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99 Capítulo 5 EPIDEMIOLOGIA DE DOENÇAS DE PLANTAS Armando Bergamin Filho e Lilian Amorim 5.1 EPIDEMIOLOGIA, EPIDEMIA E ENDEMIA Muitas são as definições de epidemiologia que aparecem na literatura. Nenhuma é tão simples quanto à de Vanderplank (1963), para quem epidemiologia é apenas “a ciência da doença em populações”, e nenhuma é tão completa quanto à de Kranz (1974), para quem a epidemiologia é “o estudo de populações de patógenos em populações de hospedeiros e da doença resultante desta interação, sob a influência do ambiente e a inter- ferência humana”. Uma terceira definição de epidemiologia de importância histórica é aquela proposta por Zadoks e Schein (1979): “epidemiologia é o estudo de populações de patógenos e de hospedeiros que leva a algo novo: a doença. Esta pode ser considerada como uma terceira classe de população: a população de lesões ou de indivíduos doentes”. Todas enfatizam ser a epidemiologia uma ciência de populações. As populações importantes, para a epidemiologia, são aquelas do hospedeiro, de um lado, e do patógeno, do outro. O contato destas duas populações leva a uma terceira, a população de lesões ou de indivíduos doentes. O ambiente interfere no desenvolvimento das três populações, muitas vezes diferencialmente e, em contrapartida, as três populações também influenciam o ambiente, especialmente o microclima (Figura 5.1a). Finalmente, o homem, cada vez mais, interage com todos os fatores envolvidos e, não raro, sofre os efeitos do rápido crescimento da população de lesões (Figura 5.1b). A população de lesões (doença), ao contrário das outras duas populações, do ambiente e do homem, não tem existência autônoma, fato bem representado na Figura 5.1 (Bergamin Filho & Amorim, 1996). Figura 5.1 - Representação da população do patógeno interagindo com a população do hospedeiro, sob a influência do ambiente (a - patossistema selvagem) e interferência humana (b - patossistema agrícola). Desta interação resultará a população de lesões (doença), representada pela superfície do triângulo (a) ou superfície da base do tetraedro (b). Reproduzido de Bergamin Filho (1995a), após Zadoks & Schein (1979). Epidemiologia, assim definida, é essencialmente uma ciência de campo. Ensaios de laboratório podem ser considerados como estudos epidemiológicos somente se forem

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Capítulo 5

EPIDEMIOLOGIA DE DOENÇAS DE PLANTASArmando Bergamin Filho e Lilian Amorim

5.1 EPIDEMIOLOGIA, EPIDEMIA E ENDEMIAMuitas são as defi nições de epidemiologia que aparecem na literatura. Nenhuma

é tão simples quanto à de Vanderplank (1963), para quem epidemiologia é apenas “a ciência da doença em populações”, e nenhuma é tão completa quanto à de Kranz (1974), para quem a epidemiologia é “o estudo de populações de patógenos em populações de hospedeiros e da doença resultante desta interação, sob a infl uência do ambiente e a inter-ferência humana”. Uma terceira defi nição de epidemiologia de importância histórica é aquela proposta por Zadoks e Schein (1979): “epidemiologia é o estudo de populações de patógenos e de hospedeiros que leva a algo novo: a doença. Esta pode ser considerada como uma terceira classe de população: a população de lesões ou de indivíduos doentes”. Todas enfatizam ser a epidemiologia uma ciência de populações.

As populações importantes, para a epidemiologia, são aquelas do hospedeiro, de um lado, e do patógeno, do outro. O contato destas duas populações leva a uma terceira, a população de lesões ou de indivíduos doentes. O ambiente interfere no desenvolvimento das três populações, muitas vezes diferencialmente e, em contrapartida, as três populações também infl uenciam o ambiente, especialmente o microclima (Figura 5.1a). Finalmente, o homem, cada vez mais, interage com todos os fatores envolvidos e, não raro, sofre os efeitos do rápido crescimento da população de lesões (Figura 5.1b). A população de lesões (doença), ao contrário das outras duas populações, do ambiente e do homem, não tem existência autônoma, fato bem representado na Figura 5.1 (Bergamin Filho & Amorim, 1996).

Figura 5.1 - Representação da população do patógeno interagindo com a população do hospedeiro, sob a influência do ambiente (a - patossistema selvagem) e interferência humana (b - patossistema agrícola). Desta interação resultará a população de lesões (doença), representada pela superfície do triângulo (a) ou superfície da base do tetraedro (b). Reproduzido de Bergamin Filho (1995a), após Zadoks & Schein (1979).

Epidemiologia, assim defi nida, é essencialmente uma ciência de campo. Ensaios de laboratório podem ser considerados como estudos epidemiológicos somente se forem

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montados com o objetivo de explicar o que acontece no campo. O uso do objetivo da pesquisa como critério para caracterizar um trabalho como epidemiológico certamente trará alguma confusão. Deve-se lembrar, porém, que mesmo a taxonomia, tão remota da epidemiologia, é necessária para o estudo da doença em condições naturais.

O princípio básico por trás da epidemiologia é que a quantidade de doença no campo é determinada pelo balanço entre dois processos opostos: infecção e remoção (Figura 5.2). De um lado, novas infecções ocorrem, lesões aparecem, tornam-se infecciosas e, mais tarde, possibilitam o aparecimento de novas lesões. Do outro lado, tecido infeccioso é removido quando as lesões envelhecem e não mais formam esporos. Quando a infecção for mais intensa que a remoção, a intensidade da doença crescerá. Quando a remoção for mais intensa que a infecção, a intensidade da doença deixará de aumentar e poderá, inclusive, diminuir, caso o hospedeiro, por exemplo, lance novo tecido sadio. O ponto importante é que, independentemente da doença estar aumentando ou diminuindo, os dois processos opostos – infecção e remoção – ocorrem concomitantemente. A epidemiologia engloba esses dois processos, sendo apenas um detalhe o fato da quantidade de doença aumentar, diminuir ou permanecer inalterada em função do tempo.

Figura 5.2 - Infecção (Inf), remoção (Rem), epidemia e endemia.

Os termos epidemia e endemia estão relacionados com o balanço dos processos antagônicos infecção e remoção (Figura 5.2). O primeiro deles, epidemia, refere-se a um aumento da doença numa população de plantas em intensidade e/ou extensão, isto é, um aumento na incidência-severidade e/ou um aumento na área geográfi ca ocupada pela doença. Os termos epidemia explosiva e epidemia tardívaga (Figura 5.3), segundo Gäumann (1950), são usados caso o aumento em intensidade seja rápido ou lento, respectivamente. Este mesmo autor deu o nome de epidemia progressiva àquelas epidemias que se caracterizam por um aumento em extensão e pandemia àquelas epidemias progressivas que ocupam uma área extremamente grande, de tamanho quase continental. Apesar da defi nição de epidemia considerar somente o aumento da intensidade da doença, a epidemiologia – ciência das epidemias – estuda não somente doenças que aumentam como doenças que diminuem, seja em intensidade, seja em extensão. Já o termo endemia (Figura 5.3), além de ter uma conotação geográfi ca, sendo sinônimo de doença sempre presente numa determinada área e caracterizar-se por não estar em expansão, também implica num balanço próximo de neutro entre os processos de infecção e remoção (Figura 5.2) quando se considera um período de tempo relativamente longo. Este balanço neutro signifi ca coexistência entre hospedeiro e patógeno, e refl ete a constante presença de ambos numa área, fato que se constitui na essência da defi nição de doença endêmica.

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Apesar dessas diferenças, epidemia não é o oposto de endemia. Não existe uma doença completamente endêmica de um lado e uma doença completamente epidêmica do outro. Endemia e epidemia misturam-se e exibem uma variação contínua entre os extremos. Assim, uma doença endêmica, ou seja, constantemente presente numa região e em equilíbrio com seu hospedeiro, pode, por fatores diversos, como uma modificação momentânea do microclima, tornar-se epidêmica e vir a afetar muitos indivíduos, com grande intensidade, numa determinada área e num determinado tempo. Este fenômeno é referido como sendo um surto epidêmico de uma doença normalmente endêmica e, caso ocorra periodicamente, é chamado de epidemia cíclica (Figura 5.3).

O termo mais recente, epidemia poliética (Figura 5.3), refere-se àquelas epidemias que necessitam de anos para mostrar signifi cativo aumento na intensidade de doença. Numerosos exemplos ocorrem com doenças de hospedeiros perenes ou com patógenos veiculados pelo solo.

Figura 5.3 - Representação esquemática dos diferentes tipos de epidemia e endemia. De Bergamin Filho (1995a).

5.2 EPIDEMIOLOGIA, FITOPATOLOGIA E BIOLOGIAQual a posição da epidemiologia dentro do contexto das ciências biológicas? Uma das

abordagens apropriadas para responder a esta pergunta é a idéia de níveis de organização (Figura 5.4). A epidemiologia, como já discutido no item anterior, é uma ciência que opera ao nível de população, especifi camente as populações do patógeno e do hospedeiro. O contato destas populações leva ao aparecimento de uma terceira: a população de lesões ou de indivíduos doentes. Um exemplo de estudo neste nível de organização é a quantifi cação periódica da severidade de doença num determinado campo, seja para comparar níveis de resistência entre variedades, seja para avaliar a efi ciência de diferentes fungicidas, por exemplo.

Entretanto, a epidemiologia não trata somente de populações: para conhecer com detalhe o que acontece nesse nível, é necessário descer um degrau e estudar o comportamento dos indivíduos. O número de esporos produzidos por lesão, numa determinada variedade e numa determinada temperatura, é um exemplo de estudo ao nível de indivíduo que ajuda a compreensão de fatos que acontecem ao nível de população. Mesmo informações

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obtidas ao nível de órgão ou tecido podem, ainda que mais raramente, contribuir para que se tenha uma visão holística do que acontece no campo. A determinação de diferentes graus de suscetibilidade exibidos por diferentes tipos de folha de um mesmo hospedeiro é um bom exemplo.

EPIDEMIOLOGIA

Ecosfera

Biosfera

Ecossistema

Comunidade

População

Indivíduo

Órgão

Tecido

Célula

Organela

Molécula

EPIDEMIOLOGIA

Ecosfera

Biosfera

Ecossistema

Comunidade

População

Indivíduo

Órgão

Tecido

Célula

Organela

Molécula

Figura 5.4 - Hierarquia dos níveis de organização em biologia e a área de interesse maior da epidemiologia.

Algumas vezes, ao contrário, para se ter uma visão clara de uma epidemia, é conveniente subir um nível e estudar aspectos da comunidade, para entender o comportamento de um determinado sistema patógeno-hospedeiro. O aumento ou diminuição de uma determinada doença, por exemplo, pode ser função de muitas populações interagindo numa área, como populações de diferentes insetos, de diferentes plantas daninhas ou, inclusive, de outros patógenos.

Em conclusão, a epidemiologia, que em essência é uma ciência de populações, não prescinde de estudos realizados aos níveis de organização superiores e inferiores. Estudos epidemiológicos deveriam, inclusive, enfatizar o nível de comunidade e englobar, também, aspectos poliéticos, isto é, o desenvolvimento de epidemias de ano para ano. Pode-se dizer que a epidemiologia é uma ciência que está no cruzamento da fi topatologia, que é essencialmente prática, voltada para a resolução de problemas, com a ecologia, esta uma ciência essencialmente teórica, voltada mais a conceitos e princípios (Figura 5.5).

Figura 5.5 - A epidemiologia no cruzamento da fitopatologia com a ecologia

O início da epidemiologia como ciência ocorreu em 1963, com a publicação do livro “Plant Diseases: Epidemics and Control”, de autoria de J.E. Vanderplank. Antes

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Tabela 5.1 - O desenvolvimento da epidemiologia quantificado pelo número de livros publicados de 1963 a 2010.

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disso, merecem ser citados os trabalhos de Gäumann (1950), Large (1952) e do próprio Vanderplank (1960). Mas foi o livro de 1963 que, verdadeiramente, modifi cou a maneira de analisar epidemias de doenças de plantas. Somente após onze anos publicou-se uma nova obra sobre o assunto (Kranz, 1974) que, absorvendo o tratamento holístico de Vanderplank, deu novo impulso e abriu novos horizontes para esta ciência. A partir daí, com a estrada já pavimentada e os novos conceitos assimilados, os livros se multiplicaram. O próprio Vanderplank continuou a escrever e a ampliar suas teorias (Tabela 5.1).

5.3 EPIDEMIAS: O MONOCICLODidaticamente, pode-se considerar a doença como a interação de uma única planta

com uma única unidade infectiva do patógeno. O resultado fi nal dessa interação será o aparecimento da lesão, sintoma típico da doença hipotética em estudo. Todos os eventos que ocorrem desde o primeiro contato entre o patógeno e o hospedeiro até a morte da lesão constituem o ciclo de infecção. O processo monocíclico, que se completa dentro do lapso de tempo de um único ciclo de infecção, é o assunto deste item. O processo policíclico, que envolve vários ciclos superpostos de infecção, será o assunto do próximo item.

Não existem regras consistentes para defi nir os elementos de um ciclo de infecção; aqueles que são ou não incluídos dependem, principalmente, da visão conceitual que o pesquisador tem do sistema em estudo e de seus objetivos e, em menor grau, da disponibilidade ou da difi culdade de obtenção de dados. Considere-se, como exemplo, o caso de uma ferrugem: esporos são produzidos em pústulas, levados pelo vento e podem ser depositados sobre o hospedeiro, onde germinarão, penetrarão, colonizarão e formarão novas lesões, com mais esporos (Figura 5.6a). Esta é uma visão bastante simplifi cada do ciclo de infecção. A Figura 5.6b já apresenta um

Figura 5.6 - Diferentes representações de um ciclo de infecção. (a) ciclo de infecção de uma ferrugem: 1. formação de esporos 2. liberação 3. germinação 4. penetração 5. colonização. (b) fases do ciclo de infecção de Puccinia: 0. urediniósporo não germinado 1. início do processo germinativo 2. urediniósporo germinado (tubo germinativo maior que o menor diâmetro do esporo) 3. formação do apressório 4. apressório formado 5. formação do peg de penetração 6. peg de penetração formado 7. vesícula subestomatal formada 8. formação de hifa a partir da vesícula 9. colônia estabelecida e em crescimento 10. vista geral da penetração através do estômato. Fontes: (a) Teng & Zadoks (1980), (b) Zadoks & Schein (1979).

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Figura 5.7 - Os elos do ciclo de infecção de uma ferrugem (Kranz, 1974).

quadro mais detalhista, com ênfase nas diversas etapas de formação do apressório e do “peg” de penetração, etapas estas ignoradas no exemplo anterior. Finalmente, a Figura 5.7 apresenta uma visão geral, quase completa, de todo o ciclo, mostrando que cada elemento constitui-se num elo de uma corrente maior, corrente que se confunde com o próprio ciclo de infecção.

Até aqui, o ciclo de infecção tem sido caracterizado apenas por meio de seus elementos. Doença, porém, envolve processos; processos, por sua vez, envolvem taxas de mudança; taxas de mudança envolvem tempo. A inclusão do fator tempo no ciclo de infecção permite a definição de diversos períodos de interesse epidemiológico: período de incubação, período latente e período infeccioso (Figura 5.8). Período de incubação pode ser definido como o período de tempo decorrido entre a deposição do patógeno na superfície do hospedeiro e o aparecimento dos primeiros sintomas; período latente, como período de tempo decorrido entre a deposição do patógeno na superfície do hospedeiro e o aparecimento dos primeiros sinais (estruturas reprodutivas); período infeccioso representa o período de tempo em que uma lesão permanece produzindo estruturas reprodutivas. A duração dos dois últimos períodos tem grande importância no desenvolvimento de epidemias, já que influenciam sua velocidade e/ou duração.

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5.4 EPIDEMIAS: O POLICICLOCiclo de infecção, como discutido no item anterior, é um processo recorrente,

capaz de se repetir inúmeras vezes. A epidemia, ou o policiclo, por sua vez, constitui-se na superposição de ciclos de infecção, dando origem ao que Gäumann (1950) chamou de cadeia de infecção (Figura 5.9). Cadeia de infecção caracteriza-se, portanto, na ocorrência de diversos ciclos de infecção do patógeno durante um único ciclo de cultivo

Figura 5.8 - Diagrama do ciclo de infecção de uma ferrugem. Modificado de Teng & Bowen (1985).

Figura 5.9 - Representação do ciclo de infecção (monociclo) e da cadeia de infecção (policiclo). Adaptado de Teng et al. (1977).

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do hospedeiro. Doenças que exibem esta característica foram chamadas por Vanderplank (1963) de doenças de juros compostos. Neste grupo, plantas infectadas no início de seu ciclo servirão de fonte de inóculo do patógeno para posteriores infecções neste mesmo ciclo. Nem todas as doenças, porém, comportam-se assim. Considere, como exemplo, as murchas vasculares causadas por Fusarium oxysporum e Verticillium spp. ou as podridões causadas por Sclerotinia sclerotiorum. Nesses casos, o patógeno só completa um ciclo de infecção durante o ciclo de cultivo do hospedeiro, de tal modo que plantas infectadas no início do ciclo da cultura não servirão de fonte de inóculo para infecções futuras dentro do mesmo ciclo. A este grupo, Vanderplank (1963) deu o nome de doenças de juros simples. Quanto à cadeia de infecção típica destas doenças, o nome paradoxal de cadeia de um só elo pode ser empregado.

Um exemplo de doença de juros compostos é a ferrugem do feijoeiro, cujo agente causal (Uromyces appendiculatus), em condições favoráveis, pode produzir uma geração a cada 12 dias. O crescimento da doença, nesse caso, assemelha-se ao crescimento de capital aplicado em um investimento que renda juros compostos, onde os juros ganhos rendem novos juros. Nas doenças de juros compostos, plantas doentes produzem inóculo para gerar novas plantas doentes durante o ciclo da cultura. Um exemplo de doença de juros simples é a murcha do tomateiro, causada por Fusarium oxysporum f. sp. lycopersici, que coloniza o interior do xilema das plantas infectadas. O inóculo está confi nado ao interior da planta e ali permanece até a morte e início de decomposição dos tecidos do hospedeiro. Os esporos produzidos no interior da planta serão expostos apenas ao fi nal do ciclo da cultura, nos restos culturais em decomposição. Dessa forma, nas doenças de juros simples, as plantas doentes não produzem inóculo capaz de gerar outras plantas doentes no mesmo ciclo da cultura. O crescimento da doença em um ciclo do hospedeiro assemelha-se ao crescimento de capital aplicado em um investimento que renda a juros simples, ou seja, os juros ganhos não rendem novos juros. O aumento do número de plantas doentes durante o ciclo da cultura ocorre pela gradativa infecção de raízes que vão ao encontro do inóculo original, neste caso clamidósporos, previamente existente no solo.

A velocidade com que a doença aumenta nas curvas de progresso de doenças de juros compostos é proporcional à própria quantidade de doença em cada instante. Assim, se uma lesão der origem a 10 lesões, 10 lesões darão origem a 100, 100 a 1000, 1000 a 10.000 e assim por diante. Este tipo de crescimento é expresso matematicamente através da equação diferencial

dx dt rx/ = (5.1)onde dx/dt é a velocidade de aumento da doença, x, a quantidade de doença e r, a

taxa de infecção. A integração de 5.1 leva a

x x rt= 0 exp( ) (5.2)onde x

0 é a quantidade de doença no tempo t

0. A curva descrita pela equação 5.2

tem a forma típica de um J (Figura 5.10a) e é conhecida como curva exponencial.A velocidade com que a doença aumenta nas curvas de progresso de doenças de

juros simples, por sua vez, é proporcional ao inóculo original previamente existente. A quantidade de plantas doentes (x) depende da freqüência de infecções bem sucedidas a partir do inóculo original presente no solo. Este tipo de crescimento é expresso

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matematicamente através da equação diferencial

dx dt QR/ = (5.3)onde Q é a quantidade de inóculo previamente existente e R, a taxa de infecção.

O produto QR representa o número de infecções bem sucedidas. Tanto Q quanto R são considerados constantes. A integração de 5.3 resulta em

x x QRt= +0 (5.4)onde x

0 é a quantidade de doença no tempo t

0. A curva descrita pela equação 5.4 é

uma linha reta (Figura 5.10a).

Figura 5.10 - Curvas de crescimento: (a) crescimento exponencial (círculo cheio) e linear (círculo vazio) da quantidade de doença; (b) crescimento logístico (círculo cheio) e monomolecular (círculo vazio) da quantidade de doença. Diferenças entre modelos: (c) diferenças entre os modelos exponencial (círculo cheio) e logístico (círculo vazio); (d) diferenças entre os modelos linear (círculo cheio) e monomolecular (círculo vazio).

0.0

0.2

0.4

0.6

0.8

1.0

0.0

0.2

0.4

0.6

0.8

1.0

0 10 20 30 40 50 0 10 20 30 40 50

Tempo

Pro

po

rçã

o d

e d

oe

nça

b d

a c

Os modelos exponencial (equação 5.2, Figura 5.10a) e linear (equação 5.4, Figura 5.10a) mostram certa discrepância com as curvas de progresso das doenças observadas no campo. Quando a quantidade de doença é baixa, os modelos fi cam próximos da realidade, mas à medida que a quantidade de doença aumenta a diferença entre realidade e modelo se acentua. Os modelos exponencial e linear assumem que a quantidade de doença pode crescer até o infi nito. No entanto, nenhum processo biológico comporta-se desta maneira, pois o crescimento dos seres vivos é limitado, entre outras causas, pela indisponibilidade de nutrientes. De maneira semelhante, as doenças de plantas não podem crescer infi nitamente porque o tecido do hospedeiro é fi nito. Para corrigir os modelos exponencial e linear pode-se adicionar um fator na equação diferencial capaz de reduzir a velocidade de crescimento da doença proporcionalmente à diminuição da oferta de tecido sadio. A equação 5.1 (juros compostos) pode, assim, ser alterada para

dx dt rx x/ ( )= −1 (5.5)onde (1 - x) representa a quantidade de tecido sadio (x é sempre expresso em

proporção de doença). A integração de 5.5 produz

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ln( / ( )) ln( / ( ))x x x x rt1 10 0− = − + (5.6)Em conseqüência, o valor da taxa r (chamada de taxa aparente de infecção por

Vanderplank, 1963) é calculado por r t x x x x= − − −( / )(ln( / ( )) ln( / ( )))1 1 10 0 (5.7)A curva descrita pela equação 5.6 tem a forma de S (Figura 5.10b), é conhecida pelo

nome de curva logística e pode ser linearizada transformando-se a quantidade de doença (x) na ordenada gráfi ca por ln( / ( ))x x1− . O valor de ln( / ( ))x x1− é conhecido pelo nome de logito de x. O modelo logístico, mostra dados similares ao modelo exponencial para baixas quantidades de doença (aproximadamente 5% ou 0,05 de proporção de doença). As diferenças são crescentes à medida que x aproxima-se de 1 (Figura 5.10c).

Pelo mesmo raciocínio, a equação 5.3 (juros simples) pode ser alterada para dx dt QR x/ ( )= −1 (5.8)onde (1 - x) representa a quantidade de tecido sadio. A integração de 5.8 produz ln( / ( )) ln( / ( ))1 1 1 1 0− = − +x x QRt (5.9)O produto QR (quantidade de inóculo inicial e taxa de infecção) é calculado por QR t x x= − − −( / )(ln( / ( )) ln( / ( )))1 1 1 1 1 0 (5.10)A curva descrita pela equação 5.9 (Figura 5.10b) é conhecida pelo nome de curva

monomolecular e pode ser linearizada transformando-se a quantidade de doença (x) na ordenada gráfi ca por ln( / ( ))1 1− x . O valor ln( / ( ))1 1− x é conhecido pelo nome de monito de x. Aqui também, para baixos valores de x (até aproximadamente 5% ou 0,05), os modelos linear e monomolecular confundem-se. As diferenças, porém, acentuam-se à medida que x aproxima-se de 1 (Figura 5.10d).

Para maiores detalhes sobre curvas de progresso da doença que fazem uso do cálculo diferencial, veja o capítulo 37.

5.5 MODELANDO A EPIDEMIA5.5.1 Modelos analógicosModelos são representações simplifi cadas de um sistema. Quanto simplifi car e

como simplifi car dependem, dentre outros fatores, do objetivo que se espera alcançar com o modelo. Na construção do modelo somente são considerados aqueles elementos essenciais para que o objetivo seja alcançado, ignorando-se aqueles secundários. O objetivo deste item é didático. Espera-se apenas compreender o funcionamento de uma epidemia. Em outras palavras, espera-se desvendar os mecanismos, caminhos e processos que levam ao aparecimento, multiplicação e crescimento de lesões (ou de plantas doentes). Nesse contexto, a quantifi cação das muitas relações complexas existentes entre, por exemplo, os elementos do ciclo de infecção e fatores climáticos podem ser ignorados. Indo mais além, muitos dos próprios elementos do ciclo de infecção podem também ser ignorados. Afi nal, o objetivo é compreender como funciona a epidemia e não prever com exatidão como ela comportar-se-á num dado ambiente. Objetivos simples permitem o emprego de modelos simples.

Examine a Figura 5.11, originalmente proposta por Fegies (1985). O conceito de sítio de infecção é importante para entender o modelo proposto. A população do hospedeiro está representada por um grande, mas fi nito, número de sítios de infecção, todos com o

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mesmo tamanho. A dimensão física de um sítio de infecção coincide, para algumas doenças, com a área da lesão causada pelo patógeno considerado no modelo. A caixa que contém os sítios sadios na Figura 5.11 representa, antes do início da epidemia, toda a população do

Figura 5.11 - Modelo conceitual analógico de uma epidemia. A população do hospedeiro, antes do início da epidemia, está representada por um número finito de sítios de infecção contidos na caixa de sítios sadios. A epidemia tem início com a infecção causada por um esporo externo ao sistema. Cada compartimento dentro de sítios latentes e infecciosos representa um dia. Para detalhes, ver texto. Baseado em Fegies (1985).

hospedeiro. A epidemia tem início com a deposição de um esporo de fora do sistema sobre um sítio sadio. Com a infecção que advém deste primeiro contato patógeno-hospedeiro (pode-se ignorar neste contexto a maioria dos elementos do ciclo de infecção), o sítio que era sadio torna-se doente ou, mais precisamente, latente. Os eventos que ocorrem durante a colonização, aparecimento de sintomas, etc., também são ignorados no modelo. A próxima etapa importante ocorre depois de completado o período latente (quatro dias no modelo). Note que durante esses quatro dias a epidemia não progrediu. A quantidade de sítios doentes (latentes, no caso) manteve-se constante em um. No quinto dia, porém, o sítio doente deixa de ser latente e passa a ser infeccioso, permanecendo como tal, segundo o modelo, por mais quatro dias. Durante esse período, defi nido como período infeccioso, o sítio, diariamente, produz esporos. Grande parte deles é perdida durante as várias etapas compreendidas entre sua produção e novas infecções. A torneira situada logo abaixo dos sítios infecciosos representa essa perda. Alguns poucos, porém, seguem pela tubulação e vão causar novas infecções. Para o prosseguimento do exemplo, suponha que apenas dois esporos por dia de período infeccioso serão aptos a passar pela torneira de esporos perdidos e seguir pela via horária, causando novas infecções. Assim, a situação no quinto dia da epidemia mostra um sítio infeccioso no primeiro dia do período infeccioso e dois

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sítios que acabam de ser infectados e encontram-se no primeiro dia latente. No sexto dia vamos encontrar um sítio infeccioso no segundo dia, dois sítios latentes no segundo dia e dois sítios latentes no primeiro dia, estes originados dos dois novos esporos efetivos que puderam avançar pela via horária de infecção. No sétimo dia, ainda continuamos com apenas um sítio infeccioso, agora no terceiro e penúltimo dia do período infeccioso, e dois sítios latentes em cada um dos três primeiros dias do período latente. A situação muda pouco no oitavo dia: o único sítio infeccioso produz seus últimos dois esporos efetivos e os quatro compartimentos do período latente contêm, cada um, dois sítios latentes. O nono dia traz mudanças importantes: nosso primeiro sítio doente deixa de contribuir para o crescimento da epidemia. Ao completar seu quarto dia infeccioso, ele cai no último compartimento, o compartimento que acumula os sítios removidos da epidemia. Nem por isso, porém, o processo vai parar: novos sítios infecciosos, vindos do quarto dia latente, encarregam-se de produzir mais esporos.

Este rápido exercício (veja também Boxes 5.1 e 5.2), baseado no simples modelo analógico de Fegies, já permite algumas generalizações úteis. Primeiro, os computadores são ferramentas de grande valia em simulação, embora não contribuam decisivamente na elaboração do modelo conceitual, tarefa quase que exclusiva do pesquisador. Segundo, é intuitivo perceber a importância de alguns parâmetros no desenvolvimento da epidemia. Considere o período latente. Como comportar-se-ia uma variedade do hospedeiro que, por ser mais resistente, tivesse seu período latente aumentado de 4 para 8 dias? A quantifi cação deste efeito, e dos efeitos de alterações em todos os outros parâmetros que governam a epidemia, pode ser facilmente realizada. Terceiro, a curva de progresso da epidemia (número de sítios doentes em função do tempo) tem leis próprias que controlam seu crescimento. Essas leis, frutos da própria estrutura da epidemia, não são alteradas no essencial, mesmo que o valor dos parâmetros se altere, de doença para doença. Quarto, uma epidemia comporta sempre quatro tipos de tecido (sítio): aquele que foi infectado mas ainda não produz esporos (tecido latente), aquele que está produzindo esporos (tecido infeccioso), aquele que já produziu esporos (tecido removido) e aquele que ainda não foi infectado (tecido sadio). A soma dos três primeiros representa o tecido doente da epidemia.

Boxe 5.1 - Antes da chegada do computador...

Com um pouco de método, não é difícil simular uma epidemia. São necessários

apenas lápis, papel e atenção. Voltemos ao exemplo da Figura 5.11. As regras

são claras: período latente = 4 dias, período infeccioso = 4 dias, esporos efetivos =

2 por dia de período infeccioso. Considere também que a infecção de sítios sadios

ocorre no mesmo dia em que os esporos são produzidos. Faça a simulação para 20

dias e não se preocupe com a quantidade de sítios sadios: há um número sufi ciente

deles. A epidemia tem início com a infecção de um sítio no dia 1. Confi ra seus

resultados com os apresentados na Tabela 5.2. A Figura 5.12 mostra grafi camente o

progresso da epidemia gerada pelo modelo através da evolução do número de sítios

infectados nas escalas linear e logarítmica.

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5.5.2 Modelos simbólicos e o computadorCom base no modelo analógico da Figura 5.11, é possível construir um modelo

simbólico matemático, este mais apropriado para expressar, sem ambiguidade, as propriedades fundamentais de sistemas complexos (Boxe 5.2).

Dias Sítios latentes (dias) Total

latente

Sítios infecciosos (dias) Total

infec-

cioso

Sítiosremo-

idos

Total

doente

1o. 2o. 3o. 4o. 1o. 2o. 3o. 4o.

1 1 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1

2 0 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1

3 0 0 1 0 1 0 0 0 0 0 0 1

4 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 1

5 2 0 0 0 2 1 0 0 0 1 0 3

6 2 2 0 0 4 0 1 0 0 1 0 5

7 2 2 2 0 6 0 0 1 0 1 0 7

8 2 2 2 2 8 0 0 0 1 1 0 9

9 4 2 2 2 10 2 0 0 0 2 1 13

10 8 4 2 2 16 2 2 0 0 4 1 21

11 12 8 4 2 26 2 2 2 0 6 1 33

12 16 12 8 4 40 2 2 2 2 8 1 49

13 20 16 12 8 56 4 2 2 2 10 3 69

14 32 20 16 12 80 8 4 2 2 16 5 101

15 52 32 20 16 120 12 8 4 2 26 7 153

16 80 52 32 20 184 16 12 8 4 40 9 233

17 122 80 52 32 276 20 16 12 8 56 13 345

18 160 112 80 52 404 32 20 16 12 80 21 505

19 240 160 112 80 592 52 32 20 16 120 33 673

20 368 240 160 112 880 80 52 32 20 184 49 1113

v

Tabela 5.2 - Número diário de sítios infectados (latentes, infecciosos, removidos e totais) considerando: período latente = 4 dias; período infeccioso = 4 dias; esporos efetivos = 2 por dia de período infeccioso; tempo de simulação = 20 dias; a infecção de sítios sadios ocorre no mesmo dia em que os esporos são produzidos; a epidemia tem início com a infecção de um sítio no dia 1 (para detalhes, ver texto).

0

200

400

600

800

1000

1200

Sítio

s in

fect

ados

0

1

2

3

4

5

6

7

8

Sít

ios

infe

cta

do

s(ln

)

0 4 8 12 16 20Tempo (dias)

Logaritmo natural dos dados

dados não transformados

Figura 5.12 - Representação gráfica do aumento de sítios infectados (latentes + infecciosos + removidos) em função de tempo. Note que a curva sem transformação (círculos cheios) tem a forma de J (exponencial) e a curva logarítmica (quadrados cheios), após uma oscilação inicial, tende à linearização.

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Boxe 5.2 - Agora que o computador chegou...

Tendo por base os modelos analógico (Figura 5.11) descrito anteriormente, desenvolveu-

se um modelo simbólico matemático, cujo “output” é semelhante àquele da Tabela 5.2

(ver Boxe 5.1 - “Antes que o computador chegue...”). São “inputs” do modelo os seguintes

parâmetros: a) dias de simulação (N); b) período latente (PL); c) período infeccioso (IN);

d) quantidade de tecido disponível ou número de sítios sadios (H); e) produção de esporos

efetivos no dia (C(M)). Utilizando-se os valores de N=20, PL=4, IN=4, H=1000000 e C(M)=2,

que são os mesmos considerados no Boxe 5.1, chega-se a resultados idênticos aos da Tabela

5.2, para o número de sítios latentes, infecciosos, removidos e infectados totais (Tabela 5.3).

Note que tanto cá como lá, a infecção de sítios sadios ocorre no mesmo dia em que os esporos

são produzidos. Muitas das simulações mostradas neste capítulo podem ser feitas utilizando-

se este simples modelo de uma epidemia (Camargo & Bergamin Filho, 1988).

. DIA = 1

TECIDO LATENTE 1 0 0 0

TECIDO INFECCIOSO 0 0 0 0

REMOVIDO = O TOTAL DOENTE = 1 DISPONíVEL = 999999

. DIA = 2

TECIDO LATENTE 0 1 0 0

TECIDO INFECCIOSO 0 0 0 0

REMOVIDO = O TOT AL DOENTE = 1 DISPONíVEL = 999999

. DIA = 3

TECIDO LATENTE 0 0 1 0

TECIDO INFECCIOSO 0 0 0 0

REMOVIDO = O TOTAL DOENTE = 1 DISPONíVEL = 999999

. DIA = 4

TECIDO LATENTE 0 0 0 1

TECIDO INFECCIOSO 0 0 0 0

REMOVIDO = O TOTAL DOENTE = 1 DISPONíVEL = 999999

. DIA = 5

TECIDO LATENTE 2 0 0 0

TECIDO INFECCIOSO 1 0 0 0

REMOVIDO = O TOTAL DOENTE = 3 DISPONíVEL = 999997

. DIA = 6

TECIDO LATENTE 2 2 0 0

TECIDO INFECCIOSO 0 1 0 0

REMOVIDO = O TOTAL DOENTE = 5 DISPONíVEL = 999995

. DIA = 20

TECIDO LATENTE 368 240 160 112

TECIDO INFECCIOSO 80 52 32 20

REMOVIDO = 49 TOTAL DOENTE = 1113 DISPONíVEL = 998887

Tabela 5.3 - “Output” para os dias 1 a 6 e 20 de acordo com o modelo de simulação proposto por Camargo & Bergamin Filho (1988). Valores dos parâmetros utilizados: N = 20, PL = 4, IN = 4, H = 1.000.000 e C(M) = 2 (compare com os resultados da Tabela 5.2).

O modelo de Camargo & Bergamin Filho (1988) (Tabela 5.3) será usado para, resumidamente, demonstrar o poder dos modelos simbólicos matemáticos. Os resultados obtidos com as diversas simulações feitas são altamente reveladores a respeito do modus

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-4

0

4

8

12

16

0

4

8

12

16

Sít

ios

de

infe

cçã

o(ln

)

0

4

8

12

16

0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20

infecciosoremovidototal

infecciosoremovidototal

p=4p=8p=16

Rc=4Rc=8Rc=16

i=1i=2i=3i=4-16

Rc=10,1,1,1,1,1Rc=1,4,1,5,1,4Rc=1,1,1,1,1,10Rc=2.66,2.66...

a b

c d

Tempo (dias)

e f

operandi de uma epidemia. Um período latente (p) de quatro dias e um período infeccioso (i) de um dia produzem uma curva de severidade de doença (aqui defi nida como a soma dos sítios latentes, infecciosos e removidos) em escada, onde cada degrau representa um múltiplo do número de esporos efetivos diários (Rc). Como i = 1, sítios infecciosos estão presentes somente um dia a cada quatro e a curva de removidos segue à de severidade, defasada no tempo (Figura 5.13a). A situação muda bastante com i = 2 (Figura 5.13b) e a curva de severidade transforma-se, de rígidos degraus, em suaves ondulações, que gradualmente vão desaparecendo com o tempo, em virtude da sobreposição de sítios infecciosos. Digno de nota é que, neste caso,

Figura 5.13 - “Output” do modelo de Camargo & Bergamin Filho (1988) para diferentes valores de parâmetros epidemiológicos. (a) p = 4 dias, i = 1 dia e Rc = 16/dia. (b) p = 4, i = 2 e Rc = 16. (c) efeito da variação de p para i = 4 e Rc = 16. (d) efeito da variação de Rc para p = 4 e i = 4. (e) efeito da variação de i para p = 4 e Rc = 16. (f) efeito da variação do números de esporos viáveis por dia de período infeccioso (Rc total = 16 para todos os casos) para p = 4 e i = 6. Para detalhes, ver texto.

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somente três períodos com sítios infecciosos inexistentes podem ser encontrados. Diferentes valores de p (Figura 5.13c) e de Rc (Figura 5.13d) alteram a velocidade com que a epidemia se desenvolve, o primeiro com peso maior que o segundo. Ao contrário do que o senso comum poderia supor, valores crescentes de i, após um certo limite, não infl uenciam a velocidade de crescimento da epidemia (Boxe 5.3). A Figura 5.13e mostra que valores de i superiores a quatro praticamente não têm efeito sobre a cinética epidêmica. O padrão de esporulação durante o período infeccioso, por outro lado, tem infl uência no desenvolvimento da epidemia. Neste contexto, a esporulação concentrada no início do período infeccioso acarreta uma epidemia de maior velocidade de crescimento (Figura 5.13f).

Boxe 5.3 - Períodos infecciosos de longa duração:

desperdício ou necessidade?

Zadoks (1971) foi o primeiro a chamar atenção para um fato aparentemente

surpreendente: após um certo limite, períodos infecciosos mais longos em

nada contribuem para aumentar a velocidade da epidemia. O modelo de Camargo

& Bergamin Filho (Tabela 5.3) também leva à mesma conclusão (Figura 5.13e).

Em vista disso, como explicar que muitos fungos apresentam períodos infecciosos

superiores a várias dezenas de dias? Puccinia recondita, por exemplo, chega a 70.

Sobrevivência é a palavra chave. Com um período infeccioso curto, o patógeno

corre o risco de desaparecer, caso condições climáticas desfavoráveis à infecção

perdurem por um tempo igual ou superior a (i + p). Modelos de simulação podem,

como se vê, em segundos, capturar alguns dos segredos que governam a natureza.

Modelos matemáticos, como os descritos neste item, sempre fornecem um resultado preciso. Seria, porém, este resultado preciso um bom resultado? Zadoks & Schein (1979) diferenciam o uso de simuladores para demonstrar princípios gerais e o uso de simuladores para prever acuradamente o desenvolvimento de epidemias no mundo real. Para o primeiro caso, sim, os simuladores geralmente produzem bons resultados; para o segundo caso, no entanto, pode-se dizer que ainda falta percorrer um longo caminho até que os resultados precisos que o computador fornece possam ser considerados bons resultados.

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