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ENTRE A GEOGRAFIA QUE SE ENSINA E A GEOGRAFIA QUE SE APRENDE: A EXPERIÊNCIA DE METODOLOGIAS ATIVAS APLICADAS AO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM TIAGO GARRIDO DE PAULA 1 RESUMO O presente artigo apresenta uma pesquisa qualitativa, decorrente de nossa dissertação de mestrado, que buscou compreender os raciocínios geográficos que se mobilizam e se desenvolvem nas aulas de geografia pautadas por um procedimento didático que se situa no campo das metodologias ativas e é denominado de Aula em Rotação por Estações de Aprendizagem (REA). Esse trabalho foi desenvolvido nas turmas de 2º e 3º ano do Ensino Médio no Colégio Estadual Matemático Joaquim Gomes de Sousa Intercultural Brasil China (CEMJGS), em Niterói/RJ. O procedimento da aula em REA, propõe que se crie estações de aprendizagem na sala de aula. Cada estação conta com uma atividade específica a ser desenvolvida por pequenos grupos de estudantes no esquema de circuito. Além disso, pelo menos uma estação conta com a utilização de tecnologia digital de informação e comunicação (TDIC). Utilizamos, entre outros, DEWEY (1897) e MORAN (2015) na fundamentação histórica desse procedimento didático. Na perspectiva de uma escola pública satisfatória às classes populares e que promova a democratização do conhecimento científico, também se discute no âmbito desse artigo o conceito de raciocínio geográfico atravessado pela discussão entre o que é geografia e o que é geográfico, nas perspectivas de SANTOS (2002), MARTINS (2016), MOREIRA (1987) e LACOSTE (2010). Quanto a originalidade do saber geográfico, discutimos a ideia dos conceitos em ação, dos conceitos com função social que problematizam a práxis socioespacial, a partir do embasamento de teóricos como COUTO (2014), MOREIRA (1987) E SANTANA FILHO (2010). Também dissertamos sobre a interrelação entre o ensino de geografia e os procedimentos pedagógicos adotados, utilizando como ponto de mediação os conceitos de zona de desenvolvimento imediato (ZDI) de VYGOTSKY (1988), de ensino híbrido, segundo CHRISTENSEN; HORN, & STAKER, H (2013), e a teoria da curvatura da vara de SAVIANI (2009). Analisamos o campo das metodologias ativas pelo prisma da pedagogia histórico-crítica trazida SAVIANI (2009). Quanto a metodologia de pesquisa, os instrumentos para gerar os dados foram a observação participante e a entrevista em profundidade. A análise dos dados se sustenta naquilo que TURRA NETO (2013) argumenta ser o confronto entre a teoria acumulada e a realidade que coloca novos desafios para ser compreendida. Os resultados da pesquisa explicitaram o foco no raciocínio geográfico enquanto conjunto de saberes científicos e enquanto discurso geográfico na sala de aula e o conceito de metodologias ativas foi abordado, diferenciado e contextualizado em relação aos debates contemporâneos da educação. A questão da prática de ensino e da formação do docente-pesquisador foi trabalhada nos seus desafios, dicotomias e avanços. Palavras - Chave: Raciocínio Geográfico, Ensino de Geografia, Metodologias Ativas. ABSTRACT This article presents, resulting from a master's dissertation, a qualitative research that sought to understand the geographic reasoning that is mobilized and developed in geography classes guided by a didactic procedure that is situated in the field of active methodologies and is called Class in Rotation 1 Mestre em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Contato: [email protected]

ENTRE A GEOGRAFIA QUE SE ENSINA E A GEOGRAFIA QUE SE ... · didático que se situa no campo das metodologias ativas e é denominado de Aula em Rotação por Estações de Aprendizagem

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ENTRE A GEOGRAFIA QUE SE ENSINA E A GEOGRAFIA QUE SE APRENDE: A EXPERIÊNCIA DE METODOLOGIAS ATIVAS APLICADAS AO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM

TIAGO GARRIDO DE PAULA1

RESUMO

O presente artigo apresenta uma pesquisa qualitativa, decorrente de nossa dissertação de mestrado, que buscou compreender os raciocínios geográficos que se mobilizam e se desenvolvem nas aulas de geografia pautadas por um procedimento didático que se situa no campo das metodologias ativas e é denominado de Aula em Rotação por Estações de Aprendizagem (REA). Esse trabalho foi desenvolvido nas turmas de 2º e 3º ano do Ensino Médio no Colégio Estadual Matemático Joaquim Gomes de Sousa – Intercultural Brasil China (CEMJGS), em Niterói/RJ. O procedimento da aula em REA, propõe que se crie estações de aprendizagem na sala de aula. Cada estação conta com uma atividade específica a ser desenvolvida por pequenos grupos de estudantes no esquema de circuito. Além disso, pelo menos uma estação conta com a utilização de tecnologia digital de informação e comunicação (TDIC). Utilizamos, entre outros, DEWEY (1897) e MORAN (2015) na fundamentação histórica desse procedimento didático. Na perspectiva de uma escola pública satisfatória às classes populares e que promova a democratização do conhecimento científico, também se discute no âmbito desse artigo o conceito de raciocínio geográfico atravessado pela discussão entre o que é geografia e o que é geográfico, nas perspectivas de SANTOS (2002), MARTINS (2016), MOREIRA (1987) e LACOSTE (2010). Quanto a originalidade do saber geográfico, discutimos a ideia dos conceitos em ação, dos conceitos com função social que problematizam a práxis socioespacial, a partir do embasamento de teóricos como COUTO (2014), MOREIRA (1987) E SANTANA FILHO (2010). Também dissertamos sobre a interrelação entre o ensino de geografia e os procedimentos pedagógicos adotados, utilizando como ponto de mediação os conceitos de zona de desenvolvimento imediato (ZDI) de VYGOTSKY (1988), de ensino híbrido, segundo CHRISTENSEN; HORN, & STAKER, H (2013), e a teoria da curvatura da vara de SAVIANI (2009). Analisamos o campo das metodologias ativas pelo prisma da pedagogia histórico-crítica trazida SAVIANI (2009). Quanto a metodologia de pesquisa, os instrumentos para gerar os dados foram a observação participante e a entrevista em profundidade. A análise dos dados se sustenta naquilo que TURRA NETO (2013) argumenta ser o confronto entre a teoria acumulada e a realidade que coloca novos desafios para ser compreendida. Os resultados da pesquisa explicitaram o foco no raciocínio geográfico enquanto conjunto de saberes científicos e enquanto discurso geográfico na sala de aula e o conceito de metodologias ativas foi abordado, diferenciado e contextualizado em relação aos debates contemporâneos da educação. A questão da prática de ensino e da formação do docente-pesquisador foi trabalhada nos seus desafios, dicotomias e avanços.

Palavras - Chave: Raciocínio Geográfico, Ensino de Geografia, Metodologias Ativas.

ABSTRACT This article presents, resulting from a master's dissertation, a qualitative research that sought to understand the geographic reasoning that is mobilized and developed in geography classes guided by a didactic procedure that is situated in the field of active methodologies and is called Class in Rotation

1 Mestre em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Contato: [email protected]

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by Learning Stations (REA) . This work was developed in the classes of 2nd and 3rd year of High School in the Mathematical State College Joaquim Gomes de Sousa - Intercultural Brazil China (CEMJGS), in Niterói / RJ. The procedure of the REA class proposes to create learning stations in the classroom. Each station has a specific activity to be developed by small groups of students in the circuit diagram. In addition, at least one station relies on the use of digital information and communication technology (TDIC). We use, among others, DEWEY (1897) and MORAN (2015) in the historical foundation of this didactic procedure. In the perspective of a public school that is satisfactory to the popular classes and promotes the democratization of scientific knowledge, the concept of geographic reasoning crossed by the discussion between what is geography and what is geographic in the perspective of SANTOS ( 2002), MARTINS (2016), MOREIRA (1987) and LACOSTE (2010). As for the originality of geographic knowledge, we discuss the idea of concepts in action, of concepts with a social function that problematize socio-spatial praxis, based on the theoretical basis of COUTO (2014), MOREIRA (1987) AND SANTANA FILHO (2010). We also discussed the interrelation between geography teaching and pedagogical procedures adopted, using as a point of mediation the concepts of immediate development zone (ZDI) of VYGOTSKY (1988), hybrid teaching, according to CHRISTENSEN; HORN, & STAKER, H (2013), and the stick curvature theory of SAVIANI (2009). We analyze the field of active methodologies by the prism of historical-critical pedagogy brought about by SAVIANI (2009). As for the research methodology, the tools to generate the data were participant observation and the in-depth interview. The analysis of the data is based on what TURRA NETO (2013) argues is the confrontation between accumulated theory and reality that poses new challenges to be understood. The results of the research explicited the focus on geographic reasoning as a set of scientific knowledge and as a geographical discourse in the classroom and the concept of active methodologies was approached, differentiated and contextualized in relation to the contemporary debates of education. The question of teaching practice and teacher-researcher training was worked on in their challenges, dichotomies and advances. Keywords: Geographic Reasoning, Geography Teaching, Active Methodologies.

1 - Introdução

O presente artigo, fruto de nossa dissertação de mestrado, apresenta uma

pesquisa qualitativa que buscou compreender os raciocínios geográficos que se

mobilizam e se desenvolvem nas aulas de geografia pautadas por um procedimento

didático que se situa no campo das metodologias ativas e é denominado de Aula em

Rotação por Estações de Aprendizagem (REA). Esse trabalho foi desenvolvido nas

turmas de 2º e 3º ano do Ensino Médio no Colégio Estadual Matemático Joaquim

Gomes de Sousa – Intercultural Brasil China (CEMJGS), em Niterói/RJ.

O procedimento da aula em REA, propõe que se crie estações de

aprendizagem na sala de aula. Cada estação conta com uma atividade específica a

ser desenvolvida por pequenos grupos de estudantes no esquema de circuito. Além

disso, pelo menos uma estação conta com a utilização de tecnologia digital de

informação e comunicação (TDIC).

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Nossa questão de pesquisa é compreender a experiência das aulas de

geografia em REA nas turmas de ensino médio do CEMJGS. Essa questão trouxe a

necessidade de revisitar a geografia que o professor pesquisador ensina, ao passo

que também vai compreender que geografia os(as) estudantes aprenderam nas aulas

em REA.

2 - Metodologia

A pesquisa envolve, dois aspectos: a observação participante e a entrevista em

profundidade. São muitas horas de observação sobre o contexto principal da nossa

pesquisa qualitativa, no caso o Colégio Estadual Matemático Joaquim Gomes de

Sousa - Intercultural Brasil/China (CEMJGS). Segundo TURRA NETO (2013) essa

pesquisa qualitativa:

Trata-se de um confronto, na verdade, entre a teoria acumulada e a realidade que coloca novos desafios para ser compreendida. E é esse confronto que faz da descrição densa muito mais que uma descrição gratuita e que permite com que o trabalho possa passar pela avaliação crítica dos pares. (TURRA NETO, 2013, p. 5)

Foram aplicadas oito aulas em REA em cada turma, abarcando diversos temas

geográficos. Com o CEMJGS dispõe de três turmas de 2º ano e duas de 3º ano do

Ensino Médio, totalizamos cerca de 40 aulas em REA.

Juntando às premissas de pesquisa qualitativa, buscamos um aporte teórico e

metodológico do psicólogo russo Lev Semyonovich Vygotsky (1988) para tratarmos

do processo de ensino-aprendizagem nas aulas de geografia em REA. O processo de

ensino-aprendizagem na perspectiva de VYGOTSKY (1988) é dialético, contraditório

e não linear. A capacidade de pensar sobre objetos não empíricos é produzida pela

mediação semiótica a partir de signos, símbolos, palavras etc.

3 - Metodologias ativas e a aula em REA

A ideia de metodologias ativas também tem precedentes mais antigos. John

Dewey (1859 - 1952) foi um ícone na filosofia e na pedagogia. Considerava o papel

da escola como determinante no desenvolvimento da democracia. Defendia que a

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prática escolar deveria ser capaz de lidar de modo diferente com as dificuldades de

aprendizagem das crianças.

Em contraponto a uma apropriação mecânica e burocrática da pedagogia

tradicional, a sua proposta pedagógica envolvia a não imposição de conteúdos

científicos e a ideia de colocar as crianças no centro da aprendizagem, adequando-se

o ambiente da escola às práticas da experimentação.

Além de propor uma mistura entre ensino e pesquisa, a pedagogia de DEWEY

era marcada por uma visão de ética social que resultava de sua experiência religiosa

protestante e da vivência na liberal, e já repleta de contradições de classe, sociedade

industrial norte-americana. John Dewey considerava a escola como um reflexo direto

da sociedade e acreditava que a mudança da pedagogia tradicional para um novo

método seria essencial. Em suas palavras "a educação é um método fundamental do

progresso e da reforma social" (DEWEY, 1897, p. 93).

MORAN (2015), explica que em um sentido amplo toda a aprendizagem é ativa

porque de certo modo o aprendiz está durante o processo fazendo diferentes

movimentos internos e externos, seja motor, memória, interpretação, comparação etc.

Mas para ele a aprendizagem é mais significativa por meio de metodologias

ativas uma vez que saímos em busca do diálogo com os(as) alunos(as) e de suas

contribuições.

As escolas que nos mostram novos caminhos estão mudando para modelos mais centrados em aprender ativamente com problemas reais, desafios relevantes, jogos, atividades e leituras, valores fundamentais, combinando tempos individuais e tempos coletivos; projetos pessoais de vida e de aprendizagem e projetos em grupo. Isso exige uma mudança de configuração do currículo, da participação dos professores, da organização das atividades didáticas, da organização dos espaços e tempos. (MORAN, 2015, p.19).

O professor FREIRE (1987) foi um importante promotor das metodologias

ativas quando em seu livro Pedagogia do Oprimido ele defende a construção de

conhecimento a partir do diálogo com as experiências prévias dos indivíduos, da

resolução de problemas, da superação de desafios etc.

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É inegável, portanto, que as metodologias ativas são construções históricas

decorrentes de experimentações de novos métodos mais reformistas como os de

Dewey, progressistas como os de Paulo Freire e reacionários como a pedagogia

tecnicista. É preciso, então, definir que perspectiva de pensamento pedagógico

estamos utilizando para abordar o conceito de metodologias ativas.

SAVIANI (2009) vai dizer que os métodos da pedagogia nova vão colocar o

papel do professor em segundo plano, equiparar ensino e pesquisa de modo a diminuir

a importância do conhecimento científico e responsabilizar a pedagogia tradicional

pelo fracasso das crianças no processo de ensino e aprendizagem.

Esse mesmo autor explica que para combater esse discurso foi necessário

apelar a teoria da curvatura da vara enunciada por Lênin: "quando a vara esta torta,

ela fica curva de um lado e se voce quiser endireita-la, nao basta coloca-la na posicao

correta. É preciso curva-la para o lado oposto". (LÊNIN, apud. SAVIANI, 2009, p.49).

Desse modo, demostrando o reacionarismo da pedagogia nova e lado revolucionário

da pedagogia tradicional, SAVIANI (2009) trouxe a vara para o centro na busca por

estabelecer um base segura para pensar uma pedagogia revolucionária.

4 - O raciocínio geográfico

MARTINS (2016), nos lembra que é comum se afirmar que a ciência geográfica

ficou comumente conhecida como aquilo que os geógrafos fazem dela. Mas o debate

necessário a ser feito, segundo ele, não é sobre o que é a geografia, mas sim,

considerando a geografia um fundamento da realidade, nos debruçarmos sobre o que

é o geográfico.

Esse mesmo autor vai argumentar que há uma confusão no atual momento da

trajetória do pensamento geográfico. Trata-se de um equívoco, segundo ele, tentar,

primeiro, conferir materialidade ao conceito de espaço. Nessa tentativa de conferir

essa materialidade ao espaço, SANTOS (2002) foi um dos mais proeminentes.

Segundo ele:

O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá. No começo

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era a natureza selvagem, formada por objetos naturais, que ao longo da história vão sendo substituídos por objetos fabricados, objetos técnicos, mecanizados e, depois, cibernéticos, fazendo com que a natureza artificial tenda a funcionar como uma máquina. Através da presença desses objetos técnicos: hidroelétricas, fábricas, fazendas modernas, portos, estradas de rodagem, estradas de ferro, cidades, o espaço é marcado por esses acréscimos, que lhe dão um conteúdo extremamente técnico. SANTOS (2002, p. 39)

Para SANTOS (2002), portanto, o espaço é o objeto e a geografia é uma forma

de estudá-lo. O que para MARTINS (2016) é estranho, uma vez que o conteúdo do

espaço é confundido, sobreposto pela ideia de natureza. Na história do pensamento

geográfico essa polêmica também se verifica. Ao invés de colocar, por exemplo, a

natureza como vital, o geógrafo Friedrich Ratzel prefere denominar espaço como vital.

Embora pareça contraditório trazer a fala de MARTINS (2016), que discorda de

SANTOS (2002), seu esforço soma nesse estudo. Ao questionar a concepção de

materialidade do espaço trazida por SANTOS (2002), MARTINS (2016) não quis

despir o conceito de espaço de sua objetividade. Pelo contrário, MARTINS (idem) está

enxergando a geografia como uma possibilidade de se produzir discursos sobre a

realidade e está criticando às reminiscências cartesianas e positivistas na busca da

definição da geografia enquanto campo científico. Por isso MARTINS (idem) sugere

que ao invés de focarmos na busca do que é geografia, nós deveríamos buscar

compreender o que é geográfico.

A objetividade do conceito de espaço exige uma equivalente subjetividade.

Essa subjetividade ele denomina de geografia em pensamento ao considerar que

cada concepção de mundo envolve uma racionalidade específica com um tipo de

espaço e tempo equivalentes.

5 - Ensino de Geografia

O professor SANTANA FILHO (2010, p.27), indica dois pontos fundamentais

para pensar o ensino de geografia na atualidade: a) a ressignificação e a busca do

sentido dessa possibilidade de conhecimento; b) o mundo globalizado, muito mais

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complexo e dinâmico como impulsionador dessa exigência apontada no elemento

precedente.

Nessa busca pelo sentido desse conhecimento, o ensino de geografia precisa

estar pautado no esforço para que os conceitos trabalhados possam dar conta dos

pertinentes desafios da realidade. Segundo MOREIRA (2005 apud SANTANA FILHO,

2010) Os conceitos científicos precisam se tornar “conceitos em ação”.

Os conceitos são instrumentos intelectuais que permitem a formulação de enunciados e explicações sobre o mundo forjados em uma dada condição histórica, e as novas situações lhe requerem atualização para que tenham significado nesses novos contextos e respondam às novas exigências. (SANTANA FILHO, 2010, p. 30)

O professor Milton Santos (2000, p.50 apud SANTANA FILHO, 2010) vai dizer

que nós geógrafos deixamos de ser “proprietários da descrição dos lugares”.

Conhecer o mundo não é mais exclusividade das aulas de geografia, o mundo chega

nas nossas residências pela tv, tablet, jornal, aplicativos etc.

Nessa linha é que MARTINS (2016), vai concluir que o espaço e o tempo são

categorias cognitivas e que representam metamorfose a despeito da sucessão linear

e descosida dos acontecimentos. Para ele, falar de espaço não faz sentido. O espaço,

concretamente, não existe nem se transforma. O que existe e se transforma e carece

de reflexão, e não de descrição, é a fábrica, a avenida, a estrada vicinal, a cidade, o

bairro, a floresta, o rio, a reserva de carvão mineral, o latifúndio etc.

Acerca disso, SANTANA FILHO (2010) faz as seguintes assertivas:

Quanto mais estão disponíveis informações, em múltiplas escalas, sobre os eventos que marcam a superfície terrestre, quanto mais conectados e articulados pessoas e territórios estão, quanto mais o conhecimento humano, sobre si, sobre o outro, sobre sua natureza e seu entorno especializa-se, quanto mais acessível o próximo e distante, mais carregado de representação e mais exigente de um domínio conceitual torna-se a leitura do mundo, mais é preciso um conhecer que favoreça a apreensão do mundo objetivo por meio de códigos, saberes e estratégias de pensamento. (SANTANA FILHO 2010, p. 37)

Já na página 50 ele também diz o seguinte:

Em outras palavras, a aprendizagem e o desenvolvimento de um raciocínio espacial possibilita que se alterem concepções e modos de viver e produzir, processos no quais o sujeito espacialmente situado tem transformadas suas

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concepções, suas representações, enquanto ele próprio refaz-se e reestrutura-se junto com sua geografia. É a ressignificação dos arranjos, o redimensionamento das extensões, das densidades e dos fluxos que se tornam conceito, imagem, fala e representação novos sobre o mundo por esses sujeitos ensinantes e aprendentes. (SANTANA FILHO 2010, p. 50)

LACOSTE (2010), trouxe também contribuições interessantes para a continua

e necessária reflexão acerca da relação entre o mundo em sua atualidade globalizada

e a ressignificação do conhecimento geográfico. Para este autor, o momento atual é

marcado por uma espacialidade diferencial a despeito do passado, quando se vivia

em um mesmo lugar, em uma mesma área habitada conhecida e contínua.

Ele explica que os aldeões no fim do século XIX conheciam muito bem os

limites da sua comuna, da sua paróquia. Salvo aqueles que iam pela estrada até a

cidade para o mercado, atendimentos médicos ou para participar de liturgias

religiosas, a maioria das pessoas não conhecia grandes coisas para além de uma

comuna vizinha onde tinha relações de parentesco.

Ao municiar os(as) estudantes de classes populares com currículos mínimos, o

projeto de modernização autoritária burguesa fica exposto, a saber, à ocultação da

histórica concentração de terras, dos processos de concentração de renda e saberes,

das relações entre a segregação urbana e o genocídio dos(as) jovens negros(as) etc.

É com geografia na escola que aprendermos a relacionar o rompimento de uma

barragem com um possível surto de febre amarela à quilômetros de distância desse

fenômeno. Isso não só facilita as políticas públicas de vacinação como também

permite questionar as opções políticas de desenvolvimento econômico regional do

país.2 É o conceito em ação que nos referirmos anteriormente. É o conceito que

2 O rompimento de uma barragem a 35 km do centro do município de Mariana/MG, ocorreu na tarde de 5 de novembro de 2015. Rompeu-se uma barragem de rejeitos de mineração controlada pela Samarco Mineração S.A., um empreendimento conjunto das maiores empresas de mineração do mundo, a brasileira Vale S.A. e a anglo-australiana BHP Billiton. Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,para-biologa-surto-de-febre-amarela-pode-ter-relacao-com-tragedia-de-mariana,10000100032 [acesso em 04/11/2017]) e da Universidade Federal do Espírito Santo (http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-01/especialistas-investigam-relacao-entre-febre-amarela-e-degradacao-ambiental [acesso em 04/11/2017]) defendem que os surtos de febre amarela estão associados a uma dinâmica ecológica. Sistemas ecológicos empobrecidos ou profundamente danificados por um rompimento de barragem podem gerar grandes incrementos na população de mosquitos transmissores de doenças e que se espalham para além dos seus respectivos ecossistemas.

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cumpre a função social de permitir um raciocínio geográfico sobre problemas reais

que os seres humanos concretos estão vivenciando.

É permitir que os(as) estudantes sejam capazes de refletir sobre sua condição

no mundo e suas relações com outros lugares. E nesse sentido o ensino de geografia

pode contar com a riqueza (conforme a curadoria do professor[a]) de recursos textuais

e audiovisuais contidos na internet, além de mapas em diferentes escalas para que

os(as) alunos(as) considerem e reconheçam os sujeitos que estão produzindo o meio

geográfico.

6 - Resultados das aulas em REA

Uma das aulas em REA foi com turmas de 3° Ano do ensino médio , e abordou

a notícia sobre a desestatização da Reserva Nacional do Cobre e Associados

(RENCA)3. O objetivo didático inicial (1º passo da atividade) foi pegar a notícia

jornalística sobre a privatização dessa reserva e fazer a problematização.

Fizemos um levantamento, utilizando o quadro, com os alunos(as) sobre o que

eles consideravam ser uma explicação para o desejo do governo de privatizar tal

reserva. O vocabulário geográfico não foi muito mobilizado nesse momento. As

respostas foram diversas: conchavo político, geração de empregos, beneficiamento

de aliados políticos, ludibriar o povo etc.

As tarefas encadeadas em seguida (2º passo da atividade) permitiam que

os(as) estudantes identificassem os sujeitos envolvidos no objetivo da privatização

como também os sujeitos que vivem na área compreendida pela reserva. O objetivo

foi que eles percebessem que há diferentes grupos políticos (o governo brasileiro

sendo o principal, supostamente) e econômicos interessados na privatização, e que

alguns são inclusive alheios ao território brasileiro, como foi o caso de uma reportagem

sobre uma mineradora canadense interessada na privatização.

3 “Temer extingue reserva na Amazônia para ampliar exploração mineral” fonte: http://folha.com/no1912465 acesso em 22/11/2017.

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A segunda proposta de raciocínio geográfico envolvia a utilização de um mapa

de uso do solo do território abrangido pela RENCA. Ao perceber que tal território é

ocupado por agricultores, indígenas e reservas ambientais, os(as) estudantes têm na

geografia uma possibilidade de intervenção nessa polêmica. O objetivo mais

específico era o de perceber o quanto a proximidade geográfica de atividades

mineradoras podem colocar em risco a coexistência com outros usos do solo. Para

isso, os(as) alunos(as) também enumeraram impactos ambientais causados pela

atividade mineradora através de um vídeo4 que enviei para os seus telefones.

Essas tarefas serviram ao papel de trabalharmos a ZDI na medida em que

os(as) estudantes iam percebendo a singularidade de cada interesse envolvido nessa

relação com o meio. Ao identificarem os sujeitos envolvidos no processo político e

econômico de privatização, os sujeitos geograficamente afetados e os impactos

ambientais, se avançava para tarefas mais complexas (3º passo da atividade) que

demonstravam dinâmicas globais dessa interação com o meio. Uma delas trabalhou

a leitura de um texto pelos grupos sobre o subdesenvolvimento e o papel minério-

exportador que os países subdesenvolvidos exercem na divisão internacional do

trabalho (DIT).

A outra tarefa utilizou uma matéria jornalística5 que abordou a derrubada da

floresta amazônica e como ela pode afetar o regime de chuvas no sudeste do Brasil.

A floresta amazônica gera muita umidade e grande parte dessa umidade é trazida

para o o centro sul do país através da Massa Equatorial Continental (MEC). Na matéria

jornalística os especialistas entrevistados chamavam, com fins didáticos, esse

fenômeno geográfico de “rios voadores”.

O objetivo didático geral (4º passo da atividade), consistiu no uso do quadro

para anotar o que os(as) estudantes identificaram, enumeraram e citaram nas

atividades, mais uma nova rodada de problematização com o professor. Os(As)

4 Vídeo sobre Impactos ambientais causados pela extração do minério de ferro / Trabalho de alunos do Colégio Técnico-UFMG. Endereço: https://youtu.be/XuDkmfJai_o acesso em 20/03/2018. 5 Globo Ecologia sobre os “Rios Voadores”. Endereço: https://www.youtube.com/watch?v=F6NYhdZwXr8 acesso em 20/03/2018.

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estudantes perceberam que existe uma lógica estrutural (a DIT) que também rege

decisões acerca do meio geográfico nacional.

Ao final, os(as) estudantes receberam as folhas onde anotaram as respostas,

para, com base em tudo que fizemos, responder, explicar às razões que

desqualificavam a liberação da RENCA para a exploração privada. A pergunta

formulada foi a seguinte: “Quais razões levaram o governo federal a privatizar a

RENCA? Explique os problemas decorrentes dessa decisão.”

Segue algumas respostas elaboradas por grupos de alunos(as):

Com a crise brasileira atual e vários setores debilitados, uma alternativa do governo para arrecadar dinheiro rápido foi leiloar a RENCA para empresas privadas e com isso vários irão desencadear tais como, erosão do solo daquela área pela destruição do local e com isso desmatamento das florestas que prejudicaram a formação dos rios Voadores que ser alterados drasticamente podem futuramente causar um problema hídricos, outro problema seria a poluição dos rios que se localizam ao redor da reserva e também a pressão populacional feita em cima dos índios que serão repudiados pois as empresas irão invadir e tirar proveito da matéria-prima lá presente. [sic] (Alunos[as] da turma 3001).

Outra Resposta:

Retorno rápido de capital nos cofres públicos, necessários para custear as emendas parlamentares e manter o atual governo fim do voadores devido ao desmatamento e queimadas por causa do processo de mineração. Erosão do solo proveniente da falta de nutrientes gerados pelo processo de mineração. Poluição dos rios, onde as águas usadas na mineração serão despejadas e também devido a novos assentamentos que serão construídos ao seu redor para abrigar os trabalhadores. Grilagem de terras indígenas ao redor da área da reserva. Destruição dos habitats devido ao desmantelamento na área da RENCA. [sic] (Alunos[as] da turma 3001).

Nas respostas os(as) alunos(as) buscaram contemplar o vocabulário

geográfico em suas análise sobre sua situação problema, trouxeram para suas

análises questões como erosão de solos, grilagem de terras, desmatamento, pressão

populacional, além de referências a alteração do regime de chuvas.

7 - Considerações finais

Esse artigo consistiu em trazer algumas compreensões sobre os raciocínios

geográficos mobilizados pelos estudantes nas aulas de geografia pautadas pelo

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procedimentos didático da REA, que é um procedimento filiado ao campo das

metodologias ativas. Entre as descobertas está o uso do conceito de raciocínio

geográfico trazido por MARTINS (2018), para pensarmos a geografia que se ensina,

a ausência do discurso geográfico nas aulas de geografia e os discursos geográficos

possíveis sobre a realidade.

A percepção que o procedimento em si da REA não funciona sem a

participação efetiva do professor, também foi outra contribuição da pesquisa que

fortaleceu o papel dos escritos acerca da ZDI de Vygotsky. Provou-se que, sob o

prisma da pedagogia histórico crítica, o uso de TDICs tornou as aulas mais dinâmicas

ao possibilitar a transmissão indireta de conceitos científicos aos(as) alunos(as) a

partir de estímulos audio visuais e detalhamentos atualizados acerca de fenômenos

que ocorrem no meio que vivemos.

8 - Referências bibliográficas

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