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7/25/2019 Doutrina de Segurana Nacional
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ARTIGOS
DOUTRINAS DE SEGURANA NACIONAL:BANALIZANDO A VIOLNCIA
Ceclia Maria Bouas Coimbra*
RESUMO. Este trabalho analisa historicamente o Brasil nos anos 60 e 70,apontando o fortalecimento/implementao da chamada Doutrina de Segurana
Nacional na Escola Superior de Guerra. Apresenta algumas caractersticas doaparelho repressivo daquela poca, colocando em anlise alguns pontos da legislaode segurana nacional e do funcionamento da justia militar. Finalizando, aponta a
produo de uma nova Doutrina de Segurana Nacional que se fortaleceu nos anos90, no mais contra os opositores polticos, mas contra os excludos sociais, emespecial.Palavras-chaves:ditadura militar, violncia, Brasil anos 70 e 90
DOCTRINES OF NATIONAL SECURITY:VULGARIZING VIOLENCE
ABSTRACT. This study analyses Brazil historically during the 60's and 70's,focusing on the strengthening/implementation of the so called National SecurityDoctrine emerged mainly from the Escola Superior de Guerra. It shows somecharacteristics of the repressive system from that period, analyzing some aspects ofthe national security laws, as well as the performance of the military justice. Finally,the study shows the production of a new National Security Doctrine, becomingstronger by the 90's, no longer against political opposition, but especially against thesocially excluded ones.
Keywords:military dictatorship, violence, Brazil in the 70s and 90s.
* Psicloga, professora da Universidade Federal Fluminense, Ps-Doutora em CinciaPoltica no Ncleo de Estudos de Violncia da USP, Presidente do Grupo TorturaNunca Mais/RJ, Presidente da Comisso de Direitos Humanos do Conselho Federalde Psicologia e membro do Conselho Consultivo do Centro de Justia Global.Endereo para correspondncia: Rua Maranho, 206 Mier, CEP 20720-230, Rio deJaneiro-RJ. Telefax: (21) 899-0995. E-mail: [email protected]
Psicologia em Estudo DPI/CCH/UEM v. 5 n. 2 p. 1-22 2000
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INTRODUO
Penso apresentar um sucinto quadro histrico do Brasil nos anos60 e 70, no sentido de contextualizar o aparecimento e a implementaoda chamada Doutrina de Segurana Nacional em nosso pas. Para isto,apontarei algumas subjetividades produzidas/fortalecidas naqueles anoscomo cenrio para as doutrinas que estavam sendo gestadas pelo regimemilitar, atravs, principalmente, da Escola Superior de Guerra. Utilizoaqui o conceito de subjetividade segundo o enfoque de Guattari (1988),no como coisa em si, essncia imutvel ou natureza, mas como formasde pensar, sentir, perceber e agir, produzidas por diferentes dispositivossociais; ou seja, construdas no registro da histria, do social.
A seguir, apresentarei e colocarei em anlise algumascaractersticas do aparato repressivo que se vai criando e fortalecendo emnosso pas, em alguns de seus rgos, que vo se tornando, muitos deles,verdadeiros Estados dentro do Estado. Tambm sero apontadas algumastcnicas repressivas que vo se sofisticando, no Brasil, no incio dadcada de 70, chegando a ser exportadas para outras ditaduras latino-americanas, como por exemplo a figura do desaparecido poltico.
Finalizando, penso trazer, mesmo que rapidamente, a produode uma nova Doutrina de Segurana Nacional, que se gesta e se fortalece
desde o incio dos anos 90, no Brasil e em toda a Amrica Latina. Ouseja, como sob novas maquiagens e utilizando as mesmas estratgias, osdiscursos de segurana pblica ainda esto profundamente influenciadospela Doutrina de Segurana Nacional vigente nas dcadas de 60 e 70.
A GESTAO DO GOLPE MILITAR DE 19641
Operodo 1946/1964 representa em nossa histria uma etapa de
conflitos que geraram modificaes profundas em toda a sociedadebrasileira.A maestria poltica de Getlio Vargas havia lanado as bases de
um novo fenmeno na vida poltica nacional: o populismo. Nele eraestimulada a mobilizao das massas, mas em um contexto em que as
1 As informaes desta parte histrica foram retiradas da Arquidiocese de So Paulo
(1985a).
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energias acabavam sendo capturadas e capitalizadas pelos diferentespoderes.
Aquele perodo tambm caracterizou-se pela fortedesnacionalizao, quando disposies legais sobre poltica alfandegriaabriram as comportas penetrao do capital estrangeiro, notadamente onorte-americano.
Com o governo eleito de Vargas (1950/1954), o embrio do golpemilitar de 1964 comeava a criar corpo. Seu mandato esteve voltado parauma vacilante defesa do nacionalismo econmico, o que acirrou o dio desetores mais conservadores ligados aos capitais estrangeiros, j em ntimaaliana com a doutrina que se forjava na Escola Superior de Guerra.
Fortalecendo posturas populistas e sem base de apoio nos setores
mais esquerda, esta poltica abriu a porta para aes golpistas que, dessaforma, fizeram sua primeira tentativa, dez anos antes do xito alcanadoem 1964.
Tramou-se a deposio de Getlio atravs de campanhas quelevantaram, nos quartis e nos segmentos mais conservadores dasociedade brasileira, o fantasma da poltica trabalhista ento vigente. Ogolpe de Estado j se encontrava a caminho, comandado pelos chefesmilitares, quando foi freado pelo gesto dramtico de Getlio: o seusuicdio.
At 1956, quando foi empossado o novo presidente JuscelinoKubitschek, o pas viveu momentos conturbados por novas tentativas dosmesmos setores golpistas que esbarraram na resistncia de gruposnacionalistas das Foras Armadas, detentores de postos importantes,naquele perodo. O Ministro da Guerra, Henrique Teixeira Lott, porexemplo, desempenhou papel importante na manuteno da legalidadeconstitucional, poca. Os golpistas voltaram-se, mais uma vez, para afase dos preparativos, sempre aglomerados em torno da Escola Superiorde Guerra.
Durante o Governo de Juscelino (1956/1960) alguns setoresgolpistas ocuparam a cena: em fevereiro de 1956, com o levante deJacareacanga, e em dezembro de 1959, com a rebelio de Aragaras. Estaltima foi liderada pelo ento tenente-coronel Joo Paulo MoreiraBurnier, que se caracterizaria, aps o golpe militar de 1964, comotorturador de presos polticos, sendo apontado como um dos assassinosdo desaparecido poltico Stuart Angel Jones.
Uma nova tentativa golpista ocorreu quando, em 1961, Jnio
Quadros, que havia sido eleito (1960), renunciou Presidncia da
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Repblica. Seu vice, Joo Goulart, herdeiro do nacionalismo getulista,estigmatizado como radical pela maioria da alta hierarquia militar, teveseu nome impugnado para ocupar o cargo de Presidente. Os trs ministrosmilitares alardeavam que no aceitavam a posse de Goulart. Seguiu-seampla movimentao em todo o pas, sendo que o ento governador doRio Grande do Sul, Leonel Brizola, teve um papel de destaque namobilizao popular contra o golpe que se tramava. Recuaram osmilitares, impondo o estabelecimento do regime parlamentarista noBrasil, encontrando, com isso, uma forma de manietar as pretensesreformistas de Joo Goulart.
Os anos de 1962 a 1964 foram palco de rpido crescimento daslutas populares em nosso pas. Goulart encampou numerosas bandeiras
levantadas pelos trabalhadores desde o fim do Estado Novo. A aceleraoda chamada "poltica de reformas de base" deu-se a partir de janeiro de1963, quando o presidente conseguiu, atravs de um plebiscito que lhedeu esmagadora vitria, derrubar o parlamentarismo imposto pelosmilitares, voltando a governar sob o sistema presidencialista.
Os trabalhadores, ao arrepio da estrutura sindical que a leiimpunha desde Getlio, criaram uma central sindical, o Comando Geraldos Trabalhadores (CGT). Esta passou a ser produzida pelosconservadores como um espantalho que comprovava a iminncia de uma
revoluo comunista no Brasil.Aqueles anos caracterizaram-se pela ascenso dos movimentos
sociais, que, com o consentimento e o apoio governamentais, voltaram-separa a "conscientizao popular".
A efervescncia poltica, o intenso clima de mobilizao
e os avanos na modernizao, industrializao e
urbanizao que configuravam aquele perodo traziam ,
necessariamente aspreocupaes com a participao
popular (Coimbra, 1995, p. 3).
Este engajamento traduzia-se no s pelo fortalecimento do CGT,mas pela ascenso do movimento estudantil e das lutas camponesas. AUnio Nacional dos Estudantes (UNE), por exemplo, atravs de suaUNE/Volante, levava para diferentes estados brasileiros vrios shows epeas de teatro que falavam das chamadas "reformas de base". NoNordeste, Francisco Julio e as Ligas Camponesas - que se espalhavam
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por 20 estados - incendiavam os camponeses com sonhos de liberdade ede reforma agrria.
Diferentes experincias com alfabetizao de adultos foramlevadas a cabo: o Movimento de Cultura Popular (MCP), emPernambuco, e o Programa Nacional de Alfabetizao, que utilizava omtodo Paulo Freire, tambm em Pernambuco e no Rio de Janeiro.
Agitavam-se em todo o pas as bandeiras das "reformas de base".Tambm no mbito parlamentar estruturou-se uma frente nacionalista quefez crescerem as presses no sentido das reformas.
Antes que todo esse clima de efervescncia atingisse limitesrevolucionrios, os conservadores desencadearam ampla agitaogolpista, a qual era estimulada claramente pelo governo norte-americano,
assustado pelas bandeiras nacionalistas. O "pacto populista" entre ogoverno de Joo Goulart e os setores populares comeava a se tomarperigoso para a expanso do capital estrangeiro. A situao crtica daeconomia brasileira, com inflao galopante, crises de recesso e ofantasma da comunizao propiciavam a propaganda, junto s classesmdias, da necessidade deum governo forte.
Neste quadro deu-se o golpe militar de 1964, quando as forasarmadas ocuparam o Estado, para servirem aos interesses dos capitaisestrangeiros.
O GOLPE DENTRO DO GOLPE: O TERRORISMO DE ESTADO
No perodo de 1964 a 1969, apesar das centenas de cassaes,prises e torturas, com relao produo da poca, no houveimpedimento de sua circulao2. Era a ditadura, mas havia umahegemonia cultural da esquerda; entretanto, a circulao de tais idias eratotalmente bloqueada s classes populares. Passava a ser realizada num
circuito fechado e "(...) integrada ao sistema - teatro, cinema, disco e a serconsumida por um pblico j 'convertido 'de intelectuais e estudantes declasse mdia" (Hollanda, 1978, p. 33).
Foi o circuito do espetculo que passou a funcionar e, apesar daditadura, produziram-se territrios singulares3. Por exemplo, os shows
2 Sobre o assunto consultar SCHWARZ (1978)3 Segundo F. Guattari, processos de singularizao designam os processos disruptores
no campoda produo de desejo; trata-se de movimentos de protesto do inconsciente
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"Opinio", "Arena Canta Zumbi", "Roda Viva", "O Rei da Vela", osfestivais de Msica Popular Brasileira em circuitos universitriosinauguraram a chamada "cano de protesto". O Cinema Novo, omovimento Tropicalista, a revista Civilizao Brasileira - de 65 a 69, plode concentrao da intelectualidade de esquerda - engrossaram o caldo decultura que explodiu em 1968.
A gerao de 68 trouxe, alm da contestao poltica, a marca dosmovimentos contraculturais: a recusa aos padres de bom comportamentoe a crena na poltica, segundo as quais "(...) tudo deve se submeter aopoltico, o amor, o sexo, a cultura, o comportamento; era difcil serindiferente naqueles tempos apaixonados" (Ventura, 1988, p. 75).
Dentro do segmento dirigente que havia dado o golpe, j em 1964
comeavam a surgir divises: a ala representada por Castelo Branco (1presidente militar) e uma outra, que ficou conhecida como "linha dura".Esta propugnava a radicalizao e o avano das medidas repressivas,principalmente quando iniciou sua ascenso, em 1967, quando dasucesso de Castelo Branco. O nome apoiado por ela, Costa e Silva,tornou-se o 2 presidente militar.
Um ms antes da posse, em fevereiro, caminhando para aradicalizao, foi imposta a nova Lei de Imprensa e a nova Lei deSegurana Nacional, que ser rapidamente abordada no item seguinte.
Quanto Lei de Imprensa, restringia profundamente o direito de crtica eprevia condenaes de at 10 anos para os infratores de seus dispositivospenais.
Os anos de 67 e 68, portanto, marcaram o crescimento dasdissidncias entre as foras que apoiaram o golpe. poca, foi articuladapor Lacerda - j cassado - Frente Ampla de Oposio, que recebeu oapoio de Kubitschek e do prprio Goulart - ambos tambm cassados e oltimo no exlio.
A oposio ao regime tambm ganhava fora nas ruas, nasfbricas e nas universidades. Desde 1966 a UNE retomou suas atividades,e em maro de 1968 a polcia reprimiu uma manifestao de estudantes,matando o secundarista Edson Luiz, no Rio. Era a fasca que faltava. Nosmeses seguintes alastraram-se, nas principais capitais do pas, asmanifestaes de estudantes, intelectuais, operrios. Em julho, no Rio deJaneiro, ocorreu a Passeata dos Cem Mil, e em outubro o clebre
contra as subjetividades apitalsticas atravs da afirmao de outras maneiras de ser,
outras sensibilidades, outras percepes, etc. Em Guattari e Rolnik (1988)
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congresso clandestino da UNE, em Ibina (SP), foi estourado pelapolcia, quando cerca de 700 estudantes foram presos.
As lutas operrias tambm apareciam, e desde 66/67 pequenasparalisaes foram realizadas isoladamente. Em 1968, duas importantesgreves aconteceram: Contagem (MG) e Osasco (SP), as quais foramviolentamente reprimidas.
A represso agia, em 1968, de forma cada vez mais violenta, como apoio de grupos paramilitares: "Bombas em teatros do Rio e So Paulo,em editoras, jornais, espaos culturais, faculdades (...); seqestros eespancamentos de artistas e estudantes" (Reis Filho, 1988, p. 30). Foidenunciado no prprio Parlamento o envolvimento e a utilizao de umatropa de elite da Aeronutica (o Parasar) na prtica de misses
criminosas. O Ministro da Aeronutica, o tristemente famoso brigadeiroBurnier, desmentiu o fato, mas vrios oficiais do Parasar confirmaram,tendo sido presos e afastados de suas funes.
Estava armada a cena para a vitria da "linha dura". O golpedentro do golpe veio com a edio do Ato Institucional n. 5, de 13 dedezembro de 1968, que instituiu a ditadura sem disfarces: o terrorismo deEstado.
A partir da, o regime militar consolidou a sua forma mais brutalde atuao, atravs de uma srie de medidas, como o fortalecimento do
aparato repressivo, com base na Doutrina de Segurana Nacional. Destaforma, estava garantido o desenvolvimento econmico, com a crescenteinternacionalizao da economia brasileira e a devida eliminao das"oposies internas". Silenciava-se e massacrava-se toda e qualquerpessoa que ousasse levantar a voz.
OS ANOS DE CHUMBO: A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA,A DOUTRINA DE SEGURANA NACIONAL E O
APARATO REPRESSIVOO AI-5 inaugurou tambm o governo Mdici (1969/1974) 3
presidente militar -, um dos mais violentos e repressivos perodos de todaa histria da Repblica. Representante da "linha dura", Emlio GarrastazuMdici governou sob o lema "segurana e desenvolvimento nacionais".Ao lado da represso, que cada vez se sofisticava mais, o pas viveu afase do "milagre econmico", dos projetos de impacto, das obrasfaranicas, como a Transamaznica e a ponte Rio-Niteri, o que
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fortalecia uma propaganda permanente e bem elaborada do Estado forte,que massacrava no nascedouro todas as modalidades de lutas populares,fossem de reivindicao salarial ou de denncia de violao dos direitoshumanos.
Vendia-se massivamente a imagem do Brasil como a "ilha detranqilidade", de "progresso", de "bem-estar e de euforia. Vivia-se umclima de ufanismo, com a classe mdia ascendendo e aproveitando-se dassobras do "milagre". Ao som do prego das Bolsas de Valores e doslogan "Brasil: ame-o ou deixe-o", a ascendente classe mdia viviamomentos inesquecveis de consumismo, com a "modernizao", levadaao ritmo de Brasil Grande". A televiso passou a alcanar um nvel deeficincia internacional, fornecendo valores e padres para 'um pas que
vai para frente (Hollanda, 1978, p. 125).Foi o inicio do reinado daRede Globo, da aldeia global, que se fortaleceu gradativamente naqueleperodo, produzindo/fortalecendo subjetividades ento hegemnicas:formas de pensar, sentir, perceber e agir condizentes com o regime. Taisprocessos traduziam-se na importncia dada ao consumismo, necessidade de se ascender socialmente; "subir na vida" tornava-se apalavra de ordem. Foi produzida uma aceitao quase unnime das regrasdo sistema: a populao passava a aceitar passivamente que compete aogoverno a resoluo dos problemas; a ela, compete trabalhar e/ou estudar
e no se imiscuir em poltica.
A Escola Superior de Guerra
Ao lado dessas produes vivia-se no Brasil um dos maisviolentos perodos de perseguies, seqestros, torturas, mortes edesaparecimentos de opositores polticos. Expandia-se a doutrina doregime militar, baseada na segurana nacional, tendo como centroirradiador a Escola Superior de Guerra, que ajudou no avano e no
desenvolvimento de diferentes rgos repressivos.A Escola Superior de Guerra (ESG), fundada em 1949 - pocada II Guerra Mundial -, desde seu incio esposou o anti-comunismo.
A estreita vinculao surgida entre oficiais brasileiros
que l estavam, como Castello Branco, Golbery do Couto
e Silva e outros, e seus colegas norte-americanos chegou
at mesmo a fazer com que compartilhassem a
expectativa de continuao da guerra ou incio de uma
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terceira - opondo desta vez Unio Sovitica e os aliados
ocidentais (...). Terminada a guerra, toda essa gerao
de oficiais, em fluxo macio, passou a freqentar cursos
militares americanos (...). Quando comeam a retornar
ao Brasil j estavam profundamente influenciados por
uma nova concepo a respeito de como entender a
Defesa Nacional. Nas escolas americanas tinham
aprendido que no se tratava mais de fortalecer o Poder
Nacional contra eventuais ataques externos, e sim contra
um "inimigo interno", que procurava solapar as
instituies (Arquidiocese de So Paulo, 1985a, p. 53-54).
A ESG ficou sob jurisdio do Estado Maior das Foras Armadase devia, em tese, ser dirigida por um oficial-general escolhido em rodzioentre as trs Armas. Aps 64, no entanto, s teve comandantes extradosdo Exrcito, o que aponta a hegemonia dessa Arma na conduo doregime militar. Somente em 1978, quando do perodo de dissenso "lenta,gradual e segura", durante o governo Geisel (1974/1978), o rodzio foiretomado.
A ESG saiu vitoriosa em 1964 e, a partir da, passou a funcionar
como formadora de quadros para a administrao do novo regime.
A seleo dos novos estagirios passou a seguir critrios
rgidos. No caso de militares, a escolha dependia de
recomendao dos superiores, que, por sua vez, baseava-
se no grau de identificao do candidato com as
diretrizes do governo militar. Os civis eram escolhidos
entre expoentes da "intelligentzia" alinhada com o
regime, especialmente parlamentares governistas,
oposicionistas moderados, professores universitrios enomes emergentes entre o empresariado e a tecnocracia
(Arquidiocese de So Paulo, 1985a, p. 56-57).
Atravs da Escola Superior de Guerra foi irradiada a Doutrina deSegurana Nacional, cuja principal fonte foi o livro de Golbery do Coutoe Silva, publicado em 1967.
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A Doutrina de Segurana Nacional e os aparatos de represso
O ponto de partida da Doutrina de Segurana Nacional foi areviso do conceito de "defesa nacional". Concebido tradicionalmente
como proteo de fronteiras contra eventuais ataques externos, esteconceito, ao final dos anos 50, mudou para uma nova doutrina: a lutacontra o inimigo principal, as "foras internas de agitao". Esta revisoapoiava-se na bipolarizao do mundo advinda com a chamada "guerrafria". De um lado, os alinhados com a "democracia": os Estados Unidos eseus aliados; de outro, os comprometidos com o "comunismointernacional": a Unio Sovitica, os pases "satlites e " os comunistas".
O "inimigo interno" era assim definido, nas palavras do GeneralBreno Borges Fortes, comandante do Estado Maior do Exrcito, em
discurso pronunciado na 10 Conferncia dos Exrcitos Americanos,realizada em Caracas, em 1973:
O inimigo (...) usa mimetismo, se adapta a qualquer
ambiente e usa todos os meios, lcitos e ilcitos, para
lograr seus objetivos. Ele se disfara de sacerdote ou
professor, de aluno ou de campons, de vigilante
defensor da democracia ou de intelectual avanado, (...);
vai ao campo e s escolas, s fbricas e s igrejas,
ctedra e magistratura (...); enfim, desempenhar
qualquer papel que considerar conveniente para
enganar, mentir e conquistar a boa f dos povos
ocidentais. Da porque a preocupao dos Exrcitos em
termos de segurana do continente deve consistir na
manuteno da segurana interna frente ao inimigo
principal; este inimigo, para o Brasil, continua sendo a
subverso provocada e alimentada pelo movimento
comunista internaciona. (Jornal da Tarde, 1973, p. 10).
Segundo Golbery, a Doutrina de Segurana Nacional fazia umacomparao entre segurana e bem-estar social. Ou seja, se a "segurananacional" est ameaada, justifica-se o sacrifcio do bem-estar social, queseria a limitao da liberdade, das garantias constitucionais, dos direitosda pessoa humana. Foram estes princpios de "segurana nacional" quenortearam a subjetividade oficial em vigor poca: a caa ao inimigo
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interno". Para isto, foi amplamente modificado o sistema de segurana doEstado brasileiro.
Duas foram as caractersticas dessas mudanas. Uma foi
o gigantismo, a contnua proliferao de rgos. Outra
foi a atribuio de uma autonomia operatividade dos
organismos criados, que levou a se considerar, j no
princpio da dcada de 70, a existncia de um verdadeiro
Estado dentro do Estado(...) Na primeira etapa de sua
escalada repressiva, o regime se limitou a hipertrofiar os
rgos de represso poltica j existentes antes de 64.
Mais tarde, (...) nas mais diferentes reas, passou-se
criao de organismos mais adaptados (...), dotados svezes de estrutura semi-clandestina e orientados para
no inibir sua ao repressiva perante nenhum dos
clssicos institutos jurdicos de proteo pessoa
humana (Arquidiocese de So Paulo, 1985a, p. 67).
Em abril de 1964 foi criado o Grupo Permanente de MobilizaoIndustrial (GPMI), instrumento para adaptar o poderio blico das forasarmadas nova doutrina de segurana, que j considerava deflagrada a
"guerra revolucionria" contra o "inimigo" infiltrado em todo o pas.Congregavam-se militares e industriais para ampliar e modificar osistema de segurana do Estado brasileiro.
Foi criada toda uma mquina para "produo e operao deinformaes", com o nome de Sistema Nacional de Informaes, quepoderia ser visualizado como uma pirmide, que tinha como base ascmaras de torturas e os interrogatrios, e no vrtice, o Conselho deSegurana Nacional (CSN). Este era presidido pelo General Presidente,tendo como secretrio-geral o chefe da Casa Militar da Presidncia da
Repblica.Para coordenar os trabalhos do Conselho de Segurana Nacional
foi criado, em 13 de junho de 1964, o Servio Nacional de Informaes(SNI), que teve suas atividades espalhadas por todo o territrio brasileiro.Para l eram enviados os diplomados pela Escola Superior de Guerra, aqual
(...) em 1972 foi instalada, com finalidade exclusiva de
preparar pessoal para o trabalho no SNI, a Escola
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Superior Nacional de Informaes, que surgiu de um
antigo curso oferecido pela ESG e ministrava cursos
regulares sobre informaes, voltando-se para a criao
de especialistas em anlise e coleta de informaes.
Ministrou tambm cursos rpidos para estagirios, sendo
mais freqentados aqueles destinados aos militares que
iam servir como adidos nas embaixadas e aos
funcionrios dos servios de segurana dos ministrios
civis (Arquidiocese de So Paulo, 1985a, p. 70).
Foi no decorrer do governo Mdici que as funes e prerrogativasdo SNI aumentaram significativamente e se verificou sua militarizao.
Cresceu a tal ponto que se transformou na quarta Fora Armada, emborano uniformizada. Foi o rgo de represso mais importante, dentro efora do Brasil, tendo agncias em cada Ministrio, empresa estatal eprivada, universidade, governo estadual e municipal.
De 1967 a 1972 criaram-se inmeros outros aparelhosrepressivos. Em 1967 foi organizado o Centro de Informaes doExrcito (CIE), e em 1970 o da Aeronutica (CISA) . O da Marinha,CENIMAR, que j existia antes de 1964, foi reestruturado em 1971.
O regime passou a se preocupar com uma maior integrao entre
os organismos repressivos j existentes. Esta deveria ser efetivada sob ahegemonia do Exrcito, no somente por ser a Arma de maiorcontingente, mas tambm porque a Doutrina de Segurana Nacionalconferia-lhe papel especial na nova concepo de guerra, contra uminimigo interno", e envolvendo especialmente foras terrestres.
Essa integrao foi testada, em julho de 1969, com a criao, emSo Paulo, da OBAN (Operao Bandeirantes), que se nutriu de verbasfornecidas por multinacionais, como o Grupo Ultra, Ford, GeneralMotors. Foi estruturada com trs tipos de equipes: de buscas, deinterrogatrio e de anlise, as quais se revezavam, num trabalhoininterrupto, por turnos de 24 horas. Foi composta com efetivos doExrcito, Marinha, Aeronutica, DOPS (polcia poltica estadual),polcias federal, civil e militar; ou seja, todos os tipos de organismos desegurana e policiamento, chegando a contar com oficiais do Corpo deBombeiros.
A "luta contra a subverso", em So Paulo, atingiu tantos xitosque, em janeiro de 1970, formalizava-se a criao dos DOI-CODIs
(Destacamento de Operaes Internas / Centro de Operaes de Defesa
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Interna) em cada regio militar do pas. Vinculados ao Exrcito, os DOI-CODIs passaram a dispor do comando efetivo sobre todos os organismosde segurana existentes na rea. Cada DOI-CODI tambm se estruturoucom o mesmo funcionamento que havia vigorado na OBAN, sendocomandado por oficial do Exrcito e com os mesmos efetivos - todos ostipos de organismos de segurana e policiamento.
Alm de todos esses rgos legais e oficiais, o Sistema Nacionalde Informaes, tambm conhecido como "Comunidade de Informaes",contou com a cooperao de outros rgos paramilitares, algunsmantendo atividades legais, como camuflagem, e outros inteiramenteclandestinos. Ficaram tristemente famosos a Sociedade Brasileira deDefesa da Tradio, Famlia e Propriedade (TFP), o Comando de Caa
aos Comunistas (CCC), o Movimento Anticomunista (MAC), a FacoAnticomunista (FAC), a Vanguarda Anticomunista, o GrupoAnticomunista, a Ao Anticomunista Brasileira e a Falange PtriaNossa, muitos surgidos antes de 1964 e extremamente atuantes aps ogolpe.
Cabe registrar que a ao desse intrincado aparato de repressono se circunscreveu s fronteiras do Brasil. Nos golpes militaresocorridos na Bolvia (1972), no Chile e Uruguai (1973) e na Argentina(1976), estiveram presentes oficiais e policiais brasileiros, participando
ativamente de torturas e interrogatrios. Posteriormente, executaram"trabalhos" conjuntos com os servios de informaes e segurana dessespases, mantendo uma rede para prises, seqestros, mortes edesaparecimentos de opositores polticos4.
A LEGISLAO DE SEGURANA NACIONALE A JUSTIA MILITAR
A legislao de segurana nacional foi a expresso dessadoutrina, articulada e colocada em prtica pelo regime militar. Ela foitransformada entre ns em preceito constitucional pela Emenda n 1169,que subverteu o direito pblico brasileiro, anulou os poderesconstitucionais do Legislativo, subjugando a sociedade e osestabelecimentos poltico-jurdicos.
4 Foi a tristemente famosa Operao Condor. Sobre o assunto, consultar Mariano
(1998)
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Criou-se, verdadeiramente, um Estado de Segurana Nacional,que emergiu, quer pelos Atos Institucionais, quer pela Constituio dejaneiro de 1967, e que "aperfeioou" o conceito de segurana nacional.
Por esta Constituio, o Poder Executivo ficou com as principaisatribuies da segurana nacional, possibilitando ao Presidente daRepblica, ad referendumdo Congresso Nacional, em casos de urgncia,expedir decretos-leis sobre temas de segurana nacional. Ampliaram-setambm os poderes e as atribuies do Conselho de Segurana Nacional edas Foras Armadas.
A Emenda Constitucional de n. de 1969 aprofundou eradicalizou todos os poderes j conferidos ao Executivo, ao Conselho deSegurana Nacional e s Foras Armadas, pela Constituio de 67. A
Doutrina de Segurana Nacional projetou leis e regras sobre todos ossetores da vida nacional5.
Atravs do Conselho de Segurana Nacional, entidade
mxima do regime, foram traados os 'objetivos
nacionais permanentes' e as 'bases para a poltica
nacional' e, de acordo com esses objetivos, foram
editados, pelo Poder Executivo, decretos, decretos-lei,
atos institucionais, e apresentados ao Parlamento
projetos de lei e emendas constitucionais; quandonecessrio, foram editados, at mesmo, os 'Decretos
Secretos' (Arquidiocese de So Paulo, 1985a, p. 82).
A primeira Lei de Segurana Nacional foi editada em fevereirode 1967, quando dos primeiros avanos da "linha dura" em nosso pas.Prevaleceu sobre todas as leis e mesmo sobre a Carta Magna,propugnando que todos os "antagonismos" deveriam ser punveis comocrimes contra a segurana do Estado.
At outubro de 1965, os atingidos pela atividade repressiva aindatinham a possibilidade de recorrer Justia Comum e ao SupremoTribunal Federal (STF). Com a edio do Ato Institucional n. 2, a JustiaMilitar passou a monopolizar a competncia para processar e julgar todosos crimes contra a Segurana Nacional. Os inquritos policiais militarespassaram a ser encaminhados s auditorias militares e regidos peloCdigo de Justia Militar.
5 Sobre o assunto, consultar Arquidiocese de So Paulo (1985 b).
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Vigorou a lgica - invertendo qualquer principio jurdico - deescolher sempre a interpretao mais desfavorvel s pessoas acusadas deoposio poltica ao regime, de contrariar expressamente os dispositivoslegais que lhes fossem favorveis. Estas arbitrariedades estiverampresentes em todos os passos do procedimento jurdico, desde ainstalao do inqurito at o fim do processo, com o julgamento.
O Projeto Brasil Nunca Mais, coordenado pela Arquidiocese deSo Paulo6, que est registrado em 12 volumes, foi o resultado de umapesquisa realizada em todos os processos constantes no SupremoTribunal Militar, no perodo de abril de 1964 a maio de 1979, que diziamrespeito aos chamados crimes contra a segurana nacional". Estapesquisa selecionou 20 casos, que ilustram, de modo bastante
representativo, a postura da Justia Militar ao julgar processosinstaurados contra os chamados "inimigos internos do regime.Esses casos apontam como a justia brasileira - transformada
simplesmente em justia militar para todos os casos vinculados segurana do Estado - estava totalmente atravessada pela Doutrina deSegurana Nacional, ento vigente em nosso pas.
Entretanto, apesar de todos esses dispositivos legais e jurdicosacoplados "segurana nacional", denncias foram feitas nas auditoriasmilitares pelos milhares de presos polticos, denncias estas que esto
oficialmente registradas nos Inquritos Policiais Militares (IPMs).Levantou-se que 1.843 pessoas presas no perodo de 1964 a 1979denunciaram torturas, mortes e desaparecimentos de opositores polticos.Chegou-se, ainda, ao nmero de 7.727 pessoas denunciadas pela JustiaMilitar no perodo de 1964 at 1979. Da, calcula-se que o nmero depresos seja mais alto, pois muitos no foram denunciados e nem sequerprestaram depoimentos em auditorias militares7.
Quando terminou o ltimo ano de Geisel (ainda em
1978), o saldo de represses efetuadas pelo regime desde
64 j computava 10 mil exilados polticos, 4.682
cassados por vrios meios, milhares de cidados que
passaram pelos crceres polticos, centenas de mortos,
6 Esta pesquisa - cuja sntese o livro "Brasil Nunca Mais", editado pela Vozes, em1985 - consta de 12 volumes. Somente existem 25 exemplares desses volumes, queforam doados a entidades de direitos humanos e universidades no Brasil e no exterior.
7 Sobre o assunto, consultar Arquidiocese de So Paulo (1985 c).
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desaparecidos, 245 estudantes expulsos da
Universidade por fora do decreto 477 (Arquidiocese deSo Paulo, 1985a, p. 49)
ANOS 90: UMA OUTRA DOUTRINA DESEGURANA NACIONAL
Na dcada de 90, muitos aspectos de todo esse "entulho"autoritrio tm sido criticados e at mesmo superados, com relao aosaparatos de represso, aos organismos de informao, legislaorepressiva e justia militar.
Entretanto, alguns permanecem sendo utilizados, sob novasmaquiagens porm utilizando as mesmas estratgias.
Abordarei aqui apenas dois desses aspectos, embora muitosoutros continuem existindo.
Com relao Doutrina de Segurana Nacional, hoje, dentro danova ordem mundial, dos projetos neo-liberais vigentes em escalaplanetria, os "inimigos internos do regime" aqueles tratados como tais-passam a ser os segmentos mais pauperizados e no mais somente osopositores polticos. So todos aqueles que os "mantenedores da ordem'consideram "suspeitos" e que devem, portanto, ser vigiados e, senecessrio, eliminados. Grupos de extermnios - nascidos sob obeneplcito do regime militar e dele fazendo parte - funcionam hoje paraestes fins, financiados por comerciantes e empresrios, e com auxlio demuitos dispositivos sociais, como a mdia, e tm fortalecidosubjetividades que produzem juzes e autores como sujeitos necessrios "limpeza do corpo social, considerado enfermo. Estes enfermos sopercebidos como perigosos e ameaadores. A modernidade exige cidades
limpas, asspticas, onde a misria - j que no pode ser mais escondidae/ou administrada - deve ser eliminada. Eliminao no pela suasuperao, mas pelo extermnio daqueles que incomodam os "olhos,ouvidos e narizes das classes mais abastadas8.
As formas como a mdia produz o real, verdades, fantasias, dentreoutras questes, tambm atravessam os temas sobre a violncia atual,
8 Sobre o assunto, consultar Coimbra (1998).
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quando esto sendo marcados e identificados, por esses mesmos meios decomunicao, os suspeitos, os discriminveis, os perigosos, os infames.
Produz-se um raciocnio linear, de causa e efeito, de que onde seencontra a pobreza est a marginalidade, a criminalidade, o perigo.Assim, tambm os mass-media tm exercido papel importante comoprodutores da imagem do crime, do criminoso e dos locais perigosos.
Pesquisa realizada por Baratta (1993), em Saarbrcken(Alemanha), afirma que
(...) o alarme social e o medo da criminalidade esto
relacionados sobretudo ao esteretipo criminoso
presente no senso comum, que fortemente sustentado
pelos meios de comunicao de massa. (Portanto), acriminalidade no um dado natural: Ela
socialmente construda atravs de processos de
comunicao social e de mecanismos seletivos das
reaes sociais e oficiais (Baratta, 1993, p. 14-15).
Esta pesquisa vai nos apontar que, justamente pelos serviosprestados, dentre outros, pela mdia, a criminalidade ocupa um lugardesproporcionalmente alto na percepo do pblico, desviando a ateno
dos problemas estruturais que geram essa prpria criminalidade.Assinala, ainda, o carter de produo da imagem da criminalidade, dainsegurana urbana, do medo do crime e, especialmente, do esteretipodo criminoso. Tais construes, sem dvida, tm servido para contribuir etornar mais aceitveis a desigualdade social, a pobreza e a misria em quevivem enormes contingentes de nossa populao. Portanto, as notciasveiculadas nos diferentes meios de comunicao de massaproduzem/reproduzem/fortalecem tais rtulos e identidades. No poracaso que boa parte dos crimes contra a populao pobre so encontrados
nas sees policiais, pois nelas que so veiculadas as notcias sobre asclasses populares. Nesses espaos elas aparecem como figuras centrais eatuantes, enquanto que em outras reas do noticirio jornalstico seuacesso impossvel ou secundrio(Serra, 1980:19).
Cotidianamente, os meios de comunicao nos fazem crer que sea grande massa excluda de nossa populao age diferentemente das elites porque vive e, portanto, pensa, percebe e sente diferentemente de ns.Da, no podem receber o mesmo tratamento.
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No por acaso que, em vez de cidado, a palavra maisfreqentemente utilizada hoje seja consumidor. As polticas neo-liberais, os mass-media e demais equipamentos sociais produzem aconfuso entre direitos do cidado e direitos do consumidor. O quemostra que s tem valor aquele que consome: os milhes de excludos emiserveis no so cidados, pois, por no consumirem, nada valem; sosimples objetos.
Consumindo, o indivduo se situa num tempo em que as
esferas e os espaos pblicos esto enquadrados pelos
meios de comunicao e pela linguagem publicitria, o
homem se contextualiza pelo consumo (...). Agora, na era
da globalizao, podemos dizer que a categoria decidado foi englobada pela categoria de consumidor (...),
pois exercendo sua condio de consumidor que o
homem se reconhece cidado (Bucci, 1997, p. 46).
Um dos efeitos desta falta de cidadania a culpabilizao davtima. Ou seja, alm da forma como so produzidos os bandidos, osmarginais, os criminosos de todos os tipos, eles so ainda contrudospara se responsabilizam por sua misria, marginaldade e criminalidade.
No capitalismo, uma das mais competentes produes prende-se individualizao das responsabilidades seja colocando na naturezahumana, em sua histria de vida ou em seu meio ambiente certos dons oudefeitos. O indivduo passa a ser a medida de todas as coisas e o nicoresponsvel por suas vitrias ou fracassos9.
O segundo aspecto a ser levantado prende-se justia militar eperdura at hoje: o julgamento de crimes cometidos por policiaismilitares por membros da prpria corporao. Em 1977 - durante ogoverno Geisel -, dentro dos dispositivos do chamado "pacote de abril",
manteve-se que a Justia Militar que deveria julgar os crimes cometidosdurante as atividades de policiamento. Mantm-se ainda uma visomilitarizada da segurana pblica, pois
o policiamento ostensivo e a preveno da ordem
pblica, alm de permanecerem militarizados, continuam
a contar com o foro especial da justia das polcias
9 Sobre o assunto, consultar Barros, R.D. B (1994).
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militares estaduais. Como durante o regime militar, tem
ficado patente que essa justia tem servido para proteger
policiais em aes criminosas (Pinheiro, 1996, p. 28).
Este mesmo autor informa que tanto o Cdigo Militar quanto oCdigo de Processo Penal Militar, voltados para as operaes militaresdas Foras Armadas, no se encontram em condies de julgar einvestigar crimes civis praticados durante aes de policiamento. Nosomente falhas tcnicas so apontadas, mas a questo da impunidade aest colocada, pois de um modo geral as mortes praticadas por policiaismilitares so caracterizadas como homicdios justificveis, em alegadosconfrontos.
Alm dessas limitaes corporativas e tcnicas, diante do
crescimento da criminalidade violenta, aes policiais
tm aumentado e os efetivos policiais tm se expandido, o
que contribui para agravar a precariedade do sistema de
justia das polcias militares estaduais: os processos
concludos diminuem, embora os casos tenham
aumentado (...). Os processos estendem-se por muitos
anos e durante esse tempo os policiais acusados
continuam em servio normalmente, podendo at receberelogios funcionais, promocionais e condecoraes
(Pinheiro, 1996, p. 29).
Em 1996, projeto de lei do deputado Hlio Bicudo restaurando acompetncia da justia civil para julgar crimes de militares contra civisfoi aprovado na Cmara dos Deputados, com bastantes restries:limitou-se a homicdios, sendo que a investigao continuaria sobresponsabilidade dos IPMs . No mesmo ano, o projeto, parcialmente
aprovado na Cmara, foi derrubado no Senado Federal. Os prpriospartidos que apoiavam o governo federal que propunha o projeto deHlio Bicudo no seu Plano Nacional de Direitos Humanos, anunciado aopas em 13 de maio de 1996 aprovaram um substitutivo, segundo o quals os crimes dolosos contra a vida, cometidos por militares contra civis, que podero ser julgados pela justia comum. Na prtica, nada muda nojulgamento dos crimes cometidos por policiais militares.
A Comisso Interamericana de Direitos Humanos da Organizao
dos Estados Americanos (OEA), em sua visita ao Brasil, em dezembro de
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1995, a primeira que fez ao nosso pas em toda a sua histria,recomendava que
(...) seria positivo que crime cometido por militar fosse
julgado pela Justia Comum e no pela Justia Militar,
porque este tipo de Justia tem alto ndice de impunidade
(Jornal do Brasil, 1995, p. 14)
Sabemos que a prpria Constituio brasileira de 1988, apesar dealguns avanos referentes aos direitos individuais e sociais, manteve aspolcias militares estaduais como fora de reserva do Exrcito, a respeitodo que o articulista Jnio de Freitas, no patamar do sculo XXI, afirma:
A deteriorao das PMs foi o maior legado da poltica
de segurana da ditadura, que lhes alterou os critrios
de seleo, a formao e a finalidade, para faz-las
foras auxiliares das Foras Armadas na represso
poltica e social. Nada foi feito desde o fim do regime
militar, para reparar o legado (Folha de S.Paulo, 2000,A5)
Por esses dois pequenos exemplos, vemos o quanto ainda hoje semantm em nosso pas muitos dos aspectos repressivos e autoritriosvigentes nos "anos de chumbo". Considero que entender, analisar ecolocar em destaque tais questes uma das tarefas, hoje, dosprofissionais das chamadas Cincias Humanas e Sociais e, em especial,do profissional psi, que, de um modo geral, articula muito pouco suaprtica com a Histria. A Psicologia, atravs de diferentes ferramentas,pode contribuir para um maior entendimento do que est sendo forjadocotidianamente atravs de uma srie de dispositivos sociais, muitos deles
remanescentes do perodo repressivo.Penso, portanto, que tais temas sejam relevantes para o psiclogo
que, de um modo geral, teve sua formao voltada para aproduo/reproduo/fortalecimento de prticas algumas vezes intimistas,privatizantes, familiaristas e psicologizantes. Considero, com isso, queesse profissional pode e deve se voltar no somente para a nossarealidade, mas deve tambm utilizar suas ferramentas de trabalho nosentido de desconstruir o que percebido como natural, como essnciado ser humano. Pode, portanto, concorrer para apontar a violncia e seus
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efeitos, que hoje dominam a todos ns, em especial nos grandes centrosurbanos brasileiros, no como um dado de nossa natureza ou de nossasociedade, mas como uma produo histrico-social, datada, localizvel ecom ramificaes vindas de nossa Histria recente.
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Recebido em 28/07 /00
Revisado em 25/11/00
Aceito em 01/12/00