o ajuste da curva experimental é compatível com os
resultados apresentados por LINS e SCHANZ (2003), que estudaram as propriedades
hidráulicas de uma areia francesa (Hostun) com granulometria SP semelhante à
empregada no estudo do tanque experimental. Na figura 5.5 apresentam-se os
resultados das curvas características obtidas por estes pesquisadores para os estados
fofo e compacto, em ciclos de secagem e umedecimento .
Figura 5.4 – Curva característica da areia de São Francisco (Niterói-RJ) ajustada por
VAN GENUCHTEN (1980).
Pressure-100 -80 -60 -40 -20 0 20
Vol.
Wat
er C
onte
nt (x
0.0
01)
0
100
200
300
400
151
Figura 5.5 – Relação sucção mátrica x teor de umidade volumétrico para amostras
fofas e compactas da areia de Hostun (tensão líquida nula) (LINS & SCHANZ, 2003).
Observa-se, por exemplo, que quando o valor da tensão de entrada de ar, de 2
kPa para a amostra compacta e de 1,5 kPa para a amostra fofa, é atingido, o teor de
umidade de ambas as amostras decresce rapidamente, para uma pequena faixa de
variação da sucção (zona de transição no gráfico). Este é um comportamento típico do
solo arenoso, também verificado durante a campanha de ensaios do tanque
experimental.
Os autores também registram o fato de que ocorreram mudanças volumétricas
(índice de vazios) durante os processos de umedecimento da areia (principalmente as
amostras fofas), logo após a aplicação das tensões (dilatância).
No caso da areia de São Francisco (Niterói-RJ), dado o seu emprego nos
ensaios do tanque experimental em estado muito compacto (segundo OLIVEIRA
FILHO, 1987), justamente para evitar a variação de volume e grande dispersão dos
resultados, não se verificou variações no volume dos corpos de prova ensaiados.
152
Portanto, como parâmetro do solo a ser utilizado no programa SEEP/W, foi adotada a
curva característica da figura 5.4 para a areia de São Francisco (Niterói-RJ).
Segundo o manual do programa, a dificultosa tarefa de se obter diretamente a
função de condutividade hidráulica não saturada de um solo é usualmente superada
com o emprego de metodologias de previsão ou de estimativa. A curva ou função de
condutividade hidráulica adotada foi baseada na curva característica adotada. Na
figura 5.6 apresenta-se a função de condutividade adotada para a areia de São
Francisco (Niterói-RJ). Optou-se por trabalhar com a metodologia de GREEN &
COREY (1971), única disponível na versão 4.21 do programa.
Figura 5.6 – Função de condutividade hidráulica não saturada da areia de São
Francisco (Niterói-RJ) utilizando GREEN & COREY (1971).
Pressure-100 -80 -60 -40 -20 0 20
Cond
uctiv
ity (l
og10
)
-9
-8
-7
-6
-5
-4
-3
153
5.6.2 – Geometria e malha de elementos finitos
Para a simulação numérica dos ensaios realizados no tanque experimental,
foram projetadas duas malhas de elementos finitos: uma para o caso da areia sem a
presença do duto e outra para o caso da areia com a presença do pequeno duto.
Em ambos os casos, procedeu-se a uma análise axissimétrica, função da
geometria do tanque. Desta forma, como o tanque experimental possui 0,60 m de
diâmetro, o domínio do problema adotado tem a largura do raio do tanque (0,30 m) e
igual medida na altura.
As figuras 5.7 e 5.8 revelam os aspectos das malhas adotadas.
Figura 5.7 – Malha de elementos finitos para os ensaios tipo 1 e 2 (sem duto).
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
46
47
48
49
50
51
52
53
54
55
56
57
58
59
60
61
62
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
73
74
75
76
77
78
79
80
81
82
83
84
85
86
87
88
89
90
91
92
93
94
95
96
97
98
99
100
101
102
103
104
105
106
107
108
109
110
111
112
113
114
115
116
117
118
119
120
121
122
123
124
125
126
127
128
129
130
131
132
133
134
135
136
137
138
139
140
141
142
143
144
145
146
147
148
149
150
151
152
153
154
155
156
157
158
159
160
161
162
163
164
165
166
167
168
169
170
171
172
173
174
175
176
177
178
179
180
181
182
183
184
185
186
187
188
189
190
191
192
193
194
195
196
197
198
199
200
201
202
203
204
205
206
207
208
209
210
211
212
213
214
215
216
217
218
219
220
221
222
223
224
225
226
227
228
229
230
231
232
233
234
235
236
237
238
239
240
241
242
243
244
245
246
247
248
249
250
251
252
253
254
255
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Ensaio Tipo 1E.L.
154
Figura 5.8 – Malha de elementos finitos para os ensaios tipo 3 e 4 (com duto).
No caso do maciço de solo sem duto optou-se por uma malha simples de
elementos, ao passo que a malha para o caso do maciço com o duto era mais
refinada, com o intuito melhor avaliar o fluxo no entorno do duto.
Para ambos os casos foram adotados elementos quadriláteros com nós
secundários (8 nós por elemento).
Para comparar as relações de vazão x tempo e piezometria x tempo dos
ensaios com e sem duto, foram realizadas análises transientes com os mesmos
incrementos de tempo. Além disto, adotou-se a mesma distribuição de sucção com a
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16
17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32
33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48
49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64
65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80
81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96
97 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 108 109 110 111 112
113 114 115 116 117 118 119 120 121 122 123 124 125 126
127 128 129 130 131 132 133 134 135 136 137 138 139 140
141 142 143 144 145 146 147 148 149 150 151 152 153 154
155 156 157 158 159 160 161 162 163 164 165 166 167 168
169 170 171 172 173 174 175 176 177 178 179 180 181 182
183 184 185 186 187 188 189 190 191 192 193 194 195 196
197 198 199 200 201 202 203 204 205 206 207 208 209 210
211 212 213 214 215 216 217 218 219 220 221 222 223 224
225 226 227 228 229 230 231 232 233 234 235 236 237 238
239 240 241 242 243 244 245 246 247 248 249 250 251 252
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Ensaio Tipo 3E.L.
155
profundidade como condição inicial. No caso dos ensaios 1 e 3, partiu-se de uma
condição de areia seca (em estufa), de 70 kPa. Já para os ensaios 2 e 4, partiu-se de
um perfil de sucção variável com a profundidade, representando a condição inicial de
umidade, determinada antes da realização dos ensaios no tanque.
5.6.3 – Casos estudados
Em correspondência aos ensaios do tanque experimental, procedeu-se à
análise de quatro casos:
- Caso 1: maciço de areia seca sem o pequeno duto e medição de vazão ao
longo do tempo na base do tanque (ensaio tipo 1);
- Caso 2: maciço de areia úmida sem o pequeno duto e medição da
piezometria ao longo do tempo (ensaio tipo 2);
- Caso 3: maciço de areia seca com o pequeno duto e medição de vazão ao
longo do tempo na base do tanque (ensaio tipo 3);
- Caso 4: maciço de areia úmida com o pequeno duto e medição de
piezometria ao longo do tempo (ensaio tipo 4);
5.6.3.1 – Caso do maciço de areia sem duto
5.6.3.1.1 – Medição de vazão (Ensaio tipo 1)
Este caso corresponde ao ensaio tipo 1, realizado no tanque experimental, com
condição inicial de areia seca em estufa, portanto com elevados níveis de tensão
156
negativa (sucção), com a drenagem do fundo do tanque aberta (para a medição da
vazão do fluxo). O ensaio inicia-se com a precipitação de uma chuva de valor
conhecido (vazão fornecida, em m/s) e constante.
Foi adotada, como condição inicial da análise (figura 5.9), uma sucção de 70
kPa na areia de São Francisco. O tempo para início do fluxo na base do tanque
calculado pelo programa foi de cerca de 20 minutos (19,75 min). Se comparado ao
tempo em que o fluxo começou a ser medido no ensaio de laboratório, de 40 minutos,
o valor calculado é aparentemente incompatível. Entretanto, na execução dos ensaios,
observou-se que, decorridos cerca de 20 minutos, a água começa a sair na fronteira
drenante, enchendo o tubo durante outros 20 minutos até que iniciem as leituras de
volume drenado com o tempo.
Para o estabelecimento de níveis de sucção constante no programa, foi
necessária a adoção de uma distribuição de carga hidráulica total como a mostrada na
figura 5.10.
Na figura 5.11 é mostrada a relação da vazão com o tempo, em um nó da
malha correspondente à base do tanque experimental, onde a vazão negativa é
interpretada pelo programa como fluxo que sai no colchão drenante.
A figura 5.12 mostra o número do incremento em que o dreno, no fundo do
tanque, entra em funcionamento; a figura 5.13 mostra os contornos de poro-pressão
neste instante (de funcionamento do dreno no fundo do tanque) e, a figura 5.14, a
evolução da permeabilidade não saturada ao longo do tempo para um nó da fronteira
drenante.
157
Figura 5.9 – Representação da situação de poro-pressão negativa constante em todo
o corpo-de-prova (70kPa).
Figura 5.10 – Contornos de carga hidráulica total da condição inicial da análise
transiente para o ensaio tipo 1.
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Ensaio Tipo 1 Poro-pressão
E.L.
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Ensaio Tipo 1 Carga Total
E.L.
-7
-6.9
-6.8
-6.7
158
Figura 5.11 – Relação fluxo nodal x tempo de um nó situado na fronteira drenante,
ensaio tipo 1.
Figura 5.12 – Incremento 237 correspondente ao instante t = 19,75 min, quando ocorre
o funcionamento da fronteira drenante, ensaio tipo 1.
Boundary Flux vs. Time
Boun
dary
Flu
x (m
³/s)
t (s)
-5.0e-09
-1.0e-08
-1.5e-08
-2.0e-08
-2.5e-08
-3.0e-08
0.0e+00
0 500 1000 1500
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Ensaio Tipo 1 t=1185s
E.L.
237
159
Figura 5.13 – Contornos de poro-pressão para o instante 1185s (19,75 min).
Figura 5.14 – Evolução da permeabilidade não saturada, direção vertical, com o tempo
em um nó próximo à fronteira drenante.
Y-Conductivity vs. Time
Y-Co
nduc
tivity
(m/s
)
Time (s)
0.00000
0.00005
0.00010
0.00015
0.00020
0 500 1000 1500
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Ensaio Tipo 1 t=1185s
E.L.
-2.4
-0.2 1.2013e -006
160
Na figura 5.13 é mostrado o cálculo de uma seção de fluxo situada muito
próxima da fronteira drenante no instante considerado (1185s). Tendo em vista que ao
iniciar-se o fluxo pelo dreno, o programa assume um perfil de umidade de equilíbrio,
com sucções mais elevadas na superfície do corpo de prova, é de se esperar que o
vazão que sai do dreno inicie com um valor menor que a chuva fornecida e seja
crescente com o tempo. A chuva adotada foi a mesma utilizada nos ensaios do tanque
constantes do capítulo 4, ou seja, de 250 ml/min, que convertida para m/s (unidade de
adotada pelo programa) resulta em 2,95 x 10-5 m/s. Na tabela 5.2 apresentam-se os
valores da seção de vazão (seta horizontal em azul na figura 5.13) para vários
instantes da simulação a partir do início de funcionamento do dreno.
Tabela 5.2 – Valores de vazão em uma seção do corpo de prova próxima à fronteira
drenante.
t (min)Qcalc
(seção de vazão)m³/s
πQ tanque
m³/sQ tanquecm³/min
19,50 0 3,14 0,0000E+00 019,58 0 3,14 0,0000E+00 019,67 0 3,14 0,0000E+00 019,75 1,2013E-06 3,14 3,7740E-06 22619,83 1,3219E-06 3,14 4,1529E-06 24919,92 1,3272E-06 3,14 4,1695E-06 25020,00 1,3275E-06 3,14 4,1705E-06 250
Pelos valores apresentados na tabela 5.2 verifica-se que, em função de ocorrer
ksat na proximidades da fronteira drenante, o programa mostra que a vazão atinge o
valor fornecido rapidamente.
161
5.6.3.1.2 – Piezometria (Ensaio tipo 2)
Este caso corresponde ao ensaio tipo 2, com uma condição inicial de areia
úmida, portanto, com perfil de sucção decrescente com a profundidade. Foi tomado
como base o perfil de umidade gravimétrica do ensaio 2.5, onde foram coletadas
amostras das cotas 30, 25, 20, 15 e 10 cm (apresentado no capítulo 4).
Através de correlações entre índices físicos, obteve-se o perfil de umidade
volumétrica. Apesar da não utilização de tensiômetros para uma conveniente medição
dos níveis de sucção (como em TAMI et al., 2004), os valores adotados foram
considerados satisfatórios para uso na modelagem numérica.
A drenagem do fundo do tanque fica fechada para possibilitar a medição da
piezometria. O ensaio inicia-se com a precipitação de uma chuva simulada de valor
conhecido e constante.
Verifica-se na figura 5.15 que entre os incrementos 88 e 89 ocorre a rápida
subida do nível de água, conforme previsto na bibliografia (VAUGHAN, 1985). Tais
incrementos correspondem a 1min26s e 1min27s , respectivamente.
Comparando-se o tempo de subida d’água no piezômetro do ensaio
correspondente no tanque, verifica-se que a subida neste foi mais lenta por conta do
diâmetro da mangueira utilizada.
162
Figura 5.15 – Evolução da piezometria ao longo do tempo, ensaio 2.
Figura 5.16 – Contornos de poro-pressão para o incremento 88 (t = 1min 26s).
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Ensaio Tipo 2E.L.
0 88
89
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Ensaio Tipo 2Poro-pressões t = 1min26s
E.L.
-2.6
-2
-1
-0.2
0
163
5.6.3.2 – Caso do maciço de areia com duto
5.6.3.2.1 – Medição de vazão (Ensaio tipo 3)
O caso é idêntico ao do ensaio tipo 1 (mesmas condições iniciais: solo,
intensidade de chuva, tempo de ensaio). Entretanto, inserido na massa do corpo-de-
prova há um duto com 20 cm de profundidade (2/3 do total do cp – figura 5.17). Além
de uma malha de elementos finitos mais refinada no entorno do duto, adotaram-se
condições de contorno na parede do mesmo de forma que possibilitasse o fluxo (q
com revisão da máxima pressão) e, principalmente, prescreveu-se chuva, além de no
topo do corpo de prova, no fundo do duto.
Figura 5.17 – Contornos de carga total e poro-pressão (sucção) para a condição inicial
da análise transiente do ensaio tipo 3.
Conforme resultados de laboratório, o tempo em que a fronteira drenante inicia
seu funcionamento, com a presença de chuva no duto, foi ligeiramente inferior ao
calculado para o ensaio tipo 1 (10 segundos de diferença de um para outro). Assim, a
simulação do efeito causado pela presença do pequeno duto, pelo programa Seep/W
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Ensaio Tipo 3E.L.
-7
-6.9
-6.8
-6.7
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Ensaio Tipo 3E.L.
164
foi considerada satisfatória. Os resultados podem ser vistos nas figuras 5.18, 5.19 e
5.20.
Figura 5.18 – Relação vazão x tempo de um nó na fronteira drenante para o ensaio
tipo 3.
Em comparação com os resultados do ensaio tipo 1, nota-se que um nó situado
na fronteira drenante inicia o fluxo para fora da malha com o tempo de 1185s (19,75
min, correspondente ao incremento 237). Já na modelagem numérica do ensaio tipo3,
o tempo calculado foi de 1175s (19,58min, correspondente ao incremento 235,
conforme atesta a figura 5.19).
Na figura 5.20, verifica-se que no instante em que a fronteira drenante começa
a funcionar, há vetores de fluxo oriundos do fundo do duto que contribuem para a
diferença de 10 s encontrada. Essa pequena diferença é coerente com os valores
encontrados na modelagem física e se deve à pequena relação entre a área do fundo
do duto (onde água é fornecida a porções mais profundas do corpo de prova) e a área
Boundary Flux vs. Time
Boun
dary
Flu
x (m
³/s)
Time (s)
-5.0e-09
-1.0e-08
-1.5e-08
-2.0e-08
-2.5e-08
-3.0e-08
0.0e+00
0 500 1000 1500
165
da superfície do corpo de prova, de 0,7%. A relação entre os tempos calculados para o
ensaio sem duto (tipo 1) e com duto (tipo 3) reflete esta realidade: 1185/1175 =
1,0085, ou seja, a “chuva” no duto fez com que a velocidade de chegada da água à
base do modelo fosse aumentada em 0,85%.
Figura 5.19 – Incremento em que inicia a saída de água na fronteira drenante para o
ensaio tipo 3.
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Ensaio Tipo 3 t=1175s
E.L.
235
166
Figura 5.20 – Contornos de poro-pressão no instante em que a fronteira drenante
começa a funcionar no ensaio tipo 3.
A tabela 5.3 fornece os valores calculados para a seção de vazão, mostrada na
figura 5.20 (seta horizontal azul, próxima ao fundo do tanque).
Tabela 5.3 – Valores de vazão calculados ao longo do fundo da amostra próxima à
fronteira drenante para o ensaio tipo 3, com chuva no duto.
t (min)Qcalc
(seção de vazão)m³/s
πQ tanque
m³/sQ tanquecm³/min
19,50 0 3,14 0,000E+00 019,58 5,5034E-08 3,14 1,7289E-07 1019,67 1,2722E-06 3,14 3,9967E-06 24019,75 1,3249E-06 3,14 4,1623E-06 25019,83 1,3274E-06 3,14 4,1702E-06 250
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Ensaio Tipo 3 t=1175s
E.L.
-2.6
-0.2 5.5034e -008
167
5.6.3.2.2 – Piezometria (Ensaio tipo 4)
O perfil de umidade (e de sucção) adotado para esta simulação foi idêntico ao
utilizado para o ensaio 2.
A modelagem numérica poderá dar respostas quanto a evolução da
piezometria do ensaio tipo 4 quando se permite a precipitação dentro do duto.
Conforme pode-se observar nas figuras 5.21 a 5.23, os níveis de poro-pressão, se
comparados ao mesmo incremento do ensaio tipo 2, estão bem mais elevados, o que
comprova a influência do duto sobre a velocidade de infiltração da água da chuva.
Figura 5.21 – Piezometria em diversos instantes do ensaio 4
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Ensaio Tipo 4E.L.
87
88
89
90 92
168
Figura 5.22 – Contornos de poro-pressão do ensaio 4 no incremento 88 (t = 1min26s).
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Ensaio Tipo 4Poro-pressões t = 1'26"
E.L.
-2
-1
0
0.6
169
Figura 5.23 – Contornos de poro-pressão para os ensaios tipos 2 e 4 (t = 1min26s).
5.6.4 – Modelagens complementares
Suspeitando que a reduzida relação entre áreas do duto e do solo em sua
região de influência tenha levado a um aumento pouco significativo da velocidade de
infiltração, realizou-se uma simulação com chuva num duto de mesma profundidade,
mas com uma relação entre áreas maior, de 20%.
Outra possibilidade analisada foi a entrada de água proveniente de run-off,
fazendo com que o duto funcione como um poço de infiltração. Esta é uma situação
bastante desfavorável para a manutenção dos níveis de sucção que garantem a
estabilidade do solo no entorno do duto.
Neste último estudo o duto foi: (a) preenchido com água (como um poço de
infiltração) e (b) preenchido com um material de alta permeabilidade (ksat duas ordens
de grandeza maior que o da areia de São Francisco, chamado na simulação de “areia
170
grossa”). Este último procedimento tem sido adotado na pesquisa da influência de
macroporos (meios com duas condutividades bastante diferentes), como em
CASTIGLIONE et al. (2003) e KÖHNE e MOHANTY (2005).
5.6.4.1 – Caso 2 A (duto ampliado)
Com base na simulação do ensaio tipo 3, procedeu-se à retirada de elementos
da malha de elementos finitos correspondendo a um raio que propiciasse a razão
entre áreas de cerca de 20%. O raio adotado para o duto foi de cerca de 13,5 cm.
Foram adotados os mesmos incrementos de tempo, tipo de solo, análise
axissimétrica e condições iniciais da análise do ensaio tipo 3 (doravante rebatizado de
caso 2. O caso 1 foi a simulação sem a presença do duto).
A malha adotada e os resultados são mostrados nas figuras 5.24 a 5.26.
Figura 5.24 – Malha de elementos finitos adotada para a análise do ensaio tipo 3 com
o duto ampliado, doravante denominado caso 2 A.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16
17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32
33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48
49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64
65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80
81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96
97 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 108 109 110 111 112
113 114 115 116 117 118 119
120 121 122 123 124 125 126
127 128 129 130 131 132 133
134 135 136 137 138 139 140
141 142 143 144 145 146 147
148 149 150 151 152 153 154
155 156 157 158 159 160 161
162 163 164 165 166 167 168
169 170 171 172 173 174 175
176 177 178 179 180 181 182
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Ensaio Tipo 3duto ampliado
E.L.
171
Figura 5.25 – Contornos de carga total adotado como condição inicial da análise
transiente do caso 2 A.
Figura 5.26 – Contornos de poro-pressão no instante em que o dreno no fundo do
tanque inicia o fluxo (1015s = 16,92min).
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Ensaio Tipo 3Duto ampliado
E.L.
-7
-6.7
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Ensaio Tipo 3duto ampliado t=1015s
E.L.
-2.6
-0.2 2.0417e -007
172
Com uma relação entre áreas de cerca de 20%, o tempo de início do fluxo no
fundo do tanque, em comparação com o caso 1 (ensaio tipo 1, sem a presença do
duto) foi 1,1675 vezes mais rápido, ou seja 16,75%. Como se pode verificar, a relação
entre o aumento na velocidade de infiltração causado pela área do fundo do duto
(dividida pela área de influência) não é linear, mas assume valores próximos do
adotado para a razão entre áreas.
5.6.4.2 – Caso 11 (duto cheio de água do run-off)
CASTIGLIONE et al. (2003) mostraram que um macroporo preenchido de água
gera efeitos drasticamente diferentes do que se considerar que apenas chova em seu
interior.
Uma possibilidade que se encontra no campo é o preenchimento do pequeno
duto com água proveniente do deflúvio superficial ou “run-off”. De fato, a simulação,
com base novamente no caso 2 (com incrementos de 1 em 1s), revelou que, enquanto
o tempo de início de fluxo no fundo do tanque para o casos 1 e 2 são da ordem de
dezenas de minutos, para o caso 2 A, onde se tem o duto preenchido de água, o
tempo é da ordem de algumas dezenas de segundos. Os resultados são apresentados
nas figuras 5.27, 5.28 e 5.29.
173
Figura 5.27 – Incremento em que inicia o fluxo na fronteira drenante do tanque para o
caso 2 A (32 s).
Figura 5.28 – Contornos de poro-pressão para t = 1s.
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Ensaio Tipo 3 Duto cheio
E.L.
1
32
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Ensaio Tipo 3 Duto cheio t=1s
E.L.
-65
0
174
Figura 5.29 – Contornos de poro-pressão para t = 32s.
5.6.4.3 – Caso 12 (duto preenchido com material drenante)
Uma forma alternativa de simulação do pequeno duto é considerá-lo como um
meio poroso com elevada permeabilidade. Isto permite que se simule a infiltração da
água de “run-off” para o solo, com a influência do duto no processo. Este tipo de
modelagem tem sido utilizado na simulação da presença de macroporos.
Com base no caso 2, com uma malha modificada para a inserção de um solo
com permeabilidade 100 vezes maior que o da areia de São Francisco (figura 5.30),
mas com os mesmos incrementos de tempo, chuva prescrita e demais parâmetros,
realizou-se a análise transiente cujos resultados são vistos nas figuras 5.31 e 5.32.
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Ensaio Tipo 3 Duto cheio t=32s
E.L.
-2
0
0
3.6509e -006
175
Figura 5.30 – Malha de elementos finitos adotada na análise do caso 12.
Figura 5.31 – Incremento de tempo em que o fluxo se inicia na fronteira drenante
(1205s = 20,08 min).
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16
17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32
33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48
49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64
65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80
81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96
97 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 108 109 110 111 112
113 114 115 116 117 118 119 120 121 122 123 124 125 126 127 128
129 130 131 132 133 134 135 136 137 138 139 140 141 142 143 144
145 146 147 148 149 150 151 152 153 154 155 156 157 158 159 160
161 162 163 164 165 166 167 168 169 170 171 172 173 174 175 176
177 178 179 180 181 182 183 184 185 186 187 188 189 190 191 192
193 194 195 196 197 198 199 200 201 202 203 204 205 206 207 208
209 210 211 212 213 214 215 216 217 218 219 220 221 222 223 224
225 226 227 228 229 230 231 232 233 234 235 236 237 238 239 240
241 242 243 244 245 246 247 248 249 250 251 252 253 254 255 256
257 258 259 260 261 262 263 264 265 266 267 268 269 270 271 272
273 274 275 276 277 278 279 280 281 282 283 284 285 286 287 288
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Caso 12E.L.
Areia grossa
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Caso 12E.L.
Areia grossa
241
176
Figura 5.32 – Contornos de poro-pressão no instante em que a fronteira drenante
começa a funcionar.
Tendo em vista que a condição inicial prescreveu uma sucção de 70Kpa,
semelhante aos casos 1 e 2, e a chuva adotada foi a mesma (2,95 x 10-5 m/s) o tempo
calculado por esta simulação ficou bem próximo dos valores encontrados para estes
dois últimos. Observa-se que a chuva flui preferencialmente pelo material de
permeabilidade elevada, simulando a influência do duto na infiltração da chuva.
5.6.4.4 – Caso 12 A
Idêntico ao caso 12, somente com a chuva prescrita com valor muito maior, de
4 x 10-4 m/s (o dobro de ksat da areia de São Francisco) para criar um excedente de
água superficial (“run-off”). Os resultados são apresentados nas figuras 5.33 e 5.34.
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Caso 12 t=1205s
E.L.
Areia grossa
-2.6
-0.2
177
Figura 5.33 – Contornos de poro-pressão para t = 5s, caso 12-A.
Figura 5.34 – Contornos de poro-pressão para t = 85s, na iminência de iniciar o fluxo
na fronteira drenante.
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Caso 12-A t=5s
E.L.
Areia grossa
-67.5
-65.5
-62
Colchão Drenante
Areia(São Francisco)
Caso 12-A t=85s
E.L.
Areia grossa
-12.4
-11.4 -11.2
-11
178
O início do fluxo no dreno se dá com 90 segundos.
5.6.5 – Análise dos resultados
Vários aspectos e detalhes dos resultados da modelagem numérica foram
comentados ao longo dos itens anteriores.
Das principais conclusões sobre a aplicação do MEF aos ensaios realizados no
tanque experimental, citam-se a reprodução satisfatória, qualitativa e quantitativa, da
influência que o duto exerce sobre a infiltração de uma dada entrada de água; o
aumento da velocidade de infiltração de água no tanque (tabela 5.3), pouco
significativo (em 10s), provavelmente pela pequena área de contribuição do fundo do
duto em relação ao seu entorno (0,7%), corroborando os dados experimentais. Além
disto, a evolução de parâmetros como a sucção e a umidade volumétrica é coerente
com o que é consagrado na bibliografia.
Tabela 5.3 – Tempos de início do fluxo na fronteira drenante do tanque (com chuva no
duto) fornecidos pela modelagem numérica.
Ensaio t (s)
Sem duto 1185
Com duto 1175
Conforme já analisado nos itens anteriores, a relação encontrada entre os
tempos de chegada da água à base da amostra, calculados pela modelagem
numérica, de 1,008 (0,8%) é próxima da relação entre as áreas adotada (0,7%). Na
figura 5.35 visualiza-se a evolução da vazão em uma seção situada próxima à fronteira
drenante para os casos 1 e 2 (tanque sem duto e com chuva no duto
respectivamente).
179
Na figura 5.36 mostra-se a comparação dos resultados calculados pelo MEF
para os casos 1, 2 e 2-A. Conforme comentado anteriormente, uma razão entre áreas
maior levou a um menor tempo para a chegada de água na base da amostra.
Figura 5.35 – Evolução da vazão em uma seção próxima à fronteira drenante ao longo
do tempo.
Figura 5.36 – Comparação entre vazões dos casos 1, 2 e 2A.
0 0 0
226
249 250 250
010
240250 250 250 250
0
50
100
150
200
250
19,40 19,50 19,60 19,70 19,80 19,90 20,00 20,10
t (min)
Q (m
l/min
)
Caso 1
Caso 2
Vazão x tempo (modelagem numérica)
0
50
100
150
200
250
300
16,50 17,00 17,50 18,00 18,50 19,00 19,50 20,00 20,50
t (min)
Q (m
l/min
) CASO 1CASO 2CASO 2A
180
Já a piezometria apresentou uma diferença de tempo de resposta à chuva
entre os dois casos (ensaios 2 e 4), assim como os resultados experimentais.
As últimas análises realizadas, uma apresentando o duto já preenchido com
água, e outra o duto recebendo o excedente de água de uma chuva forte que não
consegue se infiltrar diretamente na superfície do terreno, mostram o potencial que o
duto tem de acelerar a infiltração de chuva no maciço.
181
CAPÍTULO 6
PROPOSTA DE METODOLOGIA DE ANÁLISE DA INFLUÊNCIA DE
PEQUENOS DUTOS NA ESTABILIDADE DE TALUDES
6.1 – Proposta de metodologia
Conforme mencionado no capítulo 3 desta tese, muitos autores abordaram a
questão dos mecanismos de instabilidade de taludes. LACERDA (1998), por exemplo,
compilou os vários aspectos importantes com relação ao comportamento (face à ação
dos agentes) dos taludes em solo tropical na região da cidade do Rio de Janeiro.
A presença de pequenos dutos em um talude, pelos resultados apresentados
nos capítulos 4 e 5 desta tese, pode fazer com que haja uma maior velocidade de
infiltração da água precipitada no solo em seu entorno, principalmente se ocorrer fluxo
para seu interior devido a água superficial (run-off). Portanto, o avanço mais rápido da
frente de umedecimento, mais acentuada no entorno do duto, resulta na diminuição da
sucção das porções mais profundas do solo.
Uma modelagem rigorosa da presença de pequenos dutos num talude exigiria
o emprego de uma solução tridimensional. Dada a dificuldade de uma modelagem
deste tipo, propõe-se uma metodologia para se levar em conta a presença de
pequenos dutos em uma análise bidimensional. Esta proposta consiste em:
(i) levantar a densidade, profundidade e diâmetro típico dos dutos;
182
(ii) estudar numericamente a infiltração numa região correspondente a um
volume de influência do duto.
(iii) desta simulação, obter a função de condutividade equivalente de um
solo sem dutos (de modo similar à metodologia de SUN e NISHIGAKI,
2000);
(iv) analisar a encosta – como um problema bidimensional plano − com uma
camada superficial (de espessura correspondente à região afetada
pelos dutos) com a função de condutividade equivalente obtida acima.
O estabelecimento do volume de influência do duto (figura 6.1) vai depender da
densidade dos dutos no campo. Um critério simples consiste em inicialmente
determinar a área média por duto (dividindo-se uma área de observação pelo número
de dutos encontrados). Esta área média seria transformada num círculo equivalente,
obtendo-se o raio de influência. Uma profundidade de influência pode ser adotada
arbitrariamente igual a 1,5 vezes a profundidade média observada nos dutos. Assim
obtém-se um volume médio de influência.
Figura 6.1 – Esboço da influência do pequeno duto no solo.
183
A simulação numérica da infiltração da água de chuva numa região
correspondente ao volume de influência no duto (item ii) é realizada através dos
seguintes passos:
(a) preparação de dois modelos: um com a curva característica e função de
condutividade real do solo e com a presença do duto – Modelo 1 − e outro sem a
presença do duto – Modelo 2 −; este último visa obter a curva característica e
função de condutividade equivalentes (figura 6.2-a);
(b) alimentação de ambos os modelos, dotados das propriedades reais do solo, com
uma chuva de referência para a obtenção da curva de vazão na base da amostra
(figura 6.2-b). A curva 1 reflete a influência do duto no processo de infiltração;
Figura 6.2 – Proposta para a obtenção da curva característica equivalente.
184
(c) obtenção da função de condutividade equivalente pela alteração das propriedades
do solo até se obter a curva 1 da figura 6.2-b com o Modelo 2.
Uma primeira aproximação para a consideração do efeito dos pequenos dutos
em um maciço consiste simplesmente no deslocamento da curva real, obtendo-se uma
função de condutividade equivalente (figura 6.2-c). Faz-se necessário, entretanto,
ressalvar que tanto o deslocamento na vertical da função de condutividade, quanto o
deslocamento horizontal da curva característica são meras simplificações para
aplicação da metodologia. A rigor, segundo a teoria de solos não saturados, estes
deslocamentos não deveriam ser feitos, pois representariam solos com distribuições
de vazios diversas do solo originalmente considerado.
Finalmente, elabora-se um modelo da encosta, com uma camada superficial
(de espessura correspondente à região afetada pelos dutos) de permeabilidade
equivalente à ação dos dutos, para a análise da estabilidade.
6.2 – Uma aplicação da metodologia
6.2.1 – Obtenção da função de condutividade equivalente
Com base em resultados da modelagem numérica é possível se chegar a uma
função de condutividade equivalente para ser utilizada em um meio sem dutos.
Um procedimento similar foi proposto por SUN e NISHIGAKI (2000) para o
estudo do efeito de trincas na infiltração de água de chuva. Os autores propuseram
uma permeabilidade equivalente obtida pela majoração da permeabilidade saturada
real. Este “coeficiente de majoração”, que representa a influência do pequeno duto,
pode ser expresso como:
185
Keq = K x Cpd (6.1)
onde:
Keq condutividade hidráulica equivalente (ação do pequeno duto);
K condutividade hidráulica (saturada) do solo;
Cpd coeficiente de majoração devido à ação do pequeno duto.
No que se segue, adotar-se-á, arbitrariamente, o valor 1,5 para Cpd, tendo em
vista que se trata de um valor possível da contribuição dos dutos no aumento da
condutividade da água da chuva (em sua área de influência).
Com esta permeabilidade ou condutividade equivalente tem-se um ponto de
partida para a função de condutividade equivalente.
6.2.2 – Modelagem da percolação de água de chuva em um talude
Conforme proposta de modelagem, item (iv), realizou-se a análise de uma
encosta com uma camada superficial (de espessura correspondente à região afetada
pelos dutos) com a função de condutividade equivalente obtida no item anterior. Para
tal, empregou-se a modelagem numérica por elementos finitos de um talude
hipotético, com o emprego do programa SEEP/W.
(a) Geometria do talude
Adotou-se uma geometria próxima da encosta do Morro Santa Marta, relatada
no capítulo 3. Desta forma o talude tem 20m de extensão, 70% de declividade (35°) e
espessura de 4m, conforme a figura 6.3.
186
Figura 6.3 – Geometria do talude utilizado na análise paramétrica de estabilidade.
(b) Malha de elementos finitos
Sabe-se que, com critérios de convergência adequadamente definidos, o
comportamento do modelo discreto se aproxima do comportamento do modelo
matemático à medida que se refina a malha (SORIANO e LIMA, 1998). Foram
realizadas algumas tentativas até a obtenção da malha adotada e mostrada na figura
6.4.
Figura 6.4 – Malha de elementos finitos adotada para a análise paramétrica do talude.
187
Os elementos adotados na simulação desta tese são quadriláteros (quadrados
com 0,20m de lado), com nós secundários. Isto gerou uma malha com 3400
elementos, o que tornou essencial o emprego de uma configuração de hardware
compatível - em termos de velocidade de processamento e capacidade de memória.
Para processar uma análise “robusta” como esta, utilizou-se um microcomputador com
processador de 2GHz e 256Mb de memória RAM.
(c) Solo
Inicialmente tentou-se adotar o solo de leptinito estudado por BERNARDES et
al. (1992). Com base na curva granulométrica do material (apresentada no capítulo 3),
procedeu-se à aplicação da metodologia de ARYA e PARIS (1981) para a obtenção da
curva característica, necessária à análise transiente da percolação de água de chuva
do programa SEEP/W.
Outro parâmetro que o programa exige é a relação entre a condutividade
hidráulica e as poro-pressões no solo (função de condutividade). No caso do solo do
Morro Santa Marta, optou-se pela metodologia de GREEN e COREY (1971).
As curvas de condutividade e de retenção do material podem ser visualizadas
nas figuras 6.5 e 6.6.
Figura 6.5 – Função de condutividade do solo do Morro Santa Marta.
188
Figura 6.6 – Curva característica do solo do Morro Santa Marta.
Entretanto, segundo o manual do programa SEEP/W, a utilização de funções
de condutividade com declividade acentuada (típica de solos grossos) pode levar à
não convergência dos resultados. Na simulação com o emprego do solo do Santa
Marta verificou-se a ocorrência de tal problema.
Esta limitação do programa inviabiliza a análise de uma gama de solos
arenosos, o que, espera-se, seja corrigido nas próximas versões do programa. Assim,
procurou-se adotar para a simulação um solo mais “bem comportado” quanto a sua
função de permeabilidade e curva característica (forma sigmoidal).
Solo considerado
Em função da convergência dos resultados, adotou-se um dos solos do banco
de dados do programa SEEP/W. Estudado por HO (1979), o solo é um silte cuja curva
de retenção de água no solo e a função de condutividade são apresentadas nas
figuras 6.7 e 6.8. Sua condutividade saturada é de 2,5x10-7 m/s (2,5x10-5 cm/s).
189
Figura 6.7 – Função de permeabilidade de solo siltoso adotado na aplicação da
metodologia (HO, 1979).
Figura 6.8 – Curva característica do solo siltoso adotado na aplicação da metodologia
(HO, 1979).
190
(d) Precipitação pluviométrica
Adotou-se para a simulação uma precipitação pluviométrica de 1 mm/h. Além
de inferior ao ksat, não gerando run-off ou acúmulo de água sobre a superfície do
talude, este valor é coerente com o regime de chuvas da cidade. Considerando uma
duração de 60 horas (incremento máximo adotado na simulação), quando ocorre uma
chuva de longa duração, o valor de sua intensidade diminui. Este valor de chuva foi
prescrito em toda a superfície do talude.
(e) Incrementos de tempo
Tendo em vista o valor de chuva e a função de condutividade do solo, optou-se
por incrementos de 2h até o máximo de 60h para permitir a visualização do avanço da
frente de umedecimento sem que o tempo de processamento fosse demasiadamente
estendido.
6.2.3 – Resultados
Foram realizadas análises transientes do avanço da frente de umedecimento
no talude nas situações sem e com a presença dos pequenos dutos. A presença dos
pequenos dutos foi simulada adotando-se uma permeabilidade equivalente ao longo
da profundidade por ele influenciada. Procedeu-se ao estudo do efeito dos dutos com
2 e 3m de profundidade (aproximadamente os valores verificados no levantamento de
campo).
Como condição inicial adotou-se a distribuição de poro-pressões variando
linearmente com a profundidade, indicada na figura 6.9.
191
Figura 6.9 – Contornos de poro-pressões adotadas como condição inicial da análise
transiente do avanço da frente de umedecimento no talude.
A seguir são mostrados nas figuras 6.10 a 6.13 os contornos de poro-pressão
(negativa e positivas) e respectivos vetores de fluxo dos instantes 30h e 60h, para a
situação do talude sem a presença dos pequenos dutos.
Figura 6.10 – Contornos de poro-pressão do instante t=30h.
-35
-30
-25
-20
-15
-10
-5
0
-35
-30
-25
-20
-15
-10
-5
0 5
192
Figura 6.11 – Vetores de fluxo do instante t=30h.
Figura 6.12 – Contornos de poro-pressão do instante t=60h.
-30
-25
-20
-15
-10
-5
0 5 10
193
Figura 6.13 – Vetores de fluxo do instante t=60h.
O gráfico da figura 6.14 mostra o avanço da frente de umedecimento em uma
seção do talude ao longo do tempo. Verifica-se que com 10 horas de chuva, a frente
alcança 1,5m de profundidade no interior do talude.
Figura 6.14 – Evolução da frente de umedecimento em uma seção no talude.
194
Nas figuras 6.15 a 6.18 tem-se os contornos de poro-pressão e os vetores de fluxo dos
instantes 30h e 60h respectivamente, do talude com a condutividade hidráulica
equivalente a ação dos pequenos dutos no talude (Keq) até 2m de profundidade em
relação à superfície do talude (simulando dutos). Considera-se que o espaçamento
entre os dutos seja igual ao dobro do raio de influência adotado neste estudo (tomado
igual a profundidade do duto). No caso de dutos com 2m de profundidade, o
espaçamento adotado é de 4m.
Figura 6.15 - Contornos de poro-pressão do talude com Keq no instante t = 30h.
Figura 6.16 - Vetores de fluxo do talude com Keq no instante t=30h.
-35
-30
-25
-20
-15
-10
-5
0 5
195
Figura 6.17 - Contornos de poro-pressão do talude com Keq no instante t = 60h.
Figura 6.18 - Vetores de fluxo do talude com Keq no instante t=60h.
-30
-25
-20
-15
-10
-5
0 5
10
15
196
Na figura 6.19 tem-se a evolução da frente de umedecimento em uma seção do
talude ao longo do tempo. Se comparada com a figura 6.14, observa-se que, no
instante 60h, a superfície livre se encontra em um nível mais elevado, resultado da
infiltração mais rápida da chuva propiciada pelo efeito da presença do duto no talude.
Figura 6.19 – Avanço da frente de umedecimento ao longo do tempo em uma seção
do talude com Keq.
6.3 – Análise de estabilidade
6.3.1 – Objetivos
Com as distribuições de poro-pressões calculadas pelo programa SEEP/W,
pode-se verificar, finalmente, a influência sobre o fator de segurança para as situações
do talude sem duto, duto com 2m e 3m de profundidade.
197
6.3.2 – O programa SLOPE/W
O SLOPE/W para análise de estabilidade de taludes é um módulo integrante do
programa GEO-SLOPE (o SEEP/W é outro módulo) produzido pela GEO-SLOPE
International Ltd. de Calgary, Alberta, no Canadá. Foi utilizada a versão 4 para
Windows 95/NT.
O SLOPE/W é um programa de análise de estabilidade de talude que usa a
teoria do equilíbrio limite para calcular o fator de segurança de taludes de solos e
rochas. Pode-se modelar solos heterogêneos, geometria da superfície de
deslizamento e estratigrafia complexas e condições de poro-pressão variáveis usando
vários modelos de solo. Podem ser executadas análises usando parâmetros de
entrada determinísticos ou probabilísticos. Além disto podem ser usadas tensões
calculadas usando análise de tensão por elementos finitos (módulo SIGMA da GEO-
SLOPE) nos cálculos de equilíbrio limite para uma análise de estabilidade de talude.
Vários são os métodos que podem ser empregados na análise de estabilidade.
O programa faz sempre, no mínimo, a análise de estabilidade por três métodos:
Ordinary (Fellenius), Bishop simplificado e Janbu simplificado. No presente trabalho
foram feitas análises para superfícies de deslizamento circulares, uma vez que o que
se deseja é a comparação entre os fatores de segurança sem e com a presença dos
pequenos dutos. Para o cálculo dos fatores de segurança das superfícies circulares
foram utilizados estes três métodos. O critério de ruptura de solo adotado foi o de
Mohr-Coulomb.
O programa permite o desenho da geometria do problema em ambiente CAD, de
visualização em tempo real. Isto facilita e otimiza o tempo despendido nas análises.
Os parâmetros geotécnicos determinísticos adotados no presente trabalho para a
análise de estabilidade estão indicados na tabela 6.2.
198
Tabela 6.2 – Parâmetros de resistência ao cisalhamento adotados no estudo
paramétrico e no programa SLOPE/W.
Parâmetro Valor
φ’ 35º
c’ 5 kPa
φb 20º
O programa SLOPE/W integra-se aos demais módulos, como o programa
SEEP/W por exemplo. Este fato permite que as distribuições de poro-pressão de um
talude, em determinado instante de tempo de uma análise transiente, tenha seu fator
de segurança calculado pelo SLOPE/W. Foi através deste recurso que foram
computados os fatores de segurança do talude fictício estudado para os instantes
inicial (t=0), 10h, 20h, 30h, 40h, 50h e 60h, para as situações sem e com pequenos
dutos. Basicamente, o procedimento consiste em importar a malha de elementos
finitos definida no SEEP/W, definir as propriedades de resistência dos materiais que
compõem o talude e carregar o arquivo de poro-pressões do instante desejado. Os
resultados são apresentados a seguir.
6.3.3 – Resultados
Para a comparação entre as duas situações (talude sem e com dutos), utilizou-
se a mesma condição inicial, cujo fator de segurança calculado pelo Método de Janbu
simplificado pode ser visualizado na figura 6.20.
199
Figura 6.20 – Superfície de deslizamento (Método de Jambú simplificado) adotada
como referência para comparação da ação dos pequenos dutos.
6.3.3.1 – Talude sem a influência dos pequenos dutos
Nas figuras 6.21 a 6.23 são apresentados os valores do fator de segurança
para os instantes 10h, 30h e 60h de chuva.
Figura 6.21 – Fator de segurança (Método Jambu simplificado) para a superfície de
deslizamento circular com poro-pressões calculadas para t =10h.
1.548
1.548
200
Figura 6.22 – Fator de segurança (Método Jambu simplificado) para a superfície de
deslizamento circular com poro-pressões para t =30h.
Figura 6.23 – Fator de segurança (Método Jambu simplificado) para a superfície de
deslizamento circular com poro-pressões para t =60h.
1.528
1.272
201
6.3.3.2 – Talude com a influência dos pequenos dutos
A) dutos com 2 m de profundidade
Nas figuras 6.24 a 6.26 são apresentados os valores do fator de segurança
para os instantes 10h, 30h e 60h de chuva.
Figura 6.24 – Fator de segurança (Método Jambu simplificado) para a superfície de
deslizamento circular com poro-pressões com Keq (prof. de 2m) para t =10h.
Figura 6.25 – Fator de segurança (Método Jambu simplificado) para a superfície de
deslizamento circular com poro-pressões com Keq (prof. de 2m) para t =30h.
1.552
1.526
202
Figura 6.26 – Fator de segurança (Método Jambu simplificado) para a superfície de
deslizamento circular com poro-pressões com Keq (prof. de 2m) para t =60h.
B) dutos com 3m de profundidade
Na figura 6.27 é apresentado o valor do fator de segurança calculado para o
instante 60h de chuva.
Figura 6.27 – Fator de segurança (Método Jambu simplificado) para a superfície de
deslizamento circular com poro-pressões com Keq (prof. de 3m) para t =60h.
1.272
1.248
203
6.3.4 – Análise dos resultados
Com base nos fatores de segurança calculados, elaborou-se o gráfico da figura
6.29, onde é mostrada a evolução dos mesmos com o tempo. Verifica-se que o
aumento da velocidade de infiltração da chuva promovida pelos pequenos dutos faz
com que o fator de segurança de uma porção ou mesmo de todo o talude diminua
mais rapidamente. Assim, dependendo do diâmetro, espaçamento (densidade de
dutos) e profundidade, os pequenos dutos podem vir a contribuir, isolada ou
conjuntamente com outros fatores, para a diminuição da estabilidade de partes do
maciço (como se supõe seja o caso verificado no Morro Santa Marta) ou até mesmo
do talude como um todo.
Figura 6.29 – Gráfico de evolução do fator de segurança do talude com o tempo, para
duas profundidades do duto.
1,2
1,3
1,4
1,5
1,6
0 10 20 30 40 50 60
t (h)
FS (J
anbu
)
sem dutocom duto 2mcom duto 3m
204
CAPÍTULO 7
CONCLUSÕES E SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS
7.1 – Considerações adicionais e conclusões
As questões e hipóteses levantadas nesta tese, bem como as análises e os
ensaios realizados, permitem as seguintes considerações e conclusões:
1. Com relação à presença dos pequenos dutos no solo situado sob depósito
de lixo domiciliar no Morro Santa Marta, as evidências obtidas em levantamento de
campo e apresentadas no Capítulo 2 desta tese comprovam a existência do
fenômeno. Ainda conforme este levantamento, a direção de tais dutos é subvertical.
Não se conseguiu apurar qual a densidade da ocorrência de dutos nem tampouco se
existiriam interconexões entre os mesmos.
2. Foi encontrada e capturada em um duto uma espécie de barata
(provavelmente uma Picnocellus Surinamensis, segundo OLIVEIRA, 2002). O
espécime capturado apresentou aspectos comportamentais compatíveis com a de um
animal escavador de dutos no solo.
3. Trabalhos como os de SILVEIRA (2004) e JANSEN (2001) mostram que a
problemática dos pequenos dutos se estende além da ação animal (baratas, cupins,
formigas, minhocas, etc), podendo ser associada, também, à ação da flora (raízes
apodrecidas, por exemplo).
4. O depósito de lixo no Morro Santa Marta não é recente e, portanto, já
experimentou índices pluviométricos que, pelos dados da GEORIO, poderiam
ocasionar escorregamentos de solo e lixo. Uma hipótese levantada pelo autor da
205
presente pesquisa para sua ruptura parcial em 2002 é a presença dos pequenos dutos
subverticais, observados na cicatriz do deslizamento.
5. Para uma investigação experimental do efeito da presença de pequenos
dutos na infiltração de água de chuva em solos parcialmente saturados, desenvolveu-
se um modelo de laboratório que representa uma camada de solo influenciada por um
duto. Os ensaios foram efetuados com areia de São Francisco (Niterói-RJ),
granulometricamente selecionada e pluviada ao ar. Foram realizados ensaios com e
sem duto, nas condições de solo previamente seco e úmido. O modelo revelou-se útil
não só para a visualização e qualificação do fenômeno como também para sua
quantificação.
6. Os resultados dos ensaios levados a efeito no modelo experimental
comprovaram a hipótese de que os pequenos dutos promovem um aumento na
velocidade de infiltração da água da chuva. O estudo considerou apenas a
possibilidade de que água de chuva caísse no fundo do duto. A influência dos dutos
em termos de aumento da velocidade de infiltração da chuva foi pequena para o duto
estudado (que tem pequena razão entre sua área e a área do solo ao redor).
7. A análise numérica desenvolvida no capítulo 5 procurou reproduzir os
resultados dos ensaios levados a cabo no modelo experimental. O programa SEEP/W
conseguiu simular satisfatoriamente o fenômeno de infiltração e reproduziu os
resultados de vazão e piezometria ao longo do tempo. A presença do duto (e a
entrada de água em seu interior) produziu fluxo, na seção de controle, 10 segundos
mais cedo do que o modelo sem o duto. A razão entre os tempos de saída calculados
foi de aproximadamente 0,8%. Este intervalo de tempo está de alguma forma
relacionado à diminuta área (fundo do duto) em que se permitiu a entrada de água em
um ponto mais profundo na massa de solo. Na modelagem, a razão entre a área do
fundo do duto e a área da superfície do corpo de prova foi de 0,7%.
8. Outras modelagens foram realizadas com o intuito de verificar
numericamente o papel da relação entre áreas de contribuição e a velocidade de
206
infiltração da água. Para uma relação de 20%, a razão entre os tempos calculados foi
de 18%.
9. Uma outra possibilidade de modelagem foi a consideração de água
superficial (run-off) alimentando o pequeno duto. Uma modelagem simplista consiste
em prever o enchimento do duto. Os resultados revelaram reduções drásticas no
tempo de saída de água na base do modelo: enquanto o tempo de saída de água,
considerando-se apenas chuva direta no fundo do duto, é da ordem de dezenas de
minutos (1175s), o tempo, considerando o duto totalmente preenchido com água
proveniente do escoamento superficial, é da ordem de apenas algumas dezenas de
segundos (32s).
10. Uma segunda modelagem numérica consiste em supor o duto como um
material de permeabilidade mais elevada do que a do solo em seu entorno. Este
modelo permitiu considerar melhor o fluxo oriundo do run-off que infiltra na massa de
solo. Os tempos de infiltração obtidos no estudo realizado apresentaram valores muito
alterados.
11. Foi proposta uma metodologia, para uso na prática da Engenharia, que
considera a contribuição dos dutos numa análise de infiltração e estabilidade de
encosta. Verificou-se, com uma aplicação desta metodologia, que o fator de segurança
de um talude sob chuva com pequenos dutos decresce mais rapidamente com o
tempo, para qualquer método de cálculo de estabilidade adotado, se comparado a
outro sem os mesmos. Na aplicação feita, foi considerada apenas a possibilidade de a
chuva cair diretamente nos fundos dos dutos, e, portanto, a redução no fator de
segurança foi muito pequena.
12. A aplicação efetuada também mostrou que quanto maior a profundidade
dos dutos (e sua área de influência), mais rapidamente diminui o fator de segurança
de um talude sob chuva com o tempo.
7.2 – Sugestões para futuras pesquisas
207
Dentre as sugestões para futuras pesquisas, na área de engenharia, citam-se:
a. Estudo da geometria dos pequenos dutos em diferentes taludes reais, definindo-se
a sua densidade, seus comprimentos, diâmetros, inclinações e possibilidade de
interconexões;
b. Realização de ensaios em solos com outras granulometrias (solos finos, por
exemplo);
c. Refinamento do modelo experimental, agregando-se outros equipamentos de
instrumentação e aquisição automática de dados, para efetuar uma análise
tridimensional da influência de diferentes diâmetros, comprimentos e densidades
de pequenos dutos na amostra;
d. Desenvolvimento de um modelo numérico de análise tridimensional.
208
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234
ANEXO A
A.1 – Características básicas do programa SEEP/W v. 4.21
O programa SEEP/W é um programa de elementos finitos, para ambiente
Windows, que pode ser usado para modelar o movimento de água no interior de materiais
porosos tais como solos e rochas. Ele permite, por exemplo, análises de fluxos em solos
saturados e não saturados.
O programa permite também o desenho da geometria do problema em ambiente
tipo CAD, de visualização em tempo real. Isto reduz o tempo despendido nas análises.
A.2 – Sistema de unidades
O programa permite a utilização de qualquer sistema de unidades, desde que
todas as grandezas a serem medidas sejam de unidades compatíveis. Fundamentalmente
deve-se definir as unidades de comprimento, tempo e força. Assim, como será adotado o
Sistema Internacional de Unidades (SI), tem-se:
- Comprimento : metro (m);
- Tempo : segundo (s);
- Força : quiloNewton (kN).
235
Desta maneira as outras unidades devem ser compatíveis ao sistema adotado, ou
seja:
- Pressão : N/m² ou Pa (Pascal);
- Condutividade hidráulica : m/s;
- Carga de pressão/total : m;
- Fluxo distribuído na face do elemento: m/s;
- Vazão nodal : m³/s.
No programa, a unidade de tempo é fixada através da seleção da unidade da
condutividade hidráulica. Analogamente, a unidade de pressão é estabelecida através da
seleção da unidade do peso específico da água. Geralmente, todas as unidades são
definidas através da seleção das unidades de comprimento, para o desenho da
geometria, bem como pelas unidades escolhidas para a condutividade hidráulica e para o
peso específico da água.
A.3 – Tipos de elementos disponíveis
Uma vez definida e desenhada a geometria ou domínio do problema, ele pode ser
discretizado com uma malha composta de elementos finitos isoparamétricos triangulares
e/ou quadrangulares. Cada um dos elementos pode ter vários nós secundários
(opcionais), automaticamente colocados eqüidistantes dos nós vizinhos, como forma de
atingir ordens superiores de interpolação dos valores nodais dentro do elemento.
A escolha do elemento ou da malha de elementos que propicie um menor
consumo de memória RAM e que tenha uma velocidade de processamento compatível
236
com os prazos envolvidos é influenciada pelos seguintes fatores, segundo o manual
(GEO-SLOPE, 1998):
- número de nós do problema;
- a diferença entre o número de ordem na malha do maior e menor nó num
elemento;
- ordem da integração;
- forma e tamanho dos elementos;
- presença de elementos distintos na mesma malha.
Existem algumas escolhas com relação ao desenho da malha que, segundo o
manual do programa, permitem alcançar um melhor desempenho. Por exemplo, para
minimizar o efeito da diferença do número de ordem dos nós num elemento, basta que se
projete uma malha de elementos formando linhas horizontais e colunas verticais, sem
nenhuma inclinação.
Apesar do refinamento da malha ser desejável em algumas regiões (melhorar a
acurácia), a boa prática do desenho de malhas recomenda a busca do equilíbrio entre
uma malha de fácil desenho e a eficiência dos resultados.
A acurácia e o desempenho de um elemento depende, até certo ponto, da sua
forma. Por exemplo, se a opção for um elemento quadrangular, ele apresentará melhores
resultados se seus ângulos internos forem de 90°. Caso a escolha recaia sobre elementos
triangulares, os melhores resultados são alcançados se um dos ângulos internos for de
90° e os demais de 45°. Entre 45 e 90° os resultados são considerados aceitáveis,
segundo a GEO-SLOPE (1998). Entretanto, a performance do elemento se deteriora
bastante à medida que os ângulos internos dos elementos da malha se aproximarem de
0° ou de 180°.
Outro aspecto relativo ao formato dos elementos é a razão entre o comprimento e
a sua altura. Apesar do programa não restringir qualquer que seja o valor adotado no
237
estudo, a GEO-SLOPE (1998) recomenda a taxa unitária, que produz um melhor
desempenho. Elementos longos e finos, com razão muito maior do que 5 produzem
resultados pobres.
Uma outra maneira de contornar o problema da relação comprimento x altura do
elemento é aumentar o número de nós e a ordem de integração. O manual do programa
cita, por exemplo, que, se forem adotados elementos longos e finos (relação > 5), o
melhor desempenho deste tipo de elemento será alcançado se forem adotados oito nós e
a integração de nove pontos.
Com relação à edição, qualquer elemento ou nó, individualmente ou em grupo,
pode ser movido ou apagado, usando-se para tal o “mouse” (selecionar e arrastar).
Qualquer elemento pode ser considerado nulo ou não existente, bastando para
isto atribuir à função de condutividade hidráulica o valor zero. Esta opção permite simular
a construção de aterros, escavações e no caso da presente tese, dos pequenos dutos
existentes em encostas.
É possível também lançar mão de um gerador automático de malha, bastando
para isso definir a área a ser discretizada, o número de elementos que se quer gerar, bem
como a taxa adotada para o comprimento e a altura dos mesmos, o tipo de solo
associado, a ordem de integração, o número de nós desejado e a espessura do elemento.
A.4 – Propriedades dos materiais (solos)
O programa, como já foi mencionado, permite a análise de fluxo saturado e não
saturado. Para tal, o programa assume que o fluxo em solos não saturados segue a Lei
de Darcy. Conforme visto no Capítulo 2 desta tese, para que a Lei de Darcy tenha
validade para solos não saturados, o fluxo (v) tem de ser proporcional ao gradiente
hidráulico (i) e à condutividade hidráulica (k), ou seja, cada variação na sucção
238
corresponde a uma variação na condutividade do solo não saturado. Esta variação é
denominada, no programa, como função de condutividade. Nas análises saturada-não
saturada efetuadas pelo programa, a função de condutividade deve ser definida para cada
tipo de solo.
A variação da função de condutividade leva a um sistema de equações não
lineares, por isto o programa adota um processo iterativo para resolvê-lo. A carga
hidráulica (H = poro-pressão + elevação) é a variável primeiramente calculada. Uma vez
que a carga hidráulica é relacionada com a condutividade hidráulica, a definição dos
valores da função estão condicionados aos resultados dos cálculos de H.
Assim com a função de condutividade, em análises transientes com solos não
saturados, há a necessidade de se definir a curva característica para cada solo utilizado
no problema. Isto é feito introduzindo-se valores de sucção e teores de umidade
volumétricos da curva característica adotada pelo usuário. A função de condutividade
pode ser estimada com base nos dados da curva característica adotada, no caso da
versão 4.21 do programa, utilizando a metodologia de GREEN e COREY (1971). Na
versão 5 (“Demo”) há outras opções de metodologia: VAN GENUCHTEN (1980) e
FREDLUND et al. (1994).
Anisotropias e heterogeneidades também são possíveis de serem simuladas no
programa.
A.5 – Tipos de análise
O programa permite análises saturadas e não saturadas; estacionárias e
transientes; tanto para casos unidimensionais, bidimensionais e axissimétricos.
A equação de fluxo utilizada nos cálculos torna a carga total como variável
primária, ou seja, há necessidade de se conhecer a carga total em pelo menos um dos
239
nós para que o programa calcule a carga em todos os demais, caso contrário o problema
fica indeterminado. Esta necessidade tanto é válida para análises estacionárias como
para transientes. Portanto é um cuidado que se deve tomar com o programa para que não
gere resultados sem qualquer significado.
Nas análises transientes há a necessidade de se definir os intervalos ou
incrementos de tempo adequados a cada problema. Na verdade, este processo
incremental é mais uma aproximação adotada no programa para simular um fenômeno
não linear. No caso, por exemplo, de um avanço muito rápido na frente de umedecimento
será necessário diminuir os intervalos; se o avanço for lento, aumenta-se os intervalos de
observação. Desta escolha depende a acurácia dos resultados obtidos.
Outro parâmetro essencial em análises transientes no programa SEEP/W (como
nos demais programas) é a definição da condição inicial (em termos de carga total em
todos os nós). O programa permite ao usuário a especificação das condições iniciais
tanto por um arquivo de dados salvo como condições iniciais do problema, quanto pela
definição do nível d’água inicial. Conforme alerta o manual (GEO-SLOPE, 1998),
condições iniciais fora da realidade irão levar a soluções igualmente sem sentido, cuja
interpretação será difícil, principalmente nos estágios iniciais da análise, quando não,
impossível.
No presente estudo, optou-se pela utilização de um arquivo de dados tidos como
condição inicial do problema. Alguns cuidados devem ser observados, como, por
exemplo, o arquivo deve ser em termos de carga total e com análise de percolação do
tipo estacionária (e deve ser salvo com nome distinto daquele utilizado na análise
transiente). Definido este arquivo, deve-se elaborar, com base na mesma malha de
condições iniciais, o arquivo de análise transiente. Com todos os parâmetros definidos,
quando acionar-se o comando SOLVE dever-se-á escolher a opção “Open Initial
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Conditions” e fazer com que o programa carregue o arquivo nominado pelo usuário como
o de condição inicial daquele problema.
A.6 – Condições de contorno disponíveis
O programa disponibiliza a prescrição de condições de contorno de diferentes
tipos. Assim, é possível especificar em cada nó do domínio a carga total, o fluxo ou vazão
nos nós e numa dada área (lado do elemento). Cada uma dessas condições de contorno
é identificada com simbologia e cor diferentes.
Há também a possibilidade da especificação de condições de contorno
transientes, ou seja, é possível associar-lhes uma função. Esta característica facilita a
especificação de condições de contorno variáveis com o tempo. Além disto, ainda é
possível a ciclagem, o que permite a especificação de condições de contorno que se
repetem com certa freqüência no tempo.
No caso da análise transiente de infiltração de água de chuva em solo não
saturado, onde a infiltração varie sazonalmente, o programa disponibiliza algumas opções
para especificar um fluxo superficial variando com o tempo, tanto o fluxo nodal quanto o
distribuído ao longo do elemento.
Para certos tipos de problemas de percolação, uma das condições de contorno é a
fronteira drenante. Um exemplo disto é a exfiltração de água na face de taludes. Abaixo
do ponto onde a superfície freática intercepta o talude, a água subterrânea irá sair pela
face drenante. Acima dele, o solo deverá estar úmido, mas a água não sairá pois a poro-
pressão é negativa (em relação à pressão atmosférica). Nestes casos, o tipo de condição
de contorno (carga especificada ou fluxo zero) a ser aplicado na face drenante deve ser
revisto durante o processo de fluxo. Para tal o programa disponibiliza a “condição de
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contorno com revisão”. Desta forma o programa automaticamente muda a condição de
contorno na fronteira drenante do elemento, de impermeável enquanto a poro-pressão é
negativa, para permeável quando ela atinge o valor zero.
A carga total pode ser especificada como função do volume de fluxo de água
subterrânea entrando ou saindo de um sistema através de um grupo de nós.
Finalmente, a condição de carga total nula (H=0) (o mesmo que prescrever em um
nó a carga total igual à sua elevação) permite a definição da superfície livre ao longo de
um conjunto de nós.