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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
FABIANE CRISTINA SANTANA
CUIDAR E EDUCAR DA PRIMEIRA INFÂNCIA
Tendências investigativas na produção acadêmica paulista
(1997-2009)
MESTRADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE.
SÃO PAULO
2011
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
FABIANE CRISTINA SANTANA
CUIDAR E EDUCAR DA PRIMEIRA INFÂNCIA
Tendências investigativas na produção acadêmica paulista
(1997-2009)
Dissertação apresentada a Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de Mestre
em Educação, pelo Programa de Estudos Pós-
Graduados em Educação: História, Política,
Sociedade, sob orientação do Prof. Carlos Antônio
Giovinazzo Jr.
SÃO PAULO
2011
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________
Prof. Dr. Carlos Antônio Giovinazzo Jr.
____________________________________________
Profa. Dra. Luciana Maria Giovanni
____________________________________________
Profa. Dra. Letícia Maria Barros Pedroso Nascimento
SANTANA, Fabiane Cristina. 2011. Cuidar e educar da primeira infância - Tendências investigativas na produção acadêmica paulista (1997-2009). Dissertação (Mestrado em Educação). São Paulo: PUC-SP – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade.
RESUMO
Em face do aumento significativo da produção acadêmica brasileira sobre a educação infantil, após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96 (Brasil, 1996), este estudo tem como objetivo analisar as tendências investigativas da produção acadêmica paulista sobre a temática do cuidar e educar da primeira infância em instituições de educação infantil, produzidas entre os anos de 1997 e 2009. Compõem a amostra desta pesquisa 3 (três) teses de doutorado e 8 (oito) dissertações de mestrado produzidas nos Programas de Pós-Graduação da UNIMEP, UFSCAR, USP, UNESP Araraquara, PUC-SP, UNICAMP e UMESP. Para a coleta de dados foi utilizada ficha de leitura e quadro de análise, com o objetivo de coletar dados específicos que possibilitassem a comparação e a interpretação dos referidos trabalhos acadêmicos, sob a hipótese de que a concepção de preparação para o ensino fundamental ainda prevalece nas orientações para este nível de ensino. O referencial teórico adotado por esta pesquisa é o da Teoria Crítica da Sociedade, sendo utilizados trabalhos de Adorno, Horkheimer e Marcuse, em uma tentativa de articulação com a crítica que fazem em relação à ciência, além dos conceitos de formação, pseudoformação e racionalidade tecnológica. Foi possível verificar que, apesar da utilização por parte dos autores da teoria sócio-histórica e do reconhecimento da criança como ser social, a tendência da produção acadêmica, no que se refere ao cuidar e educar, parece caminhar para uma perspectiva de educação de cunho cognitivista, o que aponta para a pseudoformação, perpetua a racionalidade tecnológica e impede o avanço da formação para a emancipação. De outro lado, a produção acadêmica expressa o predomínio de uma concepção de ciência que reafirma a adaptação do indivíduo à sociedade, o que coloca em segundo plano à crítica social.
Palavras-chave: educação infantil, cuidar e educar, produção acadêmica, teoria crítica da
sociedade.
SANTANA, Fabiane Cristina. 2011. Caring and Educating in the First Infancy – Academic Production’s Investigative Trends in São Paulo Educational System (1997-2009). Master Research Paper (Master in Education). São Paulo: PUC-SP – Pos-Graduation Programme in Education: History, Policy, Society.
ABSTRACT
Taking into consideration the increase in the Brazilian academic production about early childhood education that focus on caring and educating processes, as a consequence of the National Education Law (Law of Directives and Bases of Education – LDB 9394/96 / Brasil, 1996). This study aims to analyze the investigative trends referring to carring and teaching
issues in the first infancy carried out by the educational institutions in Sao Paulo, being produced between 1997 and 2009. This research paper is constituted of 3 (three) PhD thesis and 8 (eight) Master Research Papers produced by the UNIMEP, UFSCAR, USP, UNESP Araraquara, PUC-SP, UNICAMP and UMESP Pos-graduation programmes. A reading sheet and an analysis board was employed to gather specific information, allowing to compare and analyse the different research papers and thesis, taking into consideration the hypothesis that the preparation conception for the fundamental learning is the main guideline to this learning level yet. The theoretical reference adopted by author of this research paper is the Society’s
Critical Theory, being supported by Adorno’s, Horkheimer’s and Marcuse’s as a way to
articulate with the critic that they do referring to the science, besides formation, pseudo-formation and technological rationality concepts (referring to their works). I could verify that although they had employed the socio-historical theory, the academic production trend referring to caring and educating processes tends to a cognitive perspective, aiming to pseudo-formation that supports and lasts the technological-rationality and restrict the process to come to a formation for the emancipating model. On the other hand, the academic production aims to a science that ensures adaptation process and not making the relations that allow execute a supported critical process and suggest changes to transform the society as well.
Keywords: early childhood education, caring and educating, knowledge production, society’s
critical theory.
Dedico esse trabalho à minha mãe,
Darci Basso Santana,
que ao resolver as coisas mais complicadas da vida
de uma forma especialmente simples,
me faz acreditar que tudo é possível,
basta fazer.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente à Deus, por ter me dado as forças necessárias para cumprir o
que me propus, em perfeito juízo.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Carlos Antonio Giovinazzo Jr., pela paciência frente às
minhas limitações, além do comprometimento e seriedade com que direcionou o trabalho.
À Profa. Dra. Luciana Maria Giovanni, que esteve presente e disposta a contribuir, de
uma forma especialmente doce.
À Profa. Dra. Maria Letícia Barros Pedroso Nascimento, que com que seu rigor e
respeito, contribuiu de forma imprescindível para a pesquisa.
À Profa. Dra. Claudia Stella, por suas valiosas contribuições.
Aos Professores Doutores José Geraldo Silveira Bueno, Circe Maria Fernandes
Bittencourt e Alda Junqueira Marin, por seus preciosos ensinamentos.
À CAPES pelo financiamento da pesquisa, sem o qual este estudo não seria
concretizado.
À Betinha, secretária do Programa, por sua amabilidade e presteza características.
Aos funcionários das bibliotecas das Universidades pesquisadas, especialmente à
bibliotecária da PUC-SP, Beatriz Guedes, que com gentileza e competência, contribuíram
para a localização das pesquisas selecionadas como amostra.
À Bianca, filha querida, que apesar de sua pouca idade, compreendeu minha ausência
nos sábados chuvosos e nos domingos ensolarados.
Ao Júnior, companheiro amado, por seu incentivo incondicional diante de todas as
minhas escolhas e por me ajudar a trilhar mais esse caminho da vida.
À minha mãe Darci, ao meu irmão Júnior, à Claudia, à Helena, Sr. Abel, Eduardo,
Amanda, Tia Bia, Fernando, Dido, Biso, Bisa, Karol, Camila, Daniela, Bruno, Melqui,
Tereza, Sr. José, Lenita, Larissa, Lucas, Vivi, que de diferentes maneiras, contribuíram de
forma imprescindível para que esse trabalho fosse realizado.
Às amigas que, diariamente, me fazem acreditar na existência de pessoas
comprometidas com a educação e o cuidado da infância, Ana Cristina, Simone, Rita, Maria
Cristina, Sandra, Márcia, Rita Aureliano e Edione.
Aos colegas, Michelle, Maria Fernanda, Karina, Jefferson e Tatiana, pela convivência
durante o mestrado.
À nova amiga Ana Lúcia, que com seu bom humor me ajudou a encarar esse percurso
de forma mais leve.
E em último lugar, mas não menos importante, gostaria de agradecer à minha querida
amiga Lúcia Matias, por me convidar a fazer parte desse universo e por me fazer acreditar que
eu era capaz, bastava seguir um dia de cada vez.
Verdade
A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
Carlos Drummond de Andrade
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................... 14
CAPÍTULO I. EDUCAÇÃO DA PRIMEIRA INFÂNCIA: PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO E FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS.....................................
28
1.1. A ciência à luz da teoria crítica da sociedade.................................................... 28
1.2. A afirmação da infância como categoria social e como objeto de estudo......... 32
1.3. Concepções políticas para a educação da criança pequena............................... 44
CAPÍTULO II. CAMINHOS METODOLÓGICOS E ANÁLISE DOS DADOS 54
2.1. O levantamento da produção sobre cuidar e educar na educação infantil..... 54
2.2. Caracterização dos estudos selecionados........................................................ 65
2.2.1. Método adotado pelos pesquisadores.................................................... 70
2.3. Tendências investigativas dos estudos selecionados....................................... 72
2.3.1. Relação entre educação e sociedade na produção acadêmica selecionada.....................................................................................................................
73
2.3.2. O tratamento dado ao binômio cuidar-educar....................................... 81
2.3.3. Quadro teórico de referência dos estudos selecionados........................ 86
2.4. Proposições sobre o cuidar e educar nas pesquisas acadêmicas...................... 92
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 99
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 103
LEGISLAÇÃO CONSULTADA............................................................................... 107
DISSERTAÇÕES E TESES SELECIONADAS PARA ESTA PESQUISA ........ 108
APÊNDICE.................................................................................................................. 109
ANEXOS...................................................................................................................... 119
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Resultado levantamento CAPES – 1987 a 2009........................................... 55
Tabela 2: Pesquisas da área da Educação sobre o cuidar e educar por região
brasileira – 1987 a 2009................................................................................................ 56
Tabela 3: Produção de dissertações de mestrado e teses de doutorado por Instituição
de Ensino Superior no estado de São Paulo – 1987 a 2009.......................................... 57
Tabela 4: Agrupamento de dissertações de mestrado e teses de doutorado
produzidas no estado de São Paulo segundo foco/abordagem – 1987 a 2009.............. 60
Tabela 5: Pesquisas produzidas nos programas de pós-graduação do estado de São
Paulo após a promulgação da LDB sobre a temática do cuidar e educar na educação
infantil........................................................................................................................... 62
Tabela 6: Temas das teses e dissertações sobre a educação infantil produzidas na
UFSCAR, USP, UNICAMP, PUC-SP, UNIMEP, UNESP Araraquara e UMESP...... 63
LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Pesquisas bibliográficas e estudos de estado da arte – educação infantil... 16
Quadro 2. Relação das obras selecionadas, seus autores, problema e objetivo de
pesquisa......................................................................................................................... 66
Quadro 3. Eixo temático e procedimentos metodológicos das pesquisas
selecionadas................................................................................................................... 70
Quadro 4. Função da escola, da educação infantil e o papel do Estado nas pesquisas
selecionadas como amostra........................................................................................... 73
Quadro 5. Considerações dos pesquisadores sobre criança/infância e a relação com
o cuidado e a educação.................................................................................................. 81
Quadro 6: Quadro teórico de referência dos trabalhos selecionados............................ 87
LISTA DE SIGLAS
CAPES Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior
EHPS Educação: História, Política, Sociedade
IES Instituição de Ensino Superior
PUC-Campinas Pontifícia Universidade Católica de Campinas
PUC-SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
UBC Universidade Braz Cubas
UFSCAR Universidade Federal de São Carlos
UMESP Universidade Metodista de São Paulo
UNESP Universidade Estadual Paulista
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
UNICID Universidade Cidade de São Paulo
UNIMEP Universidade Metodista de Piracicaba
UNINOVE Universidade Nove de Julho
UNISantos Universidade Católica de Santos
UNISO Universidade de Sorocaba
UNIUBE Universidade de Uberaba
UNOESTE Universidade do Oeste Paulista
USF Universidade São Francisco
USP Universidade de São Paulo
14
INTRODUÇÃO
Este estudo teve como objetivo analisar as tendências investigativas de dissertações de
mestrado e teses de doutorado sobre a temática da educação infantil, com destaque para o
modo como concebem o cuidar e o educar, tendo em vista a possibilidade de pensar a
educação escolar de crianças pequenas desde a perspectiva da emancipação.
O interesse pelo tema surgiu de reflexões realizadas no meu percurso profissional
como docente da educação infantil desde 1992, o que fez com que acompanhasse de perto o
reflexo gradual das mudanças ocorridas nas políticas educacionais brasileiras. Nesse contexto,
presenciei modificações no cotidiano – especialmente nas concepções das famílias e dos
profissionais da área acerca da creche e da pré-escola – no momento em que as discussões
geraram diferentes interpretações sobre o que seria mais apropriado para atender às novas
especificidades, o que, por sua vez, provocou mudanças nas práticas docentes. Esse cenário de
constantes renovações trazia e continua a trazer inquietações no sentido do entendimento dos
rumos que a educação infantil tomou nessa trajetória.
Atuar na educação infantil representa uma reconstrução de significados do que está
posto para este nível de ensino, além da necessidade do entendimento do que significa cuidar
e educar da primeira infância. Nesse sentido, a pesquisa aqui proposta pode trazer elementos
para compreensão do debate em torno da creche e da pré-escola, por meio da apresentação e
discussão dos resultados apresentados nos trabalhos acadêmicos produzidos entre 1997 e
2009.
Em sua especificidade, a educação infantil, se comparada aos demais níveis de ensino,
percorre um caminho não tão longo, mas permeado de conquistas e desafios. Nessa trajetória
de mudanças políticas, sociais e econômicas trazidas com a redemocratização do país, a partir
do fim do regime militar, as políticas educacionais redesenharam o cenário da educação em
geral, o que trouxe para o centro do debate também a educação infantil, com destaque para a
questão da educação e do cuidado da primeira infância. Tais mudanças sociais, traduzidas em
políticas educacionais, representaram novos encaminhamentos em relação à pesquisa voltada
a educação infantil. Que preocupações foram privilegiadas? Como é concebido esse novo tipo
de educação? Que arcabouço de significações contempla? O que justifica sua defesa? As
respostas para essas perguntas expressam como o âmbito político, social, histórico e
educacional se apresenta na definição dos objetivos da educação infantil.
15
Para tentar responder a essas e outras questões, procedeu-se inicialmente à revisão
bibliográfica visando o entendimento sobre o que já havia sido produzido na área sobre o
tema ora em questão. As pesquisas que se ocuparam da produção acadêmica sobre a educação
infantil somam nove trabalhos, no entanto, nenhuma com a natureza investigativa a que essa
pesquisa se propôs. São os estudos relacionados a seguir: tese de doutorado (Rocha, 1999),
dissertações de mestrado (Strenzel, 2000; Guthiá, 2002; Moraes, 2005; Volpi, 2006;
Guimarães, 2007; Ramos, 2007; Bremberger, 2009) e artigo (Raupp, 2008) que, sob
diferentes perspectivas, analisaram a produção acadêmica sobre a educação infantil e
indicaram algumas tendências investigativas, conforme pode ser verificado:
16
Quadro 1. Pesquisas bibliográficas e estudos de estado da arte - educação infantil
Autor/IES/Ano Obra Objetivo Período analisado
ROCHA UNICAMP
(1999)
A pesquisa em educação infantil no Brasil: trajetória recente e perspectivas de consolidação de uma pedagogia.
Analisar a produção recente sobre a educação da criança de 0 a 6 anos no Brasil, bem como mapear a contribuição de diferentes ciências para a constituição de uma Pedagogia da
Educação infantil.
1990 a 1996
STRENZEL UFSC (2000)
A Contribuição das Pesquisas dos Programas de Pós-Graduação em Educação: Orientações Pedagógicas para Crianças de 0 a 3 anos em Creches
Investigar se havia produção científica sobre a educação de crianças menores de 3 anos e quais as indicações desta produção para o desenvolvimento das práticas pedagógicas no interior das creches.
1983 a 1998
GUTHIÁ UFSC (2002)
“Currículos”, propostas e
programas para a educação infantil na produção acadêmica brasileira (1990 – 1998)
Identificar os princípios educacionais-pedagógicos orientadores para a educação infantil, num período recente da educação brasileira.
1990 a 1998
MORAES UFSC (2005)
Educação infantil: Uma Análise das Concepções de Criança e de sua Educação na Produção Acadêmica Recente (1997-2002)
Identificar por meio da análise das concepções de criança, infância e educação, o papel social que a criança ocupa no processo educacional, além de delinear as concepções educativas que a partir da análise das produções acadêmicas se engendraram.
1997 a 2002
VOLPI PUC-Paraná
(2006)
Contribuições de teses e dissertações para a formação do Professor da educação infantil
Mapear os temas abordados, os avanços e perspectivas na direção da educação de crianças para a emancipação como sujeito social, além das proposições para a formação de professores
1997 a 2004
GUIMARÃES PUC-SP (2007)
A pesquisa na Pós-graduação: Balanço da produção discente sobre criança/infância
Entender como a criança vem sendo construída como objeto de pesquisa
1978 a 2004
RAMOS UNIUBE
(2007)
Produção do conhecimento sobre formação de professores da educação infantil: dissertações e teses no período de 2000 a 2005/Brasil
Constituir um contato com a atual Educação infantil no Brasil, procurando elementos para uma reflexão sobre esse atendimento, e a formação do profissional no cumprimento das funções complementares e indissociáveis de cuidar e educar as crianças
2000 a 2005
RAUPP UFSC (2008)
A formação das professoras de crianças de zero a seis anos em Portugal e no Brasil: concepções de formação nas produções científicas (1995 – 2006)
Examinar e analisar a base epistemológica das concepções de formação das professoras de crianças de zero a seis anos na produção científica portuguesa e brasileira sobre este tema
1995 a 2006
BREMBERGER PUC-Campinas
(2009)
Cuidar e educar: Um olhar da Psicologia às produções de pesquisas e políticas públicas sobre a educação infantil
Analisar as pesquisas que tratam da questão do cuidar-educar na educação infantil, bem como discutir as implicações das ideias que sustentam a concepção do cuidar e educar da saúde psicológica da criança, além de abordar as políticas públicas para a área.
1999 a 2006
17
Um olhar inicial sobre o quadro permite afirmar que, no conjunto, os autores
investigaram a produção acadêmica sobre a educação infantil em período que compreende os
anos de 1978 a 2006, ainda que de diferentes perspectivas de análise, além de ser possível
verificar que o período mais pesquisado soma 10 anos, compreendido entre 1995 e 2004.
Em sua tese de doutorado, Rocha (1999) mapeou a frequência e a abrangência dos
temas dos trabalhos sobre a educação de crianças de zero a seis anos, apresentados em
congressos científicos no período entre 1990 e 1996. A autora verificou mudanças nas
abordagens dos trabalhos acadêmicos, indicando a constituição de uma nova fase relacionada
às investigações sobre a educação infantil.
A produção analisada revelou construções teóricas, permitindo a identificação de um conjunto de regularidades e peculiaridades. As construções identificadas permitem afirmar a possibilidade e o nascimento de uma Pedagogia, com corpo, procedimentos e conceituações próprias. Identifica-se, portanto, uma acumulação de conhecimentos sobre a educação infantil que tem origem em diferentes campos científicos, que além de resultarem em um produto de seu próprio campo, têm resultado em contribuições para a constituição de um campo particular no âmbito da Pedagogia, ao qual venho denominando de Pedagogia da Educação infantil e que se inscreve, por sua vez, no âmbito de uma Pedagogia da Infância. (Rocha, 1999, p. 160)
Em sua avaliação, os estudos da área da Educação e da Psicologia privilegiaram a
abordagem sócio-histórica do desenvolvimento ao destacarem a importância do jogo, das
interações e da creche como espaço de desenvolvimento, além de se referirem, em sua
maioria, a uma criança concreta, considerando os determinantes sócio-culturais inerentes à
prática pedagógica. Em decorrência dos pressupostos teóricos comuns, identificou ainda
regularidades nas pesquisas investigadas, como a crítica ao modelo escolar pautado em
mecanismos cognitivos que definem eixos norteadores da prática pedagógica na educação
infantil em uma tentativa de destacar sua natureza distinta em relação ao ambiente escolar.
Tal preocupação ressurge nos trabalhos produzidos entre 1983 e 1998, de modo que os
estudos sobre a educação infantil produzidos nesse período apontam interesse em verificar a
existência de produção acadêmica sobre a educação de crianças menores de três anos e quais
as indicações para o desenvolvimento das práticas pedagógicas (Strenzel, 2000). O estudo
dessa autora fornece elementos que permitem afirmar que as pesquisas apresentam uma
especificidade na direção de uma Pedagogia da Educação infantil, pois mesmo tomando por
base outras áreas além da Pedagogia, como as Ciências Sociais e a Educação Física, trazem
indicações diretas ou indiretas em direção à Pedagogia, além de se referirem às orientações
teórico-práticas para a educação de crianças de zero a seis anos em instituições educativas.
18
De outra parte, as investigações provenientes do campo da Psicologia contribuíram
com reflexões a respeito das interações sociais, ampliando a compreensão dos processos de
constituição da infância, ao investigarem a produção de significados em relação às crianças e
os processos de inserção a que elas estão submetidas nos espaços coletivos. Em contrapartida,
algumas investigações da Psicologia e outras da Pedagogia, de acordo com Strenzel (2000),
ainda deixam transparecer uma concepção de criança como ser a-histórico e abstrato, além de
não levar em consideração seu contexto social ou as variáveis de gênero e etnia, o que não
acontece com as pesquisas orientadas pelas Ciências Sociais, que consideram a criança um ser
imerso na cultura, com especificidades, principalmente, em relação à brincadeira, aos espaços
físicos e às diversas linguagens. O período avaliado parece, portanto, mostrar certos
antagonismos em relação às concepções de criança, o que parecer estar relacionado com
campo a ser privilegiado no estudo, ou seja, de acordo com a perspectiva com que se analisa a
questão, a criança pode ser encarada de maneira muito diferente, o que certamente acarreta,
também, diferentes orientações na educação oferecida a ela nessa fase da vida.
A predominância dos conceitos escolares em detrimento das especificidades do
cuidado e de um tipo de educação que considere as particularidades das crianças pequenas,
também foi verificada na análise de Strenzel (2000), já que os pesquisadores se referem às
creches e pré-escolas simplesmente como escolas e às crianças como alunos. Este aspecto
deixa a impressão de que as orientações advindas da produção acadêmica são gerais, ou seja,
fala-se de criança sem a distinção necessária em relação às fases etárias. Assim, as orientações
para a educação infantil guardam pouca singularidade quando comparadas com as feitas para
o ensino fundamental.
Essa orientação por vezes ainda difusa no que se refere à caracterização da criança em
suas especificidades de faixa etária, além de apontar para uma proposta mais escolarizante,
talvez seja conseqüência do predomínio da abordagem psicológica nas propostas pedagógicas
para esse nível de ensino, o que parece decorrer da utilização recorrente dos estudos de Jean
Piaget, apontados em pesquisa realizada no período entre 1990 e 1998 (Guthiá, 2002). Nesse
estudo foram levantados dados da produção acadêmica sobre currículos, propostas e
programas para a educação infantil, como meio de identificar seus princípios educacionais-
pedagógicos orientadores, além de buscar referências para uma educação infantil que integre
de maneira efetiva o binômio cuidado-educação. O predomínio da abordagem psicológica
acaba por contribuir para uma visão da criança que tem como base o aspecto cognitivo, ou
seja, desconsideram-se suas múltiplas dimensões e enfatiza o processo ensino-aprendizagem.
19
Quanto ao cuidar e educar, a autora considera que as discussões procuraram outros caminhos
a fim de dar conta dessa especificidade:
Essas orientações educacionais-pedagógicas são fruto de experiências e discussões realizadas nas últimas duas décadas – [19]80 e [19][90 –, marcando a passagem da influência majoritária do Construtivismo de Jean Piaget, e a discussão de sua aplicação e de seus resultados na educação infantil brasileira, ao debate das ideias de Vygotsky que, entre outros, destacou o caráter sócio-histórico do processo educativo (Guthiá, 2002, p. 133).
Embora os estudos apontem a passagem dessa orientação piagetiana para outra de
caráter sócio-histórico, ela não deve ser entendida como solução mágica que dê conta da
especificidade da educação infantil, mesmo porque foi verificado o uso equivocado da teoria
de Vygotsky – é o que assevera a autora – ocasionado pela leitura confusa e apressada dos
pesquisadores. Esse fato pode ser comprovado pelo próprio resultado das pesquisas, quando
aponta que apesar dessa passagem, o caráter cognitivo ainda é forte nas orientações prescritas
para a educação infantil na década de 1990 (Guthiá, 2002). Ora, o resultado dessa passagem
identificada pela autora não deveria causar estranheza, uma vez que Vygotsky, ainda que
considere e valorize a dimensão social, também é um psicólogo do desenvolvimento da
inteligência.
Se a solução mágica não existe, foi possível constatar em pesquisa que analisa o
período subseqüente (1997 e 2002) que os estudiosos demonstram outra concepção em
relação à criança pequena – não mais é considerada apenas pelo aspecto cognitivo, mas
também e, principalmente,como um sujeito social (Moraes, 2005), o que, segundo a autora,
atende à orientação sócio-histórica defendida por Vygotsky e reafirma a “passagem” indicada
nos estudos precedentes (Guthiá, 2002). O próprio interesse de investigação da autora citada
aponta para a necessidade de investigar o papel social que a criança ocupa no processo
educacional e delinear as concepções educativas da produção acadêmica. Com base na
produção do período, identifica a criança como sujeito heterogêneo, cuja pluralidade se
expressa por meio de sua capacidade de produzir cultura, de ser criador/inventivo, um sujeito
de devir em um movimento sempre dinâmico, de constituir-se criança por seu estatuto de
sujeito de direitos legalmente constituídos e concretamente negligenciados. Dentre suas
constatações, evidencia uma mudança de foco nas pesquisas com crianças:
Podemos dizer que o sujeito-criança é concebido como ator social na maioria dos trabalhos analisados, seja através das metodologias utilizadas para recolha das suas vozes, seja pela inteligibilidade de suas manifestações e ações socioculturais ou pela interface estabelecida com os estudos sociológicos. A vertente sociológica dos
20
autores citados que representam a Sociologia da Infância destaca o papel social da criança, sujeito ativo do seu processo educativo que apresenta todas as qualidades necessárias para assumir um papel social participativo, como sujeito informante da sua condição social e geracional, reprodutor/produtor de cultura, entre outros aspectos, que evidenciam uma mudança de foco, sobretudo metodológico, nas pesquisas com crianças (Moraes, 2005, p. 157).
Os resultados a partir dos trabalhos analisados consideram que a constituição de uma
Pedagogia da Educação infantil deve passar pela discussão sobre a função da educação das
crianças, bem como pela definição de suas especificidades. Mais uma vez, a preocupação com
um corpo pedagógico específico parece reafirmar a preocupação desse e de outros estudos já
apontados em pesquisas anteriores (Rocha, 1999; Strenzel, 2000).
Investigação sobre produção acadêmica que avança dois anos em relação às anteriores
– 1997 a 2004 (Volpi, 2006) analisa estudos produzidos nos programas de Pós-Graduação no
estado do Paraná, sobre a temática da educação infantil e mostra a preocupação dos
pesquisadores voltada para temas articulados com propostas pedagógicas. Além disso,
identifica estudos voltados às concepções de infância e de criança, ao desenvolvimento
cognitivo e aprendizagem, à ludicidade e às metodologias de ensino nas várias áreas do
conhecimento. As discussões ressaltam a preocupação com a educação infantil como uma
etapa que tem corpo de proposições estruturadas, além de procedimentos metodológicos
específicos para essa etapa da educação. Então, é possível inferir que, embora não seja
utilizado o termo Pedagogia da educação infantil, há uma orientação nessa direção quando se
reconhece e se valoriza a necessidade de elaboração de procedimentos metodológicos
específicos, que mais uma vez, remete à discussão da utilização de tal pedagogia. De outro
lado, a concepção de criança ou infância nos trabalhos está ligada à busca de superação do
atendimento exclusivo ao cuidar; para isso, os estudiosos argumentam em favor da urgência
em se conhecer a criança concreta, considerando seu pertencimento social, seu meio histórico
e cultural, além de suas motivações psicológicas e familiares (Volpi, 2006), o que também
reafirma a “passagem” de uma concepção cognitivista para outra interacionista. Quer dizer, a
defesa de outro enfoque a ser dado para o cuidar também está assentada no reconhecimento da
criança como sujeito histórico e social.
Dos estados da arte considerados, o com maior abrangência temporal procurou
entender como a criança foi construída como objeto de pesquisa no período entre 1978 a 2004
(Guimarães, 2007), nos trabalhos produzidos nos programas de Pós-Graduação da PUC-SP.
Seus resultados apontam que, com base nas contribuições da Psicologia, os estudos expressam
quatro tendências: a) a criança como ser em desenvolvimento; b) como sujeito possuidor de
21
relações sociais e que vive diferenciadas interações; c) como indivíduo biológico e que sofre
conseqüências com alterações na sua saúde (orgânica e psíquica); d) como membro da
instituição escolar, na condição de aluno. Nos 27 anos investigados pela autora verificou-se
um aumento significativo de interesse por temas voltados a criança, sobretudo na segunda
metade dos anos de 1990; além disso, parte significativa da produção analisou as práticas,
intervenções e propostas, o que demonstra que a criança NÃO foi sujeito de investigação a
maioria das vezes e pouco considerada como foco das pesquisas. Quanto aos referenciais
teóricos, os da Psicologia foram os mais utilizados, especialmente Wallon, Piaget, Freud e
Winnicott. Embora a referida pesquisa ressalte apenas os trabalhos produzidos em uma
instituição, é relevante ressaltar que as tendências apontadas anteriormente parecem perpassar
os estudos analisados, qual seja, a alteração de uma visão de desenvolvimento cognitivo da
criança para outra que a considera sujeito de relações sociais dentro de uma instituição que o
transforma em aluno, além da análise de práticas e propostas, o que denota a preocupação já
destacada com uma pedagogia específica para a educação infantil.
Todo esforço voltado para questões que envolvem a criança e o corpus de
procedimentos utilizados para a realização de uma educação voltada para o universo da
primeira infância acaba por redundar na preocupação com o profissional que atuará no
exercício de dar conta dessa demanda. Isso se confirma por meio de pesquisa realizada na
última década, que prioriza a produção de conhecimento sobre formação de professores da
educação infantil no período compreendido entre 2000 e 2005 (Ramos, 2007). A análise traz à
tona discussões em torno das funções “complementares e indissociáveis de cuidar e educar as
crianças” (Ramos, 2007, p. 10), além de realizar revisão de concepções e tendências da
formação de professores no Brasil. Dentre os achados da pesquisa, a autora destaca que foi
possível verificar uma tendência em evitar o modelo escolar do ensino fundamental, com a
promoção de um olhar às especificidades da educação infantil ligadas justamente ao binômio
cuidar e educar e ao brincar, além do desenvolvimento de uma visão crítica em relação aos
documentos oficiais que regem a formação inicial e continuada. Quanto à concepção de
criança, constatou que é considerada nos trabalhos como ser de direitos, de cultura e de
especificidades próprias. Os dados parecem, portanto, reafirmar a especificidade, tantas vezes
defendida, acerca da pedagogia utilizada na educação infantil e denota que parece haver, de
fato, um avanço na concepção de criança como sujeito social.
Se há preocupação com a formação de professores para atuar na educação infantil, há
igualmente necessidade em analisar a base epistemológica das concepções de formação das
22
professoras de crianças de zero a seis anos. É o que propôs Raupp (2008) com seu trabalho.
Entender as concepções de formação que estavam subjacentes no pensamento das professoras
de educação infantil, na produção científica brasileira e portuguesa, nos anos de 1995 a 2006,
foi o objetivo da pesquisa realizada por essa autora. Com base nos resultados alcançados,
considera que a partir dos anos de 1990, com influência das pesquisas de Silva (1991) e
Rocha (1990), houve a constituição de uma especificidade da área que busca distinguir a
educação infantil da noção consagrada acerca do que é a escola, ou seja, a nova concepção de
escola para as crianças de zero a seis anos passaria por um movimento de “desescolarização”.
Assim, identificou que no Brasil os debates sobre formação docente associam-se ao citado
movimento de “desescolarização” e à nova função da educação infantil, cuidar e educar
crianças, decorrente da considerada “conquista legal” que significou a integração entre
creches e pré-escolas:
É uma formação que pretende articular o cuidado e a educação das crianças de zero a seis anos, com a intenção de romper com a predominância histórica, tanto assistencialista da creche, quanto escolarizante da pré-escola. Com a não dissociação entre o cuidar e educar, a maioria das produções científicas da área desenvolve argumentos que buscam uma especificidade para a professora de educação infantil que articula a ‘nova’ função da área (Raupp, 2008, p. 10).
A interpretação dos autores a respeito da necessidade da formação das professoras
para atender essa especificidade está voltada para a valorização de uma formação prática e
reflexiva, realizada a partir dos saberes das professoras – uma epistemologia da prática, que se
constitui em um movimento de, cotidianamente, refletir sobre suas ações e refinar seus
procedimentos de atuação. Mas como proceder nessa direção? Como realizar essa empreitada,
às vezes pouco compreensível para as professoras? Como saber se o caminho escolhido é o
correto? As políticas educacionais devem ser formuladas para atender a quais demandas?
Essas foram algumas das questões que orientaram o estudo de Bremberger (2009). Analisar os
trabalhos produzidos após a divulgação dos Referenciais Curriculares Nacionais para a
Educação infantil – RCNEI (Brasil, 1998), no período entre 1999 e 2006, foi o seu objetivo,
buscando adensar o entendimento sobre o modo como as políticas educacionais conceberam o
conceito de cuidar e educar.
Bremberger (2009) considera que, embora a Psicologia seja referência importante para
a educação infantil e esta seja um campo importante de investigação, os estudiosos dessa área
do conhecimento têm se interessado pouco pela temática do cuidar e educar. A área da
Educação lidera o ranking das pesquisas sobre o tema, enquanto a área da Saúde conta
23
também com produção significativa a ponto de cooperar para o incremento das políticas
educacionais. Essa três áreas são as que predominantemente tomam a articulação entre o
cuidar e o educar como objeto de investigação, o que contribui para o avanço teórico-
conceitual e prático da educação infantil; isso ocorreu, principalmente, após elaboração da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996) e da elaboração dos Referenciais
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Bremberger afirma ainda que os esforços
para a superação da dicotomia entre o cuidar e educar deve emanar do âmbito acadêmico, do
âmbito escolar e do âmbito político e social. Destaca, ainda, que:
A integração cuidar-educar está próxima de ser alcançada, tanto no âmbito das políticas públicas, quanto nas produções teóricas e nas práticas de atendimento. Parece que nos aproximamos da concepção cujo sentido seja o equivalente ao atribuído pela palavra inglesa educare, em que o cuidar e educar são elementos intrínsecos, os quais constituem e mantêm a mesma unidade (Bremberger, 2009, p. 110).
Em linhas gerais, é possível afirmar que os estudos levantados apontam divergências
em relação ao reconhecimento do avanço da produção acadêmica, além da discordância
relacionada à predominância das abordagens, variando entre a Psicologia e Pedagogia.
Portanto, o conhecimento produzido sobre a educação infantil a partir das análises das
pesquisas discutidas nessa síntese, permitiu perceber três preocupações centrais dos
pesquisadores que se dedicam a educação infantil, a saber: constituição de uma pedagogia
específica para a educação infantil, a passagem de uma visão estritamente cognitivista de
criança para uma visão de sujeito social e preocupações com a formação docente de modo a
atender as especificidades da educação infantil.
Diante da constatação da existência de número significativo de estudos que tratam da
temática do cuidar e educar no campo da Educação (Bremberger, 2009) e dos diferentes
encaminhamentos dos estudos levantados, confirma-se a relevância de pesquisa sobre o tema,
como meio de identificação das tendências dos estudos quanto às suas possíveis permanências
e rupturas.
Tal empreitada deve ser guiada à luz de uma teoria que dê conta do que aqui é
entendido como educação e cuidado na educação infantil e dos encaminhamentos para uma
ciência que caminhe rumo à emancipação, com vistas a “desnaturalização” do olhar sobre a
realidade, ou seja, de uma teoria que permita a vinculação entre a questão educacional e a
reflexão social, política e filosófica, o que pôde ser alcançado por meio da teoria crítica da
sociedade e dos estudos de seus principais pensadores. Desse modo, será realizada breve
24
apresentação de alguns dos pressupostos da teoria, com vistas ao entendimento da reflexão
que aqui foi proposta.
Um dos principais expoentes da teoria crítica da sociedade, Theodor W. Adorno,
juntamente com Max Horkheimer e Herbert Marcuse, além de outros autores menos
conhecidos no Brasil, fizeram parte do que foi denominado como a primeira geração da
Escola de Frankfurt1. Os termos teoria crítica da sociedade e Escola de Frankfurt, com a
concordância de Adorno, Horkheimer e Marcuse, podem ser entendidos como referência a
“um grupo de intelectuais que elaborou uma teoria social específica sob orientação teórica
comum” (Sass, 2009, p. 75) ou, dito de forma mais pormenorizada pelo mesmo autor, como a
crítica refletida no conhecimento, da sociedade industrial dominada pela racionalidade
centrada na tecnologia, que visa reproduzir a dominação da natureza pelo homem, além da
dominação irracional dos homens sobre outros homens.
Os intelectuais da teoria crítica questionavam porque nações desenvolvidas tecnológica
e culturalmente e que, portanto, eram capazes de promover o bem estar geral e a paz,
provocaram o extermínio entre os homens, conforme vivido durante as duas guerras mundiais,
no fascismo, no Estado de Bem-Estar Social e nas sociedades de democracia formal. Para
eles, a técnica foi incorporada à sociedade de um modo que as pessoas se identificam com a
máquina e devem ser formadas para aumentar a eficiência, ou seja, acreditam que o domínio
da natureza pelo homem levou a um controle da própria natureza humana. O mais grave dessa
situação é que a produção da ciência concorre para o acirramento desse quadro. Para a
reprodução da sociedade, a formação intelectual e cultural não é mais necessária, em seu lugar
é valorizada uma formação que dê conta dessa racionalidade tecnológica, de modo a
desconsiderar suas implicações políticas. Desse modo, os indivíduos são instrumentalizados
para atuarem na manutenção dessa sociedade; de outra parte, a cultura tende a converter-se
em mercadoria. Toda essa situação promove a pseudoformação, ou seja, os indivíduos são
1 “A Escola de Frankfurt foi fundada em 1924 por iniciativa de Félix Weil, filho de um grande negociante de grãos de trigo
na Argentina. Antes dessa denominação tardia, cogitou-se o nome Instituto para o Marxismo, mas optou-se por Instituto para
a Pesquisa Social. Seja pelo anticomunismo reinante nos meios acadêmicos alemães nos anos 1920-1939, seja pelo fato de seus colaboradores não adotarem o espírito e a letra do pensamento de Marx e do marxismo da época, o Instituto recém-fundado preenchia uma lacuna existente na universidade alemã quanto à história do movimento trabalhista e do socialismo. Carl Grünberg, economista austríaco, foi seu primeiro diretor, de 1923 a 1930. O órgão do Instituto era a publicação chamada Arquivos Grünberg. Horkheimer, a partir de 1931, já com título acadêmico, pôde exercer a função de diretor do Instituto, que se associava à Universidade de Frankfurt. O órgão oficial dessa gestão passou a ser a Revista para a Pesquisa Social, com uma modificação importante: a hegemonia era não mais da economia, e sim da filosofia” (Matos, 2009, p. 7-8).
25
formados para aumentar seu valor no mercado e não para compreender a sociedade em que
vivem, por meio de uma educação política.
A função da teoria crítica da sociedade seria a de analisar a formação social em que essa
situação se produz como meio de identificar as raízes dos acontecimentos e, assim, poder
interferir em seus rumos. Então, baseados no que a própria civilização produziu é que seria
possível projetar alternativas para a alteração da ordem vigente ou, dito de outro modo,
defendem que o objeto de análise – a sociedade e as relações sociais de dominação
predominantes – não poderia ser encarado como natural, acabado em si mesmo, mas seria
necessário que se refletisse a respeito, de forma a apontar limitações objetivas e denunciar as
soluções fáceis e ilusórias para os problemas sociais.
Para Theodor W. Adorno, a educação deve se constituir como uma das possibilidades
de luta contra a barbárie, e para isso considera a necessidade premente de uma educação
política e para a resistência que pode ser alcançada por meio da formação do indivíduo, o que
para este estudo, equivale ao desenvolvimento integral da criança, por meio da articulação
genuína entre o cuidar e o educar.
A partir da premissa dos intelectuais da teoria crítica da sociedade, é possível afirmar
que apesar de reconhecer os limites desta investigação, ao analisar os encaminhamentos dados
a respeito do cuidar e educar na educação de crianças pequenas pela produção intelectual, o
esforço empreendido será no sentido considerado por Adorno, ou seja, de contribuir para que
alguns dos motivos que conduziram à barbárie sejam elucidados de forma que seja possível
refletir sobre as condições que a geram.
Diante do exposto, delimita-se o tema abordado nesta pesquisa, além do problema
investigado.
Este trabalho buscou analisar as tendências investigativas da produção acadêmica sobre
a temática do cuidar e educar da primeira infância em instituições de educação infantil, ou
seja, trata-se de verificar em que medida as dissertações e teses têm em conta os padrões
impostos pela racionalidade tecnológica e os utilizam para justificar social e
pedagogicamente a educação das crianças pequenas. A partir da delimitação do tema a ser
investigado, por meio dos elementos constitutivos propostos acima, é possível exprimir o
problema de pesquisa nos seguintes termos, focalizando os trabalhos acadêmicos selecionados
por meio de levantamento bibliográfico: de que modo a educação e o cuidado de crianças
pequenas são tratados nos trabalhados na produção acadêmica?
26
Deste questionamento inicial, outras perguntas decorrentes ou outros indicadores
puderam permitir a análise do objeto de estudo ora proposto:
- Quais as funções da escola e da educação infantil expressas nos trabalhos?
- Quais são as considerações sobre a infância/criança e sua relação com o cuidar e educar?
- Qual papel é atribuído ao Estado na educação e cuidado da primeira infância?
- Quais os referenciais teóricos e os conceitos adotados pelos autores?
Diante disso, pode-se afirmar que o objetivo geral desta pesquisa foi analisar as
tendências investigativas da produção acadêmica, entre os anos de 1997 e 2009, sobre a
educação infantil com enfoque no cuidar e educar à luz da teoria crítica da sociedade, por se
tratar de período que sucede a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional - LDB 9394/96 (Brasil, 1996). Os objetivos específicos foram os seguintes:
§ Analisar as considerações dos autores sobre as funções da escola e da educação infantil;
§ Analisar as considerações sobre infância/criança expressas pelos autores, tendo como
referência a articulação entre o cuidar e o educar;
§ Identificar os referenciais teóricos e os conceitos utilizados pelos autores;
§ Analisar a relação que os autores estabelecem entre a educação e a sociedade.
Uma das hipóteses formuladas é a de que, apesar dos pesquisadores defenderem e
reconhecerem as peculiaridades da creche e da pré-escola e de se posicionarem a favor do
caráter integral da educação infantil, não conseguem fugir da concepção de que a educação
infantil deve visar a preparação para o ensino fundamental. Outra hipótese que foi verificada
é a de que para justificar a educação de crianças pequenas, os autores se utilizam de
argumentos voltados para a importância da inserção destes indivíduos na sociedade, o que
remete à racionalidade tecnológica e à pseudoformação dos indivíduos.
A partir desse cenário inicial e em uma tentativa de expor de forma coerente e concisa
a argumentação que compõe este trabalho, proponho a delimitação dos elementos
constitutivos em forma de capítulos que se ligam intimamente com o tema central, salientando
o caráter interdependente entre eles.
27
No primeiro capítulo, o esforço foi o de circunscrever o objeto de estudo, por meio de
discussão em torno da educação da primeira infância e da produção de conhecimento e
formulação de políticas, orientada pelo quadro teórico referencial.
No segundo capítulo, foram descritos os caminhos metodológicos que permitiram a
seleção dos trabalhos, além da análise dos dados, com o objetivo de trazer à tona as
interpretações dos estudiosos da educação infantil sobre criança, infância e educação.
Finalmente, nas considerações finais são retomados problema de pesquisa, objetivos e
hipóteses tendo em vista a síntese dos resultados alcançados na pesquisa. Outras indicações
são feitas como contribuição para o debate em torno da compreensão e do fortalecimento da
educação infantil no Brasil.
28
CAPÍTULO I
EDUCAÇÃO DA PRIMEIRA INFÂNCIA:
PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO E FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS
O objetivo da ciência que se ocupa da primeira infância deve ser a emancipação.
Esta é a premissa que guia a discussão proposta por este trabalho, pois apesar do
reconhecimento da infância, da criança como sujeito de direitos, o que governa o mundo
segundo a teoria crítica da sociedade, são os interesses particulares e pessoais, o que produz
várias infâncias, várias culturas e no limite, a desigualdade.
A função da ciência nesse contexto é apontar as raízes dos acontecimentos por meio da
conexão com os processos socias, para ter argumentos que permitam exercer a crítica e propor
alternativas para a alteração da ordem vigente.
1.1. A ciência à luz da teoria crítica da sociedade
Investigar os caminhos percorridos por pesquisas realizadas sobre a educação de
crianças pequenas, com destaque na relação entre o cuidar e educar na primeira fase da vida
denominada infância, tendo em vista a compreensão de como é concebida na expressão de
pesquisadores da área da educação, obriga a uma reflexão acerca das implicações envolvidas
na produção científica.
Com esse propósito, torna-se pertinente estabelecer uma breve discussão embasada
nos aportes teóricos da teoria crítica da sociedade, pois, segundo os estudos empreendidos por
seus precursores, os processos sociais estão entrelaçados com a racionalidade científica, que
tem como característica principal o pensamento positivista que impôs uma espécie de
naturalização dos objetos das ciências sociais. À teoria crítica cabe apontar os limites dessa
ciência aprisionada pelo positivismo que, segundo Max Horkheimer (1980), coincide com as
características da teoria denominada tradicional. Para ele, essa teoria é entendida a partir de
uma concepção de ciência que se origina nos primórdios da filosofia moderna e está voltada
para a dedução de fatos e dados que devem estar relacionados de forma harmônica. Segundo
ele:
29
No sentido usual da pesquisa, teoria equivale a uma sinopse de proposições de um campo especializado, ligadas de tal modo entre si que se poderia deduzir de algumas dessas teorias todas as demais. Quanto menor for o número dos princípios mais elevados, em relação às conclusões, tanto mais perfeita será a teoria. Sua validade real reside na consonância das proposições deduzidas com os fatos ocorridos. Se, ao contrário, se evidenciam contradições (Widersprueche) entre a experiência e a teoria, uma ou outra terá que ser revista. (Horkheimer, 1980, p. 125).
A ciência tradicional se desenvolve assim, atrelada à lógica do capital, o que significa
que pessoas e coisas devem ser reduzidas a termos comuns que permitem a equivalência entre
eles, e vinculada à aplicação imediata à praxis. Uma ciência crítica, ao contrário, não possui,
segundo Adorno (1995), a pretensão de vincular seus estudos à aplicação imediata. Esse
fenômeno acabou por ocorrer na teoria tradicional pelo fato de que “num mundo em que até
os pensamentos converteram-se em mercadoria e provocaram ‘sales resistance’, não poderia
ocorrer a ninguém, ao ler esses volumes, que se lhe estava vendendo, impingindo algo”
(Adorno, 1995, p. 228-229).
Nesse sentido, Horkheimer parece admitir o caráter legítimo das justificativas em
torno da utilização da ciência tradicional, pois reconhece sua contribuição para o controle
técnico da natureza, porém acredita que o ofício do cientista em consonância com os preceitos
da teoria tradicional é realizado de forma desconexa com a sociedade, já que não se ocupa da
gênese social dos problemas. Segundo ele, “na medida em que o conceito da teoria é
independentizado, como que saindo da essência interna da gnose (Erkenntnis), ou possuindo
uma fundamentação a-histórica, ele se transforma em uma categoria coisificada
(verdinglichte) e por isso, ideológica” (Horkheimer, 1980, p. 129). A teoria tradicional, pela
crença de que por meio de um maior rigor poderão ser alcançadas aplicações práticas e
imediatas, acaba por se coisificar e torna-se ideólogica; por outro lado, uma ciência crítica,
que dá primazia ao objeto de estudo, assume relevância ao possibilitar a conexão com os
processos sociais, o que, segundo Adorno (2007), significa dar atenção especial a cada um
dos detalhes, compor e decompor as nuances de um mesmo fenômeno.
Outro encaminhamento decisivo para o sucesso da pesquisa se refere ao ato de situar o
método em relação ao objeto e desenvolvê-lo em correspondência com este, de modo
adequadamente pensado, para que, desse modo, seja possível encontrar o rigor necessário que
o objeto e seus desdobramentos exigem. Portanto, “antes de levar em frente qualquer
investigação científica, certamente é necessário que se reflita exatamente como ela deve ser
conduzida para ter sentido; que haja uma posição crítica em relação aos próprios
procedimentos (...)” (Adorno, 2007, p.184). Assim, é o objeto que determina o método, que,
30
por sua vez, traduz suas regularidades e contradições, mudanças ou permanências. Desse
modo, é possível explicitar os processos que geram os eventos sociais e suas conseqüências
para o sujeito, o que tornará possível exercer a crítica fundamentada e vislumbrar mudanças
na sociedade.
A partir dessas breves considerações, alguns encaminhamentos propostos por Adorno
(1993; 2007) visando propiciar à pesquisa acadêmica maior alcance e minimizar as limitações
inerentes à sua consecução são aqui expostos. Não é este, obviamente, um objetivo fácil de
alcançar. Para Adorno (1993), a decisão fundamental de partir do individual para o coletivo,
ou seja, das partes para o todo, é condição necessária para que os fenômenos sociais
observados se manifestem inteiramente com indícios da ordem social. De acordo com o autor,
o indivíduo expressa o que se apresenta na sociedade como um todo; ele é a expressão das
tendências sociais. Assim, o todo por sua incompletude se manifesta mais inteiramente no
particular, onde estão os indícios de uma ordem superior, instalada em cada detalhe da vida
dos indivíduos. Adorno (2007, p.52) assevera: “acredito que precisamente quando
acompanhamos de modo gradual o movimento de cada passo, em vez de logo insistir em
compreendê-lo, isto será muito mais favorável do que prejudicial para compreensão do
conjunto”. Dessa forma, partir do individual e analisar contextos específicos acabará por
evidenciar de que forma o todo, o conjunto social, reage a leis que podem ou não ainda
prevalecer em seu interior.
Outra questão tratada por Adorno (1993, p.75) refere-se à importância que deve ser
dada a linguagem. É preciso atentar para as minúcias, detalhes, impressões, denúncias que, às
vezes, estão implícitos e/ou não podem se revelar abertamente. À medida que esses elementos
são considerados, o autor sugere que “na luz que ele[s] irradia[m] sobre seu objeto
determinado outros começam a cintilar.” Em decorrência desse encaminhamento, afirma
ainda que o escritor deve preocupar-se com a expressão de seus pensamentos e, por isso, deve
haver uma conexão entre pensamento e objeto, capaz de elucidar o que se quer dizer com a
máxima exatidão possível. Ressalta assim que a requerida adequação e precisão entre forma e
conteúdo é ela própria bela, o que favorece a compreensão do que se quer dizer. Ora, se quem
escreve “consegue dizer inteiramente o que pretende dizer, então é belo o que diz (Adorno,
1993, p.74)”.
Há ainda outro aspecto a ser considerado: para alcançar os objetivos científicos, tal
como postulado por Adorno (1993), ressalte-se que em uma pesquisa acadêmica “nunca se
deve ser mesquinho nos cortes (p.73)”. É fundamental livrar-se de tudo que é improdutivo.
31
Afirma ainda o autor que a preocupação do pesquisador deve estar voltada a ser objetivo e
preciso na expressão de suas idéias. Desse modo, é importante buscar a articulação entre
conteúdo e pensamento com o intuito de refinar a objetividade em sua apresentação.
Por fim, Adorno (2007) ressalta o posicionamento do pesquisador – um cuidado que
pode evitar incorrer em risco grave e ameaçar a análise sociológica. Para ele, a partir da
posição dialética, a direção pela qual se deve orientar uma sociologia ou uma ciência da
sociedade interessada pelo que é essencial precisa ter claro que,
(...) essenciais são as leis objetivas do movimento da sociedade referentes às decisões acerca do destino dos homens, que constituem a sua sina – que justamente é preciso mudar – e que, de outro lado, também encerram a potencialidade ou o potencial para que a sociedade cesse de ser a associação coercitiva em que nos encontramos e possa ser diferente. Porém, tais leis objetivas do movimento são válidas apenas enquanto efetivamente se expressam em fenômenos sociais, e não quando se esgotam no sentido de uma mera derivação dedutiva de conceitos puros (Adorno, 2007, p.87).
Diante do exposto, uma ciência que não se quer prescritiva, mas que contribua para o
entendimento dos fenômenos sociais deve, então, para ter argumentos que permitam exercer a
crítica, dar primazia ao objeto de estudo, o que é fundamental, pois permite a conexão com os
processos sociais. Para tanto, é essencial situar o método em relação ao objeto e partir do
individual para o coletivo, numa conexão entre pensamento e objeto que, por meio de uma
linguagem clara e objetiva, deixe ver o posicionamento do pesquisador.
De acordo com essas premissas, o trabalho científico desenvolvido por um pequeno
número de pesquisadores sobre a temática da educação infantil, com destaque para o cuidar e
o educar, foram analisados para, no limite, compreender como se dá a contribuição dessas
investigações para o entendimento da educação, da infância e da sociedade na atualidade.
Ao delimitar as pesquisas investigadas no âmbito na educação infantil e, de maneira
mais pontual, naqueles que se dirigem ao entendimento do cuidar e educar, torna-se
necessário, então, trazer para essa discussão a trajetória de constituição de infância de uma
perspectiva histórica que, certamente, ajudará a compreender a configuração de educação
possível para essa etapa da vida.
32
1.2. A afirmação da infância como categoria social e como objeto de estudo
A idéia de infância é uma concepção moderna (Sarmento, 2004), pois durante a Idade
Média as crianças eram consideradas seres meramente biológicos, que pertenciam ao universo
feminino até serem integrados na vida adulta precocemente. Apesar de sempre ter havido
crianças, nem sempre houve infância, entendida como categoria social com estatuto próprio.
A consciência social sobre a infância (Ariès, 1981) começou a surgir com o Renascimento e a
se desenvolver a partir do século da luzes.
Suas raízes remontam até a Reforma, quando o modelo burguês de família começa a
ser tornar hegemônico (Marcuse, 1981). Nesse sentido, Lutero, em conexão com a teoria
protestante-burguesa, impõe uma reorganização programática à família, promovendo a
responsabilidade pela educação daqueles que ainda não respondem por si mesmos aos pais.
Quando fica evidente que a família parece não cumprir de modo adequado essa função, surge
a necessidade do mestre-escola, e depois da escola propriamente dita, com o objetivo de
reforçar a autoridade como expressão de força essencial do social sobre o individual. Embora
esse mecanismo de dominação não configurasse, ainda, as características da infância como a
concebemos hoje, é importante constatar indícios de uma concepção de criança como um
projeto de futuro. Nesse sentido,
(...) de um ponto de vista mais geral, na sociedade, a construção histórica da infância foi o resultado de um processo complexo de produção de representações sobre as crianças, de estruturação dos seus quotidianos e mundos de vida e, especialmente, de constituição de organizações sociais para as crianças (Sarmento, 2004, p. 11).
Assim, o mundo da infância se constrói em contraposição ao do adulto (Gimeno-
Sacristán, 2005); as crianças são tratadas em função dos discursos que se construíram ao
longo da história da cultura; e estas visões nos remetem a diferentes visões da infância.
Embora as crianças sejam provenientes de diferentes classes sociais, todas estão igualmente
vinculadas à noção de um projeto inacabado; são vistas por aqueles que detêm o capital ou
que pertencem aos estratos médios como herdeiras e, pelos trabalhadores como possibilidade
de ascensão social – embora esse seja um projeto ideologicamente inculcado – que as impele,
de maneira geral, a se submeter aos ditames desse projeto (Benjamin, 1984).
E o desenvolvimento do conhecimento sobre os indivíduos pertencentes a essa
condição social – a infância – ocorre sempre em torno de duas idéias conflituosas entre si: o
construtivismo como perspectiva supostamente libertadora e o comportamentalismo como
33
necessidade do exercício do controle (Sarmento, 2004). Esse dualismo parece traduzir os
interesses ideológicos vinculados a ele. De um lado, preparar os líderes do futuro e, de outro,
adaptar a grande massa para o exercício da submissão.
A partir da construção desse conjunto de interpretações sobre a infância, das quais são
inferidos padrões de formação e procedimentos comportamentais, e tendo em vista que a
educação sempre respondeu a diferentes interesses, tem início um processo chamado de
“institucionalização da infância” (Sarmento, 2004), que visa a criação de um padrão de
normatizações, permitindo organizar uma compreensão e o tratamento a ser dispensado sobre
a criança e a infância. Essa institucionalização sofre a influência de vários fatores que, mais
uma vez, parecem remontar os primórdios da teoria burguesa, quando a autoridade instituída
pela família a serviço da ideologia não cumpre seu papel (Marcuse, 1981). Como solução, são
perceptíveis os primeiros movimentos em torno da institucionalização para cumprir os
objetivos do projeto que se têm para as crianças.
Desde essa lógica, a criação de instituições públicas de socialização, configuradas
como escola pública para atendimento das massas, teve por objetivo colocar as crianças sob
proteção do Estado durante uma parte do dia, cumprindo exigências de aprendizagem
relacionadas à forma de inculcação dos valores e habilidades ideologicamente priorizados e
transformados em um campo de conhecimentos legitimados por meio da ciência, reafirmando
a ética do esforço e da disciplina mental e corporal (Sarmento, 2004). Outro fator ligado à
institucionalização da infância, segundo o autor citado, se refere à elaboração de
procedimentos ligados à administração simbólica, consubstanciada em algumas normas,
atitudes e prescrições que não são escritas, mas que encaminham a vida das crianças em
sociedade, como a freqüência das crianças a certos lugares, o tipo de alimentação que devem
ingerir, além do tempo que devem participar da vida coletiva.
Dadas essas condições, a instituição escolar se firma e a família passa a vê-la como
aquela capaz de desenvolver o projeto de futuro ao qual as crianças estavam destinadas e que
está relacionado ao novo estatuto dado a elas a partir da institucionalização da infância. Dessa
maneira, a formação escolar passou a ser valorizada pela família e considerada como um
momento de “esperança para os adultos”. Nas crianças são projetados os ideais que “(...)
refletem as aspirações de melhora do grupo e da humanidade em geral”. É essa a
responsabilidade depositada no “menor” (Gimeno-Sacristán, 2005, p. 18-19).
Fatores como a criação da escola, a centralidade no cuidado dos filhos, a produção de
disciplinas e saberes, inclusive os periciais, além da administração simbólica da infância
34
(Sarmento, 2004) são processos que se intensificaram ainda mais nos últimos anos do final do
século XX, com o aprofundamento de seus efeitos, criando outras estruturas ainda mais
normalizadoras e homogeneizadoras de modo a constituir o que o autor denomina como uma
infância global. Essa espécie de institucionalização da infância, segundo o autor, não anula e
sim aumenta as desigualdades inerentes à condição social, ao gênero, à etnia, ao local de
nascimento e ao subgrupo etário ao qual cada criança pertence. Assim, dentro da infância
global passam a existir várias “infâncias” e, nesse aspecto, a desigualdade se constitui como
um traço da infância contemporânea.
O confronto entre a cultura produzida no processo de globalização e as manifestações
culturais desenvolvidas em âmbito local e comunitário e, também, as relações que os diversos
grupos sociais mantêm entre si e com os demais grupos, constitui-se como decisivo para a
compreensão da infância.
De outra parte e de certo modo, é possível dizer que a construção dessa concepção de
infância está ligada à história da escolarização, pois, “(...) o aluno, como criança, o menor ou
a infância, em geral, são invenções dos adultos, categorias que construímos com discursos
que se relacionam com as práticas de estar e de trabalhar com eles (Gimeno-Sacristán, 2005,
p. 13)”. De simples companhia, as crianças passam ao centro da prestação de cuidados e
estímulo ao desenvolvimento, o que faz com se tornem o núcleo das relações afetivas das
famílias.
Com a intensificação dos processos de institucionalização (Sarmento, 2004), os
conhecimentos sobre a infância no início do século XX, também dão origem a novas
disciplinas no campo das chamadas ciências sociais que têm como objeto as crianças, o que
tem influência nos cuidados familiares e das instituições infantis. Notadamente se
desenvolvem a Pediatria, a Puericultura, a Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem
e a Pedagogia.
Nesse contexto, as formas de se relacionar com as crianças, além das garantias legais
assumidas pelo Estado, fazem com que os adultos sejam levados a “inventar” um status mais
favorável a elas, o que suaviza e modera as formas de poder sem, contudo, modificar a lógica
do exercício do controle (Gimeno-Sacristán, 2005). Se é verdade que atualmente passamos
por um período de aceleradas mudanças sociais, o que se defende é que inúmeros desafios
devem ser enfrentados para tornar menos conflituosa a relação entre as tendências econômicas
e políticas e uma educação que torne a criança de fato sujeito de direitos.
35
Diante do exposto, as transformações da estrutura social, política e cultural do
capitalismo tardio, e sua materialização na cultura da infância, obriga a interrogar sobre a
possibilidade de considerar as crianças como sujeitos sociais. Ainda que seja importante
destacar os avanços, não acontece exatamente o oposto daquilo que as teorias produzidas no
âmbito das Ciências Humanas e Sociais propugnam? As crianças são consideradas como
sujeitos de direitos, no entanto, Sarmento (2004) assinala com base nos dados apresentados
pela UNICEF e pela ONG Save the Children, que as crianças da contemporaneidade parecem
mais assujeitadas do que sujeitos, já que a infância é o grupo geracional mais afetado pelas
condições de desigualdade, pela pobreza, pela fome e pelas guerras quando comparados com
outros grupos (idosos, mulheres etc.).
Dessa forma, os autores utilizados para a discussão sobre a noção de criança e infância
– Sarmento e Gimeno-Sacristán – partem da mesma perspectiva dos intelectuais da teoria
crítica da sociedade, ao denunciar a contradição existente entre a liberdade enquanto promessa
e a não liberdade expressa nas condições objetivas, ou seja, reconhecem que apesar da suposta
democratização da cultura e do reconhecimento das minorias como sujeitos de direito, o
capitalismo produz desigualdade e injustiça.
A partir do estudo de Marcuse (1981) sobre a autoridade e a família, é possível afirmar
que o modo como a infância é concebida na atualidade (Sarmento, 2004; Gimeno-Sacristán,
2005), expressa a contradição presente desde a origem da cultura burguesa, ou seja, apesar
desses autores contemporâneos considerarem a diversidade da infância e de reconhecerem que
as crianças são sujeitos de direitos, não deixam de ressaltar o controle exercido por diferentes
instâncias, dentre elas, a escola. O que está posto para a família e depois para a escola, desde
os primeiros esforços da teoria protestante-burguesa para fomentar a autoridade como forma
de manutenção da ordem social, parece muito atual, nas palavras do autor:
(...) o homem deve ser preparado paulatinamente, por meio de um tipo de submissão que por sua vez é digna e que implica um mínimo de inveja, para submissões mais difíceis de serem toleradas. Essa preparação se faz sob a forma de flexibilidade e torção; é uma adaptação permanente, um acostumar-se por meio da qual surge o costume da submissio. Nada há a acrescentar a essas palavras: raras vezes foi a função da família no sistema da autoridade burguesa tão claramente definida (Marcuse, 1981, p. 83, grifos meus).
Se antes a necessidade de adaptar-se a ordem existente era declaradamente expressa,
hoje essa adaptação é uma estratégia que oculta a situação real e tornou-se condição para a
perpetuação da dominação social. As constantes psíquicas socialmente atuantes que
correspondem a instintos e interesses dos homens atuam fundamentalmente no sentido de
36
manter “o equilíbrio social”: “a persuadir os homens a agir de certa forma que é considerada
útil à sociedade (Marcuse, 1981, p. 156)”. Portanto, independente da classe social a que
pertençam, as crianças são igualmente moralizadas, ainda que com diferentes intenções. A
filosofia e a prática política burguesa sempre defenderam a centralidade da autonomia das
pessoas, ao mesmo tempo em que não se poderia abrir mão do controle, fato que leva à
contradição: em que lugar estaria a liberdade, uma vez que todos devem ser autônomos e
controlados simultaneamente? Mais do que isso: a submissão passa a ser desejada pelos
indivíduos, pois é ela que permite a adaptação e a integração na sociedade.
Contra os impasses da cultura e formação burguesa, Adorno assinala algumas
alternativas. Em primeiro lugar, é importante não perder de vista a educação política (Adorno,
1995e), que deve se constituir como uma das possibilidades de reversão do quadro de
barbárie, cujos campos de concentração nazistas são sua expressão máxima. Para Adorno
(1995e), a primeira meta da educação é combater as condições que produzem a barbárie e,
para isso, considera a necessidade premente de uma educação política e para a resistência.
Segundo o autor, a possibilidade de atingir esse objetivo por meio da transformação imediata
– no plano social e político – é extremamente limitada e, portanto, a chance de resistir à força
da objetividade estaria no fortalecimento do indivíduo, isto é, na sua formação plena, claro,
tendo em vista a limitação imposta pelas condições objetivas que impedem o
desenvolvimento total das potencialidades humanas. Trata-se de uma inflexão em direção ao
sujeito, o que poderia ser alcançado por meio da educação da primeira infância e do
esclarecimento geral.
Quando falo de educação após Auschwitz, refiro-me a duas questões: primeiro, à educação infantil, sobretudo na primeira infância; e além disto, ao esclarecimento geral, que produz um clima intelectual, cultural e social que não permita tal repetição; portanto, um clima em que os motivos que conduziram o horror tornem-se de algum modo conscientes (Adorno, 1995e, p. 123).
Como já assinalado, para Adorno um dos caminhos para a superação de quadros dessa
natureza está na educação da primeira infância, época que, conforme o autor, tomando Freud
como referência, a personalidade se constitui:
A educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma auto-reflexão crítica. Contudo, na medida em que, conforme os ensinamentos da psicologia profunda, todo caráter, inclusive daqueles que mais tarde praticam crimes, forma-se na primeira infância, a educação que tem por objetivo evitar a repetição [da barbárie] precisa se concentrar na primeira infância (Adorno, 1995e, p. 121-122).
37
À educação da primeira infância caberia uma grande responsabilidade: a educação
política que permitisse a incorporação da cultura e se constituísse como formação, o que só é
possível em condições favoráveis. Algumas dessas condições surgiram já com o advento da
Modernidade, porém os padrões de individualidade foram se dissolvendo com a emancipação
da burguesia que, para a manutenção da lógica da dominação, cristalizou a sociedade de
classes por meio das revoluções burguesa e industrial. O sujeito econômico livre foi
transformado em objeto da eficiência, estando sujeito a imposições externas que minavam sua
possibilidade de individuação.
Para Adorno, a formação está intimamente ligada ao processo de incorporação da
cultura, ou seja, somente por meio da apropriação da cultura é que o indivíduo poderia se
constituir. A negação dessa possibilidade (Adorno, 1986) leva a pseudoformação, ou seja, ao
impedimento da formação e da luta contra as condições objetivas que geram tal impedimento.
Assim, as condições sociais produzem a pseudoformação, um tipo de formação em que a
autonomia não se desenvolve, que tem como fim promover a reprodução da racionalidade
tecnológica e a preservação do sistema de ajuste e submissão. Nesse sentido, Adorno afirma
que:
Como una espécie de espíritu objetivo negativo a partir de ésta, que se há convertido en una seudoformación socializada, en la ubicuidad del espíritu enajenado, que, según su gênesis y su sentido, no precede a la formación cultural, sino que la sigue. De este modo, todo queda apresado em las mallas de la socialización y nada es ya naturaleza a la que no se haya dado forma; pero su tosquedad – la vieja ficción – consigue salvarse la vida tenazmente y se reproduce ampliada: cifra de uma conciencia que há renunciado a la autodeterminación, se prende inalienablemente a elementos culturales aprobados, si bien éstos gravitan bajo su malefício, como algo descompuesto, hacia la barbárie (Adorno, 1986, p. 234).
Desse modo, as condições objetivas são as que geram a pseudoformação e é para elas
que devemos nos voltar em um movimento de busca dos determinantes sociais que produzem
a barbárie, tarefa que Adorno determinou para a educação, já na primeira infância. Mas e a
ciência? Qual sua contribuição nesse quadro engendrado para a infância e sua educação?
Os estudos de Kramer (2008) são referência para compreender que as ciências
humanas trouxeram contribuição importante ao chamarem a atenção para o indivíduo, ou
como defende a teoria crítica da sociedade, em movimento de inflexão em direção ao sujeito.
A idéia central de um movimento de renovação nas ciências humanas se dá após a 2ª
guerra mundial, sobretudo nas décadas compreendidas entre 1950 e 1970, e não tem a ver só
com o reconhecimento da infância, mas das minorias, da diversidade, dos movimentos da
juventude, movimento das mulheres, etc. As ciências humanas incorporam aos poucos, essa
38
dimensão mais política, sem perder de vista que procuram produzir conhecimento objetivo
sobre a realidade, ou seja, busca-se a análise das microestruturas, reconhecem a necessidade
de deixar de olhar as grandes estruturas e olhar o indivíduo.
Vários autores olharam para infância de modo diferente do que se olhava até então, o
que não significou que a institucionalização da infância tenha se revertido, mas que boa parte
dessas ciências, teorias, serviu para aprofundar a questão da infância.
Nessa perspectiva, a discussão de Kramer (2008) acerca das contribuições teóricas de
diferentes campos do conhecimento voltados à infância, traz importantes elementos para a
reflexão, ao delinear um referencial para o estudo da infância que conceba a criança na sua
condição social de ser histórico, político e social.
Em meados dos anos de 1970, uma versão marginalizadora e preconceituosa a respeito
das crianças das classes populares do Brasil e dos países do então chamado “terceiro mundo”
é produzida. Dessa perspectiva, o fenômeno do fracasso escolar é explicado pelo argumento
da privação cultural, ou seja, considerava-se que a pobreza, a falta de cultura, a carência social
e afetiva, o déficit lingüístico, a desnutrição e o atraso no desenvolvimento das crianças
seriam os responsáveis por não obterem sucesso na escola.
Esta parece ser uma perspectiva que aponta para o fato da teoria sucumbir ao “culto
aos fatos”, sem conhecer os processos que geram os eventos sociais e suas conseqüências para
o sujeito, o que torna inviável exercer a crítica fundamentada e almejar mudanças reais na
sociedade. Adorno (2007, p.333) postula “que apenas quando acompanhamos reflexivamente
esses processos poderemos efetivamente compreender os fenômenos da ideologia
contemporânea”. Este é um ponto básico da posição de Adorno, aqui expresso nas palavras
de Sass (2009):
(...) conferir primazia ao objeto de estudo do qual o pesquisador se ocupa exige a presença ativa do sujeito na aquisição do conhecimento mediante a reflexão, baseada em dados obtidos por métodos ajustados ao objeto, a fim de vinculá-los à sociedade que os produziu e superar o “culto aos fatos” positivista (...) (Sass, 2009, p.77).
Agir de modo a imputar ao sujeito individual a responsabilidade por determinados
fenômenos sociais, implica na superação de um determinismo biológico, utilizado como
justificativa genética para a diversidade à época da Segunda Guerra Mundial, colocando em
seu lugar o determinismo social, que atribui culpa pelo fracasso escolar a fatores sociais,
ambientais e culturais, apenas tangenciando aquilo que produz tais fatores, além de
responsabilizar os que sofriam as conseqüências do problema. “O que acontecia era
considerado, então, fracasso na escola e não da escola” (Kramer, 2008, p. 16). O conceito de
39
criança atrelado a essa perspectiva – social, mas fatalista – é a de um sujeito abstrato,
esboçado a partir de padrões fixos de desenvolvimento, de linguagem e de socialização.
A infância era definida por aquilo que não é, pela falta, pela negação de sua
humanidade. A ela caberia ser moldada para se transformar em um adulto que um dia
deixasse de ser criança. Nesse contexto, a pré-escola assumia um papel redentor, de
compensar carências vividas pelas crianças de forma imediata, mágica. As crianças passam,
assim, a ser classificadas e controladas por qualidades mais abstratas e:
(...) essas imagens se projetam, tornando-se operativas nas formas como conduzimos os menores como filhos, estudantes, cidadãos, companheiros, etc. Esses papéis criam um habitus que dirige nossas percepções e gera as expectativas sobre o que esperamos dos menores (Gimeno-Sacristán, 2005, p. 78).
Assumindo essa perspectiva, só pode ocorrer uma educação que fica aprisionada à
pseudoformação e, ao que parece até aqui, é a serviço dela que as teorias sobre a infância e
sua educação têm se conduzido, embora tenha estimulado a geração de debates em torno da
revisão das interpretações sobre os fenômenos e dos encaminhamentos para sua superação.
O debate político-educacional que se desencadeou na época dos anos de 19702, foi
fundamental para a definição de um marco teórico em defesa de uma infância considerada na
sua dimensão de cidadã de direitos (Kramer, 2008). As matrizes teóricas que a possibilitaram
nos anos 1980, remetem a crítica ao conceito abstrato de infância encontradas nas obras de
Bernard Charlot e Philippe Ariès.
Desse modo, ao recorrer à sociologia, à história e à antropologia, Kramer (2008) se
afasta de referenciais psicológicos que desprezam o contexto político e ideológico ao
caracterizar a criança.
Na mesma linha de Kramer (2008), outra autora, Jobim e Souza (2008) faz a critica às
pesquisas que se utilizam da vertente da Psicologia do desenvolvimento por considerá-la
apartada do contexto político e ideológico. Por fazer parte das ciências do comportamento, os
avanços relacionados à psicologia do desenvolvimento são considerados a partir de
descobertas específicas, inovações metodológicas e clarificações terminológicas que explicam
o desenvolvimento humano como decorrência natural e não como relacionados aos fatos
produzidos socialmente.
2 Esse assunto será abordado com detalhes mais à frente, ao tratarmos do percurso histórico da educação infantil
brasileira.
40
No entanto, a busca pela neutralidade e objetividade não é exclusividade da psicologia
do desenvolvimento. As ciências humanas e sociais, em seu processo de desenvolvimento,
enfrentam dilemas relacionados ao modo como poderiam conciliar o caráter ideológico desse
campo do saber com o conhecimento objetivo da verdade ou, dito de outro modo, como seria
possível eliminar as ideologias do processo de conhecimento científico-social? Ao se
tornarem “científicas”, as ciências se tornam menos “humanas” e ao se tornarem humanas,
correm o risco de perder a cientificidade (Jobim e Souza, 2008).
Desse modo, é necessário analisar as conseqüências da perspectiva de análise da
psicologia do desenvolvimento por trazerem desvios profundos na imagem da infância e no
modo como traçamos objetivos para as crianças. Para compreender a dimensão que a
psicologia do desenvolvimento ganhou, é necessário analisá-la como “instituição social”,
dado o poder de sua estrutura profissional e o alcance de sua presença pública; assim, apesar
do esforço em se manter neutra, está marcada pela sociedade em que se insere e reflete suas
contradições, ou seja:
(...) mais do que observar e descrever cientificamente o desenvolvimento humano, a psicologia do desenvolvimento formula os ideais para o desenvolvimento, providencia os meios para realizá-los e, mais do que tudo isso, acaba por desenvolver as crianças, os adolescentes e nós mesmos – adultos –, com base em determinados enquadramentos, participando de nossa formação como sujeitos e como objetos (Jobim e Souza, 2008, p. 41).
Portanto, o esforço da psicologia do desenvolvimento em compreender fatos
relacionados ao desenvolvimento da criança, tem conseqüências sobre o sujeito em formação.
Os conceitos produzidos no interior dessa teoria são assumidos pela sociedade como estatuto
de verdade, de forma a modelar modos de agir que correspondam às expectativas criadas, já
que o poder nas sociedades contemporâneas não se constitui somente pelo controle dos meios
de produção, mas também pelo controle da produção de sentidos.
Por outro lado, o modo como atua não têm fornecido “os elementos necessários para a
legitimação ‘científica’ de um crescente processo de racionalização e institucionalização da
infância e da adolescência” (Jobim e Souza, 2008, p. 46), mas oferecido os subsídios para a
regulação social e disciplinarização da vida de crianças e adolescentes, por meio da
compreensão das capacidades humanas, compreensão essa que, segundo a autora, está a
serviço de uma racionalidade técnica predominante no mundo moderno ocidental. Desse
modo, é possível afirmar que “a psicologia do desenvolvimento é modeladora das formas
específicas de subjetividade, cuja matriz é a situação histórica e social do homem moderno,
41
submerso nas exigências de um ideal de sujeito produtivo e consumidor” (Jobim e Souza,
2008 p. 46).
É evidente que a racionalidade entendida como um fim em si mesma transforma os
homens em prolongamento da máquina e do aparato social e, portanto, a formação necessária
não é mais a intelectual e cultural, mas a aquela que responda a eficiência e às normas e
padrões prescritos. Nesse contexto, os processos sociais são dominados por uma racionalidade
científica que tem como característica principal o pensamento positivista – que como já
ressaltado – impõe um processo não social aos fenômenos sociais. Há ainda um agravante: a
racionalização crescente incorporou a tecnologia, o que acabou por converter a racionalidade
individualista da filosofia burguesa em racionalidade tecnológica.
A esse respeito, Herbert Marcuse (1999), um dos primeiros a se referir as novas
formas de dominação tecnológica nas sociedades industriais avançadas, afirma que o
desenvolvimento da indústria moderna e da racionalidade tecnológica minou a racionalidade
crítica e submeteu o indivíduo à dominação crescente do aparato técnico-social, ou seja, à
medida que o capitalismo e a tecnologia foram se desenvolvendo, os indivíduos foram
forçados a se ajustarem cada vez mais ao aparato econômico e social.
Portanto, a sociedade tomada pela tecnologia oprimiu ainda mais o indivíduo que
perdeu aquilo que era possível de racionalidade crítica (autonomia, resistência, poder de
negação). Assim, os esforços de libertação do pensamento foram absorvidos, já que a razão
estava voltada para a submissão às normas autoritariamente prescritas, o que trouxe sérios
danos à estrutura psicológica do homem contemporâneo. O indivíduo que desenvolve um
caráter “tecnológico” tem o prazer restrito a execução do trabalho bem feito, de modo a
conseguir o que pretende. A esse respeito, Marcuse (1999) afirma que os fatos que dirigem o
pensamento e a ação do homem não são os da natureza ou da sociedade, pois esses fatos não
estão mais de acordo com suas necessidades. Para ele, os fatos do processo da máquina é que
ocupam o pensamento, pois se constituem como a personificação da racionalidade e da
eficiência.
Sobre o mesmo tópico, Adorno afirma que:
Um mundo em que a técnica ocupa uma posição tão decisiva como acontece atualmente gera pessoas tecnológicas, afinadas com a técnica. Isso tem a sua racionalidade boa: em seu plano mais restrito elas são menos influenciáveis com as correspondentes conseqüências no plano geral. Por outro lado, na relação atual com a técnica existe algo de exagerado, irracional, patogênico. Isso se vincula ao “véu
tecnológico”. Os homens inclinam-se a considerar a técnica como algo em si mesma, um fim em si mesmo, uma força própria, esquecendo que ela é a extensão do braço dos homens (Adorno, 1995e, p. 132).
42
Diante do exposto, o que pode ser verificado é que a psicologia do desenvolvimento
vem se constituindo a partir da produção de técnicas de intervenção na realidade, por meio
das quais fornece um arsenal teórico e prático que funciona a serviço das necessidades atuais
da sociedade para submeter o homem ao controle e à adaptação em uma sociedade regulada
pelas regras do consumo.
Como saída para tal situação, Jobim e Souza (2008) reconhece a necessidade da
construção de uma nova identidade para a psicologia do desenvolvimento, com outros
paradigmas teóricos e com uma metodologia que permita “des-construir” concepções
teóricas. Para atingir esses objetivos, seria necessário redefinir a questão da temporalidade
humana e resgatar o caráter de sujeito social, histórico e cultural do homem contemporâneo.
A perspectiva adotada por Kramer (2008) para superar a fragmentação decorrente da
psicologia do desenvolvimento humano nos estudos sobre a infância foi a de delinear um
referencial de estudo.
Para tanto, apesar de considerar as críticas a respeito do trabalho de Ariés, reconhece
sua importância por inaugurar uma linha de investigação voltada para a história social da
infância, de modo a influenciar pesquisadores e cientistas sociais de várias regiões do mundo
quanto à mudança do papel da família ao longo dos séculos. Assinala ainda os estudos de
Charlot, por seu olhar crítico e questionador em relação à significação ideológica da infância e
desse modo, Kramer (2008) identifica nos estudos de Ariés parâmetros de pesquisa que
articulam infância, história e sociedade, enquanto nos de Charlot reconhece a crítica à
naturalização da criança.
Portanto, a partir dos dois autores, afirma que foi possível “delinear a imagem da
criança tomada com base em suas condições concretas de existência, social, cultural e
historicamente determinada” (Kramer, 2008, p. 22). Esses estudos parecem fomentar uma
perspectiva de análise que supera o determinismo psicológico e explica os fatos em relação à
sua condição social, ou seja, eles não são constituídos no sujeito individual, mas construídos a
partir de determinantes sociais.
Além dos autores até aqui citados, Kramer (2008) reconhece a importância de outros
estudos como referência para a nova compreensão de infância. Dentre eles, os de Bourdieu,
Passeron, Baudelot, Establet e Luc Boltanski como forma de crítica à ação reprodutora da
escola e o consequente caráter ideológico da infância presente na pedagogia; também os
estudos da psicologia, entre os quais Guattari, Donzelot, Vygotsky, Leontiev, Luria, como
43
meio de entendimento de como a linguagem constitui a consciência e a inconsciência; e os
estudos da epistemologia das ciências humanas, por meio de autores como Japiassu e
Foucault, que analisaram criticamente as relações entre saber e poder; ainda os estudos da
linguagem que, por intermédio de Lacan, Bakhtin, Barthes e Foucault, proporcionaram
diferenciadas possibilidades de abordagens teórico-metodológicas da linguagem. Kramer
(2008) aponta, por fim, a importância dos estudos antropológicos, que enfatizam a dimensão
da cultura nos estudos sobre a infância, além dos estudos de cunho etnográfico, que fornecem
estratégias e procedimentos metodológicos e influenciam estudos dos cotidianos escolares,
das práticas pedagógicas e das interações entre adultos e crianças e os estudos voltados para a
pedagogia, por intermédio de autores como Paulo Freire e Célestin Freinet, que consideram
“adultos e crianças como cidadãos, criadores de e criados na cultura, produtores da e
produzidos na história, feitos de e na linguagem” (Kramer, 2008, p. 25). Portanto, os estudos
de todos esses autores mencionados contribuíram para a constituição de um conceito de
infância “despedagogizado” e “desnaturalizado”, o que repercute na prática de pesquisa, que
não tome mais a criança como coisa.
De uma perspectiva complementar, a autora trata da importância teórico-metodológica
dos estudos filosóficos de Walter Benjamin, como meio de proporcionar uma visão crítica da
infância em relação à pesquisa em educação. Para a autora:
(...) é preciso cunhar uma base teórica de compreensão da infância e das populações infantis que dê conta ao mesmo tempo da sua singularidade e da sua relação com a historicidade, com a totalidade da vida social. (...) a teoria crítica da cultura e da modernidade, expressa em especial na obra de Walter Benjamin, configura-se como importante contribuição para enfrentar esses desafios. (Kramer, 2008, p. 28)
Essa perspectiva, além de compartilhar com os intelectuais da teoria crítica da
sociedade, contribui para que os fenômenos sociais observados se manifestem como indícios
da ordem social. Deixa, portanto, pistas sobre a necessidade de um redimensionamento nas
abordagens sobre a infância e justifica o interesse desta investigação na busca da compreensão
dos itinerários de pesquisa que priorizam análises sobre o cuidar e educar para, a partir deles,
apontar como esse binômio tem sido considerado.
44
1.3. Concepções políticas para a educação da criança pequena
O conhecimento do percurso histórico da educação infantil pode contribuir para a
reflexão em torno dos acontecimentos relacionados aos cuidados e à educação de crianças
pequenas no Brasil em uma perspectiva de busca das raízes dos acontecimentos, já que,
segundo Maar (1995, p.24), “caberia conferir um sentido à história reelaborando a relação do
passado ao presente, justamente para apreender o presente como sendo histórico, acessível a
uma práxis transformadora”.
A análise histórica permite relacionar a educação da primeira infância com os fatos
sociais concretos e entender como a história da educação infantil relaciona-se com a história
da infância, da família, das relações de produção etc. É por meio dessa relação, do
entendimento do que ocorre no âmbito social, que este estudo pode suscitar a reflexão sobre o
modo como a educação da infância foi sendo construída dentro de limites impostos pelo
próprio processo social. “Trata-se de empreender a construção das relações entre o fenômeno
– histórico – da escolarização das crianças pequenas e a estrutura social. O fato social da
escolarização se explicaria em relação a outros fatos sociais (...)”. (Kuhlmann Jr., 1998, p.15)
A partir dessa perspectiva é necessário considerar o que se compreende a respeito da
infância, pois, se por um lado, a infância é entendida como “condição da criança, com
períodos etários amplos, subdivididos em fases de idade, para as quais se criaram instituições
educacionais específicas” (Kuhlmann Jr. 1998, p. 16) e que, portanto, ganha significado em
função de transformações sociais, já que as crianças participam dessas relações que
caracterizam a infância como um processo não só psicológico, mas social, cultural, histórico;
por outro, alguns fatos sociais pressionaram o Estado a se posicionar diante das dificuldades
vividas pela população no amparo as crianças em diferentes momentos históricos. Assim, para
compreender o percurso histórico da educação infantil se faz necessário compreender de que
modo alguns fenômenos sociais funcionaram como elementos de pressão no que se refere a
condição social das crianças no Brasil.
Alguns fatos que expressam a situação das crianças brasileiras, desde o século XVIII
até o início do século XX, oferecem um panorama da infância em nosso país. A trajetória de
abandono de crianças – do século XVIII até o surgimento de menores abandonados enquanto
problema social (Trindade, 1999) – aponta uma série de questões ligadas à intervenção do
Estado no sentido de implementar controles relacionados à crescente produção industrial e ao
45
processo de urbanização. Uma das situações descritas pela autora diz respeito ao tratamento
dispensado às crianças, inspirado nas práticas médicas:
Tratar a criança inspirando-se nas práticas médicas implica lembrar também o papel do Estado, instância de intervenção na vida privada. O Estado, em sua moderna preocupação com a produção industrial e o decorrente viver urbano, buscou controlar a população (Trindade, 1999, p. 36).
A ordem médica e a norma familiar (Costa, 1989) corroboram com a idéia de
submissão e controle, relacionada às práticas de higiene instauradas por meio de ações que
inauguram um modo de regulação política da vida dos indivíduos.
O Estado moderno, voltado para o desenvolvimento industrial, tinha necessidade de um controle demográfico e político da população adequado àquela finalidade. Esse controle, exercido junto às famílias, buscava disciplinar a prática anárquica da concepção e dos cuidados físicos com os filhos, além de, no caso dos pobres, prevenir as perigosas conseqüências políticas da miséria e do pauperismo (Costa, 1989, p. 51).
As crianças eram vítimas de cuidados insuficientes quanto à alimentação, higiene,
cuidados médicos e toda sorte de abandono que acabou por caracterizar um fenômeno social
que culminou com a necessidade de intervenção do Estado. Desse modo, à medida que o
Estado se volta para esse problema, o que de fato foi realizado? Que intenções permeavam as
ações políticas em diferentes momentos históricos?
Para atingir os fins a que se propunha em relação à infância, no início do século XX o
Estado privilegiou uma visão cientificista e encarou os homens da ciência como detentores do
saber, capazes de promover algo de justiça social e manter o controle; a perspectiva era a de
melhoria da raça (eugenismo) e do cultivo do nacionalismo. A fé no progresso e na ciência
caracterizou o que Kuhlmann Jr. (1998) nomeou como assistência científica, fenômeno capaz
de garantir a implementação de instituições próprias de uma sociedade que se denomina
moderna.
Em consonância com a idéia de assistência científica e de práticas voltadas à higiene e
ao controle (Trindade, 1999; Costa, 1989), o Estado buscou atingir a civilidade e a
modernidade por meio da influência do movimento médico-higienista. Porém, de acordo com
Kuhlmann Jr. (1998), vários setores sociais também se preocupavam com a educação infantil,
e não somente o campo da Medicina. Setores voltados à Antropologia, à Sociologia, à
Arquitetura, à Engenharia Civil e ao Direito também se constituíram como exemplos de
forças que se articulavam como forma de produzir campos comuns para a constituição de uma
46
modernidade que não ameaçasse os privilégios sociais da classe dominante, ao mesmo tempo
em que se garantia o avanço do processo de modernização.
Portanto, a institucionalização da educação infantil atende não só a interesses sociais,
mas decorre também de interesses políticos e econômicos. Historicamente, é possível afirmar
que a marca principal da educação e do cuidado da primeira infância é o assistencialismo,
além da moralização e do controle.
Assim, as instituições pré-escolares difundiram-se internacionalmente desde a
segunda metade do século XIX, vinculadas ao conjunto da nova concepção de assistência, a
assistência científica. “A grande marca dessas instituições, então, foi a sua postulação como
novidade, como propostas modernas, científicas – palavras utilizadas fartamente nessa época
de exaltação do progresso e da indústria” (Kuhlmann Jr., 1998, p. 82).
A partir de então, houve a valorização da infância influenciada pelo desenvolvimento
científico e tecnológico: era preciso dispensar atenção especial às crianças; deixou-se de
privilegiar a educação dos trabalhadores para dar atenção às instituições voltadas à infância,
como as escolas primárias, as creches, os jardins de infância, os ambulatórios. A razão do
interesse de vários setores pela infância no Brasil pode ser exemplificada pelo lema do
Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro (IPAI-RJ): Infantes tuendo
pro Patria laboramus (quem ampara a infância trabalha pela pátria). (Kuhlmann Jr., 1998, p.
86)
O caráter da educação voltada à primeira infância parece se configurar a partir da
ideologia do Estado, assentada na prescrição científica de base positivista. Desde a
perspectiva da teoria crítica, é possível afirmar que a atuação do Estado contribui para com o
predomínio da pseudoformação (Adorno, 1986), pois ao invés de promover a autonomia dos
indivíduos da nova geração, o fim foi promover a reprodução da sociedade cada vez mais
racionalizada e a preservação do sistema de ajuste e submissão.
Nessa direção, três aspectos podem ser destacados em relação à assistência científica.
O primeiro diz respeito ao modo como o conjunto de medidas voltadas à assistência era
oferecido: não como direito dos trabalhadores, mas como mérito dos que fossem mais
subservientes, dificultando o acesso aos bens sociais, ou seja, para que os pais tivessem seus
filhos aceitos em uma instituição, teriam que preencher minimamente algumas exigências
e/ou critérios determinados de antemão. Desse modo, a oferta da assistência cumpre mais que
um papel em si mesmo, pois, “(...) a sua função, de acordo com essa visão preconceituosa,
seria disciplinar os pobres e os trabalhadores” (Kuhlmann Jr. 1998, p. 65). O segundo aspecto
47
diz respeito à harmonização entre o papel do Estado e das organizações da sociedade civil,
pois o Estado não deveria gerir diretamente as instituições, mas sua função seria a de repassar
recursos para as entidades privadas que anteriormente já realizavam de algum modo essa
função. Parece que a atuação das entidades filantrópicas e/ou religiosas está, nesse momento,
por volta de 1890, confirmada socialmente como um traço cultural e a atuação do Estado foi
um processo que se deu aos poucos, numa passagem que significou não ferir uma crença já
consolidada e valorizada socialmente. E, finalmente, o terceiro aspecto está relacionado a um
método científico que legitimaria as ações em torno das relações e estruturas sociais. Por meio
do método, era possível verificar se os indigentes eram válidos, ou seja, se atendiam aos
requisitos para receber o benefício e se a prestação de serviços era eficaz o suficiente para a
promoção da melhoria da raça em direção ao progresso e à civilização. (Kuhlmann Jr., 1998)
A concepção da assistência científica, formulada no início do século XX, em consonância com as propostas das instituições de educação popular difundidas nos congressos e nas exposições internacionais, já previa que o atendimento da pobreza não deveria ser feito com grandes investimentos. A educação assistencialista promovia uma pedagogia da submissão, que pretendia preparar os pobres para aceitar a exploração social (Kuhlmann Jr., 2000, p. 8).
Ou seja,
A pequena oferta de atendimento supunha o estabelecimento de um clima de competição entre os que necessitassem dos serviços: os mais subservientes seriam os atendidos. Além disso, o caráter de baixa qualidade dos serviços prestados era um meio para não torná-los atraentes e alvo de reivindicações generalizadas (Kuhlmann Jr., 1998, p. 67).
Portanto, a assistência científica, por meio de uma legitimidade adquirida no contexto
histórico e social, proporciona um atendimento ao pobre marcado por poucos investimentos e
respondendo a interesses voltados à submissão e à exploração social.
Dados os pressupostos que orientaram a implantação da educação infantil, as teorias
que buscaram explicar seus procedimentos e encaminhamentos também parecem, de alguma
maneira, corroborar com a linha positivista apontada, na medida em que, por exemplo, a
psicologia do desenvolvimento ganha força como teoria explicativa dos fenômenos ocorridos
no âmbito da infância ou da relação entre as gerações; essas interpretações necessitavam de
justificação científica para se legitimar. A partir dessas considerações, Kuhlmann Jr. (1998)
defende a idéia de que as diferentes instituições criadas para atender a infância, de algum
modo, sempre estiveram relacionadas à educação por intermédio da assistência. A diferença
48
entre as instituições não estava em sua origem educacional ou assistencial, mas na origem
social diversa das crianças atendidas.
Tomando por base a análise da pedagogia comunista, feita por Benjamin (1984) em
oposição a pedagogia não comunista, é possível apontar um fator explicativo dessa diferença
essencial: a família burguesa nutre expectativas em relação à educação formal, enquanto que
aquilo que a criança proletária deve se tornar não é determinado por nenhuma meta
educacional doutrinária, mas pela sua situação de classe. O contato com essa situação está
“direcionado no sentido de aguçar desde cedo, na escola da necessidade e do sofrimento, sua
consciência. Esta transforma-se então em consciência de classe”. (Benjamin, 1984, p. 90).
Desse modo, o que talvez diferencie a pedagogia proletária da burguesa é que o pensamento
que orienta a primeira, considera seriamente não apenas a criança e sua natureza, mas a
situação de classe da própria criança, situação essa que jamais constituiu um problema real
para os reformadores educacionais.
A esse respeito, Campos (1994) destaca que as concepções “assistencial” e
“educacional” têm sido adotadas por diferentes autores para caracterizar o atendimento para
classes sociais distintas, mas, estas duas modalidades de atendimento estão longe de
responder adequadamente critérios de qualidade desde a perspectiva apontada pela teoria
crítica. Nesse sentido, o que deve ser considerado, segundo Benjamin (1984), é que
indiferente da classe social a qual as crianças pertençam, sua educação sempre é parte de um
projeto dos adultos, que visa igualmente moralizá-las, quase sempre colocando em segundo
plano a promoção da autonomia e da emancipação.
Mas se a educação infantil não se expandiu em direção a um atendimento que
privilegiasse uma educação adequada para todas as crianças, por outro lado, favoreceu
necessidades políticas e econômicas.
Na década de 1970 houve um marco no processo de expansão das creches e pré-
escolas (Kuhlmann Jr., 1998), essas necessidades são traduzidas pelos movimentos sociais
dessa fase significativa da história do Brasil e vividas intensamente pelos intelectuais
oriundos da Pedagogia, do Serviço Social e da Psicologia e pelos profissionais das creches e
representantes do movimento feminista. A expansão das creches significou uma conquista e
como tal, estas deveriam a partir de então, se afastar de toda a tradição de sua vinculação às
entidades assistenciais. Movimento similar aconteceu com a pré-escola, que sofreu críticas
49
relacionadas ao assistencialismo da chamada educação compensatória3. “Queria-se defender a
qualidade do ensino e a culpa de sua queda parecia ser por conta de a escola preocupar-se com
a nutrição e não com a educação.
É nesse contexto que a “educação passou a ser vista como o oposto de assistência”
(Kuhlmann Jr., 1998, p. 198). Nesse contexto, a educação passa a ser encarada como o bem e
a assistência como o mal e, assim, a Constituição Federal (Brasil, 1988), bem como a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Brasil, 1996) podem ser vistas como a
superação desse obstáculo, ao reconhecerem creches e pré-escolas como parte do sistema
educacional, passo importante no reconhecimento do papel da educação infantil. No entanto, é
importante salientar que a existência da lei, mesmo que traga orientações pertinentes às
necessidades colocadas pela sociedade, não é garantia absoluta de sua execução. “As ações
políticas são efetivadas na direção de acertar, ou seja, buscam encontrar soluções para
situações ainda necessitadas de regulamentação, ou, em outras direções, buscam ajustar ou
‘endireitar’ o que não está adequado” (Marin, 2010, p. 151). No entanto, o descompasso entre
as orientações e a aplicação de leis e normatizações gera e perpetua muitas ambigüidades que
apontam para situações problemáticas no cotidiano da escola.
No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988, ao regulamentar as ações ligadas à
educação da criança pequena, determina a garantia do atendimento em creche e pré-escola às
crianças de zero a seis anos como direito de todos e dever do Estado e da família. Souza
(1997), neste sentido, afirma que:
Diante desse sentido “renovador” da lei, ao atender as reivindicações e pressões
históricas dos setores organizados da sociedade e pelo próprio “valor cultural” que a
infância adquiriu no seio familiar e social da vida moderna, a nova Carta Magna torna-se um marco referencial (...) (Souza, 1997, p.126).
A constituição brasileira colocou a criança no lugar de sujeito de direitos e não mais,
como ocorria nas leis anteriores a esta, como objeto de tutela (Souza, 1997). Nessa máxima, é
importante buscar entender a que tipo de educação se refere e com que objetivos foi e é
defendida a prática de educar crianças pequenas (Kuhlmann Jr., 1998).
Em decorrência da determinação da Constituição Federal, outras orientações de caráter
legal começam a se formar e, aos poucos, formaram um corpus legal de encaminhamentos
3 Segundo Duarte (1986, p. 32), a educação compensatória é definida como "conjunto de medidas políticas e pedagógicas visando compensar as deficiências físicas, afetivas, intelectuais e escolares das crianças das classes cultural, social e economicamente marginalizadas, a fim de que elas se preparem para um trabalho e tenham oportunidade de ascensão social”.
50
que visam assegurar direitos e prever atendimentos mais apropriados à criança. Um deles é o
Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990. Em seu artigo 53 reforça esses direitos e se
firma como um documento especificamente dedicado às crianças e adolescentes, orientando
aqueles que assumem uma posição de defesa dos direitos e da seguridade destes. Estabelece
também objetivos que devem ser observados não só pela escola, como pela sociedade em
geral.
Outro encaminhamento legal é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Brasil, 1996), que traz uma contribuição importante para o fortalecimento da educação
infantil: passa a ser reconhecida como primeira etapa da educação básica:
A Educação Infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral das crianças até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. (Brasil, 1996, art.29) A educação infantil será oferecida em: I – creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até 3 anos de idade; II – pré-escolas, para crianças de 4 a 6 anos de idade. (Brasil, 1996, art. 31).
É a primeira vez, portanto, que a expressão educação infantil aparece na legislação
brasileira e é definida como a primeira etapa da educação básica, tendo como finalidade o
desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade.
Ao dar continuidade a suas determinações legais, a LDB estabelece para o município a
responsabilidade constitucional e legal em relação à educação infantil, não mais ligada às
secretarias de assistência social. Kuhlmann Jr. (1998) problematiza a questão, afirmando que
as instituições de educação infantil sempre foram educacionais e a passagem para a Secretaria
de Educação não garantiria a superação dos preconceitos sociais relacionados à educação da
primeira infância. Desse modo, o encaminhamento que diz respeito à transferência de
responsabilidades sobre as creches para as secretarias de educação dos municípios, apontou
para a compreensão de que tais instituições integrassem as funções de cuidar e educar, ou
seja, a creche deveria superar a característica assistencial, somente de cuidados, para
caracterizar-se como instituição de educação, comprometida com o desenvolvimento integral
da criança nos aspectos físico, intelectual, afetivo e social. Torna-se, então, uma
responsabilidade social, realizável sob duas perspectivas complementares.
Educar e cuidar são duas ações separadas na origem de seus serviços de atenção à criança pequena, se tornam, aos poucos, duas faces de um ato único de zelo pelo desenvolvimento integral da criança. Cuidar e educar se realizam num gesto
51
indissociável de atenção integral. Cuidando se educa. Impossível um sem o outro. (Corsino, Didonet e Nunes, 2008, p.17)
Como meio para definir uma Política Nacional de Educação Infantil de Qualidade, a
Coordenação Geral de Educação Infantil do Ministério da Educação (COEDI/MEC), em
conjunto com pesquisadores e educadores da área, produziu vários documentos4, entre os anos
de 1994 e 1996, com a preocupação de integrar as ações de cuidado e educação (Cerisara,
1999). A perspectiva da COEDI/MEC, ao produzir esses documentos era a de buscar a
integração entre educação e cuidado, “incentivando estratégias de articulação de diversos
setores e/ou instituições comprometidas com a Educação Infantil” (Martinez e Palhares, 2005,
p.6).
Em uma tentativa de atender as determinações da LDB, o Ministério da Educação
encaminhou aos professores dessa etapa da educação, os Referenciais Curriculares Nacionais
para a Educação Infantil (Brasil, 1998). Tal documento anuncia a passagem da creche e da
pré-escola por um período transitório em busca da integração entre educação e cuidado e
propõe ações que incorporem esses dois aspectos, visando auxiliar a realização do trabalho
educativo diário.
Nesse sentido, a definição dos conceitos de educar e cuidar anuncia a necessidade de
integração entre esses dois aspectos. As considerações sobre educar indicam:
Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. Neste processo, a educação poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de crianças felizes e saudáveis. (Brasil, 1998, p. 23).
Ao tratar do cuidado, os RCNEI afirmam que:
Contemplar o cuidado na esfera da instituição da Educação Infantil significa compreendê-lo como parte integrante da educação, embora possa exigir conhecimentos, habilidades e instrumentos que extrapolam a dimensão pedagógica. Ou seja, cuidar de uma criança em um contexto educativo demanda a integração de vários campos de conhecimentos e a cooperação de profissionais de diferentes áreas. (Brasil, 1998, p. 24).
4 Educação Infantil no Brasil: situação atual (Brasil, 1994); Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças (Brasil, 1995); Propostas Pedagógicas e Currículo em Educação Infantil (Brasil, 1996b).
52
Como a educação infantil passou a integrar a Educação Básica, muitos profissionais e
estudiosos manifestaram a preocupação em relação ao risco da escolarização precoce da
criança pequena, quer dizer, da antecipação de algumas finalidades do Ensino Fundamental:
A educação infantil é tratada no documento como ensino, trazendo para a área a forma de trabalho do ensino fundamental, o que representa um retrocesso em relação ao avanço já encaminhado na educação infantil de que o trabalho com crianças pequenas em contextos educativos deve assumir a educação e o cuidado enquanto binômio indissociável e não o ensino (Cerisara, 1999, p.28).
Fato é que depois da promulgação da Constituição Federal (Brasil, 1988), do Estatuto
da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Brasil, 1996), houve um novo direcionamento legal para a educação das crianças
brasileiras. Apesar da LDB não pormenorizar os encaminhamentos sobre a educação infantil,
as iniciativas para essa etapa da educação básica deve se voltar para o que ela determina,
tendo como base a Constituição Federal. Nesse sentido, o Conselho Nacional da Educação
lançou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil - DCNEI (Brasil, 1998b)
documento que, diferente do RCNEI, possui caráter mandatório e orienta a organização das
instituições de educação infantil.
Esse documento traz de forma inédita na legislação brasileira, a necessidade de
“integração entre o Estado e a sociedade civil como co-participantes das famílias no cuidado e
educação de seus filhos entre 0 e 6 anos.” (Brasil, 1998b). Diante desse encaminhamento, a
criança é considerada sujeito de direitos e, portanto, cidadã em processo e alvo preferencial de
políticas. Dentre suas determinações, as DCNEI estabelecem que “educar e cuidar de crianças
de 0 a 6 anos supõe definir previamente para que sociedade isto será feito, e como se
desenvolverão as práticas pedagógicas, para que as crianças e suas famílias sejam incluídas
em uma vida de cidadania plena” (Brasil, 1998b). Ao estabelecer a união entre sociedade civil
e Estado em busca da cidadania plena, o documento estabelece que as práticas pedagógicas se
complementem com a ação da família em uma relação de cuidado e educação, ao mesmo
tempo em que os dispositivos legais trazem uma gama de questionamentos relacionados à sua
efetivação e, sobretudo, às interpretações desses encaminhamentos que se colocam na forma
do que deve ser.
A educação da criança pequena, não de repente e nem por acaso, ganha uma nova
dimensão, porém, a legislação em si não garante que mudanças se efetivem nas instituições de
educação infantil brasileiras, até porque, como foi apontado, os autores que analisaram esse
53
conjunto de documentos oficiais destacam sua ambigüidade: em muitos aspectos significaram
avanço; em outros tantos significaram retrocesso.
Portanto, historicamente é possível dizer que a gênese da discussão sobre o cuidar e
educar está associada interesses sociais decorrentes do processo de modernização da
sociedade brasileira. Apesar da consideração dada à educação das crianças pequenas na letra
da lei, esse esforço parece não ser suficiente para garantir a formação de crianças em
instituições de educação infantil.
Ora, aí está a limitação das reformas educacionais. Segundo Adorno (1986),
Las reformas pedagógicas aisladas, exclusivamente, por my indispensables que fueran, no sirven. As veces podrían reforzar más bien la crisis, al suavizar la exigencia intelectual a los educandos, también al despreocuparse cándidamente frente al poder que ejerce sobre éstos la realidad extrapedagójica. Las reflexiones e investigaciones aisladas sobre factores sociales que influyen en y perjudican a la educación, sobre sua función presente, sobre los innumerables aspectos de su relación com la sociedad, tampoco llegan a captar la fuerza de lo que se está llevando a cabo. Para éstas, la categoria de la educación misma sigue siendo algo previamente dado, así como los correspondientes momentos parciales efectivos, inmanentes al sistema, dentro del todo social; éstos se mueven dentro del marco de interconexiones que serían las primeras que habria que penetrar. (p. 86)
Desse modo, é possível afirmar que enquanto as condições sociais objetivas não se
modificarem, haverá uma lacuna entre as propostas reformistas e a própria realidade e, nesse
contexto, a ciência deve contribuir de modo a desnaturalizar o olhar, por meio de
investigações que de algum modo, vislumbrem caminhos de mudança.
A exposição de aportes históricos, sociais e políticos que perpassados pela teoria
crítica da sociedade, apontam para indícios de uma educação infantil constituída por meio de
fatores problemáticos em relação à criança e sua educação, indica a necessidade de um
redimensionamento nas abordagens sobre a infância e justifica o interesse desta investigação
na busca da compreensão dos itinerários de pesquisas que priorizaram análises sobre o cuidar
e educar para, a partir deles, apontar como esse binômio tem sido considerado.
A compreensão desses itinerários, além da análise das pesquisas selecionadas é o
objetivo do próximo capítulo.
54
CAPÍTULO II
CAMINHOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA E ANÁLISE DOS DADOS
2.1. O levantamento da produção sobre cuidar e educar na educação infantil
O método adotado para realização deste estudo foi definido em função da finalidade
de apontar as tendências investigativas da produção acadêmica dos programas de pós-
graduação em Educação do estado de São Paulo sobre o tema cuidar e educar na educação
infantil.
A partir de levantamento efetuado no banco de teses e dissertações da CAPES
verificou-se um aumento significativo da produção acadêmica brasileira sobre a educação
infantil após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB
(Brasil, 1996). Do universo de trabalhos levantados, inicialmente foram selecionados como
fontes para este estudo três teses de doutorado e nove5 dissertações de mestrado que foram
produzidos nesse período e atenderam os critérios de seleção adotados para a realização desta
pesquisa, descritos a seguir.
Para que se chegasse ao corpus da investigação, foi realizado um amplo processo de
busca e seleção, iniciado por levantamento no mencionado banco da CAPES no período
compreendido entre os anos de 1987 (por se tratar do primeiro ano disponível para consulta) e
2009 (apesar do levantamento ter sido realizado em 2010, os dados para este ano, ainda não
estavam disponibilizados).
Neste primeiro levantamento foram utilizados os descritores “creche”, “pré-escola”,
“educação infantil” e “cuidar e educar”, além da combinação entre eles. Foram selecionados
123 trabalhos na área da Educação, sendo 109 dissertações de mestrado e 14 teses de
doutorado. Esse procedimento demonstrou ser insuficiente, pois a análise do projeto na
época da aprovação pela Comissão de Bolsas do Programa de Estudos Pós-Graduados em
Educação: História, Política, Sociedade evidenciou a ausência de alguns trabalhos que
envolviam a temática em questão e, por esse motivo, procedeu-se a um novo e mais
pormenorizado levantamento.
5 Não foi possível obter a cópia de uma das dissertações (Cordeiro, 2005), portanto foram analisadas oito dissertações de mestrado e três teses de doutorado, totalizando 11 trabalhos acadêmicos.
55
O segundo levantamento no banco de dados da CAPES abrangeu teses e dissertações
igualmente produzidas no período entre 1987 e 2009, mas o cuidado foi o de, por meio dos
descritores mais específicos e que, ao mesmo tempo, abrangessem toda a produção acadêmica
brasileira, identificar o maior número de trabalhos possível e, assim, realizar um levantamento
que proporcionasse uma visão mais ampla dos estudos realizados. Foram utilizados os
seguintes descritores, atentando para a variação das palavras: “educar”, “educação”,
“educação infantil”, “educação da criança”, “educação de criança”, “cuidar”, “cuidado(s)”,
“cuidado(s) da criança”, “cuidado(s) de criança”, “creche”, “pré-escola”, “pre-escola”,
“pequena infância” e “crianças pequenas”.
Os números abaixo descritos denunciam a dificuldade em realizar levantamento de
teses e dissertações no banco de dados da CAPES, já que somente por meio de diferentes
descritores, variações de palavras e combinações entre elas, além de um longo processo de
leitura e organização dos títulos de todos os trabalhos, foi possível alcançar um número mais
próximo da realidade de trabalhos sobre a temática proposta.
Tabela 1: Resultado levantamento CAPES – 1987 a 2009
Títulos/Trabalhos Frequência %
Títulos repetidos 3389 62,8
Trabalhos eliminados 1286 23,8
Trabalhos da área da Educação 491 9,1
Trabalhos da área da Psicologia 125 2,3
Trabalhos da área da Saúde 107 2,0
Total 5398 100,0
Fonte: Capes, 2010.
Como pode ser verificado ao visualizar a tabela, foram levantados 5398 trabalhos por
meio da utilização dos diferentes descritores. Muitos títulos (3389) apareceram mais de uma
vez, o que fez com que as repetições fossem eliminadas, além dos trabalhos que não se
referem à temática do cuidar e educar na educação infantil e uma pesquisa sem resumo
56
disponível no banco de teses e dissertações da CAPES (1286). Desse modo, do total de
trabalhos levantados, 4675 foram eliminados e 723 títulos permaneceram no levantamento.
A classificação dos 723 trabalhos segundo a área foi realizada a partir da verificação
dos programas de pós-graduação aos quais são vinculados – Educação, Psicologia ou Saúde –,
o que evidenciou maior interesse dos programas da área da Educação (491) em investigar
questões ligadas à educação e ao cuidado da infância, seguidos pelos trabalhos da área da
Psicologia (125) e em último lugar, os da saúde (107).
A partir dos dados da tabela, é possível afirmar que a incidência de trabalhos sobre o
tema mostrou-se relevante e com dados a priori consistentes para realização de investigação
como possibilidade de entendimento dos rumos das discussões sobre o cuidar e educar na
educação infantil. Tendo em vista que a intenção foi indicar as principais tendências das
investigações que tratam do cuidar e do educar na educação infantil, o acesso apenas aos
resumos dos trabalhos não seria suficiente, já que os dados indicativos dessas tendências
poderiam ser encontrados somente no corpo dos trabalhos. Além disso, observe-se o que
Bueno, Marin e Sampaio (2005), em mapeamento de estudos sobre a escola, expressaram
sobre a dificuldade em se obter dados por meio de resumos de teses e dissertações, devido a
imprecisão que grande parte deles apresenta.
Optou-se pelas pesquisas da área da Educação produzidas no estado de São Paulo pela
maior possibilidade de acesso aos trabalhos completos, bem como pela significativa produção
em relação às demais regiões brasileiras, como pode ser verificado no agrupamento por região
de origem da produção:
Tabela 2: Pesquisas da área da Educação sobre o cuidar e o educar por região
brasileira - 1987 a 2009
Região Pesquisas %
Sudeste 270 55
Sul 126 26
Centro-oeste 40 8
Norte 5 1
Nordeste 50 10
Total 491 100 Fonte: Capes, 2010
57
A partir desse agrupamento, foi verificado que no estado de São Paulo foram
produzidos 199 trabalhos, sendo 159 dissertações de mestrado e 40 teses de doutorado, o que
representa 73% da produção acadêmica da região Sudeste e, portanto, o estado com a maior
produção de todo o território nacional.
Os trabalhos produzidos nos programas de pós-graduação em Educação de São Paulo
foram organizados na tabela a seguir por Instituição de Ensino Superior onde foram
produzidos e período de produção, o que possibilitou uma visão panorâmica sobre os estudos
desenvolvidos sobre a educação da primeira infância neste estado.
Tabela 3: Produção de dissertações de mestrado e teses de doutorado por
Instituição de Ensino Superior no estado de São Paulo - 1987 a 2009
Período
IES
M D M D M D M D M D M DEd Especial 3 4 1 2 9 1
3 3 2 7 4 6 2 19 8
1 5 1 5 4 6 7 5 1 21 14 35
5 1 9 1 9 4 3 2 26 8 34
1 1 4 4 1 111 1 1 1 1 1 4 22 4 3 4 2 2 12 5 17
2 5 4 3 1 14 1 151 5 3 1 9 1 10
7 7 7
1 4 5 5
2 2 4 4
4 4 41 2 3 32 2 2
2 2 21 1 1
1 1 11 1 1
1 1 11 1 11 1 1
1 1 1
3 1 25 2 31 11 63 19 37 7 159 40
Total
%
4o bloco
3o bloco
1o bloco
2o bloco
PUC CampinasUNISantos
UNISOCentro Univ. Moura Lacerda
UNICAMP
UMESP
UFSCAREducação
USP
antes LDB depois LDB
Sub-totalTotal
4 27 42 82 44 199199
1992 a 1996
1997 a 2001
2002 a 2006
2007 a 2009
37
UNINOVE
UNESP Pres. Prudente
UNIMEP
PUC - SPEHPS
CurriculoUNESP Marília
UNESP Araraquara
UBC
Univ. Estácio de Sá
Sub-total
1987 a 1991
10022,1
15,6 84,4
2 13,6 21,1 41,2
17
UNOESTEUSF
UNICID
Unesp BauruUniv. Mackenzie
Fonte: Capes, 2010.
58
A partir da organização das teses e dissertações por Instituição de Ensino Superior, foi
possível verificar que, quantitativamente, a produção sobre a educação infantil no estado de
São Paulo divide-se em quatro “blocos”, conforme demarcado na tabela. No primeiro, com a
maior produção do estado, está a UFSCAR, seguida pela USP e UNICAMP, com mais de 34
trabalhos. No segundo bloco, com produção acima de 15 trabalhos acadêmicos no período,
estão PUC-SP, UNESP Marília e UNIMEP. Em um terceiro bloco, com produção superior a
cinco trabalhos e abaixo de 10, estão UNESP Araraquara, Universidade Braz Cubas e UNESP
Presidente Prudente. O bloco com maior número de Universidades possui produção inferior a
cinco trabalhos acadêmicos no período levantado.
Dentre as possibilidades de agrupamento por período de produção, esta foi a escolhida
por proporcionar, de uma perspectiva possível, um olhar sobre o interesse de pesquisadores
em investigar questões relacionadas à educação infantil em período anterior e posterior à
promulgação da LDB. O período investigado perfaz um total de 23 anos. Destes, 10 anos (de
1987 a 1996) antecedem a lei e 13 anos (1997 a 2009) equivalem ao período que a sucede e,
portanto, a diferença entre os dois períodos permitiu subdividir a produção de cinco em cinco
anos (com exceção da última coluna, que equivale a um período de 3 anos), o que permitiria
um olhar pormenorizado sobre a incidência dos trabalhos acadêmicos.
Tal agrupamento permitiu verificar que, no período entre 1987 a 1991, a produção
sobre a educação da primeira infância totalizou apenas 4 trabalhos, e que, no período seguinte,
de 1992 a 1996, esta sofreu um aumento considerável, totalizando 27 pesquisas. Talvez as
discussões sobre a então “nova” LDB e toda a movimentação que envolveu sua elaboração,
tenha contribuído para o crescimento da produção acadêmica nesse período, sem
desconsiderar que a pós-graduação brasileira cresceu significativamente na década de 1990.
Portanto, o período anterior à promulgação da LDB de 1996, totalizou a produção de 31
trabalhos acadêmicos voltados às questões sobre a educação infantil em Instituições de Ensino
Superior do estado de São Paulo, o que perfaz um total de 15,6% em relação à produção total
do período levantado.
Apesar da diferença de tempo entre os dois períodos (10 anos antes e 13 anos depois da
LDB), foi possível observar que o crescimento da produção após a promulgação da Lei
equivale a 84,4% da produção total. Embora tenha ocorrido o aumento do número de
programas de pós-graduação e, também, da tendência em privilegiar os estudos sobre a escola
(Bueno, Marin e Sampaio, 2005), é curioso verificar um crescimento significativo no interesse
59
de pesquisadores em investigar questões relacionadas à educação da primeira infância
especificamente após a promulgação da LDB.
Uma hipótese possível é que a institucionalização da infância, tal como abordada no
primeiro capítulo, levou à construção de saberes científicos que, de alguma forma, criaram
normatizações para uma compreensão da criança e da infância. Apesar de não se poder
afirmar que a produção científica sobre a educação infantil desse período contribuiu para tal
fim, o número expressivo de pesquisas sobre as crianças justamente nesse período é
intrigante.
Diante desse cenário, em uma tentativa de visualizar quantitativamente como estão
ocorrendo os estudos que tratam da educação infantil procedeu-se a leitura dos títulos e dos
resumos dos trabalhos para que fossem agrupados conforme seu foco ou abordagem. Essa
aproximação foi realizada com base no estudo de Bueno, Marin e Sampaio (2005), que ao
analisar teses, dissertações e artigos de periódicos que investigaram a escola, utilizaram-se de
quatro eixos: escola, saberes, professores e alunos. No entanto, isso não se mostrou suficiente
para esse estudo, já que o universo dos trabalhos levantados abrange ainda questões
relacionadas às políticas educacionais, além dos dedicados à história, à educação especial, à
relação família e escola; também se verificou a ocorrência de ensaios teóricos sobre a
educação da primeira infância. De qualquer maneira, os autores citados serviram de ponto de
partida para a classificação dos trabalhos quanto à abordagem ou foco.
60
Tabela 4: Agrupamento de dissertações de mestrado e teses de doutorado
produzidas no estado de São Paulo segundo foco/abordagem - 1987 a 2009
Foco/Abordagem Antes LDB Depois LDB Total %
Professor
Prática Docente6 10 62 72
56,8 Formação Docente 0 26 26
Manifestações 2 11 13
Identidade 0 2 2
Sub-total 12 101 113
Alunos Formação Social 1 10 11
9,6 Manifestações 2 6 8
Sub-total 3 16 19
Escola Organização 4 8 12
8,6 Prática 2 3 5
Sub-total 6 11 17
Políticas Educacionais 4 12 16 8
Educação Especial
Prática Docente 1 4 5
6 Formação Docente 1 4 5
Desenvolvimento Infantil 1 1 2
Sub-total 3 9 12
História
Políticas Educacionais 1 4 5
5 Organização escolar 1 2 3
Prática Docente 0 1 1
Manifestações de Professores 0 1 1
Sub-total 2 8 10
Relação família e escola 0 7 7 3,5
Ensaios Teóricos 1 4 5 2,5
Total 31 168 199 100,0
Fonte: Capes, 2010
Diante dos resultados dessa aproximação, observa-se a tendência dos pesquisadores
em privilegiar estudos que focalizam o professor, especialmente sua prática e formação, o que
equivale a mais da metade dos estudos levantados e denuncia o interesse da maioria dos
pesquisadores, principalmente após a LDB, com o que se refere à figura do professor. Uma
hipótese possível é a de que surge a partir do reconhecimento da educação infantil como
primeiro nível da educação básica, uma preocupação recorrente com a formação do professor
que atuaria nesse nível e uma compreensiva necessidade de entender suas práticas. Por outro
lado, é possível também que tais pesquisas estivessem preocupadas em investigar se as
orientações legais estavam sendo materializadas na prática do professor.
6 Embora se reconheça a singularidade do conceito de prática (Gimeno-Sacristán, 1999), para efeito de organização do material, optou-se por classificar como prática pedagógica as investigações sobre intervenções intencionais de professores visando a formação educacional do aluno.
61
Em seguida, os estudos que privilegiam o aluno equivalem a 9,5% da produção total, o
que evidencia a preocupação com o modo como a infância se configura no interior das
instituições de educação infantil. Estudos sobre a escola perfazem um total de 8,5% e
denotam o interesse em investigar a organização e a prática escolar para a infância nesse
período.
A política educacional relacionada à educação infantil é investigada por 8% das
pesquisas, enquanto que estudos voltados à educação especial equivalem a 6% e referem-se
de alguma forma aos professores (prática e formação docente) e aos alunos (desenvolvimento
infantil).
A relação entre a família e a escola foi um dos enfoques menos privilegiados nesse
período, com 3,5% da produção total, enquanto que os ensaios teóricos foram interesse de
apenas 2,5% dos pesquisadores.
Ao dar continuidade à descrição dos caminhos metodológicos que permitiram a
definição do objeto de estudo e das fontes para esta pesquisa, é necessário evidenciar que,
embora a produção acadêmica produzida antes da LDB certamente represente contribuição
significativa para a temática em questão, optou-se por utilizar como fonte os trabalhos
produzidos após este dispositivo legal, por se tratar quantitativamente de um grupo mais
representativo, permitindo um olhar sobre os diferentes modos a partir dos quais os estudiosos
investigaram a educação infantil, bem como abordaram as questões implicadas na redefinição
política e pedagógica dos objetivos das creches e pré-escolas.
Diante disso, foi realizada nova leitura dos resumos dos trabalhos produzidos após a
LDB, com o objetivo de identificar quais se aproximam dos objetivos desta investigação, ou
seja, quais estudos são permeados pelas discussões sobre o cuidar e educar de forma mais
direta. Foram selecionados 12 trabalhos, sendo 9 dissertações de mestrado e 3 teses de
doutorado, conforme a tabela abaixo:
62
Tabela 5: Pesquisas produzidas nos programas de pós-graduação do estado de São
Paulo após a promulgação da LDB sobre a temática do cuidar e educar na educação
infantil
Autores No de estudos
1 UFSCAROctaviani (2003); Assis (2004);
Cordeiro (2005) 3
2 UNIMEP Azevedo (2000); Azevedo (2005) 2
3 USP Haddad (1997); Mattos (2009) 2
4 UNESP Araraquara Dias (2006); Silva (2008) 2
5 PUC-SP Marcon (1999) 1
6 UNICAMP Ávila (2002) 1
7 UMESP Miguel (2004) 1
12
Instituição de origem
Total Fonte: Capes, 2010.
Realizada essa seleção, pode-se afirmar que trabalhos produzidos nas seguintes
Instituições de Ensino Superior: UFSCAR, UNIMEP, USP, UNESP Araraquara, PUC-SP,
UNICAMP e UMESP constituíram-se como fontes desta pesquisa por tratarem de questões
envolvidas em torno da temática do cuidar e educar na educação infantil, além de
possibilitarem a consulta do trabalho em sua íntegra pela localização geográfica das
universidades onde se realizaram as pesquisas e consequente facilidade de seu acesso.
De outra perspectiva e com o objetivo de visualizar a produção das universidades
selecionadas para o estudo, foi realizado um novo exercício de aproximação em relação aos
trabalhos selecionados, tendo como referência o tema das teses e dissertações. Inicialmente,
foi necessário estabelecer os limites do que aqui é entendido como tema: “assunto de que trata
um trabalho acadêmico. Enquanto o tema é amplo e genérico, o problema de pesquisa é
específico e circunscrito” (Appolinário, 2004, p. 182). A esse respeito, ao realizar estudo
sobre origem e destinação de pesquisas educacionais, Giovanni (1988), em exercício
semelhante ao que aqui é proposto, afirma que: “Com relação aos temas, as informações
foram obtidas através de itens como: título, tema/problema (quando especificados) e muitas
vezes, os objetivos”. (Giovanni, 1988, p. 143). Seguindo essas orientações, foi realizada nova
leitura dos títulos e dos resumos de todos os trabalhos destacados no levantamento da
produção sobre cuidar e educar na educação infantil produzidos nas sete Instituições de
Ensino Superior, as quais pertencem as dissertações e teses selecionadas para esta pesquisa,
agora em uma tentativa de visualizar a temática de cada produção. Ainda com base nos
63
estudos de Giovanni (1988), foi possível aproximar os trabalhos em três grupos temáticos, da
seguinte forma:
1) Trabalhos que de alguma maneira, se relacionam a aspectos voltados a estrutura e
funcionamento das unidades escolares e salas de aula, tais como: influência das rotinas, dos
espaços, avaliação, relações de gênero, relação família-escola, interações entre crianças e
professores, práticas docentes, representação, concepção e identidade docente;
2) Os que se relacionam à estrutura e funcionamento do sistema escolar, tais como: os que
tratam da formação docente, do desenvolvimento infantil, do currículo, da gestão, além dos
que têm como tema a constituição do conhecimento acadêmico;
3) E os que tratam dos aspectos referentes à estrutura social, tais como: os que têm como
temática as concepções de infância/criança, os que tratam das políticas educacionais e da
qualidade na educação infantil. Na tabela a seguir apresenta-se a distribuição das dissertações
e teses conforme a instituição de origem e o grupo temático ao qual foram vinculados neste
trabalho. A intenção foi verificar se ocorria uma distribuição que permitisse a inferência de
elementos que caracterizassem a produção ou se havia concentração de interesse em enfoques
específicos.
Tabela 6: Tema das teses e dissertações sobre a educação infantil produzidas na
UFSCAR, USP, UNICAMP, PUC-SP, UNIMEP, UNESP Araraquara e UMESP
IES
Tema UFS
CA
R
USP
UN
ICA
MP
PU
C-S
P
UN
IME
P
UN
ES
P
Ara
raqu
ara
UM
ES
P
TO
TA
L
Estrutura e funcionamento das unidades
escolares 11 18 12 7 3 4 0 55
Estrutura e funcionamento do sistema escolar 16 6 14 4 8 6 0 54
Estrutura social 10 11 8 6 4 0 4 43
TOTAL 37 35 34 17 15 10 3 152
Fonte: Capes, 2010
Pelo que se pode observar, os dados da tabela 6 não possibilitam afirmações
categóricas sobre tendências presentes nos programas de pós-graduação na área da educação.
Além disso, é necessário salientar a dificuldade em inferir o tema dos trabalhos levantados a
64
partir de seus resumos, já que dos 152 trabalhos, somente quatro anunciaram a temática
pretendida de forma explícita. Nesse sentido, o esforço foi o de partir dos títulos, das questões
de pesquisa (quando anunciadas no resumo) e do objetivo, identificar o tema que o autor se
propôs a tratar. Diante dos dados apresentados na tabela, é possível verificar um “equilíbrio”
entre as temáticas referentes às diferentes estruturas, além de visualizar a produção das sete
universidades selecionadas para o estudo.
A partir desse delineamento, verificou-se por meio da leitura dos resumos dos
trabalhos selecionados como amostra para este estudo, que seus temas estão distribuídos entre
as três estruturas, ou seja, o cuidar e educar permeia discussões sobre políticas educacionais,
formação docente inicial e continuada, além de discussões sobre a prática docente.
Diante disso, cabe questionar se o universo das produções acadêmicas selecionadas
como recorte dessa pesquisa reflete a consciência acerca dos fatos sociais que interferem na
produção do conhecimento ou se apenas expressam a preocupação com a descrição de tais
fatos, sem relacionar seus objetos de estudo com o social, o que remete às reflexões de
Adorno a respeito da crítica à ciência.
Somente a tomada de consciência do social proporciona ao conhecimento a objetividade que ele perde por descuido enquanto obedece às forças sociais que o governam, sem refletir sobre elas. Crítica da sociedade é crítica do conhecimento e vice-versa (Adorno, 1995, p.189).
A tomada de consciência do social por meio da ciência é uma das possibilidades de
emancipação, e nesse sentido, cabe ressaltar que o intuito deste estudo foi verificar o modo
como pesquisadores em diferentes momentos e Instituições trataram das questões relativas ao
cuidado e educação das crianças brasileiras, sem que para isso seja realizado juízo de valor
em relação ao conhecimento produzido por tais autores ou às relações de poder implicadas.
Também não se trata de substituir as perspectivas adotadas pelos autores por outra mais
adequada ou correta (Brito & Leonardos, 2001). A pretensão foi de, a partir da análise,
verificar a aproximação de tais investigações com uma ciência crítica. Dito de outro modo: a
intenção foi menos questionar o conhecimento científico e mais discutir aspectos que apontem
para o lugar da ciência na sociedade.
Como meio de atingir tal objetivo, iniciou-se a busca pelos trabalhos completos, que
foram adquiridos de diferentes maneiras. Por meio da bibliotecária da PUC-SP, foi possível
adquirir a maioria deles via internet ou via COMUT (Programa de Comutação Bibliográfica).
65
Ressalte-se a dificuldade de localização de alguns trabalhos7, que estavam com título e parte
do nome do autor diferente do que consta no banco de dados da CAPES. Outros trabalhos não
disponíveis por essas vias foram adquiridos diretamente nas bibliotecas das Universidades
onde foram produzidos.
Depois de uma longa procura pelo trabalho de Cordeiro (2005), verificou-se por
intermédio da própria autora, que os exemplares não foram depositados na biblioteca onde se
vincula e que, portanto, não seria possível adquirir cópia para a análise.
Desse modo, a amostra selecionada para este estudo passou a ser composta por 11
trabalhos, sendo três teses de doutorado e oito dissertações de mestrado, que foram totalmente
lidos para a coleta dos dados por meio de fichas de leitura (anexo 1) e quadros de análise
(anexos 2 e 3).
Os dados coletados referem-se tanto a informações mais gerais sobre as obras, como
autor, título do trabalho, ano de defesa, nível de formação (mestrado e doutorado), Instituição
de Ensino Superior ao qual se vinculam, problema(s) de pesquisa, objetivos(s) e metodologia,
quanto a informações mais específicas, como função da educação infantil, considerações
sobre a infância, sobre a educação e o cuidado, referenciais teóricos e conceitos utilizados,
além de considerações finais das pesquisas investigadas. Tais dados serão inicialmente
apresentados para posterior análise e discussão.
2.2. Caracterização dos estudos selecionados
Após o mapeamento da produção nacional, do agrupamento e primeiras aproximações
em relação à produção acadêmica paulista, é a vez de apresentar as informações iniciais das
pesquisas selecionadas como fontes para esta investigação.
O quadro abaixo contém as informações gerais dos trabalhos selecionados, como
autor, título, Instituição de Ensino Superior ao qual se vincula, ano de produção, além das
questões e objetivos de pesquisa. Para efeito de apresentação, os trabalhos selecionados foram
organizados segundo o nível de estudo, tese ou dissertação, e por ordem alfabética de seus
títulos.
7 Os trabalhos de Dias (2006) e Mattos (2009).
66
Quadro 2. Dados gerais das obras selecionadas
Obra (Título) Autor/Nível/IES
/ Ano Problema(s) de
pesquisa/delimitação Objetivo(s) da pesquisa
As concepções de “educar” das
profissionais de educação infantil: um ponto de partida para a formação continuada na perspectiva histórico-cultural
Octaviani Tese
UFSCAR/2003
Processo de transição pelo qual vem passando as instituições de atendimento às crianças de 0 a 6 anos.
Tomar as concepções de “educar” das profissionais de
uma creche municipal como ponto de partida para formação continuada.
Ecologia do atendimento infantil: Construindo um modelo de sistema unificado de cuidado e educação
Haddad Tese
USP/1997
Quais os pressupostos ideológicos, políticos e programáticos para unidade entre cuidar e educar?
Conformar modelo de atendimento unificado.
Formação inicial de profissionais de educação infantil: desmistificando a separação cuidar-educar
Azevedo Tese
UNIMEP/2005
Como a formação tem contribuído para solucionar a separação cuidar-educar?
Interpretar as implicações do cuidar-educar na formação.
A construção da representação docente e a função do professor de educação infantil: elementos para reflexão
Dias Dissertação
UNESP Araraquara/2006
O sistema social apresenta contradições que necessitam de investigação.
Investigar a imagem docente de professores e verificar como se configura sua função.
A creche como instituição educacional: Um estudo documental
Marcon Dissertação
PUC-SP/1999
Falta de estudos que tratam da creche como instituição.
Investigar a creche como instituição educacional.
As professoras de crianças pequenininhas e o cuidar e educar Um estudo sobre as práticas educativas em um CEMEI de Campinas/SP
Ávila Dissertação
UNICAMP/2002
Como está sendo construída a profissão do educador infantil?
Descrever, analisar e discutir as práticas educativas das professoras.
Cuidar e educar: concepções de professores de um Centro de Educação Infantil na cidade de São Paulo
Mattos Dissertação USP/2009
O que significou na prática das profissionais o cuidar e educar?
Identificar como concepções sobre cuidado e educação são internalizadas pelas educadoras.
Necessidades formativas de profissionais de educação infantil
Azevedo Dissertação
UNIMEP/2000
Contradições teórico-práticas dos cursos de formação.
Identificar necessidades formativas de professores de educação infantil.
Práticas educativas: a relação entre cuidar e educar e a promoção do desenvolvimento infantil à luz da psicologia histórico – cultural
Silva Dissertação
UNESP Araraquara/2008
Qual a relação do binômio cuidar/educar e o ensino?
Investigar se as ações educativas estão promovendo o cuidar e o educar.
Representações de professoras: elementos para refletir sobre a função da instituição escolar e da professora de Educação Infantil
Assis Dissertação
UFSCAR/2004
Legislação e literatura educacional expressam a importância das práticas pedagógicas.
Apreender as representações das professoras e verificar se contribuem para a constituição profissional.
Tensões entre o educar e o cuidar de crianças entre 0 e 3 anos
Miguel Dissertação
UMESP/2004
Existe um ponto de equilíbrio entre o cuidar e o educar?
Contribuir para a discussão sobre formação de profissionais.
Um olhar inicial para os dados permite verificar que as teses e as dissertações
analisadas foram produzidas entre os anos de 1997 e 2009 e que houve certa distribuição da
67
produção no período selecionado, pois somente nos anos de 1998, 2001 e 2007 não houve
pesquisas sobre o tema nos programas de pós-graduação do estado de São Paulo.
Os pesquisadores ligados às sete diferentes Instituições de Ensino Superior se
preocuparam com questões referentes ao cuidado e à educação de crianças pequenas, e dentre
elas, a USP, a UNIMEP, a UFSCAR e a UNESP Araraquara desenvolveram dois estudos
cada uma em diferentes períodos, enquanto que as demais Instituições desenvolveram um
estudo cada.
Para uma primeira incursão nos dados, os trabalhos foram agrupados segundo grupos
temáticos, o que aponta para as estruturas investigadas: estrutura e funcionamento das
unidades escolares e salas de aula (Marcon, 1999; Ávila, 2002; Assis, 2004; Dias, 2006;
Silva, 2008; Mattos, 2009); estrutura e funcionamento do sistema escolar (Azevedo, 2000;
Octaviani, 2003; Miguel, 2004; Azevedo, 2005) e estrutura social (Haddad, 1997)8.
Para essa descrição procedeu-se a um novo agrupamento para melhor especificar os
temas trabalhados pelos pesquisadores.
O primeiro grupo de trabalhos trata de questões relacionadas às práticas docentes na
educação infantil e abrange as investigações de Marcon (1999), Ávila (2002), Assis (2004),
Dias (2006), Silva (2008) e Mattos (2009).
Os estudos sobre a creche (Marcon, 1999), ora se direcionam para âmbitos restritos
(psicologia do desenvolvimento), ora estão voltados ao aspecto macrossocial, o que os
caracterizaria como uma literatura de cunho prescritivo e, desse modo, seu objetivo é
investigar os determinantes da creche como instituição educativa, ou seja, pesquisa-se o modo
como as práticas são relatadas em documentos da instituição investigada.
Há preocupação em relação aos conhecimentos que os professores mobilizam para
cuidar e educar crianças em instituição de educação infantil (Ávila, 2002), uma vez que o
surgimento da profissão docente está vinculado às questões referentes ao gênero feminino, o
que acaba por condicionar a forma de atuação profissional. As representações que professores
possuem (Assis, 2004) permite compreender a influência que possuem no desenvolvimento da
prática educativa e para sua constituição profissional, já que a legislação vigente e a literatura
educacional expressam a complexidade e a importância de tais práticas para a formação das
8 Mais detalhes: ver tabela 6.
68
crianças e torna-se determinante para alcançar os objetivos propostos para este nível de
ensino.
A contradição produzida pelo sistema (Dias, 2006), no que diz respeito à determinação
legal quanto à integração do cuidar e educar e as dificuldades para sua realização, em
decorrência da visão filantrópica das agências financiadoras, são preocupações que se
relacionam com as práticas desenvolvidas por professores de educação infantil. Como meio
de expressar essa contradição, a imagem docente de professoras pode permitir o exame da
configuração da função que exercem. A relação entre o cuidar e educar e o ensino (Silva,
2008), pode ser entendida a partir das ações educativas e da promoção do desenvolvimento
psicológico.
É identificada, ainda, contradição entre a produção sobre a educação infantil e a
prática, além da ausência de políticas educacionais pertinentes às necessidades das crianças
(Mattos, 2009). Para essa autora, torna-se importante discutir quais concepções professores
internalizam e de que modo são traduzidas no seu trabalho diário.
O segundo grupo trata da formação docente e se refere aos estudos de Azevedo
(2000), Azevedo (2005), Octaviani (2003) e Miguel (2004).
A problematização de cursos de formação (Azevedo, 2000) permitiria reconhecer a
distância entre o que é proposto nos cursos de formação de professores e a prática nas
instituições de educação infantil e, desse modo, a autora chama a atenção para a necessidade
de identificar uma base mais coerente para a formação desses profissionais. A importância de
integração entre cuidado e educação, ao ser analisado o problema de sua separação (Azevedo,
2005), traz a preocupação em desvendar a origem e as conseqüências do problema para a área
de formação.
As instituições de educação infantil passam por um processo de transição (Octaviani,
2003) e, desse modo, é necessário contribuir para a elucidação do conceito de “qualidade”, ao
buscar pistas para o trabalho com crianças que vise a formação de sujeitos autônomos, de
modo a contribuir para a formação continuada de profissionais da educação infantil. A
existência de um ponto de equilíbrio, entre o cuidar e o educar (Miguel, 2004), e a
necessidade de identificá-lo, com vistas a contribuir para a formação de professores de creche
em sua ação pedagógica, aparece também como uma preocupação entre os pesquisadores.
De acordo com as abordagens investigadas, parece claro que os pesquisadores se
preocuparam prioritariamente com o modo como os professores de educação infantil
69
encaminham suas práticas docentes. Essa preocupação dos estudiosos com o que ocorre
dentro da instituição de educação infantil já havia sido identificada por Haddad (1997, p. 10)
que, na época de seu estudo, foi justificada pela urgência do “saber fazer” nas discussões
sobre a dicotomia cuidado e educação, em decorrência do processo de expansão do
atendimento infantil vivido naquele momento. Mas quais as justificativas para o interesse da
maioria das pesquisas selecionadas em realizar tais estudos?
Marcon (1999) e Silva (2008) identificam a ausência de investigações que partem do
interior das instituições de educação infantil, o que justifica seu interesse de pesquisa,
enquanto que Ávila (2002), Assis (2004) e Dias (2006) parecem, de algum modo, verificar
como as determinações legais se configuram no interior das instituições de educação infantil;
por sua vez, Mattos (2009) identifica a existência de polêmicas em relação ao cuidar e educar
nas instituições.
Talvez em decorrência do que se espera do professor nas instituições de educação
infantil, os pesquisadores demonstram preocupação com um tipo de formação que torne a
ação pedagógica um elemento de coesão entre os cuidados e a educação de crianças pequenas,
como elemento decisivo para a consolidação da qualidade na educação infantil. A
preocupação com o que é priorizado nos cursos de formação evidencia a ausência desse
entendimento: parece consenso entre os estudiosos que ainda existe uma distância entre o que
propõe os cursos de formação e as necessidades pedagógicas no cotidiano das escolas.
No terceiro e último grupo aqui denominado políticas educacionais, encontra-se o
estudo de Haddad (1997), que busca pressupostos para um modelo unificado para o
atendimento de crianças e suas famílias por verificar que os serviços prestados nas instituições
de educação infantil são fragmentados e refletem a cisão entre o cuidar e educar.
Dos 11 trabalhos apresentados, 6 (seis) preocupam-se com questões ligadas às práticas
pedagógicas, 4 (quatro) dirigem seus estudos para a formação de professores e apenas um se
preocupa com as políticas educacionais. Desse modo, o agrupamento realizado começa a
delinear as tendências investigativas em relação ao cuidar e educar.
No quadro seguinte, os trabalhos foram organizados segundo os agrupamentos aqui
descritos (práticas docentes, formação docente e políticas educacionais), de modo que fosse
realizada nova aproximação a respeito das escolhas metodológicas feitas pelos pesquisadores
dos trabalhos analisados.
70
2.2.1. Método adotado pelos pesquisadores
A partir do agrupamento proposto, foi possível organizar os dados referentes ao
método adotado pelos autores, de modo a verificar em cada unidade temática, e de modo
geral, quais foram os sujeitos/objetos investigados, os procedimentos para coleta de dados,
além do tipo de pesquisa privilegiada. O intuito aqui foi o de identificar qual o modelo
adotado por diferentes pesquisadores, ou seja, qual a “estrutura” da pesquisa que vem sendo
privilegiada nos estudos que tratam da educação e cuidado na primeira infância.
Quadro 3. Eixo temático e procedimentos metodológicos das pesquisas selecionadas
Agrupamento Autor/ Ano
Sujeitos/objetos investigados
Procedimentos de coleta de dados
Tipo de pesquisa
Práticas docentes
Marcon 1999
Documentos Análise de conteúdo Estudo de documentos
Ávila 2002
5 Professoras e 8 monitoras
Filmagem, entrevista, conversas informais, registro no diário de campo e análise de documentos.
Estudo de caso
Assis 2004
10 professoras Entrevistas semi-estruturadas Pesquisa de campo
Dias 2006
9 professoras Entrevista estruturada e semi-estruturada e observação
participante.
Pesquisa de campo
Silva 2008
Crianças, educadoras e documentos
Observação, registro em diários de campo, leitura e análise de
documentos
Pesquisa de campo/documental
Mattos 2009
4 educadoras Entrevista semi-estruturada Pesquisa qualitativa
Formação docente
Azevedo 2000
4 professoras de educação infantil
Entrevista semi-estruturada e observação
Pesquisa de campo
Octaviani 2003
10 pajens Entrevista e questionário Pesquisa de campo
Miguel 2004
4 educadoras e 1 coordenadora
Entrevista, fotos e observação. Interpretativa-qualitativa
Azevedo 2005
Artigos, 5 formadores de professores brasileiros, 3 formadores de professores portugueses.
Análise de artigos e entrevistas semi-estruturadas
Análise de conteúdo qualitativa
Políticas educacionais
Haddad 1997
Documentos oficiais e publicações, pesquisadores, profissionais do campo e representantes de sindicatos dos professores.
Coleta de documentos, entrevistas, visitas de estudo e
estágios.
Pesquisa de campo/documental
71
A partir dos dados apresentados no Quadro 3, verificou-se, no primeiro agrupamento
composto pelos trabalhos que tratam das práticas docentes, que uma das investigações
(Marcon, 1999) teve como objeto de estudo os documentos encontrados nos arquivos de uma
creche, enquanto a maioria das pesquisas (Ávila, 2002; Assis, 2004; Dias, 2006; Silva, 2008;
Mattos, 2009) teve como sujeitos os profissionais diretamente ligados à tais práticas, ainda
que possuam diferentes denominações relacionadas ao nível de formação e a função que
exercem na instituição de educação infantil: professores, educadores, monitores ou pajens.
Apesar do estudo de Silva (2008) não apontar os educadores como um dos sujeitos de sua
pesquisa, esse dado pôde ser inferido a partir do capítulo que trata da análise dos dados e de
suas considerações finais. Dentre todo o grupo, somente o mesmo estudo de Silva (2008)
utilizou-se de mais de um sujeito/objeto e foi o único observar crianças.
Ainda no primeiro grupo temático, com relação aos procedimentos para coleta de
dados, foi possível verificar que quatro pesquisadores se utilizaram de entrevistas (Ávila,
2002; Assis, 2004; Dias, 2006; Mattos, 2009), três analisaram documentos (Marcon, 1999;
Ávila, 2002; Silva, 2008), dois observaram os sujeitos (Dias, 2006; Silva, 2008) e dois
utilizaram-se de diários de campo (Ávila, 2002; Silva, 2008). Somente um dos estudos
utilizou-se de filmagem e de conversas informais (Ávila, 2002).
A maioria dos pesquisadores não anunciou o tipo da pesquisa9, o que levou a
necessidade de inferência dos estudos, que foi realizada tendo como critério a origem dos
dados (estudo de campo ou documental). Desse modo, verificou-se um estudo de documentos
(Marcon, 1999), um estudo de caso (Ávila, 2002) e duas pesquisas de campo (Assis, 2004;
Dias, 2006).
No segundo campo temático, identificado como formação docente, os sujeitos foram
predominantemente os profissionais a quem a formação discutida nos trabalhos se destina
(Azevedo, 2000; Octaviani, 2003; Miguel, 2004). Além das educadoras, Miguel (2004)
utilizou-se de uma coordenadora, enquanto somente um dos estudos (Azevedo, 2005) utilizou
de formadores de professores e artigos de periódicos.
Quanto aos procedimentos para coleta de dados, a entrevista foi utilizada por todos os
pesquisadores (Azevedo, 2000; Octaviani, 2003; Miguel, 2004; Azevedo, 2005), enquanto
9 Dentre todos os trabalhos, somente cinco pesquisadores identificaram o tipo de suas pesquisas (Marcon, 1999;
Ávila, 2002; Miguel, 2004; Azevedo, 2005; Mattos, 2009).
72
dois autores se utilizaram também de observação (Azevedo, 2000; Miguel, 2004). Estudos
utilizaram, ainda, questionários (Octaviani, 2003), fotos (Miguel, 2004) e análise de artigos
(Azevedo, 2005).
O tipo de estudo mais utilizado nesse grupo temático foi a pesquisa de campo
(Azevedo, 2000; Octaviani, 2003); Azevedo (2005) utilizou da análise de conteúdo
qualitativa e Miguel (2004) descreveu seu trabalho como abordagem interpretativo-
qualitativa.
No último grupo, políticas educacionais, encontra-se a pesquisa de Haddad (1997) que
diferente dos demais estudos, utilizou-se de documentos, pesquisadores, profissionais do
campo e representantes de sindicatos de professores como objetos/sujeitos de sua pesquisa.
Como meio de coletar os dados, a autora realizou entrevistas, coletas de documentos, “visitas
de estudos” e estágios. Ressalte-se que, apesar de Haddad não ter anunciado o tipo de sua
pesquisa, que aqui foi classificada como pesquisa documental/de campo, salienta que não se
trata de estudo comparativo.
A partir dessas aproximações, pode-se verificar que entre os trabalhos que tratam das
práticas e da formação docente, alguns dados se repetem. Os sujeitos mais utilizados foram
os docentes, já que as investigações desses dois grupos se voltam para questões direcionadas a
esses sujeitos. O procedimento para a coleta de dados mais utilizado pelos pesquisadores dos
dois grupos foi a entrevista, enquanto que prevaleceu a pesquisa de campo como tipo de
pesquisa mais adotado pelos autores.
Ao observar o quadro anterior e sua descrição, é possível verificar regularidades e
singularidades, de modo a caracterizar aspectos mais gerais dos estudos selecionados como
amostra. Apresenta-se agora uma análise mais detalhada da produção, de modo a identificar
suas tendências.
2.3. Tendências investigativas dos estudos selecionados
Para facilitar a análise, os dados foram sistematizados em 3 eixos de modo a permitir a
visualização de seus principais elementos e a discussão das tendências apontadas por seus
autores. Optou-se por apresentá-los de acordo com o que os autores consideram como a
73
relação entre a educação e a sociedade, o binômio cuidar e educar, além do quadro teórico
referencial adotado pelos pesquisadores.
2.3.1. Relação entre educação e sociedade na produção acadêmica selecionada
Como meio de entender o modo pelo qual pesquisadores estabeleceram a relação entre
a educação e a sociedade, tal qual orientada pela teoria crítica da sociedade, foram coletados
os dados que indicam o que os pesquisadores consideram como função da escola e da
educação infantil, além de suas premissas quanto ao papel do Estado na educação, o que
permitiu que se chegasse ao seguinte quadro:
Quadro 4. Função da escola, da educação infantil e o papel do Estado nas pesquisas
selecionadas como amostra
Eixo temático Pesquisas Função da escola/ educação infantil Papel do Estado na educação
Práticas docentes
Marcon 1999
Escola: influenciada por diversas instâncias sociais que tornam sua função difusa.
EI: cuidar e educar (a educação deve decorrer dos cuidados)
Carta Magna e LDB se referem à creche como instituição escolar, o que não deve ser considerado.
Ávila 2002
Escola: oferecer ambiente estético, saudável, acolhedor e funcional como instituição coletiva para receber as crianças.
EI: espaço de cuidado e educação indissociáveis.
A partir da Constituição de 1988, a educação infantil passou a ser um direito da criança, um dever do Estado e uma opção da família.
Assis 2004
Escola: proporcionar por meio de práticas adequadas ao nível de desenvolvimento da criança, seu desenvolvimento.
EI: proporcionar de forma direta e intencional o desenvolvimento integral da criança.
Constituição Federal de 1988, LDB e RCNEI foram importantes por demonstrarem a complexidade e a importância das práticas pedagógicas.
Dias 2006
Escola: pautar no diálogo e negociação a busca do consenso em torno da proposta pedagógica, para tornar a instituição menos ambígua no seu caráter de divisão de funções com a família.
EI: papel integrador da consciência social e cultural, por meio do cuidar e educar.
Embora LDB, DCNEI e RCNEI caracterizem a integração do cuidar e educar, essa concepção está a mercê de diferentes apropriações.
Silva 2008
Escola: respeitar o principal direito da criança na instituição: o conhecimento.
EI: o desenvolvimento integral da criança, cuidado e educação, tendo o ensino como eixo articulador.
Os documentos evidenciam a não superação do caráter compensatório da educação infantil.
74
Mattos 2009
Escola: desenvolver trabalho que integre as atividades de cuidado e educação, firmar ideia de dupla função. Busca de trabalho que atenda às necessidades das crianças.
EI: Cuidar e educar as crianças de forma indissociável.
A LDB significou um grande avanço no campo da educação infantil, para recompor o cenário das instituições infantil.
Formação docente
Azevedo 2000
Escola: inserção crítica e criativa dos indivíduos na sociedade.
EI: privilegiar fatores sociais e culturais, reconhecer e valorizar diferenças em seu desenvolvimento e construção de conhecimentos.
LDB remete idéia de integração, mas apresenta estrutura fragmentada – creches e pré-escolas.
Octaviani 2003
Escola: agente mediadora do conhecimento, deve focar objetivos e considerar especificidades.
EI: responsável pela formação da personalidade e interpretação da realidade.
Constituição Federal de 1988 e LDB representaram avanço, mas levou à compreensão de criança como sujeito abstrato e não deu pistas de como tratar as diferenças culturais.
Miguel 2004
Escola: instituição de caráter educativo, diferente do escolar, com forma diferenciada na perspectiva das interações sociais e sofre variações de acordo com o contexto social.
EI: Cuidar e educar com objetivo social, educacional e político.
As prescrições legais da Constituição Federal de 1988 e da LDB não se concretizaram no dia a dia das instituições.
Azevedo 2005
Escola: privilegiar fatores sociais e culturais no processo educativo para implementar uma escola de qualidade.
EI: Contribuir para a inserção crítica e criativa na sociedade, considerando a diversidade.
Constituição de 1988 e a LDB superaram obstáculo, mas não garantiram dimensão educativa do atendimento infantil.
Políticas educacionais
Haddad 1997
Escola: centro de referência humana com estrutura funcional que oferece possibilidade de conciliar trabalho e cuidado dos filhos como apoio às famílias e ampliar as relações, experiências e aprendizagens das crianças.
EI: espaço de socialização com múltiplos referenciais de afeto e identificação e promover sua integração à sociedade.
A Constituição Brasileira atribui à educação infantil inequívoco caráter educacional, mas não garante, por si só, a unidade no atendimento.
As informações que compõem o quadro acima foram extraídas dos excertos dos
trabalhos (anexos 2 e 3) e aqui serão descritas de forma a aproximar os dados que se referem
às três temáticas privilegiadas pelos diferentes autores: Práticas docentes, formação docente e
políticas educacionais.
Tal aproximação permite evidenciar o que os autores consideram como função da
escola e da educação infantil e o papel que cabe ao Estado na educação das crianças.
Dos pesquisadores que se preocuparam com a temática das práticas docentes, é
possível aferir que consideram, de um lado, como função da escola, com base nas imposições
colocadas pela faixa etária, as funções de cuidar e educar, embora as instituições sofram
75
influências que tornam essa função difusa (Marcon, 1999), pois, sugere-se que deve oferecer
ambiente estético, saudável, acolhedor e funcional (Ávila, 2002) com práticas adequadas ao
desenvolvimento da criança (Assis, 2004). Mas parece não haver consenso sobre tais
orientações, uma vez que é proposto o diálogo e a negociação para superar as ambigüidades
que surgem por dividir funções com a família (Dias, 2006).
Por outro lado é apontada a necessidade de respeitar o principal direito da criança
numa instituição de ensino: o acesso ao conhecimento (Silva, 2008) e afirma para a escola, o
sentido de uma dupla função (Mattos, 2009).
Portanto, no que se refere à função da escola, os pesquisadores que se preocupam com
as práticas, sinalizam expectativas de que o cuidado e a educação devam ser privilegiados,
embora alguns reconheçam que as ambigüidades dessa orientação, tornam muitas vezes,
difusa a tarefa da instituição, o que torna necessária a discussão sobre seus fins, para que a
educação integral da criança seja construída.
Embora as funções da escola, pareçam dividir opiniões entre os pesquisadores, a
função da educação infantil se mostra mais unânime, na medida em que consideram o cuidar
e educar como ações indissociáveis (Ávila, 2002; Mattos, 2009), vêem a educação infantil
como aquela que possui um papel integrador da consciência social e cultural, ao atuar de
forma direta e intencional no desenvolvimento integral da criança (Assis, 2004; Dias, 2006) e
aponta o ensino como eixo integrador (Silva, 2008). A única divergência parece apontar para
uma orientação voltada para um atendimento ao desenvolvimento mais atitudinal ou
comportamental das crianças (Marcon, 1999).
Sobre o que consideram como função do Estado na educação, a maioria dos autores
que investigou questões em torno das práticas de professores afirma que as determinações
legais por si só, garantem a superação do caráter cindido entre cuidar e educar (Ávila, 2002;
Assis, 2004; Dias, 2006; Mattos, 2009). O que muda, é o modo como se concebe tais
determinações, ou seja, é a apropriação da legislação que dificulta a integração entre o cuidar
e o educar.
Ainda sobre o que consideram sobre a legislação, afirmam que a transferência das
creches para o sistema de ensino não basta para superar a dicotomia entre cuidar e educar,
mas que as mudanças devem partir de uma visão plural entre produção teórica, legislação e
agentes envolvidos (Marcon, 1999) ou da superação da baixa qualidade das instituições de
educação infantil (Silva, 2008).
Como meio de estabelecer a relação entre o que os autores consideram como função
da educação infantil e o papel do Estado na educação, os dados das pesquisas são descritos a
seguir.
76
A função da creche está ligada àquilo que possui de mais específico: o cuidado
(Marcon, 1999). Esta função não deveria ser desconsiderada ou criticada, conforme diversos
estudos10 vinham fazendo à época do estudo do autor mencionado, pois a partir dessa função,
é que seria possível incorporar dados da cultura e do meio. Desse modo, afirma que as
divergências de interpretação da Constituição de 1988 e da LDB de 1996, fizeram com que a
creche passasse a ser entendida a partir de então, como instituição educacional.
Para o autor deve haver um caráter de continuidade na creche em relação às suas
características de cuidados, que não pode ser desconsiderado, mas ao mesmo tempo defende a
necessidade da creche ser considerada uma instituição educativa. Afirma que para a
efetivação prática dos dispositivos legais a letra da lei não seria suficiente, mas decorreria de
influências advindas da produção teórica, da própria legislação e dos agentes envolvidos
(crianças, pais e funcionários), que a partir de uma visão plural, se empenhariam na satisfação
das necessidades infantis.
Ao tratar das práticas educativas de professoras de crianças pequenas em instituições
de educação infantil, Ávila (2002) afirma que este é um espaço de cuidado e educação
indissociado e indissociável, e que na esfera pública, “o cuidado e a educação equivalem ao
direito à educação para as crianças de 0 a 6 anos” (Ávila, 2002, p. 126).
A função da educação infantil conforme Assis (2004), decorre do objetivo da
educação, que diz respeito tanto a identificação dos elementos culturais que devem ser
assimilados pelos indivíduos para que se tornem humanos, quanto a descoberta das formas
para atingir esse objetivo. Portanto, a função da educação infantil para Assis
é proporcionar de forma direta e intencional o desenvolvimento da linguagem, da orientação espacial e temporal, da percepção sensorial, da inteligência, dos sentimentos, da vontade, da autoconsciência, do auto-controle, da auto-avaliação, da atenção, da memória, da imaginação, por meio da atuação do professor (...). (Assis, 2004, p. 34)
Essa autora reconhece a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases e o
Referencial Curricular Nacional como exemplos legais do reconhecimento que a educação
infantil vem adquirindo, além de segundo ela, representarem ruptura do viés assistencialista
que marcou a história da educação infantil no Brasil.
A partir dos dados obtidos do estudo de Dias (2006), a função da instituição de
educação infantil está ligada a uma tendência crítica, por considerar sua importância como
local para aquisição de consciência social e cultural, de forma a contribuir para a inserção
crítica e criativa das crianças na sociedade.
10 Segundo o autor, Campos (1988, 1989, 1992), Kishimoto (1988), Kramer (1989) e Kuhlmann Jr. (1998).
77
A autora considera que a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente
e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional conferiram um novo estatuto para a
educação infantil ao integrá-la ao sistema educacional, pois ao se tornarem responsabilidade
das secretarias de educação, creches e pré-escolas englobariam as funções de cuidar e educar,
de forma a eliminar a dicotomia. Por considerar que legalmente o problema da dicotomia
estava solucionado, o modo como professores e outros profissionais ligados à educação
concebem essa determinação é que deveria ser verificado.
Silva (2008) defende “uma escola que consiga abrir o mundo da criança por meio da
apropriação da cultura humana presente nas ciências, artes e letras.” (p. 22, grifo no original),
o que deve ser realizado através da integração da educação e cuidado para o desenvolvimento
integral da criança.
Quanto ao papel do Estado na educação infantil, afirma que não basta transferir as
creches para os sistemas de ensino para que seja garantida a superação do caráter
compensatório, pois o que precisa ser superada é a baixa qualidade da educação destinada às
crianças pobres. Para a autora, as políticas públicas não se voltam para o desenvolvimento
integral da criança, mas pautam-se na teoria construtivista por atender as demandas materiais
e ideológicas da realidade social em que se insere a educação brasileira.
O último estudo que compõe esse agrupamento (Mattos, 2009) defende que as
determinações legais relacionadas à educação infantil significaram um grande avanço quanto
às funções da creche e da pré-escola, cuidar e educar crianças de forma indissociável. A
defesa da dupla função dos termos cuidar e educar representou um salto qualitativo em
relação ao atendimento das necessidades das crianças de zero a três anos, mas o que precisa
ser questionada é a incompreensão e o uso dos termos, que acaba por gerar equívocos na
prática cotidiana.
Do segundo agrupamento, que como já destacado, é composto pelas investigações que
tratam da formação docente, a maioria dos autores considera que é função da escola
contribuir para a inserção crítica e criativa dos indivíduos na sociedade, respeitando
especificidades ao privilegiar fatores sociais e culturais na busca por qualidade (Azevedo,
2000; Octaviani, 2003; Azevedo, 2005) e somente um autor (Miguel, 2004) atribui à escola
um caráter educativo diferente do escolar e único em função do contexto em que está inserida.
Os autores que pesquisaram questões relacionadas à formação docente, consideram
que a legislação voltada à educação infantil, atrelada à função do Estado, representou um
avanço. Porém, para Octaviani (2003), o reconhecimento da creche e da pré-escola como
lugares da educação infantil foi importante, mas trouxe o problema da escolarização precoce.
Por sua vez, Miguel (2004) afirma que esse reconhecimento superou a dicotomia entre cuidar
78
e educar. Em contrapartida, outros autores desse agrupamento consideram que a divisão em
creches e pré-escolas, pelo contrário, reforçou o caráter cindido entre cuidar e educar
(Azevedo, 2000; Azevedo, 2005)b
Assim como no primeiro agrupamento, as considerações dos autores são descritas a
seguir, de modo a relacionar o que consideram como função da escola e/ou da educação
infantil e a função do Estado na educação.
Os fatores sociais e culturais são os mais relevantes para a implementação de uma
escola de qualidade para crianças de zero a seis anos, escola essa que se identifique com uma
educação para a cidadania (Azevedo, 2000). Tal educação deve promover a inserção crítica e
criativa dos indivíduos na sociedade, já que o projeto de educação e o projeto de sociedade
são indissociáveis, ou seja, por meio da educação se forma o modo de pensar e agir no social.
Apesar de ser empregado na LDB o termo educação infantil como meio de integração
das crianças de zero a seis anos, o atendimento em creches para as crianças de zero a três anos
e em pré-escolas para crianças de quatro a seis anos, representou uma fragmentação da
estrutura pedagógica, o que significa retroceder para um momento anterior a Constituição
Federal.
De acordo com (Octaviani, 2003) a sociedade deve preocupar-se com a educação de
todas as crianças, pois o desenvolvimento dos indivíduos acontece por intermédio das
relações sociais. A partir dessa perspectiva, a educação infantil não deve restringir-se à
alimentação, higiene e guarda, mas tem como função a formação de sujeitos autônomos e
críticos, com a promoção da personalidade e da capacidade de interpretação da realidade.
Embora a Constituição Federal, o ECA e a LDB estabeleçam a educação como direito
de todos, o que pode ser considerado como avanço, a garantia desse direito deve ser realizado
pela luta por uma política pela expansão da educação infantil por meio do esforço de diversas
esferas da sociedade. Desse modo, a democratização dos direitos não seria suficiente; deve vir
acompanhada da democratização das oportunidades de acesso e permanência em instituições
de qualidade, o que pode propiciar a emancipação das crianças de todas as camadas da
população.A inclusão da creche e da pré-escola na educação básica levou a equivocadas
argumentações que encaminharam à implementação de projetos escolarizantes na educação
infantil, de modo a desconsiderar as especificidades da infância. Desse modo, os objetivos da
educação de crianças pequenas devem estar voltados à criança e não ao ensino fundamental.
A solução encontrada pela LDB quanto à divisão das crianças em creches e pré-
escolas segundo o critério de idade apenas, é considerada suficiente por Miguel (2004) pois,
para ela, essa determinação supera a antiga dicotomia ao estabelecer que a função das duas
79
instituições sejam a de cuidar e educar as crianças de forma idêntica. Dessa premissa decorre
o argumento de que a creche e a pré-escola têm um objetivo social ao apoiar a questão das
mulheres e dos homens de todos os segmentos como participantes da vida social, econômica,
cultural e política. O objetivo educacional está atrelado ao político, pois a autora considera
que a aprendizagem das crianças, o que permite irem mais longe no processo de
desenvolvimento, deve estar atrelado à formação do cidadão, já que desde que nasce a criança
é assim considerada. As determinações legais bem como os documentos (Constituição
Federal, ECA e LDB, RCNEI e DCNEI), consideram as crianças como sujeitos de direitos,
cidadãos em processo, mas que dependem para sua efetivação, do trabalho cotidiano dos
profissionais – que, no entanto, não possuem formação adequada – e dos pais e mães
oprimidos – ainda pouco participativos e que não reconhecem a creche como direito, mas
como um favor concedido pelo Estado.
Para Azevedo (2005), a função da educação infantil é contribuir para a inserção crítica
e criativa dos indivíduos na sociedade, como meio de favorecer a formação de pessoas
interessadas e capazes de contribuir para a transformação do contexto social, mas embora
possa ser considerada importante na superação de um obstáculo, a Constituição Federal e a
LDB não garantem por si só a função educativa da educação infantil, pois não são somente as
instituições que não têm caráter educacional; os órgãos públicos da educação, os cursos de
pedagogia e as pesquisas que não se ocupam dela como deveriam. As políticas educacionais
reforçam o caráter cindido entre educação e cuidado, quando a educação infantil é separada
entre creches e pré-escolas, ou seja, embora se diga que entre as duas instituições não há
distinção de objetivos e finalidades, implicitamente se remonta, segundo o autor, a ideia
anterior de que às crianças de 0 a 3 anos se oferece cuidados (na creche) e às maiores se
oferece educação (na pré-escola).
No último agrupamento, referente ao trabalho que trata de políticas educacionais
(Haddad, 1997), a creche como instituição, tem como função ser um espaço que permite às
crianças ampliar conhecimentos e construir concepção de mundo, além de servir de apoio às
relações familiares, por possibilitar que a mulher seja inserida no mundo do trabalho com
maior tranqüilidade, além de permitir que se libertem do trabalho doméstico ou da renúncia
das próprias necessidades em detrimento dos filhos. Desse modo, o papel do Estado é o de
promover um atendimento unificado, apoiar todas as famílias e não somente à dos mais
pobres, nos cuidados, educação e socialização das crianças, de modo a contribuir tanto para a
80
vida familiar como para a sociedade como um todo. Portanto, a Constituição Federal de 1988
representou uma transição rumo a uma política unificada, pois atribui à creche caráter
educacional, mas a absorção das creches pelo sistema de ensino não garante a unidade de
atendimento.
Ao focalizar todas as pesquisas que compõem a amostra selecionada para este estudo,
é possível afirmar que se dividem entre as que consideram como função da escola e/ou da
educação infantil a apropriação dos elementos culturais para a inserção crítica e criativa dos
indivíduos na sociedade (Azevedo, 2000; Octaviani, 2003; Assis, 2004; Azevedo, 2005; Dias,
2006, Silva, 2008), o cuidar e educar (Marcon, 1999; Ávila, 2000; Miguel, 2004; Mattos,
2009) ou a ampliação de conhecimentos das crianças e apoio aos seus familiares (Haddad,
1997).
Portanto, com base nas informações descritas, é possível afirmar que a maioria dos
autores considera como função da educação infantil o desenvolvimento integral da criança,
mas o fato de uma parte deles considerar como função a articulação entre o cuidar e educar,
parece denotar uma visão “estreita” a respeito do que se espera da educação na primeira
infância.
A respeito das determinações legais, as pesquisas consideram que a legislação garante
a superação da dicotomia entre o cuidar e educar, mas que concepções equivocadas não
permitem que o binômio se efetive em instituições de educação infantil (Ávila, 2002; Assis,
2004, Miguel, 2004; Dias, 2006, Mattos, 2009), outras pesquisas consideram ainda que a
transferência das creches para os sistemas de ensino não permite a superação da dicotomia
entre o cuidar e educar (Marcon, 1999; Azevedo, 2000; Azevedo, 2005; Silva, 2008) e uma
autora (Haddad, 1997) afirma que a Constituição Federal de 1988 representou avanço em
direção a uma política unificada, mas que a transferência das creches para o sistema de ensino
não garante a unidade do atendimento.
É consensual a consideração do avanço da lei em relação à educação infantil - o
problema, segundo uma parte dos autores, é a aplicação da lei ou a transformação das
orientações em práticas educativas, o que para eles depende das apropriações de professores
para sua efetivação. Mas será que é só isso? Será que a partir do momento que os professores
“entenderem” o que está na letra da lei, as crianças serão cuidadas e educadas em instituições
de educação infantil? O que os autores parecem considerar é que a luta pela educação infantil
81
e por sua qualificação (principalmente dos professores) se insere na luta pela democratização
da educação e da própria sociedade.
De outro lado, não há consenso sobre a separação da educação infantil em creches e
pré- escolas: alguns autores vêem isso como positivo, pois confere caráter educativo à creche;
outros vêem como negativo, pois perpetua a cisão entre o cuidado e a educação, embora se
prescreva justamente o contrário.
Após a visualização das considerações dos autores sobre as funções da escola e/ou da
educação infantil e sobre o papel do Estado na educação de crianças pequenas, os dados
descritos a seguir referem-se ao que consideram sobre criança/infância e como concebem a
educação e o cuidado em suas pesquisas.
2.3.2. O tratamento dado ao binômio cuidar-educar
A relação entre o cuidar e educar, do modo como os diferentes pesquisadores a
consideram, passa pelo entendimento de como entendem a criança e sua infância, e desse
modo, o quadro a seguir sintetiza os dados extraídos das pesquisas.
Quadro 5. Considerações dos pesquisadores sobre criança/infância e a relação com o
cuidado e a educação
Agrupamentos Pesquisas Criança/Infância Cuidado/Educação
Práticas docentes
Marcon 1999
Ainda não internalizaram padrões de conduta socialmente aceitos ou não dispõem de condições orgânicas desenvolvidas.
Atividades de alimentação e higiene, além de atividades de iniciação ao mundo da escrita e outras atividades que fazem parte da demanda da criança.
Ávila 2002
Inteira, membro de uma classe social situada histórica, social e culturalmente.
Prática indissociável por meio dos conhecimentos sociológicos, pedagógicos e higiênico-sanitários.
Assis 2004
Nascem prontas para aprender por meio de interações.
Prática educativa a partir da brincadeira.
Dias 2006
Fase mais importante do desenvolvimento humano.
Ludicidade, expressão de várias linguagens.
Silva 2008
Contempla aspectos biológicos, históricos e sociais
Ensino que perpassa o educar, sem excluir o cuidar
Mattos 2009
Ser humano completo e em pleno desenvolvimento.
Atividades de alimentação, higiene, interação e brincadeira.
82
Formação docente
Azevedo 2000
Ser histórico e social, completo.
Atividades de alimentação e higiene, além de atividades que tomem a criança como ponto de partida.
Octaviani 2003
Sujeito concreto, desenvolve-se por meio da interação com objetos e fenômenos humanos.
Processo colaborativo que ultrapassa relações de poder.
Miguel 2004
Sujeito de direitos, cultural, com vez e voz no cenário cultural.
Alimentação, higiene e acesso ao saber historicamente construído.
Azevedo 2005
Ser histórico e social. Conjugar atividades de alimentação, higiene e atividades que tomem a criança como ponto de partida.
Políticas educacionais
Haddad 1997
Ser social e produtor de conhecimentos
Cuidado-educação-socialização deve responder às necessidades das crianças e da família.
Os dados do quadro permitem visualizar diferenças e semelhanças dos estudos a
respeito das considerações sobre a criança ou a infância e sua relação com o cuidar e o educar
na educação infantil.
Em aproximação aos trabalhos que tratam das práticas docentes, foi possível observar
que apenas uma das pesquisas (Marcon, 1999) se refere à criança como ser incompleto,
enquanto que as demais consideram que apesar de estarem em fase importante do
desenvolvimento, as crianças são indivíduos inteiros, que fazem parte de um contexto social,
cultural e histórico.
Ao tratarem do binômio, as pesquisas dividem-se entre as que consideram como de
caráter integrado as atividades de higiene, alimentação e atividades que partem da demanda
das crianças (Marcon, 1999; Ávila, 2002; Mattos, 2009), as que consideram a importância da
brincadeira como meio de integração entre o cuidar e o educar (Assis, 2004; Dias, 2006),
além de autora que considera o ensino como meio de integração entre cuidar e educar (Silva,
2008).
As considerações dos autores sobre infância/criança e sua relação com o cuidar e
educar, será descrito a seguir, de modo que seja possível visualizar como as pesquisas que
tratam das práticas docentes encaminharam suas discussões a esse respeito.
Para Marcon (1999), as creches já possuem caráter de cuidados e de educação, pois se
as atividades de cuidado (alimentação e higiene) não forem consideradas educativas, pouco
resta a fazer com crianças pequenas que ainda não possuem qualquer habilidade motora e
simbólica. Em contrapartida, as atividades voltadas à iniciação ao mundo da escrita são
consideradas importantes por fazerem parte da demanda das crianças, que deve guiar o teor da
educação no interior das instituições de educação infantil. Já a superação da dicotomia entre o
83
cuidar e o educar deve ser baseada na experiência italiana desenvolvida em Reggio Emilia,
que organiza a educação infantil sobre o trinômio crianças, profissionais e pais, de modo a
desenvolver atividades múltiplas como meio de expressão das cem linguagens da criança.
Ávila (2002) considera a criança um sujeito de direitos, produto de pesquisas,
observações e estudos. Por serem ativos, competentes e exploradores, o cuidar e o educar
assume importância por se tratar de atividade complexa, com dimensão afetiva, cultural,
histórica e social para ambos, adultos e crianças. Os conhecimentos sociológicos, pedagógicos
e higiênico-sanitários envolvem todas as ações educativas, o que torna o cuidar e o educar
indissociáveis.
Destaque-se, de outra parte, a concepção de Assis (2004). Para ela, as crianças já
nascem prontas e desde cedo aprendem por meio das interações que estabelecem com os
objetos e com as outras pessoas. Portanto, a superação da dicotomia entre o cuidar e educar
deve ser realizada por intermédio de um novo entendimento do que seja educar, não como
prática comum ao ensino fundamental, o que deixaria o cuidar em segundo plano, mas um
entendimento do educar a partir da brincadeira.
As pesquisas científicas geraram teorias que ampliaram a visão sobre as necessidades
da infância e fizeram com que essa fase se afirmasse como a mais importante do
desenvolvimento humano. Essa é a perspectiva de Dias (2006), que considera que a infância
representa o início da humanidade, devendo ser educada para alcançar o máximo da
humanidade possível. É nessa perspectiva que se assenta a noção de que o cuidado e a
educação devem ser prazerosos, devem ser considerados a partir da ludicidade e da expressão
de várias linguagens, tudo isso por meio de um projeto com intenção pedagógica, que deve ser
constituído pelos professores.
A infância corresponde ao período de formação inicial da personalidade, do
desenvolvimento de mecanismos de conduta, tal como define Silva (2008) e, portanto, a
concepção de criança contempla aspectos históricos e sociais e não só fatores biológicos, o
que representa um processo histórico-dialético. Ao entrar na escola, a criança possui suas
próprias habilidades culturais, ainda que não tenha sido forjada pela influência do ambiente
pedagógico, mas pelas suas próprias tentativas primitivas para lidar com tarefas culturais.
Desse modo, o que deve ser considerado é o ensino, que da perspectiva da Psicologia
Histórico-Cultural, visa o desenvolvimento integral da criança. O ensino perpassa o trabalho
educativo como ato de produzir a humanidade construída histórica e coletivamente em cada
indivíduo sem excluir o cuidar, que também deve ser considerado como ensino.
Mattos (2009), por seu turno, também considera a criança como um sujeito de direitos,
ser humano completo e em pleno desenvolvimento que precisa dos adultos para ser cuidada e
84
educada. O cuidado, dessa perspectiva, inclui todas as atividades que são integrantes do
educar, ou seja, além de alimentar, lavar, trocar, deve-se ajudar o outro a crescer e a
desenvolver-se, em uma relação que passa prioritariamente, pelo afeto e pela interação.
No segundo agrupamento tal como descrito no quadro acima, encontram-se os
trabalhos que tratam da formação docente. A partir dos dados do quadro, foi possível verificar
ainda, que os autores consideram a criança como ser histórico, social, cultural (Azevedo,
2000; Octaviani, 2003; Miguel, 2004; Azevedo, 2005) e que o cuidar e educar equivale a
atividades de alimentação, higiene e atividades que permitam o acesso ao saber
historicamente construído (Azevedo, 2000; Miguel, 2004; Azevedo, 2005), ainda foi
considerado um processo colaborativo entre crianças e adultos, em que as relações de poder
são ultrapassadas por outras formas de relacionamento (Octaviani, 2003).
As considerações dos autores a respeito serão descritas abaixo, de modo a possibilitar
o estabelecimento da relação entre elas.
Para Azevedo (2000), a criança é um ser histórico e social que, embora em
desenvolvimento, não é considerado incompleto. Portanto, deve ser tomada como ponto de
partida para as discussões, reflexões e práticas, o que permite considerar que, por meio de um
trabalho pedagógico integrado, o cuidado e a educação se tornem práticas indissociáveis.
O mesmo argumento sustenta a concepção de Octaviani (2003). A criança é um sujeito
histórico, concreto, produtor e produto do conhecimento historicamente elaborado, que se
desenvolve por intermédio da relação com o mundo e que deve ser tomado como elemento
central para a organização do nível de ensino. Reconhecer a capacidade das crianças desse
ponto de vista faz com que o cuidado e a educação sejam entendidos como um processo
colaborativo em que as relações de poder devem ser ultrapassadas, ou seja, o processo de
ensino deve ser considerado uma via de mão dupla em que professores e alunos se relacionem
em condições de igualdade.
Da perspectiva que define a criança da atualidade como “verdadeira”, ser ativo que
pode se tornar cada vez mais competente, que constrói história e que é sujeito de direitos,
Miguel (2004) afirma que o cuidar e o educar devem estar adequados à faixa etária, de modo
a garantir ao mesmo tempo a assistência às necessidades e o acesso ao saber historicamente
construído.
Em uma linha de análise que entende educação como preparação, Azevedo (2005)
define a criança como ser histórico e social, que se transforma com o passar do tempo e varia
85
conforme o grupo ao qual pertence. Também ressalta que a criança, sendo social, já faz parte
da sociedade. Desse modo, a necessidade de educar as crianças além de cuidar, se fez em
função das transformações e exigências políticas e sociais e pela necessidade de preparar o
adulto de amanhã. A superação da dicotomia entre cuidado e educação pode ser alcançada por
meio de um trabalho pedagógico integrado, de práticas pedagógicas indissociáveis. Não se
trata de inverter prioridades, mas de conjugá-las, forjando um novo conceito de educação
infantil como espaço de educação e cuidado.
No trabalho que compõe o agrupamento referente às políticas educacionais, sua autora
postula que a criança tem capacidade para produzir conhecimento e participar ativamente de
seu processo de socialização (Haddad, 1997). A “ideologização” de um padrão de família
considerado natural e universal vincula à creche a ideia de falta da família, o que acaba por
nivelar o conceito de criança como alguém que precisa ser assistido, cuidado, protegido. A
responsabilidade compartilhada pela criança, em uma perspectiva de cooperação entre todas
as partes envolvidas (crianças, homens, mulheres, pais, empresas, sindicatos, governos e
sociedade em geral) faz com que a educação infantil deva ser objeto de investimento dos
vários setores (Trabalho, Planejamento, Educação, Promoção Social, Saúde, Cultura etc.).
Ainda que de acordo com a autora, estamos munidos de instrumentos para superar a
dicotomia entre cuidado e educação no nível do microssistema (da atuação direta da criança),
isso não é suficiente para um atendimento que contemple as necessidades das crianças e das
famílias. Para isso é necessário superar a dicotomia no nível do exossistema (das políticas e
dos programas), por meio de uma visão que considere a relação entre a vida da criança e o
contexto social. Portanto, o atendimento infantil nessa perspectiva deve conduzir a uma
política nacional de educação infantil como sistema multifuncional, considerando tanto as
experiências mais diretas da criança no ambiente institucional e familiar, quanto questões
macro-sociais, novas relações entre homens e mulheres que conduzem a formas
compartilhadas de cuidado e educação, de modo que o cuidado-educação-socialização
respondam as necessidades das crianças e da família.
É possível afirmar que, após a descrição das considerações de todos os autores, a
maioria deles considera a criança como ser histórico, social e cultural e que somente um dos
estudos (Marcon, 1999), revela uma concepção de criança como ser incompleto. Quanto ao
cuidar e educar, as considerações dos autores tomam direções diferentes. Alguns afirmam que
86
as atividades de higiene e alimentação, além das atividades que permitam o acesso ao saber
historicamente construído ou que partem da demanda das crianças, equivalem ao binômio
(Marcon, 1999; Azevedo, 2000; Ávila, 2002; Miguel, 2004; Azevedo, 2005; Mattos, 2009),
outros consideram que a integração entre o cuidar e educar deve se dar por meio da
brincadeira (Assis, 2004; Dias, 2006), do ensino (Silva, 2008), de um processo colaborativo
entre crianças e adultos, em que as relações de poder são ultrapassadas (Octaviani, 2003), ou
ainda, de uma visão que considere a relação entre a vida da criança e o contexto social.
Desse modo, foi possível verificar as relações que os autores estabeleceram entre a
criança/infância e o cuidar e educar, de maneira a verificar algumas tendências de suas
investigações. Tais tendências podem ser verificadas ainda, por meio do referencial teórico
adotado pelos diferentes autores e sua relação com a educação infantil. É o que se verá a
seguir.
2.3.3. Quadro teórico de referência dos estudos selecionados
Para organização do quadro teórico, foram privilegiadas as informações extraídas dos
trabalhos referentes aos autores utilizados em suas análises, as chaves de análise decorrentes,
a teoria a qual se vinculam, além da perspectiva de análise de seus estudos. Quanto a
classificação dos estudos de acordo com as perspectivas de análise, conforme constatado em
estudo anterior que também analisou a produção científica:
Há que se assinalar aqui a existência de certa dificuldade em classificar uma pesquisa como pertencente a uma determinada perspectiva teórica, mesmo porque os pesquisadores das Ciências Sociais (Sociologia, Antropologia, Pedagogia etc.) quase sempre, apesar de suas especialidades, transitam, em suas explicações sobre os fenômenos sociais, pelas várias das ciências humanas. (Ledo, 2009, p. 76)
Desse modo, foi realizada classificação com base nos autores utilizados como apoio
teórico, além do tema ao qual a pesquisa se vincula. É importante ressaltar que apesar da
Educação ser a área de concentração de todas as pesquisas selecionadas, os pesquisadores
utilizaram-se de diferentes perspectivas teóricas (as vezes mais do que uma), para explicar os
fenômenos.
87
Quadro 6. Quadro teórico de referência dos trabalhos selecionados
Agrupamentos Pesquisas Autores Chaves teóricas Teoria Perspectiva
teórica
Práticas docentes
Marcon 1999
Ginzburg, Nóvoa, Perrenoud, Bardin
Cuidar e educar - Malaguzzi, Rinaldi, Filippini, Vecchi, Spaggiari
Paradigma indiciário
Análise de conteúdo
Teoria das cem linguagens
História/
Educação
Ávila 2002
Bonomi, Musatti, Cipollone, Foni, Siebert, Fortunati e Tognetti, Galardini, Cocever, Arrigoni, Fulvia Rosemberg, Maria Malta Campos, Cerisara, Saparolli, Búfalo, Prado, Rocha, Strenzel, Silva Filho.
Cuidar e educar – Malaguzzi, Ghedini, Mantovani e Perani, Ongari e Molina.
Gênero feminino
Atuação profissional
Teoria das cem linguagens
Educação
Assis 2004
Vygotsky, Leontiev, Luria, Galperin, Elkonin, Davidov, Zaporózhets
Cuidar e educar – Sônia Kramer, Kuhlmann Jr.
Representação Social
Brincadeira Sócio-histórica
Psicologia/
Educação/
História
Dias 2006
Moscovici Representação Social Psicossociológica das representações
sociais Psicologia
Silva 2008
Vygotsky, Elkonin, Leontiev, Bozhovich, Zaporózhets, Davidov
Cuidar e educar – Vygotsky
Desenvolvimento psicológico
Psicologia histórico-cultural
Psicologia
Mattos 2009
Vygotsky
Cuidar e educar – Vygotsky, Maria Malta Campos, Sonia Kramer
Desenvolvimento humano
Interação social
Teoria histórico-cultural
Psicologia/
Educação
Formação docente
Azevedo 2000
Kuhlmann Jr., Perez Goméz, Sonia Kramer
Cuidar e educar – Sonia Kramer
Criança educação infantil perfil profissional formação docente
Tendências pedagógicas -
romântica, cognitiva e crítica.
Construção teórico-metodológica do
movimento histórico.
História/
Educação
88
Octaviani 2003
Vygotsky, Leontiev, Petrovsky, Elkonin
Cuidar e educar – Maria Malta Campos, Fulvia Rosemberg
Processos de desenvolvimento
psíquico
Estágios do desenvolvimento
infantil
Referencial histórico-cultural
Psicologia/
Educação
Miguel 2004
Piaget, Vygotsky, Wallon, Mantovani, Becchi, Camaioni
Cuidar e educar – Maria Malta Campos
Desenvolvimento da criança
Desenvolvimento cognitivo
Psicologia/
Educação
Azevedo 2005
Kuhlmann Jr., Perez Goméz, Kramer
Cuidar e educar – Sonia Kramer
Tendências pedagógicas -
romântica, cognitiva e crítica
Tendência crítica de educação infantil de
perspectiva histórico-cultural do
desenvolvimento humano
História/
Educação
Políticas educacionais
Haddad 1997
Urie Bronfenbrenner
Cuidar e educar - Urie Bronfenbrenner, Cochran
Microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema
contexto-pessoa-processo
Cuidado-socialização-educação
Ecologia do desenvolvimento
humano Psicologia
Ao visualizar os dados do quadro, foi possível verificar que os autores basearam suas
discussões teóricas em dois grupos de autores: um para tratar de questões mais específicas de
seus trabalhos ligadas ao tema que se propuseram a estudar e outro para basear suas
discussões sobre o cuidar e educar. Uma das pesquisas não anuncia a teoria ou autores
utilizados para tratar do cuidar e educar (Dias, 2006), o que indica a utilização da mesma
teoria que fundamenta sua pesquisa, quando aborda o cuidar e educar.
Quanto à teoria utilizada pelos autores, é importante salientar que as denominações
que constam no quadro acima foram extraídas das próprias pesquisas.
Dentre as pesquisas sobre práticas docentes, algumas basearam suas discussões sobre
o cuidar e o educar em autores italianos (Marcon, 1999; Ávila, 2002), em Vygotsky (Silva,
2008), em autores brasileiros como Kramer e Kuhlmann Jr. (Assis, 2004), em Vygotsky,
Campos e Kramer (Mattos, 2009) e, ainda, um estudo está fundamentado em Moscovici
(Dias, 2006), conforme será descrito abaixo.
Marcon (1999) baseia sua pesquisa em diferentes referenciais teóricos, como meio de
atingir seus objetivos. Utiliza-se de Ginzburg para buscar formas de conhecer a creche, de
89
Nóvoa e Perrenoud para investigar a que respondem as práticas dessa instituição e de Bardin
para analisar os documentos que obteve na creche estudada. Para apoiar suas considerações
sobre o cuidar e o educar, utiliza-se do “modelo reggiano” (Marcon, 1999, p. 38), por meio
de Malaguzzi, Rinaldi, Filipini, Vecchi, Spaggiari, e considera que a experiência construída
na Itália pode servir como referência para a superação da dicotomia cuidar e educar, uma vez
que nesse país a educação infantil é organizada sobre o “trinômio” crianças, profissionais e
pais por meio da teoria das cem linguagens.
Em seu estudo de mestrado, Ávila (2002) utiliza-se de diversos autores em sua
pesquisa, dentre eles, autores italianos e brasileiros para discutir questões ligadas à construção
da profissão do docente da educação infantil, e autores italianos para tratar do cuidar e educar
na educação infantil.
De outra parte, Assis (2004) utiliza-se da psicologia histórico-cultural como referência
para seu estudo sobre as representações de professoras, por este referencial reconhecer a
importância da aprendizagem e da escola como local privilegiado para a construção de
conceitos e conhecimentos, pela mediação entre as pessoas e por elucidar modos de organizar
o fazer docente na escola. A partir da perspectiva interacionista de Kramer e denominada pela
mesma autora como tendência crítica, afirma a existência de três dimensões indissociáveis e
essenciais ao desenvolvimento de crianças de zero a seis anos: “educar-cuidar-brincar”. Dessa
tendência, a autora assume as crianças como indivíduos que pertencem a grupos sociais
específicos e entende que a educação infantil deve contribuir para a inserção crítica e criativa
na sociedade.
Já Dias (2006) toma os estudos de Moscovici como referência de seu trabalho,
especialmente sua abordagem da Representação Social, para tratar da construção da
representação docente e a função do professor de educação infantil. O pressuposto da
Representação Social é de que o homem tem necessidade de compreender e dar significado à
realidade social de inserção e que, por meio da interação com o meio social, o homem e a
sociedade se concebem mutuamente. Desse modo, a importância do contexto social é
fundamental por tratar-se do espaço no qual a mediação entre indivíduos e fatos sociais
acontece, considerando as determinações históricas e o momento atual, além da história do
sujeito. Ao tratar do cuidar e educar, não anuncia nenhum autor ou teoria específica, mas
parece estar fundamentada nos pressupostos de Moscovici.
Silva (2008) também pesquisou as práticas educativas de professoras de educação
infantil e a relação entre cuidar e educar à luz da psicologia histórico-cultural. Utilizou-se de
90
Vygotsky, Elkonin, Leontiev, Bozhovich, Zaporózhets e Davidov para basear sua discussão
sobre o desenvolvimento infantil e o ensino para a promoção do desenvolvimento integral
humano. Justifica a escolha por este referencial teórico por acreditar que sua visão de
conhecimento, infância e trabalho docente pensa o desenvolvimento integral da criança e não
de forma fragmentada.
A psicologia histórico-cultural também comparece em outro dos trabalhos
considerados. Ao estudar as concepções de professoras de educação infantil, Mattos (2009)
utiliza-se do paradigma vygotskyano do desenvolvimento humano por acreditar que cuidar e
educar são faces da mesma moeda, ou seja, defende que aqueles que se relacionam com a
criança devem partir do cuidado caloroso, da interação e da brincadeira como meios de
estabelecer vínculos afetivos significativos e essenciais ao bem estar infantil, o que permite o
desenvolvimento integral. Assinala, igualmente, que a concepção contemporânea de cuidado e
educação inclui todas as atividades integrantes ao cuidar e, afirma, ainda que cuidar, dessa
perspectiva, tem uma amplitude maior e significa ajudar o outro a crescer e a desenvolver-se.
No segundo agrupamento, referente às pesquisas que tratam da formação docente, foi
possível verificar o privilégio conferido às análises feitas a partir dos estudos de Kramer
(Azevedo, 2000; Azevedo, 2005), Campos e Rosemberg (Octaviani, 2003) e Campos
(Miguel, 2004), conforme descrição a seguir.
Ao investigar as necessidades formativas de profissionais de educação infantil,
Azevedo (2000) baseia-se em uma construção teórico-metodológica do movimento histórico,
destacando os fatores sociais e culturais envolvidos no processo educativo. Com base na
tendência crítica de Kramer, afirma que as crianças pertencem a determinados grupos sociais
e que a escola deve contribuir para sua inserção crítica e criativa na sociedade, com vistas à
construção da autonomia e da cooperação, da responsabilidade e da comunicação e expressão
em todas as formas, particularmente ao nível da linguagem.
Por seu turno, mais uma vez a psicologia histórico-cultural se fez presente. Octaviani
(2003) pesquisou as concepções de educar das profissionais de educação infantil a partir da
perspectiva histórico-cultural e, para isso, utilizou-se dos estudos de Vygotsky, Leontiev,
Petrovsky e Elkonin. Afirma que o homem é sujeito de sua historicidade, se desenvolve por
intermédio das relações sociais e que, portanto, o desenvolvimento ocorre em dependência
das condições concretas de vida, por intermédio da interação. Reconhece que as crianças são
sujeitos ativos em seu processo de desenvolvimento e que as concepções de educação e
91
cuidado ultrapassam as relações de poder e devem ser colaborativas, ou seja, não se resumem
a fazer coisas pelo ou para o outro, pois o processo de ensino e aprendizagem deve se dar
como em uma “via de mão dupla”.
Como se pode observar até aqui, a psicologia é a grande referência para o estudo da
criança pequena e de sua educação. Desse modo, novamente verifica-se essa abordagem em
Miguel (2004). Ao investigar as tensões entre cuidar e educar de educadores de creche
anuncia a utilização dos pressupostos teóricos de Piaget, Vygotsky e Wallon, além de
discussões de Campos. Para a autora, entender o desenvolvimento das crianças a partir dos
estudos de Piaget, Vygotsky e Wallon se justifica por suas ideias terem impactado fortemente
a educação infantil desde meados do século XX, além dos três terem se aproximado das
crianças como objeto de investigação, de diferentes maneiras. Desse modo, o objetivo da
aproximação em relação aos autores é apresentar algumas contribuições em relação ao
desenvolvimento infantil, pois, segundo a autora, a partir de seus estudos abre-se um novo
conceito para o desenvolvimento cognitivo e para a construção do conhecimento sobre a
criança. De outra parte, baseia sua discussão sobre o cuidar e educar em Maria Malta Campos
e afirma que a perspectiva cuidar/educar exige um novo tipo de atuação dos profissionais de
creche, baseada na não-hierarquização das atividades e na não-segmentação dos espaços,
horários e responsabilidades dos diferentes profissionais envolvidos.
Por fim, Azevedo (2005), ao tratar da formação inicial de professores de educação
infantil e defender a necessidade de “desmistificação” entre o cuidar e o educar, baseia-se em
uma tendência crítica de educação infantil, de perspectiva histórico-cultural do movimento
humano, baseada nos estudos de Sônia Kramer, fugindo, em certo sentido, de uma
conceituação de natureza mais psicológica.
Ao versar sobre políticas educacionais, Haddad (1997) busca elementos para a
elaboração de um atendimento unificado que atendesse às necessidades, interesses e
potencialidades das crianças e de suas famílias. Por esse motivo baseia-se na teoria ecológica
do desenvolvimento humano de Urie Bronfenbrenner. Afirma que a abordagem sócio-
ecológica torna-se útil para compreensão de como os fatores ideológicos, culturais e sociais
influenciam as experiências e o desenvolvimento das crianças, além das pessoas que se
relacionam com elas. Baseia-se, ainda, nos estudos de Cochran, que defende o impacto dos
aspectos ideológicos, políticos e práticos do atendimento infantil sobre as políticas e
programas. Acredita que a expressão cuidado-socialização-educação, seja mais adequada para
92
a compreensão do que venha a ser um sistema integrado de cuidado e educação infantil, de
modo a garantir a unidade, integração e coerência no sistema de atendimento infantil.
O que se destaca é que a maioria dos autores investigou questões em torno do binômio
cuidar e educar por intermédio de uma perspectiva sócio-histórica, baseando seus estudos em
Campos e Kramer e na psicologia histórico-cultural de Vygotsky. De qualquer maneira, um
aspecto chama a atenção: apesar do reconhecimento da criança como ser social e com história,
o que poderia ensejar a busca por referências de outras áreas do conhecimento (sociologia,
antropologia, história), predomina o peso que a psicologia tradicionalmente exerce sobre os
estudos da área da educação. É verdade que se trata da infância e de sua educação, o que leva
às preocupações em relação ao desenvolvimento cognitivo e da personalidade. No entanto, os
aspectos culturais, históricos e escolares que influenciam nesse desenvolvimento ainda
parecem se constituir em pano de fundo para os estudos sobre crianças e sobre a infância.
Por fim, cabe trazer à discussão como os autores se posicionaram frente às proposições
que objetivam promover a articulação entre o cuidado e a educação da primeira infância. É o
que se faz na seqüência deste trabalho.
2.4. Proposições sobre o cuidar e o educar nas pesquisas analisadas
Diante das tendências apontadas até aqui, interessa saber quais as proposições dos
pesquisadores sobre o tema em questão.
O caminho encontrado por Haddad (1997), para que uma política universalize o
atendimento na perspectiva de um sistema unificado de cuidado e de educação, está voltado
para a mudança de ênfase da responsabilidade da família em relação à socialização da criança.
Para a autora, quando a socialização da criança for considerada tarefa compartilhada por toda
a sociedade, uma política abrangente e integrada passará a ser vislumbrada. A socialização da
criança encontra-se ameaçada por ideologias que afetam a autonomia da mulher, da criança e
o desenvolvimento da sociedade como um todo, além de dificultarem uma ação mais efetiva
do Estado como parceiro na solução de problemas tradicionalmente considerados da esfera
privada da família.
Somente por meio da consciência das reais condições em que se dá o processo de
socialização da criança e das informações sobre as implicações sócio-psicológicas desse
93
processo para o futuro da humanidade, será possível a mudança de concepção: do que era tido
como exclusivo de alguns para o que deve ser compartilhado por todos. Assim, para
atingirmos um “sistema ecológico” para o atendimento das crianças pequenas, discussões
sobre o tipo ideal de estabelecimento infantil ou o melhor currículo não farão sentido, na
opinião da autora, mas o reconhecimento das diversas necessidades relacionadas ao cuidado,
socialização e educação das crianças, por diferentes organizações culturais e sociais. Por isso,
é importante, ainda na visão da autora, nos manter alertas quanto à atualização de conceitos,
atitudes e valores, para que as políticas não tomem rumos que não atendam as necessidades e
valores de uma sociedade democrática.
De outra parte, ao investigar a creche como instituição educacional, Marcon (1999)
confrontou documentos encontrados em uma creche com parâmetros internacionais de
qualidade e verificou que as atividades de cuidado não são desenvolvidas em oposição às de
educação, mas que as primeiras têm uma dimensão educativa ao lado de outras que a creche
desenvolve em razão dos constrangimentos impostos pela clientela atendida. Tal
comprovação aponta para a necessidade de ruptura à acusação da creche enquanto instituição
que prioriza atividades de cuidados em detrimento das educativas, em um atendimento de
baixa qualidade.
Sobre os professores e sua formação destaque-se algumas considerações importantes
feitas por Azevedo (2000), ao afirmar que as necessidades formativas de professores
decorrem do modelo de formação inicial pautado na racionalidade técnica, ou seja, da
aplicação de regras, teorias e procedimentos às situações da prática pedagógica. Dessa
maneira constata que os professores não compreendem o desenvolvimento infantil de maneira
adequada, de modo a articular o aspecto lúdico à educação e que não levam em conta o
contexto sócio-cultural das crianças. Tendo isso em vista, propõe uma mudança de paradigma
na formação do professor: da racionalidade técnica à racionalidade prática.
O que deve ser priorizado na formação é a integração dos conhecimentos teóricos e os
problemas da prática, de forma a reconhecer e valorizar os saberes docentes constituídos na
prática pedagógica como fundamentais para, então, iluminá-los com a teoria. Ao partir do
pensamento prático do professor, outras necessidades formativas foram descritas pela autora,
como a de compreensão adequada das teorias psicológicas do desenvolvimento infantil, a de
visão crítica do aspecto lúdico na educação infantil, além da valorização do contexto sócio-
cultural na educação das crianças. Portanto, a formação inicial de professores desde uma
tendência crítica, deve incluir conhecimento teórico-prático da realidade na qual os
94
professores irão atuar, além de discussões e práticas que estimulem a atuação do professor em
uma perspectiva crítico-reflexivo, da compreensão da necessidade de articulação entre
cultura, conhecimento, educação e sociedade e da necessidade de considerar a criança em seu
contexto social e cultural como ponto de partida para elaboração de propostas para a sua
educação.
Da perspectiva de Ávila (2002), que investigou as práticas de professores e a
articulação entre o cuidar e o educar, foram reveladas relações hierárquicas entre professores
e monitoras de uma escola de educação infantil – não uma relação de mando e submissão,
mas uma relação que reproduz o modelo da sociedade capitalista na qual o trabalhador é
impedido de planejar suas ações e é expropriado do resultado delas. Verificou, ainda, que
monitoras e professoras possuem diferentes concepções sobre a forma de educar, embora
reconheçam a necessidade de partilhar suas ações. Segundo a autora, a explicitação dessas
diferenças contribui para a construção de uma pedagogia da educação infantil.
Outra autora, Octaviani (2003), ao investigar as concepções sobre educação de
profissionais de uma creche, como ponto de partida para a formação continuada, verificou que
as concepções das profissionais são reflexo de suas histórias de vida e de formação
insuficiente, pois, ainda que revelem a existência de alguma relação entre o cuidar e o educar,
as profissionais declararam não terem tempo para educar e consideram que brincar e educar
são conceitos antagônicos. Apesar de considerarem a brincadeira a atividade que proporciona
maior prazer para crianças e profissionais, a rotina a qual são submetidas às crianças faz com
que permaneçam um longo período em espera. O que é importante de destacar é o fato de que
são privilegiadas as atividades relacionadas à saúde (alimentação, higiene e descanso) e as
atividades “escolarizantes”, “porque tem que se acostumar desde pequenininho”; as
oportunidades de brincar são sempre definidas como algo que pode esperar ou que nem
precisa acontecer.
Quanto à formação, considera a autora que, do mesmo modo que as crianças, as
profissionais devem ser tratadas como elemento central para a organização das propostas,
sujeitos concretos que se desenvolvem por meio da interação com o mundo. Por fim, destaca
também que, apesar da importância de se considerar mudanças nas políticas educacionais
quanto à contratação de número maior de profissionais qualificados, disponibilização de infra-
estrutura que permita alteração nas rotinas, continuidade dos estudos das profissionais já
contratadas, formação continuada que leve em conta as necessidades e interesses dessas
profissionais, deve ser considerada a situação das administrações municipais, as quais
95
parecem não apresentar as condições financeiras necessárias para a educação infantil, dada a
responsabilidade com o ensino fundamental. Desse modo, acredita que, por meio da formação
contínua aliada às medidas do poder público para a valorização das profissionais, será
possível a transformação da prática social realizada pelas professoras, o que motivará a
participação dos pais e da comunidade na definição dos objetivos e na resolução de problemas
relacionados às crianças.
O estudo de Assis (2004), sobre a função da instituição escolar e da professora de
educação infantil, revelou que as professoras investigadas possuem uma representação
“escolarizante” da função da instituição e que, por isso, tendem a separar cuidar, educar e
brincar. Apesar de se reconhecerem como profissionais da educação infantil, se apegam à
transmissão de conteúdos e às práticas ligadas ao ensino fundamental, mesmo considerando a
importância da brincadeira para o desenvolvimento infantil. Para a autora, desse modo as
crianças não são consideradas sujeitos do trabalho pedagógico, e as professoras, com a
intenção de se assegurarem como profissionais de educação perante a sociedade, reafirmam a
dicotomia entre o cuidar e o educar. Tomando esses dados da realidade, defende que a
profissionalização dos cuidados e a ampliação do conceito de educação se constituem como
possibilidade de, por um lado, extinguir os indícios de “maternagem” que acompanham as
ações de cuidado e, por outro, superar as práticas escolarizantes que geralmente caracterizam
o trabalho na educação infantil.
Ao tratar da formação de professores da educação infantil, Miguel (2004), que
investigou as tensões entre o educar e o cuidar de crianças de zero a três anos, problematizou
a formação inicial e continuada e a elaboração de propostas pedagógicas para a creche. A
autora identificou que o profissional da creche atua como observador e organizador do
espaço, de modo a propiciar a participação cultural das crianças, e que a escola é vista como
espaço substituto da família ou de compensar “a ignorância familiar” (Miguel, 2004, p. 108).
Também notou a existência de ambigüidade entre a dimensão pública e a privada da vida, ou
seja, para algumas educadoras, o uso do banheiro ou aprender a comer são ações que as
crianças deveriam aprender em casa, o que, segundo ela, evidencia as tensões em relação às
funções e espaço de cada área educacional – creche e casa. Desse modo, afirma que às vezes
as educadoras parecem compreender a creche como complementar a família; outras vezes
parecem não compreender o cuidado atrelado à educação, o que se explica pelo momento de
transição em que a creche se encontra.
96
Já Azevedo (2005), em seu estudo de doutorado, investigou as implicações do binômio
cuidar-educar na formação de profissionais da educação infantil e como consideração final
constatou que o problema decorre de concepções inadequadas de criança, do perfil
profissional e do modo como se dá a relação teoria-prática, além do não reconhecimento
social dos profissionais da educação infantil. Para a autora, a concepção de criança é a
estruturadora da ação das profissionais da educação infantil, pois de acordo com o modo
como a concebem, planejam e desenvolvem o trabalho com elas.
Quanto ao perfil profissional, constatou a existência de uma dupla imagem
cristalizada do adulto: o “maternal”, que apenas cuida e para a qual não há formação
necessária e a “professora”, que foi formada para ensinar. A dualidade no perfil profissional é
reforçada pela formação docente, o que constitui um grande obstáculo para a definição de um
perfil profissional para a educação infantil. Defende que, a partir de reformulações no
currículo dos cursos de formação, encontraremos a superação do problema da separação
cuidar-educar, além de mudanças de âmbito político e social de reconhecimento profissional,
o que deve ser repercutido na formulação das políticas educacionais. Desse modo, os
formadores de profissionais de educação infantil devem se dedicar à (re) construção da
concepção de infância, à articulação entre teoria e prática, de modo a desenvolver uma
formação mais adequada que não enfatize a separação entre cuidar-educar. É preciso, ainda de
acordo com a autora, que haja um envolvimento maior do professor com sua profissão e, em
decorrência de tudo isso, um movimento maior de âmbito social e político de reconhecimento
da importância dos professores de educação infantil para a transformação da sociedade.
O estudo de Dias (2006), que investigou a imagem docente de professores de educação
infantil e o modo como se configura sua função, constatou que a identidade docente se
constitui a partir de mecanismos que se revelaram assistencialistas. Os professores acreditam
que garantir a qualidade da educação seja uma questão de diferenciar claramente o tipo de
tratamento dispensado nas creches e pré-escolas, reproduzindo a visão consagrada pela
tradição. De outro lado, destaca a prevalência de ações políticas fragmentadas com relação ao
atendimento das crianças, o que poderia ser suprido com redução do número de alunos por
turma. Desse modo, propõe a reestruturação física da escola, além da necessidade definir a
função de cada profissional da instituição por meio de gestão democrática, de modo a garantir
o atendimento da criança em sua integralidade. Por fim, constatou a permanência de uma
visão entre os professores que explica o desenvolvimento infantil do ponto de vista da
privação cultural e não das condições sociais e culturais das crianças e suas famílias e que as
97
concepções dessas professoras dicotomizam o cuidar e o educar, mas de modo que os
objetivos de suas ações giravam em torno basicamente de cuidar, moralizar e instruir. A
transformação desse quadro poderá acontecer quando os professores se apropriarem
conscientemente das imagens que condicionam a sua prática e adquirirem conhecimentos que
os levem a adquirir conceitos próprios de sua área de atuação.
O trabalho docente ainda está mais voltado para questões assistencialistas do que
educativas. Essa é também a conclusão de Silva (2008), que investigou as práticas educativas
e a relação entre o cuidar e o educar. Essa autora constatou que as crianças não têm
oportunidade de encontrar na escola um local para o aprendizado de conhecimentos
científicos e culturais. Dessa maneira, sugere que para haver a articulação entre o cuidar e
educar, desde o eixo do ensino, deve ocorrer uma mudança de posição do educador dentro da
escola, ou seja, de uma visão de facilitador do desenvolvimento e aprendizado da criança para
uma de promotor de desenvolvimento. Destaca a importância de estudos, como o realizado
por ela, por analisarem o cotidiano das escolas de uma perspectiva crítica. Esse é o meio de
apresentar a educação infantil da forma como está posta na prática em sala de aula,
considerando as relações políticas e sociais envolvidas nesse processo.
Como se pôde verificar, uma das principais conclusões dos trabalhos analisados é a de
que binômio cuidar-educar apresenta-se cindido nas práticas das profissionais de educação
infantil. Mattos (2009) assevera que isso acontece devido ao fato de que a adesão às novas
orientações quanto à importância da integração do cuidado e da educação no trato da primeira
infância, permanece no plano do discurso. Os diferentes níveis de formação das profissionais
não influenciam o modo como concebem cuidar e educar de criança pequena. Mais uma vez
se verifica que para os autores considerados é necessário fazer um forte investimento nas
políticas que de algum modo privilegiem a profissionalização de professores para a educação
infantil.
Dentre as tendências verificadas nas sugestões e recomendações dos pesquisadores, se
destacam: (a) persistência, na visão dos autores, da falta de articulação entre o cuidar e o
educar por diversos motivos : falta de investimento do Estado em políticas para a educação
infantil; o modelo de formação de professores em vigor no Brasil não contempla uma
pedagogia da educação infantil,; persiste uma concepção de infância e de educação que
consagra a separação tradicional entre educação (pré-escola) e cuidado (creche); d) a falta de
clareza em relação aos objetivos da educação infantil faz com que a prática do professor fique
entre a escolarização precoce e a assistência centrada na alimentação, na vigília e na higiene e
98
(b) As proposições dos autores giram em torno de dois eixos: implementação de políticas
voltadas para a educação infantil e reestruturação dos cursos de formação de professores de
modo que sejam preparados para atuar em conformidade com o que dispõe a compreensão
contemporânea sobre infância, criança e educação.
99
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O caminho percorrido por este estudo se iniciou a partir de indagações frente às
orientações legais e produções teóricas sobre a educação infantil que, em conjunto, indicam
necessidade do desenvolvimento integral da criança por meio de seu cuidado e educação.
Nesse percurso, o contato com a teoria crítica da sociedade foi crucial para a
“desnaturalização do olhar”, ou seja, para a compreensão de que a produção do conhecimento
deve caminhar rumo à emancipação e, para isso, deve explicitar os processos que geram os
eventos sociais e suas conseqüências para o sujeito, de modo que seja possível exercer a
crítica e vislumbrar mudanças na sociedade.
Ao iniciar o processo da pesquisa, foi realizada revisão dos estudos que se ocuparam
da produção acadêmica sobre a educação infantil, como meio de verificar o que havia sido
produzido sobre o tema em questão. Foi possível verificar que os estudos identificam
divergências em relação ao reconhecimento do avanço da produção acadêmica na área da
educação infantil, além da discordância relacionada à predominância das abordagens dos
estudos, variando entre a Psicologia e a Pedagogia.
A partir da constatação de que nenhum dos estudos que compõem a revisão de
literatura possui a perspectiva de análise apontada pela teoria crítica da sociedade, além da
identificação de número considerável de estudos sobre o cuidar e educar na educação infantil
no campo da Educação (Bremberger, 2009), foi confirmada a relevância do estudo sobre o
tema e realizado um segundo e pormenorizado levantamento, com a intenção de chegar ao
corpus da pesquisa.
Com base neste levantamento, constatou-se aumento significativo da produção
acadêmica brasileira sobre a educação da primeira infância após a promulgação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB-9394/96), o que possibilitou o delineamento
da questão de pesquisa: de que modo a educação e o cuidado de crianças pequenas são
tratados na produção acadêmica? Diante disso, o objetivo deste estudo foi analisar as
tendências investigativas das teses de doutorado e dissertações de mestrado, produzidas no
estado de São Paulo entre os anos de 1997 e 2009, que tratam do cuidar e educar da primeira
infância.
A partir desse encaminhamento e tendo como referência os conceitos de formação,
pseudoformação e racionalidade tecnológica, além da crítica à ciência, tal como orientada
pela teoria crítica da sociedade, duas hipóteses foram consideradas.
100
A primeira foi a de que, apesar dos pesquisadores defenderem e reconhecerem as
peculiaridades da creche e da pré-escola e de se posicionarem a favor do caráter integral da
educação infantil, não conseguem fugir da concepção de que a educação infantil deve visar à
preparação para o ensino fundamental. A outra hipótese foi a de que para justificar a educação
de crianças pequenas, os autores se utilizam de argumentos voltados para a importância da
inserção destes indivíduos na sociedade, o que remete à racionalidade tecnológica e à
pseudoformação dos indivíduos, uma vez que a formação do indivíduo é instrumentalizada
em função da concepção que toma a educação predominantemente como preparação.
Diante do universo de trabalhos do levantamento, foram selecionadas 11 (onze)
pesquisas no estado de São Paulo – 3 (três) teses de doutorado e 8 (oito) dissertações de
mestrado – que tratam diretamente da questão do cuidar e educar da primeira infância,
produzidas nas Instituições de Ensino Superior: UFSCAR, UNIMEP, USP, UNESP
Araraquara, PUC-SP, UNICAMP e UMESP.
Dentre as tendências identificadas nas pesquisas, é possível apresentá-las em duas
partes: a) as considerações dos autores sobre o cuidar e educar; b) o modo como construíram
suas pesquisas sobre o tema.
Sobre o cuidar e o educar, algumas tendências foram reveladas: defesa de seu caráter
indissociável, concepção de criança como sujeito social e histórico dotado de cultura e
reconhecimento da função da educação infantil voltada para o desenvolvimento integral das
crianças.
Apesar dessas considerações, os pesquisadores aqui estudados verificaram outra
tendência com suas pesquisas: a persistência da cisão entre o caráter assistencial e educacional
das creches e pré-escolas que, segundo a maioria deles, decorre do modelo de formação
docente em vigor no Brasil que, por sua vez, não atende às especificidades ligadas à
pedagogia da educação infantil. Consideraram ainda, que as determinações legais são uma
grande avanço para a educação infantil e na luta pela superação da dicotomia entre o cuidar e
educar; o problema estaria nos equívocos da interpretação que se faz dela.
Quanto aos temas estudados, preocuparam-se prioritariamente com a prática e com a
formação do docente da educação infantil. Tal tendência parece decorrer do fato desses
estudos terem sido produzidos após a LDB, marco que volta a preocupação dos estudiosos do
campo para esses temas, pois consideram que são prioritários para a concretização da
orientação legal.
101
Em relação ao modo como os autores construíram suas pesquisas, no que se refere aos
procedimentos metodológicos, a maioria utilizou-se de professores de educação infantil como
sujeitos, de entrevista como procedimento para coleta de dados e o tipo de pesquisa priorizado
foi a de campo. Para justificar a relevância de suas pesquisas, a maioria dos autores se vale de
uma retomada histórica, de considerações em torno da base legal para a educação infantil,
além de discussões baseadas em autores representativos da educação infantil. Apesar de essa
abordagem parecer pertinente, o fato da maioria dos autores terem percorrido esse mesmo
caminho coloca uma questão relacionada à existência de outras possibilidades de
argumentação, que talvez direcionassem os estudos de forma diferente.
Dito de outro modo: parece prevalecer certo modus operandi que, em certo sentido,
determina o tipo de interpretação que se faz da temática da Educação Infantil. Esse modo de
conceber a pesquisa parece trazer repercussões importantes. De um lado, é comum definir o
que falta, as fragilidades ou aquilo que precisa ser feito na área da Educação Infantil a partir
da idealização de modelos retirados de teorias pedagógicas ou psicológicas – ainda que
revestidas de um caráter histórico e social. De outro, as conclusões elaboradas, tendo como
referência esse modo de argumentação, são transformadas em premissas, o que confere a
essas elaborações valor de prescrição, pois tornam-se propostas orientadoras de possíveis
reformas educacionais.
Os autores utilizam-se prioritariamente da Educação e da Psicologia para empreender
suas discussões de uma perspectiva sócio-histórica, o que indica que apesar do
reconhecimento da criança como ser social e com história, o que poderia ensejar a busca por
referências de outras áreas do conhecimento como a Sociologia, a Antropologia, a História
(Kramer, 2008), ainda predomina a utilização da Psicologia sobre os estudos da área da
Educação Infantil. Embora não tenham se utilizado prioritariamente da Psicologia do
desenvolvimento, como já verificado por estudos anteriores11, o fato de se basearem em
perspectiva sócio-histórica parece não configurar grande avanço, uma vez que a perspectiva
cognitivista continua presente. Ao considerar a importância da cultura e do social para o
desenvolvimento da inteligência, a preocupação se direciona para o indivíduo, ou seja, a
maioria dos pesquisadores não destaca as limitações de ordem política, econômica e social
para a formação das crianças desde a perspectiva da transformação social. A abordagem
especializada e científica sobre o cuidar e educar parece estar mais voltada para a adaptação
11 Refiro-me à revisão de literatura apresentada na introdução desta pesquisa.
102
da primeira infância, o que coloca a emancipação social e a autonomia individual em um
segundo plano.
Apesar dessa tendência, é importante reconhecer o valor da produção aqui tratada, por
representar esforços comprometidos com o debate acerca da educação infantil, ao levantar
questões que ajudam a pensar os fenômenos de uma perspectiva possível. Ressalte-se o
método de que se apropriou Haddad (1997) ao promover sua discussão.
Aqui, o que se defende é que a concretização da articulação genuína e autêntica entre o
cuidar e o educar deve estar ligada a um projeto de democratização da sociedade, com vistas à
emancipação do sujeito, o que implica a inclusão da dimensão política da educação no debate
sobre a definição das finalidades da educação infantil, dimensão que mais do que ser aceita,
precisa ser compreendida. Fora dessa perspectiva, caminhamos para uma educação que
concorre para a pseudoformação por não levar a sério os reais interesses de grupos e
indivíduos e por corroborar com uma cultura educacional que avança no sentido da adaptação,
perpetuando a racionalidade tecnológica que continua a oprimir o homem em seu projeto de
liberdade. Em tal empreitada a ciência e a produção acadêmica podem ocupar um lugar de
destaque, mas desde que sejam analisados os nexos entre os acontecimentos e os processos
sociais, exercendo assim a crítica fundamentada.
103
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109
APÊNDICE
Ciência e método nas pesquisas sobre cuidar e educar na educação infantil
Haddad (1997) apresenta uma cisão entre o cuidar e educar e traça dois objetivos para
propor um modelo de atendimento, traduzido por um sistema unificado na perspectiva do
desenvolvimento humano. Se apóia para tais objetivos na teoria ecológica do
desenvolvimento humano de Urie Bronfenbrenner que construiu os conceitos de
microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema.
Seus objetivos se voltam para a definição de possíveis determinantes de tal cisão e
para o entendimento de diversos modelos de atendimento, como possibilidade de exercer a
crítica e propor um modelo pertinente para a realidade investigada.
A autora apresenta o tema ao explicitar a cisão entre o cuidar e educar e sua posição ao
considerar a alteração da lei que o inclui no sistema educacional como conquista inestimável.
Em seguida justifica a pertinência da pesquisa, por meio de argumentos voltados à base legal
e ao setor educacional. Possibilita conexão aos processos sociais quando indica elementos,
como mudança na concepção de criança, deslocamento na ênfase da responsabilidade pela
socialização da criança, situa o Brasil na discussão e identifica saídas, além das relações entre
família e escola.
De outro lado, expõe os desafios relativos à demanda brasileira, que incluem também
questões de ordem econômica, como: presença acentuada da mulher no mercado de trabalho,
empobrecimento da classe média, entre outros.
O método é uma incursão pela educação infantil em vários países, e o confronto de
suas decisões ao que cabe ao Brasil. Os argumentos construídos a partir de tal posicionamento
configuram um perfil de atendimento que permite discussão em relação à nossa realidade e os
desdobramentos de tal posição. Parte da questão da demanda e de seus determinantes sociais
para depois, por meio das relações estabelecidas entre eles, operar com os conceitos do
desenvolvimento ecológico e propor um sistema que permite ver seu caráter indissociável.
Marcon (1999) apresenta sua pesquisa com uma crítica à falta de percepção das
instituições em relação às demandas de faixa etária e necessidades de aprendizagem impostas
pelas crianças. A partir desse posicionamento, seu objetivo é desvendar a prática docente
dentre as exigências do sistema e as demandas do trabalho. Sua opção é a analise documental,
110
com recorte temporal entre 1985 e 1997, apoiada na teoria de Ginsburg (1991) com a
perspectiva da análise de vestígios.
Justifica a pertinência de tal proposição ao recuperar aspectos históricos do surgimento
da creche ligados inicialmente aos cuidados ligados a saúde e higiene e seus desdobramentos,
ocorrido com a intensificação industrial que culmina na década de 1970 com a incorporação
da creche à políticas, movimentos sociais, discussões acadêmicas. Considera que não está
claro o sentido dos termos cuidar e educar e critica a leitura prescritiva das pesquisas, por
dificultar a distinção conceitual que persegue a prática efetiva. Afirma que a partir dos anos
1980/1990, a creche passa a ser qualificada como instituição escolar e discute a mudança legal
prevista na LDB 9394/96 que inclui a creche no âmbito do sistema escolar. Em relação ao
método, pontua sua dificuldade de acesso ao registro das práticas e por isso, a necessidade de
recorrer ao paradigma indiciário, para por meio de vestígios e sinais, analisar o conteúdo dos
documentos.
Como resultado de pesquisa, faz algumas afirmações e propõe encaminhamentos para
a superação das dificuldades que aponta em relação a distinção conceitual e à oposição em
relação ao cuidar e educar. Afirma que o cuidar não se desenvolve em oposição ao educar e
que as práticas voltadas a seu atendimento configuram dimensão educativa. Afirma que as
creches realizam mais do que dizem os documentos, voltada para a dimensão real da
demanda.
Os profissionais envolvidos no trabalho da instituição são caracterizados como não
capacitados, com práticas ambíguas. No que diz respeito aos documentos, conclui que eles
não retratam a história da creche e fazem grande distinção frequencial em atividades de
atendimento. Ao tomar os documentos para confronto, considerou parâmetros internacionais e
afirma que tais orientações, de algum modo, são contempladas devido à faixa etária atendida.
Demonstra expectativas por medidas pós LDB que incorporem as práticas construídas no
cotidiano das instituições e para isso, aponta a necessidade de conhecer a realidade social.
Propõe necessidade de ruptura da forma como vêm sendo feitas as criticas à baixa qualidade
do serviço educacional oferecido pela creche.
111
Azevedo (2000) detecta necessidades de formação a partir de lacunas de
conhecimentos na área de atuação da prática e nas discrepâncias entre prática e literatura.
Apóia-se na literatura do movimento histórico para a partir desse entendimento, apontar as
necessidades de formação.
Em relação ao método, apropria-se do conceito de racionalidade técnica para apontar
lacunas de compreensão do desenvolvimento infantil em relação ao cuidar e educar e da
forma de articulação do lúdico com o contexto sócio-cultural, decorrentes da formação inicial.
Os dados referentes às práticas foram contrastados a um modelo de tendência crítica,
defendido pelos estudiosos utilizados para esse estudo. Com uma concepção de criança como
ser histórico e social, justifica a pertinência da pesquisa e argumenta a favor do contexto com
o apoio do balanço histórico e das tendências pedagógicas para a educação infantil. Para a
análise, afirma situar as crianças em relação às professoras e monitoras, para assinalar a
construção dessa nova profissão docente e dessa nova pedagogia.
Aponta que a formação inicial necessita de mudança de paradigma: da racionalidade
técnica para a racionalidade prática, pois há uma distância entre o que propõe os programas e
a prática concreta, o que chama de contradições teórico-práticas, ou seja, a distância entre o
que deve ser e o que é. Sobretudo na educação infantil, sua formação é relegada, sem qualquer
exigência de qualificação.
Argumenta que as necessidades de formação decorrem da inadequação do modelo de
formação pautado na racionalidade técnica que reduz as teorias à mera aplicação prática. A
mudança contempla a compreensão de teorias psicológicas, com visão crítica do aspecto
lúdico e de valorização do contexto sócio-cultural. Defende o conhecimento prático da
realidade, oriundo de discussões que estimulam a reflexão crítica e favoreçam a articulação
entre teoria e prática. Sua proposta prevê uma mudança de paradigma no modelo de formação
com o rompimento da racionalidade técnica em favor de uma epistemologia da prática.
Ávila (2002) anuncia como objetivo descrever, analisar e discutir as atividades
profissionais no contexto de relações entre as monitoras e as crianças na creche com destaque
para as práticas; em outro trecho diz que a pesquisa é um estudo de caso sobre as atividades
profissionais de cuidado e educação das professoras. Este fato revela, de início, contradição
entre conteúdo e pensamento, o que compromete a objetividade do tema. O mesmo se dá em
relação à teoria, pois anuncia inicialmente que se utilizará da bibliografia italiana para
112
compreender as relações humanas e profissionais e constatar que o cuidar e educar são
indissociáveis e, em outro momento inclui a literatura brasileira na análise.
Traz dados sobre exigências de formação para monitoras e professoras, embasadas no
âmbito legal e na literatura do campo. Quanto ao método, não há referência a conceitos
teóricos que permitiram a construção da argumentação, apenas aparecem referências às
técnicas utilizadas para coleta de dados, tais como entrevistas, filmagens, conversas informais,
entre outros.
Para apresentar os resultados, apresenta longos episódios. Afirma que eles apontam
para processos de ruptura no trabalho de professoras e monitoras. Afirma que conhecer uma
criança pequena requer disponibilidade, capacidade de observar e trocar afetos e sugere a
ludicidade como caminho promissor. Afirma ainda que é preciso conhecer o que já se faz,
para propor avanços que se constituam subsídios para novas propostas de formação.
Octaviani (2003) teve como objetivo caracterizar as concepções de prática das
profissionais de creche para tomá-las como ponto de partida para implementação de propostas
para a formação continuada na perspectiva sócio-cultural, objeto de pesquisa desta
investigação. O método toma as práticas para, por meio da teoria de Vygostky na perspectiva
da interação, extrair as necessidades de formação dos professores que atuam na educação
infantil.
Justifica a pertinência de seus estudos, com discussão que contempla o âmbito da
orientação legal e do campo acadêmico para dar ênfase a um descompasso marcado pela
legitimação do caráter educacional que provoca acirramento em torno do debate acerca das
funções da educação infantil e de seus profissionais. Defende que a criança deve ser o
elemento central dessa discussão, considerada como sujeito concreto que se desenvolve por
meio da interação e mediação. Isso exige qualificação profissional capaz de assegurar que o
cuidado e a educação sejam indissociáveis e permeados pelo caráter lúdico.
Discute as inadequações detectadas tanto no espaço físico quanto nas condições de
trabalho, além do perfil das professoras em relação à opção pela profissão, concepções
subjacentes à prática, reflexos de história de vida e decorrências da insuficiente formação
indicada na pesquisa, para afirmar que não conseguem perceber a possibilidade do caráter
educativo-emancipatório e não possuem clareza da importância de seu papel. Afirma que a
possibilidade de mudança passa pelo estabelecimento de políticas educacionais, porém, os
sistemas municipais têm o elemento dificultador da falta de recursos para tais investimentos.
113
Conclui que a formação continuada terá dificuldade na reversão desse quadro, no
entanto, esse tipo de formação, aliada a medidas de valorização dessas profissionais, poderá
contribuir para a transformação de sua prática social. Mas defende que essas medidas só terão
sentido se as professoras desenvolverem consciência sobre a importância de seu papel, por
meio da formação continuada.
Assis (2004) propõe analisar as representações que as professoras elaboram sobre a
função da instituição e sobre seu papel, baseada nos pressupostos da Psicologia histórico-
cultural; por meio do conceito de representações sociais investigou como essas representações
influenciam as práticas educativas no interior da instituição. O método procura, por meio do
entendimento das representações, expressar essas práticas a partir da realidade em que
convivem e apontar encaminhamentos.
Para justificar tal proposição, defende a importância da educação infantil por meio das
orientações legais e dos estudos teóricos, com argumentos sobre as concepções contidas na
bibliografia: assistencialista, pedagógica/educacional para, por meio delas orientar a análise
dos dados. Para tanto, seus argumentos recuperam a perspectiva histórica da educação
infantil, aponta os desdobramentos ocorridos com base na pesquisa do campo e termina com
discussão sobre a LDB e suas determinações para esse nível de ensino.
Os resultados indicam que as professoras possuem uma representação “escolarizante”
da função da instituição e por isso tendem a separar o cuidar-educar-brincar. As professoras se
reconhecem como profissionais do ensino, no entanto, não percebem as especificidades de seu
trabalho e se apegam a parâmetros do ensino fundamental. As práticas são diversificadas,
porém, voltadas para atividades dirigidas e práticas relacionadas à leitura e escrita em
detrimento da brincadeira que, como técnica de ensino tem lugar secundário. A posição da
pesquisadora é a de que é preciso tornar concretas as conquistas da educação infantil e espera
contribuir para que as professoras repensem suas práticas.
Miguel (2004) procedeu a uma investigação sobre a concepção da instituição creche
que preside as ações das professoras para apreender o que entendem por cuidar e educar, com
o objetivo de contribuir para a discussão da formação desses profissionais. Questiona se há
um ponto de equilíbrio entre o cuidar e educar e entende a formação como mudança
intencional e partilhada.
114
Justifica a pertinência de seu estudo com base em suas experiências profissionais, nas
orientações legais, além de trazer a historicidade da creche e as determinações de estudos
teóricos no campo. Compreende a creche como uma instituição diferente da escolar e seu
profissional, como um sujeito distinto daquele que atua no ensino fundamental.
Sua referência teórica está pautada no conceito desenvolvimento da criança produzido
por três autores, cujas idéias têm impactado, a educação infantil: Piaget, Vygotsky e Wallon.
Suas considerações finais apontam que a creche é um lugar diferenciado, que a relação
educacional/assistencial do atendimento só pode ser entendida na tensa perspectiva do cuidar
e educar e que seu caráter cindido está ligado às marcas de um sistema segregado para atender
a pobreza. Destaca ainda, as contradições e ambigüidades na forma de encarar o lugar da
mulher na sociedade e como o Estado concebe e assume sua responsabilidade social. Os
acertos e desacertos da forma como ocorre a constituição da instituição também incidem sobre
a tensão em torno do cuidar e educar, além da produção acadêmica que também traz marcas
de determinadas posições, assumidas por seus pesquisadores. Outra tensão se refere às
imagens da instituição vista com função de caráter assistencialista/filantrópico.
O papel da professora também se mostra ambivalente quando encarada como
substituta da mãe e assim buscam desenvolver uma forma própria de trabalhar, constroem
diferentes identidades num processo histórico coletivo, com fronteiras porosas entre o publico
e o privado.
A posição da pesquisadora é a de que é preciso lutar por uma educação infantil de boa
qualidade entendida como garantia da existência de um trabalho pedagógico comprometido
com o cuidar e educar, pois, concorda que a creche deve contemplar o cuidar e educar de
modo indissociável.
Azevedo (2005) investiga a formação inicial de professores da educação infantil e
enfoca as implicações do binômio cuidado e educação nessa formação. A referência teórica se
apóia em uma tendência crítica da educação infantil, de uma perspectiva histórico-cultural,
que abarca três categorias: concepção de criança, perfil profissional e relação teoria-prática.
O método se utiliza dessas três categorias para expressar que concepções do binômio
cuidar e educar estão presentes na formação inicial dos professores pesquisados. Justifica seu
esforço por meio da discussão sobre um currículo para a educação infantil e também pautado
em estudos sobre necessidades formativas de professores desse nível de ensino, além de
levantamento sobre a área realizado em encontro do GT7 da ANPEd.
115
Suas conclusões apontam que o problema da formação inicial decorre de concepções
inadequadas das categorias ligadas à perspectiva histórico-cultural, agravado pelo não
reconhecimento social dessas profissionais. As evidências alertam para as necessidade de
revisão dessas concepções por parte dos programas de formação e de seus formadores, para
construir um processo formativo com vistas a superação do binômio cuidar e educar. Afirma
que a concepção de criança também é determinante do modo como se opera o planejamento
nos programas de formação, com visões atuais concebidas como românticas e
assistencialistas. Por outro lado, os programas de formação se pautam numa perspectiva
cognitivista, entendida como fase de preparação para o ensino fundamental e é possível ver
nessa tendência o retrato fiel da separação entre o cuidar e educar, com dupla imagem
cristalizada, a primeira do adulto maternal que cuida e a segunda do professor que educa e
essa dualidade tem sido reforçada na formação, com uma parcela de responsabilidade
dedicada aos formadores.
Portanto, a pesquisadora defende um cuidado e educação que integre a criança à
sociedade e que uma revisão nas concepções de criança e educação infantil é ação prioritária
no enfrentamento do problema que se opõe ao modelo da racionalidade técnica e caminha na
direção do professor reflexivo. Por fim, defende uma pedagogia da educação infantil e aponta
que se trata de uma questão, também dos âmbitos político e social.
Dias (2006) para investigar as práticas, traçou como objetivo analisar a imagem ou as
representações de professores para verificar como se configura sua prática no contexto
educativo. Como método, privilegiou uma incursão pelo imaginário dos professores a partir
da idéia das representações sociais, discutidas por Moscovici, para apreender facetas de suas
práticas no cotidiano escolar.
Justifica seu interesse de pesquisa pautada nas mudanças sociais ocorridas nos centros
urbanos, na mudança do papel da mãe devido a entrada no mercado de trabalho e a conquista
de seus direitos de emancipação. Por outro lado, afirma que as teorias sobre desenvolvimento
infantil, ampliam as necessidades para essa faixa etária, altera a concepção de infância e
aponta a necessidade de ampliar o contato da criança com a sociedade. Nessa direção aponta a
Constituição Federal de 1988, o ECA e a LDB como portadoras de contribuição na mudança
de visão acerca da importância da educação infantil e faz relações com dados históricos para
reforçar seu argumento.
116
Aponta que as professoras se deparam com dois elementos de composição da
profissão: o objetivo e o subjetivo e que no cotidiano, observa-se a articulação desses
elementos como fator de angústias, pois, exigem-se práticas não fáceis de serem
concretizadas. Essas contradições devem ser investigadas como estratégia para compreender
os valores que guiam a prática dos professores.
Como resultados, a pesquisadora relata que entre as professoras prevalece a imagem
de professor missionário que acumula a função de mãe, psicóloga e professora. Os professores
possuem uma visão assistencialista da educação infantil, na qual há uma dicotomia entre
cuidar (creche) e educar (pré-escola). A metodologia de trabalho das professoras indica uma
visão escolarizante, o que mais uma vez favorece a dicotomia entre cuidar e educar,
descaracterizando a função docente para esse nível de ensino.
Como solução, afirma que a transformação desse cenário só ocorrerá quando os
professores se apropriarem das imagens que condicionam sua prática e adquirirem
conhecimentos que os permitam apreenderem conceitos próprios de sua área de atuação.
Reafirma que os docentes poderão definir sua função em patamares que contemplem a cultura
da comunidade e o lugar social que os membros ocupam na sociedade.
Silva (2008) investigou se as ações educativas estão promovendo o cuidar e educar,
considerado indissociável, para o desenvolvimento psicológico das crianças à luz da teoria
histórico-cultural, que considera o desenvolvimento integral do individuo, em duas
instituições: uma privada e outra pública.
Justifica a necessidade de tal investigação a partir da necessidade de aprofundamento
de estudos no que se refere à visão assistencialista versus visão de ensino, presentes na prática
docente. Aponta que tal encaminhamento pode favorecer o processo de consolidação da
educação infantil como segmento educacional promotor do desenvolvimento para todos,
desde a infância. Para reforçar seus argumentos, expõe um panorama da história da educação
infantil, da base legal e dos estudos realizados por teóricos do campo e analisa trabalhos
congregados na ANPEd no período de 1990-1996; para por fim, mostrar a relevância de seu
estudo para desvelar contradições entre o dito e o realizado, ou seja, apreender melhor a
relação cuidado e ensino. Ressalta que sua visão de ensino é aquela que produz em cada
individuo, a humanidade produzida histórica e coletivamente pelo homem, sem excluir o
cuidar.
117
Os resultados se dão na direção de apontar caminhos para pensar uma educação
infantil que promova o desenvolvimento integral das crianças pequenas e ressalta que a
educação de crianças da elite é muito diferente da oferecida às crianças das classes populares.
Constata, também, que o trabalho docente ainda está voltado para questões assistenciais em
detrimento das educativas. Levanta a necessária ocorrência de novas formulações para o
atendimento da educação infantil que apresente pressupostos calcados na psicologia histórico-
cultural, que inclua a interdisciplinaridade e a assunção políticas educacionais na proposição
de currículos definidos e fundamentados.
Em relação aos professores, afirma que a articulação entre o cuidar e educar
demandará uma mudança na posição do professor, visto como facilitador e não promotor
dessa articulação. A autora afirma que a concepção dos professores é a de facilitador; chama a
atenção para o fato de que os programas de formação inviabilizam a construção de uma
identidade como cientista para constituí-lo tarefeiro em formação aligeirada que favorece a
precarização.
Propõe pensar a educação infantil como a tríade formação, práticas e políticas, tendo
como suporte o materialismo histórico-dialético. Assim, a prática deve ser analisada,
considerando as relações políticas e teóricas.
Mattos (2009) investiga o papel profissional desempenhado por suas professoras para
identificar como as concepções acerca do cuidado e educação são entendidas e internalizadas
na visão dos sujeitos em seu cotidiano de trabalho. A base teórica utiliza o paradigma
vygotskyano do desenvolvimento humano. O método se vale do conceito de desenvolvimento
humano para compreender como as educadoras entendem esse processo e o transferem para
sua prática no dia-a-dia.
Justifica sua pesquisa com base em sua experiência profissional que lhe mostrava a
confusão de papéis presentes nas ações das professoras e ao questionamento das funções.
Recupera concepções de infância e educação infantil, os estudos teóricos voltados ao tema e o
amparo legal, sob o qual o cenário da instituição se apóia. Seus argumentos, portanto, indicam
a necessidade de, por meio do entendimento sobre o atendimento à primeira infância,
contextualizar o espaço de atuação da instituição e a pertinência de aprofundar estudos sobre
o cuidar e educar.
Os resultados indicados na dissertação apontam para um avanço no que diz respeito à
definição das funções para a educação infantil brasileira ao acolher a idéia de uma dupla
118
função expressa nos termos cuidar-educar. No entanto, a apropriação dessa orientação tem
produzido interpretações contraditórias, gerando equívocos na prática. Esse aspecto reforça a
dicotomia que tanto se quer superar e deixa ver que o modo como as professoras vêem a
educação e o cuidado revela uma rotina com regras rígidas nas ações de cuidado, o que
compromete inclusive sua dimensão afetiva. Sua visão está muito ligada ao modelo escolar e
atribuem ao cuidado consideração que inferioriza e desqualifica. Uma justaposição de
discursos revelou uma prática contraditória, o que evidência que as orientações não são
apropriadas devidamente.
Afirma que o grande desafio dos programas de formação é o de levar as pessoas a
assumirem responsabilidade sobre o próprio processo de desenvolvimento profissional para
desconstruir idéias que se cristalizaram no senso comum. Portanto, para que o cuidado e
educação façam sentido, a formação inicial e continuada representa ponto de partida.
119
ANEXO 1
Roteiro de leitura e fichamento de Teses e Dissertações selecionados para o estudo
Autor(a):____________________________________________________________
Título do trabalho:____________________________________________________
Nível de estudo:______________________________________________________
Mestrado ( ) Doutorado ( )
Ano de defesa: ______________________________________________________
Instituição de Ensino Superior: ___________________________________________
Problema (questões) de pesquisa: ________________________________________
Objetivo(s) da pesquisa: ________________________________________________
Metodologia de pesquisa empregada pelo autor:
Tipo de pesquisa: _____________________________________________________
Sujeitos investigados: __________________________________________________
Procedimentos de coleta de dados: _______________________________________
Aspectos analisados: _________________________________________________
Base teórica: ________________________________________________________
Conclusões de pesquisa: _______________________________________________
___________________________________________________________________
Considerações sobre educação e cuidado:
___________________________________________________________________
Considerações sobre infância/criança:_____________________________________
___________________________________________________________________
Considerações sobre a educação infantil:__________________________________
___________________________________________________________________
Justificativas para a educação infantil:_____________________________________
120
ANEXO 2
Quadro 7 – Considerações dos pesquisadores sobre a educação infantil e sobre a escola
Autor/ano Considerações sobre a educação infantil e sobre a escola
HADDAD
1997
· Da mesma forma que uma árvore firma suas raízes na terra e todas as suas ramificações
alimentam-se da mesma seiva, quando uma política de educação infantil explicita suas bases
ideológicas, todas as outras dimensões estão consistentemente comprometidas com essas. (p. 17)
· Em função de um padrão de família considerado natural e adotado como norma para todas as
outras estruturas familiares, negou-se a identidade da creche em vários níveis: enquanto ambiente
coletivo, composto de pessoas de idade, sexo e funções variadas, com hábitos, preferências e
características pessoais distintas das que a criança encontra em seu ambiente familiar; enquanto
espaço de socialização que oferece múltiplos referenciais de afeto e de identificação para a criança e
que lhe permite ampliar experiências e conhecimentos e construir sua própria concepção de mundo; e
enquanto significativo sistema de apoio às relações familiares, pois possibilita à mulher lançar-se ao
trabalho com mais tranqüilidade, libertando-a da rotina do trabalho doméstico e da renúncia às suas
próprias necessidades em detrimento dos filhos. Em função de um modelo único de família, nega-se
também a própria identidade das famílias atendidas pela creche, com sua diversidade cultural e de
conceitos de infância nos quais apóiam suas práticas educativas e disciplinares.
Assim a “ideologia da família” é considerada um dos maiores determinantes da ilegitimidade da
creche. Um poderoso elemento do macrossistema, atuando como um freio à expansão e conquista de
reconhecimento enquanto instituição válida para a criança e suas famílias. (p. 73)
· (...) a creche surge como um local privilegiado para potencializar o desenvolvimento de
crianças e familiares e precisa munir-se de recursos para oferecer um ambiente acolhedor, prazeiroso,
que reconhece as necessidades de desenvolvimento das crianças e de apoio ás famílias. (p. 89)
· A creche dispõe de um potencial que pode representar significativo sistema de apoio às
relações familiares e de promoção do desenvolvimento infantil. Primeiro, porque constitui-se em um
centro de convivência humana, capaz de retirar a família de seu isolamento e de ampliar
significativamente sua rede social. Segundo, porque apresenta estrutura funcional que oferece aos pais
a possibilidade de conciliar trabalho profissional e cuidado de filhos. Por último, e não menos
importante, destaca-se seu potencial de ampliar as relações, experiências e aprendizagem das crianças.
(p. 82)
· Ao se discutir os objetivos e a avaliação dos serviços, é importante ter-se em mente os
benefícios imediatos que o serviço pode oferecer para promover a qualidade da vida diária da criança
pequena, provê-las de oportunidades de aprendizagem, aumentar seu bem-estar e desenvolver e
promover sua integração na sociedade mais ampla. Objetivos a longo prazo, como o de aumentar o
desempenho escolar, são importantes e valiosos, mas não podem mais ser impostos como justificativas
para a oferta de serviços. Dessa forma, o sistema idealizado desafia a tendência atual de valorizar e ver
a criança pequena numa perspectiva progressiva, do futuro aluno, adolescente ou adulto que virá a ser.
Em contraposição, propõe uma visão mais equilibrada, na qual a criança pequena é valorizada e
121
respeitada pelo que é, assim como, pelo que possa vir a ser. (p. 293)
MARCON
1999
· A creche tem sido objeto de influência de diversas instâncias sociais, como os movimentos
sociais, estudos de caráter teórico, setores do serviço público (em especial os ligados a órgãos de
Assistência Social, onde as creches brasileiras têm permanecido desde sua criação). Estas influências
se fazem presentes na creche de maneira difusa, configurando uma instituição de identidade também
difusa. Assim, enquanto a pré-escola desde sua origem, assume uma identidade nitidamente escolar, a
creche parece ter construído sua trajetória mais próxima de uma dupla identidade: o cuidado
(envolvendo práticas voltadas para a guarda, a proteção, a higiene, a alimentação) e o do
desenvolvimento infantil. Mas, será que essa identidade não revela algo de intrínseco a essa
modalidade educativa? Será que aquilo que é mais criticado na creche, a preocupação com o
CUIDADO, não faça parte do específico desta instituição, considerando as exigências impostas pela
faixa etária da clientela? (p. 40);
· Desenvolvimento de disposições orgânicas/fisiológicas e incorporação de elementos da
cultura. (p. 40)
AZEVEDO
2000
· A tendência crítica com fundamentação psicocultural privilegia os fatores sociais e culturais,
considerando-os como os mais relevantes para o processo educativo. Sua principal meta é
implementar uma escola de qualidade para as crianças de 0 a seis anos de idade. (p. 30);
· Esta tendência (tendência pedagógica crítica, considerada como a mais adequada pela
autora), identifica-se com uma educação para a cidadania, isto é, que contribua para a inserção crítica
e criativa dos indivíduos na sociedade. (p. 25)
· (...) o projeto de educação e o projeto de sociedade são indissociáveis, ou seja, através da
educação se forma um modo de pensar e agir no social e vice-versa. (p. 30)
Ávila
2002
· Os conhecimentos higiênico-sanitários, sociológicos e pedagógicos não se referem
estritamente à limpeza e higiene do corpo físico, mas inclui/pressupõe a criação de um ambiente
estético, saudável, acolhedor e funcional, para bem receber as crianças em diferentes momentos da
jornada, para que essas possam ser cada vez mais autônomas em seus cuidados pessoais. (p. 22)
· A Pedagogia da Educação Infantil surge com o estatuto do questionamento do objeto da
Educação Infantil que é a própria educação da criança de 0 a 6 anos em instituições coletivas de
educação e cuidado.(p. 30)
· Não dar margem à filantropia, ao caráter preparatório para o ensino fundamental, ou a um
atendimento de caráter compensatório. (33);
· A creche é o espaço do cuidado e da educação indissociados e indissociáveis. (p. 126);
OCTAVIANI
2003
· (...) quando pensamos na necessidade de um atendimento de qualidade, acreditamos que
mais do que substituir o caráter assistencialista pelo educacional, a principal reivindicação consiste em
fazer com que o caráter educacional emancipatório seja acessível a todas as camadas da população.
(p. 24)
· Compreendemos que, ao conferir o caráter de escolaridade à Educação Infantil, lhe foram
122
impostas finalidades tomadas de outro nível de ensino e que, portanto, não lhe eram próprias; perdeu-
se de vista o foco sobre o qual deveriam centrar-se esses objetivos, desconsiderando a especificidade
da infância. (p.25);
· (...) faz-se necessário ressaltar, uma vez mais, os importantes papéis condutores reservados à
educação e ao educador no sentido de promover tal desenvolvimento, pois ambos constituem-se como
agentes mediadores da apropriação do conhecimento pelo homem, especialmente, quando tomamos a
aprendizagem como força motivadora do desenvolvimento e, em última instância, como responsável
pela formação da personalidade da criança e, portanto, de sua capacidade de interpretação da realidade
na qual se insere. (p.79)
ASSIS
2004
· (...) a Educação Infantil é um direito da criança através do qual ela encontra condições para
se apropriar ativamente do mundo pela tríade cuidar-educar-brincar. (p. 30)
· Portanto, compreendemos que a função da instituição escolar de Educação Infantil é
proporcionar de forma direta e intencional o desenvolvimento da linguagem, da orientação espacial e
temporal, da percepção sensorial, da inteligência, dos sentimentos, da vontade, da auto-consciência,
do auto-controle, da auto-avaliação, da atenção, da memória, da imaginação, por meio da atuação do
professor que utiliza práticas pedagógicas adequadas ao nível de desenvolvimento das crianças,
privilegiando, portanto, as brincadeiras e as atividades produtivas. (p. 34)
· As definições de Educação Infantil que reconhecem as especificidades do desenvolvimento
infantil e da prática pedagógica dirigida para a primeira etapa da Educação Básica parece ser a
maneira mais adequada de conceber a função dessa etapa da educação. (p. 89)
· Concluindo nossas considerações sobre a brincadeira, salientamos que o referencial
histórico-cultural, ao demonstrar a importância da brincadeira para o desenvolvimento
da criança, explicita a dimensão humana e social dessa atividade e, consequentemente, esclarece a
necessidade das instituições de Educação Infantil favorecerem o brincar de forma ampla e
diversificada, a fim de que as crianças possam ir se humanizando e assimilando a realidade humana
por meio da internalização do conhecimento sobre o uso e finalidade de diferentes objetos e também
pelo estabelecimento de relações sociais, vivências estas que ocorrem nas brincadeiras. (p. 65)
MIGUEL
2004
· Acredito que o momento atual exige que a educação infantil, como um todo, e a creche,
em especial, redimensione seu papel, mas também amplie seu campo de pesquisa de forma a melhor
atender a perspectiva de cuidar/educar as crianças de zero a seis anos.(p. 16)
· A creche, como primeira etapa da educação básica, constitui um espaço de educação
quando pais e profissionais entendem que o processo de desenvolvimento de uma criança até os três
anos envolve cuidados com a saúde, nutrição e higiene, além das aprendizagens que ela realiza nas
interações com os adultos, com as outras crianças e com os objetos presentes do meio físico e social.
(p. 33);
· No momento atual, a perspectiva de interligação entre creche/escola da infância, a
derrubada da visão custodial-assistencial, a construção da ideia do direito de todas as crianças à
educação infantil, através de serviços públicos gratuitos, e a afirmação da socialização como aspecto
principal da educação da criança pequena permitem dizer que ambas, creche e escola da infância,
123
conquistaram uma identidade pedagógica.
No lugar da institucionalização, a socialização; em vez do sujeito-aluno, ilumina-se a criança
como sujeito-social, criança-ambiente. Essa concepção de instituição abarca o espaço das creches e
das escolas da infância como locais também de formação para adultos (pais e professores); espaço
democrático para todos e por todos construído. (p. 41);
· Tanto a creche quanto a pré-escola têm um objetivo social, um objetivo educacional e um
objetivo político. O primeiro está associado à questão da mulher como participante da vida social,
econômica, cultural, política. (...)Centrada na criança como sujeito de educação e tendo como
referência o potencial dos primeiros anos de vida, a creche organiza-se para apoiar o desenvolvimento
da aprendizagem, mediar o processo de construção de conhecimentos e habilidades por parte da
criança, procurando ajudá-lo a ir o mais longe possível nesse processo. (...) O terceiro objetivo é
político. A educação infantil inicia a formação do cidadão. (p. 30);
AZEVEDO
2005
· Essa tendência (pedagógica crítica) entende as crianças como indivíduos que pertencem a
diferentes grupos sociais e que a escola, para elas, deve, necessariamente, contribuir para a inserção
crítica e criativa na sociedade. (p. 44);
· A tendência pedagógica crítica privilegia os fatores sociais e culturais, considerando-os como os
mais relevantes para o processo educativo. Sua principal meta é implementar uma escola de qualidade
para as crianças de 0 a 6 anos de idade (...) (p. 43)
DIAS
2006
· (...) o papel integrador da educação infantil deverá nortear-se primeiramente em alguns
pressupostos apresentados nas DCNEI. Dentre eles, é importante destacarmos os princípios éticos
(...), políticos (...) e estéticos (...). Esses pressupostos deverão conduzir uma prática educativa que
considere as crianças, os pais, professores, enfim, a comunidade escolar, com vistas a propiciar os
processos de identidade de todos os membros e segmentos da escola, pautando-se no diálogo, respeito
e negociação em busca de um consenso em torno da proposta político-pedagógica da instituição. (p.
11)
· O surgimento das instituições destinadas à primeira infância estende o número de atores
sociais que deveriam atuar na formação emocional da criança – pais, professores, pajens e etc. – e ao
mesmo tempo coloca como meta o adiantamento da aquisição de competências cognitivas que antes
de davam após a primeira infância: ler, escrever e realizar cálculos.
Essa característica tornou a instituição destinada aos cuidados da primeira infância um local
ambíguo com relação às competências de seus atores (professoras e os familiares – principalmente a
mãe), já que a função de cuidar foi atribuída à mãe, mas esta precisou dividir essa função com a
professora ou as pajens e/ou atendentes de creches. (p.29).
SILVA
2008
· Faz-se, portanto, imprescindível que pensemos a educação infantil como a articulação em
uma tríade: formação docente, práticas educativas e políticas públicas, tendo como suporte o
materialismo histórico-dialético. (p. 18)
· O que buscamos é uma educação infantil que consiga fazer uma verdadeira integração do
cuidado com o ensino para o desenvolvimento integral das crianças. Defendemos o trabalho educativo
da educação infantil tendo como eixo o ensino, o que não deixará de lado a peculiaridade da criança
124
menor de seis anos, contudo, esta se alterará completamente, uma vez que apresentará o conhecimento
como o principal direito da criança a ser respeitado na instituição. (p. 111);
· O estudo da educação infantil, das práticas educativas, da formação docente e do
desenvolvimento infantil, bem como das políticas públicas para a educação infantil é, contudo, de
extrema importância para o meio acadêmico, a fim de pensarmos uma educação infantil que realmente
promova o desenvolvimento integral da criança, e acreditamos que para a construção deste tipo de
educação infantil, é necessário que o ensino seja o eixo articulador do trabalho docente nessa faixa
etária. (p. 22).
MATTOS
2009
· No Brasil, vários foram os termos utilizados para designar as funções da Educação Infantil.
As alterações no uso desses termos estão relacionados às diversas concepções que acompanharam a
história da educação de crianças de 0 a 6 anos.
· Frente às várias funções que surgiram nas últimas décadas para definir o trabalho
desenvolvido em creches e pré-escolas, acolher a idéia de uma dupla função contida nos termos cuidar
e educar significou um grande avanço. No entanto, na prática ela pode ser compreendida de diferentes
maneiras, produzindo vários significados, por vezes contraditórios.
Todavia, ainda que hoje convivamos com práticas marcadamente assistencialistas, a Educação
Infantil no Brasil vem se destacando como uma área de pesquisa e atuação bastante profícua. Além de
novas orientações legais e nacionais, já contamos com uma série de trabalhos acadêmicos e
experiências muito promissoras, que apontam para a viabilidade da realização de práticas pedagógicas
que considerem a criança e os educadores em suas múltiplas dimensões. (p. 40)
· O presente estudo apontou que houve muitos avanços na Educação Infantil brasileira, no que
diz respeito à definição de suas funções. Frente à várias funções que definiram e direcionaram o
trabalho realizado em creches e pré-escolas, como vimos anteriormente, acolher a idéia de uma dupla
função expressa nos termos cuidar-educar significou um salto qualitativo em busca de um trabalho que
realmente atendesse as necessidades da criança de zero a três anos. No entanto, nosso estudo
demonstrou que a compreensão e o uso desses termos têm produzido significados contraditórios,
gerando grandes equívocos na prática cotidiana de creche; (p. 45)
· Cuidar e educar as crianças de forma indissociável - função da educação infantil (p. 14)
125
ANEXO 3
Quadro 8 – Considerações sobre o cuidar e educar, infância/criança e papel do Estado
na educação
Autor/ ano
Considerações sobre
educação e cuidado
Considerações sobre
infância/criança Papel do Estado na educação
HADDAD
1997
· A questão relativa à
dicotomia cuidado e
educação tem sido
exaustivamente discutida em
vários documentos oficiais
(Brasil, 1994a, b e c), porém,
predominantemente centrada
nas ações diretas para com a
criança. Raramente o termo
cuidado é debatido no sentido
político-ideológico, ou seja,
na esfera da intersecção entre
a família e o poder público,
no que diz respeito à
responsabilidade pelo
cuidado e socialização da
criança pequena. (p. 8)
· A responsabilidade
exclusiva da família em
relação ao cuidado e
socialização da criança
pequena traz sérias
consequências ao
desenvolvimento de uma
política pública de expansão
de rede de creches. (p. 75)
· A transição entre
um modelo mais “familiar” a
outro mais “educacional”
evidenciou a tendência à
cisão entre as ações de cuidar
e educar, sendo esse um dos
aspectos mais relevantes do
presente estudo. Parecia
existir uma necessidade
· A ideologização de um
padrão de família considerado
“natural” e “universal” também
acarreta no nivelamento dos
conceitos de mãe, família,
criança, que são tratados como
categorias universais. A
vinculação da creche á idéia de
falta da família conduz a uma
percepção de família e de
criança a partir do que lhe
faltam e não do que apresentam.
A família está sempre em divida
no seu papel parental e a
criança, por sua vez, é sempre
um ser em condição de semi-
abandono, digno de dó, que
precisa ser assistido, protegido,
cuidado, disciplinado e amado.
(p. 77)
· (...) uma mudança de
ênfase se faz premente no
sentido de uma
responsabilidade compartilhada.
Os assuntos relativos à infância
devem ser vistos numa
perspectiva sistêmica, como
uma questão de cooperação
entre todas as partes envolvidas:
crianças, homens, mulheres,
pais, empresas, sindicatos,
governos e sociedade em geral.
Ao invés de domínio de um
único ministério, a educação
infantil deve ser objeto de
investimento dos vários setores
· A transição rumo a uma
política unificada para a criança
pequena adquire cunho legal em
1988, quando o direito à
educação, através do
atendimento em creches e pré-
escolas, é expresso na
Constituição Brasileira como
dever do Estado para todas as
crianças, de 0 a 6 anos (p. 2);
· Sem dúvida, trata-se de
uma conquista inestimável, pois
atribui à creche e pré-escola um
legítimo lugar na sociedade, bem
como, inequívoco caráter
educacional. No entanto, o
argumento que me proponho a
desenvolver nesse trabalho é que
a absorção das creches pelo
sistema de ensino não garante,
por si só, a unidade no
atendimento (p. 3);
· Ao expressar minha
preocupação com a passagem
das creches para o sistema de
ensino, não pretendo ênfase no
caráter educacional do
atendimento infantil. Indago
apenas sobre os rumos que se
definem em relação a uma
política unificada de âmbito
nacional para a educação
infantil. (p. 6)
126
impositiva de delimitar os
papéis da creche e da família:
se um lado cuida, o outro
educa e vice-versa, sem
possibilidades de
sobreposição de papéis entre
creche e família.
Em outras palavras, o que
se evidenciou foi a tendência
a uma passagem brusca de
um modelo que sobrepõe o
cuidado
à educação para outro que
sobrepõe a educação ao
cuidado. (p. 79)
· A concepção
integrada de cuidado e
educação infantil depende da
dissolução de dogmas que
impedem que a família seja
vista na sua pluralidade e a
criança no seu próprio
direito. Essa nova visão de
família e de infância, por sua
vez, impõe novas posturas e
arranjos na estrutura do
atendimento, que nem sempre
se afinam com as orientações
oficiais. (p. 84)
· (...) a flexibilidade no
atendimento mostra-se um
dos requisitos mais
importantes de um modelo de
creche que busca integrar o
cuidado e a educação.
Outro requisito é a
continuidade. (p. 84)
· (...) a cisão entre o
cuidar e educar apresenta
longa tradição na história do
atendimento infantil. Em
parte, isso advém do
que interagem com os atores
referidos: Trabalho,
Planejamento, Educação,
Promoção Social, Saúde,
Cultura etc. (p. 31)
127
predomínio de crenças que
relegam á família total
responsabilidade pela
socialização primária e, de
concepções equivocadas do
potencial infantil. (p. 308)
· Se a criança é um
agente ativo no processo de
construção do próprio
conhecimento, se a
aprendizagem ocorre em todo
tipo de interação da criança
com o meio, se o
desenvolvimento compreende
conjuntamente os aspectos
físicos, afetivos e cognitivos,
a cisão cuidar/educar,
corpo/mente, não faz sentido.
Podemos dizer que hoje
estamos munidos de
instrumentos suficientes para
superar essa dicotomia no
plano do microssistema, da
atuação direta da criança.
Entretanto, isso não é
suficiente para integrar os
serviços de creche e pré-
escola oferecidos e propor um
atendimento que contemple
conjuntamente as
necessidades das crianças e
suas famílias. Para
superarmos essa cisão no
plano do exossistema, das
políticas e dos programas, é
necessário percorrermos
também os níveis mais
remotos do ambiente da
criança. (p. 309 e 310)
MARCON
1999
· (...) dentro do
universo assistencialista,
critica-se a creche por
Embora se concorde com a
constatação da importância das
interações entre as crianças, há
· Em que pesem as
divergências de interpretação da
Carta Magna e da LDB, quando
128
desenvolver práticas de
cuidado e não de educação.
Entretanto, examinada a
literatura da área, depara-se
com a dificuldade de
distinção conceitual entre
esses termos. Esta dificuldade
reside, como se supõe, na
não-percepção acadêmica da
natureza das práticas
educativas desenvolvidas pela
creche dada a especificidade
da faixa etária da clientela aí
atendida. Por isso, ao se
criticar a creche por valorizar
mais as práticas de cuidado
em detrimento das
educacionais, acaba-se por
trabalhar sob um paradigma
prescritivo de estudo e se
enfatiza mais o que a creche
não faz, ou não é, do que sua
prática efetiva. (p. 12 - 13);
· Não se consegue
perceber claramente do que é
que se acusa a creche quando
se combate o caráter
assistencialista e se propõe
que ela incorpore o
educacional. Mesmo quando
os estudos defendem que
além de CUIDADO a creche
deve se preocupar com a
EDUCAÇÃO, não fica claro
qual a diferença conceitual
entre esses termos. Ora, se as
atividades de alimentação e
higiene, consideradas de
cuidado, não se revestem de
caráter educativo, pouco resta
a fazer com crianças muito
pequenas que ainda não
desenvolveram qualquer
habilidade motora ou
que se ponderar, entretanto, que
a possibilidade de trocas entre
as crianças pressupõe a
presença e a orientação de
adultos, uma vez que as
crianças pequenas ainda não
internalizaram padrões de
conduta socialmente aceitos ou
não dispõem de condições
orgânicas desenvolvidas, ainda,
para tanto. Para isso é
necessário que o adulto que
acompanhe as crianças
compreenda o sentido e o valor
de tais interações, para que
possa dar suporte e auxílio
nessas situações e torná-las
instigantes para as crianças. (p.
27).
estas se referem à creche resulta
evidente que a tratam como uma
instituição pertencente ao âmbito
do sistema escolar. Isso não
significa que a creche deva
alterar sua prática à luz dos
mecanismos e estratégias de
ensino dos demais níveis de
ensino; pelo contrário, há que se
buscar a continuidade da
construção de práticas
pedagógicas que atendam às
demandas de aprendizagem da
clientela a partir das necessidades
impostas pelas características e
necessidades da faixa etária em
que ela se inclui. (p. 13);
· (...) não é porque a lei
qualifica a creche como uma
instituição escolar que ela irá sê-
lo simplesmente por isso. Ao
contrário, são as mudanças que
se operam nas práticas que
resultam nas alterações das leis.
Cabe, por isso, compreender que
as mudanças práticas que se
verificam decorrem de
influências diversas que a creche
sofre em seu cotidiano,
influências essas advindas de
produções teóricas, da legislação
e dos agentes envolvidos no
processo (crianças, pais e
funcionários). Estas influências
ocorrem a partir de uma visão
plural de atores, com vista à
satisfação das necessidades
infantis. (p. 36)
129
simbólica. Por outro lado, o
que se entende por educação
na creche tanto comporta o
modo como se encaminha as
atividades nos playgrounds
como as atividades mais
voltadas para a iniciação ao
mundo da escrita,
consideradas excludentes. (...)
Mais uma vez a experiência
italiana (Reggio Emilia) pode
se constituir em referencial
para a superação dessa
dicotomia.(...) Enquanto os
outros países deram
prioridade a determinados
aspectos do desenvolvimento
infantil, como o cognitivo
(mais presente nos modelos
norte-americanos e japonês)
ou emocional (mais
encontrado na França), o
modelo reggiano tem
procurado organizar a
educação infantil sobre o
trinômio crianças,
profissionais e pais. (p. 37 –
38)
· A assertiva que
basta atuar na concepção do
serviço para que se produzam
alterações qualitativas no
trabalho educativo, no
entanto, vem sendo
questionada ultimamente por
estudiosos da educação.
Perrenoud (1993) tem
insistido que a prática
educativa escolar tem se
constituído mais pela prática
da dispersão que pela
adoção/execução de modelos
ideais. (...) De acordo com o
conceito de habitus,
130
Perrenoud entende que são os
constrangimentosobjetivos
que se impõem no cotidiano
das escolas que determinam
as práticas educativas. (p. 29 -
30);
AZEVEDO
2000
· A dicotomia
assistência/educação que por
muitos anos permeia o
atendimento infantil,
contribuiu para que se
criasse, também, dois tipos de
profissional, ou seja, um
disposto a cuidar, limpar,
alimentar as crianças
menores (0 a 3 anos) e nos
moldes escolares outro que,
tendo formação pedagógica,
desenvolveria um trabalho
educativo, destinado ás
crianças maiores (4 a 6 anos).
A superação dessa
dicotomia é o que,
atualmente, busca-se
concretizar nos espaços de
atendimento infantil através
de um trabalho pedagógico
integrado, que compreenda
cuidado e educação como
práticas indissociáveis.
(p. 52)
· (...) essa tendência
(refere-se a tendência
pedagógica crítica), entende as
crianças como indivíduos que
pertencem a grupos sociais e
que a escola, para elas, deve,
necessariamente, contribuir para
sua inserção crítica e criativa na
sociedade. (p. 31)
· (...) a concepção de
criança e a forma de
atendimento à ela dispensado
sofreram mudanças
significativas. Mudamos de uma
concepção de criança como
adulto em miniatura para uma
de criança como ser histórico e
social. (p. 36)
· As propostas mais
atuais para o trabalho na
educação infantil não se
restringem a pensar o indivíduo
de forma fragmentada,
privilegiando o seu
desenvolvimento cognitivo,
como ocorre na tendência
cognitiva, mas a enxergar a
criança como um ser completo,
embora em desenvolvimento,
mas não como um vir a ser,
alguém incompleto, inacabado,
mas sim alguém que já faz parte
de um determinado contexto
sócio-cultural, como pressupõe
a tendência crítica. (p. 131)
· Embora a LDB da
Educação Nacional use o termo
Educação Infantil remetendo-se
à idéia de integração das crianças
na faixa de 0 a 6 anos, apresenta
novamente uma estrutura
pedagogicamente fragmentada
quando estabelece o atendimento
em creches, para as crianças de 0
a 3 anos, e pré-escolas para as de
4 a 6 anos.
Isso significa retroceder
a um momento anterior à
Constituição de 1988, quando se
avançou nas discussões no
campo da educação infantil em
relação à separação das crianças
em creches e pré-escolas, pois tal
estimula práticas antigas de
fragmentar o cuidar e educar. (p.
44)
131
ÁVILA
2002
· Evidencia-se (...) a
separação do corpo e da
mente, do trabalho intelectual
e do trabalho manual, da
razão e da emoção, da
realidade e da fantasia. Essa
separação entre o que se
espera de cada profissional
implica no que cada um pode
esperar da outra e das
crianças. (p. 32)
· (...) importância dos
conhecimentos sociológicos,
pedagógicos e higiênico-
sanitários que envolvem todas
as ações educativas. Por isso,
embora banhar e trocar sejam
ações maternas realizadas em
casa com crianças pequenas,
são também ações
profissionais daqueles que
educam os pequenos nas
instituições coletivas.
· O cuidado e a
educação são, na esfera
pública, o direito à educação
para as crianças de 0 a 6 anos
Por isso, o
cuidar e educar não é
maternagem, ensino, trabalho
doméstico ou puericultura. (p.
126)
· Cuidar e educar é
uma atividade complexa, uma
competência profissional,
com dimensão afetiva,
cultural, histórica, social para
ambos, adultos e crianças. (p.
136)
· Criança deve ser vista
como sujeito de direitos nas
relações educativas, produto de
pesquisas, observações e
estudos. (p. 15)
· Integrar as identidades
das crianças (ligadas ao sexo,
classe, raça e idade),
reconhecendo-a como ser
inteiro, é um trabalho
profissional. (p. 21)
· Se o menino e a
menina são alunos não se atenta
para as especificidades das
crianças pequenas em suas
condições de gênero, classe
social, raça, idade. (p. 23)
· a delimitação da
infância a partir do recorte
etário e da oposição ao adulto
está sendo criticado pela
antropologia e pela sociologia,
aliada a algumas abordagens da
psicologia.
Por isso, há uma mudança
no paradigma para entender a
criança como ela é: inteira,
membro de uma classe social
situada histórica, social e
culturalmente, mais do que um
conjunto de habilidades e
comportamentos costurados
através das articulações teóricas
abstratas. (p. 167)
· Reconhecer a área da
educação de crianças de 0 a 3
anos como legítimo campo de
atuação e pesquisa, implica em
reconhecer que as crianças
pequenininhas são uma
novidade e um desafio
· A partir da
Constituição de 1988, a
educação infantil passou a ser
um direito da criança, um dever
do Estado e uma opção da
família (...) (p. 1);
· A passagem das
creches para a Secretaria de
Educação foi o resultado da
vontade política do Partido dos
trabalhadores entre 1989-1990 e
da Constituição Federal da
República Federativa do Brasil
(1988) (p. 10);
132
constante para os adultos. À
medida que novos
conhecimentos são criados
sobre elas, novos
conhecimentos sobre a forma
de atuação profissional devem
acompanhar dialeticamente esse
movimento e esta não é apenas
questão ética ou “didática”. (p.
220)
OCTAVIANI
2003
· A educação de que
tratamos aqui não se refere
àquela marcada pela
dualidade que vimos
observando no
desenvolvimento histórico da
Educação Infantil no Brasil,
promovendo a cisão entre o
“cuidar” e o “educar”.
Compreendemos que, de
acordo com Elkonin (1998,
p. 398), “para que a
sociedade se preocupe com a
educação das crianças, deve
estar interessada, antes de
tudo, na educação múltipla
de todas as crianças, sem
exceção, posto que
· (...) estamos pressupondo a
exigência em considerar essa
criança como um sujeito
concreto – aquele pertencente a
uma classe social determinada,
a uma família particular,
passível de necessidades
concretas em função, inclusive,
da faixa etária em que se
encontra – que se desenvolve
por meio da interação com o
mundo e especialmente por
meio da mediação dos adultos.
(p. 26)
· (...) partimos do pressuposto
de que a criança, desde o seu
nascimento, está em constante
interação com objetos e
133
acreditamos que é nas
relações sociais que o
indivíduo se desenvolve. (p.
79-80);
· Reconhecer as
capacidades das crianças
desse ponto de vista, tomá-las
como sujeitos ativos em seu
processo de
desenvolvimento, implica
também partir de concepções
de educação e de cuidado que
não se resumem a fazer
coisas pelo outro ou para o
outro; ultrapassar a
concepção de educação
baseada nas relações de poder
onde quem sabe (o educador)
ensina a quem não sabe (o
educando) aprende, mas
conceber os processos de
ensino e aprendizagem como
vias de mão dupla, como
processos colaborativos. (p.
80)
fenômenos humanos e que essas
relações – formadoras de sua
personalidade – se estabelecem
por intermédio dos adultos. (p.
47)
· Partimos da compreensão
de que o primeiro critério para
assegurar a qualidade do
atendimento nas instituições de
educação Infantil deve ser o de
tomar a criança como elemento
central para a organização desse
nível de ensino, tomamos por
pressuposto a exigência de
considerá-la como um sujeito
concreto, que se desenvolve por
meio da interação com o mundo
e, especialmente, por meio da
mediação dos adultos. (p.197)
ASSIS
2004
· (...) podemos dizer
que hoje diversas concepções
de Educação Infantil
coexistem de tal maneira que
é possível encontrar
instituições que estão presas à
concepção “assistencialista”,
instituições que se apegam
restritamente às questões
“educacionais” e instituições
que concebem que a função
da instituição é educar-
cuidar-brincar. (p. 16)
· Provavelmente uma
forma de superar a dicotomia
entre cuidar e educar seja a
mudança do entendimento
· Nosso referencial teórico
(...) a criança já nasce pronta
para aprender, ela não é um
papel em branco sob o qual
pais, professores etc. irão
escrever.
A criança está pronta para
aprender desde o seu
nascimento, por meio das
interações que estabelece com
objetos e outras pessoas ela vai
ampliando seu repertório
cultural e vai se desenvolvendo.
(p. 65)
· Ao viver a infância a
criança está brincando e pela
brincadeira ela está
134
sobre o que seja educar.
Enquanto continuarmos
entendendo que o único jeito
de educar é reproduzindo
práticas comuns ao Ensino
Fundamental e a outras
etapas da educação, o cuidar
estará em segundo plano.
Temos que pensar em
uma outra maneira de
interpretar o educar na
Educação Infantil, uma
prática educativa a partir da
brincadeira talvez seja um
caminho. (p. 29)
· A dicotomia entre
cuidar-educar e entre
educação-assistência na está
presente apenas no
imaginário das professoras de
nossa pesquisa, ela pode ser
observada na visão dos pais,
de membros da sociedade
civil, das instâncias
administrativas etc. (p. 96)
· Kuhlmann (1999)
demonstra que a dicotomia
entre cuidar e educar vai
além de uma discussão
técnico-pedagógica podendo
servir como estratégia
política para desviar a
atenção dos educadores das
necessárias mudanças
políticas e e institucionais de
que carece a Educação
Infantil.
A tendência de
concentrar a atenção somente
nos aspectos técnico-
pedagógicos e de
desconsiderar a dimensão
desenvolvendo as bases para as
aprendizagens futuras. (p. 65)
135
institucional e política é
verificada nas interpretações
das professoras sobre a forma
como a Secretaria de
Educação concebe a função
da instituição de Educação
Infantil na medida em que o
atendimento do CER como
instituição pública é pouco
considerado nos depoimentos
de suas professoras. (p. 97)
MIGUEL
2004
· A perspectiva
cuidar/educar exige um novo
tipo de atuação dos
profissionais de creche.
Como observou Campos
(1994), a atuação está
baseada na não-
hierarquização das atividades
e na não-segmentação dos
espaços, horários e
responsabilidades dos
diferentes profissionais
envolvidos. (p. 16);
· Pensar a creche de
forma a contemplar o
cuidar/educar significa levar
em consideração, para a
educação infantil, os direitos
das crianças à brincadeira, à
atenção individual; a um
ambiente aconchegante,
seguro e estimulante; ao
contato com a natureza; à
higiene e a saúde; à
alimentação; a desenvolver
sua curiosidade, imaginação e
capacidade de expressão; ao
movimento em espaços
amplos, ao afeto e à amizade;
a expressar seus sentimentos;
a uma atenção especial no
período de adaptação à
· Segundo Campos (1987), se
houve, por um lado, um avanço
quanto à busca de um
profissional mais especializado
para o atendimento da criança,
por outro lado, a incorporação
de procedimentos técnicos e a
ênfase ao cuidado com a saúde
infantil proporcionaram uma
distorção na relação entre a
criança e o adulto. A primeira
passa a ser considerada como
um objeto a ser protegido e
cuidado. (p. 21);
· É interessante notar que a
ideia de estimular a criança
parte do pressuposto de que ela
não é agente de seu próprio
conhecimento, cabendo ao
educador o poder de levá-la a
uma determinada resposta.
Parece-nos ainda que a
criança a ser estimulada é um
objeto, que não se mexe, não
busca, nem chora. Ela é tratada
como algo a ser manipulado, a
ser preparado. (p. 27);
· No momento histórico
atual, marcado por
transformações, destaca-se a
educação da criança enquanto
· É fato que o direito à
educação para crianças de zero a
seis anos é uma tendência
ratificada pela LDB (...), que
reconhece a educação infantil
como parte integrante do sistema
educacional e determina um
conjunto de medidas para a
regulamentação da área. Já na
Constituição de 1988 e no
Estatuto da Criança e do
Adolescente, o direito à
educação é explicitamente
assegurado às crianças de zero a
seis anos. (...)
Entretanto, tais
prescrições legais ainda não se
concretizam no dia a dia das
instituições de creche, até porque
o debate sobre o profissional da
educação infantil vem
ocorrendo, especialmente a partir
dos anos 80, no âmbito das
discussões sobre os direitos
sociais de modo geral e,
especialmente, dos direitos das
crianças. São conquistas
importantes para as quais se
devem produzir as condições
adequadas de implementação,
para que, de fato, as crianças e os
profissionais que atuam em
136
creche; a desenvolver sua
identidade cultural, racial e
religiosa.
(...) garantia da existência
de um trabalho pedagógico
que esteja comprometido
com o cuidar/educar, um
cuidar/educar adequado à
faixa etária e que garanta, ao
mesmo tempo, a assistência
às suas necessidades e o
acesso ao saber
historicamente construído
pela humanidade. (p. 109-
110)
sujeito de direitos. Da criança
reprimida, adulto em miniatura,
a criança renasce uma criança
verdadeira, pedindo para viver
como criança reconhecida pela
grandeza de seu tempo e
construir também a história. Na
história da infância, nunca
houve tanta preocupação com as
crianças como nos dias de hoje.
As preocupações com a
infância abrem novas
possibilidades para repensar as
intenções pedagógicas e sociais,
no sentido de dar respostas às
expectativas infantis, apontando
para novas tendências e desafios
educacionais. (p. 28);
· Na atualidade, ganha
espaço a visão sobre a criança
como sujeito cultural, com vez e
voz no cenário sócio-histórico
do qual participa. Centrando-se
nessa perspectiva, no Brasil,
cada vez mais se fortifica o
movimento de considerar a
criança no presente, buscando
compreender a cultura que dá
corpo às suas experiências, seus
laços sociais, no sentido de
promover projetos educativos
que levem em conta seu
contexto. (p. 40)
instituições de educação infantil
tenham seus direitos respeitados.
(p. 15);
· (...) sabe-se também
que as políticas públicas não se
constituem, somente, através de
leis e determinações normativas,
mas que dependem, para se
efetivarem, do trabalho
cotidianos dos profissionais que,
envolvidos com as práticas, dão
vida à relação da municipalidade
com a criança e sua família. (p.
31)
· Contudo, entendo que nossa
realidade é ainda muito distante
do disposto na LDB. Por um
lado, temos um quadro de
educadores pouco qualificados,
e, por outro, para efeito de
ilustração, temos um quadro de
pais e mães oprimidos, pouco
participativos da dinâmica das
instituições e que, antes de tudo,
necessitam da creche como um
equipamento, não podendo
reconhecê-la como um direito,
mas aceitando-a como um favor.
(p. 32);
AZEVEDO
2005
· (...) práticas
pedagógicas caracterizadas
como ora românticas, ora
cognitivistas, ou seja, a
primeira privilegia ações de
cuidar (dar banho, fazer
higiene, alimentar etc),
principalmente no caso das
crianças menores de 3 anos, e
· A criança é um constructo
social que se transforma com o
passar do tempo e, não menos
importante, varia entre grupos
sociais e étnicos, dentro de
qualquer sociedade. (p. 20);
· Podemos dizer, então, que a
noção da infância enquanto fase
diferenciada é uma “invenção”
· O reconhecimento do
atendimento infantil como parte
do sistema educacional pela
Constituição de 1988 e pela
LDB, embora possa ser
considerado como superação de
um obstáculo, não significa que
é partir deste momento que elas
passam a ter a função educativa.
137
a segunda valoriza ações de
“educar”, entendidas como
“ensinar” leitura, escrita e
conteúdos escolares às
crianças de 4 a 6 anos de
idade. Noutras palavras, são
práticas. (p. 26)
· Esse fechamento
(refere-se ao monopólio da
família em relação à
afetividade da criança) é
responsável pelo grau de
ansiedade que a família
concentra hoje em relação ao
cuidado com suas crianças.
(...) A criança passa nesse
momento a absorver as
cargas de frustração e
cobrança dos pais. (...) Os
pais reservam para os filhos
os papéis que gostariam de
ter e não tiveram. (...) Essa
carga emocional é colocada
de alguma forma na escola,
que precisa pensar formas de
considerá-la em suas
propostas e currículos. De
acordo com a concepção de
infância vigente, as
instituições de atendimento
infantil tinham como
principal tarefa oferecer às
crianças cuidados de higiene,
alimentação e saúde (...) (p.
37);
· Como pudemos
constatar, historicamente, se
atribuiu às instituições de
educação infantil uma função
unicamente assistencial,
devido à sua vinculação
administrativa aos órgãos de
assistência, definindo-as,
dos tempos modernos, momento
em que se ressaltam algumas
características que passam a
marcar o trato com a criança:
assimilação da criança anjo;
diferenciação do vestuário;
restrição do espaço de convívio
e com isso, relações,
vocabulário, brincadeiras;
diferenciação de literatura. (p.
36)
· Há hoje, como na velha
sociedade industrial, uma
precocidade na passagem ao
mundo dos adultos, do trabalho,
do abandono, da exclusão. Isso,
entretanto, não significa uma
volta aos sentimentos das
antigas sociedades, pois a
passagem hoje se faz, para
muitas crianças, marcada pela
violência, pela agressão e pelo
desrespeito às suas necessidades
e direitos de cidadã.
Outras modificações
ocorreram, também, pelo
aspecto afetivo. O meio mais
coletivo em que a criança vivia,
antes de ser enclausurada na
escola, a deixava menos
vulnerável. Os papéis afetivos
não eram rígidos. Hoje (...) a
família moderna monopoliza
essa afetividade.
· Tal influência
européia (criança considerada
“anjo”, “papel em branco” no
qual os jesuítas inscreviam sua
cultura, com base em forte
conteúdo de educação moral e
religiosa, antes que o pecado se
instalasse em suas almas)
continuou presente por muito
(p. 61);
· Pode-se dizer que a
entrada do governo no
atendimento à criança tinha
interesses políticos bem
definidos, instalando, por isso,
um novo sentimento (concepção)
em relação à criança. A
concepção brasileira de criança,
na sua origem, é a de um ser com
características divinas (criança =
menino Jesus) que, mais adiante,
começa a ser percebida como um
ser puro e frágil que precisa ser
protegido dos males do mundo.
Com o crescente interesse do
governo pela infância, a criança
deixa de ser alguém necessitado
apenas de cuidado e proteção
para ser preparada para ser o
adulto de amanhã. (p. 57);
· Em função dessa nova
realidade (Constituição de 1988,
ECA, LDB, RCNEI, DCNEI), a
concepção de criança também
passa por reformulações. O
desenvolvimento de pesquisas na
área contribuiu de forma
significativa para que começasse
a construir um novo olhar sobre
a criança, reconhecendo-a como
ser histórico e social, inserida em
uma determinada cultura, um ser
em desenvolvimento, que já faz
parte da sociedade, que já é
cidadã. (p. 62)
138
desde sua origem, como
espaços de atendimento para
crianças pobres que, por sua
vez, eram vistas como seres
necessitados apenas de
cuidados físicos e proteção.
O reconhecimento do
atendimento infantil como
parte do sistema educacional
pela Constituição de 1988 e
pela LDB, embora possa ser
considerado como superação
de um obstáculo, não
significa que é partir deste
momento que elas passam a
ter a função educativa. (p.
61);
· Consequentemente,
nossa maneira de lidar com
ela (a criança) também
mudou. (Refere-se às
mudanças nas concepções de
criança, que acompanharam
as transformações na
sociedade). Se no início se
pensava apenas em “cuidar”
delas, mais tarde se propôs
“educá-la”, em resposta às
transformações e exigências
políticas que se faziam,
provocando uma dicotomia
nesse atendimento em termos
sociais, ou seja, às crianças
das classes populares era
oferecido atendimento
assistencial (cuidar) e às da
elite se oferecia atendimento
educacional (educar), de
aprendizado de leitura, escrita
e conteúdos escolares. Essa
separação também se dava
pela idade das crianças,
oferecendo-se às de 0 a 3
anos apenas cuidados e ás de
tempo na nossa história, quando
da criação dos “jardins de
infância”, nos moldes dos
kindergartens, herança que,
ainda hoje, se observa nas
propostas pedagógicas de
instituições de atendimento
infantil, concepções e práticas
de profissionais da área. (p. 38 e
39);
· Pode-se dizer que a
entrada do governo no
atendimento à criança tinha
interesses políticos bem
definidos, instalando, por isso,
um novo sentimento
(concepção) em relação à
criança. A concepção brasileira
de criança, na sua origem, é a
de um ser com características
divinas (criança= menino Jesus)
que, mais adiante, começa a ser
percebida como um ser puro e
frágil que precisa ser protegido
dos males do mundo. Com o
crescente interesse do governo
pela infância, a criança deixa de
ser alguém necessitado apenas
de cuidado s e proteção para ser
preparada para ser o adulto de
amanhã. (p. 57);
· Em função dessa nova
realidade (Constituição de 1988,
ECA, LDB, RCNEI, DCNEI), a
concepção de criança também
passa por reformulações. O
desenvolvimento de pesquisas
na área contribuiu de forma
significativa para que
começasse a construir um novo
olhar sobre a criança,
reconhecendo-a como ser
histórico e social, inserida em
139
4 a 6 anos, educação, nos
moldes escolares. (p. 63);
· A dicotomia
assistência/educação que por
muitos anos permeia o
atendimento infantil,
reforçada pelas políticas
públicas para a educação,
contribuiu para que se
criasse, também, dois tipos de
profissional, ou seja, um
disposto a cuidar, limpar,
alimentar as crianças
menores (de 0 a 3 anos) e nos
moldes escolares outro que,
tendo formação pedagógica,
desenvolveria um trabalho
educativo, destinado às
crianças maiores (de 4 a 6
anos) (p. 86);
· A superação dessa
dicotomia é o que,
atualmente, busca-se
concretizar nos espaços de
atendimento infantil através
de um trabalho pedagógico
integrado, que compreenda
cuidado e educação como
práticas indissociáveis. (...)
Assim, há que se levar em
conta o duplo objetivo de
educar-cuidar, dois lados
inerentes à ação dos seus
profissionais. Não se trata de
inverter prioridades, mas sim
de conjugá-las, forjando um
novo conceito de educação
infantil como espaço de
educação e cuidado ou
atenção. (p. 87);
· Quando se
começou a pensar em cuidar
da infância, o termo “cuidar”
uma determinada cultura, um
ser em desenvolvimento, que já
faz parte da sociedade, que já é
cidadã.
Desta forma, o
atendimento oferecido à criança
em diferentes épocas está
vinculado á concepção que
determinada sociedade tinha
dela em cada momento. Não
diria que ‘avançamos’ ou que
‘evoluímos’ em nosso modo de
pensar a criança, mas que
‘acompanhamos’ as
transformações que as
sociedades foram vivendo em
termos políticos e sociais, o que
torna inescapável a modificação
de nossa maneira de pensá-la.
(p. 62 – 63);
· A concepção de
criança e a forma de
atendimento a ela dispensado
também sofreram mudanças
significativas. Mudamos de uma
concepção de criança como um
adulto em miniatura para uma
criança como ser histórico e
social, de uma mãe indiferente
para uma mãe coruja, de um
atendimento feito em asilos, por
adultos que apenas gostassem
de cuidar para um feito em uma
instituição educativa, por um
profissional da área do qual se
exige formação adequada para
lidar com crianças. (p. 90 – 91).
140
estava associado à ideia de
“proteger” um ser frágil e
indefeso. As instituições de
educação infantil, em sua
origem, receberam o rótulo
de assistencialistas, em
função da classe social das
crianças que atendiam, isto é,
crianças abandonadas que
necessitavam de cuidados e
proteção. De acordo com os
dados históricos, mesmo as
instituições que acolhiam
crianças pobres, com a
função social de filantropia,
ofereciam algum tipo de
educação, embora não
houvesse intenção declarada
de fazê-lo. Isso mostra que os
adultos que lidavam com elas
ao mesmo tempo em que
delas cuidavam, também
estavam, inconscientemente,
transmitindo a elas valores,
crenças, modos culturais de
convivência, ou
seja,educando-as.
De forma semelhante,
estas instituições, quando
mais adiante na história,
começaram a se dizer
“educativas”, não deixaram
de cuidar das crianças, ao
mesmo tendo a intenção de
oferecer uma
educação/instrução, estavam
subjacentes cuidados que são
indispensáveis de ser
oferecidos às crianças
pequenas. (p. 91);
· Essa forma
fragmentada de pensar e agir
na educação infantil é
141
resquício da nossa história,
da origem e trajetória das
instituições de atendimento
às crianças pequenas e da
formação profissional, as
quais ainda fazem parte do
imaginário dos profissionais.
(p. 96);
· Após discussões
feitas ao longo desses últimos
10 anos, ainda nos
encontramos presos a um
dilema do passado:
assistência ou educação,
cuidar ou educar? Ainda
vemos produções teóricas
sobre o assunto que não
apontam alternativas de como
superar o problema. No
aspecto legal tem-se
reforçado essa dicotomia
cuidado x educação, pois na
LDB se separa o atendimento
em creche e pré-escola.
Embora diga que entre as
duas instituições não há
distinção de objetivos e
finalidades, implicitamente se
remonta à ideia anterior de
que as crianças de 0 a 3 anos
se oferece cuidados (na
creche) e às maiores se
oferece educação (na pré-
escola). (p. 96);
· Um retorno aos
artigos (que selecionou para a
análise – ANPED GT 07) nos
permitiu identificar, que o
problema da dicotomia
cuidado - educação é bastante
freqüente nas discussões, pois
mesmo os textos que não têm
como principal objetivo
142
discuti-lo, acabam, ainda que
superficialmente, abordando-
o (...) (p. 109);
· (...) o problema da
separação cuidar – educar é
algo já muito discutido na
área de forma diretamente
relacionada à formação dos
profissionais, mas que ainda
não se tem clareza de como
superá-lo. Igualmente, a
importância do papel do
formador na formação de
profissionais de educação
infantil ainda não é
preocupação freqüente na
área, reforçando nosso
interesse nesse foco de
investigação. (p. 123);
· A dicotomia cuidado
– educação apresenta-se nos
artigos, em geral, como uma
dificuldade que está
subjacente ao trabalho dos
profissionais, isto é, à sua
formação inadequada para o
trabalho com crianças
pequenas, o que inclui a
necessidade de revisão das
concepções de criança,
educação, professor e
educação infantil dos
profissionais desta área.
(124);
DIAS
2006
· Enquanto as leis
determinam que a educação
institucional das crianças em
sua primeira infância integre
o cuidar e educar, os
mecanismos utilizados para a
efetivação das políticas
públicas revelam que a
· A urbanização
acelerada, principalmente nos
grandes centros, modificou os
espaços destinados às crianças,
que antes brincavam nas ruas,
quintais e praças, reservando
espaços institucionalmente
destinados a elas e protegidos
· Depois da Constituição
Federal (CF), o Estatuto da
criança e do adolescente (ECA/
1990) (...) O grande avanço nas
políticas públicas para a
educação infantil deu-se com a
Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB)
143
integração social é entendida
pelas agências financiadoras
com um caráter ainda
filantrópico e assistencialista.
Ao mesmo tempo, as
demandas da sociedade
contemporânea e, em especial
as mudanças dos padrões
familiares e o papel da
mulher, exigem dos
professores de educação
infantil aquilo que está
determinado pela LDBN, mas
que ainda não está
contemplado nos cursos de
formação e nas políticas
municipais.
Além disso, os anos de
história da educação infantil
no Brasil sedimentaram uma
cultura organizacional das
instituições e um ideário que
oscilou entre cuidado materno
e o educar, tendo como
modelo as instituições do
antigo 1º grau.
Assim, embora a LDBN,
as DCNEI e o Referencial
apontem um norte,
caracterizando a educação
infantil como a instituição
responsável pela integração
do cuidado com a educação,
essa concepção está a mercê
das apropriações que os
professores e outros
profissionais ligados à
educação farão dessas leis e
das contingências locais
próprias de cada sistema
municipal de ensino. (p. 14)
· (...) será necessário
da violência: escolas, clubes,
creches e praças em
condomínios.
Além disso, as pesquisas
científicas sobre o
desenvolvimento infantil,
geraram teorias que conferiram
uma série de peculiaridades
inerentes a fase infantil,
ampliando as necessidades
dessa faixa etária. Mais que
isso, a infância afirma-se como
a fase mais importante do
desenvolvimento humano, pois
há um reconhecimento social de
que é nesse período que todos
os esquemas de aprendizagem
são adquiridos e sedimentados.
Essas teorias também
modificaram a concepção de
infância e criaram a necessidade
de, o quanto antes, oferecer á
criança as possibilidades de
integrá-la a sua cultura. Desse
modo, já não basta mais
oferecer os cuidados básicos,
mas é preciso ir além disso, e
propiciar um contato, cada vez
mais ampliado da criança com a
sociedade.(p. 8)
· O surgimento da idéia
de infância está intimamente
relacionado com o surgimento
da modernidade, na qual se
estruturou ou idealizou uma
pedagogia para viabilizar a
educação do ponto de vista de
um projeto de sociedade. (p.
30);
· Os dois sentimentos da
infância, a paparicação e a
moralização, interpretados não
9394/96, conferindo um novo
estatuto a esse nível educativo ao
determinar que a educação
infantil é parte integrante do
sistema educacional e constitui a
primeira etapa da educação
básica. (...) Essa característica
pode ser interpretada no corpo da
lei, pois as creches passaram a
ser de responsabilidade das
secretarias de educação e não
mais das secretarias do bem-estar
ou da assistência social. Essa
mudança eliminou a dicotomia
que havia entre as creches
(cuidar) e as pré-escolas (educar),
englobando esses dois aspectos
para propiciar o desenvolvimento
integral da criança. (p. 9)
· Enquanto as leis
determinam que a educação
institucional das crianças em sua
primeira infância integre o cuidar
e educar, os mecanismos
utilizados para a efetivação das
políticas públicas revelam que a
integração social é entendida
pelas agências financiadoras com
um caráter ainda filantrópico e
assistencialista.
Ao mesmo tempo, as
demandas da sociedade
contemporânea e, em especial as
mudanças dos padrões familiares
e o papel da mulher, exigem dos
professores de educação infantil
aquilo que está determinado pela
LDBN, mas que ainda não está
contemplado nos cursos de
formação e nas políticas
municipais.
Além disso, os anos de
história da educação infantil no
144
garantir que o cuidado e a
educação sejam traduzidos de
modo prazeroso,
considerando a ludicidade e a
expressão em suas várias
linguagens, por meio de um
projeto que possua uma
intenção pedagógica. (p. 11)
· No jogo das
relações estabelecidas entre
os vários segmentos da
instituição escolar
(professores, funcionários,
pais alunos, etc.) é que o
sentido do cuidar e do educar
será constituído pelos
professores. (p. 14)
do ponto de vista da afeição,
mas do ponto de vista do
significado que os adultos
atribuem à criança (...)vão
acompanhar as pedagogias
modernas nos dois últimos
séculos. (p. 49);
· A criança não é
representada a partir de seu
contexto social e das
determinações econômicas a
que é submetida, mas a partir de
uma concepção do que seja a
infância, homogeneizando e
cristalizando uma ideia de
infância. (p. 49);
· A infância representa
o início da humanidade e sua
essência deve ser preservada ou
educada para se alcançar uma
sociedade ideal. (p. 50).
Brasil sedimentaram uma cultura
organizacional das instituições e
um ideário que oscilou entre
cuidado materno e o educar,
tendo como modelo as
instituições do antigo 1º grau.
Assim, embora a LDBN, as
DCNEI e o Referencial apontem
um norte, caracterizando a
educação infantil como a
instituição responsável pela
integração do cuidado com a
educação, essa concepção está a
mercê das apropriações que os
professores e outros profissionais
ligados à educação farão dessas
leis e das contingências locais
próprias de cada sistema
municipal de ensino. (p. 14)
SILVA
2008
· Cabe ressaltar que a
visão de ensino defendida
pela pesquisa perpassa o
trabalho educativo como
sendo o ato de produzir,
direta e intencionalmente, em
cada indivíduo singular, a
humanidade que é produzida
histórica e coletivamente pelo
conjunto dos homens, sem,
contudo, excluir o cuidar. No
entanto, este é trabalhado de
forma diferenciada, uma vez
que o ensino também está
presente no cuidado, sendo
este a produção do humano
no próprio corpo da criança e
sua relação com ele,
passando, desta forma, pela
alimentação, pelo andar,
· (...) a psicologia
histórico-cultural (...) as
concepções de infância,
professor e conhecimento
diferem do exposto nos
capítulos anteriores, já que
considera o desenvolvimento
integral do indivíduo. (p. 11);
· (...) perspectiva do
desenvolvimento infantil que
contempla os aspectos
históricos e sociais da criança e
não só fatores biológicos,
ressaltando que este é um
processo histórico-dialético. (p.
114)
· oas, as normas e regras
de comportamento socialmente
elaboradas. Esta concreção,
145
movimentar-se etc. (resumo)
· A defesa presente
no RCNEI, com relação ao
cuidar, refere-se ao
atendimento das necessidades
biológicas do corpo, como:
higiene, alimentação, sono,
etc e o aspecto das relações
humanas e afetivas. (...)
Porém, acreditamos, como
bem caracterizou Arce
(2007b, p. 32), que cuidar
“(...) significa também
ensinar, produzir o humano
no próprio corpo da criança e
sua relação com ele,
passando pela alimentação,
pelo andar, pelo movimentar-
se etc.” (p. 80)
· Com relação à
questão do assistencialismo
X ensino, também presente
nos documentos do MEC no
caso das creches no Brasil,
onde em muitas ainda
predomina um modelo de
atendimento voltado
principalmente à
alimentação, à higiene e ao
controle das crianças, como
demonstra a maioria dos
diagnósticos e dos estudos de
caso realizados em creches
brasileiras (CAMPOS;
FULLGRAF; WIGGERS,
2006), constatamos que o
acesso ao conhecimento
sistematizado fica em
segundo plano. O exposto
(nos episódios, nos projetos e
nos documentos) evidencia a
não-superação do caráter
compensatório da Educação
inicialmente obrigatória –
caráter ativo da forma em que a
criança assimila os processos
superiores de comportamento
humano – exige que as tarefas
que o educador lhe sugere
tenham conteúdo e que a
vinculação entre o que a criança
deve fazer e aquilo por que atua
e as condições de sua ação não
sejam formais nem
convencionais. (p. 125)
· O período da infância
pré-escolar, para Leontiev
(1987), é o da formação inicial
da personalidade, o período do
desenvolvimento dos
mecanismos pessoais da
conduta. A infância pré-escolar
é muito importante porque é o
período da formação fática dos
mecanismos psicológicos da
personalidade. (p. 132)
146
Infantil, que ainda se
manifesta nos dias atuais,
como também, a polarização
assistência versus educação,
apontada insistentemente por
Kuhlmann Jr. (1998).
Sabemos que não basta
apenas transferir as creches
para os sistemas de ensino,
pois “(...) na sua história, as
instituições pré-escolares
destinaram uma educação de
baixa qualidade para as
crianças pobres, e isso é que
precisa ser superado.”
(KULHMANN JR, 1998, p.
208)
MATTOS
2009
· o binômio cuidar e
educar geralmente é
compreendido como um
processo único, onde as duas
ações estão profundamente
interligadas. Mas, muitas
vezes, a conjunção transmite
a idéia de duas dimensões
independentes: uma ligada ao
corpo e outra aos processos
cognitivos.
· A concepção do
binômio cuidar e educar traz a
concepção que educar
engloba cuidar, assim, o
cuidado não seria algo restrito
apenas à Educação Infantil,
mas poderia ser ampliado
para outras etapas da
educação.
· Utiliza-se da
pesquisa etimológica de
Montenegro (2001) para
compreender os significados
construídos para as dimensões
· Firmou-se uma
contraposição entre as atividades
com um perfil mais escolar e as
atividades ligadas ao cuidado
das crianças pequenas, cuidados
esses que passaram a ser
desvalorizados em nome de uma
interpretação reducionista do
pedagógico, revelando que a
profissional que trabalha na
creche não assume para si a
função de cuidar, por entendê-la
como algo relacionado apenas
ao corporal e ao doméstico.
Nesse sentido, apóia-se em
Cerisara (1999, p.16) para
afirmar que evidencia-se assim
“que ainda não está clara uma
concepção de criança como
sujeitos de direitos, que
necessita ser cuidada e educada,
uma vez que ela depende dos
adultos para sobreviver.”
· Se a criança for
concebida como um ser
incompleto, o seu processo de
Baseia-se em Machado
(2000) para afirmar que a LDB
significou um grande avanço no
campo da educação infantil, pois
legitimou iniciativas que visavam
recompor o cenário das
instituições onde convivem
coletivamente, adultos e crianças.
(p. 24)
147
cuidar e educar: Cuidar e
pensar tem a mesma raiz,
ambas vêm da palavra
cogitare. Com o passar do
tempo, o uso de cogitare foi
sendo restringido e
substituído por pensare, que
tem um sentido mais preciso.
Por seu lado, no latim, os
significados de cogitare se
expandem, assumindo os
sinônimos ‘esperar, temer,
estar preocupado ou ser
solícito’, vinculando-se a
significações de caráter
emocional.
Ainda apoiando-se
em Montenegro, afirma que
em línguas neolatinas como o
espanhol, o italiano e o
francês, o verbo cuidar tem
vínculo com dois grupos de
significados, um relativo à
solicitude para com o outro e
um referente ao pensamento,
à reflexão.
Buscando outros
elementos para compor a sua
reflexão, Montenegro
encontra na filosofia e na
enfermagem, disciplinas que
se ocupam do cuidar, os
sentidos que envolvem essa
ação. De acordo com a autora,
na filosofia a palavra cuidado
é empregada com o
significado de cuidar de si,
indicando uma reflexão sobre
si mesmo. Já na enfermagem
o cuidar é concebido como
altruísmo, tem o sentido de
cuidar do outro. Os dados que
recolhe nessa disciplina
desenvolvimento dependerá
totalmente da ação do adulto e
do ambiente em que está
inserida (concepção
ambientalista). Por outro lado,
se a criança é concebida como
um adulto pré-formados que ao
nascer já traz os determinantes
biológicos, a partir de suas
características genéticas,
adquiridas hereditariamente
(concepção inatista), a ação de
cuidar-educar se restringirá a
assistir o desenvolvimento
infantil que acontecerá segundo
essa concepção, de maneira
espontânea, bastando para isso
que algumas condições
ambientais sejam garantidas.
Finalmente, baseia-se em Souza
e Kramer (1991), Oliveira et al
(1992), Machado (1994;1999) e
Rosseti-Ferreira (1997), ao
afirmar que se a criança pequena
for considerada como um ser
humano completo e em pleno
desenvolvimento – porque sua
constituição física, sua forma de
agir, pensar e sentir estão em
permanente transformação -, ela
é concebida como um ser
interativo, o que implica
acreditar na sua competência
para interagir no meio em que se
encontra, desde o seu
nascimento. É importante
ressaltar que a interação que
esses autores advogam como
premissa para o
desenvolvimento humano não é
uma interação qualquer, trata-se
da interação social postulada por
Vygotsky (1984).
· A forma como as
148
mostram que o divórcio entre
cuidar e curar (atividade da
medicina) corresponde, na
Educação Infantil, ao divórcio
entre cuidar e educar.
Podemos pensar que
a cisão entre cuidar e educar
no campo da Educação
Infantil representa uma cisão
maior construída
historicamente pela sociedade
ocidental: a cisão entre razão
e emoção.
· De acordo com
Tiriba (2004), essa dualidade
está relacionada a muitas
outras, construídas ao longo
da modernidade, que separou
o corpo da mente, a razão da
emoção, elegendo a primeira
como categoria mais
importante para a busca da
verdade. Seguindo a lógica de
Descartes: “penso, logo
existo”, o corpo assume o
plano secundário e a cabeça
(razão) materializa a
existência humana. Nas
palavras de Tiriba, “(...) a
cabeça é a prova da nossa
existência humana. Nessa
lógica o corpo é simplesmente
um portador do texto mental.”
(p.6)
· Apoiada por
Kulmann Jr. (1998), Haddad
(1997) e Montenegro (2001),
a autora afirma que apesar da
literatura atual sobre a
Educação Infantil apontar a
premência da integração entre
educar e cuidar a criança de
zero a três anos, esse ainda é
educadoras organizavam os
ambientes e os materiais a serem
utilizados pelas crianças,
revelavam que a concepção de
criança que permeava as suas
ações estava calcada em um
estereótipo de criança “como
objeto, ser puramente receptivo
e necessitado, incapaz de
intencionalidade comunicativa e
de interação social”, segundo
Bondioli e Mantovani (1998 p.
24). Segundo a autora, é essa
concepção que parecia
direcionar a rotina construída
pelas educadoras do estudo em
questão, e que justificava a falta
de oportunidades para que a
criança exercitasse suas
competências e habilidades,
conquistando assim a sua
autonomia.
149
um ponto bastante polêmico
no cotidiano dos CEIs, pois
essas duas dimensões ainda
apresentam-se na realidade
das instituições de maneira
polarizada. O ato de cuidar
ainda carrega consigo uma
série de preconceitos, sendo
confundido com a face mais
negativa da assistência, e o
ato de educar possui um
enfoque mais escolarizante,
ou seja, são os referenciais
fornecidos pela escola de
ensino fundamental que ainda
direcionam e qualificam o
trabalho educacional
desenvolvidos nas creches.
· Cita Campos (1994,
p. 35) para assinalar que a
concepção contemporânea de
cuidado inclui todas as
atividades que são integrantes
ao educar, “ligadas à proteção
e apoio necessários ao
cotidiano de qualquer criança:
alimentar, lavar, trocar, curar,
consolar.” Cuidar nessa
concepção assume outros
sentidos, diferentes daqueles
que habitualmente
conhecemos e que,
consequentemente, separa o
cuidado e a educação. Cuidar
nessa perspectiva tem uma
amplitude maior e significa
ajudar o outro (aquele que é
cuidado) a crescer e
desenvolver-se. É uma forma
de relação com o outro que
envolve uma atitude de
preocupação e
comprometimento com o
crescimento e
150
desenvolvimento da pessoa
humana em toda a sua
complexidade.
· A autora defende
que o ato de cuidar e educar a
criança pequena relaciona-se
diretamente às concepções
daquele que cuida, pois
implica a forma como
compreende as necessidades
infantis e a leitura que faz de
diferentes formas de
comunicação desenvolvidas
pela criança para expressar
essas necessidades.
· Tendo como
referência o paradigma
vygotskyano do
desenvolvimento humano é
que situamos a relação entre
educação e cuidado infantil.
Nessa abordagem cuidar-
educar a criança pequena
torna-se face da mesma
moeda, passando,
prioritariamente, pela relação
afetuosa e interativa. Aqueles
que se relacionam com as
crianças ou aqueles que delas
cuidam nos espaços
institucionais devem
aprimorar sua observação das
necessidades infantis para
esse momento da vida, pois
mediante o cuidado caloroso e
responsivo, a interação e a
brincadeira, estabelecem-se
vínculos afetivos
significativos e essenciais ao
bem-estar infantil, permitindo
que a criança tenha confiança
em si própria, sinta-se aceita,
ouvida, cuidada e amada.