Desenvolvimento e Meio Ambiente na fronteira trinacional_Dissertação MECO - Jesus

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS NATURAIS (PPG-EMRN) - CURSO DE MESTRADO

Joo de Jesus Silva Melo

Desenvolvimento e Meio Ambiente na fronteira trinacional Amaznica: Um estudo da atuao do MAP(Madre de Dis Acre Pando)

RIO BRANCO ACRE DEZEMBRO 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ECOLOGIA E MANEJO RECURSOS NATURAIS (PPG-EMRN) - CURSO DE MESTRADO

Joo de Jesus Silva Melo

Desenvolvimento e meio ambiente na fronteira trinacional Amaznica: Um estudo da atuao do MAP (Madre de Dis Acre Pando)

Dissertao de Mestrado apresentado ao Programa de PsGraduao em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais da Universidade Federal do Acre como requisito para a obteno do Grau de Mestre.

Fonte: MAP VI

Orientador: Dr. Elder Andrade de Paula RIO BRANCO ACRE DEZEMBRO 2006

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MELO, J. J. S. 2006.

Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Central da UFAC. MELO, Joo de Jesus Silva. Desenvolvimento e meio ambiente na fronteira trinacional Amaznica: um estudo da atuao do MAP. 2006. 243f. Dissertao (Mestrado em ecologia e manejo de recursos naturais) Pr-Reitoria de Pesquisa e PsGraduao, Universidade Federal do Acre, Rio Branco-Acre, 2006.

M528d

Orientador. Prof. Dr. Elder Andrade de Paula1. Desenvolvimento e meio ambiente, 2. MAP, 3. Regionalizao. I. Ttulo CDU 504.03 (811.2)

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Num mundo deformado onde o vencedor criou o miservel para poder existir e servir de platia para seu pdio, onde a austeridade criou o mendigo para lhe dar lastro, onde as leis criadas do apenas uma forma institucionalizada deformao desse modelo, verdades estabelecidas jamais poderiam ser reais. Assim, culpas causadas apenas para alimentar o desejo de mrito de um Ego faminto de recompensas, nunca poderiam ser verdadeiras. (Autor desconhecido)

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Esta Dissertao foi submetida ao Curso de Ps-graduao em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (Mestrado) Pr-reitoria de Pesquisa e Ps-graduao .como parte dos requisitos necessrios obteno do Grau de Mestre em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais, outorgado pela Universidade Federal do Acre UFAC, e encontra disposio dos interessados na Biblioteca Central da referida Universidade. A citao de qualquer trecho desta Dissertao permitida desde que seja de conformidade com as normas tcnicas permitida pela tica cientfica.

_______________________________ Joo de Jesus Silva Melo Dissertao aprovada em: 19 / 12 / 2006.

_____________________________________ Prof. Dr. Elder Andrade de Paula Orientador

_____________________________________ Prof. Dr. Cleto Batista Barbosa - Membro

_____________________________________ Prof. Dr. Adailton de Souza Galvo - Membro

_____________________________________ Prof. Dr. Lucas de Arajo Carvalho - Membro

_____________________________________ Prof. Dr. Irwin Foster Brown - Membro

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JOO MELO CORDEIRO (in memorian,) TEREZINHA NEUMA DE JESUS (in memorian) e minha me MARIA ODETE SILVA MELO, pela sabedoria, garra, coragem e determinao em saber enfrentar o mundo com todos os seus obstculos!

OFEREO

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A meus filhos Alexandre, Alessandra Torres Melo e sobrinho Carlos Augusto. A meu pai e companheiro JOS MELO CORDEIRO e minha companheira de labuta IOLENE SILVA DE MORAES, A todos meus irmos e sobrinhos

DEDICO

ESTE

TRABALHO

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por tudo, principalmente, pela oportunidade de est sempre prximo d'ELE. Universidade Federal do Acre - UFAC, em especial ao Departamento de Filosofia e Cincias Sociais, pelos conhecimentos adquiridos durante esta jornada, em especial ao Prof. Elder Andrade, pela amizade, pacincia e orientao transmitida durante o curso e a vida. Ao Dr. Foster Brown pelo apoio no final do trabalho. A todos os professores do curso, como Adailton, Armando, Cleto, Lisandro, Lucas, Marcos, Moiss, Morato, Roslia, Vicente e aos Wadt (Paulo e Lcia) pelo apoio necessrio durante o curso. Aos amigos de turma que conviveram comigo durante estes rduos anos de batalha. Aos colegas e secretria Vilma pelo apoio e estmulo. A todos os amigos que diretamente ou indiretamente contriburam para a concretizao deste trabalho, os meus agradecimentos e reconhecimento.

MUITO OBRIGADO

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RESUMO O objetivo desta dissertao analisar a atuao do MAP. Na Amaznia, a temtica ambiental acabou se consagrando como eixo central de atuao das organizaes no governamentais ONGs, que passam a focalizar suas aes em temas especficos, como meio ambiente, desenvolvimento entre outros. Nesse contexto, surge a Iniciativa MAP, a fronteira trinacional formada pelo Departamento de Madre Dis (Peru), Estado do Acre (Brasil) e Departamento de Pando (Bolvia), que passa a se constituir em espao privilegiado para debates e experimento de estratgias de desenvolvimento centradas na questo ambiental, que escapam aos domnios do Estado-Nao. Os debates no plano de integrao regional, o avano na infraestrutura e a exigncia de uma vida melhor nas sociedades da regio geram crescentes demandas sobre os recursos naturais e seus ecossistemas. O resultado que o MAP se converte em um espao de anlise entre o meio ambiente e desenvolvimento enquanto que a pobreza e a contnua degradao dos ecossistemas so causas de grande preocupao local. Palavras-chaves: desenvolvimento; meio ambiente; MAP; regionalizao.

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ABSTRACT The objective of this dissertation is to analyze the performance of MAP. In the Amazonian, the thematic environmental it ended if consecrating as central axis of performance of the organizations non government - ONGs, that start to focalize your actions in specific themes, as environment, development among others. In that context, the Initiative MAP, the tri-national boundary appears formed by the Departments of Madre de Dis (Peru), State of Acre (Brazil) and Departments of Pando (Bolivia), that passes constituting in privileged space for debates and experiment of development strategies centered in the environmental subject, that escape to the domains of the State-nation. The debates in the plan of regional integration, the progress in the infrastructure and the demand of a better life in the societies of the area generates crescents demands on the natural resources and your ecosystems. The result is that MAP turns into an analysis space between the environment and development while the poverty and the continuous degradation of the ecosystems are causes of great local concern. Word-keys: development; environment; MAP; regionalization.

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SUMRIOLISTA DE FIGURAS............................................................................................... 14 RELAO DE QUADROS ..................................................................................... 15 LISTA DE ABREVIATURAS E SMBOLO.............................................................. 16 INTRODUO ........................................................................................................ 19 Reviso da Literatura............................................................................................ 22 Hiptese ................................................................................................................. 31 Objetivos ................................................................................................................ 32 Geral ....................................................................................................................... 32 Especficos ............................................................................................................ 32 Metodologia ........................................................................................................... 32 PARTE I .................................................................................................................. 34 DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE ........................................................... 34 Ambientalismo no Brasil ...................................................................................... 38 Movimentos socioterritoriais e a reterritorializao .......................................... 42 Processos geogrficos ou TDR ........................................................................... 45 Movimentos socioterritoriais e socioespaciais .................................................. 47 Movimentos Scio-Ambientais e a Economia Capitalista ................................. 50 A Globalizao na Amaznia Brasileira .............................................................. 61 O Desenvolvimento Sustentvel?..................................................................... 72 Desenvolvimento Local X Sustentabilidade Global ........................................... 80 PARTE II ................................................................................................................. 82 FORMAO E ATUAO DO MAP...................................................................... 82 Localizao e rea de Influncia do Eixo Peru-Brasil-Bolvia .......................... 89 Aspectos Econmicos e Infra-Estrutura Atual ................................................... 92 Potencial de desenvolvimento da Regio de Influencia do MAP...................... 95

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Agrupamento dos Projetos e Funes Estratgicas ......................................... 97 Agrupamento 1- Corredor Porto Velho aos Portos do Pacfico:....................... 97 Os Encontros MAP.............................................................................................. 111 MAP I, Indicadores de Uso da Terra e Mudanas Globais............................... 111 MAP II: Avaliao Ambiental Estratgica .......................................................... 113 MAP III: Fronteiras de separao a fronteiras de cooperao ........................ 114 MAP IV: um Novo Modelo Educacional para o Sculo XXI.............................. 116 MAP V: Sementes do Conhecimento................................................................. 120 MAP VI: Fortalecendo as razes de um futuro comum..................................... 126 Os Mini-MAPs, avanos e retrocessos.............................................................. 138 Mini-MAP Estradas ........................................................................................... 141 Mini-MAP Madeira ............................................................................................ 144 Mini-MAP Bacias Hidrogrficas ......................................................................... 147 Mini-MAP Planejamento Regional Agenda 21............................................. 150 Mini-MAP Indgena .............................................................................................. 152 Mini-MAP Campesinos e Extrativistas .............................................................. 153 Mini-MAP Sanidade Agrria................................................................................ 153 Mini-MAP Agroflorestania................................................................................... 154 Mini-MAP Estudantes Universitrios................................................................. 154 Mini-MAP No Madeireiro ................................................................................... 157 Mini-MAP Castanha ............................................................................................. 158 Mini-MAP Turismo............................................................................................... 160 Mini-MAP Aqicultura / Pesca............................................................................ 161 CONSIDERAES FINAIS .................................................................................. 164 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..................................................................... 168 Oramento e Fontes de Financiamento ............................................................ 180 Cronograma de Atividades................................................................................. 181 Algumas Instituies e Organizao participantes da Iniciativa MAP, 2006 . 182 ANEXOS ............................................................................................................... 183 Complemento ...................................................................................................... 184 Linha do tempo da Iniciativa MAP (Madre de Dis Acre Pando)............... 184 A Carta da Terra .................................................................................................. 199 Carta de Cobija sobre Desenvolvimento Sustentvel da Regio MAP (Madre De Dios-Pe, Acre-Br, Pando-Bo) Amaznia Sul-Ocidental .................................... 209

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Declarao de Puerto Maldonado sobre educao sem fronteiras a servio da integrao e do desenvolvimento sustentvel da Regio MAP (Madre De DiosPeru, Acre-Brasil, Pando-Bolivia) Da Amaznia Sul-Ocidental....................... 213 Estratgias para o Sculo XXI para reduzir a pobreza e conservar a natureza na Amaznia Sul-Ocidental: rumo a modelos de gesto participativos contribuio dos Movimentos Sociais. ............................................................. 228 Estratgias para o Sculo XXI para reduzir a pobreza e conservar a natureza na Amaznia Sul-ocidental, rumo a modelos de gesto participativos: Contribuio das Instituies Governamentais. .............................................. 231 SEMINRIO III: Estratgias para o Sculo XXI para reduzir a pobreza e conservar a natureza na Amaznia Sul-Ocidental: rumo a modelos de gesto participativos - Contribuio das ONGs......................................................... 233 Princpios ticos para gerao, disseminao e aplicao de conhecimentos na Amaznia Sul-ocidental. Perspectiva da Iniciativa MAP (Madre de Dios/Peru, Acre/Brasil, Pando/Bolvia e Ucayali/Peru. 2005.) ............................................ 235

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LISTA DE FIGURAS Figura 1: O nome MAP e rea de abrangncia Figura 2: Ponto Tripartite Brasil Bolvia Peru Figura 3: Desenvolvimento Sustentvel em Nvel Local / Regional Figura 4: Estrutura Organizacional do MAP e Mini-MAPs, 2006. Figura 5 : Localizao e rea de Influncia do Eixo Peru-Brasil-Bolvia Figura 6: Agrupamentos do Eixo Peru-Brasil-Bolvia Figura 7: Eixo Peru-Brasil-Bolvia Grupo 1 Figura 8: Eixo Peru-Brasil-Bolvia Grupo 2 Figura 9: Eixo Peru-Brasil-Bolvia Grupo 3 Figura 10: Distribuio da populao do MAP em um raio de 750 km Figura 11: Mapa das Regies do MAP Madre de Dis, Acre e Pando Figura 12: Smbolo MAP II Porto Maldonado, PE Figura 13: Mega-investimentos planejados para Amaznia Sul-Ocidental Figura 14: Campanha de vacinao conjunta na Regio MAP Figura 15: Evoluo dos Encontros MAP Figura 16: simulao das estradas vicinais no acre. 2001-2030 Figura 17: Representao das rotas de integrao latino-americana Figura 18: Aspectos dos Impactos Futuro das Estradas no MAP Figura 19: Comercio de Madera en Madre de Dios, 2006 Figura 20: Explorao Madeira MAP. Figura 21: Bacias Bi e Trinacionais da Regio MAP-Baixa elevao Figura 22: Representao da Bacia do Rio Acre Figura 23: Equipe MAP Planejamento Regional - Agenda 21 Figura 24: educao sem fronteiras, sada para o sculo XXI Figura 25: Usina de Castanha Tahuamanu-Bo Figura 26: Ecoturismo na Amaznia acreana Figura 27: Regio do MAP Potencial para Ecoturismo Amaznico 20 21 81 86 91 97 98 99 100 110 113 114 132 135 138 142 143 144 145 147 148 149 151 155 159 160 161

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RELAO DE QUADROS Quadro 1: O modelo socioambiental em oposio ao modelo predatrio na regio 60 Quadro 2: Demonstrativo do PIB na rea de influencia do EID. Quadro 4: Infra-estrutura de telecomunicaes do Eixo Peru-Brasil-Bolvia Quadro 5: Agrupamentos identificados no Eixo Peru-Brasil-Bolvia Quadro 6: Investimento Estimado para o Eixo 1. Quadro 7: Eixo Peru-Brasil-Bolvia Grupo 2: Investimentos associados Quadro 8: Eixo Peru-Brasil-Bolvia Grupo 3: Investimentos associados Quadro 9: Comit Trinacional dos Municpios de Fronteira do MAP 93 94 96 98 99 101 105 106 Quadro 3: Desenvolvimento de infra-estrutura da via do Eixo Peru-Brasil-Bolvia 93

Quadro 10: Estrutura Organizacional do Comit Trinacional de Municpios do MAP

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LISTA DE ABREVIATURAS E SMBOLO AGAPAN AMDEPAND O AMOPREB AMOREB AMOREX ANIA ASPAN BASA BID BNDES CAF CAPEB CCFD CEACON CEBAF CESVI CERBs CIJAT CIPA-UAP CIPOAP CNPT CNS COHARYIMA COIAB CONDIAC CPDS CTA DDT DEMUNAS DNA Associao Gacha de Proteo ao Meio Natural Asociacin de Municipalidades de Pando Associao dos Moradores da Reserva Extrativista Chico Mendes regio Assis Brasil Associao dos Moradores da Reserva Extrativista Chico Mendes regio de Epitaciolndia e Brasilia Associao dos Moradores da Reserva Extrativista Chico Mendes regio de Xapuri Asociacin de la Niez y su Ambiente Associao Pernambucana de Proteo da Natureza Banco da Amaznia S. A. Banco Interamericano de Desenvolvimento Banco Nacional de desenvolvimento Econmico e Social Corporao Andina de Fomento Central de Associao de Pequenos Produtores de Epitaciolndia e Brasilia Comit Catholique Contre la Faim et pour le Dveloppement Conselho Comando Especial do Batalho de Fronteira Cooperacin y Desarrollo de Italia Comunidades Eclesiais de Base Centro de Investigaes Jurdicas Amaznicas Centro de Investigacin y Preservacin Amaznica de la Universidad Amaznica de Pando Central Indgena de Pueblos Originarios de la Amazona de Pando Centro Nacional das Populaes Tradicionais Conselho Nacional dos Seringueiros Consejo Arambut Yine Machiguenka Confederao das Organizaes Indgenas da Amaznia Brasileira Consrcio de Desenvolvimento Intermunicipal do Alto Acre e Capixaba Comisso de Poltica de Desenvolvimento Sustentvel Centro de Trabalhadores da Amaznia Dicloro-difenil-tricloretano Defensoria Municipal de Nios y Adolescentes Defensoria de Nios y Adolescentes

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DREMDD EMBRAPA EIAs EID ENEAAs FBOMS FENAMAD FETACRE FSC FUNAI FUNTAC GTA IBAMA IBGE IDRC IIRSA IMAFLORA INCRA INRENA IPAM ISER LBA MAP MIMDES MMA OEA OMS ONGs OPAS OPIAC OTCA PAE

Direo Regional de Madre de Dis Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria Estudos de impactos ambientais Eixo Internacional de Desenvolvimento Encontros Nacionais de Entidades Ambientalistas Autnomas Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento Federacin Nativa del Ro Madre de Dios Federao dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Acre Forest Stewardship Council Fundao Nacional do ndio Fundao de Tecnologia do Estado do Acre Grupo de Trabalho Amaznico Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovveis Fundao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica International Development Research Centre Instituto de Integrao Regional Sul-Americano Instituto de Manejo e Certificao Florestal e Agrcola Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria Instituto Nacional de Recursos Naturales Instituto de Pesquisas Ambientais da Amaznia Instituto de Estudos Religiosos Experimento de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amaznia Madre de Dis (Peru), Acre (Brasil) e Pando (Bolvia) Ministerio de la Mujer y Desarrollo Social Fiscala e Juizado de Familia Ministrio do Meio Ambiente Organizao dos Estados Americanos Organizao Mundial de Sade Organizaes No Governamentais Organizao Pan-americana de Sade Organizao dos professores Indgenas do Acre Organizao do Tratado de Cooperao Amaznica Projeto de Assentamento Agro-Extrativista

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PESACRE PNP PMACI PP-G7 SCA SEDUCA SEMA SEMECs SEPLANDS SIF SNUC SUFRAMA STR UAP UDAIPO UFAC UFL UNICAMP UNCED UNICEF USAAC USAID USP WWF ZEE

Grupo de Pesquisa e Extenso do Acre Policia Nacional del Peru Programa de Proteo do Meio Ambiente e das Comunidades Indgenas Programa Piloto para a Proteo das Florestas Tropicais do Brasil Secretaria de Coordenao da Amaznia Secretaria de Educao de Cobija Pando Secretaria de Meio Ambiente Secretarias Municipais de Educao e Cultura Secretaria de Estado de Planejamento e Desenvolvimento Sustentvel Superintendncia Florestal Bolvia Secretaria Nacional de Proteo s Unidades de Conservao Superintendncia da Zona Franca de Manaus Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasilia e Epitaciolndia Universidad Amaznica de Pando, em Cobija Bolvia. Unidad de Apoyo a los Pueblos Indgenas Universidade Federal do Acre Universidade da Flrida Universidade de Campinas Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento United Nations Children's Fund - Fundo das Naes Unidas para Criana Universidad Nacional San Antonio Abade de Cuzco United States Agency for International Development Universidade de So Paulo World Wildlife Fund Zoneamentos Econmico-Ecolgicos

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INTRODUO A Amaznia conhecida como o lugar que Gaia escolheu para depositar sua exuberncia, esplendor e riqueza, contudo foi a ltimo local a ser dominado e retirado do isolamento, isso se levar conformidade, o pensamento do homem branco. A experincia da poltica de desenvolvimento aplicada na Amaznia, com todas as conseqncias ambientais, econmicas e sociais, tem como questo importante o papel do Estado. Desde os anos 1970, observa-se que a Amaznia representa a ltima fronteira de povoamento na Amrica do Sul, que sofre um processo de crescimento em suas reas de forma muito intensa. A construo de auto-estradas interregionais (e internacionais), a colonizao para pequenos agricultores, o estabelecimento de grandes fazendas pecuaristas e de agronegcio, as extraes mineral - vegetal a e realizao de projetos hidroeltricos. Como resultado dessas tentativas, inicia-se um meio de "modernizar" a Amaznia e integr-la economia regional com caracterstica para o nvel internacional. Neste perodo houve aumento dos conflitos de interesse pela terra, acompanhada da acelerao do processo de urbanizao, excluso de parte da populao tradicional e a devastao de reas considerveis da floresta tropical. Esse processo descreve grande parte do que est acontecendo na Amaznia hoje, ademais se pode observar que na ltima dcada houve um esforo maior de governos nacionais (brasileiro, boliviano, peruano e norte americano), seguido de organizaes no-governamentais para a implementao de um novo modelo de desenvolvimento que fosse ecologicamente ajustado, socialmente equilibrado e economicamente vivel, conforme os princpios da "sustentabilidade".

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Nesse contexto formado um consrcio internacional, ou seja, um movimento social e ambiental transfronteirio, que prope a colaborao e a integrao entre os vrios segmentos de sociedades locais s sociedades internacionais, para alcanar uma equidade socioambiental na Amaznia Continental, para se sustentar para as prximas dcadas e alm do sculo XXI. As localidades de Madre de Dis, Acre e Pando deram origem a que hoje se convencionou chamar de MAP. Essa parte da sociedade civil que busca articular a participao de todos os atores da regio, ou seja, sindicatos, grmios, organizaes sociais e instituies no governamentais. Quando se fala a sigla MAP, poucos sabem do que se trata. Muitos pensam que seja uma Ong, mas no nada disso. Como foi dito antes, o "M" significa Madre de Dis, Departamento peruano; o "A" representa o Acre, Estado brasileiro e o "P" corresponde a Pando, Departamento da Bolvia. So grupos institucionais, organizaes no-governamentais, indgenas, homens do campo e curiosos que se renem periodicamente para debater assuntos de interesse da regio nas reas econmicas, sociais, polticas e culturais, com o intuito de integrar na prtica os trs Estados dessa parte da Regio Amaznica. Figura 1: O nome MAP e rea de abrangncia

Fonte: MAP IV, 2003.

Melhor seria dizer que a Regio Sudoeste da Amaznia apresenta mudanas que esto afetando a imensa diversidade cultural, poltica e biolgica,

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alm de sua perspectiva para o desenvolvimento sustentvel regional.

As

sociedades residentes nesta regio, particularmente na Regio peruana de Madre de Dis, do Estado brasileiro do Acre, do Departamento boliviano de Pando conhecidas conjuntamente como Regio MAP, buscam construir um consenso social dos conhecimentos tradicionais locais e cientficos para orientar essas mudanas. De acordo com o Jornal de Rio Branco Acre, Brasil A Tribuna (08/02/2006) esta integrao uma aspirao de grupos de moradores locais, mas nunca se levou a srio e avante esta iniciativa, que pereceu em interminveis reunies. Antes do MAP chegaram a criar uma outra iniciativa chamada BOLPEBRA congregando representaes da Bolvia, Peru e Brasil. Esta acabou por cair no esquecimento devido sua crnica paralisia e a morosidade de polticas governamentais. Figura 2: Ponto Tripartite Brasil Bolvia Peru

Foz do rio Yaverija no rio Acre (Marco Brasileiro, na localidade de Assis Brasil), 1998. Fonte: Exrcito Brasileiro, 1998.

No demais reafirmar que a Iniciativa MAP tem sintetizado estes documentos em dois direitos bsicos1: O direito de ter acesso a informaes relevantes para o desenvolvimento sustentvel e o direito de participar de decises1 - A Declarao de Epitaciolndia e Brasilia em 2003 e a Declarao de Porto Maldonado em 2004. www.map-amazonia.net.

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coletivas. Estes direitos requerem liberdade de movimento, associao, expresso e comunicao, bem como o acesso eqitativo a dados, informao e conhecimento para todos os segmentos da sociedade. A definio dos princpios ticos abaixo uma resposta para ajudar as sociedades da Iniciativa MAP a encontrar esses direitos que contribuam com as comunidades tradicionais no processo de tomada de decises, mediante a participao voluntria dos atores sociais, econmicos e culturais. Reviso da Literatura Para compreender a atuao do MAP necessrio destacar os fatos relevantes que influenciaram o inter-relacionamento dimensional e temporal durante a dcada de 1990. Entre eles, pode-se destacar: o campesinato, pesquisadores, ONGs (movimentos ambientalistas). Para tanto, uma das primeiras preocupaes desse estudo, analisar as condies que permitissem a tamanha diversidade de interesse de modo a permitir que se propusesse a pactuar compromissos em torno de uma agenda comum: o desenvolvimento e o meio ambiente. nesta perspectiva que pretendemos definir o recorte da reviso de literatura que faremos. Como se sabe, aps o colapso da economia da borracha nas primeiras dcadas do sculo XX, a regio caiu na estagnao, sendo precariamente sustentada por frentes extrativistas, garimpeiras e pecuaristas (VELHO 1972), at o advento dos planos de integrao geopoltica dos governos militares dos anos 1960 e 1970. A partir de ento, a fronteira amaznica foi brutalmente rearticulada ao "sistema mundial" por uma poltica em grande escala de ocupao demogrfica, de desenvolvimento econmico e de redistribuio espacial promovida pelo Estado, mas financiada pelo capital internacional. Via financiamento de abertura de malha viria, construo de hidreltricas, criao de programas de colonizao, atrao de grandes investimentos nos setores mineral, agro-pecurio e florestal2. Esta poltica desencadeou um intenso movimento de competio territorial centrada no controle dos recursos naturais e dos espaos produtivos, ou seja, uma "segunda conquista"

2 - Ver Aubertin e Lna, orgs. (1986), Becker (1982), CNRS-La 111 (1977), Davis (1977), Mahar (1989), Schmink e Wood, orgs. (1984).

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que vem, outra vez, atingir diretamente os povos regionais (MAYBURY-LEWIS 1984). A maior parte dos autores que abordam essa questo, aponta como instrumentos de poltica governamental a disponibilizao de terras pblicas para projetos de colonizao (oficiais e privados) e para reforma fundiria, alm de incentivos fiscais, tributrios, creditcios e h a implantao de infra-estrutura como a construo de estradas para que as empresas (madeireiras, agropecurias e mineradoras) se instalassem na regio amaznica3. Mesmo em um contexto poltico e ideolgico como esse, de promoo de grandes empreendimentos sem qualquer preocupao ambiental, foi sendo gradualmente introduzido questo do meio ambiente no interior de algumas agncias da esfera governamental. Um marco dessa mudana de status das questes ambientais no Brasil foi a criao da Secretaria Nacional de Meio Ambiente SEMA (1976) que introduziu a Poltica Nacional do Meio Ambiente, comeando por sistematizar a gesto ambiental nacional e criou importante rea de proteo, o que estava longe de significar que o meio ambiente tivesse se tornado tema prioritrio nas polticas pblicas implementadas por aquela poca. O modelo de crescimento econmico adotado na ps-segunda guerra mundial, at a dcada de 1970, tanto nos paises capitalistas quanto nas colnias produtoras de matriaprima produtoras de matriaprima e mo-de-obra barata aparentava-se solidamente consolidado. Fundado sobre o trip: abundncia de recursos naturais e energticos, aumento da produtividade do trabalho e presena do estado de bem-estar (ou do estado desenvolvimentista, no caso do Brasil), e economia despontava de forma extensiva e era estimulada pelo consumo de massas, ganhos de escala e rentabilidade das organizaes empresariais. Sobretudo, nos pases chamados de terceiro mundo, em particular, a competitividade e atratividade dos investimentos de capital externo se baseava fortemente, na mo de obra barata, abundncia de recursos naturais e no limitado

3 - Toma-se como referncia para nossas finalidades, o conceito de regio expresso por Milton Santos (1997) no qual o espao geogrfico constitui "um sistema de objetos e um sistema de aes" que: formado por um conjunto indissocivel, solidrio e tambm contraditrio, de sistemas de objetos e sistemas de aes, no considerados isoladamente, mas como um quadro nico na qual a histria se d.

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controle ambiental, externalizando os impactos ambientais do setor produtivo amparados pelo poder do Estado moderno, como suporte da economia. Enquanto que, conforme Almeida (2004, p. 35), na Amaznia, na dcada de 1970, parecia seguir um curso histrico terrivelmente previsvel: o caminho da modernizao capitalista orientado para ocupar espaos vazios sob a direo de um bloco formado pela ditadura militar e por classes dominantes ansiosas por lucros rpidos na fronteira. Numa economia em rpida expanso, financiada pelo capital financeiro internacional, com uma geografia poltica dividida entre terras monopolizadas pelo grande capital e terras livres ocupadas por ndios e caboclos, o cenrio da acumulao primitiva parecia irreversvel, qual seja, o da separao entre comunidades e a natureza, seguida do surgimento simultneo de uma classe de proletrios sem terra e da terra como meio de produo. Outro fato importante que nesta mesma dcada o Brasil era o pas-chave (key country) da poltica norte-americana para a Amrica do Sul, posto que supostamente encarregado de preservar a ordem e a estabilidade da Pax Americana na regio (RICUPERO, 1995). Dando continuidade nesta dcada de 1970 e posterior a esta, o modelo desenvolvimentista entra em declnio na medida em que seus postulados centrais do os primeiros sinais de esgotamento, acompanhados pela acelerada crise do petrleo, que levou a um aumento significativo dos preos dos combustveis fsseis, sinalizando para uma escassez de uma das principais fontes energticas do planeta. Partia-se do principio de que o capitalismo estaria em uma grave crise. Outro fator que contribuiu para a crise do capitalismo foi a tecnocracia, o maior dos seus inimigos e causador do desemprego estrutural com inteno de estabelecer no mundo, em um futuro mais ou menos prximo, um regime autoritrio e ditatorial sob o domnio de uma elite tcnica produzida pela seleo industrial. Para Braverman4

4 - Segundo Braverman, das duas crticas centrais formuladas por Marx ao capitalismo - a teoria da propriedade, baseada numa anlise econmica e a teoria do processo de trabalho, baseada numa anlise sociolgica do capitalismo a segunda crtica havia sido pouco explorada pelo marxismo. Como resultado, aspectos como o da alienao, foram negligenciados em favor de um foco exclusivo na explorao (e crise) econmica. Coerentemente com sua crtica, ele desloca a ateno do problema da distribuio desigual de riqueza para o problema da distribuio injusta de poder no local de trabalho. A crtica que formula organizao do trabalho capitalista pode ser assim resumida:

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(1977), a diviso social do trabalho no capitalismo gera um processo de parcelizao, fragmentao e reduo do trabalho que reduz a liberdade e criatividade do operrio. Tal especializao forada do trabalhador em conjunto com a hierarquizao do processo de trabalho abre caminho para insero da maquinaria, acelerando o controle sobre a mo-de-obra e impondo ao trabalho o ritmo das mquinas. O operrio se torna um apndice da mquina. Marcuse (1973) salienta que este Estado tecnocrata apresenta o maior perigo: o progresso da tcnica permite s sociedades aperfeioarem seus mtodos de comunicao em massa, tornando mais eficazes e potentes o processo de mistificao das conscincias (BRAVERMAN, op. cit. p.149-151). Por fim, o prprio modo de produo capitalista j se manifesta com primeiros traos de uma crise criada no seu prprio interior. A crise do Estado desenvolvimentista se faz presente na Amaznia, por meio da degradao ambiental, do esgotamento das reservas de madeira, reservas minerais, da degradao das pastagens que jogaram a regio numa profunda crise econmica que busca a qualquer custo se estabelecerem com o apoio local alicerados no capital financeiro especulativo internacional. Esta crise ambiental que pe em cheque diretamente o modelo de desenvolvimento capitalista questiona o lugar da espcie humana na natureza e sua responsabilidade pelo futuro da biosfera. (LIMA, 2005, p. 41-42). Aliado a estes questionamentos est acompanhada da idia dos estoques finitos de recursos naturais que inicia uma fase de desacelerao do ritmo de crescimento da produtividade do trabalho, em parte como conseqncia da rigidez dos sistemas de regulao, e a deteriorao financeira do estado de bem-estar social, associado a sua capacidade de promoo da equidade social.desqualificao (mediante a destruio do trabalho artesanal); parcelamento do trabalho em tarefas simples e repetitivas; reduo dos custos do trabalho (aspecto econmico); hegemonia do capitalista no local de trabalho e na sociedade como um todo (aspecto poltico); maquinaria separa trabalho mental do manual; subordinao do trabalhador s condies de trabalho (ritmo e jornada): conseqncia necessria do emprego da tecnologia; e, trabalhador torna-se um apndice para uma condio material de produo. O avano tecnolgico no apenas subordina os trabalhadores ao capital, porm os priva de direitos. O capitalismo destri as unidades sociais tradicionais, onde a fora dos incentivos coletivos decrescem. O individualismo moderno gradualmente emerge como um agente econmico isolado motivado por incentivos privados. A resultante um dficit de solidariedade: os indivduos atomizados podem apenas ser organizados para aes coletivas atravs de controles externos.

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Na dcada de 1970, pode-se indagar que a Amaznia Brasileira foi objeto de um movimento de ocupao conduzido pela ditadura militar, visando tanto a incorporar seus recursos naturais na economia capitalista nacional e internacional, como a resolver o problema agrrio do sudeste e do nordeste do pas (ALMEIDA, 2004, p. 40). Partindo desse principio de penetrao do capital internacional nos pases situados na periferia e semiperiferia do capitalismo, (como o caso de Peru, Bolvia e Brasil) verifica-se que a deteriorao se manifesta na desorganizao e decadncia do sistema centralizado e estatista de promoo da modernizao e industrializao, com a acelerao do endividamento pblico e externo das naes de industrializao recente. O prprio Estado, antes com o carter desenvolvimentista, entra em uma profunda e intensa reformulao, definindo o seu novo papel privatizao de setores produtivos, terceirizao e administrao gerencial - em grande parte como uma necessidade de adaptao s novas condies estruturais da economia e da sociedade. Destaca que "a adaptao da administrao do Estado, enquanto instrumento, s tarefas complexas que impe o extraordinrio processo de mudana social e tecnolgica que estamos vivendo, condio prvia capacitao do setor pblico para atuar estrategicamente e mesmo para a implementao de qualquer reforma social. O Estado-nao5 herdado da era industrial no mais este instrumento (CASTELLS, 1998, p.72). No terreno organizacional, toma lugar uma nova definio das relaes de trabalho com precarizao, de vrios segmentos produtivos, incentivo ao trabalho autnomo e em tempo parcial, alterao dos processos e valorizao da qualificao; bem como a construo de novas instituies e instncias associativas

5 - O conceito de Estado-Nao nos remete a uma idia de poder sobre determinado espao e seus recursos; a manifestao do poder em escala nacional, ou seja, um conceito que indica possibilidades analticas que no deixam de privilegiar a idia de dominao-apropriao de espao. Poderia ser usado o eufemismo Territorialidade, suavizando assim a termologia.

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e pblicas estatais ou para-estatais, que vo ocupando espaos abertos pelo Estado em crise e limitados na sua capacidade de investimento. Como resultado da crise e incapacidade do Estado fazer face s novas demandas e aos novos desafios tende a registrar-se, em todo mundo, uma significativa expanso do chamado terceiro setor, ou seja, instituies de direito privado para prestao de servios pblicos, em parte contratados e financiados pelo Estado ou capital nacional e internacional. Surge uma grande quantidade de organizaes no governamentais que passam a atuar em mltiplas e diversificadas reas, desde a direta prestao de servios, como instituies de ensino, unidades de sade, e, principalmente, assistncia social a segmentos desprotegidos da sociedade; observando que as atividades tcnicas, de pesquisas e estudos, vo ocupando um papel crescente na sociedade. De acordo com dados apresentados por Rifkin, o chamado terceiro setor j teria, atualmente, uma presena marcante na economia norte-americana, representando cerca de 5% do PIB e 9% do emprego dos EUA (RIFKIN, 1995), mais do dobro do espao ocupado pelo setor agropecurio. No final da dcada de setenta e inicio dos anos oitenta, o conceito de sustentabilidade j teria sofrido o amadurecimento necessrio de vrias propostas acadmicas e tcnicas que surgiram durante dcadas com crticas ao economicismo e defesa do respeito ao meio ambiente e s etnoculturas existentes. Entre estas alternativas de desenvolvimento que se difundem no perodo, merece um destaque especial a concepo de ecodesenvolvimento apresentada e fundamentada por Ignacy Sachs na dcada de setenta, precursor do desenvolvimento com propostas de sustentabilidade. Ao mesmo tempo, outras instncias mundiais adotam propostas semelhantes mesmo com denominaes diferenciadas e nfases relativamente distintas, como o conceito de desenvolvimento humano do Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Este conceito de Desenvolvimento Humano, segundo o PNUD, "um processo abrangente de expanso do exerccio do direito de escolhas individuais em diversas reas: econmica, poltica, social ou cultural e ambiental [...]. [...] Algumas dessas escolhas so bsicas para a vida humana. As opes por uma vida longa e saudvel, ou por adquirir conhecimento, ou por um padro de

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vida decente, so fundamentais para os seres humanos" (PNUD, 1998). Constitui, portanto, o desenvolvimento que aumente as potencialidades das pessoas atravs de melhores condies de educao, treinamento, sade, habitao, meio ambiente e alimentao, assegurando que os frutos do desenvolvimento econmico sejam traduzidos em melhoria das condies de vida e que permita que as pessoas tomem parte ativa, participando das decises que influenciam suas vidas (PNUD, 1998). Considerando o contexto atual, Leff (2001) aponta que o que se prope hoje em dia : [...] A definio de formaes econmico-sociais como formaes scioprodutivas, nas quais se articulam os processos ecolgicos, os valores culturais, as mudanas tcnicas, o saber tradicional e a organizao produtiva, na conformao de novas relaes socioambientais e foras ecotecnolgicas de produo. Estas foras so orientadas para a maximizao de uma produo sustentvel de valores de uso e valores de troca, bem como a articulao destas economias gestionrias e de auto-subsistncia com uma economia global de mercado. Com isso se quer dizer que uma proposta de educao democrtica e crtica devem levar em conta todas essas dimenses em uma perspectiva de formao do sujeito trabalhador e cidado, compreendida como um processo abrangente e unilateral que permita o enfrentamento das condies sociais e ambientais do capitalismo tardio atravs de novas formas de produo, trabalho e consumo. Com outro enfoque, mas com a mesma coerncia com o contexto histrico, comea a se esboar, a partir da dcada de oitenta, uma nova viso cepalina de desenvolvimento que, da perspectiva de pases emergentes, a qual estabelece uma articulao necessria entre a racionalidade econmica e a tica social, de modo que a competitividade e a equidade passam a constituir o marco central de um modelo de desenvolvimento (CEPAL, 1990). Assim, tanto a viso tica quanto o novo paradigma de desenvolvimento mundial se alinham na necessidade de desenvolvimento dos recursos humanos, expresso em educao e qualidade de vida da populao, fator fundamental para a competitividade sistmica, entendida como a capacidade de uma economia (subespao) concorrer globalmente em um contexto de intensa competio econmica. Visto em uma perspectiva macroeconmica (e no estritamente

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empresarial), a competitividade sistmica est [...] integrada a una red de vinculaciones con el sistema educativo, la infraestructura tecnolgica, energtica y de transportes, las relaciones entre empleados e empleadores, el aparato institucional pblico y privado y el sistema financiero: es decir, est integrada a todo un sistema socioeconmico (CEPAL, 1990, p.14). O avano da sociedade civil organizada chega com grande intensidade na Amaznia. Ela vem fazendo frente s imposies do Estado que estava em crise e a partir daquele momento mais precisamente, em especial no Acre, os seringueiros procuram criar condies polticas para impedir a continuidade daquele modelo de pecuarizao extensiva que se propagavam rapidamente na Amaznia, criando uma alternativa scio-ambiental que atendesse aos interesses da categoria majoritria da base social do sindicato, os seringueiros autnomos. Ento, diz Chico Mendes (apud. PAULA, 1991, p.203), chegou o momento em que comeamos a nos preocupar, porque a gente tinha uma luta, uma resistncia contra o desmatamento, mas ao mesmo tempo no tinha uma proposta alternativa a apresentar, um argumento mais forte para justificar porque queramos defender a floresta. A reserva extrativista, enquanto proposta surgiu em 1985, durante o 1 Encontro Nacional de Seringueiros. Contudo, a demarcao das mesmas, a partir de 1987 (neste momento foram aprovados apenas os Projetos de Assentamentos Extrativistas), foi resultado do movimento organizado dos seringueiros e dos sindicatos de trabalhadores rurais, que vinham se estabelecendo e criando fora de luta desde meados da dcada de 60, particularmente no Estado do Acre. nessa perspectiva que gestada a proposta de Reserva Extrativista - RESEX, criadas via Decreto-Lei na forma de unidades de conservao ambiental, com a finalidade de garantir a explorao auto-sustentvel e conservao dos recursos renovveis, por populaes extrativistas (vinculadas, portanto, s agncias governamentais ligadas ao meio ambiente) e que possuem um amparo legal mais slido.As RESEXs passaram a ser consideradas, particularmente pelos seringueiros de Xapuri, como a reforma agrria dos seringueiros. Tanto no plano poltico quanto na sua dimenso simblica, os inmeros e freqentes empates realizados nos seringais daquele municpio na dcada de oitenta expressaram uma vontade de bloquear aquele tipo de modernizao. Foi a sua face ecolgica, a de conservao e/ou preservao das florestas, que abriu as fronteiras nacionais e internacionais para a divulgao da luta

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daqueles seringueiros e conquistou os simpatizantes, principalmente entre organizaes e movimentos ambientalistas (PAULA, 1991).

De acordo ainda com Paula (2005, p.137):O Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais (MSTR) no Acre, ao incorporar a dimenso ambiental, teria conseguido, naquele momento, superar em parte o anacronismo do projeto de reforma agrria defendido pela Confederao Nacional dos Trabalhadores da Agricultura CONTAG.

A criao do Conselho Nacional dos Seringueiros CNS, teria ainda, segundo o autor expressado uma estratgia destinada a ampliar o movimento de resistncia desse movimento social. A formao do CNS coincidiu com a emergncia de outros movimentos sociais no campo nos anos 80, cujas singularidades so, segundo Grzybowsky (1987, p.17-18), caracterizados:[...] pela diversidade de contradies e modos de viver e enfrentlas. As bases dos movimentos esto implantadas nas diversas formas de insero dos diferentes segmentos de trabalhadores rurais na estrutura agrria [...] Na origem dos movimentos, portanto, necessrio ver a variedade das formas assumidas pelas contradies do capital. Mas as estruturas precisam ser fecundadas pela vontade, para gerarem movimentos [...] a identidade em torno dos movimentos comuns, as aes coletivas de resistncia, etc. so um conjunto de condies necessrias dos movimentos. S assim a tenso intrnseca das relaes vira movimento.

O modo como o CNS logrou a ocupao de um espao poltico na representao dos trabalhadores na regio amaznica confirmam as observaes supra. Inicialmente em Xapuri e posteriormente no Sudeste do Par e Maranho, o CNS apoiou-se no sindicalismo mais mobilizado. Em alguns municpios como Brasilia, Sena Madureira e Tarauac, o CNS articulou-se com as oposies sindicais e estabeleceram como meta conquistar as direes dos respectivos sindicatos. Procurou-se trabalhar o movimento sindical em regies onde no havia organizao sindical (como Rondnia) ou a sua presena era pouco expressiva (Vale do Juru, Acre) estruturando outras formas organizativas como associaes de seringueiros e comisses (municipais e regionais) do CNS, firmando-se assim a participao da sociedade civil nos movimentos populares (PAULA, op. cit. p. 139). Com convico de que aquele modelo de modernizao implicava necessariamente no extermnio da profisso e do meio de subsistncia do seringueiro dado que seu meio de reproduo social, a floresta, estava sendo destruda de forma acelerada, as reservas extrativistas - RESEXs passaram a ser percebidas como o seu contraponto fundamental. Essas reservas buscavam garantir

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a sobrevivncia dos seringueiros e outros habitantes da floresta, uma vez que eles mostravam-se organizados em unidades de produo familiar e ainda utilizavam sua fora de trabalho em atividades extrativistas e na pequena produo agropecuria. Nas reservas, os espaos produtivos no so necessariamente contnuos, pois sua distribuio obedece proximidade dos rios e distribuio das espcies vegetais na floresta. O mais importante que isso soou como um canto do uirapuru, ao mesmo tempo em que acordou um furor de simpatias e apoios diversos de outros setores da sociedade civil, principalmente de organizaes no- governamentais ONGs e movimentos ambientalistas6, que protestavam contra a devastao e incinerao do verde da Amaznia. De acordo com PAULA (2005), os movimentos ambientalistas passaram a adquirir maior influncia poltica nos pases centrais a partir de meados dos anos 60. Movidos pela crtica aos danos ambientais provocados pela marcha destrutiva do progresso, passaram a pressionar, em escala crescente, governos, corporaes transnacionais e organismos financeiros internacionais responsveis pelo financiamento de projetos ambientalmente destrutivos. Hiptese O MAP se apresenta como um conjunto de propostas de polticas e estratgias de desenvolvimento diferenciadas para a Amaznia Ocidental. Diferentes, pois implicam numa reterritorializao que escapa aos modelos anteriores circunscritos aos limites territoriais dos estados nacionais. Elas expressam por um lado, a idia de compatibilizar proteo ambiental com os imperativos do mercado, por outro, a crena na eficcia das parcerias entre sociedade civil organizada e governo na gesto dos bens coletivos e dos recursos naturais. No seu conjunto, elas parecem indicar sinais de eroso da autonomia relativa do Estadonao, no que tange a gesto territorial.

6 - Maiores informaes sobre esses movimentos, ver, entre outros, McCormick (1992); Acselrad (1992); Vincent (1995); Aymone (1996); Sachs (2000).

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Objetivos Geral Contribuir para ampliar as reflexes e anlises sobre o processo contemporneo de integrao da Amaznia no curso da globalizao dos mercados, com nfase na relao complexa entre desenvolvimento e meio ambiente na fronteira trinacional MAP. Especficos Sistematizar MAP; Avaliar a atuao do MAP na gesto do meio ambiente e recursos naturais vinculado ao processo de desenvolvimento em curso na regio. Metodologia A metodologia da pesquisa est orientada a um estudo de caso, que interessa analisar a atuao do MAP no aspecto ambiental e nas diferentes formas de desenvolvimento aplicada ao mbito internacional. Sugere interpretar a "atuao do MAP", como um reordenador das relaes de poder na perspectiva da transferncia de algumas atribuies para a sociedade civil, particularmente, ONGs, sindicatos, associaes e cooperativas. Optou-se por eleger a atuao do MAP como centro da investigao, tomando-se como material o meio ambiente e o desenvolvimento que caracterizam as conjunturas diversas, bem como as consideraes necessrias sobre o comportamento dos agentes que influenciam e conformam esse processo, que se constituem na base material efetiva de referncia para a anlise dessa mediao internacional. A realizao da pesquisa apia-se em quatro grupamentos de fontes essenciais. O primeiro orienta-se para um estudo da produo bibliogrfica relacionada com a temtica (livros, artigos, trabalhos acadmicos etc.;). O segundo, localiza-se nas organizaes da sociedade civil vinculadas s polticas e estratgias o conjunto de informaes que possibilitem

contextualizar de forma mais substantiva a formao e evoluo do

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de desenvolvimento (representaes sindicais, associativas, ONGs, etc.). O terceiro, formado por um conjunto de fontes complementares, como a: imprensa local e arquivos pblicos e pessoais. O quarto composto por instituies ligadas pesquisa e desenvolvimento no MAP. A pesquisa foi desenvolvida em fases assim programadas: a) reviso bibliogrfica sobre meio ambiente e desenvolvimento; b) elaborao de um roteiro para pesquisa de campo; c) realizao da pesquisa de campo; d) anlise dos dados; e) elaborao de uma verso preliminar da dissertao; f) retorno ao campo para complementao de dados e; g) redao final. Alm da introduo, este trabalho est organizado em primeira e segunda parte, assim disposta: A primeira parte trabalha um referencial bibliogrfico a respeito da conceituao de desenvolvimento, desenvolvimento sustentvel e globalizao; em seguida ver-se meio ambiente em suas variadas dimenses e finda com o confronto entre o desenvolvimento local e a sustentabilidade global. A segunda parte trata da formao e atuao MAP e faz um breve relato sobre os grupamentos estratgicos de sada para o oceano Pacifico, financiados pelo Banco Mundial e apoiados pela Iniciativa para Integrao da Infra-Estrutura Regional SulAmericana IIRSA. O trabalho tem um desfecho com um breve histrico a respeito dos encontros na Regio e suas principais recomendaes retiradas das assemblias e discusses nas mesas temticas.

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PARTE I DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTEDe ecologista e louco cada um tem um pouco o efeito estufa, o buraco de oznio, a preservao da fauna e flora, o desenvolvimento sustentvel no so novidades para ningum. Esse conhecimento, entretanto, muitas vezes no est organizado; mais uma confuso entre fatos e conjecturas, cincia e mito. (KURT KLOETZEL)

O crescimento populacional foi o responsvel pela sedentarizao da espcie humana, ou seja, no podendo mais viver constantemente trocando de ambiente com tanto facilidade como antes, passa a conviver com que o lhe foi dado com ateno redobrada. De acordo com Kloetzel (1994) a partir da que se observam as primeiras necessidades de uma conscincia ecolgica, visto que cuidar do meio ambiente passou a ser um imperativo categrico, melhor dizendo, uma questo de sobrevivncia, de vida ou morte. O meio ambiente tudo que nos rodeia, e que diz respeito ecologia e aos ecologistas que se ocupam dos recursos naturais, aos danos da poluio, da preservao da fauna e flora, com as causas e efeitos do efeito estufa e buraco de oznio, nos riscos advindos dos agro-qumicos, pesticidas, e por fim, com a sustentabilidade e insustentabilidade. Estudos mostram que o meio ambiente uma coisa bem viva, dinmica, feita e refeita nos moldes de uma colcha de retalhos, com partes velhas e novas, com recuo e avanos que se movimenta de forma

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circular e em espiral, onde o homem um dos agentes de transformao deste meio. Destruir e evoluir constituem-se as faces de uma mesma moeda. A ecologia e o meio ambiente no so sinnimos, mas de forma alguma se encontram distanciadas entre si. A primeira, de acordo com a definio que remonta sculos, diz Sachs, (1986, p. 28) seria a cincia da morada, a economia domstica da natureza por assim dizer, onde seu objeto de estudo so as relaes entre os organismos e seu habitat. Meio ambiente por sua vez, - ou mais elegante, o ecossistema -, vem a ser a prpria morada. No estamos tratando somente do ser humano, mas de todo e qualquer ser vivo sobre o planeta. Ao tratar sobre a natureza, os gregos da antiguidade, referiam-se por Gaia, um ser que vive, vibrante, que se preocupava com os seus filhos, procurando sempre manter o equilbrio das coisas. Gaia era uma divindade que teria surgido a partir de um redemoinho de nvoa na escurido do nada (Caos) e aos poucos se tornou mais visvel e desenvolvida, formando montanhas, vales, rios e o cu que a envolve. Entretanto, James Lovelock (1979) retoma o mito original da hiptese Gaia, como o nico superorganismo vivo, auto-regulador, dotado de uma totalidade de plantas, de animais, como os minsculos protozorios e bactrias ao gigantesco elefante e rinoceronte, com capacidade de controlar o ambiente conforme as necessidades e que o equilbrio jamais fosse interrompido, isto , o meio ambiente mantm um equilbrio entre seus componentes, ou seja, sustentava sua hiptese do planeta Terra como um sistema ativo de controle. Como exemplo, citamos o caso da floresta amaznica que demonstra tal interao.Para James Lovelock, a existncia de uma atmosfera no criava coisas vivas; antes as coisas vivas, da bactria em diante, criavam a atmosfera da Terra, meramente por viverem. A fertilidade do solo, a temperatura da atmosfera, a quantidade de oxignio que respiramos esto relacionados complexa interao dos organismos. Apesar de haver muitas dvidas a respeito desta hiptese, de fato ela deveria ser interpretada como uma tese concernemente importncia demonstrvel dos organismos para o ecossistema equilibrado do planeta, ela tornou-se um virtual talism para os setores do movimento ecolgico poltico (VICENT, 1995, p. 221-222).

A existncia de uma atmosfera viva ou algo vivo, reporta a hiptese Gaia como filosofia que tinha um carter espiritualizado ou metafsico, pois fala do planeta como parte do cosmo e que nele habitam como seus senhores. A hiptese, alm de ser vista como demonstrando interdependncia com a ecosfera, tem uma

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interpretao antropocntrica e instrumentalista, ou seja, remove o homem para o ponto central e afirma uma igualdade ecolgica com a totalidade dos organismos, querendo mostrar a atitude humana em relao natureza e demais animais. As caractersticas singulares da Terra levaram Lovelock (1988) e Dian Hitchcock (1995) a desenvolver a hiptese Gaia, na qual se prope que a biosfera atua como um sistema de controle adaptativo, mantendo a Terra em homeostase. Ele tambm passou a considerar a Terra anloga aos seres vivos, freqentemente qualificando-a como um ser vivo. As definies de vida empregadas se encontram nos contextos paradigmticos da teoria da autopoiese, da biologia evolutiva neodarwinista e da biossemitica. O nico conceito de vida que poderia ser compatvel com a idia de que a Terra um sistema vivo o da vida como autopoiese. Sob esse contexto, muitos cientistas acreditavam na idia de a Amaznia ser o pulmo do mundo. A floresta Amaznica se encontra num estado de equilbrio dinmico no qual tudo aproveitado e por isso tudo se equilibra. O oxignio liberado de dia pela fotossntese das folhas consumido pelas plantas de noite e pelos demais organismos vivos. Mas ela funciona como um grande filtro de dixido de carbono. No processo de fotossntese grande quantidade de carbono absorvido. O carbono o principal causador do efeito estufa que aquece a terra. A Amaznia estoca cerca de 50 bilhes de toneladas de carbono por ano, como afirma Boff (1999). Ela representa a maior diversidade do planeta, a possibilidade de estudos e de conhecimentos sobre estas riquezas. Este fato ou mito caiu por ser improcedente, quem enfatiza Kloetzel, ao afirmar que floresta amaznica. Conforme nfase dada por Kloetzel (1994, p.16).(...) tambm se alimenta de si prpria, das folhas que tombam, das flores e dos frutos maduros que apodrecendo, so novamente transformados em alimentos para as razes, uma tarefa que ocorre por causa dos microrganismos, dos vermes e dos insetos. Isso como uma pequena camada de hmus no mais de dez centmetros - se mostra capaz de sustentar tamanha riqueza. Se estudssemos a cadeia alimentar dos animais veremos que ela, s vezes, bem complexa, numa alternncia de agressor e agredido. Cada ser vivo tem a sua presa preferida, comeando com a mais humilde alga do oceano, progredindo em seguida para o peixinho, o peixo, a gaivota ou o leo-marinho. Mesmo este ltimo, situado no topo da cadeia, no eterno: seus dejetos fertilizam os oceanos, seus restos mortais, por fim, vm juntar-se ao grande caldeiro do qual Gaia tira suas criaturas.

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A natureza, muitas vezes no se mostra to prodigiosa com respeito a sua casa, da surgem os problemas, como as catstrofes ambientais com inmeras vtimas e prejuzos dimenses mltiplas, sejam ambientais, econmicas e sociais.s vezes Gaia mostra-se tambm um tanto desleixada, deixando um dos quartos sem arrumar-la vem enxurrada, o rio transborda seu leito, o barranco despenca, levando consigo sua poro de floresta, rvores, hmus e tudo - a morada ficou alterada! Mas isso apenas um detalhe: considerado em seu conjunto em seu conjunto, o equilbrio se mantm intacto, pois, logo mais adiante, as guas depositam o sedimento, novas barranco se ergue nova mata se inicia. Quando ameaa um desequilbrio, trata-se de uma coisa fugaz: uma banal flutuao, um passageiro desvio da normalidade. Como se sabe, h anos de muito pernilongo, de muita mosca e at ocasies em que nuvens de gafanhotos acabam com toda uma safra. (KLOETZEL, op. cit. p.17-18).

Diante disso, Cavalcanti (1994), afirma que nem a natureza, nem as sociedades so estveis e sim frutos de perturbaes provenientes de agentes naturais e culturais. A sucesso no leva a um padro nico, previsvel, ou duradouro. Contrariamente, as comunidades se transformam continuamente, os indivduos fazem alianas temporrias e a sucesso caminha para diferentes direes. Os desequilbrios naturais so passageiros e de durao curta, contudo seus efeitos e marcas permanecem por geraes e que somente no longo prazo possvel de contornar restabelecimento do equilbrio.Decorrido o transtorno, frequentemente causado por alteraes meteorolgicas, o equilbrio logo se restabelece. No longo prazo, o equilbrio uma iluso: existe, por exemplo, uma clara evidncia de que na ltima era glacial, de 20 mil a 12 mil anos atrs, a Amaznia no consistia em florestas midas, mas em caatinga ou campos abertos, aqui e ali interrompidos por ilhotas de vegetao mais rica. Conclu-se, claro, que tambm o meio ambiente s eterno enquanto dura. No curto prazo, o equilbrio da natureza admirvel. Vez por outra, a cadeia alimentar perturbada, escasseiam-se algumas algas, cai o nmero de peixes at as gaivotas vem a sofrer. Trata-se de uma mera flutuao, logo volta ao normal (KLOETZEL, op. cit. p.19).

Desta forma que funciona o equilbrio e desequilbrio da natureza na Amaznia, com seus altos e baixos, entretanto o movimento de constante revoluo no meio ambiente, desprezando seu horror estagnao. Entretanto, com a chegada do homem, as mudanas ambientais se aceleraram, uma vez que, ele inventou a poluio, a transformao dos relevos terrestres, ampliou a degradao ambiental e a extino das espcies. Com a chegada do homem moderno na Amaznia, segundo Kloetzel (1994), tem uma pergunta que no deixa calar: - O equilbrio ainda poder ser institudo? Acredita ele que seja pouco provvel, pois o

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homem cortando a mata, para plantar pasto extensivo, explorando a madeira irracionalmente, introduzindo a monocultura em grande escala e retirando a cobertura vegetal, vai alterar a cadeia alimentar. O solo que antes era sustentado pela floresta empobrecer com pouco hmus que sobra, a chuva torrencial se encarregar de seu trabalho dando xeque-mate no equilbrio. Assim sendo, as reservas sero reduzidas no conseguindo sustentar a riqueza da fauna e da flora que necessitam de espao. Ambientalismo no Brasil No inicio dos anos de 1970, surge um documento intitulado o Manifesto Ecolgico Brasileiro: o Fim do Futuro que tinha como tnica a ideologia dos movimentos ecolgicos europeus e norte-americanos, mas que fazia severas crticas da religio do progresso, utilizando linguagem tpica da teoria dos ecossistemas:A quase totalidade do que convencionamos chamar de progresso no outra coisa que tem incremento na rapina dos recursos naturais enquanto progresso da vida. Atravs das interminveis eras da evoluo significara aumento constante do capital ecosfrico, com o aprimoramento progressivo da homeostase. O progresso do homem moderno no , seno uma orgia de consumo acelerado de consumo de capital, com o aumento paralelo na vulnerabilidade do sistema. (...) A religio da Sociedade de Consumo, a religio do progresso, (...) promove formas de comportamento que levam a situaes desequilibradas, cada vez mais insustentveis...(...) Estas concepes desenvolvimentistas so muito recentes, surgiram aps a guerra de 1939-45, mas decorrem do dogma fundamental que postula a necessidade do crescimento ilimitado. Produo, consumo e populao no podem parar de crescer. (...) Por isso, o descontrole decorrente de nossas atitudes atuais s ter soluo na mudana de atitudes, no reexame de nossos valores, na redefinio de progresso e desenvolvimento. (...) Fundamentalmente, a soluo dos problemas ambientais est na educao (LUTZEMBERGER, 1977).

Os escritos do Manifesto Ecolgico Brasileiro criticam tambm a sociedade do desperdcio, do consumismo e prope uma nova tica baseada nas caractersticas do mundo natural. Fazendo juno na relao homem/natureza, sociedades tradicionais, ndios e camponeses, se contrapondo ao modelo de colonizao predatria. Cita o exemplo do ndio que viveu centenas de anos em convvio harmnico com a natureza, atingindo o equilbrio estvel em seu ambiente. O ambientalismo do Manifesto Ecolgico Brasileiro teve a funo importante nas lutas ecolgicas dos anos 1970 a 80, denunciando a degradao ambiental, as instalaes das usinas nucleares e o militarismo e, ainda caracterizado como sua

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auto-identificao apoltica que permeou de 1974 a 1981. Depois veio um perodo de transio explicita de politizao progressiva de expanso quantitativa e qualitativa (de 1982 - 1985). Por fim uma opo eco-poltica, a partir de 1986, com a participao ativa na vida parlamentar. O ambientalismo brasileiro tem assumido uma crescente influncia na formulao e implementao de polticas pblicas e na promoo de estratgias para um novo estilo de desenvolvimento, como mostra Jacobi (1995, p. 3-5):A partir da segunda metade da dcada de 80, no entanto, a temtica ambiental assume um papel bem mais relevante no discurso dos diversos atores que compem a sociedade brasileira. O ambientalismo se expande, e penetra em outras reas e dinmicas organizacionais estimulando o engajamento de grupos socioambientais, cientficos, movimentos sociais e empresariais, nos quais o discurso do desenvolvimento sustentado assume papel de preponderncia. A maior consistncia das idias das organizaes ambientais e a maior visibilidade de suas aes contribuem diretamente para que outros atores se incorporem mais efetivamente no debate ambiental: grupos cientficos e parte do empresariado. A presena da comunidade cientfica se multiplica e diversos centros de pesquisa interdisciplinares e instituies acadmicas interdisciplinares de ps-graduao em meio ambiente desempenham papel relevante em programas e parcerias com agncias governamentais, ONGs, e empresas privadas visando a conservao e uso sustentvel da biodiversidade.

Salienta Harry Born (2003), o movimento ambientalista brasileiro tem cumprido muitas funes importantes. A primeira a revelao das questes ambientais, estando muito presente a denncia pblica e divulgao de informaes sobre problemas de degradao ambiental, juntamente com a cobrana de aes dos poderes pblicos em relao aos fatos tornados de conhecimento geral. A segunda funo a educao e formao, que passaram a conscientizar ou educar a opinio publica e a mdia em torno de graves problemas ambientais. A terceira advocacia de direitos e polticas pblicas para o meio ambiente e sustentabilidade que muitas vezes apresentavam algumas falhas na formulao e implementao de polticas, de direitos de instrumentos para prevenir novos casos e reverter os existentes. As organizaes internacionais que denunciam os ataques contra o meio ambiente como o Greenpeace, Aspan, Agapan, Oikos e Ceacon. A quarta funo est ligada ao desenvolvimento de pesquisas, gerao e disseminao de conhecimento sobre a situao e gesto da qualidade e integridade ambiental que trabalham nos monitoramento e fiscalizao que advogam prticas e polticas diferenciadas para questes ambientais.

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Na luta contra a degradao ambiental, o movimento ambientalista no Brasil contribuiu para a institucionalizao de mecanismos de controle social, a exemplo das audincias publicas previas as decises sobre empreendimentos de grande impacto scio-ambiental, e a obrigatoriedade de elaborao de estudos de impactos ambientais (EIAs). E analisando a perspectiva de Born (2003), a quinta compreende o acesso a informaes, a publicao de pedidos de licenciamento ambiental, sobretudo na criao de instncias colegiadas com a participao de representantes da sociedade civil organizada. Os ENEAAs Encontros Nacionais de Entidades Ambientalistas Autnomas foram importantes, entre 1986 e 1994, para articular as funes e dar novas diretrizes ao movimento ambientalista. O sexto papel, implementao de projetos para efeitos demonstrativos e indutores de novas praticas, como exemplo podemos citar a conservao da mata atlntica com vista comercializao e ao manejo de plantas medicinais, apoio introduo de sistemas agroflorestais e cultivo de banana orgnica. A stima funo: assessoria, disseminao e multiplicao de idias e praticas de atuao, aonde as ONGs vm sendo chamadas para atuarem como parcerias de prefeituras. A conferencia Rio 92 incluindo em seus documentos a questo da participao na agenda 21, promoveu um chamado da sociedade participar na defesa e monitoramento de polticas publicas adequadas ao papel de articulao, veiculao e disseminao de idias e experincias por conjunto organizado da sociedade civil. Este documento contm compromissos para mudana do padro de desenvolvimento, processos de planejamento estratgico e participativo que analisa a situao atual do pas, estado, municpio e regio, elaborando propostas voltadas para o futuro, de forma sustentvel (BORN, 2003). Outro evento importante para o movimento ambientalista foi o Frum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS) criado em 1990 visando facilitar a participao da sociedade civil em todo o processo da Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), e na Rio-92. Neste processo, por sua estrutura e forma democrtica e participativa de trabalhar, produzir documentos e posies, o Frum se consolidou, se firmando como ator nacional e internacional, assumindo um papel de interlocuo com outros atores importantes. Em todos os

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eventos relacionados UNCED, o Frum esteve presente. Mesmo sem personalidade jurdica prpria, esse evento foi um reconhecimento ao papel de articulao, veiculao, disseminao de idias e experincias por conjunto organizado da sociedade civil. O FBOMS fez-se apresentar com delegaes em reunies de negociaes de acordos internacionais em meio ambiente. Preparou-se, em 1991, um documento sobre a viso das ONGs, movimentos sociais brasileiros, meio ambiente e desenvolvimento, utilizando como plataforma de aes, obras na qual se apresentava uma analise da situao do pas no contexto global, bem como diversas recomendaes e linhas de aes no referencial da construo das sociedades sustentveis. A CPDSA21 foi criada em 1997, vinculada Cmara de Recursos Naturais da Presidncia da Repblica, e presidida pelo Ministrio do Meio Ambiente, ela constituda de representantes de diversos ministrios e da sociedade civil, incluindo empresas, cientistas e ONGs. O Vitae Civilis, em nome do Frum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais, se envolveu desde a criao da CPDS, participando ativamente de todo o processo de discusso, elaborao e lanamento da Agenda 21 Brasileira, em junho de 2002. Novos documentos da CPDSA 21 brasileira foram incorporados ao movimento ambientalista no Brasil. Merece destaque a atuao desse movimento ambientalista nos comits de bacias hidrogrficas, cuja funo primordial tem sido revelar problemas, sensibilizar a sociedade, fazer a defesa e monitoramento de polticas pblicas adequadas. Oitava funo O da formao de quadros. preciso que se saiba que para trabalhar em ONG, muitas vezes a formao tcnica e universitria por se s no suficiente, as organizaes do terceiro setor como as do movimento ambientalista, guia-se por interesses difusos e resultados de longa permanncia e perenicidade, alm dos pressupostos da sustentabilidade. Isso requer a atuao de profissionais lastreados na harmonizao de questes tcnicas com aspectos de gesto pblicas, equidade e justia social. O movimento ambientalista brasileiro tambm est interligado com a vida das populaes tradicionais7 que sofreram impacto com a implantao da propriedade estatal, na forma de reas naturais protegidas em seus territrios.7 - So consideradas Populaes Tradicionais aquelas comunidades que, tradicionalmente e culturalmente, tm sua subsistncia baseada no extrativismo de bens naturais renovveis (UICN, 1995).

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Nesses territrios foram identificados trs tipos de movimentos ambientalistas autnomos em reas protegidas, a saber: a) Movimentos Locais Espontneos, so experincias locais de resistncia e organizao de produtores extrativistas na defesa de seu territrio, trata-se de movimentos que buscam acesso aos recursos naturais, que depois vieram a ser reconhecidos pelo Ibama com formas tolerveis de ao. b) Movimentos Locais Tutelados pelo Estado retrata a situao das populaes tradicionais que vivem em reas naturais protegidas, o caso do Parque Nacional da Serra do Divisor no Estado do Acre onde existe ocupao de populaes tradicionais que residem h vrias geraes na rea transformadas em porque e que mantm vnculos histricos importantes com ela, dependem para sobrevivncia do uso dos recursos naturais renovveis, dos quais tem grande conhecimento de um lado, e; as que invadiram o parque na poca ou depois de sua criao e que so frutos da estrutura agrria injusta no Brasil, de outro. c) Movimentos Locais com Alianas Incipientes com Agncias No-Governamentais ANGs, so os administrados pela sociedade civil, apoiados por vrias organizaes no-governamentais ambientalistas internacionais, entre as quais a WWF - World Wildlife Fund (DIEGUES, 2001. p.138-144). Movimentos socioterritoriais e a reterritorializao Atualmente, muitas reas do conhecimento adotaram o territrio como conceito essencial em suas anlises. Todavia, o conceito de territrio utilizado como uma dimenso das relaes sociais, enquanto na verdade, o territrio multidimensional, constituindo-se em uma totalidade, precisando para uma eficaz anlise conceitual necessrio definir o espao como composicionalidade, ou seja, compreende e s pode ser compreendido em todas as dimenses que o compem (FERNANDES, 2004). As idias apresentadas ainda esto em processo de formao, a contribuio contida na parte concernente aos movimentos socioterritoriais e a reterritorializao. Hoje, frente aos intensos processos de incluso e excluso social provocados pelas polticas neoliberais, urge pensar os espaos e os territrios como forma de compreender melhor as conflitualidades, revelando os novos espaos e territrios antes no pensados.

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O espao social a materializao da existncia humana. Esta definio extremamente ampla de espao foi elaborada por Lefebvre, (1991, p. 102). O espao assim compreendido uma dimenso da realidade, onde se necessita estud-lo para contribuir com sua compreenso e transformao. A identidade do espao, sua plenitude, como demonstra Santos (1996, p. 50) na elaborao de uma definio plena de espao. Santos compreende que o espao formado por um conjunto indissocivel, solidrio e tambm contraditrio, de sistemas de objetos e sistemas de aes, no considerados isoladamente, mas como o quadro nico no qual a histria se d. Essa definio explicita o espao geogrfico onde se realizam todos os tipos de relaes. Essas relaes so formadoras dos sistemas de aes e de objetos, que de acordo com Milton Santos so contraditrios e solidrios. As relaes sociais so predominantemente produtoras de espaos fragmentados, divididos, unos, singulares, dicotomizados, fracionados, portanto, tambm conflitivos. A produo de fragmentos ou fraes de espaos resultado de intencionalidades das relaes sociais, que determinam as leituras e aes propositivas que projetam a totalidade como parte, o seja, o espao em sua qualidade completiva apresentado somente como uma frao ou um fragmento. importante reforar que o espao como fragmento ou frao uma representao, construda a partir de uma determinao interagida pela receptividade, constituda por uma relao social. Essa representao exige uma intencionalidade, ou seja, uma forma de compreenso unidimensional do espao, reduzindo suas qualidades. Desse modo, apresentam o espao poltico somente como poltico, o espao econmico somente como econmico e o espao cultural somente como cultural. A intencionalidade um modo de compreenso que um grupo, uma nao, uma classe social ou at mesmo uma pessoa utiliza para poder se realizar, ou seja, se materializar no espao, como bem definiu Lefebvre. A intencionalidade uma viso de mundo, ampla, todavia una, sempre uma forma, um modo de ser, de existir. Constitui-se em uma identidade. Por esta condio, precisa delimitar para poder se diferenciar e ser identificada. E assim, constri uma leitura parcial de espao que apresentada como totalidade. Afinal, todos os povos se sentem o centro do universo.

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Os territrios so formados no espao geogrfico a partir de diferentes relaes sociais. O territrio uma frao do espao geogrfico e ou de outros espaos materiais ou imateriais. Entretanto importante lembrar que o territrio um espao geogrfico, assim como a regio e o lugar, e possui as qualidades composicionais e completivas dos espaos. A partir desse princpio, essencial enfatizar que o territrio imaterial tambm um espao poltico, abstrato. Sua configurao como territrio refere-se s dimenses de poder e controle social que lhes so inerentes. Desde essa compreenso, o territrio mesmo sendo uma frao do espao tambm multidimensional. Essas qualidades dos espaos evidenciam nas partes as mesmas caractersticas da totalidade. O territrio foi definido por Raffestin (1993, p. 63) como sistemas de aes e sistemas de objetos. Essa similitude das definies de Claude Raffestin e Milton Santos significa tambm que espao geogrfico e territrio, ainda que diferentes, so o mesmo. Pode-se afirmar com certeza que todo territrio um espao (nem sempre geogrfico, pode ser social, poltico, cultural, ciberntico etc.). Por outro lado, evidente que nem sempre e nem todo espao um territrio. Os territrios se movimentam e se fixam sobre o espao geogrfico. O espao geogrfico de uma nao o seu territrio. E no interior deste espao h diferentes territrios, constituindo o que Haesbaert (2004) denominou de multiterritorialidades. So as relaes sociais que transformam o espao em territrio e vice e versa, sendo o espao um a priori e o territrio um a posteriori. O espao perene e o territrio intermitente. Da mesma forma que o espao e o territrio so fundamentais para a realizao das relaes sociais, estas produzem continuamente espaos e territrios de formas contraditrias, solidrias e conflitivas. Esses vnculos so indissociveis (FERNANDES, 2004). O territrio como espao geogrfico contm os elementos da natureza e os espaos produzidos pelas relaes sociais. , portanto, uma totalidade restringida pela intencionalidade que o criou. A sua existncia assim como a sua destruio sero determinadas pelas relaes sociais que do movimento ao espao. Assim, o territrio espao de liberdade e dominao, de expropriao e resistncia. Um bom exemplo dessas caractersticas est em Oliveira, 1991, nos conceitos de territorializao do capital e monoplio do territrio pelo capital. De acordo com Fernandes (2004) as relaes sociais, por sua diversidade,

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criam vrios tipos de territrios, que so contnuos em reas extensas e ou so descontnuos em pontos e redes, formados por diferentes escalas e dimenses. Os territrios so pases, estados, regies, municpios, departamentos, bairros, fbricas, vilas, propriedades, moradias, salas, corpo, mente, pensamento, conhecimento. Os territrios so, portanto, concretos e imateriais. O espao geogrfico de uma nao forma um territrio concreto, assim como um paradigma forma um territrio imaterial. O conhecimento um importante tipo de territrio, da a essencialidade do mtodo. Para a construo de leituras da realidade fundamental criar mtodos de anlise, que so espaos mentais (imateriais) onde os pensamentos so elaborados. Para um uso no servil dos territrios dos paradigmas necessrio utilizar-se da propriedade do mtodo. A mobilidade dos territrios imateriais sobre o espao geogrfico por meio da intencionalidade determina a construo de territrios concretos. Estes possuem o sentido de trunfo que Raffestin (1993) defende para o conceito de territrio. Sem a produo de espaos e de territrios, o conhecimento, como relao social, pode ser subordinado por outros conhecimentos, relaes sociais, espaos e territrios. Processos geogrficos ou TDR Os processos geogrficos so tambm processos sociais. As relaes sociais a partir de suas intencionalidades produzem espaos, lugares, territrios, regies e paisagens. Ao produzirem seus espaos e neles se realizarem, as relaes sociais tambm so produzidas pelos espaos. Essa indissociabilidade promove os movimentos dos espaos sociais e dos territrios nos espaos geogrficos. Nesses movimentos as propriedades dos espaos e dos territrios so manifestadas em aes, relaes e expresses, materiais e imateriais, afirmado por Fernandes (2004). Os movimentos das propriedades dos espaos e territrios so: expanso, fluxo, refluxo, multidimensionamento, criao e destruio. A expanso e ou a criao de territrios so aes concretas representadas pela territorializao. O refluxo e a destruio so aes concretas representadas pela desterritorializao. Esse movimento explicita a conflitualidade e as contradies das relaes

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socioespaciais e socioterritoriais. Por causa dessas caractersticas, acontece ao mesmo tempo a expanso e a destruio; a criao e o refluxo. Esse o movimento do processo geogrfico conhecido como TDR, ou territorializao desterritorializao reterritorializao. Como exemplos de TDR podem ser dados com o movimento das empresas capitalistas que se instalam e mudam de cidades e pases de acordo com as conjunturas polticas e econmicas; ou os movimentos do agronegcio e da agricultura camponesa modificando paisagens, mudando a estrutura fundiria e as relaes. Tambm quando um paradigma entra em crise ou abandonado e tempos depois retomado. Os processos geogrficos so, igualmente, movimentos das propriedades espaciais e das relaes sociais. So quatro os processos geogrficos primrios: espacializao, espacialidade, territorializao e territorialidade. So trs os processos geogrficos procedentes: desterritorializao, reterritorializao, desterritorialidade, reterritorialidade (FERNANDES, 2004). E vai alm, enquanto a territorializao resultado da expanso do territrio, contnuo ou interrupto, a territorialidade a manifestao dos movimentos das relaes sociais mantenedoras dos territrios que produzem e reproduzem aes prprias ou apropriadas. Existem dois tipos de territorialidade, a local e a deslocada, que podem acontecer simultaneamente. A territorialidade local pode ser simples ou mltipla, depende dos usos que as relaes mantenedoras fazem do territrio. Um exemplo de territorialidade local simples um hospital, cujo espao utilizado unicamente para seu fim prprio. Exemplos de territorialidade local mltipla so os usos dos territrios em diferentes momentos. O uso mltiplo de um mesmo territrio explicita a sua territorialidade. Uma rua pode ser utilizada com o trfego de veculos, para o lazer nos finais de semana e com a feira livre acontecendo um dia por semana. A desterritorialidade acontece com o impedimento da realizao de uma dessas aes. Da mesma forma fora que a reterritorialidade acontece com o retorno da mesma. Outro exemplo o prdio de um sindicato onde acontecem reunies para tratar dos interesses polticos e econmicos dos trabalhadores, mas tambm ocupado com aulas de alfabetizao de jovens e adultos e tambm para a prtica de esportes.

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A espacializao movimento concreto das aes e sua reproduo no espao geogrfico e no territrio. A espacializao como movimento circunstancial, o presente. Ao contrrio da territorializao, a espacializao no expanso, so fluxos e refluxos da multidimensionalidade dos espaos. Portanto no existe a desespacializao (SANTOS, 1988). Uma vez realizada em movimento, a espacializao torna-se fato acontecido, impossvel de ser destrudo. Desse modo espacialidade e espacializao podem acontecer concomitantemente. Todavia, territorializao e desterritorializao no acontecem com ao mesmo tempo e no mesmo lugar, mas pode acontecer ao simultaneamente em lugares diferentes. Movimentos socioterritoriais e socioespaciais Observando os estudos de Fernandes (2004), este afirma que do mesmo modo que alguns movimentos transformam espaos em territrios, tambm se territorializam e so desterritorializados e se reterritorializam e carregam consigo suas territorialidades, suas identidades territoriais constituindo uma pluriterritorialidade. A transformao do espao em territrio acontece por meio da conflitualidade, definida pelo estado permanente de conflitos no enfretamento entre as foras polticas que procuram criar, conquistar e controlar seus territrios8. A criao ou conquista de um territrio pode acontecer com a desterritorializao e com a reterritorializao. Os territrios se movimentam tambm pela conflitualidade. O territrio espao de vida e morte, de liberdade e de resistncia. Por essa razo, carrega em si sua identidade, que expressa sua territorialidade. As relaes, as aes e as formas de organizao acontecem no espao. Elas se realizam no espao geogrfico e em todas as suas dimenses: social, poltico, econmico, ambiental, cultural etc. Portanto, a partir do momento que nos propomos a realizar uma anlise geogrfica dos movimentos, alm da preocupao com as formas, aes e relaes, fundamental compreender os espaos e territrios produzidos ou construdos pelos movimentos. Os movimentos socioterritoriais para atingirem seus objetivos constroem espaos polticos, espacializam-se e promovem espacialidades. A construo de um tipo de territrio significa, quase sempre, a destruio de um outro tipo de territrio,8 - Estudos amplos das conflitualidades na luta pela terra so realizados por Gonalves, 2004 e 2005.

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de modo que a maior parte dos movimentos socioterritoriais forma-se a partir dos processos de reterritorializao e desterritorializao. De acordo com Raffestin, 1993, partimos da premissa que para alguns movimentos o territrio seu trunfo e, portanto, a razo da sua existncia. Para todos os movimentos o espao essencial. evidente que no existem movimentos sociais sem espao. Todos os movimentos produzem algum tipo de espao, mas nem todos os movimentos tm o territrio como trunfo. Existem movimentos socioespaciais e movimentos socioterritoriais em toda parte, nos paises, nas fronteiras, no campo, na cidade e na floresta. O espao, o territrio, o lugar, as relaes sociais, as escalas das aes nos ajudam a compreender os tipos de movimentos socioespacial ou socioterritorial e seus processos geogrficos (isolados, reterritorializados ou espacializados). Esses movimentos so tanto instituies no formais, polticas no sentido lato, por sua materialidade, ao, estabelecimento e dinmica, quanto so igualmente instituies formais como os sindicatos, as empresas, os estados, as igrejas e as organizaes no governamentais (ONGs). Nesse sentido, preciso diferenciar entre os movimentos socioespaciais e os movimentos socioterritoriais, com o enfatiza Fernandes (2004). Os movimentos socioterritoriais tm o territrio no s como trunfo, mas este essencial para sua existncia. Os movimentos camponeses, os indgenas, as empresas, os sindicatos, os estados e as regies podem se constituir em movimentos socioterritoriais e socioespaciais. Porque criam relaes sociais para tratarem diretamente de seus interesses e assim produzem seus prprios espaos e seus territrios. As organizaes no governamentais se constituem apenas como movimentos socioespaciais. Estas so agncias de mediao, uma vez que as ONGs so sempre representaes da reivindicao, de espaos e ou de territrios. No so sujeitos reivindicando um territrio. No existem a partir de um territrio. So sujeitos reivindicando espaos, so entidades de apoio ou contrrias aos movimentos socioterritoriais e socioespaciais, so agncias intermedirias, que produzem espaos polticos e se espacializam. As organizaes no governamentais trabalham com representaes de

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interesses, defendendo desde os interesses de uma multinacional aos interesses de um movimento indgena. Portanto, s podem se constituir como movimentos socioespaciais, uma vez que no possuem um territrio definido. O fato de defenderem uma ou outra intencionalidade no lhes d o status de movimentos socioterritoriais, pois como afirmamos na primeira parte deste artigo, os territrios imateriais so tambm espaos polticos, abstratos. Sua configurao como territrio refere-se s dimenses de poder e controle social que lhes so inerentes. Todavia, as imaterialidades representadas pelas intencionalidades defendidas no se materializam como territrio prprio, mas como territrio dos movimentos socioterritoriais que elas defendem. Assim sendo, o conceito de territrio vincula-se ao conceito de espao geogrfico, seus elementos naturais e relaes sociais. Elemento fundamental do territrio e do espao geogrfico a materializao da existncia humana. Os espaos produzidos pelos movimentos socioterritoriais so diversos e so constitudos de acordo com as suas aes. Esses movimentos fazem-se nos espaos de socializao poltica e espaos de socializao propositiva, onde geram as prticas polticas de seu desenvolvimento. A construo de espaos polticos, sociais, culturais e outros acontecem em diferentes lugares e territrios. A construo desses espaos e seus dimensionamentos so essenciais para as aes dos sujeitos que procuram transformar a realidade. No existe transformao da realidade sem a criao de espaos. Os movimentos socioespaciais tambm possuem diferentes escalas. Podem atuar da escala mundial escala local. So predominantemente agncias de mediao. Um exemplo de movimento socioespacial global do o Greenpeace. Um exemplo de movimentos socioespacial em escala local so as organizaes de bairro em luta contra a carestia ou pela implantao de servios sociais, como energia eltrica, asfalto, escolas etc. Os movimentos socioespaciais e os socioterritoriais enfrentam contra espaos (MOREIRA, 2002), que foram estudados por Feliciano (2003) com exemplos das medidas polticas do Estado constitudas como barreiras espaciais para impedir a espacializao e territorializao dos movimentos camponeses. O conflito fato presente nas aes dos movimentos socioterritoriais e so promotores

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de desenvolvimento e refluxo das polticas das instituies. A excluso, a negociao e a ressocializao so condies que se realizam e se superam por meio das aes dos movimentos na construo de espaos e conquista de territrios. Compreender esses processos importante para a superao de prconceitos contra os sujeitos que lutam por suas existncias na conquista de seus territrios. Muitas vezes so denominados baderneiros porque mexeram, entraram, penetraram em espaos territrios de onde foram excludos e que, por causa da desigualdade econmica e do controle social, no poderiam entrar, permanecer em seus territrios. Tambm possvel mapear os movimentos das foras polticas sobre o espao geogrfico, transformando as paisagens, criando e destruindo territrios. A leitura geogrfica estratgica e fundamental para o desenvolvimento das i