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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
MARCOS DOS SANTOS
ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO E PSICOPEDAGÓGICO – PROCESSO INTERATIVO ENTRE O ADMINISTRADOR E A COMUNIDADE ESCOLAR
Rio de Janeiro Janeiro – 2010
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MARCOS DOS SANTOS
ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO E PSICOPEDAGÓGICO – PROCESSO INTERATIVO ENTRE O ADMINISTRADOR E A COMUNIDADE ESCOLAR
Monografia apresentada à Universidade Candido Mendes, como requisito parcial para a obtenção de título de Especialista em Administração Escolar.
Orientador: Profº Antonio Ney
Rio de Janeiro 2010
MARCOS DOS SANTOS
ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO E PSICOPEDAGÓGICO – PROCESSO INTERATIVO ENTRE O ADMINISTRADOR E A COMUNIDADE ESCOLAR
Monografia apresentada à Universidade Candido Mendes, sob orientação do Profº Antonio Fernando Vieira Ney, como requisito parcial para a obtenção de título de Especialista em Administração Escolar.
Aprovada em / /
DEDICATÓRIA
A minha mulher, Fernanda Mattos C. dos Santos,
Pedagoga de reconhecido valor profissional, Com seu notório saber nos assuntos relacionados à Educação, Colaborou sobremaneira para a concretização deste trabalho.
AGRADECIMENTOS
À Universidade Candido Mendes, que não poupou esforços, através de meios materiais e pessoais, para que este trabalho fosse concretizado.
Aos Professores Antonio Fernando Vieira Ney e Gilberto Santos Crespo, Mestres incansáveis, manifesto a minha profunda admiração e apreço, agradecendo pelas
valiosas contribuições para a melhoria deste trabalho.
“O primeiro sentimento básico que gostaria de partilhar com vocês é a minha alegria quando consigo realmente ouvir alguém. Acho que esta característica talvez seja
algo que me é inerente e já existia desde os tempos da escola primária. Por exemplo, lembro-me quando uma criança fazia uma pergunta e a professora dava
uma ótima resposta, porém a uma pergunta inteiramente diferente. Nessas circunstâncias eu era dominado por um sentimento intenso de dor e angústia. Como reação, eu tinha vontade de dizer: “Mas você não a ouviu!”. Sentia uma espécie de
desespero infantil diante da falta de comunicação que era (e é) tão comum.”
(Carl Rogers)
RESUMO
Este trabalho analisa o conceito de Aconselhamento Psicológico e Psicopedagógico como uma produção histórica das práticas e saberes da psicologia. Registra o processo de transformação da prática de aconselhamento psicológico e suas interfaces com a Pedagogia. Se num primeiro momento, verifica-se que predominava as práticas diagnósticas centrada no problema – da criança, do adolescente, do adulto – num outro momento o Aconselhamento Psicológico vai aos poucos modificando o foco de sua prática, passando do sintoma para a pessoa; do resultado para o processo da relação centrada na pessoa e mais particularmente nos educandos. Assim, este trabalho propõe pensar o Aconselhamento Psicológico e Psicopedagógico como uma estratégia de atuação do administrador escolar.
PALAVRAS-CHAVE: Abordagem Centrada na Pessoa - Educação - Aprendizagem Centrada no Aluno - Processo de Aprendizagem - Atitudes Facilitadoras
METODOLOGIA
Este trabalho visa analisar a importância do aconselhamento psicológico e
psicopedagógico mediado pelo administrador escolar e apresentar reflexões sobre a
importância e as implicações do mesmo para o processo educacional.
O presente estudo foi feito por meio de livros, artigos de revistas especializadas
e sites da Internet. A execução do mesmo ocorreu ao longo do primeiro semestre de
2010, em visitas à Biblioteca Nacional, à biblioteca da Universidade Candido Mendes e
em levantamentos de acervo pessoal. Sendo assim, segundo os procedimentos de
coleta, a pesquisa apresentada foi do tipo bibliográfica.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................................09
CAPÍTULO I - O PROCESSO HISTÓRICO DO ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO
E PSICOPEDAGÓGICO................................................................................................11
CAPÍTULO II - O QUE É ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO E
PSICOPEDAGÓGICO?..................................................................................................13
CAPÍTULO III - SENTIR E PENSAR.............................................................................18
CAPÍTULO IV - O QUE É OUVIR?...............................................................................21
4.1 - A ESCUTA E O CONTATO........................................................................24
CAPÍTULO V – O EMOCIONAL E O AFETIVO: SUAS IMPLICAÇÕES NA
APRENDIZAGEM..........................................................................................................27
CAPÍTULO VI – RELAÇÃO FAMÍLIA / ESCOLA E OS PROBLEMAS DE
APRENDIZAGEM..........................................................................................................32
CAPÍTULO VII - MICHEL FOUCAULT E O CONTROLE DOS
CORPOS.......................................................................................................................35
CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................41
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................43
9
INTRODUÇÃO
Espera-se, que ao final da execução deste trabalho, fique clara a
importância da atuação do aconselhamento psicológico e psicopedagógico
mediado pelo administrador escolar para a reformulação do processo educacional
predominante nos dias de hoje, extremamente tradicional e alienante e,
conseqüentemente, como eixo norteador e principal de uma educação preocupada
com a formação para a cidadania e, por conseguinte, com o desenvolvimento
integral dos indivíduos.
A educação tradicional, bancária, a qual apresenta uma concepção
mecanicista da consciência, concebendo a mesma como algo vazio a ser
preenchido, a cada dia mais, se mostra ineficiente e mantenedora de uma
sociedade em franco processo de decadência. Assim, evidencia-se a necessidade
de uma nova educação, comprometida com a libertação dos indivíduos que, para
obter êxito, requer a problematização da existência humana, no âmbito das
interações sociais.
Nesse contexto, é imprescindível a superação da contradição existente
entre educadores e educandos, uma vez que o grande distanciamento tradicional
existente entre eles se torna inviável, haja vista que, de acordo com o pensamento
freireano, os indivíduos se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo. Esta
mediação se dá, essencialmente, através da dialogicidade e do respeito.
O processo de decadência que, de uma forma geral, assola o sistema
educacional brasileiro, torna cada vez mais necessária toda uma reflexão sobre os
elementos que o constitui e a função dos mesmos.
Tradicionalmente, na maioria das instituições de ensino, aprender é
sinônimo de algo chato, enfadonho, que não proporciona prazer aos educandos e
isto ocorre, principalmente, pela atuação do professor em sala de aula. Este acaba
se posicionando como o detentor do saber e utiliza negativamente sua autoridade,
transformando-a em autoritarismo. Esta prática, ainda bastante comum na
atualidade, contribui para a formação de indivíduos excessivamente passivos e
10
isto é muito nocivo aos mesmos, pois eles se tornam, cada vez mais, vítimas de
uma ideologia nefasta e opressora. Dessa forma, se faz gradativamente mais
urgente uma mudança na educação, a qual depende, prioritariamente, da
modificação da postura docente, pois o professor é um dos pilares mais
importantes do processo educativo. Esta deve embasar-se em pressupostos
pedagógicos opostos aos da pedagogia tradicional, uma vez que, para esta, o
interessante é manter a ordem social vigente, a qual atende aos interesses de
uma minoria, explorando e subordinando a maioria, desprivilegiada, da população.
Para tanto, é extremamente necessária uma atuação do administrador escolar
comprometida com o desenvolvimento da autonomia e com o respeito pelas
diferenças que se fazem presentes no ambiente escolar.
No primeiro capítulo foi feita uma breve análise sobre O PROCESSO
HISTÓRICO DO ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO E PSICOPEDAGÓGICO.
Já no segundo capítulo esta análise é um pouco mais aprofundada, tentando
responder a pergunta O QUE É ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO E
PSICOPEDAGÓGICO? O terceiro capítulo contempla o tema SENTIR E PENSAR,
pressupostos fundamentais da aprendizagem. O quarto capítulo é um
desdobramento do anterior, onde é lançada a pergunta O QUE É OUVIR? O
quinto capítulo trata sobre O EMOCIONAL E O AFETIVO: SUAS IMPLICAÇÕES
NA APRENDIZAGEM. O quinto capítulo analisa a RELAÇÃO FAMÍLIA / ESCOLA
E OS PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM. O sétimo capítulo – MICHEL
FOUCAULT E O CONTROLE DOS CORPOS – traz uma reflexão sobre a obra de
Michel Foucault, o livro Vigiar e punir. Finalmente são traçadas as
CONSIDERAÇÕES FINAIS, onde os capítulos são “costurados” na tentativa de
levar a bom termo a proposta de mostrar a importância do aconselhamento
psicológico e psicopedagógico para o Administrador Escolar.
11
CAPÍTULO I
O PROCESSO HISTÓRICO DO ACONSELHAMENTO
PSICOLÓGICO E PSICOPEDAGÓGICO
No plano teórico e prático, o Aconselhamento Psicológico ampliou seu
alcance, e atualmente há uma infinidade de concepções e abordagens. Mas em
que consiste o Aconselhamento Psicológico e como ele pode contribuir com as
práticas pedagógicas?
A forma mais prudente de compreender em que consiste o campo de
atuação do Aconselhamento Psicológico é verificar como ele emerge enquanto
uma produção histórica de práticas e saberes da psicologia. Logo, convém
destacar a importância de Carl Rogers dado que foi o primeiro psicólogo a utilizar
o termo Aconselhamento Psicológico.
“Realizei estudos diagnósticos de crianças e adolescentes e elaborei recomendações para o tratamento; em 1928 desenvolvi um inventário para avaliação do mundo interior da criança, que – Deus me perdoe – continua a ser vendido aos milhares.” (Rogers, C e Rosemberg, R.A, 1977; p. 29)
Nota-se nesta citação o processo de transformação da prática de
aconselhamento psicológico. Se num primeiro momento predominava as práticas
diagnósticas, centrada no problema – da criança, do adolescente, do adulto – num
outro momento Rogers começa a desenvolver as suas idéias inovadoras.
Questionando-a, ele vai aos poucos modificando o foco de sua prática: do
problema para a pessoa; do instrumento de avaliação para a relação cliente-
conselheiro, do resultado para o processo da relação centrada na pessoa .
A Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) foi uma expressão utilizada por
Carl Rogers para referir uma forma específica de entrar em relação com Outro,
estando implícito um modo positivo de conceituar a pessoa humana. Esta
expressão representa uma evolução no pensamento de Carl Rogers e no quadro
teórico por ele desenvolvido, que foi formalizada na publicação do seu livro Sobre
12
o Poder Pessoal (em inglês, On Personal Power, 1977), onde explicita a aplicação
do seu quadro conceptual aos mais diversos campos (Gobbi et al., 1998: 13).
Não foi por acaso que Rogers considerou que o homem educado é o
homem que aprendeu a aprender (Rogers, 1986: 126), e que dentro do Sistema
Educativo como um todo, deverá implementar-se um clima propício ao
crescimento pessoal do aluno (Rogers, 1986:244). Segundo o autor "Tem-se de
encontrar uma maneira de desenvolver, dentro do sistema educacional como um
todo, e em cada componente, um clima conducente ao crescimento pessoal; um
clima no qual a inovação não seja assustadora, em que as capacidades criadoras
de administradores, professores e estudantes sejam nutridas e expressadas, ao
invés de abafadas. Tem-se de encontrar, no sistema, uma maneira na qual a
focalização não incida sobre o ensino, mas sobre a facilitação da aprendizagem
autodirigida" (Ibidem).
13
CAPÍTULO II
O QUE É ACONSELHAMENTO
PSICOLÓGICO E PSICOPEDAGÓGICO?
A Psicopedagogia, área do conhecimento relativamente nova, ainda
apresenta algumas divergências no que se refere ao seu objeto de estudo, no
entanto há um consenso de que:
“seu objeto de estudo é o homem enquanto ser em processo
de construção do conhecimento, ou seja, enquanto ser
cognoscente.” (Silva, 1998; pág. 122)
Desta forma, pode-se observar que o psicopedagogo é um profissional de
ação cuja práxis implica num amplo espectro de atitudes, que envolve a si mesmo
e aos outros enquanto seres humanos nos processos de aprendizagem.
A atuação psicopedagógica, pode-se afirmar, implica compreender a
situação de aprendizagem do sujeito. A Psicopedagogia, na sua prática, passa
com o tempo a ressaltar a importância de conhecer e de pesquisar o ser que
aprende dentro do processo de aprendizagem, individualmente ou em grupo,
dentro do seu próprio contexto. Tal compreensão requer uma modalidade
particular de atuação para a situação em estudo, o que significa que não há
procedimentos predeterminados.
Apoiando-se nos conhecimentos pedagógicos e psicológicos, a
Psicopedagogia acaba por perceber também as dificuldades da aprendizagem do
sujeito que representam simplesmente desarticulações dos diferentes aspectos da
aprendizagem, ou seja: aspecto afetivo, o aspecto cognitivo e o aspecto social.
Desse modo, busca o significado de dados que lhe permitirá dar sentido ao
observado. Seu objetivo é o de remediar ou refazer esse processo partindo do
estudo da construção de todos esses aspectos.
14
Pode-se dizer então que a Psicopedagogia pesquisa as condições para que
se produza a aprendizagem do conteúdo escolar, identificando os obstáculos e os
elementos facilitadores, numa abordagem preventiva.
O Administrador Escolar, desempenhando o Aconselhamento
Psicopedagógico, é um profissional envolvido com a aprendizagem humana, que
congrega conhecimentos de diversas áreas intervindo neste processo, seja para
potencializá-lo ou para amenizar dificuldades e conflitos no ambiente escolar,
atendendo as necessidades individuais de aprendizagem. Neste sentido,
pretende-se divulgar o caráter transdisciplinar da Psicopedagogia, suas ações e
parcerias, nas diversas áreas de atuação do conselheiro.
A psicopedagogia atua com pessoas, e essas pessoas são de uma
fragilidade extraordinária; característica que fica mais acentuada se pensarmos
que, em muitas ocasiões, a intervenção do Administrador Escolar ocorre durante
uma situação de crise, de mal-estar ou de estresse psicológico que afeta uma
instituição, uma pessoa ou um grupo. Ater-se à ética exige não somente o respeito
à situação do outro, a confidencialidade e a discrição do administrador, como
também analisar as possibilidades de atuação com expectativas de êxito. Exige
ainda, uma avaliação contínua da própria atuação, que significa não só ser
responsável pelos eventuais sucessos e fracassos alcançados mas também
assumir as responsabilidades que lhe caibam.
O Aconselhamento Psicopedagógico não desempenha a sua tarefa
sozinho. Seu espaço profissional aparece fortemente condicionado pelo projeto
educacional adotado por um grupo social e pode se concretizar em diferentes
instituições, sejam elas escolares ou organizacionais.
Também pode-se dizer que o aconselhamento é:
“...um processo interativo, caracterizado por uma relação única entre o conselheiro e o seu cliente, que leva este último a mudanças em uma ou mais das seguintes áreas: 1. Comportamento; 2. Construtos pessoais (modos de elaborar a realidade, incluindo o eu) ou preocupações emocionais a essas percepções;
15
3. Capacidade de ser bem-sucedido nas situações de vida, de forma a aumentar ao máximo as oportunidades e reduzir ao mínimo as condições ambientais adversas; 4. Conhecimento e habilidade para a tomada de decisão.” (Patterson & Eisenberg, 1998; p. 20)
Dentro do contexto desta pesquisa, o aconselhamento psicológico pode
corresponder aos estudos do desenvolvimento emocional diante das tarefas
propostas pela escola e pela educação em geral.
O aconselhamento psicológico enquanto prática é direito privativo do
psicólogo, mas outros profissionais de ajuda se utilizam dela como pedagogos,
professores, educadores, assistentes sociais, médicos, fonoaudiólogos, terapeutas
ocupacionais e dentro do escopo deste trabalho, o administrador escolar.
“Em todos os casos, o aconselhamento deverá resultar em comportamento livre e responsável por parte do cliente, acompanhado de capacidade para compreender e controlar sua ansiedade.” (Patterson & Eisenberg, 1998; p. 20)
As teorias de aconselhamento destacam o conceito de homem, conceito de
saúde e doença e processos ou os modos como pode se desenvolver o
aconselhamento propriamente dito. Assim, por exemplo, na Abordagem Centrada
na Pessoa, o homem é naturalmente bom e positivo, sendo o mundo ao derredor
provocador da insanidade, bem como da dissociação entre o ideal e o real. No
processo de aconselhamento encontra-se o valor dado às atitudes como a
empatia (capacidade ou atitude do ajudador penetrar no mundo do outro como se
o outro fosse), aceitação incondicional do outro e congruência (honestidade não
agressiva).
Ao constatar que uma escuta empática por parte do conselheiro tinha, por
si, sim efeito facilitador do processo de auto-exploração e mudança do cliente,
Rogers constrói uma proposta de intervenção Psicológica fundamentada, ora no
aperfeiçoamento das atitudes do conselheiro que exerce esta função facilitadora,
ora no pressuposto de que o cliente é capaz de viver e elaborar suas experiências
de forma integradora, quando se engaja numa relação com um conselheiro que
16
não faz julgamentos morais precipitados, mas busca desenvolver o potencial do
cliente.
O conselheiro, na Abordagem Centrada na Pessoa deve estar preparado
para acolher demandas diversas e aberto para realizar com o cliente, e a partir
dele, uma explicitação da demanda que envolve, também, a definição de como
atende-la.
Convém destacar que existe uma imagem que envolve a função do
conselheiro. Logo, deve-se esclarecer alguns aspectos relevantes quanto ao
exercício do Aconselhamento Psicológico e Psicopedagógico.
Para o senso comum, conselheiro é qualquer pessoa que dá conselhos: um
amigo, um pastor, um professor, etc. Por que, então, denominar o
aconselhamento como uma especialidade profissional?
O Aconselhamento Psicológico está ligado à especialidade do profissional
em psicologia, porque a sua origem está intimamente ligada à história da
psicologia. Depois a legislação brasileira define o Aconselhamento Psicológico
como função específica dos psicólogos.
Nas universidades norte americanas é tradicional a existência de serviços
de atendimento e orientação de alunos oferecendo-lhes assistência tanto
psicológica quanto pedagógica. Nestas instituições de ensino, o responsável por
esta função não é necessariamente um psicólogo. Podendo ser um pedagogo, um
assistente social, entre outros, que atuam como conselheiro.
Ora, o Aconselhamento Psicológico e Psicopedagógico é uma estratégia
que pode contribuir com a Pedagogia, pois, consiste menos numa especialidade
profissional e mais numa postura ética de atenção à vida das pessoas,
principalmente no ambiente escolar.
Quando o Administrador Escolar está olhando, vendo, escutando, ouvindo
uma criança por exemplo, consegue perceber como este ser está pensando, e às
vezes pode-se deparar com uma situação bastante delicada e que poderá
constituir-se em um dificultador da aprendizagem.
Nesse sentido, o grande salto para uma atuação psicopedagógica efetiva
será o profissional descentrar, ou seja, sair de si mesmo para entender a lógica do
17
outro e, a partir disso, reconstruir a história daquele sujeito, respeitando a sua
singularidade; é perceber em que movimento este ser está (indiferente ou
integrado) frente ao conhecimento para o início do resgate. Deve-se também
considerar que o trabalho psicopedagógico atua não só no interior da criança ao
sensibiliza-la para a construção do conhecimento, levando em consideração os
desejos da mesma, mas requer também uma transformação interna dos
professores, que são o link entre o Administrador Escolar e os educandos.
Vale ressaltar ainda que a orientação do Administrador Escolar junto aos
professores deve ser constante, discutindo não apenas as relações vinculares,
mas também as que dizem respeito à atuação do aluno, formas de avaliação e
reação dos pais frente a essa nova postura da instituição. Desta forma o professor
poderá rever constantemente a relação afetiva e as dificuldades do educando e
saber esperar pela resposta e produção do aluno, independente das pressões e
tensões.
18
CAPÍTULO III
SENTIR E PENSAR
Sabe-se que a aquisição da emoção permite ampliar o leque de respostas
frente às demandas do meio, a via de expressão dessas emoções utiliza
mecanismos neuronais já existentes, como o sistema nervoso autônomo e as vias
que controlam a musculatura esquelética. À medida que evoluem, os sistemas
responsáveis pelo raciocínio e pela tomada de decisões permanecem intimamente
associados àqueles relacionados com a regulação biológica, por representarem
ambos papel fundamental para a sobrevivência do indivíduo e da espécie.
Damásio desenvolveu a hipótese do marcador somático, na qual emoções
e sentimentos desempenham papel preponderante na tomada de decisões, não
perturbando-as, como na visão tradicional, mas, em vez disso, favorecendo –
ainda que na maioria das vezes, de modo inconsciente – a obtenção de resultados
favoráveis, mesmo diante de algumas daquelas decisões que nos parecem, à
primeira vista, estritamente racionais, como a escolha de uma carreira ou de um
investimento financeiro.
“Essas emoções e sentimentos ligados, pela aprendizagem, a resultados futuros previstos de determinados cenários. Quando um marcador somático negativo é associado a um determinado resultado futuro, a combinação funciona como uma campainha de alarme. Quando, ao contrário, é justaposto um marcador somático positivo, o resultado é um incentivo.” (Damásio, 1996; p. 81)
A base funcional para este “sistema de preferências” forma-se pela
modificação de padrões neurais inatos que têm por objetivo garantir a
sobrevivência. Da mesma forma como o organismo tende a procurar o prazer e
evitar a dor, tentará atingir esses fins em situações sociais. Os marcadores
somáticos dependem da aprendizagem, associando determinados tipos de
entidades ou fenômenos a sensações agradáveis ou desagradáveis.
Os marcadores somáticos não tomam decisões por nós. Ajudam o processo
de decisão dando destaque a algumas opções, tanto adversas como favoráveis, e
19
eliminando-as rapidamente da análise subseqüente. Em outras palavras, reduzem
o leque de possibilidades, sem o que estaríamos condenados a uma interminável
e infrutífera – embora estritamente racional – análise de prós e contras diante da
mais simples das escolhas.
Afirma Damásio que a maioria dos marcadores somáticos foi criada em
nossos cérebros durante o processo de educação e socialização, pela associação
de estímulos a estados emocionais. Mas para que se constituam em mecanismos
adaptativos, os marcadores somáticos requerem que tanto o cérebro quanto a
cultura sejam minimamente saudáveis; quando isso não ocorre, pode-se deparar
com exemplos dramáticos, como a sociopatia ou a Alemanha nazista.
Um último aparte sobre o raciocínio: costumava-se considerar que o futuro
evolutivo do homem reservaria cérebros cada vez mais desenvolvidos, com
predomínio progressivamente maior do pensamento sobre as demais funções. No
entanto, pensar é uma atividade extremamente dispendiosa do ponto de vista
metabólico. O cérebro humano representa até 40% do gasto energético em uma
pessoa adulta – proporção muito superior à qualquer outro mamífero. Ampliar
simplesmente o número de escolhas do indivíduo frente às demandas do meio
através do “raciocínio puro” poderia conduzir o homem a um beco sem saída
evolucionário, tal como ocorreu com as imensas presas do tigre dente de sabre.
Não se pode perder de vista que pensar é apenas mais um mecanismo
adaptativo.
Não obstante a importância que se pode atribuir à emoção, ao pensamento
ou a qualquer outra função do homem, é crucial que suas manifestações sejam
vistas como sinais de um todo, que sempre será maior que cada uma de suas
partes. Deve-se lembrar que toda concepção teórica, por mais abrangente que
seja, é apenas um modelo da realidade, e como tal, sujeito a modificações,
acréscimos e aperfeiçoamentos. O conhecimento é comparável a uma esfera
imensa num oceano de ignorância; à medida que aumenta o volume do saber,
aumenta com ele a superfície de contato entre o que se sabe e o que se ignora.
Criaram-se teorias, modelos, tentando incorporar a eles o maior número possível
20
de variáveis, todavia na medida em que o homem se apega a estes modelos,
depara-se com novas perguntas, novas variáveis.
Nessa extenuante jornada, é compreensível que por vezes o homem se
torne dogmático. “A ciência evolui”, afirmava Max Planck, com certo pessimismo,
“não porque os cientistas reformulem suas idéias, mas porque ficam velhos e
morrem”. Talvez, como uma espécie de Sísifo, seja a sina do homem, criar
perguntas e para ela dar respostas que nunca satisfaçam inteiramente.
O conceito de evolução pode, no entanto, conduzir a conclusões
enganosas, a mais freqüente delas dizendo respeito à superioridade do homem
sobre os demais seres, e seu suposto corolário: a superioridade do raciocínio
sobre as emoções. Aprende-se, durante anos, a considerá-las como um incômodo
apêndice, uma indesejável herança do passado filogênico – a própria palavra afeto
parece derivar de afetar, no sentido de interferir, prejudicar. Terá a capacidade do
homem de raciocinar tornado obsoletas as emoções?
António Damásio, Chefe do Departamento de Neurologia da Universidade
de Iowa, baseando-se no estudo de casos de “cegueira emocional”, contesta a
velha máxima cartesiana “penso, logo existo” em seu livro “O erro de Descartes:
emoção, razão e o cérebro humano”. Para Damásio “os comportamentos que se
encontram para além dos impulsos e dos instintos utilizam [...] tanto o andar
superior como o inferior: o neocórtex é recrutado juntamente com o mais antigo
cerne cerebral, e a racionalidade resulta de suas atividades combinadas”.
21
CAPÍTULO IV
O QUE É OUVIR?
Rogers fala em “ouvir realmente” porque ele quer separar esta atitude de
uma outra que talvez pudesse ser denominada também de “ouvir”, mas que não é
“realmente” um ouvir.
“O primeiro sentimento básico que gostaria de partilhar com vocês é a minha alegria quando consigo realmente ouvir alguém. Acho que esta característica talvez seja algo que me é inerente e já existia desde os tempos da escola primária. Por exemplo, lembro-me quando uma criança fazia uma pergunta e a professora dava uma ótima resposta, porém a uma pergunta inteiramente diferente. Nessas circunstâncias eu era dominado por um sentimento intenso de dor e angústia. Como reação, eu tinha vontade de dizer: “Mas você não a ouviu!”. Sentia uma espécie de desespero infantil diante da falta de comunicação que era (e é) tão comum.” (Rogers, 1983; p. 4-5)
Se Rogers fala em “ouvir realmente” é porque ele quer separar esta atitude
de uma outra que talvez pudesse ser denominada também de “ouvir”, mas que
não é “realmente” um ouvir. No texto acima, a professora ouviu o aluno e
respondeu. Mas não ouviu realmente, não houve comunicação, a pergunta à qual
respondeu era diferente da que realmente havia sido feita. E o garoto Carl
pensava: “mas você não a ouviu”.
O que não foi realmente ouvido? O significado. Mas aqui é preciso
acrescentar também um “real”. Ela não ouviu o significado real. A professora bem
poderia dizer, e não sem razão, que ela respondeu ao que ele perguntou. Mas,
poderia-se dizer que ela não respondeu ao que ele quis dizer. Rogers não está
contando aqui simplesmente um caso de equívoco na comunicação, como se a
professora não tivesse escutado direito ou confundido as palavras. O exemplo
parece ser de que ela escutou corretamente. E, no entanto não ouviu. E o pior é
que isto acontece todos os dias em inúmeras escolas espalhadas pelo Brasil e
quiçá pelo mundo, por isso o Administrador Escolar deve estar atento para que a
escola não se transforme em mais um ambiente de alienação ao invés de
libertação.
22
Assim sendo, percebe-se uma clara distinção entre o mero significado e o
significado pleno de alguma coisa. O mero significado fica ao nível das palavras,
enquanto que o significado pleno se prende a toda presença significante tornada
efetiva pelas palavras ditas.
Um texto de Merleau-Ponty (1972, p. 227) assinala que:
“reencontrar sob as linguagens empíricas, acompanhamento exterior ou roupagem contingente de todo pensamento, a palavra viva que é sua efetuação, onde o sentido se formula pela primeira vez, se funda assim, e se torna disponível para operações ulteriores.”
A palavra viva está sob a roupagem contingente do pensamento, é a
efetuação desse pensamento. Se o homem ficar na roupagem de que se reveste o
pensamento, não atingirá enquanto algo vivo o presente. A palavra viva manifesta-
se pela linguagem empírica, mas esta é apenas roupagem. Quando essa palavra
viva é recebida (ouvida), ela se torna disponível para operações ulteriores. Ser
ouvida significa ser plenamente pronunciada. Sem isso, embora presente
germinalmente, ela permanece de certa forma não dita. O que será que aconteceu
com a criança que não teve a sua pergunta respondida? Ela poderá voltar a
insistir, ou poderá esquecer a sua pergunta verdadeira, substituindo-a pela que a
professora ouviu. Paulo Freire diria que a professora foi a “opressora” fazendo-se
“hospedar” pelo então “oprimido”, e fazendo-o distanciar-se de sua verdadeira
palavra.
Ricoeur (1977, p. 36), comentando Heidegger, escreve:
“Minha primeira relação com a palavra não é de produzi-la, mas de recebê-la (...). Esta prioridade de escuta estabelece a relação fundamental da palavra com a abertura ao mundo e ao outro (...). A lingüística, a semiologia, a filosofia da linguagem, mantém-se inelutavelmente no nível do falar e não atingem o do dizer (...). O falar remete ao homem falante, o dizer remete às coisas ditas.”
23
O ouvir vem antes do falar. Por isso, como dirá Buber, a fala original (a que
é um dizer), será uma resposta. É ouvir que nos abre para o mundo e para os
outros, e não o falar. E o que ouvimos é um dizer que nos remete a um mundo, e
não apenas a um mero falar. O falar, aqui em Ricoeur, corresponde mais à
roupagem contingente do pensamento, ou seja, às palavras, de Merleau-Ponty, do
que à palavra viva. Esta está no dizer. É só considerando o discurso como um
dizer, que recebo a palavra-viva; se o considero apenas como falar, recebo
apenas suas palavras.
A professora de Rogers considerou a voz de seu aluno como falar e não
como dizer. Reduziu-o assim a um homem falante, não recebeu seu mundo
significado como atualidade. O verdadeiro diálogo, dirá Paulo Freire, se dá em
torno do mundo significado. Quando realmente ouço, ouço o que alguém me diz (e
não apenas o que fala), e isso me remete ao mundo.
Existem três dimensões na fala (enquanto dizer). Uma semântica: a que se
refere ao significado. Outra política: que se refere ao tipo de relação de poder que
esta fala realiza ou propõe. E outra, a semiológica: que se refere àquilo que a fala
indica ou sinaliza para além de seu significado. Essas três dimensões estão
presentes na fala como ato concreto, mas elas só são claramente separáveis,
quando a fala não é instrumento de uma atualização ou integração da pessoa, e
conseqüentemente não veicula um poder como poderia; não compromete nem
envolve a pessoa como um todo. Quando a fala faz isso, tem essa força, então
fica mais difícil separar o significado, o poder e o indicado por ela, e então aparece
mais claramente sua dimensão simbólica que é justamente a de integrar essas
três dimensões face ao interlocutor. A isso chama-se de fala autêntica. Na fala
autêntica o significado não é separado do poder e nem daquilo que se faz
presente por ela. E isto é o significado pleno. Ora, todas as falas são
potencialmente autênticas, quer dizer, por alguma raiz se prendem a um solo de
autenticidade (mesmo quando são falsas ou automatizadas). Portanto em
qualquer caso pode-se estar aberto para o significado pleno, disponível para
recebê-lo. Isto é a disposição de ouvir realmente. E de fato receber o significado
pleno e não apenas o mero significado, é ouvir. E a resposta que brota de um
24
semelhante ouvir (como uma necessidade), bem poderia ser chamada de
interpretação simbólica, pois coloca junto aquilo que eventualmente está
separado.
“Creio que sei que me é gratificante ouvir alguém. Quando
consigo realmente ouvir alguém, isso me coloca em contato
com ele, isso enriquece minha vida.” (Rogers, 1983, p.5)
O “contato com o outro”, e não apenas com seus meros significados, é
equivalente, vem junto com o “enriquecimento de minha vida”. E essas duas
coisas vêm junto com o ouvir. Pode-se então dizer que, para Rogers, ouvir é
contato e é enriquecimento de vida. Embora possa-se separar aí três momentos,
na realidade essa separação é artificial: esses três momentos se interpenetram
formando um único processo. Pode-se de fato dizer que se não houve algum
enriquecimento, não houve contato, e se não houve contato, nada foi ouvido.
4.1 - A escuta e o contato
Mas quando ouvimos assim, entramos em contato, diz Rogers, tomamos
conhecimento íntimo, diz Buber, ou tocamos o centro da pessoa. O tomar
conhecimento íntimo é uma forma de conhecimento anterior às formas específicas
do conhecimento. É o conhecimento enquanto componente da relação, e da
relação que me envolve. Só depois é que essa experiência poderá ser explicitada
em conhecimentos específicos ou significados específicos. Eis como Buber
explica esse tomar conhecimento íntimo (1982, p. 147):
“Tornar conhecimento íntimo de um homem significa então, principalmente, perceber sua totalidade enquanto pessoa determinada pelo espírito, perceber o centro dinâmico que imprime o perceptível signo de unicidade a toda sua manifestação, ação e atitude. Mas um tal
25
conhecimento íntimo é impossível se o outro, enquanto outro, é para mim o objeto destacado de minha contemplação ou mesmo observação, pois a estas últimas esta totalidade e este centro não se dão a conhecer: conhecimento íntimo só se torna possível quando me coloco de uma forma elementar em relação com o outro, portanto quando ele se torna presença para mim. É por isso que designo à tomada de conhecimento íntimo neste sentido especial com o tornar-se presente da pessoa.”
Ouvir é mais que observar, é estar em relação, e, portanto tornar-se
presente. Não é isso que Rogers está descrevendo quando fala do contato e do
enriquecimento que estão contidos no ouvir verdadeiro? Na seqüência do texto,
Rogers fala de um outro enriquecimento que vem completar este (1983, p.5):
“Foi ouvindo pessoas que aprendi tudo o que sei sobre personalidade, sobre as relações inter-pessoais. Ouvir verdadeiramente alguém resulta numa outra satisfação especial. É como ouvir a música das estrela, pois por trás da mensagem imediata de uma pessoa, qualquer que seja essa mensagem, há o universal. Escondidas sob as comunicações pessoais que eu realmente ouço, parece haver leis psicologicamente ordenadas, aspectos da mesma ordem que encontramos no universo como um todo. Assim, existem ao mesmo tempo a satisfação de ouvir esta pessoa e a satisfação de sentir o próprio eu em contato com algo que é universalmente verdadeiro.”
Que verdade universal seria esta que está por trás da mensagem, e que é
sentida, constatada? A resposta mais imediata e literal seria: são leis psicológicas,
constâncias comportamentais. Mas a própria configuração do texto de Rogers,
acredita, nos autoriza a irmos mais longe, ou melhor a virmos para mais perto. Ele
não fala apenas de posteriores elaborações abstratas da psicologia, mas de um
“sentir o eu em contato com”, e de um “ouvir a música das estrelas”. É verdade
que ele coloca em paralelo a satisfação de ouvir a esta pessoa com a satisfação
do contato com uma verdade universal. Não imporia tanto aqui sabermos como
ele vivia essa dupla dimensão, o pessoal e o universal. O que importa é que ela
fica registrada como descritiva de uma única experiência, a do ouvir. Isso nos dá o
direito de nos perguntarmos, também por outros caminhos, que universal é esse e
quais suas manifestações no próprio ouvir.
26
Ricoeur, num trabalho sobre como ele se situa face ao problema
hermenêutico, nos diz que o discurso pode ser considerado em níveis diferentes
de distanciamento em relação ao real.
Eis alguns textos de Ricoeur:
“Não há discurso de tal forma fictício que não vá ao encontro da realidade, embora em outro nível, mais fundamental que aquele que atinge o discurso descritivo, constatativo, didático, que chamamos de linguagem ordinária. Minha tese consiste em dizer que a abolição de uma referência de primeiro nível, abolição operada pela ficção e pela poesia, é a condição de possibilidade para que seja liberada uma referência de segundo nível, que atinge o mundo, não mais somente no plano dos objetos manipuláveis, mas no plano que Husserl designava pela expressão Lebenswelt e Heidegger pela de “ser-no-mundo”.” (Ricoeur, 1977, p.56).
“Pela ficção, pela poesia, abrem-se novas possibilidades de ser-no-mundo na realidade cotidiana. Ficção e poesia visam ao ser, não mais sob o modo de ser-dado, mas sob a maneira do poder-ser.” (Ricoeur, 1977, p. 57)
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CAPÍTULO V
O EMOCIONAL E O AFETIVO: SUAS IMPLICAÇÕES NA
APRENDIZAGEM
Neste capítulo serão tratadas levantadas as contribuições teóricas que
fundamentam o desenvolvimento emocional e afetivo e suas implicações na
aprendizagem.
A psicopedagogia, na sua prática, passa com o tempo a ressaltar a
importância de conhecer e de pesquisar o ser que aprende dentro do processo de
aprendizagem. Mas quem é esse ser que aprende? Ele pode ser considerado
como sendo um ser pluridimensional articulado no seu processo de construção do
conhecimento e na sua própria organização e autonomia; ele é um ser pensante,
apaixonado, de relação e contextualizado. Nesse sentido, a Psicopedagogia,
tendo este ser aprendente como seu objeto de estudo, o seu objetivo é facilitar a
construção da sua individuação e da sua autonomia, além de identificar e superar
os obstáculos que estejam dificultando ou impedindo seu processo de aprender.
Pain (1992) comenta que “se a aprendizagem não é uma estrutura, não resta
dúvida de que ela constitui um efeito, e neste sentido é um lugar de articulação de
esquemas.”
Nesse lugar do processo de aprendizagem coincidem um momento
histórico, um organismo, uma etapa genética da inteligência e um sujeito
associado a outras tantas estruturas teóricas cuja engrenagem se ocupa e
preocupa à epistemologia; à teoria de Piaget da inteligência e à teoria psicanalítica
de Freud, no que se trata da ideologia, a operatividade e o inconsciente.
Segundo essa autora, existem três dimensões do processo de
aprendizagem: uma dimensão racional, uma dimensão afetiva e a dimensão
relacional do processo de aprender. Essas dimensões estão diretamente
relacionadas à aprendizagem e suas implicações.
- Na dimensão racional, o ser cognoscente, por meio de sua ação sobre o objeto,
constrói suas próprias estruturas. Através da ação a construção do conhecimento
começa, mas ela só se faz através da formulação de conceitos pelo sujeito. E
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esses conceitos vem impregnados da bagagem vivencial do indivíduo, que tem
forte influência sobre ele na hora de aprender.
- Na dimensão afetiva / desiderativa, o sujeito cognoscente é determinado por um
saber do qual ele não tem consciência. As chamadas moções do desejo trabalham
dinamicamente todas as suas dimensões. O sujeito não é dono absoluto nem de
seus pensamentos nem de seus conhecimentos, pois o inconsciente rege sua vida
mental. As dimensões do ser cognoscente estão imersas no jogo desses dois
modos de funcionamento: princípio da realidade e principío do prazer ou do
desejo, com todas as suas especificidades.
- Na dimensão relacional, o ser cognoscente é um ser contextualizado,
determinado pelas condições biológicas de sua existência orgânica. Além disso,
ele é um ser de relação determinado pelas inter-relações, mediatizadas pela
linguagem que ele estabelece com outros sujeitos.
Todas as diferentes dimensões do ser cognoscente se articulam em uma
totalidade dinâmica, em uma ação que organiza e modifica o meio. Essa ação do
sujeito possibilita a construção do conhecimento e, por seu caráter estruturante e
totalizador, a construção do próprio sujeito cognoscente.
Essas articulações são processos conflitivos e complementares nos quais
as dimensões, tendo especificidades próprias, não se fundem nem se excluem,
mas se integram em sínteses provisórias. O EU cognoscente é o núcleo
organizador que unifica as diversidades, que elabora a síntese e que permite ao
ser cognoscente construir e conservar sua autonomia. Esta, segundo Freud e
Piaget, seguem movimentos mais ou menos simultâneos, como por exemplo:
- Desorganização x integração,
- Indiferenciação x diferenciação, e
- Simbiose x individuação.
No dia-a-dia do fazer pedagógica, muitas vezes aparecem dúvidas sobre as
diferentes formas de aprender entre os alunos. Alguns com muita facilidade,
outros com muitas dificuldades.
29
Essas são algumas das muitas situações vivenciadas pelos professores,
que, de certa forma, buscam novas estratégias para que consigam atingir seus
objetivos frente a esses problemas.
Pode-se denominar tais situações como as variáveis que interferem no
processo de aprendizagem. E para que se possa estudar sobre elas, precisa-se
retomar algumas das contribuições de Piaget, no que diz respeito às etapas
cognitivas do desenvolvimento e de Vigotsky, que enfatiza a ação do meio
ambiente, através da formulação do seu conceito de ZDP (Zona de
Desenvolvimento Proximal).
Nunca se deve esquecer que toda intervenção em uma ZDP do aluno visa
sua ação e compreensão autônoma. O aluno, é evidente, não disporá pela vida
inteira da presença do professor ao seu lado e este necessita mostrar permanente
ansiedade para que se torne dispensável, momento maior e prova estrutural da
autonomia do aluno.
Embora não seja uma regra imutável e nem sempre seja aplicável a todas
as turmas, o professor na medida do possível deve direcionar a sua prática
pedagógica observando os seguintes aspectos:
Ø Fazer do saber que o aluno possui a âncora para os novos saberes a serem
trabalhados;
Ø Relacionar os temas das disciplinas às experiências das emoções ou do
funcionamento do corpo dos alunos;
Ø Para potencializar a memória dos alunos, utilizar a coerência, emoção e
motivação ou, se possível, as três;
Ø Exercitar sempre habilidades operatórias como analisar, comparar, criticar,
relacionar, classificar, deduzir, localizar, sugerir, entre outras;
Ø Fazer o aluno falar das coisas que aprendeu com linguagens pictóricas,
gráficas, numéricas, mímicas, sonoras, entre outras;
Ø Aprender significa sempre reestruturar o sistema de compreensão do mundo.
O aluno não aprende sem essa reestruturação.
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Ø Vale mais avaliar o progresso do aluno que o volume quantitativo dos saberes
que armazenou;
Ø Apresentar os temas sob a forma de desafios, estudos de caso, situações-
problema, enigmas desafiadores;
Ø Nunca apresentar ao aluno uma resposta que o mesmo pode conquistar
sozinho;
Ø Ao desenvolver um tema, buscar refleti-lo nos objetivos da disciplina e nos da
educação integral;
Ø Ensinar a transferência da solução de um problema para a solução de outros
problemas;
Ø Ao trabalhar um tema, experimentar ir do começo ao fim e depois, através de
uma engenharia reversa, voltar do fim para o começo;
Ø Ao analisar um tema, dividir a turma em três níveis crescentes de dificuldades;
os alunos de menor dificuldade ajudam os de maior;
Ø Conversar, interrogar, entrevistar, indagar, perguntar tudo que puder aos
alunos e, dessa maneira, resgatar o universo vocabular que, então, passará a
usar.
Deve-se considerar também que o papel do professor e meio escolar são
fundamentais como potencializadores de um espaço de troca, de estimulação e de
desafios para este ser aprendente.
Vale relembrar que o ser aprendente não é determinado somente pelo seu
potencial cognitivo. Ele é resultante da interação das três dimensões: racional,
afetivo e relacional, as quais pode-se traduzir como um ser pensante, afetivo e
sócio-histórico.
Para que a compreensão seja mais efetiva, relaciona-se abaixo, algumas
das dificuldades mais comuns, as quais ajudarão ao Administrador Escolar a
identificar melhor esse ser aprendente, nas diferentes dimensões do ser.
- Falta de atenção / pouca concentração,
- Hiperatividade,
- Lentidão,
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- Dificuldade de assimilar o conteúdo escolar,
- Dificuldade de compreensão,
- Interesse apenas por algumas disciplinas,
- Dificuldade de desenvolver textos / redação,
- Agressividade, e
- Disgrafia.
Como exemplo, pode-se citar as dificuldades visuais, auditivas ou
comportamentais, que quando não identificadas em tempo hábil, podem
determinar algum comprometimento durante o processo de alfabetização.
Outro exemplo muito comum que pode gerar dificuldades no processo de
aprendizagem é o atraso da linguagem, que pode ser causado por diversos
fatores, como déficit auditivo, pouca estimulação do ambiente e/ou questões
afetivas, ou ainda, os distúrbios de origem psicomotora, que são caracterizados
por alterações como dificuldades na coordenação motora ou lateralidade mal
definida.
É importante observar a criança que é “desajeitada”, que vive esbarrando
nas coisas, a que é quieta demais ou a muito ativa.
Identificar estes distúrbios não é uma tarefa fácil, e o Administrador Escolar
com certeza não é capaz de dar conta sozinho de todos os alunos da sua escola.
Daí a importância deste desenvolver um trabalho de sensibilização de todos os
professores (que estão mais diretamente em contato com as crianças), da equipe
técnico-pedagógica, bem como dos demais funcionários da escola.
32
CAPÍTULO VI
RELAÇÃO FAMÍLIA / ESCOLA E OS PROBLEMAS DE
APRENDIZAGEM
Tanto a família quanto a escola têm um objetivo em comum, que é
estabelecer as melhores condições para favorecer o desenvolvimento integral das
crianças e adolescentes. Entretanto, para que se possa dimensionar a importância
da relação família / escola no desenvolvimento do sujeito, será necessário
conhecer bem cada uma dessas instituições.
É na família que se forma o caráter do sujeito. Assim sendo, qualquer
projeto educacional sério dependerá da participação da família. Em alguns
momentos, por conta dos incentivos e, em outros, através de uma participação
mais efetiva no aprendizado, ao pesquisar, ao valorizar a preocupação que o filho
traz da escola.
Caberá à família a responsabilidade de educar para os desafios da vida, de
perpetuar valores éticos e morais. Os filhos se espelhando nos pais e os pais
desenvolvendo a cumplicidade com os filhos. É da família a responsabilidade da
preparação para a vida, a formação da pessoa, a construção do ser.
Todas as pessoas que fazem parte da família, pai, mãe, avós e qualquer
outra pessoa envolvida, tem que ter a responsabilidade pela educação da criança
e participar ativamente do processo educativo, para que a escola consiga atingir
seu objetivo. A família é essencial para que a criança ganhe confiança, para que
se sinta valorizada, para que se sinta assistida. Ela precisa estar acompanhando o
que se passa no dia-a-dia da criança na escola para poder saber quando os filhos
estão envolvidos com problemas. Pois, por melhor que seja a escola, por
competentes que sejam os professores, nunca irão superar a carência deixada por
uma família ausente.
A partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 9394/96, grande
parte das instituições do país passaram a rediscutir seus projetos educacionais,
demonstrando a tomada de consciência de que a igualdade perante a lei só se
33
dará a medida que todos tiverem assegurado os direitos fundamentais no que se
refere à educação.
O artigo XXVI afirma que toda pessoa tem direito à instrução e que a
mesma será orientada no sentido pleno de desenvolvimento da personalidade
humana. Entre outros artigos da LDB, há no primeiro deles, uma quebra de
paradigma, no que se refere à abrangência do termo educação, comentando que
a mesma não é um atributo apenas da escola e sim de todos os ambientes
possíveis em que se trata o processo de aprendizagem. Então, a partir desse
artigo, pode-se afirmar que a família, a convivência humana, o trabalho das
instituições escolares e outros movimentos sociais poderão ser reconhecidos
como um espaço onde a educação também acontece.
Partindo desta premissa, entende-se que tanto a família quanto a escola
exercem a função de formar para a vida, instruir e educar no sentido pleno do
desenvolvimento humano. Que a aprendizagem deve acontecer como um
processo natural e espontâneo, mais até, um processo prazeroso.
Sabe-se que muitas vezes a criança não consegue aprender, e se isto está
acontecendo é porque existe uma razão. E essa razão precisa ser identificada
para que a sua aprendizagem possa seguir seu curso normal. Nesse caso, tanta a
família quanto a escola precisam estar atentas para descobrirem as causas desse
problema, as causas do sintoma.
Bossa, N. (2000) comenta que não adianta combater a febre, que é o
sintoma, sem identificar e combater a infecção, a causadora do sintoma (p. 11). É
assim que se deve proceder quanto aos transtornos de aprendizagem escolar.
Embora a aprendizagem seja um processo natural, resulta de uma
complexa atividade mental, na qual estão envolvidos processos de pensamento,
percepção, emoções, memória, motricidade, mediação, conhecimento, etc. Para
que se possa identificar a causa de um problema de aprendizagem, é necessária
uma intervenção minuciosa, através de um diagnóstico, onde serão utilizados
testes, desenhos, histórias, atividades pedagógicas, brinquedos, jogos, etc. Esses
recursos se constituem num importante instrumento de linguagem e revelam
dados sobre a vida da criança, que muitas vezes elas próprias desconhecem.
34
Alguns anos atrás, talvez por falta de conhecimento científico, a criança era
penalizada e responsabilizada pelo seu fracasso na escola, prejudicando-a ainda
mais. Atualmente, pode-se constatar que uma intervenção por parte de um
especialista apropriado como o psicopedagogo contribuirá para que essa criança
possa superar as dificuldades apresentadas e ao mesmo tempo poderá orientar a
família e a escola, através da atuação junto aos professores para a melhoria das
condições do processo de aprendizagem.
Dado o acima exposto, pode-se inferir que o Administrador Escolar é o
profissional que poderá efetivamente contribuir, de maneira proveitosa, para
promover uma relação satisfatória entre a família e a escola, em prol de soluções
para os problemas da aprendizagem e consequentemente resultados positivos no
processo educativo. Caberá a ele conduzi-las a partir do respeito mútuo, da
confiança, e buscando os aspectos positivos que possuem todos os interlocutores
envolvidos no processo. Tudo isto por meio de um Aconselhamento
Psicopedagógico eficiente e eficaz debruçado no binômio escola x família.
Assim sendo, o grau em que os familiares possam elaborar expectativas
positivas em relação ao bem-estar e à educação de seus filhos na escola vai
depender da acolhida que o Administrador Escolar oferecer não somente aos
alunos, mas à família em seu conjunto, assim como dos esforços destinados a
manter e cuidar dessa relação.
Em sentido recíproco, o Administrador Escolar deverá colaborar para que a
escola sinta interesse em conhecer a opinião dos pais, seja em questões gerais,
ou em outras mais específicas relacionadas com a educação de seus filhos.
Nesse sentido, sua atuação tem como fim prioritário melhorar a comunicação
entre a família e a escola e fomentar entre elas relações positivas, com vistas à
melhoria da qualidade do processo educativo das diferentes instituições. Enfim,
existem diversas maneiras de o Administrador Escolar intervir positivamente e
mostrar à escola e à família os benefícios de sua ação interdisciplinar.
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CAPÍTULO VII
MICHEL FOUCAULT E O CONTROLE DOS CORPOS
Michel Foucalt (1924 – 1984) pensou as instituições e o quanto de
repressões ela utilizou e utiliza para dominar corações e mentes. Estando nas
instituições professores, educadores, psicólogos, pedagogos, etc., ao efetuarem
procedimentos de aconselhamento psicológico e psicopedagógico, devem ter
consciência do impacto das instituições sobre o desenvolvimento afetivo-cognitivo
humano. Isto é ainda mais latente na escola, daí a importância de o Administrador
Escolar ter esta visão sistêmica do processo. O processo de aconselhamento não
deve fugir dessa temática, pois se assim o fizer, certamente estará promovendo a
alienação que de fato desvela a insanidade.
A arte das distribuições: as normas
A disciplina procede, em primeiro lugar, à distribuição dos indivíduos no
espaço – A cerca: local heterogêneo e fechado protegido da monotonia disciplinar.
Como, por exemplo, colégios que seguem o modelo de convento, o modelo de
internato aparece como regime de educação modelo. Quartéis que precisam fixar
o exército, impedir a pilhagem e as violências. O quartel tem que ser todo cercado
para manter as tropas em ordem e em disciplina, nesse contexto, um oficial passa
a responder pela disciplina. Indústrias precisam tirar o máximo de vantagens e
neutralizar os inconvenientes (roubo, interrupções de trabalho e agitações),
precisam proteger os materiais e ferramentas e dominar as forças de trabalho,
assim fazem até alojamentos para os funcionários; depois de 15 minutos da
entrada dos funcionários, ninguém entra.
O quadriculamento: cada indivíduo no seu lugar. É o princípio da
localização imediata. Evitam-se as distribuições por grupo, decompondo
implantações coletivas. O que importa é estabelecer as presenças e as ausências,
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saber onde e como encontrar os indivíduos, poder vigiar a cada instante o
comportamento, apreciar e sancionar, conhecer, dominar e utilizar.
A regra das localizações funcionais
Eis a arquitetura: “lugares determinados se definem para satisfazer não só
as necessidades de vigiar, de romper as comunicações perigosas, mas também
de criar um espaço útil” (Foucalt, M; 1977, p. 132). Exemplo: nas fábricas
distribuir os indivíduos em cada espaço serve para isola-los e localizá-los (sentido
de fiscaliza-los). Cada tipo de operação e tarefa está delimitado em um espaço.
Com essa distribuição é possível vigiar ao mesmo tempo o geral e o individual,
constatar presença, aplicação, qualidade do trabalho; “comprar” os operários e
classificá-los; acompanhar todos os estágios do trabalho. “Todas essas seriações
formam um quadriculado permanente: as confusões se desfazem” (Foucalt, M;
1977, p. 133). Pode-se observar o vigor, a rapidez, a habilidade e a constância.
A fila: “Ela, a arte de dispor em fila, individualiza os corpos por uma
localização que não os implanta, mas os distribui e os faz circular numa rede de
relações” (p.133). Exemplo: nos colégios a forma geral era os grupos de dez;
havia guerra e rivalidade entre os grupos, etc. O trabalho, o aprendizado, a
classificação se fazia pela defrontação dos grupos, e cada aluno participava desse
duelo geral. A ordenação por fileiras, principalmente a partir do ano de 1972, fez a
classe se tornar homogênea, se compondo de elementos individuais que vêm se
colocar uns ao lado dos outros sob os olhares do mestre. Passa-se a ordenar tudo
por filas: fila de alunos na sala; nos corredores do pátio; colocação nas provas;
tarefas, nas semanas, nos meses, nos anos; dos assuntos em ordem crescente de
dificuldade; das classes por idade uma atrás da outra; cada aluno ocupa ora um
lugar ora outro marcando uma hierarquia de saberes ou das capacidades. “A
organização de um espaço serial foi uma das grandes modificações técnicas do
ensino elementar”...”Determinando lugares individuais tornou possível o controle
de cada um e o trabalho simultâneo de todos. Organizou uma nova economia do
tempo de aprendizagem. Fez funcionar o espaço escolar como uma máquina de
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ensinar, mas também de vigiar, de hierarquizar, de recompensar” (p.134). A sala
de aula ficaria sempre sob o olhar cuidadosamente classificador do professor que
poderia escolher o lugar dos seus alunos de acordo com sua classificação.
“As disciplinas organizando as celas, os lugares e as fileiras criam espaços complexos: ao mesmo tempo arquiteturais funcionais e hierárquicos”. ... “garantem a obediência dos indivíduos, mas também uma melhor economia do tempo e dos gestos. A primeira das grandes operações da disciplina é então a continuação de ‘quadros vivos’ que transformam as multidões confusas, inúteis ou perigosas em multiplicidades organizadas. Passa-se a classificar, observar, controlar, registrar tudo. Trata-se de organizar o múltiplo, de se obter um instrumento para percorrê-lo e dominá-lo; trata de lhe impor uma ordem.” (Foucalt, M; 1977, p. 135).
“Tática, ordenamento espacial dos homens; taxionomia, espaço disciplinar dos seres naturais; quadro econômico, movimento regulado das riquezas [...] A colocação em quadro tem por função tratar a multiplicidade por si, distribuí-la e tirar o maior número de efeitos. A taxionomia cria categorias e a tática disciplinar liga o singular ao múltiplo. [...] Ela permite ao mesmo tempo a caracterização do indivíduo como indivíduo, e a colocação em ordem de uma multiplicidade dada. Ela é a condição primeira para o controle e o uso de um conjunto de elementos distintos: a base para uma microfísica de um poder que poderíamos chamar ‘celular’” (Foucalt, M; 1977, p. 136).
O controle da Atividade/Ação de Corpos Submetidos
O Horário: há três grandes processos – estabelecer as censuras, obrigar a
ocupações determinadas, regulamentar os ciclos de repetição. Tudo começou nos
monastérios e conventos, e se difundiu pelos colégios, indústrias, hospitais,
militares. A rigorosidade era “religiosa”, começa-se a contar quartos de hora,
minutos e segundos; nas escolas elementares as atividades são cercadas por
ordens a que se tem que responder imediatamente. Nas fábricas há um
quadriculamento cerrado do tempo e procura-se garantir a qualidade do tempo
empregado: controle ininterrupto, pressão dos fiscais, anulação de tudo o que
possa perturbar e distrair, um tempo integralmente útil.
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“O tempo medido e pago deve ser também sem impureza nem defeito, um tempo de boa qualidade, e durante todo o seu transcurso o corpo deve ficar aplicado a seu exercício.” (Foucalt, M; 1977, p. 132).
O tempo é do deus Chronós: tudo é cronometrado, medido. A elaboração temporal do ato: novo conjunto de obrigações é imposto com
grau de precisão na decomposição dos movimentos e gestos, uma maneira de
ajustar o corpo a imperativos temporais. É mais que um ritmo coletivo e
obrigatório, imposto do exterior: é, de fato, um “programa”. O ato é decomposto
em seus elementos; é determinada uma direção, uma amplitude, uma duração; é
prescrita sua ordem de sucessão. O tempo penetra o corpo, e com ele todos os
controles minuciosos do poder. Exemplo: a marcha. O corpo e os gestos postos
em correlação:
“O controle disciplinar não consiste simplesmente em ensinar ou impor uma série de gestos definidos; impõe a melhor relação entre um gesto e a atitude global do corpo, que é sua condição de eficácia e rapidez. No bom emprego do corpo, que permite um bom emprego do tempo, nada deve ficar ocioso ou inútil: tudo deve ser chamado a formar o suporte do ato requerido.” (Foucalt, M; 1977, p. 138).
A utilização exaustiva: o princípio subjacente ao horário era negativo:
“princípio da não-ociosidade; é proibido perder um
tempo que é contado por Deus e pago pelos homens.”
(Foucalt, M; 1977, p. 140).
Mas a disciplina organiza uma economia positiva, que coloca uma utilização
sempre crescente do tempo: mais exaustão que emprego, extrair do tempo mais
instantes disponíveis, intensificando o uso do mínimo instante, o máximo de
rapidez com o máximo de eficiência, quanto mais se decompõe o tempo, quanto
mais se multiplicam suas subdivisões, quanto melhor o desarticulamos
desdobrando seus elementos internos sob um olhar que os controla, mais então
se pode acelerar uma operação, ou pelo menos regulá-la segundo um rendimento
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ótimo de velocidade. Nos colégios, a cada instante tinha atividades múltiplas e
ordenadas, com ritmos sinalizados com apitos, tudo isso para ensinar as crianças
a rapidez como uma virtude.
Um novo objeto vem substituir o corpo mecânico: o corpo natural, portador
de forças e sede de algo durável; é o corpo suscetível de operações
especificadas. O corpo tornando-se alvo de novos mecanismos do poder, oferece-
se a novas formas de saber. Como do exercício mais que da física especulativa;
corpo manipulado pela autoridade. Os processos da disciplina se encaixam nas
técnicas atuais de classificação e enquadramento.
“O corpo, do qual se requer que seja dócil até em suas mínimas operações, opõe e mostra as condições de funcionamento próprias a um organismo. O poder disciplinar tem por correlato uma individualidade não só analítica e celular, mas também natural e orgânica.” (Foucalt, M; 1977, p. 132).
A organização da Gênesis: Diz Foucalt, na página 142 que, as
“...características próprias da aprendizagem corporativa: a relação de dependência
ao mesmo tempo individual e total quanto ao mestre; duração estatutária da
formação que se conclui com uma prova qualificatória, mas que não se decompõe
segundo um programa preciso; troca total entre o mestre que deve dar seu saber
e o aprendiz que deve trazer seus serviços, sua ajuda e muitas vezes sua
retribuição. A forma de domesticidade se mistura a uma transferência de
conhecimento. O colégio de desenho dos Gobelins tem uma organização: horas
por dia e folga; chamada e registro de ausências; dividida por classes, em que
uma sabe mais do que a outra; regularmente, os alunos fazem deveres
individuais; os melhores alunos são recompensados; classifica-se; determina-se
os que devem passar para a série seguinte; registra-se o dia-a-dia dos alunos, e
seu comportamento; registra-se tudo o que se passa na escola, etc. Essa escola é
um exemplo de desenvolvimento, na época clássica, de uma nova técnica para a
apropriação do tempo, dos corpos e das forças; para realizar uma acumulação da
duração; e para inverter em lucro ou em utilidade sempre aumentados o
movimento do tempo que passa.” As disciplinas devem ser compreendidas,
40
também, como aparelho para adicionar e capitalizar o tempo. Para isso, as
disciplinas, têm quatro processos:
- Dividir a duração em segmentos, sucessivos ou paralelos, dos quais cada um
deve chegar a um termo específico. Por exemplo: isolar o tempo de formação da
prática; recrutar soldados desde jovens (crianças); ensinar sucessivamente. “É um
dos erros principais mostrar a um soldado todos os exercícios ao mesmo tempo”
(p. 143).
- Organizar essas seqüências segundo um esquema analítico – do simples para o
complexo crescentemente.
- Finalizar com uma prova que tem função de indicar se o indivíduo atingiu o nível
estatutário; de garantir que a aprendizagem está conforme a dos outros;
diferenciar as capacidades de cada indivíduo (classificar).
- Estabelecer séries de séries; prescrever os exercícios a cada um, de acordo com
o seu nível, seu posto, sua antiguidade; de maneira que cada um esteja preso a
uma série temporal que indique seu posto, seu nível.
41
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As sucessivas transformações, sofridas pela sociedade atual, fazem com
que se repense, mais do que nunca, o processo educativo, especialmente, a
prática do Administrador Escolar. É fato que esta, enquanto formadora da
autonomia e da cidadania, passa a se constituir em uma parceria, com os
discentes, assim como os docentes, visando a construção de um saber coletivo.
Sendo assim, é preciso que a escola deixe de ser um espaço responsável
por inculcar conteúdos disciplinares, costumes e hábitos pré-determinados por
uma pequena parcela, dominante e opressora, da sociedade, passando a se
constituir em uma verdadeira comunidade democrática de aprendizagem. Para
tanto, é de vital importância, após toda uma reflexão sobre a atuação da
Administração Escolar, uma mudança na mesma, rompendo-se, desse modo, com
os moldes comodistas tradicionais e isto, impõe ao administrador uma série de
desafios, aos quais, para serem vencidos com êxito, requerem, antes de tudo,
comprometimento por parte do referido profissional.
Com base nisso, pode-se dizer que é necessário o Administrador Escolar
participar ativamente das decisões norteadoras dos trabalhos escolares e suscitar,
a todo instante, a troca de conhecimentos e experiências entre os diferentes
‘personagens’ que compõem o ambiente de trabalho do qual faz parte.
Dessa maneira, a instituição de ensino torna-se um local no qual
continuamente se aprende, através da cooperação, a qual é mediada, sobretudo,
pelos educadores, os quais passam a ter a possibilidade de se envolverem mais
com sua própria formação. Isto é bastante relevante, pois só se obtém um bom
desempenho profissional a partir de uma formação continuada.
O profissional da educação deve ser um sujeito que proporciona mudanças
sociais. Por isso, deve assumir uma postura político-pedagógica que possibilite a
libertação das minorias e o processo de reformulação de toda a estrutura
societária, buscando torná-la mais igualitária, justa e, conseqüentemente, mais
digna de se viver. Nesse contexto, o aconselhamento psicológico e
psicopedagógico assume grande importância, uma vez que pode e deve
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desencadear todo um processo de conscientização por parte da comunidade
escolar. Esta se refere tanto a realidade dos educandos, quanto do próprio
educador, fazendo com que o mesmo reflita permanentemente sobre sua prática
e, conseqüentemente, repense a mesma em prol de uma educação de qualidade.
A formação permanente ganha destaque no exercício docente libertador.
Este deve se basear sempre em uma reconstrução, a qual, como o próprio nome
sugere, requer flexibilidade, sendo esta dependente do fato de o professor estar
consciente de que sempre há o que aprender, pesquisar, compartilhar. Esta
conscientização irá exigir, do mesmo, humildade no agir com aqueles que estão
ao seu redor, especialmente, com o alunado. O tema formação continuada não
será tratado em profundidade neste trabalho, por fugir do escopo do mesmo.
Para convencer os discentes da necessidade de se tornarem agentes de
transformação, é preciso que o educador se veja, também, dessa maneira e
acredite, sinceramente, não só nas potencialidades dos mesmos, mas, de modo
especial, nas suas, pois são elas que dinamizarão o processo educativo.
Por isso, é importante ressaltar que mudar, inovar implica,
necessariamente, em todo um processo de alteração de visão de mundo, bem
como de aspectos culturais, já instituídos. Isto ocorre em longo prazo e, por ser
algo complexo, deve ser planejado cuidadosamente pelo Administrador Escolar e
levar, constantemente em consideração, o respeito às diferenças.
Em suma, ao longo desta monografia, procurou-se detalhar, de modo mais
acurado, algumas especificidades da Administrador Escolar, objetivando alcançar
uma maior e melhor compreensão da mesma. Isto porque se acredita que esta é
de extrema valia para o entendimento do fenômeno educativo como um todo.
Sendo assim, pode-se dizer que o exercício, coerente e transformador, do
Administrador Escolar, possibilita mudanças profundas e significativas na
educação.
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