Edinger a Criação Da Consciência

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  • 7/24/2019 Edinger a Criao Da Conscincia

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    EDWARD F. EDINGER

    A CRIAODA CONSCINCIA

    O mito de Jung para o homem moderno

    7773/ 1 I I

    c j c t io a -t / r r r T T / r r

    l iC ^ r h r / >

    O f A A C V \ T O f r >k/-1

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    EDWARD F. EDINGER

    A CRIAO DA CONSCINCIAO M i to de Jung Para o Hom em Mod e rno

    Traduo

    Dra. Vera Ribeiroda

    SociedadedePsicoterapiaAnalticado RiodeJaneiro

    EDITORA CULTRIXSo Paulo

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    Tftulodooriginal:

    The Creation of ConsciousnessJung's Myth for Modem Man

    Copyright (c): 1984 by Edward F. Edinger

    Coleo"EstudosdePsicologiaJunguiana"poranalistasjunguianos.

    Edio Ano

    C2-3-4-5-6-7-8-9 -87-88-89-90-91-92-93

    Dire itos reservados

    EDITORACULTRIX LTDA.

    Rua Dr. MrioVicente,374 04270 So Paulo,SP Fone:633141

    Impresso nas oficinas grficas da Editora Pensamento.

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    S U M R I O

    1 O N o vo M i t o 9

    2 O Sen t i do da C o n s c inc ia 33

    3 A Ps ico log ia Profun da Co m o a Nov a D ispensao:

    Consideraes Sobr e a Resposta a J,de J ung 574 A T rans fo rma o de D e u s 89

    ndice Analtico 111

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    Quando faltar a profecia,

    dissipar-se-a o povo.

    Provrbios, 29:18.

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    C.G.Jung

    1875-1961

    (Jungaos83anos;fotodeKarsh,deOttawa)

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    O N ov o M i t o

    O mito da encarnao necessria de Deus(...) pode ser entendido como o con-

    fronto criativo do homem com os opostose a sntese deles no eu:a completude de sua

    personalidade (...). Essa a meta (...) queintegra significativamente o homem noesquema da criao e. ao mesmo tempo,

    d ie_nfidOaela. C.G.Jung.Memories. Dreams, Reflections

    A histria e a antropologia nsensinam que asociedadehumanano pode sobreviver por muito tempo, a menos que seus membros

    estejam psicologicamente contidos num mito central vivo. Esse mitoproporciona ao indivduo uma razode ser.squestesltimasacercada existncia humana, ele fornece respostas que satisfazem aosmembrosmaisdesenvolvidoseperspicazesdasociedade. Equando aminoriacriativa e intelectual est em harmonia com o mito predominante, asoutras camadas da sociedade seguem sua liderana, chegando mesmoa poupar-se de um confronto direto com a questo fatdica dosentidoda vida.

    evidente para as pessoas reflexivas que a sociedade ocidentalj no possui um mito vivel, operante. De fato, todas as principaisculturas mundiais aproximam-se, em maior ou menor grau, de umestado de carncia de mitos. O colapso de um mito central comoo estilhaamento de um frasco que contm uma essncia preciosa:o lquido se derrama e se escoa, sugado pela matria indiferenciada

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    sua volta. O sentido se perde. Emseu lugar, reativam-seoscontedosprimitivos e atvicos. Os valores diferenciados desaparecem e sosubstitudos por motivaes elementares de poder e prazer, ou entoo indivduo expe-se ao vazio e ao desespero. Com a perda da cons

    cincia de uma realidade transpessoal (Deus), as anarquias interna eexterna dos desejos pessoais rivais assumem o poder.

    A perda do mito central acarreta umasituao verdadeiramenteapocalptica, e esse o estado do homem moderno. Faz tempo quenossos poetas reconheceram esse fato. Yeatsexpressou-o na perfeioem seu poema " 0 Segundo Advento":

    Turning and turning in the widening gyreThe falcon cannot hear the falconer;Things fall apart; the centre cannot hold;

    Mere anarchy is loosed upon the world.The blooddimmed tide is loosed, and everywhereThe ceremony of innocence is drowned;The best lack all conviction, while the worst

    Are full of passionate intensity.

    Surely some revelation is at hand;Surely the Second Coming is at hand.

    The Second Comingl Hardly are those words outWhen a vast image out ofSpiritusMundi

    Troubles my sight: somewhere in the sands of the desertA shape with lion body and the head of a manA gaze blank and pitiless as the sun.Is moving its slow thighs, while all about itReel shadows of the indignant desert birds.The darkness drops again; but now I knowThat twenty centuries of stony sleepWere vexed to nightmare by a rocking cradle.

    And what rough beast, its hour come round at last,Slouches towards Bethlehem to be bom? 1

    1 W. B. Yeats,The Collected Poems of W. B. Yeats (Nova York: MacmillanCo.,1956),p.184.

    Girando e girando no turbilho que se alarga/ O falcSo nSo sabe ouviro falcoeiro;/ As coisas se despedaam; o centro nTo pode manter-se;/ A mera

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    Esse poema, publicado originalmente em 1921, surpreendente

    na maneira como toca sucintamente nos principais temas que concer

    nem ao estado atual da psique coletiva. Quebrou-se o crculo mgicode nossa mandala e o sentidoescapou. O ego-falco perdeu ovnculo

    com seu criador, liberando do controle os nveisprimitivosdo incons

    ciente. O caos resultanteconclama,em compensao, o nascimentodeuma nova dominante psquica central. Qual ser ela? O Anticristo?

    A aluso Esfinge sugere que devemos mais uma vez enfrentar o

    enigma da Esfinge e perguntarmo-nos mais seriamente: "Qual osentido da vida?"

    a perda de nosso mito continente que est na raiz de nossa

    atual angstia individual^ e social, e nada, a no ser a descoberta de

    um novo mito central, vai resolver o problema para o inoivduo epara a sociedade. De fato, h um novo mito em formao, e C. G.

    Jung tinha uma aguda conscincia desse fato. Certa vez, um analistajunguiano teve o seguinte sonho:

    Um templo de amplasdimensesestavaemprocessodeconstruo.

    At onde eu podia ver frente, atrs, d ire i ta e esquerda

    havia um nmero incrvel de pessoas construindo pilastras gigantescas. Tambm eu estava construindo uma pilastra. O processo

    anarquia se espalha pelo mundo./ A mar tinta desangue se espraia e, em toda

    parte, / A cerimnia da inocncia submerge;/ Aos melhores falta toda a con

    vico,enquantoospiores/Estorepletosdeintensidadeapaixonada./

    Decerto alguma revelao est a caminho./ Decerto o Segundo Advento

    estacaminho./

    O Segundo Adventol Mal so tais palavrasenunciadas/ E uma vasta ima

    gem sada do Spiritus Mundil Turva-me o olhar:em algum lugar das areias dodeserto / Uma f igura com corpo de leo e cabea de homem/ Com um o lhar

    branco e impiedoso como o Sol,/ Move seus membros lentos, enquanto a seu

    redor/ Vo lteiam sombras dos pssaros indignados do deserto./ Caem novamen

    te as trevas; mas sei agora/ Quevinte sculosde ptreo sono/ Foram torm ento

    samenteembaladosaopesadeloporumberobalouante,/

    E que besta selvagem, chegada finalmente sua hora,/ Arrasta-se at Belm

    paranascer?"(Traduolivre^V.da T.)

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    total de construo estava em seus primrdios, mas as fundaes

    j estavam l, o restante do edif c io comeava a erguer-se, e eu e

    muitos outros trabalhvamos nele.

    Esse sonho foi contado a Jung, que fez o seguinte comentrio:"Sim, voc sabe, esse o templo que todos construmos. Noconhecemos as pessoas porque, pode acreditar, elas constroem na fndia, naChina, na Rssia e por todo o mundo. a nova religio.Sabequantotempo vai demorar at que esteja construda?... cerca de seiscentosanos."2

    Jung foi oprimeiroa f ormular o problemado homemmodernocomo sendo o de um estado de carncia de mitos. Como em tantasde suas descobertas, f-la primeiramente nele prprio. Em seu livroMemories, Dreams, Reflections, Jung narra que, aps a publicaodeThe Psychology of the Unconscious, em 1912,3 teve um momentode lucidez inusitada:

    "Agora voc tem uma chave para a m itologia e est livre paraabrir

    todos os portes da psique inconsciente." Alguma coisa em mim

    ento sussurrou: Por que abrir todos os portes? E logomesurgiu

    a pergunta sobre o que, afinal, eu havia realizado. Eu tinha expli

    cado os mitosdaspessoas do passado; havia escrito um livrosobre

    o heri, o mito emque o homem sempre viveu. Masemque mito

    vive o homem hojeemdia? No m ito cristo,poderiaseraresposta.

    Voc vive nele?, perguntei a mim mesmo. Para ser honesto,a resposta foi no. Para mim, no pautado nele queeuvivo. 'Ento,

    no temos mais nenhum mite? 'No, evidente que no temos

    mais nenhumm ito.' 'Masento,qual o seu m ito, o mito emque

    voc efetivamente vive?' Nesse ponto, o dilogo comigo mesmo

    ficou desconfortvel e parei de pensar. Eu chegara aum beco sem

    sada."4

    2 Max Zeller, "The Task o f the Ana lyst ", Psychological Perspectives, 6(Primaverade1975),p.75.

    3 A primeira edio em inglssurgiuem 1916.Maistarde ,foi revistae pub li

    cada como Symbols of Transformation, CW 5.[CW The Collected Works ofC. G. Jung (Boll ingen Series XX ). Trad. de R. F. C. Hull , org.de H. Read, M.Fordham, G. Adler, Wm. McGuire (Princeton:P rinceton University Press, 1953-19791.1

    C. G. Jung,Memories, Dreams, Reflections (Nova York :Panthon Books,19 63 ),p. 171.

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    Mais tarde Jung encontrou seu mito, e a tesedeste livro que,assim como a descoberta de Jung sobre sua prpria falta de mitoscorreu paralelamente situao de carncia de mitos da sociedademoderna, tambm a descoberta de Jung sobre seu prprio mito individual ir revelar-sea emergncia primeiradenossonovom itocoletivo.De fato, estou convencido de que, medida que adquirirmos umaviso histrica, ficar evidente que Jung um homem-marco. Refiro-me com isso a um homem cuja vida inaugura uma nova era nahistria da cultura.

    r~homem-marc) o primeiro a experimentar e a articular integralmente uma nova forma de ex istncia. Desse modo,suavidaassumeum significado objetivo, impessoal. Torna-se um paradigma, a vidapro tot pica de uma nova era e, por conseguinte, exemplar.Jungestava

    consciente desse fato no tocante sua prpria vida. Ao falar de seuconfronto com o inconsciente, escreveu: "Foi ento que deixei depertencer somente a mim, deixei de terd ireito a isso. Daem diante,minha vida passou a pertencer coletividade."s

    O fato de a vida pessoal de Jung pertencer coletividade foidemonstrado pelo paralelismo fantstico entre os episdios crticosde sua vida interior e as crises coletivas da civilizao ocidental. Seuprimeiro grande confronto com o inconsciente ocorreu simultaneamente catstrofe coletiva da I Guerra Mundial.6 De 1914 a 1918,

    enquanto as naes crists ocidentais engajavam-se num conflito externo brutal, Jung sofreu o equivalente interno da Guerra Mundial,suportando e integrando a revoluo do inconsciente coletivo vindade seu interior. William James havia conclamado um "equivalentemoral da guerra".7 Jung realizou oequivalente psicolgicoda guerra,pelo qual o conflito dos opostos estava contido na psique individual.Mais uma vez, durante a II Guerra Mundial, Jung teve a suprema revelao do inconsciente, suasvisesdaconiunctio,duranteumadoenagrave em 1944.8 No Dia D (6 dejunhode 1944), emboraaindahos

    pitalizado, ele estava em plena convalescena.9

    sIbid., p . 1 92 .6Ibid..p. 181.7W ill iam James,Essays of Faith and Morals (Nova Y or k: Longmans Green

    & Co., 1947), pp.311 ss.

    8 C.G.Jung,Memories, Dreams, Reflections,pp.289-298.OBarbara Hannah,Jung: His Life and Work (Nova York: G. P. Putnam's

    Sons,1976),p.284.

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    Quase todos os episdios importantesda vidadeJungpodemservistos como paradigmas do novomodo de ser,que conseqnciadeviver segundo um novo mito. Este no o lugar para examinarmosavida de Jung enquanto pacadigma; em vez disso, devemos considerara natureza do novo mito que ele descobriu e que o libertou de suacondio de carncia de mitos.

    Jung vislumbrou seu novo mito ao visitar os ndios Pueblo, nosudoeste dos Estados Unidos, no comeo de 1925. Conseguiu ganhara confiana de Lago da Montanha, um dos chefes dos Pueblos Taos.No livro Memories, Dreams, Reflections, Jung descreve sua conversacom Lago da Montanha:

    [Disse Lago da Montanha] "Os norte-americanos querem pisotear

    nossa religifo. Por que n o nos deixam em paz? O que fazemos,

    fazemos no apenas por ns, mas tambm pelosnorte-americanos.Sim , fazemos isso pelo mundo inteiro. Todosse beneficiam disso."

    Pude observar, por sua excitao, que elaestavaa ludindo a

    algum elemento extremamente importante de sua religio. Ento,

    perguntei-lhe: "Voc achaque oquefazememsuareligiobeneficia

    o mundo inte iro?" Com grande animao, ele repl icou: " c laro.

    Se noo fizssemos, oque seriado mundo?" Ecom umgestosigni

    f ica t ivo , apontou o Sol.Senti que, nesse po nto , ns nos aproximvamos deumarea

    extremamente del icada, beirando os mistr ios da t r ibo. "A f ina l",

    disseele, "somos um povo que mora notelhadodo mundo;somos

    osfilh os do Pai Sol e, atravs de nossa religio,ajudamosnossopaidiariamente a atravessar o cu. Fazemos isso no apenas por ns,

    mas pelo mundo inteiro. Sedeixssemosde praticar nossa religio,

    em dez anos o Sol no mais nasceria. E, assim, seria noite para

    sempre."

    Percebi,ento, emque se baseavaa "dignida de ", atranqila

    compostura daquele ndio. Decorria do fatodeserele um fi lho do

    Sol; sua vida cosmologicamente significativa, pois ele ajuda o pai

    e preservador de toda a vida a nascer e a se prcotidianamente.10

    Essa crenados Pueblos,dequeelesajudamopai,oSol,anascer

    a cada diaeafazerseutrnsitopeloscus,revela-seumaversoingnuae primitiva do novo mito de Jung. Mais tarde, em 1925, ao viajar pelafrica, Jung teve outra experincia que cristalizou a formulao domito de modo mais explcito. Disse ele:

    10 C. G.Jun g,Memories, Dreams, Reflections,pp.251-252.

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    Partindo do Nairobi, atravessamos um pequeno vau para visitar as

    Plancies deA th i, uma grande reservade animais selvagens. Deuma

    pequena colina nessa ampla savana, descortinou-se diante de ns

    um magnfico panorama. Bem na l inha do horizonte, d iv isamos

    rebanhos gigantescos de animais: gazelas, antlopes, gnus, zebras,

    javalisa fricanoseassim pordiante . Pastando,balanandoescabeas,

    as manadasmoviam-se parad iante com o riosvagarosos. Raramente

    se ouvia algum som, a noser o g rito melanclicodealgumaavede

    rapina. Essa era a qu ie tude do e te rno comeo, o mundo como

    sempre fora, em estadodeno-ser;pois,atento,ningumestivera

    presente ali para saber que se tratava desse mundo. Afastei-mede

    meus companheiros at perd-los de vista e saboreei a sensaode

    estar inteiramente s. Agora, ali estava eu,o primeiro ser humano

    a reconhecer que aquilo era o mundo, mas que no sabia, nesse

    momento,t-lorealmentecriadopelaprimeiravez.

    A li, o sentido csmico da conscinciatornou-se esmagadora-

    mente claro para m im. "O quea natureza deixa imperfeito, a arte

    aperfeioa",dizem os alquimistas. O homem eu numato invi

    svel de criao, colocou oseloda perfeio no mundo,dando-lhe

    existncia objetiva. Esse atop or ns,emgeral,atribudoexclusiva

    mente ao Cr3dor, sem considerarmosque, ao faz-lo, encaramos a

    vidacomo uma mquina projetada ato ltimodetalhe,que,junta mente com apsiquehumana ,fun ciona insensivelmente,obedecendo

    a regras previamente conhecidas e predeterminadas. Nessa fantasia

    Inanimadade mecanismode relgio, no h qualquerdramado ho

    mem, do mundo ede Deus; no h nenhum "novod ia" levando a

    "novas terras", mas apenas a monotonia de processos calculados.

    Meu velho amigoPueblo surgiu em minhamente.Elepensavaquea

    raison d'tre da seu povoera ajudaro pai o Sol a atravessar ocu todososdias. Euo Invejarapelaplenitude desentidodessacren

    a eprocurara,semesperana,um m ito paromim .Sabia,agora,qualera ele, e sabia mais:que o homem indispensvel concluso da

    criao; que ele prp rio , de fato, osegundo criadordo mundo,e

    que somente ele deu-lhe existnciaob jetiva semaqual.noouvi

    do, novisto, comendo silenciosamente,parindo,morrendo, balan

    ando a cabeadurante milhesdeanos,omundoteriaprosseguido

    namaisprofunda no itedo no-ser,atseufim desconhecido.Acons

    cincia humanac riou a existnciaobjetiva e o sentido,eo homem

    encontrou seu lugar Indispensvel no grande processo de ser.11

    11Ibid.,pp.255-256.

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    Em Resposta aJ, Jungfazessacolocaodemodomaissucinto:"A existncia s realquandoconscienteparaalgum.porissoqueo Criador necessita do homem consciente, muit^m bo ra, por purainconscincia, preferisse impedi-lo de tornar-se consciente ."12 E, mais

    adiante: "Quem quer que conhea Deus tem um efeito sobre E je."13Em sua autobiografia, diz Jung:

    A ta re fa do homem ( . . . ) conscientizar-se dos contedos quepressionam para cima, vindos do inconsciente. Ele no deve per

    sisti r em sua inconscincia, nem tampouco permanecer idnt ico

    aos elementos inconscientes de seu ser, assim se esquivando a seu

    destino, que o de criarcadavez maisconscincia. Tantoquanto

    podemos discernir, a finalidade nicadaexistncia humana6 a deavivar uma chama na escuridfo do simples ser. Pode-se at presu

    m irque,assim como o inconsciente nosafeta,o aumento de nossa

    conscincia afeta o inconsciente.

    E, finalmente:

    Uma vez experimentada [a unio dos opostos], a ambivalncia na

    imagemdeumdeusdanaturezaoudeus-Criadordeixadeapresentar

    dificuldades. Ao contrr io, om itodaencarnaonecessriado Deus

    essncia da mensagem cr ista pode entfo ser entendidocomoo

    confronto cr iat ivo do homem com osopostoso a sntesedeles noeu, a completude de sua personalidade. As contradies internas

    inevitveis na imagem de um deus-Criadorpodem serconciliadas na

    unidade e inteirezado eucomoaconiuncrio oppositorumdosalquimistas, ou como aunio mystica. Na vivnciad o eu,j nSosomaisos opostos "Deus" e "homem que se conc il iam, como anter ior

    mente, massimosopostos naprp ria imagemde Deus. Esseosen

    t ido do cul to div ino, do cul toqueo homem pode prestara Deus:

    que a luz possaemergirdaescurido, que o Criado rpossatornar-se

    consciente de Sua criafo e o homem, consciente de si prprio.

    Essa a meta, ou uma das metas, que insere significativa

    mente o homem no esquema da criao e, ao mesmo tempo, d

    12 C. G. Jung,Psychology and Religon: West and East,CW(ObrasCompletas)11,par.575.

    13Ibid.,par.617.14 C.G.Jung,Memories, Dreams, Reflections,p.326.

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    sentido a ela. um m ito explicativoque tomouforma lentamente

    de ntro de m im, ao longode dcadas. uma meta que posso reco

    nhecer e estimar, e que, portan to , me satis faz.ls

    So essas as principais afirmaes feitas porJungacercadonovomitoemergente.Paramuitos,especialmenteparaaquelessemumavivncia pessoal do inconsciente, essas afirmaessodifceisde compreender.O restantedo presentecaptuloser umatentativadetornaronovomitoalgomaisinteligvel.Anovaidiaessencialque o objetivo da vidahumana a criao da conscincia. A palavra-chave "conscincia".Infelizmente, o sentido vivencial desse termo quase impossvel detransmitir demaneiraabstrata.Talcomoocorrecomosaspectosfunda

    mentais da psique, ele transcende a capacidade de apreenso do intelecto. Porconseguinte,necessriaumaabordagemsimblica e indireta.

    Tratarei a idiade conscinciade modo maiscompletonoprximo cap tulo. Falo, ali, da etimologia da palavra (pgina 34),de ondedepreendemos que a conscincia* em si e a conscincia moral estorelacionadase que a vivncia da conscincia compe-sededoisfatores,o "conhecimento" e o "estar com", isto , conhecer na presena deum "o u tro ", num contexto de dualidade. Simbolicamente, o nmerodois refere-se aos opostos. Chegamosassim conclusode queacons

    cincia nasce, de algum modo, da experincia dos opostos. Comoveremos, a mesma concluso pode ser atingida por outros meios.

    Entendo a conscincia comoumasubstncia,umamatriapsquica, geralmente, mas nem sempre, intangvel e invisvel paraossentidos.O problema da compreenso diz respeito s palavraspsiqueepsquico.At que tenha vivenciado a realidadeda psique,osujeitonoconsegueacompanhar a discusso. Dada a experinciada realidade psquica, po-de-se apreender a idiadeumasubstnciapsquica.Todososcontedospsquicos tm substncia, por assim dizer, se forem vivenciadoscomo

    objetivamente reais. Portanto, oquedistingue a substncia psquicadaconscincia? A conscincia a substncia psquica ligadaaumego,ou.mais precisamente, os contedospsquicosquesoentidadespotenciaisatualizam-se e tornam-se substanciais quandofazemconexocom umego, isto ,quando ingressamnoconhecimentoconscientedo indivduo

    ls Jbid.,p.338.* A palavra conscincia (consciousness) aqui usada como conscincia de

    si, em contraste com inconscincia e/ou inconsciente iunconscious). Sempre quese tratar , no or ig inal, da conscincia entendida no sentido moral (conscience).ser usada a t raduo consc inc ia mora l. IN.daT.)

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    e se transformam num dado aceito da responsabilidade pessoal desseindivduo.

    0 processo pelo qual uma srie de contedospsquicos complexose imagensarquetpicas faz contato como egoe.dessafo rma.

    ge raasubstnc iapsfqu icada conscincia, denominadoprocesso deindividuao. Esse processo tem como trao mais caracterstico oencontro dos opostos, vivenciado primeiramente como ego e inconsciente, eu e no-eu, sujeito e objeto, eu mesmo e o "ou tro". Assim,podemos dizer que, sempre que se vivncia o con flito entre atitudescontrrias, ou quando umdesejoou idiapessoalestsendocontestadopor um "o u tro ", seja de dentro ou de fora, existe a possibilidadedecriar um novo aumento da conscincia.

    As experincias de conflito interno ou externo que se resolvemcriativamente e so acompanhadas por um sentimentodesatisfao e

    por um aprimoramento davidasoexemplosdacriaodeconscincia.Esses encontros, deliberadamente buscados e objetos sistemticos dereflexo, constituem um aspecto essencialdoprocessode individuao,que umauseinandersetzungcontnuo,ouumentrarementendimentocom os contedos que so "outro s" queno o ego, ou opostos a ele.Na alquimia, descreve-se a Pedra Filosofal corno_o_mediadQr__entre osopostos, Num de seus textos, emque a Pedra tem caractersticasfem ininas, ela diz:

    Sou a mediadora dos elementos, fazendo com que um concorde

    com o ou tro: o que quente eu torno fr io, e vice-versa; oque

    seco eu umedeo, e vice-versa; o que duro eu amoleo, e vice-

    versa. Sou o f im e meu amado o comeo. Sou todo o trabalho,e toda a c incia se esconde em m im.16

    Psicologicamente entendido, esse texto nosdiz que, no processode criao da conscincia, seremos a princpio atirados de um ladopara outro, entre estadosde nimoe atitudesopostos. Cada vezqueoego se identifica com umdos ladosdo parde opostos, o inconscienteconfronta o sujeito com o contrrio. Gradualmente, o indivduo se

    torna capaz de vivenciar simultaneamente pontos de vista opostos.Com essa capacidade, em termosda alquimia, nasce a Pedra Filosofal,ou seja,,cria-se aconscincia. Descreve-se freqentemente aPedraFilo sofal comoo produtoda cohiunctio do Sol e da Lua.Paraa psicologia

    16 Mar ie-Lou isevon Franz(org.).Aurora Consurgens, BollingenSeries LX XV II(NovaY ork :Pantheon Books, 1966),p. 143.

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    do homem, oSol corresponde psique consciente e a Lua, ao inconsciente. Assim,d izJung:' Tomar-se conscientedeumcontedoinconsciente equivale sua integrao na psique consciente e . portanto,

    uma coniunction Solis et Lunae."1'Muitas idias mticas e simblicas podem ser vistas agora como

    referindo-se criao da conscincia. A idiagnstica da luz dispersana escurido, necessitando de uma reunio trabalhosa, pertinente,tal como a da grande imagem maniquestadoZodacocomoumavastaroda dgua que mergulha na Terra, colhe em seus doze baldes a luzaprisionada na natureza e a transporta para a Lua e para o Sol.18 ACabala de Isaac Luria tem um profundo simbolismo da mesma natureza. Segundo esse sistema, no incio da criao DeusdespejouSua luz

    divina em potes ou vasos, mas alguns deles no puderam suportar oimpactoda luz. Quebraram-see a luzse entornou. A salvaodomundo exige a reunificao da luz e a restauraodosvasosquebrados.19

    Osimbolismomaisdestacado,pertinentecriaodaconscincia,encontra-se naalquimia. Emboraseustextossejamconfusoseobscuros,a idia bsica da alquimia bastante simples. Oalquimistadeveencontrar a matria certa para comear, aprima matria. Deveento submet-la srie apropriada de operaes transformadoras no vasoalqumi-co, e o resultado ser a produodeumaentidademisteriosaepoderosa,denominada Pedra Filosofal. Sabemosagora,pormeiodaspesquisasprofundasdeJung,queoprocedimentoalqumicosimbolizaoprocessod_e individuao e quea Pedra Filosofal representaa realizaodo eu,ousja,aconscinciadacompletude.UmdosaspectoscruciaisdaPedraFilosofal queela uma uniode opostos. o produ to deumaconi-unctio freqentemente simbolizada pela unio do rei vermelhocom arainha branca, ondeoreiea rainhasignificamqualquerumoutodosospares de opostos.

    O mito alqumico nos diz que a conscincia criada pela uniodosopostoseaprendemosamesmaliocomossonhosdosindivduos.

    Por exemplo:

    Uma mulher sonhou que tinha entrado numa cavernasubterrnea,

    dividida em aposentos que continham destiladores e outros apare-

    17 C. G.Jung,The Symbolic Life, CW18,par. 1703.i8HansJonas,The Gnostic Religion (Boston :BeaconPress, 1958),p. 225.l9GershomScholem,Major Trends in Jewish Mysticism (Nova York: Schoc-

    ken Books,1954),p.265.

    19

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    lhos qumicos de aparncia misteriosa. Dois cientistasestavam tra

    balhando no processo f inal de uma longa srie de experimentos,

    que esperavam levar a uma conclusTo bem-sucedida com a ajuda

    dela. O produto final deveria assumir a forma de cristaisde ouro,

    quetinham deser separadosdolqu ido m atrizresultantedasmuitas

    soluesedestilaesanteriores. Enquanto osqum icostrabalhavam

    com o recipiente,a sonhadoraeseuamantedeitavam-sejuntosnum

    quarto contguo, sendo que seu abrao sexual fornecia a energia20

    essencial cristalizao da substnciaurea de valo r inestimvel.

    H um interessante paralelodesse sonho num texto da alquimia:

    No vedes que a compleio do homem feita de almaecorpo?

    Assim, tambm deveis conjug-los, pois os filsofos, quando pre

    paravam matrias e reuniam cnjuges apaixonados um pelo outro, 21eis que deles ascendia uma gua dourada.

    Oscristaisde ouro e a gua douradapodemserentendidoscomoa essncia da conscincia, sinnimo do Eu.

    Contrariamente s implicaes das imagenserticas,aconiunctiodos opostos geralmente no um processo agradvel. Ela sentida,mais freqentemente, como uma crucificao. A cruz representa aunio do horizontal com o vertical, dois movimentosdirecionais contrrios. Ser pregado nesse con flito pode ser uma agonia raramentesuportvel. Santo Agostinho faz uma identificao surpreendente

    mente explcita entre a coniunctio ertica e a crucificao de Cristo:

    Como um noivo.Cristode ixou seusaposentose seencaminhou com

    um pressgio de suasnpciasparao campodo mundo. (. .. ) Chegou

    ao leito nupcial da cruz e ali, ao nelesubir, consumousuas bodas

    ( . . .) e uniu a si a mu lher , para sempre .22

    A unio dos opostos no vaso do ego o aspecto essencial dacriaodaconscincia.A conscinciaaterceiracoisaaemergir docon-

    20M. EstherHarding, Psychic Energy:Its Source and Goal,BollingnSeriesX

    (Nova York:Pantheon Books, 1947),p.450 .21 A. E. Walte (org.),The Turba Philosophorum (Londres:William Riderand

    Son Ltd., 1914),Dictum42,p. 134.22

    Citadoem C. G.Jung,Mysterium Coniunctionis,CW14,par.25,nota176.

    20

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    f li to da dualidade. Do ego como sujeito versus o ego como objeto;do ego como agente ativo versus o ego como vtima passiva; do egocomo louvvel e bom versus o ego como condenvel e mau; de umconflito de deveres mutuamente exclusivos de todosesses conflitosparalisantes pode emergir a condio terceira, a condio transcendente, que constitu i um novo quantum de conscincia.

    Essa forma de colocao revela o fato de que o simbolismodaTrindade refere-se. psicologicamente, criaco da conscincia. O Paie o Filho, como Deus e o homem, so opostosquesechocamnacruz.O Esprito Santo, como o terceiro conciliador, emerge desse choque

    procedente do Pai e do Filho.23 Assim, o Esprito Santo (Parclito)s pode aparecer aps a morte do Filho, ou seja, a conscincia chegacomo fruto do conf li to da dualidade. Portanto, pde Cristo dizer:

    ( .. .) de vosso interesseque eu me v; porque,se eu nffo for , novir a vs o Consolador (Parclito); mas, se for, enviar-vo-lo-ei. E

    quando ele vier, argir o mundodo pecado,edajustia,edojufzo

    [osopostosesuaresoluo],(Joo,16:7-8;versocomumrevista.)*

    O Consolador o Esp rito Santo, queensinar "todas as coisas"(Joo,14:26)eguiaroshomenspara"todasasverdades"(Joo,16:13).Psicologicamente, essas afirmaes referem-se ao momento em

    que todos os egos individuais se tornaro vasos potenciais para o valortranspessoal da conscincia. Como afirma Jung:

    A ftu ra morada do Esprito Santo equivale encarnao contnuade Deus.Cristo,comoo filh o de Deus,geradoemediador preexisten

    te, um primognito e um paradigma divino,queser seguido por

    encarnaes posteriores do Esprito Santo no homem emprico.

    Assim, as afirmaes bblicas acerca do Parclito antecipam onovo m ito, quev cadaego individual, potencialmente, como umvasopara carregar a conscincia transpessoal. 0 que o Senhor disse sobrePaulo acaba por aplicar-se a todos: " . . . e$te para mim um vasoescolhido para levar o meu nome (.. .)" (Atos, 9:15; verso autorizada.)

    23 Ver o ensaio de Jung "A Psychological Approach to the T r in i ty , inPsychology and Religion, CW11,pars. 277-279.

    * Edio Barsa, 1968, trad. do Pe. Antn ioPereirade Figueiredo.UV.da T.)24 C. G.Jung,Psychology and Religion.CW11,par.693.

    21

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    A imagem do ego como um vaso conduz importante idiadeele ser umportador da conscincia, ou seja, uma encarnao do sentido transpessoal. Duas principais figuras arquetpicas tm represen-

    ti3 o essa idia na cultura mundial, a saber, Buda e Cristo. Somosafortunados por possuir essas duas figuras. Havendo duas, surge apossibilidade de comparao e objetividade. Se houvesse apenas umafigura personificando o valor supremo, ela s poderia ser venerada,mas no entendida. Com a presena de duas, descobrimos a terceiracoisa separada que ambas compartilham; oentendimento e uma conscincia maior tornam-se ento possveis. O que Cristo e Buda tm emcomum a idia do portador da conscincia. Caracteristicamente, aimagem que emerge do Ocidente representa o pontQjdevistado ego,eaque derivado Oriente faladoponto devistado Eu.Juntas, revelam

    um parde opostos. O Cristo crucificado e o Budameditativorepresen-tam a conscincia enquanto agonia e a conscincia enquanto serenabem-aventurana de um ldo. a aceitao tota l da sujeiomatriae, de outro, a total transcendncia do mundo. Unidas, retratam osdois lados do portador da conscincia^

    A idia do indivduo como um recipiente para a conscinciatraz mente o simbolismo do Santo Graal. Enquanto continentedosanguede Cristo, o Graal porta adivina essncia extradadeCristoemsua experincia derradeiradosopostos aconiunctio da crucificao.Em muitos aspectos, o sanguedeCristo corresponde aoEspritoSanto

    como Parciito.2S Assim como o Esprito Santo deve encarnar-se nohomem emprico, tambm o sangue de Cristo tem de encontrar umvaso continente na psique do indivduo, criando para si, desse modo,um Santo Graal.

    Com base em nosso conhecimento emergente do inconsciente,ampliou-se a imagem tradicional de Deus. Deus tem sido tradicionalmente retratado como todo-poderoso e onisciente. A Divina Providncia era vista como guiando todas as coisas, segundo inescrutveismas benevolentes desgnios divinos. A medida da conscincia divinano recebeu muitaateno. O novo m ito amplia a imagemdeDeus,ao

    introduzir explicitamente a caracterstica adicional da inconscincia

    de Deus. Sua onipotncia, oniscincia e desgniosdivinosnemsempreso dEle conhecidos. Para conhecer-Se, Ele precisa da capacidade dohomem de conhec-Lo. Em certo sentido, isso indica um conheci-

    25 * -Para uma discuss3o adicional dessa idia,ver Edward F. Edinger,Ego and

    Archetype (NovaY ork :G .P.Putnam'sSons, 1972),p.243.

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    mento renovado da realidade do Deus menos diferenciado, ciumentoe irado do Velho Testamento, com quem o homem precisava argu

    mentar. Os opostos divinos, que foram separados pelo cristianismoem antagonistas eternos Cristo e Satans , comeam agora a reunir-se conscientemente no vaso da psique moderna.

    O novo mito postula que o Universo criado e sua flor maisdelicada, o homem, fazem parte de um vasto empreendimento para acriao da conscincia; que cada indivduo constitui uma experinciasingular nesse processo, e que a soma tota l da conscincia criada porcada indivduo ,ao longo da vida depositada, como um acrscimopermanente, no tesouro coletivo da psiquearquetpica. Falando sobre

    o psicoterapeuta, diz Jung:

    Ele n5o trabalha apenas para este ou aquele paciente especfico,

    que pode ser bastante insignificante, mas tambm para si prprio

    e por sua prp ria alma, e, assim fazendo, talvezestejadepositando

    uma part cu la inf in itesimal na balana da alma da humanidade.

    Por pequena e invisvel que possa ser, essa con tribuio aindacons

    t it u i um opus magnum}6

    Certas imagens mticas parecem sugerirque asrealizaesdavidapessoal eterrena transferem-separaombitodivinoouarquetpico.Porexemplo, na religio egpcia primitiva, pensava-se que os mortoseramtransformados em estrelas ou em companheirosdo Sol. EscreveJamesBreasted:

    No esplendor do poderoso f irmamento, o habitante do Ni lo ( . . . )

    via a mult ido daqueles que o haviam precedido; para l t inham

    voado como pssaros, elevando-se acimadetodos osinimigosdo ar,

    e, recebidos por R como companheiros em sua barca celestial,

    27navegam agora pelo cu como estrelas eternas.

    Um texto de pirmide descreve o traslado do rei morto para odomnio celestial com as seguintes palavras:

    O rei sobe aos cus entre os deuses que moram no cu. (. . . ) Ele

    (R) te d o brao na escadaria para ocu. "Aqueleque conhece

    26 C.G.Jung,The Practice of Psychotherapy,CW16,par.449.27

    James Breasted,A History of Egypt (Nova York :Charles Scribner'sSons,1937),p.64.

    23

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    seu lugar est chegando", dizem osdeuses. Purssimo,toma teu

    trono na barca de R e navega pelo cu. (...) Navega com as Es-28

    trelas Imperecveis, navega com as Estrelas Incansveis.

    Imagens semelhantes ocorrem no simbolismo cristo, em queos justos subiro aos cus aps a ressurreio; assim, escreve Paulo:

    Eisque vos dou a conhecer um mistrio:que nemtodosmorrere

    mos, mastodos seremostransformados. Issoacontecer num instan

    te, num abrir e fechar de olhos, ao somdatrombeta final. Pois a

    t rombeta tocar e os mor tos ressurgiro, incor rup tve is , e ns

    seremos transformados. Com efeito, necessrio que esteser [ . . . ]

    mortal revistaa imortalidade. (ICor.15:51-53;B bliadeJerusalm.)*

    A figura do Cristo apocalptico fazuma promessa semelhanteno

    Apocalipse:

    Ao que vencer, fa re i dele uma coluna no templo do meu Deus,

    e da nunca mais sair. E escreverei sobre eleo nomedo meu Deus,

    e o nomedacidadedo meu Deus, a nova Jerusalm,quedescedo

    cu, de junto do meu Deus, e o meu prprio nome. (Apoc. 3:12;

    Bblia inglesa moderna.)*

    Psicologicamente entendidos, esses textos referem-se transfernciaou ao traslado da vida temporalepessoaldo egoparaodomnioeterno e arquetpico. de se supor que as realizaes essenciais da

    instncia egica, o montante total da conscincia acumulada, depositem-se por intermdio de umasublimatio final notesouro arquetpicocoletivo da humanidade. Jung parece estar dizendo o mesmo aodescrever as vises que teve quando beira da morte:

    Tive a sensao de que tudo se desprendia. ( . . . ) No obstante,

    algo restou; era como se eu agora levasse comigo tudo o que vi-

    venciara ou fizera, tudo o que acontecera minha volta. (. ..) Eu

    consist ia em minha prpr ia h is tria e senti com grande certeza:29

    issooquesou.

    O sonho de um homem, pouco antes de sua morte, apresentauma idia semelhante:

    28James Breasted,Development of Religion and Thought in Ancient Egypt(Nova Yo rk:HarperTorch Books,1959),p. 136.

    * Adaptaes baseadasemediodaImprensaBblicaBrasileira,1952.IN. da T.)29 C.G.Jung,Memories, Dreams, Reflections,pp.290-291.

    24

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    Designaram-me uma tarefa quase que demasiado difc il paramim.

    Um toro de madeira dura e pesada encontrava-se coberto na f lo

    resta. Eu devia descobri-lo, serr-lo, ou cort-lo de modo a obter

    uma pea circular e nela entalhar um desenho. O resultado t inha

    que ser preservado, custasse o que custasse, como representando

    alguma coisaque nomais voltaria a oco rrer e queestavaem risco

    de perder-se. Ao mesmo tempo, deveria serfeita agravaodeuma

    f i ta, descrevendo com datalhes o que era aquilo, o que represen

    tava, e seu signif icado completo. No f inal, a prpriacoisae a f i ta

    t inham que ser doadas biblioteca pblica. Algum disse queso

    mente a biblioteca saberia como impedirqueafita se deteriorasse. . 30numprazodecincoanos.

    O sonho foi acompanhado de um desenho da pea circularquese assemelhava ao desenho abaixo:

    Entendoo sonho como referindo-se ao depsitodo esforoindividual de uma vida no tesouro cq|etivo ou transpessoal (a biblioteca).

    O objeto entalhado e a gravao em fita podemser considerados equivalentes, uma vez queo desenho do objeto assemelha-se exatamente aum carretel de gravador. Issopoderiasugerirqueatarefad ifci l envolvea transformao da madeira em palavra, isto, da matria emesprito.

    Baseada na "Comunho dosSantos",ateologiacatlicaelaboroua idia de um "tesouro de merecimentos", acumulado pelas vidasdeCristo e dos Santos. Um telogo catlico escreve:

    Se o merec imento propriamente d i to no diretamente transfe

    rvel entre os membros da sociedade crist, ao menosa satisfaopode ser transferida, quase como um homem pode pagaradvida

    de um amigo. A satisfao infinita do Senhore a satisfaosupera

    bundante da Virgem Maria e dossantosformam um tesouroque a

    Igreja guarda e administra, recorrendo a ele parao pagamentodas

    dvidasperdoadasaosfiispormeiodeindulgncias.31

    30 Edinger.Ego and Archetype,pp.218-219.31 A. Boudinon,"Indulgences",Encyclopedia of Religion and Ethics,org.por

    James Hastings (Nova Yo rk: Charles Scribner's Sons, 1922), V II, pp. 253-254.

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    se depositam na alma coletiva. Essa fama no "cresceemsolomor tal",isto , nodependede serconhecida pelos homens, masexistenocu,o domfnio arquetpico. A fama desse tipo corresponde descriode

    Milton para o bom livro:"O precioso fluxo vital de uma mentesuperior, conservado e guardado intencionalmente como um tesouro parauma vida alm da vida ."32

    O fato de nossa poca serum tempodemortee renascimentodeum mito central indicado pelossonhose revolues do inconscientede muitos indivduos. Os terapeutasda psicologia profunda, quetrabalham com os produtos do inconsciente, esto numa posio singularpara observar o turb ilho da psique coletiva. As imagens apocalpticasno so incomuns. Aqui estumexemplo notveldeumdessessonhos:

    Eu estava caminhando pelo que pareciam osPalisadesetinhaumaviso global de toda a cidade de Nova York. Caminhavacom uma

    mulher que eu, pessoalmente, no conhecia, e ramosambos con

    duzidosp or um homem que eranosso guia. NY estava aos cacos

    do fato, atondesabamos, om undofora destrudo. Toda NY era

    apenas um monte de entulho; havia incndios por toda parte,mi

    lhares de pessoas corriam freneticamente em todas as direes, o

    Rio Hudson havia inundadomuitasreasdacidadeeenormesondas

    de fumaa se erguiam por todos os lugares. At ondeeu podiaver,a Terra fora arrasada. Era a hora do crepsculo;haviabolasdefogo

    no cu, que vinham na d ireo da Terra. Era o f im do mundo, a

    destruio total de tudo o que o homem e sua civilizao haviam

    construdo.

    A causa dessa grande destruio era uma raa de gigantes

    enormes gigantes quevieramdo espao sideral,dosmais longn

    quos recnditos do universo. Em meio ao entulho, pude ver dois

    deles sentados; estavam casualmente pegando punhadosdo pessoas

    na concha das mose comendo. Tudo isso erafe ito com a mesma

    naturalidade com que nos sentamos mesa e comemos uvas aos

    punhados. A viso era aterradora. Nem todos osgigantes eramdo

    mesmo tamanho ou exatamente da mesme estrutura. Nosso guia

    explicou que os gigantes eram de planetas diferentes eviviamjun

    tos, harmoniosa e pacif icamente. Ele tambm explicou que os gi

    gantes haviam aterrissado em discos voadores (as bolas de fogo

    eram outras aterrissagens). Na verdade, a Terra, tal como a conhe-

    32 John M i lto n , "A re opag itic a",Complete Poems and Major Prose,org.porMerrittY . Hughes(NovaYork:Odyssey Press, 1957),p.720.

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    cemos, fora concebida por essa raa de gigantes no princpio dos

    tempos, tal como o conhecemos. Eles haviam cultivado nossa civi

    lizao assim como cultivamos plantas numaestufa. A Terraera a

    estufa deles, por assimd izer, e agora tinham retornado para colher

    os frutos que haviam semeado, mas haviaumaocasioespecialparatudo isso, da qual eu s teria conhecimento mais tarde.

    Fui salvo porque tinha a presso sangnea ligeiramentealta.

    Se tivesse uma presso sangnea normal ou se ela fosse demasiado

    alta,eu teria sidocomido como quase todosos outros. Emvirtude

    deeu ter a presso sangnealigeiramenteelevada (hipertenso),fu i

    escolhido para passar po r essa provaoe,sepassassep or ela, eume

    transformaria, comomeu guia, num "salvadordea lmas".Caminha

    mosdurante um tempo extraordinariamente longo,testemunhando

    toda a destruio cataclsmica. Ento, vi diante dem imumenorme

    t rono de ouro, que era to bri lhante quanto o Sol, impossvel deencarar diretamente. No trono estavam sentados o rei e a rainha

    dessa raade gigantes. Eram eles, at onde eusabia,asinteligncias

    por trsda destruio de nosso planeta . Haviaalgumacoisaespecial

    ou extraordinria a respeito deles, de que s t ive conhecimento

    mais tarde.

    A provao outarefaqueeutin ha deexecutar,almdeteste

    munhar a destruio do mundo, era sub iressaescadariaatficarno

    mesmo nvel queeles "caraac ara" comeles.Issosedaria,prova

    velmente,emetapas. Inicieiasubida;era longaemuito d ifc il,emeu

    coraoba tia comm uitafora. Eume sentiaaterrorizado,massabia

    que tinha que completar atarefa: omundo eahumanidadeestavam

    em jogo. Acordei desse sonho transpirando intensamente.

    Mais tarde, dei-me conta de que a destruioda Terra pela

    raade gigantesera umbanquete de casamentoparaoreiearainharecm-unidos; essa era a ocasio especial, bem como a sensao ex

    traordinria que eu sentira acerca do rei e da rainha.

    Os sonhos desse tipo iro compor as escrituras do novo mito.Esse no um sonho pessoal e no deve ser interpretado personalis-ticamente. um sonhocoletivo, que expressaoestado dapsiquecole

    tiva. Oito dias antes da morte, Jung disse ter tido umavisoem quegrande parte do mundo fora destruda, mas acrescentou: "no todoele,graasaDeus".33 Anos antes,elehaviaescritosobre

    33 Hannah,Jung:His Life and Work,p.347.

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    o cl ima de destruio e renovao universais que estabeleceu um

    marco em nossaera. Esse climasefazsentiremtodaparte,po ltica ,

    social e fi losoficamente. Estamosvivendo noque os gregos chama

    vamokairos o momentocerto paraa "metamorfosedosdeu-34

    ses", dos pr inc pios e s mbolos fundamentais.

    Osonho que apresentei retrata esse climade "destruio e renovao universais". Demaneira surpreendente,ele utiliza a mesma imagem da colheita, tal como apareceno Apocalipse,em que um anjodizao ou tro : " . . . Lanaa tua foice, e sega;jvindaahoradesegar,porque j a seara da terra est madura. E aqueleque estava assentadosobre a nuvem meteu a sua foice terra, e a terrafoi segada.'' (Apoc.

    14:14-16; Bblia de Jerusalm.)O quesignifica sercomido por gigantes ou sersegado poranjos?

    Significa que o sujeito fo i engolido por dinamismosarquetpicos, no-humanos. O ego autnomo, cuja postura isolada em oposio aosinstintos e arqutipos a condio sine qua non da conscincia,caiunuma identificao fatal com os arqutipos. Para o indivduo, issosignifica a psicose ou a psicopatiacrim inal. Para a sociedade, significaa desintegraoestrutural e adesmoralizaocoletivageral,acarretadaspela perda do mito central, que havia sustentado e justificado a exte

    nuante tarefa de ser humano. Nas palavras de Yeats: "Aos melhoresfalta toda a convico, enquanto os piores/ Esto repletosde intensidade apaixonada." Assim fo i nosdias de declniodo ImprioRomano,aos quais se refere o Apocalipse,e assim ameaa sernosdias de hoje.

    O sonhador fo i salvodessedestino porque tinha a "presso sangnea ligeiramente alta". Esse no era um fato externo e nohouvequaisquerassociaes pessoais,demodoqueficamoscomosimbolismogeral. O sangue a essncia da vida, mas diz respeito, em especial, vida afetiva desejo, paixo, violncia. A intensidade apaixonada

    perigosa, como Yeats deixa implcito em sua frase "A mar tinta desangue se espraia". A presso sangnea muito alta talvez indicasseuma intensidade maior de afetos primitivos do que poderia ser assimilada pelo ego. Essa pessoa seria "consumida" pelas energias arque-tpicas primitivas (gigantes) no contato com elas. A presso normal,por outro lado, sugere uma branda falta de reao aos tempos anormais. "co rreto" para o homem moderno que ele tenha distrbios,que tenha a presso ligeiramente alta. Esta indicaque seu sistema in-

    34 C.G.Jung,Civilization in Transition,CW10,par.585.

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    terno de alarme ainda est intacto e queexistealgumachanceparaele.Sua ansiedade ir incit-lo reflexo e aosesforosquepodemserpreservadores da vida. Uma atitude complacente, ao contrrio,embala oindivduo numa falsa sensao de segurana e, desse modo, ele fica

    bastante despreparado para o encontro com o inconsciente coletivoativado (a invaso dos gigantes).Subiraescadariapertenceaosimbolismoalqumicodasublimado.

    Essa operao envolve a transferncia de matria do fundo do frascopara o topo, atravsda volatilizao. Em termos psicolgicos,refere-seao processo pelo qual os problemas, conflitos e acontecimentos pessoais e particulares so entendidos a partir do alto, de uma perspectiva mais ampla, como aspectos de um processo maior, sob o prismada eternidade. Desde que tenha subido a escadaria, o sonhador irencontrar-se cara a cara com o rei e a rainhaqueesto no trono. Essa uma imagem profunda do processodeencontrare suportar a unio

    dos opostos. umatarefa trabalhosa, comoo sonhodeixa claro, mas a nica maneira de evitar ser consumido pelos arqutiposativados.

    Osopostossoinicialmentevivenciadoscomoconflitosdolorosose paralisantes, porm suportareelaboraressesconflitospromoveacriao da conscincia e pode conduzira um vislumbre do Eu como umaconiunctio. Comodiz Jung: 'Todos osopostossodeDeus;porconseguinte, o homemdevecurvar-seaessefardo ;e,assimfazendo,descobrir que Deus, emSeu 'pareamentodeopostos',tomou possedele,encar-nou-Se nele.O homem se tornaum vaso repletodeconflito d iv in o ."3S precisamente esse o "cu lto divino ( ... ) queo homem podeprestara

    Deus"36 e que, de acordo com esse sonho, o que se exige para asalvao.

    Outro produtodoprocessodesublimatiochamouminhaateno.Foi a visodeumamulherquemostravacomoseriaahistriadahumanidade vista de uma altura e distncia imensas:

    Eu vi a Terra coberta por uma nica rvoregrande,cujasmltiplas

    razes elimentavam-sedo Sol Inte rior deouro, o lumen rwturae.Erauma rvore cujos ramos eram feitos de luz e cujosgalhosestavam

    amorosamente entrelaados, demodo que isso fazia dela uma rede

    de amor harmonioso.

    E ela parecia estar-seerguendo dassementesfragmentedasdemuitos e incontveis egos que agora permitiam que brotasse o Eu

    35 C.G.Jung,Psychology and Religion,CW11,par.659.36 C.G.Jung,Memories, Dreams, Reflections,p.338.

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    nico. E quando se contemplava isso, o Sol e a Lua e os planetas

    transformavam-seemalgom uito ,m uito diferentedoquesepensara.

    Doque pude depreender, o prp rio Deuserao Alquimistae,

    da aglomerao e sofrimento, da ignorncia e poluio coletivos.Ele "experimentava" o ouro.37

    Uma caracterstica notvel do novo mito sua capacidade deunificar as diversas religies atuais do mundo. Ao encarar todas asreligies em atividade como expresses vivas do simbolismo da individuao, isto , o processo de criao da conscincia, lana-se umabase autntica para uma verdadeira atitude ecumnica. O novo mitono ser mais um mito religioso, competindo com todos os demais

    pela devoo do homem, masantes ir elucidare validartodas as religies atuantes, dando expresso mais consciente e abrangente a seusentido essencial. O novo mito podeserentendidoevividoemumadasgrandes comunidades religiosas, tais como o Cristianismo Catlico,o Cristianismo Protestante, o Judasmo, oBudismo,etc., ou emalguma comunidade nova ainda a ser criada, ou ainda por indivduos semligaes especficas com comunidades. Essa aplicao universal o habilita genuinamente a ser chamado "cat lico".

    Pela primeira vez na histria, dispomos agora de uma compre

    enso do homem to abrangente e fundamental que pode ser a baseda unificao do mundo primeiro, religiosa e culturalmente e, nodevido tempo, politicamente. Quando indivduos em nmero suficiente forem portadores da "conscincia da completude", o prpriomundo se tornar completo.

    Em resumo, delineei os contornos de um novo mito que acredito estar emergindo da vida e da obra deJung. Esse mito no umcredo, e sim uma hiptese, baseada em dadosempricose compatvelcom a conscincia cientfica. O novo mito nos diz que cada ego indi

    vidual um cadinho para a criaoda conscincia e um vaso para servir de continente dessa conscincia, isto ,umvaso para a encarnaodo Esprito Santo.

    A psique individual o Santo Graal. santificada poraquiloquecontm. A conscincia a substncia psquica produzida pela experincia dos opostos, vivenciada. no s cegas, mas num vvido estadode alerta. Essa experincia aconiunctio, omysterium coniunctionisque gera a Pedra Filosofal simbolizadora da conscincia. Cada indivduo, em maior ou menor grau, um participante da criao cs-

    3 7 Soug ratoaA .O. Howe ll pelapermissoparacita ressaviso.

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    mica, umdosbaldesda grande rodade luzmaniquesta,que contribu icom seu "tan tinh o" para o tesouro cumulativo da psiquearquetpicarealizada.

    Cada experincia humana, na medida emque conscientementevivida, aumenta a soma total de conscincia no universo. Esse fato

    proporciona sentido a todas as experinciased a cada indivduo umpapel no drama mundial e permanente da criao.

    Oanoemestreegpc io Bes (associadocomadeusameegpcia),comosolhosdeHrus.

    (Figuraembronze,Egito,c.culoVIa.C.;Louvre,Paris)

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    O Sent ido da Conscincia

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    . . . ser e saber so idnticos, pois,

    quando uma coisa no existe, ningum a conhece,mas o que quer que tenha mais ser mais conhecido.

    MeisterEckhart

    O objetivo da psicoterapia arigor,detodasasformasdedesenvolvimento psicolgico ograu mximodeconscientizao.A cons

    cincia e tudo o que elasignificasoovalormaior.Mas,oque significaconscincia? Um dicionrio de filosofia fornece a seguinte definio:

    Conscincia:* (Lat.conscire, conhec8r, tercogniode) Designaoaplicada menteconsciente, em contrastecomumamentesuposta

    mente inconsciente ou subconscienteecom todo omb itodofsico

    e do imaterial. A conscincia geralmente considerada como um

    termo indefinvel, ou melhor, um termo que s definvel atravs

    do recurso introspectivo direto s experinciasconscientes. A inde-

    finibilidade da conscincia assim expressa por

    Sir Wi lliam Ham i l

    ton : " A conscincia no pode ser definida: podemos estar inteira

    mente cientes do que a conscincia, mas no conseguimostrans

    m itir a outrem, sem confuso, umadefiniodaquilo que nsmes

    mos apreendemos com clareza. A razo simples:a conscinciaest

    nabasedetodoconhecimento." [Lectures on Metaphysics, I , 191.11

    *Aquitraduzindooinglsconsciousness. {N. da T.)1 Dagobert D. Runes (org.).Dictionary of Philosophy (Nova York: Philoso

    phical Library, 1960),p.64.

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    Essa descrio nada nos diz alm do fato de que a conscinciano pode ser definida.

    Em Tipos psicolgicos, d iz Jung:

    Entendo como conscincia a relaodoscontedos psquicoscom

    oego.namedidaemqueessarelao6percebidacomotalpeloego.As relaes com o egoque no so percebidascomota lsoincons

    cientes. A conscinciaefu no ou atividadequesustentaarelao

    doscontedos psquicos com o ego. A conscincia no idntica

    psique, pois a psique representa a totalidade dos contedos psquicos, e estes no esto necessariamente, em sua totalidade, direta

    mente ligadosaoego, isto , relacionados com elede tal modoque

    assumam a qualidade da conscincia.2

    Essa afirmao fornece aomenos um ponto de partida paraumadescrio fenomenolgica da experincia da conscincia;afirma tambm, explicitamente, o importante fato de queo egoo portadOLdqconscincia.

    Podemos ir adiante, examinando o lado inconsciente do termoconscincia, ou seja,sua etimologia. Conscious [consciente],derivadecon ou cum, que significa "com " ou "juntamente com ",escire, "sabe r" ou "ver". Tem a mesmaderivaodeconscience[conscinciamora l] .* Assim,osentidodoradicaldeconscincia,emambasasacepes, "conhecercom" ou "ver com" um "o u tro ". Em contraste, apalavracincia, que tambm deriva de scire, significa simplesmente conhecer,isto , conhecersem o "estarcom ". Portanto,etimologicamente,otermoindicaqueosfenmenosdaconscincia [conciousness]daconscin

    ciamoral [conscience] so algo correlatos e que aexperinciadaconscincia compe-se de dois fatores:o "conhecer" e o "estar com". Emoutras palavras, a conscincia a experincia de conhecer juntamentecom um outro, isto , num contexto de dualidade. Examinarei agoraas implicaes dessa afirmao.

    O conhecer

    Um dos lados do fenmeno da conscincia o ato de conhecer uma funo mental que,emltima anlise,to misteriosaquantoo

    2 C. G.Jung,Psychological Types,CW6,par.700.* Aqu i. o te rmo ingls conscience. O exame e timo lg ico aqui f e it o pe

    lo au tor refere-se aosdoisvocbulos,consciousness econscience,cujasdiferentesacepes so abrigadas, em portugus, numa s palavra:conscincia. (N.daT.)

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    termo estreitamente correlato a ela: conscincia. Um ramo inteirodafilosofia a epistemologia dedica-seexclusivamente aos problemase limites do conhecimento. Minha abordagem, contudo, no filosfica, e sim psicolgico-emprica, e atravsdesse mtodo possvel elaborar, ao menos descritivamente, a experincia do conhecer.

    A funo psicolgica de conhecer ou ver requer, em primeirolugar, que a experincia indiferenciada e difusa seja cindida num suje ito e num objeto, o conhecedor e o conhecido. Essa diviso primordial da unicidade original corresponde descrio de Erich Neumannsobre a separao entre os pais do mundo. A separao entre o Pai

    Cu e a MeTerra,ou entre a luz e a escurido, o evento cosmog-nico original queassinala o nascimento da conscincia enquanto capacidade de conhecer. Como diz Neumann: "Esse ato de cognio, dediscriminaoconsciente, divide o mundo em opostos,poisaexperincia do mundo s possvel atravsdos opostos."3 O ego separa-sedopleroma, o sujeito do conhecimento separa-se do objeto do conhecimento, e assim se torna possvel o ato de conhecer.

    O processo cosmognico original de separaro sujeito do objetoprecisaserrepetidoa cada novo incremento da conscincia. Cada vez

    que o ego recai num contedo inconsciente, s pode conscientizar-sedele atravsdeum atodeseparaoque lhepermitaverocontedopsquico emergente e, desse modo, desidentificar-se dele. Um smbolodesse processo desepararo sujeito do objeto, o conhecedor doconhecido. oespelho. Oespelho representaa capacidadedapsiquedeperceber objetjyamente, de distanciar-se do jugomortfero do cruexistirprimordial. Schopenhauer descreve isso com as seguintes palavras:

    [ ] realmente maravilhosover como ohomem, almdesuavidano

    concreto, vive sempre uma segunda vida noabstrato. Na primeira,fica abandonadoa todosos tum ultos da realidadee influnciado

    presente; tem que lutar, sofrer e morrer comoos animais. Mas sua

    vida no abstrato, tal como se coloca diantedesua conscincia ra

    cional, o reflexo sereno de sua vida no concreto e do mundo em

    que ele vive. ( .. .) A li,tiaesferadadeliberaotranqila,aquiloque

    antes o possua por completo e o comovia intensamente parece-lhe

    frio , incolor e, nesse momen to,distantee estranho;ele um mero

    espectador e observador. Em respeito a esse recuo para a reflexo,

    3 Erich Neumann, The Origins and History of Consciousness (Nova York: Pantheon Books, 1954),p. 104.

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    ele como um atorque representou seu papel numecenaeocupa

    seu lugar na platia at que precise aparecernovamente. Naplatia,

    assiste silenciosamente a tud o o que possaacontecer,aindaque isso

    seja a preparaode suaprpria m orte (napea);mas,depois,torna*

    a entrar no palco, e representa e sofre como deve fazer.

    A capacidade de transformar um complexo inconscientequenosretm presospelo pescoo numobjeto do conhecimento umaspectoextremamente importante para o aumentoda conscincia. Ampliandoa analogia deSchopenhauer, como sealgumque lutasseporsuavidana arena fosse magicamente transportado para a posiodeespectador arealidadedesesperadora transforma-senuma imagemparaacontemplao e o sujeito, enquanto "conhecedor", afastado sem sofrernenhum dano.

    Essa idia aparece no texto apcrifodos AtosdeJoo. No momento da crucificao, Joo no suportou testemunhar o sofrimentode Jesus e fugiu para o Monte das Oliveiras. Ali, Jesus lhe apareceunuma viso e explicou o sentido da crucificao, isto , permitiu queJoo a contemplasse como uma imagem objetiva. Embora a multidopensasse que Jesus, o homem, estava sendo crucificado, Joo fo i instrudo a encarar a crucificao simbolicamente:

    E o que significam estas coisas oque tedigo agora, poisseique

    compreenders. Percebe tu em mim , portanto,o louvorda Palavra

    [Lo gos], a penetrao da Palavra, o sangueda Palavra, a ferida da

    Palavra, o enforcamento da Palavra, o sofrimento da Palavra, a cra

    vao [fix a o ] da Palavra eam ortedaPalavra,eassimfaloeu,isolandoa humanidade [isto , afastando os elementospessoais]. (...)

    E depoisde dizer-me essas coisas,eoutras que no sei dizer

    tal como Elequereria queo fizesse, Elefoi levado para oalto,sem

    que nenhuma das multidesotivesse visto. E,quandodesci, ri-me

    com escrnio de todoseles (. . .) retendof irmementeemm im uma

    coisa:que o Senhor concebeu todas as coisassimbolicamente epor

    uma graa con ferida aoshomens,paraaconversoesalvaflodeles.s

    4 Arthur Schopenhauer, The World as Will and Representation, t raduode E. F.J.Payne (NovaYork :DoverPublications, 1969),I,p.85.

    5 M. R.James,The Apocryphal New Testament (Londres:Oxford UniversityPress,1960),p.256.

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    Antes disso, no captulo 95 dos Atos de Joo, Jesus dissera aseus discpulos: "Sou um espelho para vs que me percebeis."6 E,no captulo 96, diz Ele: "Mira-te em mim (...) observa o que fao,

    pois tua esta paixo da carne que estou prestes a sofrer."7Nesse texto, Jesus instrui o discpulos sobre como separar o

    sujeito do objeto, como perceberem a experincia como um espelhoque proporciona uma imagem do sentido,_e_no como uma angstiacatica. Isso corresponde imaginao ativa ou reflexo meditativa, capazesde transformar umestado denimoopressivonumobjetodo conhecimento, atravs da descoberta da imagem significativa queest no bojo do estadode esprito. Ao descreverseu prprio encontro

    decisivo como inconsciente,dizJung:" medidaqueconsegui traduziras emoes em imagens ou seja, descobrir as imagensque estavamocultas nas emoes fui internamente acalmado e reanimado."8

    O exemplo mitolgico clssico do valor da separao do su;je ito e do objeto pelo poder da reflexo encontra-se no mito de Pr-seu e Medusa: olhar diretamente para a Medusa equivale a ser transformado em pedra, ou seja, ela representa um contedo psquicoque destri o ego; s pode ser dominada se for vista atravs de seureflexo no escudo espelhado que Atena entrega a Perseu.

    Considero que o escudo espelhado de Atena simboliza, emltima instncia, o processo da prpria cultura humana, que redimeo homem do horror medusiano destrutivo do ser em estado bruto.A linguagem, a arte, o drama e a aprendizagem proporcionam o espelho de Atena humanidade, permitindo que a psique emerja ese desenvolvi. O que Shakespeare diz sobre odramaaplica-se a todasas formas de cultura: elas sustentam o espelho diante da natureza.9

    Schiller descreve do mesmo modo a funo da arte:

    [A f inalidada sria da arte genuna] no apenas t raduzir o serhumano num sonho momentneo de l iberdade, mas, na verdade,

    tomdlo l ivre. E o consegue despertando nele um poder e usandoe desenvolvendo esse poder para 8fastar para uma distncia de

    6 Ibid., p.253.1 lbid.,p.254.8 C. G. Jung, Memories, Drcams, Reflections (Nova York: Pantheon Books,

    1963),p. 177.

    9 Hamlet,ato3,cena2,linha25.

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    objetividade o mundo sensorial, que, de outro modo, s faz ver

    gar-nos como matria-prima e oprimir-nos como umafora cega.10

    E Nietzsche exprime uma idia semelhante, ao dizer que "atarefa realmente sria da arte [ ] poupar os olhos de fitarem os hor

    rores da noite e livrar o sujeito, pelo blsamocurativo da iluso,dosespasmos das agitaes da vontade ''.11

    Qs sonhos e a fantasiaiatendem a essa mesmafuno especular.Por exemplo, um homem nos estgios mciis~d anlise sonhou queolhou para um espelho e se surpreendeu ao ver que seu rosto era o

    rosto de seu pai. Esse homem estava identificado comopai e vivia odestino infeliz desse pai. O sonho fo i um espelhoque lhepermitiu veresse fato: transformar sua identificao com opai num objetodo conhecimento. Assim, o sujeito do conhecimento (o ego) separou-sedoobjeto do conhecimento (a identificao comopai) eosonhadordeuoprimeiro passo para sairdessa identificaoeganharmaiorconscincia.

    O ser conhecido

    Poder elevar-se do infortnio do ser em bruto para a condiode sujeito do conhecimento faz parte do sentido da conscincia e,em alguns momentos, pode ser uma salvao. A^experincia de serosujeitoqueconhece, porm, apenasmetadedo processo doconhecimento. A outra metade a experincia de ser o objeto conhecido;0 ego, enquanto'conhecedor, domina o "o utr o " externo ou interno,relegando-o condiode objeto conhecido. Mas issonocorresponde conscincia no sentido pleno de "conhecer com", sendo apenas

    cincia ou simples conhecimento. Para chegar conscincia autntica,o ego precisa tambm passar pela experincia de ser objeto do conhecimento, residindo no "o ut ro " a funo de sujeito conhecedor.

    Numa certa medida, a experincia de sero objeto conhecido sed no decorrer da psicoterapia. Muitas vezes, o terapeuta alvo daprojeo do "outro conhecedor", o que faz com que o paciente sinta-se reduzido condio de sujeito conhecido. Entretanto, esse es

    10 "Introductory Essay To The Bride of Messina", in Friedrich Schiller, AnAnthology for Our Time, org. de Frederich Ungar (Nova York : Frederich UngarPublishingCo., 1960),p. 168.

    11 "The B ir th o f Tragedy", in Basic Writings of Nietzsche, t raduo deWalterKeufmann (NovaYork:Modem Library, 1968),p. 118.

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    tado induzido pela transferncia parcial e temporrio. tambmmenos perigoso, pois o paciente passvel de ver-se aprisionar numadependncia pessoal em relao ao ser humano que o "conhece".

    A dependncia em relao ao terapeuta transforma-se num substituto da dependncia em relao ao "conhecedor" interno, isto , oEu [Self] . Numa carta escrita em 1915, Jung descreve vividamenteos riscos, para o paciente, de ser conhecido ou compreendido peloanalista:

    Compreender um poder assustadoramente apris ionante, por