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DISTÚRBIOS DO EQUILÍBRIO HIDROELETROLÍTICO E DO EQUILÍBRIO ACIDOBÁSICO – UMA REVISÃO PRÁTICA  FLUID, ELECTROLYTE AND ACID-BASE DISORDERS. A PRACTICAL REVIEW Paulo Roberto B. Évora 1 ; Celso Luís dos Reis 2 ; Marcus A. Ferez 2 ; Denise A. Conte 2  & Luís Vicente Garcia 3 1 Livre Docente em Cirurgia Torácica e Cardiovascular e Coordenador do Laboratório de Função Endotelial da Divisão de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental; 2 Médicos Assistentes do Centro de Tratamento Intensivo (Campus) do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto; 3 Docente da Disciplina de Dor e Anestesiologia, Diretor do Serviço de Anestesiologia. Departamento de Cirurgia, Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. CORRESPONDÊNCIA : Paulo Roberto B. Evora – Rua Rui Barbosa, 367, 7º Andar – CEP: 14015-120 – Ribeirão Preto, SP EVORA PRB; REIS CL; FEREZ MA; CONTE DA & GARCIA L V. Distúrbi os do equilíbrio hidroe letrolít ico e do equilíbrio acidobásico – Uma revisão prática. Medicina, Ribeirão Preto, 32:  451-469, out./dez. 1999. RESUMO: O equilíbrio hidroeletrolítico e o equilíbrio acidobásico são assuntos de importân- cia para todas as especialidades. Porém, seu entendimento prático é, por vezes, revestido de variados graus de dificuldades. No presente texto apresenta-se o assunto apenas como uma visão prática, adquirida em mais de vinte (20) anos de ensino para estudantes, médicos residentes e médicos pós- graduandos. O texto tem apenas a pretensão didática, sem nenhuma preocupação acadêmica. UNITERMOS: Água. Eletrólitos. Acidose. Alcalose. Equilíbrio acidobásico. Equilibrio hidro- eletrolítico. 451 2. Reconh ecer os efei tos da permeabili dade e ton ici- dade nas diferenças de composição entre os líqui- dos intracelular e extracelular. 3. T er noçõ es de e quilí brio h ídrico . 4. Reconh ecer a importân cia das chamad as perd as para o terceiro espaço. 5. Recon hecer e tratar os pr incip ais dist úrbio s do equi- líbrio hídrico (desidratação, edema e intoxicação hídrica). 6. Recon hecer e tratar os pr incip ais dist úrbio s do equi- líbrio eletrolítico (hipo e hipernatremia, hipo e hi- perpotassemia, hipo e hipercalcemia, hipo e hiper- magnesemia). Os principais objetivos relativos ao EAB, a se- rem atingidos pelo leitor, podem ser enumerados como a seguir: 1. Reconh ecer os d ois mec anismos básicos que os sistemas orgânicos utilizam para a manutenção do Medicina, Ribeirão Preto, 32:  451-469, out./dez. 1999  REVISÃO Este é um texto de revisão que representa um estilo adotado para o ensino dos equilíbrios hidroele- trolítico (EHE) e acidobásico (EAB) por mais de duas décadas (1975 a 1998). Do ponto de vista acadêmico, a maneira como o assunto é apresentado pode estar sujeita a muitas críticas, mas esta foi a melhor manei- ra encontrada para ensinar médicos residentes e es- tudantes. Incluir os dois assuntos em um texto de re- visão, sem estendê-lo excessivamente, foi outro de- safio. Assim, temos consciência de que a manuten- ção de uma fluência de estilo pode ter deixado a de- sejar, uma vez que, em determinados momentos, sem- pre com a preocupação da extensão do texto, ele se torna mais próximo do estilo que se lê em manuais. Os principais objetivos relativos ao EHE, a se- rem atingidos pelo leitor, podem ser enumerados como a seguir: 1. Recon hecer os c ompart iment os hídr icos e a águ a total do organismo.

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DISTÚRBIOS DO EQUILÍBRIO HIDROELETROLÍTICO E DOEQUILÍBRIO ACIDOBÁSICO – UMA REVISÃO PRÁTICA

 FLUID, ELECTROLYTE AND ACID-BASE DISORDERS. A PRACTICAL REVIEW 

Paulo Roberto B. Évora1; Celso Luís dos Reis2; Marcus A. Ferez2; Denise A. Conte2 & Luís Vicente Garcia3

1Livre Docente em Cirurgia Torácica e Cardiovascular e Coordenador do Laboratório de Função Endotelial da Divisão de TécnicaCirúrgica e Cirurgia Experimental; 2Médicos Assistentes do Centro de Tratamento Intensivo (Campus) do Hospital das Clínicas deRibeirão Preto; 3Docente da Disciplina de Dor e Anestesiologia, Diretor do Serviço de Anestesiologia. Departamento de Cirurgia,Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.CORRESPONDÊNCIA: Paulo Roberto B. Evora – Rua Rui Barbosa, 367, 7º Andar – CEP: 14015-120 – Ribeirão Preto, SP

EVORA PRB; REIS CL; FEREZ MA; CONTE DA & GARCIA LV. Distúrbios do equilíbrio hidroeletrolítico e doequilíbrio acidobásico – Uma revisão prática. Medicina, Ribeirão Preto, 32: 451-469, out./dez. 1999.

RESUMO: O equilíbrio hidroeletrolítico e o equilíbrio acidobásico são assuntos de importân-cia para todas as especialidades. Porém, seu entendimento prático é, por vezes, revestido devariados graus de dificuldades.

No presente texto apresenta-se o assunto apenas como uma visão prática, adquirida emmais de vinte (20) anos de ensino para estudantes, médicos residentes e médicos pós-graduandos. O texto tem apenas a pretensão didática, sem nenhuma preocupação acadêmica.

UNITERMOS: Água. Eletrólitos. Acidose. Alcalose. Equilíbrio acidobásico. Equilibrio hidro-eletrolítico.

451

2. Reconhecer os efeitos da permeabilidade e tonici-dade nas diferenças de composição entre os líqui-dos intracelular e extracelular.

3. Ter noções de equilíbrio hídrico.4. Reconhecer a importância das chamadas perdas

para o terceiro espaço.5. Reconhecer e tratar os principais distúrbios do equi-

líbrio hídrico (desidratação, edema e intoxicação

hídrica).6. Reconhecer e tratar os principais distúrbios do equi-líbrio eletrolítico (hipo e hipernatremia, hipo e hi-perpotassemia, hipo e hipercalcemia, hipo e hiper-magnesemia).

Os principais objetivos relativos ao EAB, a se-rem atingidos pelo leitor, podem ser enumerados comoa seguir:1. Reconhecer os dois mecanismos básicos que os

sistemas orgânicos utilizam para a manutenção do

Medicina, Ribeirão Preto,32: 451-469, out./dez. 1999 REVISÃO 

Este é um texto de revisão que representa umestilo adotado para o ensino dos equilíbrios hidroele-trolítico (EHE) e acidobásico (EAB) por mais de duasdécadas (1975 a 1998). Do ponto de vista acadêmico,a maneira como o assunto é apresentado pode estarsujeita a muitas críticas, mas esta foi a melhor manei-ra encontrada para ensinar médicos residentes e es-tudantes. Incluir os dois assuntos em um texto de re-

visão, sem estendê-lo excessivamente, foi outro de-safio. Assim, temos consciência de que a manuten-ção de uma fluência de estilo pode ter deixado a de-sejar, uma vez que, em determinados momentos, sem-pre com a preocupação da extensão do texto, ele setorna mais próximo do estilo que se lê em manuais.

Os principais objetivos relativos ao EHE, a se-rem atingidos pelo leitor, podem ser enumerados comoa seguir:1. Reconhecer os compartimentos hídricos e a água

total do organismo.

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EAB: cota fixa de ácidos da dieta e destino do CO2gerado como produto final do metabolismo.

2. Deduzir a Equação de Henderson-Hasselbalch(Tampão bicarbonato, componente metabólico ounão respiratório/função renal; componente respirató-

rio/função pulmonar).3. Conhecer os mecanismos de excreção do H+.4. Reconhecer as evidências de que o organismo

animal possui mecanismos naturais de defesa con-tra a acidose mais eficientes do que os mecanis-mos de defesa contra a alcalose.

5. Conhecer os principais sistemas tampões além dotampão bicarbonato.

6. Conceituar “Base-Excess” e Reserva Alcalina.7. Entender as interrelações entre o EAB e EHE atra-

vés do conceito do “Anion Gap”.

8. Saber interpretar uma gasometria, diagnosticandoos desvios do EAB.9. Reconhecer os fatores que podem influenciar os

resultados de uma gasometria.10. Conhecer as causas mais comuns dos desvios do

EAB: alcalose respiratória, acidose respiratória,Síndrome da Angústia Respiratória do Adulto(SARA), acidose metabólica e alcalose metabólica.

11. Saber tratar os distúrbios do EAB.12. Conhecer os efeitos deletérios da acidose aguda.13. Conhecer os efeitos deletérios da alcalose aguda.

1. EQUILÍBRIO HIDROELETROLÍTICOE SEUS DESVIOS

1.1 COMPARTIMENTOS HÍDRICOS E TONICIDADE

1.1.1 Água total do organismoEmbora a concentração dos íons de uma solu-

ção seja rapidamente determinada laboratorialmente,é bom ressaltar que os volumes dos vários comparti-mentos hídricos têm uma importância ainda maior notratamento cirúrgico. Embora a extensão e as distor-ções presentes nestes volumes hídricos não sejam

prontamente determinadas por medida direta, é es-sencial um conhecimento das várias subdivisões daágua total do organismo para compreender e tratar osproblemas hidroeletrolíticos mais complexos.

A água tritiada foi utilizada como isótopo paradeterminar a água do organismo. A água representa50 a 60% do peso corporal, estando presente, em maiorquantidade, nas pessoas magras, e, em menor quanti-dade, nas obesas. As mulheres têm uma percentagemmenor de água total no organismo devido à maior

quantidade de tecido adiposo subcutâneo. A água doorganismo pode ser dividida em compartimentos:a) Intracelular - 40% do peso corpóreo,

b) Extracelular - 20% do peso corpóreo (Intersticial5% e Intravascular 15%).

O líquido intersticial não pode ser medido dire-tamente por isótopos usados nas dosagens de diluiçãodo indicador, porém consiste na diferença entre o lí-quido extracelular total e o volume localizado no es-paço intravascular.

Os três compartimentos que compõem a águatotal do organismo também diferem em composição.O potássio (K+), o cálcio (Ca2+) e o magnésio (Mg2+)representam os principais cátions na água intracelu-lar, e os fosfatos e as proteínas, os principais ânions.Grande parte do sódio (Na+) é eliminada desse com-

partimento por processos que requerem energia (Bom-ba Na+-K+ ou Na+-K+ ATPase). Por outro lado, osódio é o principal cátion do líquido extracelular (LEC),enquanto o Cl- e o HCO3- representam os principaisânions. A importância do Na+ está relacionada com ocontrole que ele exerce na distribuição da água emtodo o organismo. O número de moléculas de Na+ porunidade de água determina a osmolalidade do LEC.Se o Na+ é perdido, a água é excretada na tentativade manter a osmolalidade normal, e se o Na+ é retido,a água também deve ser retida para diluí-lo. A quan-tidade total de Na+ existente no organismo é de apro-ximadamente 4000 mEq, porém, a maior parte dessaquantidade encontra-se no esqueleto.

Para fins didáticos, as composições iônicas doplasma e do líquido intersticial podem ser considera-das idênticas, embora possa haver pequenas diferen-ças, resultantes da concentração desigual de proteína.O plasma tem um conteúdo muito maior de proteína, eesses ânions orgânicos exigem um aumento na con-centração total de cátions. A concentração dos ânionsinorgânicos é algo menor no plasma do que no inters-tício. Essas relações são estabelecidas pelo equilíbrio

de Gibbs-Donnan.1.1.2 Permeabilidade e tonicidade

As diferenças na composição entre o líquidointracelular (LIC) e o LEC são mantidas ativamentepela membrana celular. Essa é uma membrana semi-permeável, uma vez que é totalmente permeável àágua, porém é seletivamente permeável a outrassubstâncias. Embora o número total de osmoles sejaigual em ambos os lados da membrana celular, a pres-são osmótica efetiva é determinada por substâncias

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EAB e EHE

que não podem passar através da membrana semi-permeável. Isso é bem estabelecido no limite da célu-la capilar, entre o plasma e o líquido intersticial. Apassagem limitada das proteínas plasmáticas é res-ponsável pela pressão osmótica eficaz, geralmente,

conhecida como pressão coloidosmótica desse com-partimento. Analogamente, as substâncias cuja pas-sagem é limitada pela membrana celular, tais como osódio, contribuem para a pressão osmótica eficaz doLEC. É importante ter em mente que a água atraves-sa livremente todas as membranas celulares. Isso sig-nifica que o movimento da água através da membra-na celular equalizará sempre a pressão osmótica efi-caz no interior e no exterior da célula. Se houver alte-ração da pressão osmótica eficaz no LEC, haverá umaredistribuição de água entre os compartimentos. Es-ses desvios da água orgânica resultam de alteraçõesna composição, e não alterações no volume, de ma-neira que a água intracelular é muito menos afetadapelos aumentos ou diminuições do LEC do que pelapressão osmótica.

A pressão osmótica de uma solução é referidaem termos de osmoles ou miliosmoles, e está relacio-nada com o número de partículas osmoticamente ati-vas, presentes na solução. Portanto, 1 mMol de NaCl,que se dissocia em Na+ e Cl-, contribui com doismiliosmoles. Assim, 1 mMol de uma substância nãoionizada, tal como a glicose ou a uréia, contribuirá com

um mOsm. Quando se consideram os problemas hi-droeletrolíticos, os termos tais como osmol ou milios-mol não são tão freqüentemente empregados como osão o equivalente e o milequivalente. O equivalentede um íon é o seu peso atômico, expresso em gramas,dividido pela sua valência. Quando se trata de íonsunivalentes, 1 mEq é igual a 1 mMol. No caso dosíons divalentes, (um) mMol é igual a dois mEq. Essesconceitos são importantes para o entendimento doequilíbrio eletrolítico corpóreo, uma vez que, em qual-quer solução, o número total de cátions expressos emmEq deve ser igual ao número de ânions, também

expressos em mEq.1.1.3 Balanço hídrico

O peso corporal tornou-se uma medida bas-tante importante, porque as alterações agudas refle-tem aumentos ou diminuições na água total do orga-nismo. Como foi observado anteriormente, a água to-tal do organismo representa 50 a 60% do peso corpo-ral. Em um adulto de 70 quilos essa fração seria de 35a 42 litros de água, uma ampla faixa que está relacio-nada com a idade, o sexo e as diferenças na composi-

ção do organismo existentes entre adultos normais.Assim, uma única medida do peso corporal, geralmente,tem pouco valor no cálculo da água total. No entanto,no contexto da unidade de tratamento intensivo, asmudanças do peso a curto prazo devem-se, em gran-

de parte, mais às alterações na água total do organis-mo, mesmo se o valor absoluto da água total perma-necer incerto; o conhecimento da direção e da intensi-dade da alteração desse parâmetro pode revestir-sede grande importância no diagnóstico e tratamento dedistúrbios complexos do EHE. Quando não se dispõede camas-balanças, ou quando não se podem fazerpesagens fiéis devido à condição do paciente, torna-se necessário fazer determinações do balanço hídrico(BH). O BH diário, incluindo uma estimativa das per-das por evaporação, pode ser acrescentado ou sub-

traído, sendo que o BH cumulativo resultante, refleteas alterações da água total do organismo.O BH teve aplicação clínica limitada devido às

dificuldades em se medir o conteúdo hídrico dos ali-mentos sólidos e das fezes, a água e as perdas pelaevaporação. Na verdade, alguns desses problemas sãosimplificados no pós-operatório (PO), uma vez quequase todo o aporte de água é intravenoso, sendo fa-cilmente medido. Devido à ausência de ingestão porvia oral, as fezes não são freqüentes e o débito urináriopode ser medido com facilidade. As perdas por eva-poração são inferiores a 1000 ml/dia nos pacientes

afebris e ainda menores, quando se umidificam as viasaéreas com vapor aquecido, e nos pacientes febrisexistem cálculos que possibilitam avaliar as perdasaproximadas. No ambiente com ar condicionado, mui-tos pacientes febris ainda perderão menos que doislitros por dia através da pele e da respiração. A hiper-ventilação dos pacientes com febre elevada pode eli-minar até três litros de água por dia, porém isso éincomum. As queimaduras graves são uma exceçãoóbvia, porém, à exceção desse grupo de pacientes,podem ser feitas aproximações razoáveis da perdaevaporativa de água que, por sua vez, possibilita o

cálculo do BH diário e cumulativo, a partir da ingestade líquidos e de registros de débito.

Uma vez que as pesagens seriadas ou o BHgeram informações principalmente sobre as alteraçõesna água total do organismo, outros meios são impor-tantes para diagnosticar um decréscimo ou um ex-cesso no volume absoluto. O volume plasmático é aúnica medida de volume clinicamente disponível, po-rém pode ter um valor limitado, uma vez que os valo-res normais previstos variam consideravelmente. O

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exame clínico do paciente é essencial, e certos sinaise sintomas indicam a existência de anormalidade novolume hídrico do organismo.

O sistema cardiovascular é o indicador maissensível, e uma Pressão Venosa Central (PVC) abai-

xo de 3 cmH20, taquicardia e até mesmo hipotensãoindicam um déficit de volume. Na Unidade de Tera-pia Intensiva (UTI) o excesso de volume é mais co-mum, uma vez que os pacientes recebem, durante aressuscitação, grandes volumes de líquido por via en-dovenosa. São sinais bem reconhecidos de sobrecar-ga hídrica: a PVC aumentada, o Débito Cardíaco (DC)elevado, ritmo de galope cardíaco, uma segunda bu-lha pulmonar hiperfonética, a congestão pulmonar ealgumas vezes o edema.

O Sistema Nervoso Central (SNC) pode for-necer evidências de déficit na água total do organis-

mo, tais como apatia, reflexos tendinosos, profundose diminuídos, estupor ou coma. Porém, os excessosisotônicos exercem pouco ou nenhum efeito na fun-ção do SNC.

Os sinais teciduais são tradicionalmente usa-dos para avaliar a hidratação, porém podem aparecerlentamente. O turgor cutâneo diminuído, os olhosencovados e a língua seca são sinais tardios de déficitde líquido, assim como o edema subcutâneo é um si-nal tardio de sobrecarga.

Finalmente, deve-se salientar que o conhecimen-to da composição das várias secreções orgânicas podeser de grande valia para um raciocínio mais dirigidodiante de alterações do EHE. Essas composições po-dem ser obtidas em tabelas próprias, ou pela análisebioquímica de alíquotas dessas secreções.

1.1.4 A importância das perdas para o tercei-ro espaço

É possível ocorrer uma desidratação por seqües-tro interno de líquido. Como já se descreveu, os com-partimentos normais são o LEC (IV + INT) e o LIC.Quando ocorrem lesões, como as queimaduras, trau-ma acidental e cirurgia, o LEC é seqüestrado na áreade lesão, formando um “terceiro” espaço líquido anor-mal. Esta perda se faz a expensas do LEC normal ereduz o seu volume efetivo, produzindo hemoconcen-tração e hipovolemia. A terapêutica imediata comsoluções salinas ou balanceadas em sais e plasma,restaura os volumes plasmático e do interstício. Asperdas para o terceiro espaço devem ser repostascomo uma perda externa, uma vez que o líquido se-qüestrado não tem nenhum valor do ponto de vistavolêmico do paciente. À medida que este espaço di-

minui (“resolução do terceiro espaço”), após a estabi-lização do paciente, ocorre uma auto-infusão de líqui-do que, se não for eliminada por uma função renaladequada, pode transformar-se em edema intersticialcom conseqüente quadro de SARA. Este problema

tem grande importância na mortalidade de pacientestraumatizados após 48 a 72 horas de estabilizado oquadro inicial de choque hipovolêmico. Se o pacientenão apresentar boa diurese, deve-se restringir líqui-dos, usar diuréticos e até processos dialíticos.

1.2 DISTÚRBIOS DO EQUILÍBRIO HÍDRICO

1.2.1 Desidratação

a) DefiniçãoA desidratação é uma diminuição na quanti-

dade total de água corpórea com hiper, iso ou hipoto-nicidade dos fluidos orgânicos.Os testes de laborató-rio mostram Hb e Ht, uréia, creatinina, proteínas edensidade específica da urina elevados, e sódio uriná-rio baixo (a não ser que haja doença renal primária).

b) EtiologiaPerdas gastrintestinais (diarréia, vômitos, as-

piração gástrica); perdas geniturinárias (poliúria dequalquer etiologia, doença de Addison, diabetes, tera-pêutica com diuréticos, etc.); perdas pela  pele(sudorese abundante, queimaduras, etc.); ingestão in-suficiente (numerosas etiologias).

c) Sinais e SintomasSede (com perda de 2% do peso corpóreo); pre-

coces (mucosas secas, pele intertriginosa seca, perdada elasticidade da pele, oligúria); tardios (taquicardia,hipotensão postural, pulso fraco, obnubilação, febre,coma); morte (com perda de 15% do peso corpóreo)

d) Conduta1) corrigir o problema primário; 2) a diferença

entre o peso prévio ao processo mórbido e o pesoatual (na possibilidade de obtenção), corresponde ao

grau de desidratação e o volume a ser reposto; 3) senão for possível a utilização do peso como parâmetro,estimar o grau de desidratação, combinando a históriacom os sinais e sintomas e exames de laboratório; clas-sifica-se, deste modo, a desidratação em: Leve (per-da de 3% do peso corpóreo); Moderada (perda de 5a 8%) e; Grave (perda de 10%); 4) reponha o volumeperdido, representado pela perda do peso corpóreo,dando 1/2 do volume total a repor nas primeiras dozehoras, dependendo do estado clínico; 5) determine oestado iônico do paciente e reponha sal de acordo com

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EAB e EHE

as necessidades, utilizando soluções eletrolíticas ade-quadas; 6) quando houver desidratação grave, use so-luções eletrolíticas em grandes quantidades, não espe-re pelos resultados das determinações eletrolíticas.

1.2.2 EdemaO edema não é, por si só, uma emergência. A

sua presença, no entanto, é indicativa de doença debase, cuja natureza deve ser elucidada. As causas car-díacas, hepáticas ou renal são as mais comuns. Não sedeve dar diuréticos até que se tenham analisados osmúltiplos fatores que podem levar ao edema. Os diuré-ticos empregados sem critério podem induzir distúr-bios eletrolíticos, coma hepático, azotemia e arritmias.

1.2.3 Intoxicação hídrica

a) Definição

É o oposto direto da hipertonicidade (por so-brecarga de solutos), causada pela excessiva inges-tão de água na presença de baixa diurese.

A fonte de água pode ser a ingestão oral, mas,mais freqüentemente, é uma má orientação e exces-siva terapêutica parenteral com glicose e água. Asirrigações dos colos, particularmente as destinadas areduzir a distensão pós-operatória, podem resultar emretenção substâncial de volumes de água.

Os pacientes com enfermidades crônicas, de-bilitantes, com câncer, insuficiência cardíaca conges-tiva ou enfermidade hepática ou renal, são propensos

a ter um LEC expandido e algum grau de hipotonici-dade antes de vir à cirurgia ou de sofrer um traumaacidental. Esses pacientes estão particularmente su- jeitos a reter excesso de água no pós-operatório e aexpandir, e, posteriormente, diluir o LEC.

b) Quadro clínicoAs náuseas, a astenia e uma queda do volume

urinário são os sintomas mais precoces, seguidos porconvulsão e coma. Sempre ocorrerá rápido aumento depeso, podendo observar-se edema periférico e pulmo-nar. Os achados laboratoriais incluirão rápida queda

na concentração do Na+

sérico e na osmolalidade plas-mática. A urina pode conter substanciais quantidadesde sódio que, em presença de uma baixa concentraçãoplasmática, indicam uma inapropriada excreção desódio, devido ao excesso de volume do LEC, se esti-verem afastadas doença renal e insuficiência adrenal.

A velocidade de queda do sódio plasmático pa-rece ser de maior importância do que seu valor abso-luto. O edema cerebral é a causa do coma e das con-vulsões, sendo encontrados, comumente, valores deNa+ inferiores a 120 mEq/l.

c) CondutaRestrição hídrica, reposição de sódio (admi-

nistração de sal hipertônico em pequenas quantida-des - 300 ml de NaCL a 3%), uso cuidadoso dediurético osmótico (manitol) e administração lenta de

glicose hipertônica. Nenhuma tentativa deverá serfeita para uma “reposição calculada do déficit desódio”, baseada no volume do LEC e na unida-de de déficit de sódio, porque resultará numagrave sobrecarga. O tempo com a perda insensívelde água pelos pulmões, juntamente com o fluxo deurina, pode, por si só, levar o paciente gradualmenteao normal.

1.3 DISTÚRBIOS DO EQUILÍBRIO ELETROLÍTICO

1.3.1 Alterações do sódio

O sódio é o cátion que existe em maior quanti-dade nos líquidos extracelulares. Os íons de sódio par-ticipam da manutenção do EH, da transmissão dosimpulsos nervosos e da contração muscular. A suaconcentração normal no LEC varia entre 136 e144mEq/l. O EHE é regido por um princípio fisiológi-co importante: a água vai para onde for o sódio. Quan-do os rins retêm sódio, a água também é retida. Poroutro lado, e a sua excreção é acompanhada pela ex-creção de água. Este é o princípio da maioria dos diuré-ticos. Quando a ingestão de sódio diminui, ou quandoo paciente perde líquidos, o organismo procura reter

sódio por ação da aldosterona nos túbulos renais, ondepromove a reabsorção do sódio.

1.3.1.1 Hiponatremia

Pode ser resultado da deficiência corpórea do só-dio, uma diluição por excesso de água, ou uma combi-nação dos dois fatores. A causa mais comum é a ex-creção ineficiente de água frente ao excesso de admi-nistração (freqüentemente induzida iatrogênicamente)

 Etiologia - é importante tentar diferenciar o tipode hiponatremia presente, isto é, super-hidratação oudeficiência de sódio, já que a causa básica e o trata-mento são muito diferentes.

A depleção de sódio (hiponatremia) é en-contrada quando as perdas de fluidos que contêm Na+

com continuada ingestão de água: perdas gastrin-testinais (diarréia, vômito); perdas pela pele (le-sões exsudativas da pele, queimaduras, sudorese); se-qüestros no corpo (obstrução intestinal); perda re-nal (primária ou secundária a estados de depleção,incluindo as perdas por diuréticos e na doença deAddison).

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ca). As mucosas e a boca estão secas. A sede estápresente, mas pode ser ocultada pela náusea e vômi-tos. A fraqueza muscular e as cãibras são comuns.Pode ocorrer febre (maior que 40ºC graus em algunscasos). Sinais e sintomas neurológicos, incluindo tre-

mor, hiperreflexia profunda, memória alterada, confu-são e alucinações podem estar presentes.

Conduta - pesar o paciente e tratar a doençaprimária. Estimar a porcentagem de perdas em ter-mos de peso corpóreo, planejar a reposição de apro-ximadamente metade do volume nas primeiras oito adoze horas. O edema cerebral pode complicar a re-posição muito rápida.

Nota: uma estimativa grosseira da osmolalidadesérica pode ser obtida pela seguinte fórmula:

Osmolalidade = 2(Na+ + K+) + Uréia + Glicemia5.6 18

1.3.2 Alterações do potássio

O potássio é o principal cátion intracelular queregula a excitabilidade neuromuscular e a contratili-dade muscular. O potássio é necessário para a for-mação do glicogênio, para a síntese protéica e para acorreção do desequilíbrio acidobásico. A sua impor-tância no EAB é importante, porque os íons K+ com-petem com os íons H+. Por conseguinte, na acidose,ocorre eliminação de um H+ para cada K+ retido. Naalcalose, dá-se o contrário. A regulagem do potássioestá a cargo, principalmente, dos rins. Quando a al-dosterona aumenta, a urina elimina maior quantidadede potássio e o nível de potássio no sangue pode dimi-nuir. Outro mecanismo regulador baseia-se na per-muta com o Na+ nos túbulos renais. A retenção desódio é acompanhada pela eliminação de potássio.

A hiponatremia dilucional pode ocorrer na:Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC), cirrose, do-ença renal com oligúria, síndrome de secreção inade-quada do Hormônio Anti-Diurético (HAD), doençade Addison.

Outras causas incluem: síndrome de hipona-tremia familiar (assintomática, vista em muitos tiposde doenças de depleção); sódio sérico artificial baixo,como nas hiperlipidemias, hiperglicemias e hiperpro-teinemia do mieloma múltiplo.

Sinais e sintomas - dificuldade na concentra-ção mental, alterações da personalidade, confusão,delírio, coma, oligúria.

Conduta - tratar a doença de base, pesar o pa-ciente, determinar se a hiponatremia é secundária àperda de sal ou à sobrecarga de água.

Nos casos de hiponatremia por depleção sali-

na, repor o sódio, calculando o seu déficit com baseno volume da água total (60% do peso para os ho-mens e 50% do peso para as mulheres). A práticarevela que a reposição à base apenas do LEC (20%do peso corpóreo) retarda a resolução do problema.

A hiponatremia por excesso de água é tratadacomo intoxicação hídrica: repor sódio só em caso commenos de 110 mEq/l, manitol (observar cuidadosamen-te sinais de ICC).

A síndrome de hiponatremia familiar e sódiobaixo artificial não necessita, em geral, de tratamento.

1.3.1.2 Hipernatremia

Está, geralmente, associada à desidratação comNa+ superior a 150 mEq/l.

 Etiologia - perda de água superior à de só-dio: diarreia e vômitos, insuficiência renal, diabetesinsipidus, diabetes mellitus, febre, insolação, hiperven-tilação; reposição insuficiente das perdas hídri-cas: diminuição da ingestão hídricapor náuseas, vômitos ou incapacida-de física; administração de sobre-carga de soluto: suplementação deproteínas e sal, na alimentação, porsonda, envenenamento acidental porsal de cozinha, diuréticos osmóticos,diálise; excesso de esteróides.

Sinais e Sintomas - a detec-ção clínica precoce pode ser difícil,porque o plasma hipertônico atraiágua das células, escondendo os si-nais de colapso circulatório, vistos nadesidratação hiponatrêmica. O tur-gor cutâneo pode ser normal (emoposição à desidratação hiponatrêmi-

Tabela I - Diagnóstico diferencial de hiponatremia

Depleção de sódio(Hiponatremia real)

Excesso de água(Hiponatremia dilucional)

Uréia Hematócrito 

Pressão Arterial 

Pulso 

Pele 

Mucosas 

Turgor cutâneo 

Edema 

Urina 

elevadaelevado

geralmente baixa

rápido

fria, pastosa

secas

diminuído

ausente

pouca, concentrada

normalnormal ou baixo

normal

normal

normal, úmida

úmidas

normal

às vezes, presente

normal ou poliúrica, diluída

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EAB e EHE

Os níveis séricos normais de potássio oscilamentre 3,5 a 5 mEq/l. Ressalte-se que os valores plas-máticos representam os valores extracelulares. Suanormalidade ou o seu aumento não significam altera-ções globais dos seus valores, isto porque ele predo-

mina no LIC. Já o seu valor plasmático é importanteno caso de hiperpotassemia, porque é o aumento dosseus níveis extracelulares que pode levar à paradacardíaca diastólica.

1.3.2.1 Hiperpotassemia

 Etiologia - insuficiência renal aguda, doençade Addison, acidose, transfusões e hemólise, lesõespor esmagamento de membros e outras causas dedegradação de proteínas, grande ingestão de K+ fren-te à insuficiência renal, entre outras.

Sinais e Sintomas - fraqueza muscular, parali-

sia flácida, diminuição de ruídos hidroaéreos, parestesias(face, língua, pés, mãos), irritabilidade muscular,arritmias cardíacas e outras alterações do Eletrocar-diograma (ECG) (onda T “em campânula”, comple-xos QRS alargados), parada cardíaca em diástole.

Conduta - gluconato ou cloreto de cálcio, bi-carbonato de sódio, solução polarizante sem K(glicose-insulina), resinas de troca iônica (Kayexalate,Sorcal), diálise.

1.3.2.2 Hipopotassemia

 Etiologia - perdas gastrintestinais (diarréia,fístula Gastrintestinal (GI), vômitos); perdas genitu-rinárias (acidose tubular renal e outras doenças re-nais, doença de Cushing, síndrome de Cohn, uso dediuréticos); ingestão insuficiente (notar que há perdaobrigatória nas fezes); desvio iônico (alcalose).

Sinais e Sintomas - neuromusculares (fra-queza muscular, parestesias); renais (concentraçãoprejudicada, poliúria); gastrintestinais (náuseas, íleoadinâmico); SNC (irritabilidade, letargia, coma); car-díacos (arritmias tipo bigeminismo e/ou trigeminismo,onda U ao ECG)

Conduta - via oral (KCl xarope, K eferves-

cente ou em comprimidos); via endovenosa (aumen-tando-se a concentração de K+ nas soluções eletrolí-ticas usuais, solução polarizante: G-I-K).

 Nota: a reposição do K+ se faz de maneiraempírica, sendo um esquema usual a reposição de 40a 60 mEq/L por via EV (Endovenosa) a velocidadesnão maiores do que 30-40 mEq/hora.

Casos especiais - os cirróticos são especial-mente suscetíveis às complicações da hipopotasse-mia e devem ser tratados agressivamente com rela-

ção a tal problema. Os pacientes digitalizados são es-pecialmente suscetíveis às arritmias, se hipopotassê-micos, e também necessitam de tratamento intensivopara esta alteração eletrolítica. Deve-se prevenir ahipopotassemia após tratamento para acidose em ge-

ral, e da acidose diabética, em especial.

1.3.3 Alterações do cálcio

O cálcio ocupa o quinto lugar entre os elemen-tos mais abundantes no corpo humano. O organismoprecisa do cálcio para a integridade e estrutura dasmembranas celulares, condução adequada dos estí-mulos cardíacos, coagulação sangüínea e formação ecrescimento ósseos. O cálcio se encontra nos líquidosorgânicos sob três formas diferentes: 10 cálcio io-nizado (4,5 mg/100ml); 20 cálcio não difusível, for-mando complexos com ânions protéicos (5mg/100ml)

e; 3) sais de cálcio, tais como citrato e fosfato de cál-cio (q mg/100ml). Alguns laboratórios clínicos indi-cam os níveis de cálcio em mEq/l. O cálcio contidonos líquidos orgânicos representa uma pequena por-centagem do cálcio total, sendo que a maior parte delese encontra nos ossos e dentes.

O cálcio contido no LEC é regulado pela açãodos hormônios das paratireóides e tireóides. O hor-mônio da paratireóide regula o equilíbrio entre o cál-cio contido nos ossos, a absorção de cálcio pelo tratogastrintestinal e a eliminação do cálcio pelos rins. Atireocalcitonina, produzida pela tireóide, também de-sempenha um certo papel na determinação dos níveisséricos do cálcio, porque inibe a reabsorção do cálciodos ossos.

1.3.3.1 Hipocalcemia

 Etiologia - perda de tecido da paratireóide apóstireoidectomia, hipoparatireoidismo idiopático, insufi-ciência renal (raramente sintomática).

Sinais e Sintomas - parestesias (especialmen-te perorais e nas mãos e pés); labilidade emocional;miastenia e cãibras; diarréia e poliúria; disfagia; estri-dor laríngeo e broncoespasmo, convulsões; arritmias

cardíacas e intervalo Q-T aumentado; espasmo car-popedal (espontâneo ou com uso de manguito de pres-são durante três minutos, inflado acima da pressãosistólica - Sinal de Trousseau); contração do músculofacial após leve golpe na frente da orelha - Sinal deChvostek; opistótono.

Conduta - a reposição é empírica, usando-setantas ampolas de gluconato de cálcio quantas foremnecessárias, até o desaparecimento dos sinais clíni-cos. A infusão venosa deve ser lenta. Nos casos de

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hipoparatireoidismo, pode-se utilizar extrato de para-tireóide (100 a 200 unidades USP) por via EV. Notratamento pós-controle da fase aguda, deve-se acres-centar cálcio oral e Vitamina D.

 Nota importante: se não houver resposta aotratamento com cálcio, considerar a possibilidade dehipomagnesemia.

1.3.3.2 Hipercalcemia

 Etiologia - hiperparatireoidismo, neoplasias(carcinoma, leucemia, linfoma, mieloma múltiplo),sarcoidose, intoxicação por Vitamina D, hipo e hiper-tireoidismo, síndrome do “milk-alkali”, insuficiênciaadrenal.

Sinais e Sintomas - fraqueza, anorexia e vô-mitos, constipação, sonolência, estupor, coma, cefaléia

occipital, intervalo Q-T e segmento ST supraniveladosno ECG, arritmias.Conduta - o objetivo final do tratamento deve ser

dirigido para eliminar a causa, se possível. O trata-mento de urgência das crises hipercalcêmicas inclui: hi-dratação com Soro Fisiológico (SF) e diurese forçadacom diuréticos (pode ser suficiente nos casos leves).

O sulfato de sódio (0,12 M) um (1) litro em 4-6horas, seguido de uma infusão adicional de três litrosem vinte e quatro (24) horas. O sulfato de sódio émais eficiente que o SF, porém podem ocorrer hiper-natremia, hipopotassemia e hipomagnesemia, apesarde sua ação ser de curta duração.

Outra opção para o tratamento da hipercalcemiagrave são os fosfatos (K2HPO4 - 1,5 g em infusãoEV, correndo durante 7 horas). Os fosfatos podemcausar efeitos cardíacos letais, sendo a sua adminis-tração Via Oral (VO) mais segura. Além disso osfosfatos podem causar insuficiência renal por depósi-to de cálcio no rim. São especialmente perigosos nospacientes com uremia.

Os glicocorticóides podem ser úteis nos casosde metástases ósseas, porém não são efetivos nos

casos de hipercalcemia causada pelo excesso do hor-mônio da paratireóide.

1.3.4 Alterações do magnésio

O magnésio ocupa o segundo lugar, por ordemde importâncias, entre os cátions do LIC. Ele é in-dispensável para as atividades enzimáticas e neu-roquímicas, assim como para a excitabilidade dosmúsculos. Seus níveis plasmáticos variam entre 1,5 e2,5 mEq/l.

A regulagem dos níveis de magnésio é indireta,estando a cargo da eliminação renal, além de depen-der do hormônio das paratireóides. As alterações dosníveis de magnésio são, freqüentemente, associadasa doenças graves e manifestam-se por sinais sugesti-

vos de alterações das funções neuromusculares.

1.3.4.1 Hipermagnesemia

 Etiologia - o excesso de magnésio é quase sem-pre o resultado de uma insuficiência renal e inabilida-de em excretar o que foi absorvido do alimento ouinfundido. Ocasionalmente, o uso do sulfato de mag-nésio, como catártico, pode ser absorvido o bastantepara produzir uma intoxicação, particularmente dafunção renal comprometida.

Sinais e Sintomas - fraqueza muscular, quedada pressão sangüínea, sedação e estado de confusãomental. O ECG mostra aumento do intervalo P-R, alar-gamento dos complexos QRS e elevação das ondasT. A morte, geralmente, resulta da paralisia dos mús-culos respiratórios.

Conduta - o tratamento é dirigido no sentido demelhorar a insuficiência renal. O cálcio age comoantagonista do magnésio e pode ser empregado porvia parenteral para benefício temporário. Pode estarindicado na diálise peritoneal ou extracorpórea.

1.3.4.2 Hipomagnesemia

 Etiologia - pode ser encontrado no alcoolismocrônico em associação com “delirium tremens”, cir-rose, pancreatite, acidose diabética, jejum prolonga-do, diarréia, má absorção, aspiração gastrintestinal pro-longada, diurese exagerada, hiperaldosteronismo pri-mário e hiperparatireoidismo, particularmente depoisde paratireoidectomia e quando largas doses de Vita-mina D e cálcio são consumidas.

Sinais e Sintomas - hiperirritabilidade neuro-muscular e do SNC com movimentos atetóticos, ba-lismos, tremores amplos (“flapping”), sinal de Babinski,nistagmo, taquicardia e arritmias ventriculares, hiper-

tensão e distúrbios vasomotores. Confusão, desorien-tação e inquietação podem estar em destaque.Conduta - infusão parenteral de soluções ele-

trolíticas, contendo magnésio (10 a 40 mEq/l/dia, du-rante o período de maior gravidade, seguindo-se ma-nutenção com 10 mEq/dia). O sulfato de magnésiopode também ser dado por via IM (4 a 8 g / 66 a133mEq, diariamente, divididos em quatro doses; osníveis séricos devem ser monitorizados para prevenira concentração superior a 5 - 5,5 mEq/l).

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O ácido carbônico pode ser representado pelaconstante 0.03 pela pressão parcial de C02 do sanguearterial, surgindo, no denominador da equação, um gásque expressa a ventilação.

  HCO3-

pH = pK + log 0.03 X PaCO2

Assim, é possível concluir que a manutençãodo pH depende, fundamentalmente da função renal(numerador da equação) e da função respiratória (de-nominador da equação).

pH =Função Renal (componente não respiratório ou metabólico)

  Função Respiratória (componente respiratório)

O termo “metabólico” é um erro consagradopelo uso, uma vez que que ambos os componentes da

Equação de Henderson - Hasselbach envolvem umprocesso metabólico. Este erro histórico será preser-vado, falando-se em distúrbios metabólicos e dis-túrbios respiratórios do EAB.

Considerando-se estes conceitos, os mecanis-mos de excreção do H+ podem assim ser resumidos:a) a excreção pulmonar do íon H+ é indireta; o pul-

mão só excreta substâncias voláteis, isto é, subs-tâncias que podem ser convertidas em gases;

b) a excreção renal não apresenta esta limitação, sendocoadjuvada pelas bases tampões;

c) a média de excreção de CO2

pelos pulmões podeser mudada rapidamente, em qualquer direção, poralterações apropriadas da ventilação alveolar, po-rém a hipoventilação, no sentido de poupar H+ nãoé um mecanismo tão eficiente quanto a hiperventi-lação que elimina este mesmo íon de maneira efi-ciente, no início de um quadro acidótico;

d) a função renal pela excreção de H+ e eletrólitosinfluencia o estado acidobásico do LEC, porém umperíodo de horas é necessário para que esta influ-ência seja significante.

Um outro detalhe interessante da fisiologia do

EAB são as evidências de que o organismo animal,na sua evolução, adquiriu mecanismos naturais de de-fesa contra a acidose mais eficientes do que os me-canismos contra a alcalose:a) características próprias da função renal que elimi-

na o H+ e reabsorve o HCO3-;

b) curva da dissociação da Hb: na acidose, a curva sedesvia para a direita, diminuindo a afinidade da Hbpelo oxigênio e, na alcalose, ela se desvia para aesquerda, aumentando a afinidade;

2. EQUILÍBRIO ACIDOBÁSICO (EAB) ESEUS DESVIOS

2.1 Introdução - Alguns conceitos fisiológicos,fundamentais

A avaliação acidobásica do sangue é feita nagrande maioria dos doentes que são atendidos em UTI,qualquer que seja a patologia de base. A sua avalia-ção é fundamental, pois, além dos desvios do equilí-brio acidobásico, propriamente dito, pode fornecerdados sobre a função respiratória do doente e sobreas condições de perfusão tecidual.

Os sistemas orgânicos enfrentam dois desafiosbásicos para a manutenção do EAB. O primeiro é adisposição da cota fixa de ácidos, ingerida na dietadiária. O segundo é o destino dado ao CO2 gerado

como produto final do metabolismo. Para manter opH em limites compatíveis com os processos vitais, oorganismo lança mão de uma série de mecanismosbioquímicos, com destaque para o papel desempenha-do pelo chamado sistema tampão.

O sistema tampão do organismo pode ser divi-dido em três grandes componentes: bicarbonato/áci-do carbônico, proteína e fosfatos. As substâncias tam-pões são responsáveis pelo fato de que pH uma solu-ção se modifica menos do que deveria pela adição ousubtração de íons H+. Com a queda do pH da solu-ção, estas substâncias aceitam os íons H+ para

entregá-los novamente, quando aumenta o pH, destamaneira, agem contra as modificações abruptas dareação. Entre os tampões do espaço extracelular, obicarbonato e as proteínas plasmáticas desempenhamum papel relevante, enquanto a hemoglobina e osfosfatos estão em primeiro plano no compartimentointracelular. Graças a estes sistemas de tamponamento,pequenas alterações do EAB manifestam-se por umdeslocamento do equilíbrio da reação dos tampões comatenuação de modificações significativas da concen-tração dos íons H+ livres ou do pH. O tampão bicar-bonato é o mais importante:

CO2 + H20 H2CO3 H+ + HCO3-

A partir desta reação química, é possível de-duzir a Equação de Henderson - Hasselbach,fundamental para o entendimento do equilíbrio acido-básico:

HCO3-

pH = pK + log  H2CO3-

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c) a hiperventilação com alcalose respiratória, des-viando a reação do CO2 com a água para a es-querda, é um mecanismo natural de compensaçãoda acidose metabólica, que pode ocorrer normal-mente, por exemplo, no exercício físico. A ocor-

rência do fenômeno inverso é possível na teoria,mas a depressão respiratória, produzindo uma aci-dose respiratória para compensar uma alcalose me-tabólica, só ocorreria com um BE>+40, uma situa-ção praticamente impossível;

d) isto reflete em uma maior dificuldade do tratamen-to da alcalose metabólica, como se observa na prá-tica diária da terapia intensiva.

Os conceitos de reserva alcalina e “BaseExcess” (BE) merecem um pequeno comentário. Areserva alcalina (capacidade de ligação de CO2) é aquantidade total de CO2 de uma amostra de plasma,

separada anaerobicamente, após equilibrá-la com 40mmHg de pCO2 à temperatura ambiente (usa-se depreferência o bicarbonato padrão em mMol/l) (Esco-la americana, liderada por Davenport).

O excesso de bases (BE = Base Excess) é igualà concentração de bases do sangue em mEq/l, ti-tuladas por um ácido forte a um pH de 7,40, com umapCO2 de 40 mmHg e a uma temperatura de 370C(Escola dinamarquesa, liderada por Sigaard-Andersen).

Com a crescente simplificação da análise doEAB por aparelhos de alto rendimento, a determina-

ção de parâmetros isolados, como a reserva alcalina,em comparação com um levantamento completo doEAB, passou para um segundo plano.

Existem importantes interrelações entre o EABe o EHE.a) Lei da eletroneutralidade - Estabelece que a

soma das cargas negativas dos ânions deve ser igualà soma das cargas positivas dos cátions. No plas-ma, há 154 mEq/L de cátions e, conseqüentemen-te, 154 mEq de ânions. Em todas as circunstâncias,o sódio responsabiliza-se pela maior parte dos equi-valentes catiônicos. Portanto, o bicarbonato consti-

tui-se no elo entre o EAB e o EHE, já que ele fazparte destas duas entidades. Para que se mante-nha a eletroneutralidade, quando ocorre uma que-da do bicarbonato, ocorre um aumento do cloreto evice-versa. Assim, a interação entre prótons eânions, de um modo cumulativo com os componen-tes normais do soro, resulta em padrões de eletrólitosque possibilitam a classificação de todas as acidosesmetabólicas. Os prótons consomem as reservas deálcali, manifestando sua presença sob a forma de

hipobicarbonatemia. Como o álcali perdido é subs-tituído por ânions ácidos (fosfato, acetoacetato,cloreto, etc.), segue-se que qualquer ácido, excetoo HCl, substitui o ânion HCO3

-, facilmente medido,por ânions que não são medidos rotineiramente. Por

este motivo criou-se o conceito de “diferença deânions” (“ânion gap”, DA), que reflete o balançoentre o cátion rotineiramente medido (Na+) e osânions rotineiramente medidos (Cl- + HCO3

-).

DA = (“anion gap”) = (Na+) - (Cl- + HCO3-)

Como as acidoses por HCl efetuam uma trocaigual de HCO3

- perdido por Cl- retido, sem alterarnecessariamente o Na+ sérico, a DA permanece dentroda faixa normal (12 ± 2 mEq/l), dessa maneira, defi-nindo uma acidose hiperclorêmica ou com DA nor-mal. Todas as outras formas de acidose aumentam o“anion gap”, ao substituir o HCO3- por ânions diver-sos do Cl-. Uma análise crítica do conceito de “aniongap” demonstra sua pouca utilização na prática diá-ria. Qual seria a sua real utilidade? Diagnóstico dife-rencial entre tipos de acidoses, permitindo pensar emdiagnósticos menos comuns? Como índice prognósti-co? Uma utilidade real seria como controle de quali-dade de dosagens laboratoriais, já que não existe asituação de “anion gap” aumentado, que ocorre só nacondição de erros de dosagem. Como, alguns apare-lhos de origem americana mostram a “grande vanta-

gem” de fornecer diretamente o valor do “anion gap”,pressente-se até um possível lance comercial. Final-mente, merecem menções os Nomogramas de Gamblepara a ilustração e integração entre o EAB e o EHE.

b) Lei da isosmolaridade - Determina que a osmo-laridade é a mesma, nos sistemas de líquidos dosorganismos, entre os quais a água passa livremen-te. Seu valor normal é em torno de 285 mOsm/l, e,se o número de partículas dissolvidas aumenta emum compartimento a água mobilizar-se-á em dire-ção a ele até que um novo equilíbrio da osmolarida-de seja estabelecido.

c) Lei fisiológica do equilíbrio acidobásico - Afir-ma que o organismo tende a manter o pH do san-gue em torno de um valor normal. Em relação aesta lei, um fato importante é a interação entre opotássio e o H+ em relação ao intra e extracelular.No caso de uma acidose, na tentativa de manter opH do sangue, o potássio sai da célula com a en-trada do H+, ocorrendo o contrário na alcalose, ouseja, saída do H+ e entrada do potássio para o com-partimento intracelular.

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EAB e EHE

2.2 Diagnóstico dos distúrbios do equilíbrio aci-dobásico pela análise gasométrica

Por tratar-se de um texto apenas com preten-sões didáticas, antes da apresentação das causas dos

distúrbios do EAB, que seria a seqüência lógica, se-rão apresentados os princípios diagnósticos. Esta in-versão tem se mostrado útil, pois torna fácil a dedu-ção posterior das variadas causas de desequilíbrioacidobásico.

O diagnóstico das alterações do EAB é feitopela análise dos valores obtidos através da gasometriasangüínea. Como em todo exame laboratorial, exis-tem fatores que podem influenciar seus resulta-dos, como veremos a seguira) em pacientes conscientes, a punção arterial pode

resultar em hiperventilação, pelo temor induzido pelo

procedimento;b) a heparina é ácida e, ao menos teoricamente, podeinfluenciar os valores do pH, pCO2 e pO2, em amos-tras pequenas;

c) a presença de leucocitose e grande número de pla-quetas reduzirá o valor do pO2, dando a falsa im-pressão de hipoxemia. A queda na pO2 é negligen-ciável, se a amostra é armazenada em gelo e ana-lisada dentro de uma hora. Presumivelmente, ometabolismo, em andamento, dos elementos celu-lares do sangue pode consumir O2 e reduzir a pO2;

d) o resfriamento aumenta o pH e a saturação de oxi-

gênio, e diminui a pO2;e) o halotano aumenta falsamente os valores do pO2,

porque o eletrodo para o pO2, no aparelho de gaso-metria, também responde ao halotano.

Ainda sob o ponto de vista da análise gasomé-trica, alguns detalhes merecem destaque:a) a adoção da escola dinamarquesa (Sigaard-

Andersen) é praticamente uma unanimidade inter-nacional;

b) quando se solicita uma gasometria sangüínea, o pH,a pO2 e a pCO2 são obtidos por medida eletrônicadireta; os valores do CO

2

total, HCO3

, BE, SatO2são obtidos por medida indireta, através de leitura

no nomograma de Sigaard-Andersen;c) como os distúrbios envolvem mecanismos renais e

respiratórios, o diagnóstico deve ser com base nagasometria do sangue arterial;

d) a amostra venosa não permite a análise da funçãorespiratória e sua colheita está sujeita a erros; parafins científicos, deve, inclusive, ser colhida na arté-ria pulmonar, onde o sangue venoso é misto; porém,duas informações práticas podem ser obtidas pela

análise da gasometria venosa: 1) a pO2 venosa,quando comparada com a pO2 arterial, dá uma idéiado débito cardíaco (diferença arteriovenosa gran-de com pO2 venoso baixo significa baixo débito,com os tecidos extraindo muito o oxigênio da hemo-

globina pelo fluxo lento, sendo esta uma situaçãoainda favorável para se tentar a reversão de um esta-do de choque) e; 2) a diferença arteriovenosa pe-quena, com progressivo aumento da pO2 venosa,indica um “shunt” sistêmico, ou seja, um agrava-mento das trocas teciduais); portanto, o principaldado fornecido pela gasometria venosa é a pO2.

Pelo acima exposto, fica claro que o diagnósti-co dos distúrbios do EAB deve embasar-se nos valo-res da gasometria arterial.

Antes da análise das possibilidades diagnósti-cas da gasometria arterial, é importante que se defi-nam os valores normais de seus parâmetros. Para Ri-beirão Preto, Manço & Terra Filho definiram, poramostragem, os seguintes valores normais (Tabela II):

Pela gasometria arterial, é possível o diagnósti-co dos desvios do componente respiratório (O2 /oxige-nação e pCO2 /ventilação) e do componente metabóli-co (BE e HCO3

-). (Figura 1)Um nomograma clássico bastante útil é o apre-

sentado por West em seu livro, “Fisiopatologia Pul-monar Moderna” (Figura 2). Este nomograma permi-te o diagnóstico diferencial de praticamente todos os

tipos de insuficiência respiratória, sendo complemen-tar aos dados da Figura 1. Trata-se de um nomogramaVentilação (pCO2) / Oxigenação (pO2). Como todasas insuficiências respiratórias caracterizam-se pela hi-póxia, o diagnóstico diferencial é dado pelo padrãoventilatório, ou seja, pela variação da pCO2.a) Na hipoventilação pura, o aumento da pCO2 arte-

rial é extremamente rápido, atingindo valores su-periores a 80 mmHg com vasodilatação cerebral efalência cardiorrespiratória.

Tabela II - Valores normais da gasometria arterial *

pH = 7,35 a 7,45

pO2 = 70 a 90 mmHg

pCO2 = 35 a 45 mmHg

CO2 = 23 a 27 mMol/L

HCO3 = 22 a 26 mEq/L

BE = -3.5 a +4,5 mEq/l

Sat O2 = 95 a 97%

*Informação pessoal: Manço & Terra-Filho

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PRB Évora; CL Reis; MA Ferez; DA Conte & LV Garcia

PCO2 (mmHg)

100

80 A

60 B

40 C

20 D

50 100 PCO2 (mmHg)

E

F

Figura 1 -  Interpretação da gasometria arterial .

Figura 2 - Nomograma pCO 2 

/ pO 2 

(West) - Diagnóstico diferencial de todas as modalidades de insuficiência respiratória.

  Hiperventilação

1. pO2 e pCO2

  Alcalose respiratória

  Hipoventilação

COMPONENTE 2. pO2 e pCO2

RESPIRATÓRIO  Acidose Respiratória

  (Pulmões)

Alterações da V/Q + PEEP)

3. pO2 e pCO2 Alterações da difusão

Aumento do Qs/Qt

(SARA)

COMPONENTE  1. HCO3- e BE < - 3,5 Acidose Metabólica

NÃO RESPIRA-

TÓRIO ( Rins ) 2. HCO3 e BE > + 3,5 Alcalose metabólica

A = Hipoventilação puraB = DPOC

C = Pneumopatia restritiva

D = SARA

E = SARA + O2

F = DPOC + O2

P

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EAB e EHE

b) Nos casos de descompensação da doença pulmo-nar obstrutiva crônica (DPOC), o aumento da pCO2arterial é mais lento, dificilmente atingindo valoressuperiores a 77 – 75 mmHg.

c) Nas pneumopatias restritivas, a pCO2 permanece

normal, porque existe uma compensação pela ca-racterística hiperventilação destas doenças.

d) Na Síndrome da Angústia Respiratória do Adulto(SARA), ocorre uma queda da pCO2 arterial comouma conseqüência do efeito “shunt” (áreas bemperfundidas e mal ventiladas com alta difusibilidadedo CO2).

E) Com o tratamento adequado da SARA, a oxige-nação pode melhorar, porém uma não observânciada normalização da pCO2 pode significar que ain-da persistem áreas bem perfundidas e mal ventila-das, levando, ainda, ao efeito “shunt”.

F) O excesso de oxigênio oferecido a pacientes por-tadores de DPOC pode levar a uma elevação dapCO2, inclusive atingindo valores superiores a 80mmHg. Isto se deve ao fato de a ventilação destespacientes ser controlada por quimiorreceptoresaórticos e carotídeos, que respondem à hipóxia e àacidose.

2.3. Causas mais comuns dos distúrbios do EAB

De um modo bastante simplificado, as causasmais comuns dos distúrbio do EAB podem ser agru-

padas conforme relato abaixo.2.3.1 Acidose respiratória

• Aguda: por comprometimento do SNC (po-liomielite anterior e aguda, intoxicações exógenas, co-mas, traumas); por comprometimento anatômico oufuncional da caixa torácica (ossos e músculos).

• Crônica: por lesões pulmonares (insuficiên-cia respiratória crônica)

2.3.2 Alcalose respiratória• Aguda: estimulação do Centro Respiratório

Bulbar (CRB) (encefalites, emoção, febre e infecçõessistêmicas, intoxicação por salicilato, hipoxemia); re-flexos (choque); por estimulação de receptores torá-cicos (atelectasia, pneumopatias agudas).

• Crônica: vários mecanismos (assistênciaventilatória, insuficiência hepática/amônia, lesões doSNC, infecções, hipoxemia, hipertireoidismo)

2.3.3 Acidose metabólica• Por adição de ácido forte: Aguda exóge-

na (infusão de NH4Cl); Aguda endógena (acidose

láctica/ácido láctico, acidose diabética/corpos cetôni-cos, cetose de jejum, azotemia por IRA/ácido sulfúri-co, ácido fosfórico), Crônica: azotemia/IRC.

• Por perda de bicarbonato: Aguda (diar-réia); Crônica (fístula pancreática, acidose tubular

renal).

2.3.4 Alcalose metabólica• Por perda de ácido  forte: Aguda (vômi-

tos), Crônica/perda de potássio (diarréia crônica,corticóides, diuréticos).

• Por ganho de bicarbonato: Aguda exó-gena (infusão de bicarbonato); Aguda endógena(“stress”); Crônica (ingestão de antiácidos).

Existem situações clínicas importantes queapresentam padrões de alterações do EAB que me-

recem um breve comentário.a) Estado de choque - A regra é a ocorrência deacidose metabólica devida à má perfusão tecidualcom conseqüente metabolismo celular anaeróbio.Em uma fase inicial, existe a tentativa de compen-sação respiratória, e, em fase final a regra é umaacidose mista.

b) Parada cardíaca - Ocorre acidose metabólica erespiratória, respectivamente, pela parada bruscade oxigenação tecidual e da ventilação pulmonar.Nestes casos, os pacientes devem ser hiperventila-dos, pois o tratamento da acidose é feito com o

bicarbonato de sódio que é doador de CO2.c) Circulação extracorpórea (CEC) - Por melhor

que seja sua técnica, vários são os mecanismosque elevam a uma inadequada perfusão tecidual(hipofluxo, hipotermia, hiperatividade simpática eausência de fluxo pulsátil) com conseqüente aci-dose metabólica. Por outro lado, o uso de oxigêniopuro no oxigenador leva, muitas vezes, a uma acen-tuada diminuição do CO2. A alcalose metabólicapode ocorrer pelo excesso de bicarbonato admi-nistrado durante a CEC ou, no pós-operatório, pelaperda excessiva de potássio muito comum durantea derivação cardiopulmonar. Um outro problemadigno de menção é a ocorrência de alcalose meta-bólica tardia (48-72 horas no pós-operatório). Podeocorrer pelo metabolismo do citrato ou do lactatoda solução de Ringer-Lactato no perfusato. Exis-tem evidências de que esta alcalose seja mais de-vida ao citrato do anticoagulante do sangue poli-transfundido, do que ao uso do Ringer-Lactato.

d) Politransfusão sangüínea - O sangue estocadopossui uma considerável carga de radicais ácidos,

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devida, em grande parte, a um acúmulo de ácidosorgânicos (ácido cítrico do anticoagulante e o ácidoláctico gerado pela hipotermia da estocagem e pelahipóxia). Se ocorrer acidose metabólica, deve-seproceder à alcalinização, antes feita rotineiramente

e, hoje, conforme as necessidades mostradas porgasometrias seriadas. Além disso, o sangue estoca-do tem os seus níveis de 2,3 difosfoglicerato (2,3DPG) diminuídos, o que leva a um deslocamentoda curva de dissociação da hemoglobina para a es-querda com aumento da sua afinidade pelo oxigê-nio, piorando a oxigenação periférica e, conseqüen-temente, agravando a acidose metabólica. Pode ocor-rer, mais tardiamente, uma alcalose metabólica de-vida à metabolização do citrato pelo fígado.

e) Alimentação parenteral - No início desta técnicade suporte nutricional a acidose metabólica era uma

grave e freqüente complicação, que ocorria porquealguns aminoácidos essenciais – hisitidina, lisina,ornitina e arginina – encontravam-se nas soluções soba forma de cloridrato. Esta complicação tornou-semais rara com as soluções de aminoácidos maisrecentes que substituem o cloridrato por aspartato.

f) Insuficiência renal crônica - A regra é a existên-cia de acidose metabólica por adição de ácidos for-tes (sulfúrico e fosfórico) devido à azotemia. Podeocorrer ainda acidose metabólica pela subtração dobicarbonato, devida à chamada acidose tubular re-nal. Este distúrbio é raro, freqüentemente associa-

da a síndromes genéticas, e são de dois tipos: distaldevido a uma incapacidade do túbulo distal de man-ter gradiente máximo de H+ entre a luz tubular e osangue, e proximal devido a uma deficiência dereabsorção do bicarbonato no início do néfron. Ospacientes portadores de insuficiência renal crôni-ca, em geral, adaptam-se à acidose metabólica.

g) Diabetes mellitus - Ocorre acidose metabólicapor adição de ácidos devidos aos corpos cetônicos(ácidos acetoacético e betaidroxibutírico). Muitasvezes só o emprego da insulina é o suficiente parao seu tratamento pela diminuição da produção doscorpos cetônicos, sem a necessidade do empregode bicarbonato.

h) Afecções gastrintestinais - Nelas, as principaisalterações podem ser divididas em três grupos:acidose metabólica, alcalose metabólica e perda depotássio. A acidose metabólica pode ocorrer porperda de bicarbonato nas diarréias graves e nasfístulas pancreáticas. A acidose pode ainda ocor-rer devido a um estado de choque secundário, porexemplo, a uma trombose mesentérica, pancreatite

aguda ou fístula pancreática. A alcalose metabóli-ca pode ocorrer por perda de suco gástrico ou per-da de potássio (diarréia, tumores vilosos do reto,tumores do pâncreas, fístulas biliares, uso excessi-vo de laxativos).

2.4 Tratamento dos distúrbios do EAB

2.4.1 Princípios geraisAlguns preceitos devem ser seguidos para um

adequado tratamento dos desvios do EAB, lembran-do-se sempre que a gasometria é um exame subsidiá-rio que deve ser analisado em conjunto com os dadosclínicos do paciente.a) O tratamento deve fundamentar-se em dosagens

freqüentes e seriadas dos gases e do pH sangüíneo.b) Não confiar de forma absoluta em qualquer resul-

tado de laboratório.c) Não corrigir as alterações muito rapidamente;d) normalizar, inicialmente, o volume sanguíneo e a

perfusão tecidual.e) Não corrigir o pH, o cálcio e o potássio isoladamente.

2.4.2 Tratamento da acidose respiratóriaOxigenação e ventilação adequadas: manuten-

ção das vias aéreas livres, correção da hipóxia e/ouhipercapnia, remoção de secreções e tratamento dasinfecções respiratórias, quando presentes. Um errofreqüente é a administração de bicarbonato de sódiocom base apenas no valor do pH.

2.4.3 Tratamento da alcalose respiratóriaO objetivo é combater a hiperventilação com

sedação de pacientes ansiosos e histéricos. É um dis-túrbio freqüente em pacientes submetidos a assistên-cia respiratória, principalmente se curarizados. A di-minuição da hipoventilação pode ser tentada pelo au-mento do espaço morto, diminuição do volume cor-rente e pela utilização da Ventilação Mandatória In-termitente (IMV), que tem por característica a nor-malização da pCO2, uma vez que permite a respira-ção espontânea, intercalada pelo auxílio do respirador.

2.4.4 Tratamento da Síndrome da AngústiaRespiratória Aguda (SARA)

Não é objetivo deste texto discutir esta entida-de em detalhes. A SARA é um problema de “barreiraalveolocapilar”, causada pela presença de edema pul-monar intersticial. Caracteriza-se por diminuição dacapacidade residual funcional, alteração da relaçãoventilação/perfusão (V/Q) e aumento do “shunt” pul-monar (Qs/Qt).

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Basicamente, seu tratamento consiste em ins-talar-se assistência respiratória com a associação deVentilação Mandatória Intermitente (IMV) “IntermitentMandatory Ventilation” com Pressão Expiratória Posi-tiva Final (PEEP) “Positive End Expiratory Pressure”,

restrição hídrica, diuréticos, processos dialíticos, me-tilprednisolona, albumina humana (apenas nas fasesiniciais, para aumentar a pressão coloidosmótica e aju-dar a diminuir o edema pulmonar intersticial, pois, emfases avançadas, pode extravasar para o alvéolo, con-tribuindo para a formação de membrana hialina), anti-bióticos. A utilização do nutroprussiato de sódio, natentativa de reduzir a hipertensão pulmonar, podepiorar a “shuntagem”, se diminuir muito a pressão ar-terial sistêmica. A recente utilização de óxido nítricoinalado para reduzir a hipertensão pulmonar de modoseletivo é promissora, mas ainda controversa, haven-

do mais evidências de que não muda a evolução daSARA. Os valores da pO2 e da pCO2 só voltarão ànormalidade com a regressão da situação do “shunt”pulmonar aumentado.

2.4.5 Tratamento da acidose metabólicaUtiliza-se o bicarbonato de sódio, cuja quanti-

dade necessária para a correção da acidose, em mEq,é fornecido pela Fórmula de Mellengard-Astrup:

0,03 x peso (Kg) x BE(2 a 3)

O tratamento da acidose metabólica pode serfeito por estimativa, caso não se disponha dos dadosgasométricos, utilizando-se, em média, 2 mEq/Kg debicarbonato de sódio como dosagem inicial, seguidosde dosagens criteriosas. Erro comum é o empregodesta solução alcalina em excesso, que pode aumen-tar muito a osmolaridade do sangue, dificultando astrocas celulares, ou, ainda, induzir arritmias cardíacaspela alcalose metabólica. O bicarbonato de sódio é,universalmente, o elemento utilizado para tratar a aci-dose metabólica na parada cardíaca. Tem sido estu-dada a utilização do tampão TRIS (THAM), que teria

a vantagem de não ser doador de gás carbônico e nãonecessitar de hiperventilações, além de sua provávelação superior nas correções das acidoses intracelula-res. Como não se observa a utilização rotineira dotampão TRIS, pode-se inferir que, em termos de cus-to-benefício, não deva haver grandes vantagens so-bre o uso do bicarbonato de sódio,

2.4.6 Tratamento da alcalose metabólicaReposição de cloretos, acetazolamida, cloridrato

de arginina, HCl (0,1N), NH4Cl (?). Desde os anos

Tabela III - Efeitos deletérios da acidose aguda

- Sobrecarga respiratória.

- Anorexia, náuseas, vômitos e alterações neurológicas.

- Hiperpotassemia.

- Diminuição da responsividade às catecolaminas e de-pressão da contratilidade miocárdica.

- Vasoconstrição renal e oligúria.

- Resistência à ação da insulina.

Tabela IV - Efeitos deletérios de alcalose aguda

- Hipocalcemia por diminuição do cálcio ionizável.

- Hipopotassemia com aumento da perda urinária de K+.

- Alteração da relação K+

intracelular/ K+

extracelular nomiocárdio, com susceptibilidade a arritmias

- Aumento da afinidade da Hb pelo O2 (desvio da curvade dissociação para a esquerda), com hipóxiatecidual.

- Acidose paradoxal do líquor, com piora das condiçõesneurológicas.

setenta, a utilização do cloridrato de arginina foi utili-zado no Centro de Terapia Intensiva do Hospital dasClínicas de Ribeirão Preto. A sua administração eraempírica (7,5 g/12 horas), uma vez que só a sua fra-ção catabolizada seria acidificante. Conseguiam-se

reversões parciais da alcalose metabólica, que se re-cuperava algumas horas depois. Com o tempo, pas-sou-se a utilizar mais a reposição de cloreto de potás-sio em associação com a acetazolamida, a qual, inibin-do a anidrase carbônica, aumenta a excreção urináriade bicarbonato. A experiência com HCl foi pequena enunca se utilizou o NH4Cl por ser neurotóxico.

2.5 Efeitos deletérios dos distúrbios do EAB

Tanto a acidose como a alcalose apresentamuma série de efeitos indesejáveis, que devem ser depleno conhecimento, e estão representados nas Tabe-

las III e IV.

A alcalose metabólica, cuja importância clínicacostuma ser relegada a um plano secundário, mereceum lugar de destaque entre os possíveis distúrbios dahomeostase do paciente gravemente enfermo e da-queles submetidos a grandes cirurgias. Além de au-mentar a afinidade da Hb pelo 02, tem-se dado impor-tância à alcalose metabólica como causa de arritmiacardíaca, principalmente à supraventricular, que nãoapresenta boa resposta aos antiarrítmicos convencio-

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nais, admitindo-se, inclusive, a ocorrência de mortesúbita e sua correlação com aumento da mortalidadeem pacientes graves.

A Figura 3 apresenta um resumo das possibili-dades diagnósticas e terapêuticas dos distúrbios do

EAB. Este quadro, associado ao Nomograma de West(pCO2 / pO2), resume grande parte dos conhecimen-tos utilizados na prática clínica diária.

2.6. Exercícios gasométricos

Apresentam-se, a seguir, exemplos comentadosde gasometrias arteriais que mais ocorrem na práticamédica. É evidente que a gasometria é um examecomplementar que deve ser analisado dentro doquadro clínico apresentado pelo paciente. Esta par-te do texto tem apenas a finalidade de ajudar na inter-pretação prática da gasometria arterial. Os diagnósti-cos e as condutas serão baseados nas Figuras 1 e 3.

Caso 1

pH = 7,30; p02 = 86; pCO2 = 39; HCO3- = 18,12; BE= -7,5.

Diagnóstico: ausência de alterações respira-tórias e acidose metabólica leve.

Conduta: acidoses com BE até 7-8 sem so-brecarga respiratória não necessitam de tratamento,ocorrendo compensação pelo próprio organismo. Ob-servar que o valor do pH está abaixo do normal. Noexemplo, não se observam os mecanismos de com-

pensação respiratória, e ele é bastante observado nasacidoses do jejum pré-operatório.

Caso 2

pH = 7,42; p02 = 99; pCO2 = 21,39; HCO3- = 18,12; BE= -8,0

Diagnóstico: acidose metabólica compensa-da por alcalose respiratória.

Conduta: esta é uma resposta natural do or-ganismo, ou seja, a hiperventilação para eliminaçãoindireta H+. Apesar do BE ser semelhante ao do caso1, neste caso, deve-se tratar a acidose, pois esta deveser importante a ponto de desencadear os mecanis-

mos respiratórios de compensação, que, no exemploapresentado foi, inclusive, capaz de normalizar o pH.

Caso 3

pH = 7,61; p02 = 91; pCO2 = 4 1; HCO3- = 39,81; BE= + 18

Diagnóstico: ausência de alterações respira-tórias e alcalose metabólica.

Figura 3 -  Resumo das possibilidades diagnósticas e terapêuticas dos distúrbios do equilíbrio acidobásico.

 

DIAGNÓSTICO TRATAMENTO

Hiperventilação

Hipoventilação,sedação Aumento do

espaço morto IMV

1. PO2 e PCO2,Alcalose respiratória

Hipoventilação

2. PO2 e PCO2 Ventilação adequada

  Acidose respiratória

 Alterações da V/Q

Alteração da difusão

“shunts” A-V

Respirador volumétrico, IMV +

PEEP Restrição de líquidos,

Diuréticos, diálise

Antibióticos, Corticóide

 

3. PO2 e PCO2 

(Fórmula de Meleengard-Astrup)

1. HCO3- e BE < - 3,5Acidose metabólica NaHCO3 (0,3 x peso (Kg) x BE

2 a 3

Cloretos (KCl), Acetazolamida

cloridrato de arginina, HCl 0,1 N2. HCO3- e BE > + 3,5 Alcalose metabólica

 

COMPONENTE

RESPIRATÓRIO

(Pulmões)

COMPONENTE

NÃO RESPIRA-

TÓRIO (Rins)

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EAB e EHE

Conduta: uma boa parte das alcaloses meta-bólicas estão associadas a hipopotassemia e/ou hipo-cloremia, portanto, estes íons devem ser dosados noplasma.Caso estejam normais, optar por outro agenteacidificante: HCI 0,1 a 0,2 N, cloridrato de arginina.

Lembrar que a acetazolamida é de grande utilidadeno tratamento das alcaloses de adição e que o cloretode amônio tem seu uso limitado pela neurotoxidade.

Caso 4

pH = 7,29; p02 = 60; pCO2 = 57; HCO3- = 26,5; BE= -1

Diagnóstico: acidose respiratória sem altera-ções metabólicas.

Conduta: esta gasometria pode ser perfeita-mente aceitável para um paciente portador de doençapulmonar obstrutiva crônica. Caso não se trate de umpaciente enfisematoso, deve-se buscar a causa dahipoventilação e tratá-la por meio de uma ventilaçãoadequada.

Caso 5:

pH= 7,45; pO2 = 55; pCO2 = 61; HCO3- = 26,5; BE = +1 9

Diagnóstico: acidose respiratória e alcalosemetabólica.

Conduta: devem-se tratar ambos os desviosdo equilíbrio acidobásico. Comumente interpreta-se opresente quadro gasométrico como acidose respira-tória compensada por alcalose metabólica, o que leva

a uma conduta inadequada. Costuma-se tratar os doisdistúrbios, pois sabe-se que os mecanismos naturaisde defesa contra a acidose são muito mais eficientesdo que os mecanismos de defesa contra a alcalose.Por outro lado, se o paciente for um enfisematoso,pode-se interpretar a alcalose metabólica como umaconseqüência da hipercapnia crônica, devendo-setratá-la com o emprego de acetazolamida.

Caso 6

pH= 7,63; pO2 = 100; pCO2 = 22; HCO3- = 22,36; BE = + 4,5

Diagnóstico: alcalose respiratória e alcalosemetabólica leve.

Conduta: tratar a alcalose respiratória. Este éum distúrbio comum que ocorre com o uso de respira-dores mecânicos e, no caso, poder-se-ia diminuir afreqüência respiratória ou aumentar o espaço morto.Uma vez que a p02 se apresenta em níveis normais,talvez não seja conveniente diminuir o volume corren-te. Caso se trate de uma hiperventilação psicogênica,deve-se promover à sedação do paciente ou, se pos-sível, fazê-lo respirar em saco fechado.

Caso 7

pH = 7,30; p02 - 55; PCO2 = 18; HCO3- = 20,2; BE= - 4,0

Diagnóstico: sempre que houver hipóxia comhipocapnia deve-se pensar em alterações pulmonares

funcionais (alteração da relação ventilação-perfusão,da difusão alveolocapilar, “shunts” arteriovenososintrapulmonares). Na prática médica, até prova emcontrário, trata-se de Insuficiência Respiratória Agu-da do Adulto (“pulmão de choque”, SARA) devido aedema pulmonar intersticial.

Conduta: procurar tratar a moléstia de base,assistência respiratória com respirador volumétrico eIMV + PEEP, metilprednisolona, furosemide, diálisealbumina humana, quando houver hipoproteinemia nasprimeiras fase da SARA.

3. QUESTÕES DIRIGIDAS

3.1 Questões dirigidas sobre o equilíbrio hidro-eletrolítico

1. Descreva sucintamente os compartimentoshídricos orgânicos.

2. Conceitos de permeabilidade, tonicidade, pressãocoloidosmótica e pressão osmótica.

3. Indicadores clínicos para a realização do balançohídrico diário no paciente cirúrgico.

4. Qual a importância das chamadas perdas para oterceiro espaço ?

5. Defina desidratação.6. Quais as causas mais comuns de desidratação ?7. Sinais e sintomas da desidratação.8. Conduta geral na desidratação.9. Princípios terapêuticos do edema.

10. Definição, diagnóstico e conduta da intoxicaçãohídrica.

11. Diagnóstico e conduta na hipernatremia.12. Diagnóstico e conduta na hiponatremia.13. Diagnóstico e conduta na hiperpotassemia.14. Diagnóstico e conduta na hipopotassemia.15. Diagnóstico e conduta na hipercalcemia.16. Diagnóstico e conduta na hipocalcemia.17. Diagnóstico e conduta na hipermagnesemia.18. Diagnóstico e conduta na hipomagnesemia.

3.2 Questões dirigidas sobre o equilíbrio acido-básico

1. Quais os dois desafios básicos que os sistemasorgânicos enfrentam para a manutenção do EAB?

2. Deduza a Equação de Henderson-Hasselbalch ediscuta a sua importância.

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PRB Évora; CL Reis; MA Ferez; DA Conte & LV Garcia

mente, alterarem os valores da gasometria ?13. Cite quais as principais causas da acidose respi-

ratória.14. Cite as principais causas da alcalose respiratória.15. Cite as principais causas da acidose metabólica.

16. Cite as principais causas da alcalose metabólica.17. Quais as possibilidades terapêuticas para o trata-

mento da acidose respiratória ?18. Quais as possibilidades terapêuticas para o trata-

mento da alcalose respiratória ?19. Quais as possibilidades terapêuticas para o trata-

mento da SARA ?20. Quais as possibilidades terapêuticas para o trata-

mento da acidose metabólica ?21. Quais as possibilidades terapêuticas para o trata-

mento da alcalose metabólica ?22. Quais os principais efeitos deletérios da acidose?23. Quais os principais efeitos deletérios da alcalose?

5 - EVORA PRB. Aspectos práticos sobre o equilíbrio ácido-básico do sangue. Rev Bras Anestesiol 32:123-128,1982.

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ABSTRACT: Fluid, electrolyte and acid-base disorders are very important subjects for allmedical specialties . But their practical learning is, sometimes, very difficult.

This text intends to discuss this subject based on more than 20 years of didatic experienceteaching medical students, medical residents and post-doctoral students. The text has onlydidatic pretensions without any academic purpose.

UNITERMS: Fluid. Water. Electrolytes. Acidosis. Alkalosis. Acid-base Equilibrium. Water-Eletrolyte Balance.

3. Quais as características das respostas pulmona-res e renais na eliminação do H+ ?

4. Quais as principais evidências de que o organis-mo animal possui mecanismos naturais de defesacontra a acidose mais eficientes do que os meca-

nismos contra a alcalose ?5. Como pode ser dividido o sistema-tampão do or-

ganismo.6. Qual o conceito de reserva alcalina ?7. Qual o conceito de “Base Excess” ?8. Qual o conceito de “Anion gap” e qual a sua im-

portância ?9. Quais os principais diagnósticos dos distúrbios do

EAB com base na gasometria arterial ?10. Represente e descreva o nomograma pO2 /pCO2

(West). Qual a sua importância prática ?11. Qual a importância da amostra venosa ?12. Cite os principais fatores que podem, potencial-

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Recebido para publicação em 07/04/99

Aprovado para publicação em 05/11/99