130
Escravo de Maria A Santíssima Virgem Nossa Senhora, a Contra-Revolução e o fim do mundo Jesus e Maria: criaturas superiores à transesfera O ponto que mais me toca na devoção a Nossa Senhora Devoção a Nossa Senhora: hélice da vida espiritual A presciência e a serenidade de Maria Aquele que excogitastes… tu o gerarás! Medianeira universal e necessária de todas a graças Verdadeira Esposa do Divino Espírito Santo Por meio de Maria, até Judas obteria perdão Peçamos a Nossa Senhora algo como Pentecostes O regozijo de ser especialmente amado Minhas últimas palavras: “Aumentem a devoção a Nossa Senhora” Diante da maldição de Nossa Senhora, eu desapareceria… A metáfora da Rainha destronada Significado da graça de Genazzano para o Senhor Doutor Plinio # ADAPTAR Mariologia Pliniana Nossa Senhora pode e quer nos socorrer contra o demônio Protetora dos que lutam contra a Revolução Grande milagre operado pelo Onipotente Maria e o símbolo da estrela Rainha dos corações Rainha que vencerá a Revolução Contínuo crescimento de graça Da plenitude de graças de Maria, recebe toda a humanidade Maria reconcilia os pecadores com Deus Maria deseja que aliviemos as almas do Purgatório Maria nos planos de Deus A Onipotência Suplicante Maria, modelo do que comunga Nossa Senhora, isenta de todo pecado No seio de Sant’Ana, a vitória da Contra-Revolução Imitar a Nossa Senhora é ser perfeito contra- revolucionário Maria é nossa vida Inflexível terribilidade Crescente inimizade

Esclavitud y Devoción Mariana

  • Upload
    winsaro

  • View
    62

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Esclavitud y Devoción Mariana

Escravo de Maria A Santíssima Virgem

Nossa Senhora, a Contra-Revolução e o fim do mundo Jesus e Maria: criaturas superiores à transesfera O ponto que mais me toca na devoção a Nossa Senhora Devoção a Nossa Senhora: hélice da vida espiritual A presciência e a serenidade de Maria Aquele que excogitastes… tu o gerarás! Medianeira universal e necessária de todas a graças Verdadeira Esposa do Divino Espírito Santo Por meio de Maria, até Judas obteria perdão Peçamos a Nossa Senhora algo como Pentecostes O regozijo de ser especialmente amado Minhas últimas palavras: “Aumentem a devoção a Nossa Senhora” Diante da maldição de Nossa Senhora, eu desapareceria… A metáfora da Rainha destronada Significado da graça de Genazzano para o Senhor Doutor Plinio # ADAPTAR

Mariologia Pliniana Nossa Senhora pode e quer nos socorrer contra o demônio Protetora dos que lutam contra a Revolução Grande milagre operado pelo Onipotente Maria e o símbolo da estrela Rainha dos corações Rainha que vencerá a Revolução Contínuo crescimento de graça Da plenitude de graças de Maria, recebe toda a humanidade Maria reconcilia os pecadores com Deus Maria deseja que aliviemos as almas do Purgatório Maria nos planos de Deus A Onipotência Suplicante Maria, modelo do que comunga Nossa Senhora, isenta de todo pecado No seio de Sant’Ana, a vitória da Contra-Revolução Imitar a Nossa Senhora é ser perfeito contra-revolucionário Maria é nossa vida Inflexível terribilidade Crescente inimizade Combatividade e desconfiança em face aos filhos da serpente Sede amparo e refúgio à grei fiel O Refúgio por excelência Simbolizada pelos píncaros da criação Rainha da Prudência e do Conselho Maria, templo onde Jesus quer ser invocado Coração Sapiencial e Imaculado de Maria Arca em cujo Imaculado Coração está escrita a Lei Divina Arco-íris da esperança, nas provações deste vale de lágrimas Velo de Gedeão: Imaculada Conceição e plenitude de graça Favo que trouxe em si o autor da vida Confiança nAquela que habita na altura

Page 2: Esclavitud y Devoción Mariana

Porta da aurora do Reino de Maria Cheios de júbilo, os Anjos saúdam a Imaculada Conceição Castidade contra-revolucionária e misericordiosa Decisão e fortaleza dos aflitos Paraíso espiritual mais belo que o Éden Terrestre Um rio de humildade no Paraíso do novo Adão Terra imaculada, da qual se formou o novo Adão Oceano de graças Oh! Sublime paciência dos que lutam! Maria é o oposto da Revolução Onipotente auxílio contra o demônio Mãe e Advogada dos homens A luta, uma das glórias de Maria Beleza realçada pela vitória sobre o demônio Aurora que suscita os guerreiros da Contra-Revolução Primeiro lance da Contra-Revolução Invocação propícia para os contra-revolucionários Sol do repouso e das longas meditações… Mãe dos pecadores que se querem converter Clemência sem cumplicidade com o erro Porto que se abre aos navegantes sem rumo Salus infirmorum Amor que supõe o combate pela Igreja militante

Artigos especialmente marianos Grignion de Montfort – I Grignion de Montfort – II Pro Maria fiant maxima “Um livro indispensável” Grignion de Montfort Esmagando a cabeça da serpente, Maria esmagou todos os heresiarcas A Medianeira Universal A santa intransigência, um aspecto da Imaculada Conceição Pio XII e a Era de Maria Nossa Senhora do Sagrado Coração A Consagração do Brasil ao Imaculado Coração de Maria A Consagração ao Imaculado Coração de Maria A Consagração a Nossa Senhora Devoção ao Coração Imaculado de Maria: dom da Providência ao século XX O Sagrado Coração de Jesus Mês de Maria: Rainha do Céu e da Terra, Maria é ao mesmo tempo nossa Mãe A Rainha da Paz é por excelência a Rainha da Vitória

Fátima Nossa Senhora profetizou um sinal celeste, prenúcio de castigos para o mundo “De Fátima nunquam satis”

Page 3: Esclavitud y Devoción Mariana

A Santíssima Virgem

(CSN 23.4.88)

A Concepção Imaculada de Nossa Senhora: são tais abismos de graça que o mar é um vil dedal de água em comparação com Ela.

(MNF 5.2.82)

O conceito de Imaculada exprime este estado de alma: santidade inconcebível, intransigência adamantina, procura do absoluto total.

(Jantar 11.86)

Ao receber a Anunciação do Anjo, Nossa Senhora fez uma análise suave, nobre, digna, recatada e virginal.

*

Nossa Senhora é a flor e a pérola da criação! *

Nosso ano é medido por nossos lances. Não é medido pela circunvalação da terra em torno do sol, mas por nossa circunvalação em torno de nossa Rainha!

Nossa Senhora, a Contra-Revolução e o fim do mundo# TEXTO INSERIDO TAMBÉM EM “Profeta para a última era histórica” (MNF)

Quando chegar o fim do mundo, Nossa Senhora verá a História inteira, desde Adão e Eva e o pecado original. Ela terá recolhido em seu coração todas as bandeiras caídas, todos os valores abandonados. Ela guardará todas as fidelidades que só Ela e um grupinho de eleitos ainda manterão. E Ela representará uma Contra-Revolução esmagada a tal ponto que o mundo não pode mais viver… mas que alcança a vitória inimaginável de o Filho de Deus descer do Céu, em pompa e majestade, para vingá-la.

Haverá no fim a grande recapitulação, a grande visão de encerramento, bem como a intervenção de Nossa Senhora para fazer cessar a História no ponto adequado. Ela, com sua oração, freia o curso da História quando a derrota parece mais tremenda. E por seu pedido faz com que o mundo acabe. Os poucos fiéis vivos — evidentemente seus escravos segundo o método de São Luís Grignion de Montfort — têm então a glória de não passar pela morte, cujos umbrais até Ela quis transpor. E assim são glorificados com um triunfo único. O Filho de Deus desce à terra com grande pompa e majestade e começa o julgamento. É o grande epílogo da História. Nossa Senhora saboreará cada aspecto desse epílogo, como saboreou amargamente cada gota de sangue e cada lágrima da Paixão, mas também como saboreou cada sorriso e cada agrado do Menino, agrados e sorrisos cheios de sentido e sapiencialidade.

Não sei se serei audacioso demais, mas necessariamente tem de ser esta a concepção total de Nossa Senhora. Essa concepção representa o aspecto que mais nos deve prender a Ela. É propriamente a grande devoção da TFP. Seria Nossa Senhora da Santa Sabedoria: conhecendo ao mesmo tempo o passado, o presente e o futuro, interpretando e, por assim dizer, vibrando e

Page 4: Esclavitud y Devoción Mariana

participando de cada passo mais do que ninguém. E depois fechando a História com chave de ouro! Nosso Senhor é o Rei dos profetas, porque profetizou e realizou a própria profecia. Ela é a contemplativa que viu e amou toda a profecia e toda a sua realização. Mais ainda. Compreendeu e amou a relação de todos esses acontecimentos com a ordem do universo e, portanto, com as infinitas perfeições de Deus, com o processo trinitário. Nossa Senhora assim vista preenche inteiramente os anseios de devoção e de piedade de um membro da TFP.

Devemos compreender que também conosco os acontecimentos têm sentido. Devemos ver a ação da TFP como sendo a ação que pode ter — vou dizer com dor — a ação que poderia ter mais participação com Maria meditativa desse grande conjunto. Em nossa vocação cada coisa, dados os descontos, tem o seu sentido. Não é algo sem sentido. Uma ingratidão medonha de um membro do Grupo, uma grande manifestação de amizade, de confiança, de respeito, o escárnio asqueroso de um Mesquita, enfim, tudo quanto quiserem tem seu sentido nesta linha. E aí devemos procurar o sentido das coisas. Mais ainda. Somos como letras vivas desse poema: à medida que vivemos de um jeito ou de outro, o poema vai adquirindo este ou aquele colorido. Somos Camões que não apenas compomos, mas vivemos os nossos Luzíadas. Esse panorama dá à nossa vida um sentido e uma beleza enormes, pois o caráter profético de nossa vocação tem com ele um nexo específico e a ele nos conduz.

Sob certo ponto de vista esse panorama é empolgante ao mais alto ponto, mas sob outro ponto de vista é tão empolgante que se pode duvidar que a maior parte das pessoas tenha a generosidade de se colocar nessa posição. Porque ao colocar-se a pessoa involuntariamente se dá. E dar-se ela não quer! Aparece o que os senhores todos sabem… e a pessoa não quer dar-se. Resultado: mingua e reduz a aspectos essa visão, mas não vai até esse ponto. Para se elevar a esse ver, a pessoa tem de receber as virtudes de Nossa Senhora e viver de sua vida. O conjunto dos homens que recebem d’Ela essas virtudes e com Ela entram neste nexo constitui um escol eleito dentro da humanidade. O fundo de tudo isso é a Fé. Sem muita Fé não se vêem as coisas assim.

Aliás, é um círculo não vicioso, mas um círculo bom, pois quem tem Fé e vê as coisas assim, aumenta a sua Fé e torna-se mais fácil vê-las assim. E aumentando a fé vai melhorando, melhorando… Porque a Fé fica tão evidentemente verdadeira, tão seguramente verdadeira, são tão claras estas verdades, que notem este fato: ninguém até aqui me pediu provas destas minha afirmação. Creio que esta consideração é prenunciativa do Grand Retour. E portanto o Grand Retour deve ser considerado como uma graça tal, tal… mas ele é uma mais ampla abertura do espírito de Nossa Senhora para nós, a fim de vivermos da virtude d’Ela.

Tudo quanto se passa conosco é, por sua vez, prenunciativo do fim do mundo. Acredito que os bem-aventurados que então viverem terão com Nossa Senhora uma comunicação que talvez Elias, talvez Moisés, talvez mais provavelmente São João Batista, São João Evangelista, São Luís Grignion, alguns poucos, tiveram ao longo da História. É um filão especial. E a ele a TFP é chamada a pertencer. Essa seria uma teologia da TFP. Não sei se todos percebem como essa teologia nos dá mais coragem para combater os nossos defeitos. Mais ainda. Embora seja indispensável combater crescentemente os nossos defeitos, nem esta é a preocupação inteiramente dominante. A

Page 5: Esclavitud y Devoción Mariana

preocupação dominante é viver essas verdades, porque vivendo-as o resto vem. Esta é uma das mais importantes reuniões do MNF que tenhamos feito até agora. Nunca vi algo mais prenunciativo do Grand Retour e do Reino de Maria do que essa teologia da TFP.

Jesus e Maria: criaturas superiores à transesfera(Apostila do MNF intitulada “Épico”)

É próprio a toda criatura ver a Deus em criaturas mais altas, ver a Deus em si mesmo ou em criaturas iguais, e até ver a Deus em criaturas mais baixas, porém sobretudo em criaturas mais altas: são as que mais falam do Criador. O mais elevado dos Serafins, não podendo ver nada superior em outro Anjo por ser ele o mais alto de todos, teria como consideração o possível de uma criatura ab-eterno. Essa criatura seria para ele uma espécie de projeção de tudo quanto ele sabe das coisas existentes e, ao mesmo tempo, mais algo que ele conjectura poder existir e que seria um Anjo criado ab-eterno.

Esse Anjo ab-eterno formaria exatamente o quê? Uma síntese. Nessa síntese e nessa projeção, o mais elevado dos Serafins vê algo que ainda não é Deus mas que lhe é indispensável para ver plenamente a Deus: é a weltanschaung do Serafim. Essa weltanschaung não é simplesmente a consideração do mundo como ele é, pois inclui algo a mais que o mundo poderia ter mas não existe; algo portanto de algum modo “criado” por aquele Serafim.

A partir de necessidades e conveniências pessoais, os homens também “criam” a transesfera: cada um projeta por assim dizer no ar uma determinada “realidade”, uma realidade simplesmente possível. Nenhum homem vive senão em face das realidades existentes ou que existiram e das realidade possíveis: são três dimensões indispensáveis ao pensamento humano, como indispensáveis são as dimensões do olhar e da audição. Símbolo dessa verdade são aqueles holofotes que às vezes fazem jogos no ar durante a noite. Tem-se a impressão de que o foco de luz chega em certo momento a um determinado ponto, e pára; nesse ponto sua luz se condensa e forma um fundo de si mesma. Assim seria a transesfera do pensamento humano: nosso pensamento sobe a um ponto altíssimo onde pára; pára porque é até onde conseguimos conceber. Esse é o conhecimento transesférico que supera todas as outras formas de conhecimento, exceto a visão beatífica que é a visão direta de Deus e visão de todas as coisas em Deus.

O que então fez Deus encarnando o Verbo e criando Nossa Senhora? Fez esta obra magnífica: criou algo maior do que a própria transesfera do homem, mas que ainda não é diretamente Ele mesmo e que deve ser analisado como sendo o auge de todas as transesferas. Uma visão exata de Nossa Senhora deveria apresentar tudo quanto há de transesférico e de criado existindo em Maria Santíssima. E portanto um conjunto composto de dois elementos: a figura de piedade corrente, e a interpenetração dessa figura com toda espécie de beleza, verdade e grandeza que vemos no universo.

Tomemos a mais modesta das expressões desse pensamento: aquela imagem de Nossa Senhora em Jasna Gora. Nem é artística, é artesanato e muito modesto. Há nela, porém, a intenção de

Page 6: Esclavitud y Devoción Mariana

apresentar um requinte de três valores: senso de todas as transesferas, senso de pureza e senso de ternura. Essa idéia o artista quis representá-la e representou-a de modo incompleto, mas se percebe que em seu espírito ela era um tanto mais rica do que está na imagem; percebe-se também que seu espírito recebeu-a de um ensino tradicional ainda mais rico, por onde se remonta então ao verdadeiro espírito da Igreja. É assim que eu vejo a Igreja naquela imagem.

Seria preciso não admitirmos que a contemplação interna de Nossa Senhora vê o Inefável apenas como fonte de pureza ou de bondade. Essa ablação é o que precisamos descartar ao olharmos imagens como aquelas, pois são pobres e insinuam existir na mentalidade de Nossa Senhora somente aquelas virtudes, quando teologicamente sabemos haver um inefável, se quiserem, um Alcandor com “A” maiúsculo, no qual se espelham todas as coisas magníficas do mundo. Devemos alargar nossa visão sobre Nossa Senhora de modo a contemplarmos imagens cujas fisionomias representem com igual autenticidade o élan dos cruzados, a pluma do chapéu de Condé, a conversa lindamente esmaltada de Madame de Sevigné, a glória dos Habsburgs e mil outros requintes. A “heresia branca”, porém, apresenta o espírito de Nossa Senhora contemplando a Deus apenas enquanto fonte de pureza e de ternura, exclusão contra a qual devemos nos defender.

Na visão certa temos a criação de uma figura que conhecemos pela Revelação e pela História; figura de fato mais alta do que a nossa transesfera, pois nos faz conhecer a respeito de Nossa Senhora maravilhas que nossa transesfera não poderia conjecturar; figura que devemos relacionar com nossa transesfera, pois cada um de nós legitimamente encontraria em Nossa Senhora tudo quanto em nossa transesfera está.

Voltando a investigar como o homem forma a própria transesfera através da indagação dos possíveis, podemos dizer que há algo no senso do ser — sem falar em flash — por onde o homem acaba tendo, naturalmente, uma espécie de noção dos esplendores de Deus e do mundo dos possíveis em Deus. Até lá vai a pista do natural. Se, por exemplo, passássemos num campo e víssemos de repente um lírio de excelente beleza, nós o relacionaríamos com o seu arquétipo; mas na ponta da noção de mais alto arquétipo o senso do ser despertaria em nós a cogitação de um lírio como não existe. E assim o lírio como existe seria mera imagem desse que não existe. Imagem concebida entretanto não apenas teoricamente, mas como que vista na contemplação do lírio real. Eis aqui o tal esplendor de Deus, esplendor possível que o senso do ser discerne em Deus. Os leões, as águias e todos os demais símbolos da heráldica são apresentados como um mundo inexistente, mas que aponta para o inconcebível, e aponta portanto para algo que uma vez concebido alcança o próprio Deus.

Eu desconfio que as muito altas produções, inclusive as musicais, apontam para o inconcebível. E digo mais: tudo quanto na ordem natural não aponta para o inconcebível não aponta para o esplendor do Padre Eterno; não aponta portanto para um possível em Deus que o senso do ser toca sem conseguir conceber, mas que o enche e que é a última ponta de tudo quanto é verdadeiramente bem trabalhado pelo espírito humano. Isso é a transesfera ou não? Eu digo que

Page 7: Esclavitud y Devoción Mariana

seria a calota superior da transesfera, a calota onde a transesfera expira, a abóbada celeste da transesfera.

O ponto que mais me toca na devoção a Nossa Senhora(EVP 25.6.72)

O ponto que me toca especialmente na devoção a Nossa Senhora é uma espécie de antinomínia harmoniosa e maravilhosa, existente no fato de Ela ser tão santa e entretanto saber colocar-se tanto ao nível de mim pecador e de todos nós pecadores. Essa junção me toca até onde pode tocar. Sem perder nada de sua incomensurável superioridade, Ela sabe por assim dizer colocar-se tão ao nosso nível. Quando cogito em Nossa Senhora e rezo a Ela, quando por assim dizer trato com Ela, sinto-A muito ao meu alcance e ao meu nível, enorme e espantosamente ao meu nível, mas de outro lado maior do que eu nem sei de que jeito! Ela — tão pura! — poder tocar numa alma que tem manchas, sem se contaminar em nada… e tendo todo horror, não ficar com horror de mim, há aqui um belíssimo e maravilhoso contraste, em que eu me sinto aceito e assumido por inteiro.

Se não coloco essa idéia no centro de minhas cogitações quando leio o livro de São Luís Maria Grignion de Montfort, eu como que perco o roteiro, tomo aquela leitura como um passeio pelo Saara. Se os senhores prestarem atenção, perceberão que em todo estudo que eu faço e em toda matéria que eu abordo, fica muito claro que há um ponto que me diz respeito, porque toca na catedral dos assuntos que, em última análise, aprofundando bem, se vinculam à minha luz primordial. Donde meu interesse por este ou por aquele tema que, do contrário, para mim é grego ou chinês.

Devoção a Nossa Senhora: hélice da vida espiritual(SD 21.9.65)

Como aumentar em nós o espírito do Grupo, tendo em vista a possibilidade de alguns, durante a Bagarre, terem de ficar longe daqueles que normalmente deveriam transmiti-lo a nós? Eis uma razão a mais para termos grande empenho em possuir o espírito do Grupo: o isolamento em que possivelmente fiquemos durante a Bagarre.

Esta pergunta excede de muito a este argumento pois, para nossa própria santificação, não há quanto baste de impregnarmos do espírito do Grupo. São Tomás de Aquino é quem diz a certa altura do “Lauda Sion”: “Tanto quanto você possa, assim também ouse louvar o Santíssimo Sacramento”. Mutatis mutandis, comparando uma causa infinita a uma finita, podemos dizer que tanto quanto nós ousarmos, procuremos nos embrenhar no espírito do Grupo e nos encher com o espírito do Grupo.

A pergunta esbarra diante de uma parede e não há saída. Porque, para amarmos mais o espírito do Grupo temos de diminuir em nós os obstáculos que nos impedem de conhecer, afirmar e amar o espírito do Grupo. Ora, esses obstáculos são em geral dos mais profundos da nossa vida espiritual. Portanto, fica de pé a pergunta: como resolver os mais profundos dos obstáculos da

Page 8: Esclavitud y Devoción Mariana

nossa vida espiritual? Como é fácil perceber, essa pergunta cai numa espécie de maremagma conforme cada pessoa. E ela fica sem uma saída adequada. Como para tudo tem de haver uma saída, a saída tem de estar do outro lado. Essa saída ― eu tenho certeza ― consiste no seguinte ponto: realmente, como não saímos de perguntas dessas pelas nossas próprias forças, pois esse é o ponto sensível de nossa debilidade, de nossa fraqueza, de nossa culpa e de nosso pecado, então é preciso que algo extrínseco nos tire dessa situação.

Para sairmos dela, o que é preciso então? Toda pessoa pode ter uma devoção a Nossa Senhora medida em graus segundo o seguinte critério: esta devoção, ou está na proporção da nossa vida espiritual ou está menor que nossa vida espiritual. Podemos encontrar pessoas de uma vida espiritual muito aquém, mas que têm uma devoção a Nossa Senhora maior do que naquele estágio de vida espiritual se poderia imaginar. Podemos, às vezes, encontrar pessoas de um estágio tal e qual na vida espiritual, mas com menos devoção a Nossa Senhora do que naquele estágio se poderia imaginar.

E então devemos nos perguntar: que relação há entre nossa devoção a Nossa Senhora e nossa vida espiritual? Nossa devoção é proporcionada à nossa vida espiritual? Ela é maior do que a nossa vida espiritual? Ou ela é menor do que a nossa vida espiritual? A resposta, qualquer que ela seja, deve desembocar no seguinte ponto:

Se tivermos uma devoção a Nossa Senhora imensamente maior que a proporcionada à nossa vida espiritual, somos como um objeto parado que tem uma hélice girando na frente: a hélice acaba girando tão depressa que arranca o objeto do chão. A hélice é a devoção a Nossa Senhora. Se a devoção a Nossa Senhora for o ponto mais extremo, mais alto, mais dinâmico de nossa vida espiritual, por miserável que seja nossa vida espiritual, a devoção a Nossa Senhora nos arranca do ponto que estamos. A hélice, que é a devoção a Nossa Senhora, nos faz sair de onde estamos e acaba por nos elevar. Se, pelo contrário, ela for diminuída, mesquinha, minguada em relação à nossa vida espiritual, nossa vida espiritual produzirá a passos de cágado ou então não produzirá nada de uma vez. Se ela for ainda menor, o resultado é a apostasia.

E aqui temos a sonda. Porque pode ser duro para um homem combater seus defeitos, pode ser que, por fraquezas ou por culpa, não combata seus defeitos, mas não pode ser duro para um homem ter devoção a Nossa Senhora, não pode ser duro para um homem levar essa devoção aos últimos pontos em que a doutrina católica permite ser levada. E quando o homem a leva, Nossa Senhora lhe obtém aquela plenitude do espírito do Grupo, aquele amor de Deus, aquele dinamismo de vida espiritual por onde ele se eleva por cima de seus próprios defeitos.

Essa teoria da devoção a Nossa Senhora nos fornece os meios para sairmos do atoleiro em que tantas e tantas vezes, por culpa própria, afundamos. Ela representa um enorme avanço em toda a vida espiritual. Essa devoção, evidentemente, deve ser praticada com intenso desejo de servir e glorificar Nossa Senhora. Deve ser praticada de acordo com seu espírito e baseada em seu auxílio. O verdadeiro escravo de Nossa Senhora compreende que não é nada e não pode nada; que no fundo ele precisa do auxílio de Nossa Senhora para tudo, mesmo para as coisas menores; e como

Page 9: Esclavitud y Devoción Mariana

nas coisas menores ele talvez tenha mais fortemente a impressão de que pode fazer só por si, convém especialmente pedir o auxílio de Nossa Senhora, pois ainda é uma forma de unir nossa atividade ou uma determinada empreitada a Nossa Senhora.

A presciência e a serenidade de Maria(SD 24.3.66)

Há algo paradoxal em Nossa Senhora. Eu lhes garanto que Ela tinha toda a presciência do que lhe ia acontecer e, ao mesmo tempo, uma tranqüilidade, uma serenidade, uma normalidade, um estado de alma como o de quem não conhece o que vai acontecer, como quem está vivendo a vida de todos os dias, afável, amável, íntegra, integrada nos acontecimentos quotidianos no que eles têm de melhor, sem que essa perspectiva desse à sua vida um estilo que não fosse o estilo da inteira normalidade corrente, da inteira humildade, eu ousaria dizer da inteira pequenez, que é intuitivo que Ela tinha em sua vida também. Esse sublime paradoxo nos indica quantas maravilhas insondáveis há na alma de Nossa Senhora.

Que Ela nos leve ao Céu, para durante a eternidade inteira considerar essas maravilhas. Eu lhes garanto que será, abaixo de Nosso Senhor, o maior ornamento do Céu e o espelho por onde nós, exceto no tocante à visão beatífica, melhor poderemos ver a Deus.

Aquele que excogitastes… tu o gerarás!(SDS 2.2.85)

Concebida sem pecado original, Nossa Senhora tinha uma enorme inteligência, da qual ninguém pode ter idéia. Folheando as Escrituras com essa inteligência perfeita e toda inundada de graças para as interpretar, Ela sabia que o Messias anunciado pelos Profetas estava para nascer, e pedia a Deus para ser a escrava, a servidora dAquela que seria a Mãe do Salvador. Embora sem saber que seria a Mãe de Deus, Maria chegou afinal a compor a fisionomia do Redentor que Ela esperava: como seria seu rosto divino, como seria seu espírito, como seria sua mentalidade santíssima. Conta-se — e eu acho tão belo e tão razoável que sou enfaticamente tendente a acreditar — que nesse momento, quando Nossa Senhora completou a imagem que sua meditação formava sobre o Messias, o Anjo São Gabriel apareceu e convidou-A para ser a Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ela queria ser a escrava… Deus A convidou: “Queres ser a Mãe?”.

Houve, então, uma primeira tarefa na vida de Nossa Senhora: conceber pela inteligência como seria o Filho de Deus; mas conceber com cuidado, conceber evitando qualquer distração, qualquer negligência, qualquer coisa que pudesse fazer com que a imagem desse Filho de Deus, que haveria de ser também Filho d’Ela, fosse um pouco menos nítida, menos clara, menos santíssima do que Ela queria e era chamada a imaginar.

Houve ou haverá no gênero humano artista capaz de imaginar a fisionomia de Nosso Senhor Jesus Cristo? Nada! Nada é nada, absolutamente nada, em comparação com essa concepção intelectual realizada por Maria. Que santidade é preciso ter para imaginar o olhar do Filho de Deus, para imaginar o timbre de voz do Filho de Deus, para imaginar seus gestos, seu andar, seu divino

Page 10: Esclavitud y Devoción Mariana

repouso? Como imaginar essas sublimidades? Que alma é preciso ter para tentar essa obra! Que alma é preciso ter para chegar ao êxito numa obra dessas! Mais ainda, mais ainda: que alma precisa alguém ter para depois de fazer essa obra interior de composição, Deus lhe dizer: “Aquele que tu excogitastes, tu O gerarás!”. Que prêmio! Que prêmio! Que prêmio maravilhoso este: “Excogitaste? Dedicaste a tua mente a desvendar esse segredo? Acertaste! Fizeste com tanto amor e tanto êxito que eu te afirmo: ‘Tu O gerarás!’”.

Nunca houve e nunca haverá prêmio igual na História do mundo! Nosso Senhor disse àqueles que Lhe seriam fiéis: “Eu serei Eu mesmo o vosso prêmio demasiadamente grande”. Ele é prêmio tão perfeito, que até para Nossa Senhora foi o prêmio demasiadamente grande!

Medianeira universal e necessária de todas a graças(Papéis de estudo)

Nossa Senhora é medianeira universal e necessária de todas as graças, pois o Espírito Santo, dispensador de todas as graças, tendo produzido em Maria, por Maria e com Maria o princípio de toda graça, Nosso Senhor Jesus Cristo, contraiu com Ela um desponsório indissolúvel por causa da fidelidade de tal Esposa. Portanto, todas as graças são infundidas pelo Espírito Santo em Maria, por Maria e com Maria. Maria é legitimamente a Mãe e Dispensadora de todas as graças, reunindo em si, de modo eminente, toda a santidade espelhada por todos os eleitos, passados, presentes e futuros, até à consumação dos séculos. Pela sua extrema santidade e comunhão com a Santíssima Trindade, é a Rainha do Céu e da terra.

Verdadeira Esposa do Divino Espírito Santo(Palavrinha Curitibanos 19.4.92)

Nossa Senhora é Esposa do Divino Espírito Santo no mais verdadeiro sentido da palavra: em Maria Santíssima o Divino Espírito Santo gerou Nosso Senhor Jesus Cristo. Ora, entre dois esposos que são um em relação ao outro o que devem ser, existe um intercâmbio de confidências, um intercâmbio de afeto, um intercâmbio no modo de considerar as coisas e ver a realidade, um intercâmbio de alegrias e tristezas, que forma a união matrimonial bem feita. Esse intercâmbio tem de ser ainda muito maior entre Nossa Senhora e o Divino Espírito Santo.

Imaginem uma pessoa que tenha contínuos colóquios com o Divino Espírito Santo, uma pessoa a quem Ele, como esposo, conta tudo quanto está em suas cogitações! Mais ainda: conta não só o seu modo de ver os acontecimentos na terra e no céu, mas conta mistérios que há no seio da Santíssima Trindade e que não podem ser revelados a ninguém, senão à sua Esposa. Vemos assim Nossa Senhora sobrecarregada de dons os mais excelsos que se possam conceber. Sem falar em suas relações com o seu Divino Filho, tema tão admiravelmente conhecido que nem precisa ser explanado. Todos esses dons colocam Nossa Senhora numa altura e numa santidade que A faz obter tudo quanto pede! Há um belo axioma dos doutores da Igreja: se todos os santos pedissem algo sem Ela nada obteriam; se Ela pedisse algo sem nenhum dos santos tudo obteria! Todas as nossas preces sobem a Deus por meio de Nossa Senhora. Se não for por meio de Nossa Senhora não sobem, pois não têm agrado suficiente.

Page 11: Esclavitud y Devoción Mariana

Como queremos algo dificílimo: queremos derrotar a Revolução, que até agora não foi seriamente derrotada por ninguém — ela pode ter perdido batalhas, mas não perdeu nenhuma guerra — como estamos empenhados a fundo em derrotar a Revolução, devemos ser muito unidos a Nossa Senhora, oferecer-Lhe nossos miseráveis méritos para que Ela ponha na salva de ouro de seu amor e ofereça a Nosso Senhor.

Por meio de Maria, até Judas obteria perdão(Palavrinha Curitibanos 19.4.92)

A tentação típica de desespero ocorre quando a pessoa peca e julga haver caido tão baixo que para ela já não há perdão. Há porém um princípio verdadeiro para todo ente vivo: por maior que seja a infâmia praticada, se ele pedir perdão ele o recebe. Recebe porque a esse pedido se associa Nossa Senhora e Ela merece o perdão que o pecador de si não mereceria.

Na História só há um homem cujo nome, o simples nome, é um ultraje, um dos maiores ultrajes que se possa fazer a alguém: Judas! Chamar alguém de qualquer outro nome não é ultraje, mas chamar de Judas… Chamou alguém de Judas, está dita a pior infâmia! Entretanto, todos os teólogos afirmam: se Judas não tivesse se desesperado, mas procurado Nossa Senhora, Ela o receberia com bondade e seu pedido de perdão seria ouvido; ele recomeçaria a vida e Ela lhe obteria a reintegração no colégio apostólico e a santificação.

Peçamos a Nossa Senhora algo como Pentecostes(SD 25.03.69)

Há uma misteriosa obra do Espírito Santo em nossas almas, um modo de agir superexcelente, que passa além de todas as nossas fraquezas, de todas as nossas misérias e, por assim dizer, nos transforma completamente em outros homens — eu quase diria “nos transubstancia”, se a expressão não fosse por demais ousada. Algo parecido com Pentecostes, esta transformação nós a devemos pedir a Nossa Senhora: que Ela realize essa maravilhosa obra de nos tornar seus verdadeiros e perfeitos escravos, verdadeiros e perfeitos apóstolos dos últimos tempos. Essa é uma obra secreta em nossas almas, obra de uma natureza, de uma índole que nós mesmos não imaginamos. São Luís Grignion de Montfort, no tratado da Cruz, diz que só pela experiência podemos chegar a nos dar bem conta de como opera o mistério de Maria. Que Nossa Senhora nos dê a graça de que esse mistério opere em nós. Que Ela nos faça inteiramente como Ela queria que fossemos, desde o momento em que nascemos, desde o momento em que fomos batizados, desde o momento em que fomos chamados para o Grupo, desde este momento em que Ela nos chama de novo para uma grande intimidade com Ela.

O regozijo de ser especialmente amado(Chá SRM 4.7.94)

Há uma qualquer coisa do espírito humano que nos regozija em considerarmos que fomos especialmente beneficiados. Não é egoísmo, não é nada disso. É sentir-se mais perto, é a alegria de estar mais perto, e aos olhos de Nossa Senhora não se perder a gente no meio da multidão.

Page 12: Esclavitud y Devoción Mariana

Mas houve um momento em que os olhos d’Ela pousaram especialmente sobre nós. Como pousaram? Trazendo-nos para cá e levando a exposição de hoje a tomar esse rumo. Evidentemente foi uma coisa especial. E cada um dos senhores recebeu um toque da graça que é um chamado, como se Ela dissesse: “Quero este, aquele, aquele outro, aquele outro, aquele outro”. Fomos queridos…

A linguagem do Ocidente, para exprimir afeto, diz “querido”. “Meu querido filho” quer dizer “o meu filho que eu quero; portanto, a quem eu quero bem; mas que eu quero ter junto de mim, que eu quero que seja muito meu como eu sou muito dele”. Nós fomos queridos nessa ocasião. Então guardarmos desta circunstância uma lembrança.

Minhas últimas palavras: “Aumentem a devoção a Nossa Senhora”

(RR 8.7.95)

Quando eu morrer, minhas últimas palavras ainda serão estas: “Aumentem a devoção para com Nossa Senhora”. Nossa oração deve ter como objeto imediato Nossa Senhora. É uma proposta, não é um dever, mas é uma proposta que eu faço, e sobre a qual eu tenho insistido tanto e tanto, ao longo destes muitos anos, deste meio século ou mais que constitui a história da TFP, que eu quase não deveria insistir. Mas o homem de hoje tem uma tal propensão a se esquecer sistematicamente do que ele deve lembrar, e se lembrar sistematicamente do que deve esquecer, que eu sou obrigado a repetir, repetir, repetir. E creio que, se eu morrer lúcido, as minhas últimas palavras ainda vão ser essas: “Aumentem a devoção para com Nossa Senhora”.

Diante da maldição de Nossa Senhora, eu desapareceria…

(SD 17.10.80)

Tenho de tal maneira minha confiança posta na mediação de Nossa Senhora para nos obter misericórdia de Deus, que a simples idéia de Ela nos amaldiçoar me cria um estado em que tenho a impressão — embora saiba não ser verdade — de que, se eu fosse puro espírito e ficasse colocado ante a maldição de Nossa Senhora, mesmo sendo puro espírito, eu desapareceria! Seria um viver que não era mais viver. Se nem Ela tem pena de mim, não sei para que vivo. Eu só me arranjo com a pena d’Ela. Não tenho outro meio de me salvar, nem de conseguir algo para mim, a não ser que Ela tenha pena de mim… E uma dessas penas que é pena mesmo! Não é fundada em mérito, mas é gratuita bondade d’Ela, que eu não mereci. É dessa gratuidade que procede a pena, como está na “Salve Regina”, no “Memorare” e na doutrina católica.

Se minha situação chegasse a tal ponto que até essa compaixão em relação a mim cessasse, eu, se pudesse dilacerar-me, utilmente me dilaceraria, porque não compreenderia mais o que seria viver. A vontade era sair correndo e batendo com a cabeça em todas as paredes deste prédio e daí para fora… em todos os postes e pedras e casas da rua, para arranjar um jeito de bater contra a situação, que entretanto não teria saída. Cada tentativa me desesperaria mais… e eu agravaria o meu mal, num crescendo que não teria fim.

Page 13: Esclavitud y Devoción Mariana

De fato, o ponto por onde estamos suspensos em cima do inferno de todos os desesperos e não caímos é a prece de Nossa Senhora, é aquilo que a liturgia chama a “gloriosa intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria”. Uma intercessão cheia de glória, porque Nossa Senhora pedindo Deus diz “sim”. Essa é a sua glória: a glória de obter sempre! E eu não consigo encarar a idéia do que seria Nossa Senhora abrir mão de nós, mas eu não consigo encarar essa idéia! Se Esta abriu mão de alguém é o caso de lançar um desses brados que dão a volta na terra e repercutem em todas as estrelas. Não tem mais nada. Realmente, não tem mais nada. Até me horroriza pensar…

A metáfora da Rainha destronada(Mensagem para os Correspondentes Esclarecedores da TFP norte-americana19.5.83)

A TFP é tal que ela só tem a lucrar com a definição das posições e dos campos. No terreno das ambigüidades, das molezas e das indiferenças não há clima, não há recuo ótico para ela ser vista adequadamente. Pelo contrário, na medida em que as circunstâncias se vão tornando difíceis e caminham até para o trágico, no momento em que se percebem os passos de Deus nas vias da História se aproximando e fazendo sentir aos homens que a hora das grandes decisões e das grandes deliberações da Providência chegou, é neste momento que as almas mais facilmente se voltam para aquilo que é de Deus e portanto para a TFP, que a Providência Divina suscitou a rogos de Maria para o serviço da Igreja e da Cristandade, em nossa difícil época.

Para fazer apanhar num só golpe de vista a situação da TFP, talvez uma metáfora lhes seja útil. E com ela vai minha contribuição para o acerto e o brilho da semana de estudos que está sendo inaugurada. Poderíamos imaginar esta situação.

Uma rainha de uma formosura incomparável, de uma majestade proporcionada à sua formosura, de uma bondade proporcionada à sua majestade e à sua formosura. Essa rainha governa pacificamente sobre povos inteiros que se inclinam encantados e reverentes diante dos acenos de seu cetro de mãe. De repente, no meio desses povos se levanta o inimicus homo. Percebe-se que a mesma serpente maldita, que uma vez no Paraíso causou a perda dos homens, começa a se movimentar no meio das massas e das multidões. E a rainha se sente mal à vontade para governar esses ou aqueles setores de seu imenso império.

Com o curso dos tempos, as partes do império fiéis a ela vão se reduzindo. E ela acaba reduzida à presença em seu próprio palácio. O inimigo vai penetrando, o descontentamento vai tocando por toda parte, penetra no próprio palácio e, por fim, até na sala do trono. A hora da tragédia chegou. A rainha está de pé, majestosa, cinge sua coroa, tem na mão o cetro, o manto real lhe desce dos ombros até os pés. Ela cintila de jóias, mas sobretudo de grandeza, de majestade, de implícitas promessas de bondade… mas ela enfrenta o adversário que avança.

Sua sala está cheia de cortesãos: infelizmente não correspondem à expectativa da rainha. Ela esperava que ao menos desse punhado de fiéis que, refluindo de todas as partes da terra, se agrupou em torno dela, ao menos desses partisse o brado da fidelidade perfeita e começasse a reação indispensável ante tão grande descalabro, mas esse brado é dado. Na imensa sala do trono, onde todos estão, o alarido do adversário se faz ouvir. Arrebentam-se as portas e o

Page 14: Esclavitud y Devoción Mariana

adversário entra. E os cortesãos da rainha que deveriam jogar-se entre ela e o adversário, estão de braços cruzados.

Uns por medo, outros por sono, outros porque querem um lugar na ordem de coisas que o adversário maldito vai implantar e por causa disso não se interessam pela rainha. O adversário ousa mais, aproxima-se. Depois ousa mais ainda, cerca a rainha com cordas, prende-a e ela está imóvel, pronta para ser arrastada. Seu olhar implora aos cortesãos que pouco ou nada fazem em favor dela, que apenas dão alguns soluços de tristeza inútil ou esboçam algum gesto de protesto mole ou nada fazem. Ela implora que eles tenham coragem, andem, se pronunciem, se declarem. Pelo olhar, já estando com os lábios vedados e não podendo falar, pelo olhar ela lhes faz todo esse apelo.

Infelizmente as derrotas da rainha vão se sucedendo umas às outras: ela está para ser arrancada do trono. Um bandido ata uma corda em torno do pescoço dela e puxa para ela cair. Quando esse fato se dá, a extrema infâmia do acontecimento produz também o extremo da indignação de alguns bons. Eles se levantam e bradam: “Esse horror não havemos de permitir!”. E se atiram em defesa da rainha.

A indignação deles, protegida por Deus, lhes centuplica as forças: a reação começa, acorda os adormecidos, dá coragem aos medrosos, envergonha os oportunistas. Por toda a parte simpatias vão nascendo e uma grande contra-ofensiva se esboça. Antes de o sol se pôr, há de novo paz e ordem no palácio da Rainha. Ela, encantada ao ver que filhos fiéis a salvaram na hora do perigo extremo, lhes distribui recompensas mais esplêndidas do que eles jamais sonharam, com uma bondade materna que não se pode ter uma idéia adequada senão vendo a cena. Nesta atmosfera a noite desce. E com a noite a paz sobre o palácio da rainha.

No dia seguinte outras batalhas serão travadas e começa a reconquista do reino. A ordem de coisas, o Reino de Maria se reiniciará. Mas então com que glória, com que esplendor! Porque a rainha no momento extremo, por um olhar a alguns últimos fiéis, venceu todos os seus adversários, em todo seu reino revoltado. Ela foi a grande vencedora!

Essa metáfora tem a sua aplicação. Ao longo do processo revolucionário que começou com o Protestantismo, passou da esfera religiosa para a política com a Revolução Francesa, da esfera política contaminou a esfera econômica social: é a III Revolução, a revolução comunista. E agora vai passando de todos os modos para a IV esfera, a esfera de todos os imponderáveis do homem. Essa IV Revolução nós a poderíamos chamar “autogestionária”, poderíamos chamar a “Revolução ecológica”, poderíamos chamar talvez de preferência a “Revolução dos bruxedos e do demônio”, a “Revolução hippie e punk”, essa Revolução está invadindo a terra. E dos últimos restos da glória de Maria pela terra quase nada existe.

Existem alguns fiéis daqui, de lá e de acolá. Vários deles estão nessa verdadeira sala do trono de Maria que é a TFP e ali vêem a Rainha que está sendo ultrajada. Esse olhar de Nossa Senhora, aflito, régio, maternal, cheio de promessas, mas faiscando ameaças contra o adversário —

Page 15: Esclavitud y Devoción Mariana

promessas para os filhos e faíscas de ameaça para os adversários — nesta hora extrema nos tocou. E nós nos levantamos e começamos a luta! E essa luta é a luta da TFP por toda a terra.

Aquela frase da Escritura que Santo Antônio Maria Claret escolheu para o símbolo da sua congregação religiosa, os Filhos do Imaculado Coração de Maria, me vem ao espírito quando trato desse tema. Ele colocou em seu escudo um fundo azul, cor do Sapiencial e Imaculado Coração de Maria. Sobre esse fundo azul, o próprio Coração Imaculado de Maria, um coração rubro encimado por uma chama, adornado por um cinturão de flores brancas que representam a virgindade da Virgem-Mãe. E uma espada de dor que o transpassa, porque a dor é a glória da Mater Dolorosa, que compartilhou com Nosso Senhor Jesus Cristo a ação redentora do Calvário. Ela é chamada pelos teólogos a “co–Redentora dos homens”. Sobre esse escudo tão belo, há um cavaleiro medieval armado representando São Miguel. E ao pé do escudo essa frase lindíssima: “Filii ejus surrexerunt et beatissima praedicaverunt – Seus filhos se levantaram e A proclamaram muito bem-aventurada”.

É nossa tarefa sermos as pessoas armadas do pé à cabeça com as armas da fé, com as armas do sobrenatural, com todas as armas que a justiça e o direito põem ao nosso alcance, armados para nos levantarmos em face da terra e proclamar Aquela que é muito Bem-Aventurada. Essa é a aurora do Reino de Maria. Com essas palavras vos saúdo e peço à Virgem Santíssima que com todas as graças presida ao vosso simpósio.

Significado da graça de Genazzano para o Senhor Doutor Plinio # ADAPTAR

(MNF 26.4.89)

[O que representou a graça de Genazzano para o senhor, na linha de união mística com Nossa Senhora?]

Por detrás de tudo quanto você está dizendo, está subjacente a insinuação de que eu tenho uma união mística com Nossa Senhora especial.

Eu não vejo isso assim. Eu vejo como uma devoção que qualquer bom fiel tem por Nossa Senhora. As razões determinantes são aquelas dadas por São Luís Maria Grignion de Montfort no “Tratado”; livro maravilhosamente racional que me fez muitíssimo bem enquanto racional, porque está bom, certo, provado; é doutrina e está tudo muito bem. De maneira que, tudo quanto na Igreja era para mim uma espécie de feeling vago, mas expresso em formas de piedade e em expressões iconográficas, tomou uma explicitação e uma apalpabilidade pelas quais a minha alma é sôfrega.

Na graça de Genazzano houve apenas o seguinte. No momento em que aquela imagem se manifestou a mim, eu senti algo como se a fisionomia dela tivesse mudado, e Ela tomasse aquela atitude fisionômica como resposta a uma preocupação que eu trazia dentro de mim: que era exatamente se eu, apesar de meus defeitos, conseguiria realizar a minha vocação. Então, o sorriso C mas, não era um sorriso no papel do quadro, e sim como Ela faz [em Genazzano] C

Page 16: Esclavitud y Devoción Mariana

acompanhado de uma doçura e de uma espécie de certeza que continha em si uma espécie de deleite delicado e suave do apoio constante dEla.

Isto, nas coisas de arrepiar que aconteciam de vez em quando C nossa vida é muito cheia de coisas de arrepiar que toda hora acontecem… C me mantinha muito tranqüilo, sereno, etc. E é a razão pela qual eu disse mais de uma vez que, se não fosse a graça de Genazzano, eu teria morrido. Porque é sabido que uma pessoa que teve uma espécie de colapso diabético, como eu tive, não pode ter muitas emoções. Então, esta doença tornaria impossível para mim seguir na batalha em que eu lutei, se não fosse essa ajuda.

Quando houve o desastre, por certas razões eu julguei que essa graça estava cancelada. E ela se tornou para mim completamente árida. Mas, de algum modo alguma coisa continuava, e foi o que me permitiu sobreviver.

De algum tempo para ca essa aridez, graças a Ela, vem diminuindo. Ainda existe, mas vem diminuindo. E para mim é um alívio. Mas, note que foram 14 anos…

É o que eu teria para dizer. É muito corrente, muito comum, de maneira que eu proponho outro tema, em que nós possamos entrar.

Page 17: Esclavitud y Devoción Mariana

Mariologia Pliniana1

Nossa Senhora pode e quer nos socorrer contra o demônioComo onipotente Soberana de todo o universo, por vontade de Deus, Nossa Senhora tem o poder de nos auxiliar e quer inesgotavelmente nos socorrer em todas as nossas necessidades. Logo, se pedirmos, Ela nos socorrerá. Para o êxito de nosso apostolado, para o êxito de nossa vida interior, precisamos, a cada passo, da proteção de Nossa Senhora. E Ela a todo o momento está disposta a nos conferir os auxílios mais inesperados, mais súbitos, mais espetaculares.

Ela é a Mãe do Perpétuo Socorro. E o perpétuo socorro é um amparo, é um ato de misericórdia, é um ato de piedade perpétuo, quer dizer, ininterrupto, que não se detém nunca, que não cessa nunca, que não se suspende nunca. Nunca significa em nenhum minuto, em nenhum lugar, em nenhum caso: por pior que seja a situação de quem A invoque, a Mãe de misericórdia o socorrerá. Por isso, quanto mais nossas almas estiverem tentadas, tanto mais devemos rogar à Santíssima Virgem. Ela é a Rainha de toda a criação e pode, quando queira e onde queira, derrotar fragorosamente o espírito das trevas, impondo a sua própria soberania.

A fim de nos incutir confiança nas horas das tentações, e de nos fazer compreender que a estas pode suceder a qualquer instante uma singular e aprazível consolação, Maria pratica fulgurantes ações em favor das almas, contra Satanás. O demônio mais insistente, mais persistente, mais renitente, nada é para aquele que a Ela recorre.

Protetora dos que lutam contra a RevoluçãoO quadro de nossos dias é muito claro. Estamos nos supremos lances de uma luta, que chamaríamos de morte, se um dos contendores não fosse imortal, entre a Igreja e a Revolução. A primeira, a grande, a eterna revolucionária, inspiradora e fautora suprema desta Revolução, como das que a precederam e lhe sucederem, é a serpente, cuja cabeça foi esmagada pela Virgem Imaculada. Maria é, pois, a Padroeira de quantos lutam contra a Revolução.

A mediação universal e onipotente da Mãe de Deus é a maior razão de esperança dos contra-revolucionários. E em Fátima Ela já lhes deu a certeza da vitória, quando anunciou que, ainda mesmo depois de um eventual surto do comunismo no mundo inteiro, por fim seu Imaculado Coração triunfará.

Grande milagre operado pelo OnipotenteNão há título maior que o de Mãe de Deus. Contudo, Nosso Senhor Jesus Cristo preza tanto a virgindade que desejou fosse sua Mãe também virgem, operando em favor d’Ela um estupendo

1 Textos extraídos do “Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado”.

Page 18: Esclavitud y Devoción Mariana

milagre que excede à nossa imaginação: Maria permaneceu virgem antes, durante e depois do parto. Segundo a bela comparação que fazem os teólogos, assim como Nosso Senhor saiu do sepulcro sem esforço e sem nada quebrantar, assim deixou Ele o claustro materno, sem detrimento da virgindade de Maria Santíssima.

Maria e o símbolo da estrelaNossa Senhora é chamada, muito a propósito, de Estrela luminosíssima. Incontáveis astros reluzem no firmamento, porém Ela é o mais resplandecente de todos, ou seja, Maria é a mais luminosa das criaturas. E por que é simbolizada pela estrela? Porque é durante a noite que cintilam as estrelas, e esta vida é para o católico uma noite, um vale de lágrimas, uma época de provação, de perigo e de apreensões. Na eternidade teremos o dia, porém na vida terrena temos o escuro da madrugada. E nesta noite existe uma estrela que nos guia, que é a consolação de quem caminha nas trevas, olhando para o céu: Maria Santíssima, a mais fulgurante de todas as estrelas!

Rainha dos coraçõesSão Luís Grignion de Montfort faz referência a essa linda invocação que é Nossa Senhora Rainha dos Corações. Como coração entende-se, na linguagem das Sagradas Escrituras, a mentalidade do homem, sobretudo sua vontade e seus desígnios. Nossa Senhora é Rainha dos corações enquanto tendo um poder sobre a mente e a vontade dos homens. Este império, Maria o exerce, não por uma imposição tirânica, mas pela ação da graça, em virtude da qual Ela pode liberar os homens de seus defeitos e atraí-los, com soberano agrado e particular doçura, para o bem que Ela lhes deseja.

Esse poder de Nossa Senhora sobre as almas nos revela quão admirável é a sua onipotência suplicante, que tudo obtém da misericórdia divina. Tão augusto é este domínio sobre todos os corações, que ele representa incomparavelmente mais do que ser Soberana de todos os mares, de todas as vias terrestres, de todos os astros do céu, tal é o valor de uma alma, ainda que seja a do último dos homens!

Cumpre notar, porém, que a vontade (isto é, o coração) do homem moderno, com louváveis exceções, é dominada pela Revolução. Aqueles, portanto, que querem escapar desse jugo, devem se unir ao Coração por excelência contra-revolucionário, ao Coração de mera criatura no qual, abaixo do Sagrado Coração de Jesus, reside a Contra-Revolução: ao Sapiencial e Imaculado Coração de Maria.

Façamos, então, a Nossa Senhora este pedido: “Minha Mãe, sois Rainha de todas as almas, mesmo das mais duras e empedernidas que queiram abrir-se a Vós. Suplico-Vos, pois: sede Soberana de minha alma; quebrai os rochedos interiores de meu espírito e as resistências abjetas do fundo de meu coração. Dissolvei, por um ato de vosso império, minhas paixões desordenadas, minhas volições péssimas, e o resíduo dos meus pecados passados que em mim possam ter ficado. Limpai-me, ó minha Mãe, a fim de que eu seja inteiramente vosso”.

Page 19: Esclavitud y Devoción Mariana

Rainha que vencerá a RevoluçãoA realeza de Nossa Senhora, fato incontestável em todas as épocas da Igreja, veio sendo explicitada cada vez mais a partir de São Luís Grignion de Montfort, até aquele 13 de julho de 1917, quando Maria anunciou em Fátima: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”. É uma vitória conquistada pela Virgem, é o seu calcanhar que outra vez esmagará a cabeça da serpente, quebrará o domínio do demônio e Ela, como triunfadora, implantará seu Reino. Portanto, devemos confiar em que Maria já determinou atender as súplicas de seus filhos contra-revolucionários, e que Ela, Soberana do universo, pode fazer a Contra-Revolução conquistar, num relance, incontável número de almas. Nossa Senhora Rainha poderá expulsar desta Terra os revolucionários impenitentes, que não querem atender ao seu apelo, de maneira que um dia Ela possa dizer: Por fim — segundo a promessa de Fátima — o meu Coração Imaculado triunfou!

Contínuo crescimento de graçaSão Luís Grignion de Montfort

Só Maria achou graça diante de Deus (Lc. I, 30) sem auxílio de qualquer outra criatura. E todos, depois d’Ela, que acharam graça diante de Deus, acharam-na por intermédio d’Ela e é só por Ela que acharão graça os que ainda virão. Maria era cheia de graça quando o Arcanjo Gabriel A saudou (Lc. I, 28) e a graça superabundou quando o Espírito Santo A cobriu com sua sombra inefável (Lc. I, 28).

O pensamento é muito ligado ao admirável fato do crescimento da graça em Nossa Senhora. Sempre cheia de graça, houve porém determinado momento em que a Santíssima Virgem, pela sua perfeitíssima fidelidade, e por gratuita predileção de Deus para com Ela, adquiriu naquele instante a plenitude de dons celestiais correspondente: o momento em que o Espírito Santo A desposou, e nEla quis que Nosso Senhor Jesus Cristo fosse concebido. São Luís Grignion, com a exatíssima e ardorosa linguagem que o caracteriza, depois de falar em plenitude, indica que houve um transbordamento de graças a partir do momento em que Nossa Senhora se tornou Esposa do Espírito Santo e Mãe do Salvador.

Tudo leva a crer que a gestação de Nosso Senhor Jesus Cristo, por ter sido perfeita, tenha durado nove meses normais. Nesse período, Maria Santíssima trazia consigo, como num tabernáculo, o Verbo Encarnado. Isso significava um processo interno de produção do corpo d’Ele, ao qual deveria corresponder, certamente, um processo de união de alma com o Filho que Ela estava gerando: Ela Lhe dava o corpo e Ele A revestia de graças em proporções inimagináveis.

“Está dito tudo” — pensará alguém. Ora, precisamentemente, não está tudo dito. Depois disso, Ela deveria aproveitar, com perfeitíssima fidelidade, os trinta anos da vida oculta de seu Divino Filho. Cada minuto de presença de Nosso Senhor Jesus Cristo na Sagrada Família representava imensa graça para Maria e São José, superiormente correspondida pelos dois. E a santificação de Nossa Senhora continua até o momento em que, depois da Ascensão de Jesus Cristo, recebe o Espírito Santo para distribuí-Lo a toda a Igreja (em Pentecostes sabemos que o Espírito Santo desceu sobre Ela na forma de uma chama que, em seguida, se derramou sobre todos os Apóstolos). Enfim, no

Page 20: Esclavitud y Devoción Mariana

momento em que Lhe era como que impossível crescer ainda em santidade, de tal maneira sua alma estava repleta de celestiais dons, Nossa Senhora teve a sua dormição, como é chamada sua morte, por uma linguagem teológica muito apropriada e muito poética.

Da plenitude de graças de Maria, recebe toda a humanidadeSão Luís Grignion nessa consideração, com verdadeiro olhar de águia, firma então o princípio: Nosso Senhor concedeu tanto a Maria que, em última análise, só deu a Ela. Com efeito, foi da plenitude por Ela recebida que todas as graças vieram para os homens. Ou seja, a humanidade inteira se beneficia do transbordamento das graças da Santíssima Virgem.

Maria reconcilia os pecadores com DeusNossa Senhora tem olhos de misericórdia, e um simples olhar d’Ela pode nos salvar. Sua doçura é invariável, seu auxílio ilimitado, pronto a nos atender a qualquer momento, sobretudo nas dificuldades de nossa vida espiritual. Estas costumam ser de duas ordens.

Em primeiro lugar, a crise que se poderia chamar clássica, quando a pessoa se sente tentada e, portanto, hesitante entre o bem e o mal, com a possibilidade de ser arrojada no precipício do pecado de um momento para outro. É bem evidente que Maria é nosso auxílio, na plenitude do termo, nessas circunstâncias.

Contudo, a solicitude da Mãe de misericórdia se volta também para aquele que se encontra em apuro espiritual muito mais grave, e que se traduz por esta súplica: “Minha Mãe, eu, sucumbindo ao peso da tentação, não andei bem. Pequei. Tenho o receio de me habituar ao pecado e de nele me embrutecer. Por outro lado, imensa é a minha vontade de me regenerar. Sei que não mereço a vossa proteção, mas, porque sois a auxiliadora de todos os cristãos, não apenas dos bons, senão até dos mais miseráveis, peço Vos: vinde e auxiliai me”.

Portanto, nessa visualização, é o próprio fato de se ter caído em pecado que se alega diante de Nossa Senhora, como razão para obter seu socorro. É o desamparado que encontra no seu infortúnio o motivo pelo qual deve implorar a misericórdia de Maria. E está na missão da Santíssima Virgem, é o movimento profundo de seu coração materno, reconciliar os pecadores com Deus. Porque a Mãe tem bondades, ternuras, indulgências e paciências que outros não possuem. Ela pede, então, ao seu Divino Filho por nós, e nos obtém uma série de graças, um sem número de perdões que jamais alcançaríamos sem a sua intercessão.

Maria deseja que aliviemos as almas do PurgatórioA Bem-aventurada Virgem alcança também graças para as almas que se acham no Purgatório, onde expiam os pecados que cometeram nesta vida. Por meio de suas súplicas, Ela abrevia a punição dessas almas, suaviza e as alivia de mil modos.

Page 21: Esclavitud y Devoción Mariana

Maria nos planos de Deus(Conferência 7.2.71.)

Entre o Padre Eterno e a criação existe o Homem-Deus: inteiramente Deus, como as outras Pessoas da Santíssima Trindade; tão homem quanto cada um dos descendentes de Adão. Resta, contudo, um tal abismo separando Nosso Senhor Jesus Cristo das demais criaturas, que a pergunta se impõe: na ordem das coisas não deveria haver um outro ser que, ao menos de algum modo, preenchesse esse hiato? Ora, a criatura chamada a completar esse vácuo no conjunto da criação, a criatura excelsa, infinitamente inferior a Deus, mas ao mesmo tempo insondavelmente superior a todos os Anjos e a todos os homens de todas as épocas, é precisamente Nossa Senhora.

A Virgem Santíssima é para Deus Padre a mais eleita das criaturas, escolhida por Ele, desde toda a eternidade, para ser a Esposa de Deus Espírito Santo e a Mãe de Deus Filho. Para estar à altura dessa dignidade, Maria havia de ser a ponta de pirâmide de toda a criação, acima dos próprios Anjos, elevada a uma inimaginável plenitude de glória, de perfeição e de santidade.

Por isso Dante, na Divina Comédia (que alguns dizem ser a Suma Teológica de São Tomás de Aquino posta em verso), depois de ter passado pelo Inferno e pelo Purgatório, percorre os vários círculos dos bem aventurados no Céu. Quando chega no mais alto coro angélico, ou seja, no píncaro da mansão celeste, o Poeta começa a divisar a glória de Deus. É uma luz difusa, que seus olhos não conseguem sustentar.

Ele repara então num outro ser que está acima dos Anjos: Nossa Senhora. A Virgem Santíssima lhe sorri, e Dante contempla nos olhos d’Ela o reflexo da luz de Deus. Acabou-se a Divina Comédia. O olhar humano fitou o olhar puríssimo, o olhar sacralíssimo, o olhar sumamente régio, o olhar indizivelmente materno de Nossa Senhora. Tudo então está consumado: a Divina Comédia termina na mais alta das cogitações humanas.

Nossa Senhora é o grampo de ouro que une a Nosso Senhor Jesus Cristo toda a criação, da qual Ela é o ápice e a suprema beleza.

A Onipotência Suplicante(Conferência em 21.9.91)

Mediante a Encarnação do Verbo no seio puríssimo de Maria, Deus, por um ato de sua infinita bondade, criou os vínculos que O ataram ao gênero humano. E Nossa Senhora, tornando-se Mãe d’Ele, passou a ser também a Mãe espiritual de todos os homens.

Em vista disto, quando Ela pede a seu Divino Filho por nós, é como uma mãe que intercede junto a um filho em benefício de outro irmão deste. É impossível não atendê-la. Por isso os teólogos atribuem a Nossa Senhora o título de Onipotência suplicante. Em virtude de suas insondáveis perfeições, Ela é sempre ouvida por Deus em suas preces a nosso favor, e d’Ele nos obtém aquilo que, por nós mesmos, não mereceríamos.

Um exemplo pode ilustrar esta verdade.

Page 22: Esclavitud y Devoción Mariana

Imagine-se uma mãe que tenha dois filhos: um, reto e probo, exerce a função de juiz; o outro é simplesmente um criminoso, ao qual o irmão deste deve julgar. Que acontece, então?

A mãe se dirige ao filho magistrado e lhe diz: “Meu filho, sei que tu és juíz e que a ti cabe aplicar a justiça. Os defeitos de teu irmão são tais que exigem a pena de morte. Na verdade, porém, tu, ó juiz, me deves igualmente a vida. Poupa a desse homem que merece a pena capital, em atenção aos rogos daquela que te gerou!”.

Que filho recusaria tão extremosa súplica? Pois bem, semelhante a esta, é a intercessão de Maria em favor da humanidade pecadora. E por ser Ela a Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, Ele Lhe concede tudo o que o melhor dos filhos pode dar à melhor das mães. E é tal o valor da impetração de Nossa Senhora que, segundo o ensinamento da teologia, todas as orações de todas as criaturas devem ser apresentadas por Ela a seu adorável Filho, porque assim o dispôs a vontade divina. Essa é a Mãe de uma doçura sem nome, de ilimitada compaixão para com seus miseráveis filhos, em favor dos quais Ela obtém o perdão e as graças do Juiz.

Quantos exemplos não atestam essa incansável solicitude de Maria para com os homens! Tome-se, entre outros, o do Bom Ladrão, a quem o Divino Crucificado, atendendo às súplicas de sua Mãe aos pés do Madeiro, perdoou na hora extrema com a estupenda promessa: “Tu hoje estarás comigo no Paraíso”(Lc 23, 42).

Compreende-se, assim, a importância da intercessão de Nossa Senhora, como ela alivia a nossa penosa existência, e enche de júbilo nossas almas. Como seria soturna a vida de um católico, se não fosse a proteção da Virgem. Ao contrário, como ela é leve, cheia de esperança, de perdão e de afeto materno, com a contínua assistência de Maria — a Onipotência suplicante!

Maria, modelo do que comungaEm virtude de uma extraordinária analogia, Nossa Senhora é o modelo de quem comunga. Porque quando recebemos Nosso Senhor na Sagrada Eucaristia, a nosso pequeno — e não raras vezes miserável — modo, passamos a ser, enquanto durar em nós a presença real, tabernáculos vivos do Santíssimo, como Maria o foi do Verbo Encarnado. Isto nos eleva a uma inimaginável dignidade.

Portanto, ao nos prepararmos para a Comunhão, devemos pedir à Santíssima Virgem que disponha nossos corações a receber convenientemente o Senhor Sacramentado: “Minha Mãe, vinde à minha alma, entrai em meu espírito e preparai o para a visita de vosso Divino Filho. Concedei me as disposições necessárias para comungar bem, ainda que de modo eventualmente árido e insensível”.

Em seguida, peçamos a Ela esteja presente conosco no momento de oferecermos a Nosso Senhor Eucarístico os quatro atos de culto: adoração, ação de graças, reparação e petição. Que dizer a Jesus por meio de Maria? Por exemplo, isto: “Meu Senhor e meu Deus! Eu quereria Vos amar muito mais do que Vos amo; desejaria Vos receber, neste instante, com os faustos de um amor inexprimível, do qual, infelizmente, não sou capaz. Entretanto, como há em mim, ao menos, o

Page 23: Esclavitud y Devoción Mariana

pesar de não ser assim, peço-Vos que aceiteis as adorações de vossa Mãe Santíssima como se minhas fossem. Eu A convidei à minha casa para que Ela Vos recebesse em meu lugar. Portanto, sou eu que, de algum modo, Vos recebo e pelos lábios de Maria Vos adoro”.

E assim devemos proceder na ação de graças, na reparação e na petição, oferecidas a Jesus por intermédio da Santíssima Virgem. Deste modo faremos, com certeza, uma excelente Comunhão. Porque, ao entrar em nossa alma, Nosso Senhor encontrará, pelo menos, a lembrança de sua Santíssima Mãe, e o desejo de O receber em união com Ela. Este desejo e esta lembrança são imensamente eficazes para que Jesus se sinta bem acolhido. Porque Ele está bem onde está Maria; e onde não se acha Maria, Ele não está bem.

Este método de receber a Sagrada Eucaristia — em íntima união com Nossa Senhora — põe ao alcance de quem comunga todas as graças que Jesus Sacramentado proporciona a seus devotos sinceros.

Nossa Senhora, isenta de todo pecadoConcebida sem pecado original, Nossa Senhora não sentia em si nenhuma inclinação para o que fosse ruim. Pelo contrário, possuía todas as facilidades para dar à graça de Deus uma perfeita e constante correspondência. De sorte que, nEla, as grandezas sobrenatural e natural se entrelaçavam numa profunda e maravilhosa harmonia.

Em conseqüência, Nossa Senhora tinha como ninguém uma altíssima noção da excelência de Deus, e da glória que Lhe devem render todas as criaturas. Por isso, nutria em sua alma vivíssimo horror ao pecado, que é um ultraje à mesma glória divina. Donde possuir Ela, também, uma ardorosa combatividade, no sentido de execrar toda forma de mal.

Compreende-se, à vista disto, porque Nossa Senhora é comparada a um exército em ordem de batalha: Castrorum acies ordinata. Ou, como d’Ela se diz, que sozinha esmagou todas as heresias na Terra inteira. Por quê? Exatamente porque, já no privilégio de sua Imaculada Conceição, Ela é o modelo de combate ao mal.

No seio de Sant’Ana, a vitória da Contra-RevoluçãoPorque concebida sem pecado original, Nossa Senhora, afirmam os teólogos, foi dotada do uso da razão desde o primeiro instante de seu ser. Portanto, já no ventre materno Ela possuía altíssimos e sublimíssimos pensamentos, vivendo no seio de Sant’Ana como num verdadeiro tabernáculo.

Temos uma confirmação indireta disso no que narra a Sagrada Escritura (Lc. I, 44) a respeito de São João Batista. Ele, que fora engendrado no pecado original, ao ouvir a voz de Nossa Senhora saudando Santa Isabel, estremeceu de alegria no seio de sua mãe.

Assim, pode-se acreditar que a Bem-aventurada Virgem, com a altíssima ciência que recebera pela graça de Deus, já no seio de Sant’Ana começou a pedir a vinda do Messias e, com Ele, a derrota de

Page 24: Esclavitud y Devoción Mariana

todo mal no gênero humano. E desde o ventre materno se estabeleceu, com certeza, no espírito de Maria, aquele elevadíssimo intuito de vir a ser, um dia, a servidora da Mãe do Salvador.

Na realidade, por essa forma Nossa Senhora já começava a influir nos destinos da humanidade. Sua presença na Terra era uma fonte de graças para todos aqueles que d’Ela se aproximavam na sua infância, ou mesmo quando ainda se encontrava no seio de Sant’Ana. Pois se da túnica de Nosso Senhor — conta o Evangelho2 — se irradiavam virtudes curativas para quem a tocasse, quanto mais da Mãe de Deus, Vaso de Eleição!

Por isso, pode-se dizer que, embora fosse Ela criancinha, já em seu natal graças imensas raiaram para a Humanidade. Naquele bendito momento, a vitória da Contra-Revolução começou a ser afirmada e o demônio a ser esmagado, percebendo que algo de seu cetro estava irremediavelmente partido.

Imitar a Nossa Senhora é ser perfeito contra-revolucionárioNossa Senhora é para nós o exemplo de santidade. Ou seja, se nos modelarmos inteiramente segundo Ela, alcançaremos a perfeita semelhança com Nosso Senhor Jesus Cristo. Imitar a Santíssima Virgem é tê-La em vista em todas as ações que se pratica. Isto supõe, primeiramente, um claro conhecimento do modelo a que devemos nos conformar. Supõe, em seguida, um hábito de vigilância interior e de contínua meditação, pelo qual sabemos se, de fato, estamos nos identificando com aquele ideal.

São Luís Grignion de Montfort nos propõe a imitação de três principais virtudes de Maria: a fé, a humildade e a pureza. Ora, se formos cheios de fé, cheios de humildade (ou seja, de senso hierárquico que atribui tudo a Deus), se formos cheios de pureza, seremos, então, os contra-revolucionários por excelência.

Nossa Senhora é o modelo supremo, é a fonte da Contra-Revolução. Portanto, imitá-La é ser, na perfeição, contra-revolucionário. Se A tomarmos como ideal, se acreditarmos na eficácia da devoção a Ela, se tudo fizermos em estreita união com Maria, mais facilmente a Ela nos assemelhamos.

Assim, devemos pedir a Nossa Senhora, com todo o empenho, a graça de uma profunda compreensão de suas altíssimas virtudes, as quais havemos de imitar. E que Ela nos comunique, além disso, a plenitude de suas forças. Maria é a Virgem forte e combativa, é a Virgem intransigente e absolutamente inflexível diante do demônio, do mundo e da carne. Supliquemos a Ela essa intransigência, antes de tudo contra o que há de mal em nosso interior; em segundo lugar, contra o que há de mal fora de nós.

2 Lc. VIII, 44 47

Page 25: Esclavitud y Devoción Mariana

O maior auxílio que Nossa Senhora pode nos prestar, é o de nos conceder o espírito de sua santidade, a perfeição de suas vias, a autenticidade de suas virtudes e a vitória contra o demônio — tudo em ordem à nossa própria santificação.

Maria é nossa vidaMaria é verdadeiramente nossa vida. Se Ela não existisse, não teríamos razão alguma para esperar na misericórdia divina; não teríamos nada que justificasse qualquer esperança nossa do Céu, ou qualquer alegria na Terra. Tudo que torna vivível nossa existência é o conjunto de esperanças que a intercessão de Nossa Senhora nos autoriza a ter.

Por isso Maria é nossa vida. Vivemos por Ela; e se não fosse Ela, cairíamos desfalecidos. A Virgem Santíssima é verdadeiramente nossa vida!

Inflexível terribilidadeUma única inimizade Deus promoveu e estabeleceu, inimizade

irreconciliável, que não só há de durar, mas aumentar até ao fim: a inimizade entre Maria, sua digna Mãe, e o demônio; entre os filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e sequazes de Lúcifer; de modo que Maria é a mais terrível inimiga que Deus armou contra o demônio. Ele Lhe deu até, desde o Paraíso, tanto ódio a esse amaldiçoado inimigo de Deus, tanta clarividência para descobrir a malícia dessa velha serpente, tanta força para vencer, esmagar e aniquilar esse ímpio orgulhoso, que o temor que Maria inspira ao demônio é maior que o que lhe inspiram todos os Anjos e homens e, em certo sentido, o próprio Deus.

Não que a ira, o ódio, o poder de Deus não sejam infinitamente maiores que os da Santíssima Virgem, mas, em primeiro lugar, Satanás, porque é orgulhoso, sofre incomparavelmente mais, por ser vencido e punido pela pequena e humilde escrava de Deus, cuja humildade o humilha mais que o poder divino; segundo, porque Deus concedeu a Maria tão grande poder sobre os demônios, que, como muitas vezes se viram obrigados a confessar, pela boca dos possessos, infunde lhes mais temor um só de seus suspiros por uma alma, que as orações de todos os Santos; e uma só de suas ameaças que todos os outros tormentos.

São Luís Grignion de Montfort

Inimizade perfeita posta por Deus. É Nossa Senhora que aparece com tudo que há de terrível em seu poder voltado contra o demônio e seus sequazes, e com aquela maldição de Mãe arrasando até os alicerces do reino dele.

Lindíssima é a idéia de que, já no Paraíso Terrestre, quando Nossa Senhora existia apenas na mente de Deus, Ele A adornou de algo como um instinto antidiabólico, à vista do demônio serpeando por aquele Éden.

Com efeito, a primeira característica de Nossa Senhora face ao demônio é o ódio. Assim como Ela foi cheia de graça, assim Ela foi cheia de ódio contra esse amaldiçoado inimigo de Deus. Porque o

Page 26: Esclavitud y Devoción Mariana

ódio santo é, evidentemente, um dom do Altíssimo. Ora, Maria está toda cheia dos dons de Deus, logo está cheia de ódio ao demônio.

Em seguida, São Luís Grignion fala da clarividência que foi dada por Deus a Maria, para descobrir a malícia da velha serpente. É, portanto, o ver claro, é a sagacidade, é a virtude evangélica da astúcia, recomendada por Nosso Senhor, jogando contra a diabólica astúcia e liquidando o demônio! Donde as palavras de São Luís Grignion:

Tanta força para vencer, esmagar e aniquilar esse ímpio orgulhoso.

É a batalha enunciada em todos os seus termos. Assim, cheia de sagacidade e cheia de ódio, Nossa Senhora só pode ter vitórias.

O temor que Maria inspira ao demônio é maior que o que lhe inspiram todos os Anjos e homens e, em certo sentido, o próprio Deus.

É uma maravilha de audácia, mas é a pura verdade. Comparada com Deus, Nossa Senhora é menos do que uma pequena milícia em comparação com o maior exército da terra. Assim, compreende-se o pensamento de São Luís Grignion: é tal a humilhação que sofre o demônio sendo esmagado por Nossa Senhora, que ele tem disto especial medo. E um único bater de cílios de Maria, porque carregado de ódio a Satanás, põe em polvorosa o inferno inteiro. Ela é a inimiga por excelência do demônio; é Aquela que passa sua eternidade lutando contra ele.

Na vida de Santa Teresinha do Menino Jesus há este lindo traço: ela disse que haveria de passar o Céu dela fazendo o bem sobre a Terra. Interrogada por sua superiora se ela, então, do Céu protegeria os homens, a Santa teve esta magnífica resposta: “Não, eu descerei!”.

Nossa Senhora passa o Céu d’Ela fazendo o bem sobre a Terra. E se há quem possa dizer “Eu descerei”, é Ela, que tantas e tantas vezes se tem mostrado aos homens. Mas, Ela faz duas formas de bem: o bem para o homem e o mal para o demônio. De maneira que o “Eu descerei” da Santíssima Virgem é também descer com o látego, com o castigo para o demônio e seus empedernidos agentes humanos.

Crescente inimizadeÉ principalmente a estas últimas e cruéis perseguições do

demônio, que se multiplicarão todos os dias até ao reino do Anticristo, que se refere aquela primeira e célebre predição e maldição que Deus lançou contra a serpente no Paraíso Terrestre (Gen 3,15): “Porei inimizades entre ti e a mulher, e entre a tua posteridade e a posteridade dela. Ela te pisará a cabeça, e tu armarás traições ao seu calcanhar”“.

São Luís Grignion

Revela-se aqui a noção de que existe, no decurso da História, uma luta cada vez mais encarniçada e feroz entre a descendência de Nossa Senhora, ou seja, os filhos e escravos d’Ela, e a descendência do demônio, isto é, os homens que a ele se devotaram.

Page 27: Esclavitud y Devoción Mariana

Combatividade e desconfiança em face aos filhos da serpenteA época em que vivemos é de intensa combatividade entre essas duas falanges. E por isso toda a piedade e a formação espiritual dos escravos de Maria devem ser ordenadas em função desta luta. Convém insistir sobre a palavra traição, empregada pelo próprio Deus. Esta é a arma habitual do demônio. Ele age por meio de traidores que, disfarçados, preparam golpes de surpresa contra os filhos de Nossa Senhora. Estes, portanto, devem compreender que o espírito de combatividade em relação ao demônio é conjugado com o espírito de desconfiança: desconfiar que Satanás está agindo de todos os modos e por toda parte, com sua infernal insídia.

Combatividade aliada à desconfiança, eis as características do batalhador de Nossa Senhora contra a raça da serpente.

Sede amparo e refúgio à grei fielO indivíduo desamparado não é apenas aquele a quem falta algo, mas é também o que recorre em vão a todos os meios humanos para obter o que necessita. Aquele que se vê imerso numa grave dificuldade, na qual sua vida inteira está empenhada, e não encontra sustentáculo, arrimo ou apoio terreno algum — este é o indivíduo desamparado.

Nossa Senhora do Amparo é precisamente Aquela que tem particular pena dos que se acham desamparados, seja do ponto de vista espiritual, seja do ponto de vista material. Ela, cheia do especial desvelo que têm as mães para com os filhos necessitados, opera maravilhas para ajudá-los. NEla encontram eles o sustentáculo, o apoio e o arrimo que procuram. Nossa Senhora do Amparo é, pois, Nossa Senhora de todas as solicitudes, é Nossa Senhora de todas as compaixões, é Nossa Senhora de todos os instantes em que o homem precisa de algo e a Ela recorre.

O Refúgio por excelênciaAo longo de toda a sua existência, a Igreja encontrou na Santíssima Virgem sua grande protetora. Nossa Senhora esteve presente nas batalhas onde os guerreiros católicos derrotaram os exércitos de seus inimigos, e nas lutas dos povos fiéis contra os infiéis. Nossa Senhora está, sobretudo, presente na ininterrupta luta de cada homem contra seus defeitos, para adquirir maiores virtudes. E ainda que não nos lembremos de Maria, Ela intercede por nós no alto do Céu, com uma misericórdia que nenhuma forma de pecado pode esgotar.

Nossa Senhora é o perene e contínuo refúgio que jamais se fecha para qualquer pecador. Ou seja, Ela não é um refúgio apenas para os que tenham cometido faltas leves, senão que o é também para os autores de pecados de gravidade inimaginável e para as ingratidões inconcebíveis. Pois é próprio da grandeza da Mãe de Deus, na qual tudo é admirável e extraordinário, o ser um imenso e perfeito refúgio.

Page 28: Esclavitud y Devoción Mariana

Desde que o pecador se volte para Ela, a Virgem Santíssima, cheia de bondade, o protege, concede-lhe toda espécie de perdão, limpa-lhe a alma, dá-lhe forças para praticar a virtude e o transforma de filho pródigo em homem bom e fiel.

Simbolizada pelos píncaros da criaçãoNossa Senhora está representada em todas as obras do Criador. Contudo, simbolizam-Na de modo insigne as que o fazem à maneira de píncaro. O que, bela e harmoniosamente, exprime aquele cântico: “Maria fons, Maria mons – Maria que é fonte, Maria que é monte”.

A montanha é um píncaro em relação às outras coisas da natureza. Píncaro é também a fonte em relação à terra, pois esta se alimenta da água que sai daquela. E assim todas as criaturas que são, de alguma maneira, píncaros em relação às outras, de modo especial simbolizam a Santíssima Virgem, porque em tudo quanto é d’Ela está presente a nota de píncaro.

Rainha da Prudência e do Conselho(Conferências em 25.6.66 e 11.7.67)

No Cantus Mariales se diz da Virgem Santíssima que Ela é a Rainha da prudência e do conselho. Nossa Senhora estando presente entre os Apóstolos, após a Ascensão de seu Divino Filho, é impossível que estes não A tenham consultado acerca de seus trabalhos, seus ensinamentos e escritos. Antes, é de se supor que a Ela freqüentemente recorressem.

Essas relações de Maria com a pregação da Igreja nascente são expressas em bonitos termos por um piedoso autor: “Nossa Senhora foi o oráculo vivo que São Pedro consultou nas suas principais dificuldades; a estrela que São Paulo não cessou de olhar para se dirigir em suas numerosas e perigosas navegações”.

Nada, portanto, se fez senão de acordo com o conselho e a orientação da Santíssima Virgem. Assim se nos depara um lindo quadro: a Igreja nos seus albores, com todos aqueles lances maravilhosos de sua incipiente história, e toda ela inspirada e dirigida por Nossa Senhora.

Verdade é que a São Pedro, como Papa, cabia o poder sobre toda a Igreja. Contudo, é também verdade que o Príncipe dos Apóstolos estava completamente submisso à Mãe de Deus, a qual, por meio dele, dirigia os demais.

Considerar Nossa Senhora como inspiradora do espírito com que escreveram os Evangelistas, A que deu os dados e as informações de que eles se utilizaram, é algo que nos sugere cenas de rara beleza. Por exemplo, Maria Santíssima tendo a seu lado São Paulo, São Pedro ou São João Evangelista, e Ela que conta, explica, interpreta e os ajuda a compreender os fatos da vida de Nosso Senhor, realçando este ou aquele episódio, e sendo, deste modo, o aroma do bom espírito perfumando a Igreja inteira.

É o que comenta, em seguida, o mesmo autor: “Diz o Cardeal Hugo que Maria fez de seu coração o tesouro das palavras e das ações de seu Filho, a fim de os comunicar em seguida aos escritores

Page 29: Esclavitud y Devoción Mariana

sagrados. Nenhuma criatura, diz Santo Agostinho, jamais possuiu um conhecimento das coisas divinas e do que se relaciona com a salvação, igual ao da Virgem Bendita. Ela mereceu ser a mestra dos Apóstolos e é Ela que ensinou aos evangelistas os mistérios da vida de Jesus”.

Assim nos aparece o esplendor da alma santíssima de Nossa Senhora, sua ortodoxia, sua prudência, sua sabedoria e sua santidade, que nos levam a amá La ainda mais.

Maria, templo onde Jesus quer ser invocado(Conferência em 23.5.66)

Ó Jesus que viveis em Maria, vinde e vivei em vossos servos, no espírito de vossa santidade.

Jesus viveu em Maria, e, de Maria, Jesus se comunicou aos homens. Nossa Senhora é o sacrário onde está Nosso Senhor Jesus Cristo, e o santuário de dentro do qual todas as graças se difundem para o gênero humano. Por isso, devemos rezar a Jesus enquanto vivendo em Maria, porque Ele quer ser invocado dentro do seu templo, que é a Santíssima Virgem. Pedir a Ele o quê? Que Ele venha e viva em nós, como vivia nEla.

Viver em nós, quer dizer, é ter o espírito da santidade de Jesus Cristo, que é o espírito da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. E é, portanto, o espírito “ultramontano”, a expressão mais característica do espírito da Santa Igreja. Isto é o que devemos pedir a Jesus, por meio de Nossa Senhora, enquanto vivendo nEla.

Coração Sapiencial e Imaculado de Maria(Conferência 21.8.68)

O que vem a ser a sapiencialidade do Coração de Maria?

A sabedoria, enquanto virtude da inteligência, nos faz ver todas as coisas pelos seus aspectos mais elevados, aqueles por onde elas mais se assemelham a Deus Nosso Senhor, ser absoluto, infinito, perfeito e eterno, que jamais poderá sofrer nenhuma alteração.

Considerando assim o universo, a mente humana adquire uma admirável unidade e uma extraordinária coerência: nada de contradição, de dilaceração ou de hesitação, mas certeza, fé, convicção, firmeza desde os mais altos princípios até às menores coisas. Esta é a fisionomia moral do varão verdadeiramente católico: coerente em tudo, porque tudo nele provém das mais altas cogitações do espírito, isto é, daquelas que se ancoram em Deus Nosso Senhor.

Enquanto virtude da vontade, a sabedoria é a disposição de seguir o que a inteligência conhece e nos indica, e, portanto, de fazermos inabalável e firmemente aquilo que é nosso dever. Inteligência soberanamente límpida e lúcida, porque cheia de convicção da existência de Deus e de fé sobrenatural; inteligência, porque límpida e lúcida, sumamente coerente; vontade forte, firme, inabalável, constantemente voltada para o fim que ela deve ter em vista, Cristo, nos revela o homem sapiencial.

Page 30: Esclavitud y Devoción Mariana

Esta virtude da sabedoria contém, portanto, todas as outras virtudes, e está posta no primeiro mandamento da Lei de Deus. Quando o decálogo nos diz: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento” (Dt 6, 5), ele nos prescreve de sermos assim.

E tal é Nossa Senhora. O coração de Maria Santíssima (quer dizer, sua alma) é soberanamente elevado, soberanamente grande, soberanamente sério, soberanamente profundo, porque sapiencial. Ela é o vaso de eleição no qual pousou o Espírito Santo, para nele gerar a Nosso Senhor Jesus Cristo. E o único hino que conhecemos como proferido por Nossa Senhora em sua vida terrena, é uma verdadeira maravilha de sabedoria: o Magnificat.

Minha alma engrandece o Senhor, e o meu espírito exulta em Deus meu Criador; porque considerou a humildade de sua serva, por isso todas as gerações me chamarão bem aventurada (Lc. I, 47-48).

Quanto é possível a uma mente criada, Nossa Senhora mediu, por sua sabedoria, toda a grandeza de Deus, e nisto se alegrou. De outro lado, considerou sua pequenez, e então disse: “Eu me alegro em Deus meu Salvador, porque Ele olhou para a baixeza de sua escrava”. Isso é um poema de Contra-Revolução! É a escrava que se encanta de ser escrava, de ser pequena, de ver como Deus é infinitamente superior a Ela, e do fundo de seu nada glorifica o Senhor.

É o pequeno que reconhece, com agrado, a sua posição. O escravo não tem direitos, e está colocado abaixo da condição comum dos homens. Pois bem, Nossa Senhora se proclama escrava de Nosso Senhor Jesus Cristo, precursora de todos os escravos que Ela iria ter ao longo dos séculos. E foi sobre a humildade desta criatura escrava que aprouve ao Senhor deitar os olhos, e por isso Ela exulta: porque a grandeza amou a pequenez. Isso é profundamente contra-revolucionário. Eis a verdadeira humildade que ama seu lugar inferior, adorando a grandeza que a eleva. Eis o Sapiencial e Imaculado Coração de Maria.

Arca em cujo Imaculado Coração está escrita a Lei DivinaA Lei divina, muito mais do que nas tábuas de Moisés guardadas na Arca da Aliança, está escrita na alma de Nossa Senhora. É a partir de seu Imaculado Coração que a Lei de Deus se irradia para a humanidade inteira, pelo ministério da Santa Igreja Católica.

Arco-íris da esperança, nas provações deste vale de lágrimasNeste vale de lágrimas em que somos peregrinos, tentações, sofrimentos e perplexidades são inerentes a toda vida espiritual. Contudo, em meio às nossas dores e aflições morais, sempre vislumbramos a esperançosa figura de um arco-íris: Maria Santíssima! Ela nos acompanha em nossa peregrinação rumo à Pátria Celestial, ajudando-nos em todas as vicissitudes, envolvendo-nos com seu maternal, constante e infatigável amor, o qual nenhuma infidelidade pode esmorecer, e que reiterados atos de bondade, deste emanados, não o lograrão extinguir.

Page 31: Esclavitud y Devoción Mariana

Velo de Gedeão: Imaculada Conceição e plenitude de graça No Ofício a Ela consagrado, Nossa Senhora é cognominada “Velo de Gedeão”. Porque, desde o momento de sua Imaculada Conceição, só Ela continha o orvalho das bênçãos de Deus, enquanto toda a Terra ao seu redor permanecia seca, carecendo da graça divina.

Favo que trouxe em si o autor da vidaEm um de seus harmoniosos louvores tributados à Santa Mãe de Deus, assim canta a Igreja: “Ó Virgem lindíssima, ó Mãe melíflua”. Celestialmente bela, Nossa Senhora está toda circundada de mel. Essa conjugação entre a formosura e a suavidade não é fortuita, pois há certa forma de beleza, embora majestosa, da qual se desprende, de todos os modos, a doçura do mel.

A formosura de Nossa Senhora não é apenas extrema, como também apresenta extrema doçura. Desta emana toda sorte de benevolência e de bondade. Ela é, pois, a Virgem melíflua, cuja suavidade atrai toda alma que d’Ela se aproxima.

Confiança nAquela que habita na alturaDisse Nosso Senhor que “todo o que se humilha será exaltado” (Lc. XIV, 11). Ora, Maria Santíssima, afirmando se escrava de Deus, humilhou se além de todo o limite. Por isso foi elevada ao mais alto dos Céus, ocupando um lugar que nenhuma outra mera criatura, abaixo do Homem Deus, jamais alcançará.

Assim, o verdadeiro escravo de Nossa Senhora, ao invocá-La, deve ter presente as magnificências de que Deus A revestiu. E, portanto, nunca se dirigirá a Ela senão com sumo respeito, suma admiração e suma confiança. Confiança, sim, porque sendo Maria a mais alta e mais eminente de todas as criaturas, é também a mais benigna, mais misericordiosa, mais afável e a que mais desce até nós.

A grandeza de Nossa Senhora é tão imensa que preenche todos os espaços, por enormes que sejam, que vão d’Ela até o último dos homens. Embora entronizada no alto dos Céus, Ela nos é mais acessível, está mais disposta a nos atender e a nos perdoar. No seu insondável e fixo amor para com os degredados filhos de Eva, podemos e devemos ter uma total confiança.

Porta da aurora do Reino de Maria(Conferência 20.6.90)

Na católica Lituânia, Nossa Senhora é invocada como Porta da Aurora. É aquela através da qual nasce o sol. Trata-se, aqui, de uma alusão à maternidade divina de Maria. O sol do gênero humano é Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-Deus. A porta por onde Ele veio à Terra, é a Santíssima Virgem.

Page 32: Esclavitud y Devoción Mariana

Voltemo-nos, pois, para a Porta da Aurora, em cujo imaculado seio se formou o Sol de Justiça, suplicando a Ela que faça surgir no mundo, sem mais tardança, a aurora de uma nova Civilização Cristã — a aurora do Reino de Maria!

Cheios de júbilo, os Anjos saúdam a Imaculada ConceiçãoEm virtude do singular privilégio de sua Imaculada Conceição, Nossa Senhora teve, no primeiro instante de seu ser, um inteiro e lúcido conhecimento de Deus, e já aí Lhe manifestou o ato de amor mais perfeito que até então fora dado ao Criador. Ela O adorou, rendeu-Lhe graças e Lhe ofereceu uma reparação pelos pecados dos homens.

E esse cântico da Santíssima Virgem, que foi um cântico novo, essa elevada e inigualável oração representou, para os Anjos bons, a primeira entrada de sua Rainha na corte celestial. Donde se poder imaginar com que transportes de alegria eles saudaram a Imaculada Conceição!

Castidade contra-revolucionária e misericordiosaA sensualidade é, juntamente com o orgulho, uma das molas propulsoras da Revolução. Em sentido oposto, Nossa Senhora, Rainha e Arquétipo dos contra-revolucionários, praticou as virtudes da humildade e da castidade em grau inimaginável.

O que dizer da pureza dAquela que foi imaculada desde o primeiro instante de seu ser? DEla brota para toda a Humanidade, como de uma fonte inexaurível, a virtude da castidade. E porque incomparavelmente pura, Ela é, mais do que ninguém, a protetora dos fracos, o socorro dos que se debatem nas tentações da carne. Engano seria pensar que, por ser Ela castíssima, Nossa Senhora tem invencível horror aos impuros. Ela tem, sem dúvida, aversão ao pecado de impureza, mas se compadece daquele que o comete, e deseja a emenda e a salvação deste infeliz.

Ela está pronta a se inclinar sobre o mais miserável dos homens, e lhe dizer: “Meu filho, em que pântano caíste?! Entretanto, continuo sendo tua Mãe, e por isso me curvo até ti, por mais baixo que tenhas caído. Até aos extremos de tua fraqueza chega minha misericórdia, disposta a te salvar”.

Decisão e fortaleza dos aflitosA condição do católico, nesta terra, é “suspirar, gemer e chorar”, como dizemos na Salve Regina. E um de nossos gemidos é a luta contra os adversários da Santa Igreja e os inimigos — espirituais e humanos — de nossa salvação. É o gemido por ter de tomar a iniciativa de combatê-los, de não ceder nunca, de estar continuamente batalhando, sem desfalecimento. Por isso devemos recorrer sempre a Nossa Senhora, Mãe de misericórdia e Consoladora dos aflitos.

Consolar não é apenas enxugar o pranto de quem chora. É muito mais do que isso. É também dar força, ânimo e decisão. Pode-se, portanto, dizer que Nossa Senhora é a “Decisão dos aflitos”. Em

Page 33: Esclavitud y Devoción Mariana

meio às suas aflições, o homem facilmente se acabrunha e se entristece de modo excessivo, perde a coragem e se deixa dominar pelo desânimo. Nossa Senhora pode, magnificamente, atenuar-lhe os sofrimentos. Contudo, o maior benefício que Ela concede ao homem aflito, não é o de suavizar as dores que ele tem de enfrentar, mas o de lhe dar forças para suportá-las.

Nada, portanto, de uma piedade unicamente lacrimosa e passiva. Se estamos gemendo e chorando, devemos imitar a Nosso Senhor no Horto das Oliveiras: peçamos forças para arrostar o perigo, o risco e a luta que estão diante de nós. E Nossa Senhora então nos consolará, dizendo-nos: “Filho, ânimo! Eu te concedo forças para lutar. No Céu serão pagos os teus sofrimentos, e serão recompensadas em glória todas as cruzes que tiveres de carregar sobre os ombros. Coragem, e anda para a frente!”

Essa é, propriamente, a consolação. Ou seja, um fortalecimento que Nossa Senhora proporciona àqueles que necessitam de vigor e de ânimo para os combates da vida.

Paraíso espiritual mais belo que o Éden TerrestreO Paraíso Terrestre era um lugar de maravilhas, de esplendores e de imensa felicidade, no qual Deus introduziu nosso primeiro pai, Adão, para que este desfrutasse de todas as delícias que o Criador ali havia depositado. Porém, Adão e Eva prevaricaram, e foram expulsos daquele mirífico Éden.

Ora, Nosso Senhor Jesus Cristo é considerado, a justo título, o segundo Adão, isto é, Aquele que veio resgatar a humanidade das sombras da morte e restabelecê-la no estado de graça, através da imolação que Ele fez de si mesmo no alto da Cruz. E assim como o primeiro Adão, também o segundo teve seu jardim de delícias. Esse Paraíso do novo Adão era Nossa Senhora. Tudo aquilo que o Paraíso Terrestre tinha de belo e de esplêndido na sua realidade material, Nossa Senhora o tinha, ainda mais belo e mais esplêndido, na sua realidade espiritual. E Nosso Senhor Jesus Cristo, vivendo nas castíssimas entranhas de Maria Virgem, teve aí incomparavelmente mais felicidade e contentamento, do que Adão no Éden.

Em seu paraíso, Nosso Senhor deixou, segundo São Luís Grignion de Montfort, “riquezas, belezas, raridades e doçuras inexplicáveis”. É a idéia de que o Homem-Deus, durante o tempo sacratíssimo em que Ele se formou no imaculado seio de sua Mãe, operou nEla maravilhas de toda ordem.

São Luís Grignion recorda, ainda, que “é nesse Paraíso Terrestre”, ou seja, Maria Santíssima, “que está, em verdade, a árvore da vida que produziu Jesus Cristo”. Havia uma árvore da vida no Paraíso antigo. Contudo, no Paraíso novo existia uma outra árvore da vida, que produziu o mais precioso dos frutos, que é o Homem-Deus. Essa imagem é uma alusão à fecundidade virginal de Nossa Senhora.

Page 34: Esclavitud y Devoción Mariana

Um rio de humildade no Paraíso do novo AdãoPor fim, está dito que nesse Paraíso do novo Adão, “há um rio de humildade que surge da terra, e que, dividindo-se em quatro braços, rega todo este lugar encantado: são as quatro virtudes cardeais”. As quatro virtudes cardeais — justiça, temperança, fortaleza e prudência — são aquelas que regulam todas as ações do homem.

São Luís Grignion afirma que há em Nossa Senhora um como rio de humildade, o qual se abre em quatro braços, isto é, dá origem às quatro virtudes cardeais. Dessa poética figura podemos deduzir que, quem for verdadeiramente humilde, esse possui as quatro virtudes cardeais.

Ora, verdadeiramente humilde é aquele que, antes e acima de tudo, o é em relação a Deus. A humildade para com o Criador consiste em reconhecer o que devemos a Ele, tributando-Lhe nossa enlevada e submissa adoração. Consiste, portanto, em sermos para com Deus, amorosos e filiais paladinos da causa d’Ele — que é a mesma da Igreja Católica — até o último extremo de nossas forças. Portanto, a verdadeira humildade dispõe a alma do homem para viver num holocausto contínuo em relação a Deus, ao mesmo tempo que o faz adquirir as quatro virtudes cardeais.

E assim era a humildade de Nossa Senhora, Paraíso do novo Adão.

Terra imaculada, da qual se formou o novo AdãoSegundo São Luís Grignion de Montfort, Nossa Senhora, o Paraíso Terrestre do Homem-Deus, é constituído “de uma terra virgem e imaculada, da qual se formou e nutriu o novo Adão, sem a menor mancha ou nódoa, por operação do Espírito Santo que aí habita”.

É uma linda comparação. Assim como Deus formou o primeiro homem a partir da terra virgem, ainda livre das maldições que sobre ela caíram com o pecado original, também o novo Adão foi formado, por obra do Espírito Santo, de uma terra imaculada, que é a carne virginal de Nossa Senhora.

Oceano de graçasNossa Senhora é verdadeiramente um oceano de graças. Assim como o mar está para as outras águas, assim está Ela em relação aos outros homens, pela abundância e a imensidade de dons celestiais com que foi enriquecida por Deus. E assim como todas as águas, em última análise, correm para o grande oceano, também todas as graças nos são concedidas, e chegam até nós, pela intercessão de Maria Santíssima.

Oh! Sublime paciência dos que lutam!(Via Sacra – II Estação, in “Legionário” 6.4.41)

Paciência é a virtude pela qual se sofre para um bem maior. Paciência é, pois, a capacidade de sofrer para o bem. Precisa de paciência o doente que, esmagado por um mal incurável, aceita resignado a dor que ele lhe impõe. Precisa de paciência aquele que se debruça sobre as dores

Page 35: Esclavitud y Devoción Mariana

alheias, para as consolar como Vós consolastes, Senhor Jesus, os que Vos procuravam. Precisa de paciência quem se dedica ao apostolado com invencível caridade, atraindo amorosamente a Vós as almas que vacilam nas sendas da heresia ou no lodaçal da concupiscência. Precisa também de paciência o cruzado que toma a cruz, e vai lutar contra os inimigos da Santa Igreja. É um sofrimento tomar a iniciativa da luta, formar e manter de pé dentro de si sentimentos de pugnacidade, de energia, de combatividade, vencer o indiferentismo, a mediocridade, a preguiça, e atirar-se como um digno discípulo d’Aquele que é o Leão de Judá, sobre o ímpio insolente que ameaça o redil de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Oh! sublime paciência dos que lutam, combatem, tomam a iniciativa, entram, falam, proclamam, aconselham, admoestam, e desafiam por si sós toda a soberba, toda a empáfia, toda a arrogância do vício insolente, do defeito elegante, do erro simpático e popular!

Vós fostes, Senhor, um modelo de paciência. Vossa paciência não consistiu, entretanto, em morrer esmagado debaixo da Cruz quando vo-la deram. Conta uma piedosa revelação que, quando recebestes das mãos dos verdugos a vossa Cruz, Vós a osculastes amorosamente, e, tomando-a sobre os ombros, com invencível energia a levastes até o alto do Gólgota.

Dai-nos, Senhor, essa capacidade de sofrer. De sofrer muito. De sofrer tudo. De sofrer heroicamente, não apenas suportando o sofrimento, mas indo ao encontro dele, procurando o, e carregando-o até o dia em que tenhamos a coroa da vitória eterna.

Maria é o oposto da RevoluçãoA Revolução tem como mentor o demônio, e por isso ela é o que há de mais vil na Terra; é um movimento que se arrasta — como a diabólica serpente — em meio aos vícios e pecados humanos, por entre aquilo que há de sórdido, feio, torto e abjeto, neste vale de lágrimas.

Nossa Senhora é Aquela que aterroriza esse perigoso e infame adversário, porque Ela é em tudo o oposto da Revolução. Maria Santíssima é a Virgem Mãe do Salvador, com tudo quanto é digno, belo, nobre e santo reunido para adorná-La. Ela possui graus de esplendor, de pureza e de perfeições inimagináveis! É o contrário da maldita serpente, cuja cabeça Ela traz, continuamente, esmagada sob seus pés.

Onipotente auxílio contra o demônioNossa Senhora é seguríssimo refúgio e fidelíssimo auxílio de todos os que estão em perigo. Não há mãe verdadeiramente católica que não sinta receio pelo que possa suceder a seu filho. Ora, Maria Santíssima, a melhor de todas as mães, quanta solicitude não terá para com seus filhos que vivem neste mundo, sujeitos a toda sorte de riscos?

Mais ainda. Concebida sem pecado original, confirmada em graça desde o primeiro instante de seu ser, Nossa Senhora é Aquela que esmagou a cabeça da infernal serpente. Ela pode, portanto,

Page 36: Esclavitud y Devoción Mariana

arrancar qualquer pecador das garras do demônio, e impedir toda influência que este procura ter sobre as almas.

Esse insondável poder da Santíssima Virgem é uma razão de confiança e de alento para nossa vida espiritual. Em nossos momentos de tentação, nas horas em que temos medo de sucumbir ao pecado, lembremo-nos deste seguríssimo refúgio, deste fidelíssimo auxílio que nos oferece a Santa Mãe de Deus.

Mãe e Advogada dos homensAfirmam os teólogos que, no alto da Cruz, Nosso Senhor, Profeta perfeito, conhecia todos os pecados de todos os homens, pelos quais Ele estava derramando seu preciosíssimo Sangue. Ele sofria com a antevisão das injúrias que Lhe seriam feitas até o fim do mundo, ao mesmo tempo que oferecia sua vida por esses mesmos pecadores, para lhes alcançar a graça da conversão e da bem-aventurança eterna.

Ora, junto à Cruz estava Nossa Senhora, Co-redentora do gênero humano, participando dos sofrimentos de seu Divino Filho. E para que sua compaixão fosse completa, Ela também considerou a causa de todas aquelas dores, ou seja, os pecados dos homens, e já então começou a interceder pela humanidade culpada. Assim, enquanto o Verbo de Deus, pregado ao Madeiro, discernia a espantosa quantidade de pecados cometidos pelos homens ao longo dos séculos, Nossa Senhora Lhe pedia o perdão para cada um deles. Porque Ela, sendo imaculada e inocente, merecia a indulgência da qual não somos dignos.

Eis a missão de Maria Santíssima como nossa Mãe e nossa Advogada. Mãe do Homem-Deus, Ela foi Mãe de todos aqueles que nasceram para a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mãe do Redentor, Ela se tornou Mãe dos pecadores. E Ela desempenhou, assim, um papel que, de certo modo, o próprio Deus não poderia exercer. Ele é o Eterno juíz que deve punir os que O injuriam. Nossa Senhora, porém, é Mãe. E às mães não cabe a tarefa de julgar, mas a de interceder. Elas são as naturais advogadas dos filhos, e estão solidárias com estes, até quando o pai os increpa a justo título.

Assim, por mais miserável, imundo e repelente que seja o filho pecador, a Mãe de misericórdia o perdoa e roga por ele ao Senhor, aplacando a justiça divina. Advogada supremamente boa, Nossa Senhora, em favor de cada um dos pecadores que a Ela recorre, dirige a Jesus Cristo esta súplica: “Meu Deus e meu Filho, pelo vosso dolorosíssimo sofrimento no Calvário, pela minha Imaculada Conceição, pela minha perpétua virgindade, pelo amor que Vós sabeis que Vos tenho, peço-Vos: perdoai-o!”.

Essa contínua e ilimitada intercessão de Maria pelos homens é, sem dúvida, o meio mais seguro que temos para alcançar o perdão divino.

Page 37: Esclavitud y Devoción Mariana

A luta, uma das glórias de MariaConcebida sem pecado original, Nossa Senhora esmagou — e esmagará para todo o sempre — a cabeça da maldita serpente. Agindo assim, Ela acrescenta às suas extraordinárias e singulares prerrogativas, a glória da luta. Ela combateu, opôs um esforço a outro, despendeu todas as energias necessárias para aniquilar o adversário. Ela o derrotou e o tem a seus pés!

Esse combate aumenta a glória da Filha do Padre Eterno, da Mãe do Verbo Encarnado, da Esposa do Divino Espírito Santo!

Beleza realçada pela vitória sobre o demônioNa Bula Ineffabilis Deus, com que definiu o dogma da Imaculada Conceição, o Papa Pio IX assim se exprime: “E depois reafirmamos a nossa mais confiante esperança na Beatíssima Virgem que, toda bela e imaculada, esmagou a cabeça venenosa da crudelíssima serpente, e trouxe a salvação ao mundo”.

É interessante notar como o Sumo Pontífice reúne, no mesmo pensamento, a beleza e o poder de Nossa Senhora. De outro lado, evoca ele, por contraste, a hediondez e a fraqueza do demônio, o qual é esmagado por Ela.

Portanto, uma vez que existe a diabólica serpente, a beleza e a perfeição da Santíssima Virgem só se manifestam completas porque Ela triunfa, vence e esmaga o demônio. Satanás é um escabelo aos pés d’Ela. Sendo Maria imaculada e soberanamente linda, não basta que todas as criaturas deste mundo, as do Céu e as do Purgatório Lhe prestem homenagem: importa que o inimigo esteja quebrado sob seu calcanhar.

Uma perfeita consideração do esplendor de Nossa Senhora envolve, portanto, a idéia do demônio estraçalhado e humilhado por Ela. Essa vitória sobre Satanás resulta em particular brilho na celestial beleza da Imaculada Conceição.

Aurora que suscita os guerreiros da Contra-RevoluçãoPode- se afirmar que todas as grandes almas que combateram as diversas heresias, ao longo dos séculos, foram especialmente suscitadas por Nossa Senhora. É o que insinua, de modo muito bonito, o brasão dos Claretianos, onde figura, além do Imaculado Coração de Maria, São Miguel Arcanjo e, no alto, a divisa: “Os seus filhos se levantaram e A proclamaram Bem-aventurada”.

Essa presença de guerreiros que, como soldados de São Miguel Arcanjo, armados, levantam-se para combater os inimigos de Deus, proclamando Bem-aventurado o Coração de Maria, não é também uma forma de irrupção da Santíssima Virgem, como magnífica aurora, nas tramas da História? Portanto, os verdadeiros devotos de Nossa Senhora devem desejar e pedir a Ela a graça de serem esses guerreiros de ferro, indomáveis e implacáveis contra o demônio e seus sequazes que, em nossos dias, procuram conspurcar a glória da imortal Igreja de Cristo.

Page 38: Esclavitud y Devoción Mariana

Primeiro lance da Contra-RevoluçãoO demônio tem especial ódio à Imaculada Conceição, pelo fato de que esta singular prerrogativa de Nossa Senhora constituiu para ele uma derrota dolorosíssima e, por assim dizer, pessoal. Com efeito, tendo Satanás conseguido arrastar nossos primeiros pais ao pecado original, as vantagens que lhe traria essa queda, caso não houvesse a futura Redenção, seriam simplesmente espetaculares. O homem, criatura nobre de Deus, ficou desfigurado pelo pecado e sujeito às más tendências. Com isso, tornou-se incalculável o número de pessoas capazes de cair ao longo dos séculos, no Inferno. Portanto, imenso foi o êxito imediato que o demônio obteve com o pecado de Adão e Eva.

O único modo de anular esse triunfo do mal seria o Verbo se encarnar e, enquanto Homem-Deus, oferecer-se como vítima pela nossa salvação. Ora, essa vitória do Bem teve sua primeira realização no nascimento de uma criatura excelsa, imaculada, que, apesar de todos os embustes do demônio, nascia livre da trama na qual ele pretendia envolver todo o gênero humano. Em favor dessa criatura, Deus rompeu a urdidura satânica. E Ela nasceu inteiramente fora da lei do pecado original. Essa criatura eleita é Maria Santíssima, Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Portanto, a raiz da salvação do mundo, o ponto de partida da Redenção da humanidade, foi o fato de Nossa Senhora ter sido criada isenta do pecado original. Donde nos ser fácil compreender como o primeiro lance da Contra-Revolução foi, precisamente, a Imaculada Conceição de Maria Virgem, prelúdio da Encarnação do Verbo.

Invocação propícia para os contra-revolucionáriosCompreendemos, de outro lado, como Nossa Senhora, concebida sem pecado original, realmente pisa na cabeça do demônio. E, portanto, o profundo sentido teológico que há no fato de se representar a imagem da Imaculada Conceição calcando a serpente.

Imaculada Conceição! Essa é a invocação propícia para os contra-revolucionários. O modelo para estes é Nossa Senhora que, ao contrário de Eva, não conversa com a serpente e, ademais, esmaga-lhe constantemente a cabeça. Tal é a atitude de espírito que devemos pedir a Nossa Senhora da Imaculada Conceição.

Pois, que outra coisa é o calcanhar da Virgem, senão os filhos que Ela suscitou para seu serviço, humildes, desapegados de honras e glórias mundanas, unicamente desejosos de serem instrumentos d’Ela para esmagar a Revolução? Esse deve ser nosso maior anelo: sermos células vivas do glorioso calcanhar da Santíssima Virgem, a cuja pressão nada tem resistido, ao longo da História!

Sol do repouso e das longas meditações…O natal de Nosso Senhor Jesus Cristo representou uma honra incomparável para toda a humanidade. Guardadas as proporções, também o nascimento de Nossa Senhora conferiu particular nobreza ao gênero humano. Ela foi a criatura mais perfeita nascida até então, concebida

Page 39: Esclavitud y Devoción Mariana

sem pecado original, e à qual foi dada, desde o primeiro instante de seu ser, uma superabundância de graças. Compreende-se, pois, a afirmação de que Maria Santíssima está para Nosso Senhor, assim como a lua para o sol: Ela representa a suave e amena luminosidade da lua, e Ele, a onipotente e deslumbrante claridade do sol.

Há, sem dúvida, imensa beleza no despontar do astro-rei. Contudo, em certas ocasiões, o aparecimento da lua tem também seu encanto, sua poesia e sua grandeza. E assim a natividade de Nossa Senhora foi, para toda a humanidade, como um magnífico nascer da lua: sol das sombras, sol do repouso, sol das longas meditações e das extensas digressões do espírito…

Mãe dos pecadores que se querem converterÓ Deus, infinitamente bom e justo, tendes o direito de estar irado contra mim, que tanta ofensa Vos fiz. Entretanto, vossa Mãe é também a minha. E Ela conserva para comigo solicitudes, cuidados e paciências que todas as verdadeiras mães têm para com seus filhos. Nesta incansável misericórdia de Maria, tenho eu posto todas as minhas esperanças. Sede, pois, ó Senhor, paciente para comigo, porque assim o é vossa Santíssima Mãe!

Clemência sem cumplicidade com o erroA realeza que Nossa Senhora exerce sobre o gênero humano, não é a do juiz, mas a da advogada, isto é, dAquela que não tem por missão julgar e punir os pecadores, mas a de os defender. Por isso tem Ela para conosco toda sorte de predisposições favoráveis, e sempre nos atende com indizível bondade.

Entretanto, a alma moderna, muito atribulada e tratada com terrível dureza pela atual tirania do demônio, encontra certa dificuldade em compreender o verdadeiro sentido da clemência de Nossa Senhora. Tanto mais quanto uma falsa piedade apresenta esta misericórdia de modo alvar e adocicado, como se ela fosse uma espécie de cumplicidade com o erro. Ora, a ternura e a bondade de Maria não consistem numa vil condescendência para com quem praticou o mal, e sim na materna e invariável disposição de conceder ao delinqüente as graças necessárias para ele abandonar o erro e o pecado. É neste sentido que se deve entender a clemência de Nossa Senhora; e enquanto tal, ela é única, suprema e indizível.

Porto que se abre aos navegantes sem rumoQuantas vezes nos debatemos em meio às ondas das provações inerentes à vida espiritual, ou decorrentes da fidelidade à Igreja. Ora é a prática da virtude, que parece não progredir; ora são os inúmeros problemas com que nos defrontamos em nosso apostolado; são, ainda, as inevitáveis vicissitudes de nossa existência terrena, sempre nos pedindo cuidados, e muitas vezes nos trazendo dissabores. É, então, como se navegássemos num mar sem ponto de referência, esforçando-nos por atingir o fim de nossa trajetória.

Page 40: Esclavitud y Devoción Mariana

Para tais ocasiões, a solução é o recurso à Santíssima Virgem, rogando-Lhe: “Vós sois o Auxílio dos cristãos, o Refúgio dos pecadores. Está na vossa grandeza, ó minha Mãe, considerar meus defeitos, minhas necessidades, meus sofrimentos, e serdes para mim como um porto, abrigando-me neste mar alto e turbulento. Vossa grandeza é também a da vossa misericórdia. Tende pena de mim e acolhei-me!”.

Salus infirmorumO homem que, em conseqüência do pecado original, está sujeito às mais aflitivas doenças, amiúde recorre a Nossa Senhora, suplicando-Lhe a cura de seus males. Por isso a Igreja A invoca como a “Saúde dos enfermos”.

Não raras vezes, permite Nossa Senhora doenças e provações físicas, a fim de que os homens, curados por sua intercessão, sintam a maternal bondade com que Ela os atende e sejam, assim, por Ela mais atraídos e conquistados. Nossa Senhora, Saúde dos enfermos, é, portanto, num primeiro plano, Aquela que restitui a saúde corporal aos homens.

Será só isto? Nossa Senhora é Mãe apenas quando trata de nossos males? Não será também insigne favor, o fato de Ela permitir que nos acometa alguma doença, e que esta perdure longamente? Muitas vezes sim. A doença pode ser um meio mais excelente de nos aproximar d’Ela, de tomarmos distância das coisas do mundo, de compreendermos como é transitória a vida, de purificarmos nossa alma de inúmeros pecados e defeitos! Neste caso, a doença é um bem para nós. De tal sorte que podemos dizer a Nossa Senhora: “Se essa enfermidade for melhor para minha alma, eu a aceito. Porém, Vós tendes o poder de abreviá-la, caso esteja nos desígnios de Deus fazer-me mais bem a saúde do que a doença. Se tal for, se meus pecados não constituírem obstáculos à vossa misericórdia, peço-Vos que me cureis. Do contrário, acolho com humildade o que Vós me destinais”.

Sobretudo devem se dirigir a Nossa Senhora os pecadores, para que Ela restitua a saúde às suas almas enfermas da pior das doenças, que é o pecado.

Amor que supõe o combate pela Igreja militanteNosso amor a Nossa Senhora não pode ser apenas um cântico de louvor à sua grandeza e à sua bondade. Importa que seja, também, um efetivo reconhecimento desta bondade e desta grandeza. E o reconhecimento efetivo se traduz em atos. Ou seja, ama, venera e louva a Nossa Senhora quem pratica as virtudes de que Ela foi exemplo.

Quem conhecesse a Santíssima Virgem nesta Terra, admirando-A teria, num só golpe de vista, a noção de toda a sabedoria da Igreja, do esplendor de todos os Santos, do talento de todos os Doutores, do heroísmo de todos os cruzados e da paciência de todos os mártires. Enfim, não houve beleza que a Igreja tivesse engendrado, e por onde esta manifestasse seu espírito, que não resplandecesse em Nossa Senhora com extraordinário fulgor.

Page 41: Esclavitud y Devoción Mariana

Portanto, amamos a Nossa Senhora, sendo, vivendo e fazendo como a Igreja Católica nos prescreve. Ora, enquanto a Igreja estiver na Terra, ela será militante e combaterá contra toda sorte de inimigos. Em nossos dias, a Igreja militante se encontra no auge de sua luta. Portanto, nosso amor à Santíssima Virgem e à Esposa Mística de Cristo supõe, na atual conjuntura, pensamentos de coragem apostólica, de intrepidez, de santos empreendimentos em prol da Civilização Cristã.

Objetar-se-á, talvez, que Nossa Senhora é Mãe, e é apresentada nos templos com um aspecto misericordioso. É bem verdade. Em suas imagens, esta Mãe de misericórdia contempla, enlevada, o Céu, ou considera com bondade a Terra. Entretanto, reparemos nos seus pés: com seu calcanhar, a Virgem esmaga continuamente a cabeça da serpente. É a representação de uma luta que só cessará no fim do mundo, quando os demônios que pairam nos ares forem atirados, definitivamente, no Inferno.

Portanto, se Nossa Senhora estivesse de modo visível nesta Terra, estaria estimulando os seus devotos escravos a combater pela causa d’Ela. Na militância católica se encontra, pois, uma das mais excelentes formas de amor e de veneração à Santíssima Virgem.

Page 42: Esclavitud y Devoción Mariana

Artigos especialmente marianos

Grignion de Montfort – I(DE GRIGNION DE MONTFORT” in “O Legionário” 26.11.39)

Das mãos de uma editora católica, recebeu o “Legionário”, ultimamente, a obra traduzida do Bem-aventurado Luiz Maria Grignion de Montfort, sobre a Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. Entre estas edições, chama atenção por suas qualidades a da Vozes, de Petrópolis, que teve a feliz idéia de traduzir, também, em apêndice, as orações que o Autor recomenda no seu livro.

As obras do Beato Grignion de Montfort já se impuseram, no seio da Santa Igreja, por seu excepcional valor e hoje em dia o Tratado da Verdadeira Devoção é geralmente reconhecido como um dos mais importantes trabalhos que jamais se tenha escrito sobre Nossa Senhora. Dados os extremos de respeito e de amor para com a Santíssima Virgem a que a obra do Beato Grignion de Montfort conduz seus leitores, alarmou ele, aliás sem o menor fundamento, alguns pensadores católicos receosos de que o autor tivesse chegado a exagerar o culto da hiperdulia que a Nossa Senhora se deve. A Santa Sé, a fim de acalmar os espírito timoratos, e permitir às almas piedosas que singrassem sem receio os oceanos de piedade contidos no Tratado da Verdadeira Devoção, declarou entretanto de forma expressa, explícita e oficial, nada ter aquele livro que colida com o pensamento da Igreja. É, pois, com apoio nessa garantia de supremo valor que se deve considerar e examinar a grande obra daquele grande Santo.

* * *Não tenho, evidentemente, o propósito que, partido de mim, seria descabido e temerário, de produzir um comentário que apresente algo de novo ou original a respeito de obra de tão grande importância teológica. O meu intuito, neste artigo, é apenas de apontar ao público algumas das qualidades daquela obra que mais facilmente lhe possam levar a obter leitores capazes de a ler, meditar e viver.

* * *Muito se tem escrito, em nossa época, por pena de leigo, sobre piedade. Entretanto, cumpre observar que raramente os livros dessa natureza, ao menos no Brasil, apresentam aquela solidez de pensamento sem a qual a piedade corre grave risco de se extraviar.

No fundo, essa deficiência decorre de uma concepção incompleta do que seja a piedade. Raciocinando de um modo simplista, pensa muita gente que como o anelo supremo de toda a vida espiritual deve ser a intensificação do amor de Deus, e como o amor que os Santos tiveram a Deus na vida terrena se manifestou por extraordinárias provas de sensibilidade afetiva, em última análise o amor será tanto maior quanto mais aguçada e mais viva for a sensibilidade. De sorte que a obra de um livro de piedade deve consistir em despertar a maior sensibilidade afetiva possível. Quanto mais terna a linguagem, quanto mais imaginosa, quanto mais rica de adjetivos, tanto mais eficaz.

Page 43: Esclavitud y Devoción Mariana

Com isto, evidentemente, toda a estruturação doutrinária da obra sofre um sério prejuízo. A preocupação literária predomina sobre a clareza e a ortodoxia do pensamento, e o trabalho inteiro, se consegue uma vez ou outra tocar o leitor por um artifício feliz de linguagem, não deixa no fim uma única convicção sólida e profunda, uma única daquelas idéias claras e substanciosas, capazes de guiar uma vida e determinar uma reforma espiritual.

Nisto, como em tudo, a Santa Igreja deve ser nossa Mestra. Ninguém mais do que ela se esforça por estimular e formar a sensibilidade humana, nutrindo-a com todas as impressões capazes de lhe dar uma verdadeira elevação. Pelas imagens, pelos cânticos, pela música, pelos esplendores da Sagrada Liturgia, a Igreja fala incessantemente à sensibilidade dos fiéis, e, auxiliada pela graça de Deus que nunca lhe falta, bem como pelos recursos de grande talentos humanos, tem ela conseguido tais resultados neste terreno, que bem se pode dizer que ninguém, em toda a história, tem conseguido propor à sensibilidade humana temas tão altos e tão nobres, ao mesmo tempo tão fortes e tão suaves, quanto ela. Ao par disto, ninguém tem conseguido, ao mesmo tempo, comunicar a essas manifestações sensíveis um cunho tão apuradamente artístico quanto os grandes talentos inspirados pela Igreja.

Longe, e muito longe de nós, portanto, está a preocupação de ignorar o papel da sensibilidade na vida da piedade. Deixemos esta triste tarefa aos protestantes, e continuemos dóceis aos maravilhosos ensinamentos que, a este respeito, nos dá a Santa Igreja.

Entretanto, se não queremos reduzir em nada o papel da sensibilidade, também estamos muito longe de lhe atribuir na vida de piedade uma importância que ela não tem.

Como a vida de piedade se destina a santificar o homem, a importância que têm respectivamente a inteligência, a vontade e a sensibilidade é proporcionada à magnitude das funções de cada uma no homem.

Ora, se o papel da sensibilidade é grande, ninguém poderá, por pouco que reflita, deixar de reconhecer que a ação da inteligência e da vontade ainda é muito maior.

Assim, pois, a verdadeira formação de piedade não se deve contentar com ministrar à sensibilidade estímulos sobre estímulos. Ela só será sólida se se alicerçar sobre verdades claras, substanciosas e fundamentais, ministradas e assimiladas a fundo pela inteligência. E só será real se se servir destas verdades como meio para disciplinar vigorosamente a vontade, em um combate árduo e duro que, se bem que a alma seja espiritual, com toda a propriedade de expressões se pode chamar de sangrento. De nada vale a vida espiritual se ela prescindir de uma instrução religiosa sólida, e de uma luta efetiva, disciplinada, constante e intransigente conosco. Um exemplo que não me farto de repetir, e que aliás é corriqueiro, explicará tudo. Conheci uma pessoa que vivia em estado de pecado mortal habitual, e que, entretanto, cada vez que fazia uma Via Sacra, chorava copiosamente pelas dores de Nosso Senhor. Tentei mostrar a esta pessoa como deveria aproveitar esta compunção sensível para se afastar do pecado. Foi tudo inútil. A sensibilidade era viva, mas a vontade não era reta. O epílogo desta situação foi uma decadência

Page 44: Esclavitud y Devoción Mariana

moral que chegou até às últimas raias do que pode um homem fazer. Sensibilidade, não faltava. Mas, e o resto?

* * *É raro encontrar um livro que, de modo mais patente, tenha os dois predicados, o de esclarecer a inteligência, e o de estimular a sensibilidade, do que o do Beato Grignion de Montfort. Seu Tratado é uma verdadeira tese, com lampejo de polêmica. A argumentação é sólida, substancial, profunda. Jamais se nota nele que um arroubo de amor venha perturbar a indefectível serenidade e justeza do pensamento. Sua profundidade chega a ser tal que freqüentemente os leitores não iniciados na Teologia — e é este meu caso — têm de fazer um sério esforço de inteligência, para o compreender. Mas em compensação não há uma só frase inútil ou sem sentido em seu livro. Todas as palavras têm seu valor exato e calculado. E todos os conceitos geram convicções claras e profundas, que não despertam apenas sobressaltos de sensibilidade em momentos em que nosso temperamento se mostra propício a isto, mas idéias luminosas e substanciosas, que geram aquele amor sério e sólido, capaz de sobreviver heroicamente às mais implacáveis aridezes da vida espiritual.

Entretanto, não se julgue que o Tratado da Verdadeira Devoção é uma fria exposição de princípios. Em cada ponta de frase, o Beato Grignion de Montfort deixou gotejantes o suor de sua inteligência e o sangue de seu coração. Sua argumentação, se é lúcida, está longe de ser fleumática. Pelo contrário, é apaixonada, ardente, comunicativa. A cada demonstração vitoriosa, seu escrito toma acentos de gritos de triunfo e de júbilo. Sua linguagem lembra a de São Paulo. E por isto o grande Faber disse da obra de Grignion de Montfort que depois das Escrituras Sagradas, nada se escreveu de mais candente do que sua famosa oração pedido missionários de Maria.

Se há um trabalho em que se compreende aquela luz intelectual cheia de amor, de que fala Dante, esse é o de Grignion de Montfort.

Lê-lo é facilitar poderosamente o progresso na vida espiritual. Difundi-lo é acumular coroas de méritos no Reino dos Céus.

Grignion de Montfort – II(“Grignion de Montfort” in “O Legionário” 10.12.39)

Mostrei em meu último artigo as qualidades essenciais do Tratado da Verdadeira Devoção, do Santo Grignion de Montfort. Hoje, pretendo dizer alguma coisa sobre a doutrina que ele expõe.

Penso não errar, afirmando que, em essência o Tratado não é senão e exposição de duas grandes verdades ensinadas pela Igreja, das quais ele extrai todas as conseqüências necessárias, e cuja luz examina toda a vida espiritual. Estas duas verdades são a maternidade espiritual de Nossa Senhora em relação ao gênero humano, e a mediação universal de Maria Santíssima.

Dada a espessa ignorância religiosa que reina entre nós, não falta quem suponha que a Igreja dá a Nossa Senhora o título de Mãe do gênero humano, simplesmente para descrever de certo modo

Page 45: Esclavitud y Devoción Mariana

os sentimentos afetuosos e protetores que Ela experimenta em relação aos homens. Como estes sentimentos são próprios às mães, por analogia, Nossa Senhora seria também a nossa Mãe. E nós seríamos, em relação a Ela, pobres mendigos que, na sua generosidade, Ela protege como se fossem filhos.

* * *A realidade, entretanto, é muito outra. Não somos filhos de Nossa Senhora simplesmente por uma adoção afetiva. Ela não é nossa Mãe apenas no terreno fictício ou na ordem sentimental, mas com toda a objetividade, na ordem verídica da vida sobrenatural.

* * *Antes do pecado original, nossos primeiros Pais, vivendo no Paraíso, foram criados por Deus para a glória celeste, que eles poderiam atingir transpondo os umbrais desta vida em um trânsito que não teria a tristeza tétrica da morte, mas o esplendor de uma glorificação.

O pecado original, entretanto, rompendo a amizade em que o gênero humano vivia com Deus, fechou aos homens a porta do Céu, e obstruiu o livre curso da graça de Deus para os homens. Em outros termos, com a punição do pecado original, os homens perderam qualquer direito ao Céu e à vida sobrenatural da graça.

Se bem que não fosse extinto, isto é, que perdesse a vida terrena, o gênero humano perdeu, pois, o direito à vida sobrenatural. E ele só poderia readquirir tal via de apresentasse à Justiça divina uma expiação proporcionada à enormidade de seu pecado.

Não vem a propósito, aqui, discutir a natureza deste pecado. É certo que todos os teólogos, sem exceção, afirmam nada ter o pecado de Adão de comum com o pecado da impureza, ao contrário de uma versão muito generalizada do povo. Mas a narrativa bíblica mostra claramente os requintes de rebeldia que agravaram sobremaneira o delito de nosso primeiro Pai. Aliás um dos elementos para se aquilatar a gravidade de uma ofensa consiste em medir a dignidade da pessoa ofendida. Uma mesma impertinência, quando dita a um irmão é muito menos grave do que quando dita a um pai. Um gracejo comum entre colegas poderia constituir uma grave irreverência se fosse feito a um Chefe de Estado, e assim por diante. Ora, Deus é infinitamente grande. Por aí não é difícil avaliar a gravidade do pecado original. Uma ofensa feita ao Infinito só poderia ser convenientemente resgatada por meio de uma expiação infinitamente grande. E não está no poder de homem, ser contingente por natureza e envilecido pelo pecado, oferecer ao Criador um tão valioso desagravo. Os pontos que nos ligavam a Deus pareciam, pois, definitivamente cortados, e irremediável a decadência a que se atirara loucamente o gênero humano com o pecado.

Foi para remediar tão insolúvel situação, que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, encarnando-se no seio puríssimo de Maria Virgem, assumiu natureza humana sem nada perder de sua Divindade, e o Homem-Deus assim constituído se pôde apresentar à Justiça do Pai, como cordeiro expiatório do gênero humano. Efetivamente, como Homem, Nosso Senhor Jesus Cristo

Page 46: Esclavitud y Devoción Mariana

podia oferecer uma expiação que fosse realmente humana. Mas em virtude da dualidade das naturezas n’Ele existentes, essa expiação, se bem que humana, tinha um valor infinito, pois que consistia na efusão generosa e superabundante do Sangue infinitamente preciso do Homem-Deus. Assim, no Sacrifício do Calvário, Nosso Senhor aplacou a justiça divina, e fez renascer para o Céu e a vida sobrenatural da graça a humanidade que estava absolutamente morta em tudo quanto se referisse ao sobrenatural. Se Deus, Uno e Trino, é nosso Criador, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, encarnando-Se, se tornou nosso Pai por um título muito especial, que é o da Redenção. Jesus, morrendo deu-nos a Vida sobrenatural. E quem dá a vida é verdadeiramente Pai, no sentido mais amplo da palavra.

* * *Se o gênero humano pôde beneficiar-se da Redenção, é porque a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade se fez homem, pois que o pecado dos homens deveria ser resgatado.

Ora, se Jesus Cristo assumiu natureza humana, fê-lo em Maria virgem, e assim esta cooperou de modo eminente na obra da Redenção, transmitindo ao Salvador a natureza humana que nos desígnios de Deus era condição essencial da Redenção. De mais a mais, Maria Santíssima ofereceu de modo inteiro, e sumamente generoso, o seu Filho como vítima expiatória, e aceitou de sofrer com Ele, e por causa d’Ele, o oceano de dores que a Paixão fez brotar em seu Coração Imaculado.

Assim, pois, a Redenção nos veio por Maria Virgem, e sua participação nessa obra de ressurreição sobrenatural do gênero humano foi tão essencial e tão profunda, que se pode afirmar que Maria cooperou para nos fazer nascer para a vida da graça. Pelo que, Ela é, autenticamente, nossa Mãe. Autenticamente, acentuo, pois que não se trata aí de divagações sentimentais ou literárias, mas de realidades objetivas, que, se bem que sobrenaturais, não deixam de ser absolutamente verdadeiras por isso mesmo que são sobrenaturais.

* * *Convidando os fiéis a adorar o Santíssimo Sacramento, a Igreja exclama na Sagrada Liturgia: “Quantum potes, tantum aude”, isto é, tem o arrojo de amar tanto quanto te permitir o teu coração.

O mesmo se deve dizer a esta altura. Diante da maravilhosa realidade da maternidade de Maria em relação aos homens, realidade que constitui uma verdade séria, teológica, profundamente substanciosa, o homem deve romper decididamente para que ele se dilate plenamente os limites acanhados de seu coração, sem susto, e singre sem cuidado, pelo oceano de amor que se descortina ante seus olhos. Não são indispensáveis, aí, os artifícios da retórica humana. Uma consideração madura da realidade será suficiente para encher o homem de amor.

De acordo com toda a doutrina católica, o Beato Grignion de Montfort mostra, então, as grandezas de Maria Santíssima. Demonstrando que Ela é Mãe, o que há de mais conveniente e de mais necessário até, do que o conhecimento da suprema dignidade e da inexcedível misericórdia que Ela possui?

Page 47: Esclavitud y Devoción Mariana

São Tomás de Aquino diz que Nossa Senhora recebeu de Deus todas as qualidades com que seria possível a Deus cumular uma criatura. De sorte que Ela se encontra no ápice da criação, firmando seu trono acima dos mais altos coros angélicos, e sendo inferior apenas ao próprio Deus, que, sendo só Ele infinito, está infinitamente acima de todos os seres, inclusive de Nossa Senhora.

Costuma-se dizer que Nossa Senhora brilha mais do que o sol, tem a suavidade da lua, a beleza da aurora, a pureza dos lírios e a majestade do firmamento inteiro. Muita gente supõe que tudo isto não passa de hipérboles. Estas comparações pecam por sua irremediável deficiência. O sol, a lua, a aurora e todo o firmamento são seres inanimados, e estão, portanto, colocados na última escala da criação. Não é admissível que Deus os fizesse tão formosos, dando ao homem dons menores. E, por isto mesmo, a mais apagada das almas mortas em paz com Deus, tem uma formosura que excede incomparavelmente a de todas as criaturas materiais. Que dizer-se, então, de Nossa Senhora, colocada incalculadamente acima, não só dos maiores Santos, mais ainda dos Anjos mais elevados em dignidade junto ao trono de Deus? Um caipira que fosse assistir à solenidade da coroação do Rei da Inglaterra, voltando aos seus pagos natais, possivelmente não encontrasse outros termos para explicar a magnificência daquilo que viu, senão afirmando que foi mais belo do que as festas em casa do Nhô Tonico, o homem menos pobre da zona. Se o Rei da Inglaterra ouvisse isto, que outra coisa poderia fazer, senão sorrir? Pois nós, quando procuramos descrever a formosura de Nossa Senhora com os termos escassos da linguagem humana, fazemos o mesmo papel… e Ela também sorri.

* * *Não espanta, pois, que seja verdade de Fé que Deus se compraz tanto em Nossa Senhora, que um pedido feito por meio d´Ela é sempre atendido, ainda que não conte senão com o apoio d’Ela. E que se todos os Santos pedissem alguma coisa sem ser por meio d’Ela nada conseguiriam. Porque, como diz Dante, querer rezar sem Ela é o mesmo que querer voar sem asas…

Assim, pois, todas as graças nos vêm de Nossa Senhora, e é Ela a medianeira universal de todos os homens, junto a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Mas, se todas as graças nos vêm d’Ela, e se nossa vida espiritual não é senão uma longa sucessão de graças a que correspondemos, ou renunciamos a ter vida espiritual, ou devemos compreender que esta será tanto mais suave, mais intensa e mais perfeita, quanto mais próximos estivermos junto daquele único canal de graça, que é Nossa Senhora. Deus é a fonte da graça, Nossa Senhora o único canal necessário, e os Santos meras ramificações, aliás veneráveis e dignas de grande amor, do grande canal que é Nossa Senhora.

Queremos ter a graça inestimável do senso católico? Queremos ter a virtude inapreciável da pureza? Queremos ter o tesouro sem preço, que é o dom da Fortaleza, queremos ser ao mesmo tempo mansos e enérgicos, humildes e dignos, piedosos e ativos, meticulosos em nossos deveres e inimigos do escrúpulo, pobres de espírito se bem que jungidos às riquezas do mundo, em uma palavra, fiéis e devotos servidores de Nosso Senhor Jesus Cristo? Dirijamo-nos ao trono que Deus

Page 48: Esclavitud y Devoción Mariana

deu a Nossa Senhora, e, no recesso amoroso da Igreja Católica, nossa Mãe, peçamos a Nossa Senhora, também nossa Mãe, que nos faça semelhantes a seu Divino Filho.

* * *Foi isto que despendi do livro de Grignion de Montfort. Mas meu artigo está para o livro como a festa de Nhô Tonico para a coroação do Rei: serve apenas para dar uma longínqua idéia do que ele é.

Pro Maria fiant maxima(“Pro Maria fiant maxima” in “O Legionário” 10.12.39)

É um fato ao mesmo tempo curioso e edificante na vida da Igreja que, sendo esta depositária das verdades teológicas as mais altas e complexas, a massa dos fiéis, servida, entretanto, por uma especial acuidade de visão, penetra e vive estas verdades ainda mesmo quando seu nível cultural pareceria vedar-lhe o acesso a qualquer atividade intelectual de ordem superior.

Em tudo que se relaciona com a devoção a Nossa Senhora, esta observação se comprova com toda a clareza. Em dois artigos anteriores, expus sucintamente a doutrina espiritual do Bem-aventurado Grignion de Montfort a respeito da verdadeira devoção a Nossa Senhora, e procurei mostrar aos leitores todo o vigor e toda a profundeza dos argumentos em que a Santa Igreja alicerça sua doutrina marial. Como os leitores tiveram ocasião de ver, doutrina marial e a devoção a Nossa Senhora, se tem crescido constantemente, desenvolvendo-se, porém, não à moda de hipérboles afetivas e meramente literárias que se vão ultrapassando umas às outras, mas como uma torre de raciocínios, firme como o granito, à qual cada geração de teólogos acrescenta mais alguns andares solidamente esteados no esforço diligente desenvolvido pela razão a fim de descobrir todo o alcance e extensão das verdades reveladas. Entretanto, é tocante observar como a piedade popular, ignorando muitas vezes os argumentos da Teologia sagrada, e deixando-se guiar em grande parte pela finura de sua sensibilidade, desce até o âmago profundo das verdades teológicas ensinadas pela Igreja e sabe viver tais verdades com uma autenticidade de convicções e de sentimentos que se não poderia explicar sem a ação do Espírito Santo.

Grignion de Montfort mostra que as grandes verdades da maternidade sobrenatural de Nossa Senhora em relação aos homens e de sua mediação universal são corroboradas pela extensão do culto a Nossa Senhora em todas as regiões do globo. Realmente, não há um único povo que não se afirme particularmente amado por Nossa Senhora, e isto com plena razão, porque é próprio do coração materno, por mais numerosos que sejam os filhos, dedicar a cada qual um amor especial, baseado em títulos particulares. Não há um povo que não tenha ao menos um grande Santuário nacional erigido em honra de Maria Santíssima, no qual a Rainha do Céu faça chover sobre os homens, com abundância, as graças espirituais e temporais. Mais ainda, em cada região há uma Igreja ou Capela particularmente venerada pelos fiéis, e em cada Igreja ou Capela há ao menos uma imagem de Nossa Senhora. E esta regra se aplica sem exceção às mais variadas nações do globo, desde a Polônia até a jungle africana, e desde o Brasil até a China. Qual a razão da universalidade absoluta deste culto, universalidade esta que, se bem que rigorosamente conforme

Page 49: Esclavitud y Devoción Mariana

ao ensinamento da Igreja, se distingue pela singular espontaneidade das manifestações através das quais se exprime? A Igreja nunca mandou que cada povo erigisse um Santuário particularmente dedicado a Nossa Senhora, com foros de Santuário nacional, nem que em cada Igreja Nossa Senhora tivesse um altar próprio. Jamais uma autoridade eclesiástica se lembrou de obrigar os fiéis a prestar a Nossa Senhora todos e cada um dos atos de piedade com que Ela é venerada. A Igreja se limitou a definir as verdades mariais e, na maioria dos casos, a piedade espontaneamente entusiástica da massa dos fiéis tem seguido seu curso, de tal forma que se pode sustentar que quase todas as festas de Nossa Senhora e quase todas as formas de piedade com que Ela é honrada nasceram na massa dos fiéis espontaneamente ou por meio de revelações particulares, sendo posteriormente sancionadas pela Igreja. Por que tudo isto? Porque a piedade popular sente viva e profundamente que Nossa Senhora é, na realidade, a Mãe de todos os homens, e especialmente dos que vivem no aprisco da Igreja de Deus. E sente, ainda, que a mediação de Nossa Senhora é a porta segura, direta, certa, para se ter acesso junto ao Trono do Criador.

* * *Fazendo estas reflexões, lembro-me invencivelmente de Aparecida do Norte, e das impressões profundas que tenho colhido sempre que ali vou rezar aos pés de Nossa Senhora.

Onde, no Brasil inteiro, um lugar para o qual, com tanta e tão invencível constância, se voltam os olhos de todos os brasileiros? Qual a palavra que tem entre nós o dom de abrir mais facilmente os corações? Qual a evocação que mais ardentemente do que a Aparecida nos fala de toda a sensibilidade brasileira retificada em seu curso e nobilitada em seus fins sobrenaturais? Quem, ao ouvir falar em Nossa Senhora Aparecida, pode não se lembrar das súplicas abrasadoras de mães que rezam por seus filhos doentes, de famílias que choram no desamparo e na miséria o bem-estar perdido e se voltam para o Trono da Rainha da clemência, de lares trincados pela infidelidade, de corações ulcerados pelo abandono e pela incompreensão de almas que vagueiam pelo reino do erro à procura do esplendor meridiano da Verdade, de espíritos transviados pelas veredas do vício, que procuram entre prantos o Caminho, de almas mortas para a vida da graça, e que querem encontrar nas trevas de seu desamparo as fontes de uma nova Vida? Onde se pode sentir de modo mais vivo o calor ardente das súplicas lancinantes, e a alegria magnífica das ações de graças triunfais? Onde, com mais precisão, se pode auscultar o coração brasileiro que chora, que sofre, que implora, que vence pela prece, que se rejubila e que agradece, do que na Aparecida? E sobretudo, onde é mais visível a ação de Deus na constante distribuição das graças, do que na vila feliz, que a Providência constituiu feudo dá Rainha do Céu?

Nada, no ambiente de Aparecida, impressiona a imaginação pela grandeza das linhas arquitetônicas ou pela riqueza do acabamento. Mas o ar está tão saturado de eflúvios de prece e de orvalhos de graça, que qualquer pessoa sente perfeitamente que Aparecida foi designada, pela Providência, para ser a capital espiritual do país.

* * *

Page 50: Esclavitud y Devoción Mariana

A esta capital, entretanto, muita coisa falta. E quem vai a Aparecida sente perfeitamente que paira sobre o lugar um grande anelo coletivo, uma grande aspiração anônima, por uma obra de construção e de Fé que exprima e traduza na ordem das realidades naturais e sensíveis todas as realidades sobrenaturais e insensíveis de que o ambiente está saturado.

A maternidade de Maria e a onipotência de Sua mediação universal precisam ser promulgadas em mármore e bronze, depois de terem sido proclamadas com lágrimas, com preces e com sorrisos de gratidão, pelo Brasil inteiro.

A futura Basílica deve ser como aqueles documentos de bronze dos tempos antigos, em que se gravavam para a posteridade fatos, leis ou nomes já imortalizados na memória dos povos. A consagração afetiva não basta: ela tem no interior de sua essência uma força que o leva a se exteriorizar em monumentos de arte e de Fé.

* * *Não é difícil, pois, aquilatar o imenso entusiasmo popular que despertará a notícia que damos em primeira mão de que o Exmo. Revmo. Sr. Arcebispo Metropolitano, constituindo uma comissão de técnicos para estudar os planos da futura Basílica, deixa transparecer apenas o prelúdio de um plano gigantesco que acalenta em seu coração, plano este segundo o qual Aparecida se transformará no mais imponente centro religioso das duas Américas.

Com uma acentuadíssima amplidão de concepções, S. Excia. Revma. vai lançar um plano monumental, impressionante pela majestade da idéia e pelo grande espírito prático que presidiu a fixação dos detalhes. E, a serviço deste plano, convocando uma verdadeira cruzada de orações e de generosidades através de todo o Brasil, quer o Arcebispo de São Paulo empenhar as cordas mais sensíveis do coração brasileiro.

A simples descrição da obra a ser realizada em dezenas de anos dispensa comentários. Sem se tocar na atual Igreja, que continuará intacta, servindo de Matriz, deve ser construída outra Basílica, uma série de edifícios complementares constituirá como que uma coroa de contrafortes espirituais. Em primeiro lugar, a residência dos Padres incumbidos da Paróquia. Em seguida, um edifício especial para servir de sede às reuniões dos Exmos. Revmos. Srs. Bispos da Província Eclesiástica. Ao lado deste, um piedoso retiro para os membros do Episcopado que, invalidados pelo peso dos anos e dos méritos, aspirarem a um justo repouso, propício a uma preparação para o descanso eterno na vida futura. Finalmente, uma grande casa de retiros para leigos e um braseiro de orações incessantes constituído por um Carmelo e por um Cenáculo de Sacramentinas, virá completar de modo feliz a imponente mole de edifícios que constituirão o feudo de Nossa Senhora. Cogita ainda S. Excia. Revma. da construção do Calvário monumental, análogo ao de Lourdes. Orações, trabalhos, reuniões, penitências, tudo isto se fará sob as vistas de Nossa Senhora, conseguindo assim mais facilmente as graças benevolentes de Deus.

* * *

Page 51: Esclavitud y Devoción Mariana

Não preciso acrescentar uma única palavra para acender entusiasmos e mobilizar dedicações. Vejo, de minha mesa de trabalho, as fisionomias maravilhadas que se hão de iluminar com a leitura desta sensacional revelação.

Mas uma palavra, ao menos, deve ser dita para os espíritos timoratos, que mais facilmente se impressionam com a grandeza do esforço do que com a magnitude da obra.

A própria amplitude do plano lançado deveria dar a entender que o Exmo. Revmo. Sr. Arcebispo, atacando a construção dum monumento de tal envergadura, dá uma bela mostra de desprendimento.

Efetivamente, S. Excia. não pode ter o plano de ultimar rapidamente, com o aceno de uma vara mágica, a execução de trabalho tão grandioso. Aos dignitários da Igreja, que têm diante de si os séculos, não pode atormentar a febre das inaugurações imediatas, que devem assinalar administrações efêmeras. Os maiores monumentos religiosos do mundo inteiro foram obra de gerações e gerações consecutivas. Nenhuma delas plantou para ter o gosto de colher os frutos neste mundo. Os frutos se colhem no Céu, para todos os semeadores da boa semente. O que é essencial é que as obras realizadas na terra não tragam a marca de precariedade e de exigüidade das coisas feitas exclusivamente para os homens, se elas se destinam ao culto de Deus.

Este monumento se fará, volente Deo, tendo como condição de sucesso a persuasão firme e tranqüila de que não se trata de uma grande obra, a se realizar de modo amesquinhado graças à exigüidade dos recursos e do tempo. Os anos poderão correr, assistindo ao desenvolvimento lento e prudente da obra. Nem por isso, entretanto, ela se fará menor, ou deixará de se fazer.

E se ela exceder os limites da existência desta geração, uma coisa ao menos se poderá dizer: que o Brasil teve a glória de, exceção honrosa em um século frívolo e imediatista, argamassar com o fator tempo um monumento que por isto mesmo o tempo não destruirá.

“Um livro indispensável”(“Um livro indispensável” in “O Legionário” 18.2.40)

Lê-se na edificantíssima vida de Santo Afonso de Ligório, fundador da benemérita Congregação dos Redentoristas, que, já em avançada idade e impossibilitado de fazer pessoalmente todas as leituras, ouvia de irmão leigo uma página de uma obra de piedade sobre Nossa Senhora. O Santo perguntou ao irmão que livro era aquele, e informado em resposta que se tratava das “Glórias de Maria”, exclamou jubiloso “como me alegro de ter escrito este livro”, e prosseguiu mostrando como são felizes aqueles que tiveram a ventura de colaborar, de qualquer maneira, para a maior glória de Maria Santíssima.

É este mesmo sentimento que deve animar quem teve a feliz idéia de traduzir o belíssimo livro que, com o título de “Ma Mère”, escreveu um outro redentorista ilustre, o Pe. Schryvers, teólogo polonês de nomeada universal.

Page 52: Esclavitud y Devoción Mariana

Tradução feita com carinho e esmero, impressa com cuidado sob os auspícios da editora que, em boa hora, se fundou na Diocese de Taubaté, o livro que em português conservou o título do original — “Minha Mãe” — está chamado a fazer um grande bem em nosso meio. Com efeito, trata ele, de modo admiravelmente piedoso e douto, de um assunto de suprema relevância, ao qual as circunstâncias do momento presente vem acrescentar, se possível, uma atualidade a bem dizer palpitante.

Escrevendo sua obra, quis Schryvers, principalmente, pôr em relevo a ação da providência de Maria na vida espiritual e temporal de cada um de nós. A piedade dos verdadeiros filhos da Igreja não se contenta com saber que Nossa Senhora, em virtude dos mais sólidos e indiscutíveis argumentos teológicos, é nossa Mãe. Ela se compraz em admirar, na ordem concreta dos fatos, o poder sem limites e o amor incomensurável com que essa Mãe dirige a vida de cada um de nós, implorando junto do trono de Deus as melhores graças para seus filhos, guiando-lhes os passos nos transes por vezes tão difíceis da vida espiritual, e apartando de seu caminho, no que diz respeito à vida terrena, todos os sofrimentos que não sejam indispensáveis à santificação.

Daí, em torno de Nossa Senhora, essa florada intérmina de fatos comovedores que se transmitem nos livros de piedade ou na tradição, atestando cada qual de modo mais comovedor o poder e a indulgência da celeste advogada dos pecadores. Para mostrar a largueza das recompensas com que Ela agradece qualquer obséquio de seus devotos, Grignion de Montfort tem uma expressão tirada se não me engano da linguagem popular francesa de seu tempo. Essa expressão diz tudo: “pour un œuf Elle donne un bœuf”. Aliás, é o mesmo Grignion que afirma com razão que o amor de Nossa Senhora a qualquer um de seus filhos, ainda mesmo ao mais pecador ou mais desprezado pelos homens, excede absolutamente à soma do amor que todas as mães do mundo teriam ao seu filho único.

O grande mérito do livro de Schryvers é que ele completa, por assim dizer, o de Grignion de Montfort. Este último é uma tese ardente e doutissimamente sustentada em que todas as excelências de Maria Santíssima se demostram de modo irrefutável. O livro de Schryvers é um manual prático para se seguir passo a passo o caminho que Grignion ilumina com sua doutrina. Ele nos toma pela mão e nos vai conduzindo suavemente na senda da espiritualidade marial. À margem do caminho, nenhuma flor fica para trás sem que ele a colha, nenhum encanto se perde sem que ele o note, e as próprias cruzes, que Maria não afasta do caminho de seus devotos, ele se detém ante elas amorosamente, filialmente, tranqüilamente, não como o sentenciado ante o patíbulo que o faz tremer de horror, mas como o guerreiro intrépido ante o campo de batalha, ou melhor ainda como Nosso Senhor Jesus Cristo ao receber com lágrimas de amor e com beijos ardentes de carinho a Santíssima Cruz na qual iria redimir finalmente a humanidade.

Se o livro de Grignion de Montfort nos ilumina admiravelmente o caminho, o livro de Schryvers nos ensina a percorrê-lo com nossos próprios passos.

* * *

Page 53: Esclavitud y Devoción Mariana

Nenhum católico pode negar que Nossa Senhora é Medianeira de todas as graças, e que, portanto, sem o apoio de suas orações ninguém se pode salvar.

Assim, qualquer livro ortodoxo, douto e piedoso sobre Nossa Senhora, tem sempre a suprema atualidade de todas as coisas que interessam fundamentalmente nossa salvação eterna.

Isto não obstante, ouso afirmar que o livro do Pe. Schryvers goza atualmente de uma oportunidade particular.

A fermentação de um espírito por demais voltado para as coisas mundanas faz, não raramente, alguns católicos imaginarem que devem ocultar em seu apostolado as exigências sem dúvida austeras da moral católica, a qual não raramente exige dos próprios neófitos, à vista de certas circunstâncias da vida, sacrifícios absolutamente heróicos. Dizem tais espíritos que a declaração dos deveres implica em afugentar as almas. Melhor será falar-lhes em direitos do que em deveres, em permissões do que em obrigações, em tolerâncias do que em lutas. Assim mais facilmente aceitarão elas a doutrina católica.

Sem analisar tudo quanto de errado há em tal modo de ver, acentuo somente que em lugar de deformar o Catolicismo subtraindo aos olhos de todos a austeridade de sua divina moral, dever-se-ia proclamá-lo completo como ele é, pregando, juntamente com a austeridade do dever, as verdades suaves e consoladoras que nos tornam não só suportável, mas empolgante o caminho que devemos seguir.

Em lugar de perpétuos recuos, de indefinições intencionais, de transigências que confinam decididamente com o mais censurável laxismo, seria muito preferível que se atraísse as almas com a proclamação do amor de Deus aos homens, manifestados sobretudo nos mistérios inefavelmente consoladores da Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, na definição do amor do Coração de Jesus, e das graças infinitas que Ele nos dispensa, e na devoção a Nossa Senhora.

São essas verdades que enchem de luz o caminho austero, que em lugar de nos afastar da senda do bem, nos dão forças de as trilhar resolutamente e que nos conservam igualmente distantes de um laxismo luterano e de um jansenismo herético.

* * *O apostolado de conquista não pode ter como processo o recuo sistemático ante o espírito do mundo, a omissão de nossos deveres que não se poderia chamar de simplesmente ardilosa, e a camouflage do catolicismo. Mostremos com santa ufania as cruzes, os espinhos, as lutas que se encontram no caminho do verdadeiro católico. Tal atitude não afugentará os neófitos, se lhe soubermos mostrar esse caminho resplendendo de glória pelo esplendor do sol das almas que é o Coração de Jesus, e suavizado a cada passo pelo sorriso maternal de Maria.

Page 54: Esclavitud y Devoción Mariana

Grignion de Montfort(“Legionário” 21.10.45)

Chamam-nos muitas vezes de pessimistas. Lendo, por exemplo, as reflexões que fizemos hoje, nos “7 dias em revista”, pensarão muitos que estamos enxergando com cores carregadas a questão dos Lugares Santos. Não é tal. Somos otimistas, e mais otimistas mesmo do que o comum das pessoas. Nossa combatividade não é mesmo senão otimismo. Onde muitos acham que “está tudo perdido”, e que os católicos estão reduzidos a mendigar com melúrias, achamos pelo contrário que “nada está perdido”, e que a situação ainda é bastante boa para pleitearmos a defesa de nossos direitos com vigor, galhardia e desassombro. A diferença que vai de nossa posição à de muitos dos que não nos compreendem, é precisamente esta. Enquanto eles concebem a tática católica como a do súplice pedinte, de chapéu na mão, cabeça baixa, voz débil e olhar fito no chão, nós a concebemos como a de um homem que se defende cônscio de sua força, de seus direitos, e sereno quanto à sua vitória. Resumamos. Não sentimos nossa situação de católicos en mendiants, mas en combattants.

Exemplifiquemos. Quando pelas arenas políticas do mundo espumava o touro totalitário, rasgando concordatas, espesinhando tratados, e investindo contra Bispos, na Alemanha como na Itália e em outros lugares, o Legionário preconizou a tática do ataque frontal e direto. Nada de farpas no flanco, de paninhos de abana, de falsas investidas e escapatórias ágeis. Era enterrar a espada na “fera” de frente, bem de frente, num golpe só. Lembro-me bem, quando veio Munich e a tática contrária prevaleceu, como nos atacaram! É que tínhamos cometido esta enormidade: sustentar que Munich era uma capitulação, uma loucura, uma traição ao mundo e à civilização. O que depois se passou, mostrou bem que com certa qualidade de touros o sistema é este e só este: ferir, ferir de frente e ferir fundo, ferir na cabeça. Por maior que seja o risco, é o que de menos arriscado se pode fazer.

Confiar nesta tática, esperar precisamente dela a vitória, ter a certeza de que ainda quando a Igreja não tem em suas mãos ouro nem canhões, pode atirar desassombradamente em seus adversários qualquer pedregulho de beira de estrada, e o pedregulho fará o papel da funda de David: não é isto o verdadeiro otimismo, um otimismo que chegará, aos olhos de muitos, às raias da temeridade?

Passaram-se os anos. Agora, está na liça o comunismo. Nossa tática continua a ser a mesma. Ainda que tivéssemos em mãos um só alfinete enferrujado, enfia-lo-íamos displicentemente no focinho do touro vermelho, precisamente no momento em que sua fúria estivesse mais acesa. O alfinete reproduziria a seu modo a proveitosa tarefa da funda de David. As virtudes de sua ferrugem seriam mais letais do que o gume de mil espadas. Dentro de um tempo mais ou menos longo, teríamos o touro, a nossos pés, inane e inofensivo como o mais vulgar dos gatos mortos.

Por que isto? Há momentos de falar e momentos de calar, nos diz a Escritura. Assim também, há momentos de avançar e momentos de ficar parado. Em diplomacia há momentos de recuar. As tradições de sagacidade, prudência, agilidade quase infinitas da Secretaria do Estado da Santa Sé nos mostram bem, que nem sempre o melhor meio de chegar à vitória é o ataque frontal. Mas

Page 55: Esclavitud y Devoción Mariana

desde São Leão até Pio X, desde Átila até os nazi-comunistas, a História nos mostra também que há momentos em que uma só atitude é verdadeiramente capaz de surtir efeito: agir de frente, firme o punho no peito do adversário, firmes os olhos nas mãos de Deus, do Qual nos vem toda a vitória e todo o bem.

A nosso ver, perante o nazismo e seus consectários, o comunismo e suas variantes,a tática deve ser esta e só esta.

* * *Como condição de vitória, sem se desprezar nem de leve as providências concretas, devemos contar essencialmente com os recursos sobrenaturais. A História demonstra que não há inimigos que vençam um país cristão que possua três devoções: ao Santíssimo Sacramento, a Nossa Senhora e ao Papa. Investigue se bem a queda de nações aparentemente muito fervorosas em sua adesão à Igreja: alguma broca secreta a minava em uma dessas três virtudes chave.

A vitória, pois, depende de nós. Tenhamos em dia nossa consciência, estejamos tranqüilos em Deus, e venceremos.

* * *Isto explica o extraordinário relevo que damos a uma notícia apagada, que os jornais reproduziram há pouco: a canonização iminente do Bem-aventurado Luís Maria Grignion de Montfort.

A notícia nada significa para o comum das pessoas. Ela significa tudo, para os que conhecem o verdadeiro fundo das coisas. A Providência resolveu jogar sua bomba atômica contra os adversários da Igreja. Perto desta bomba, as convulsões de Hiroshima e Nagasaki não passam de inocentes tremedeiras. Há dois séculos que está pronta a bomba atômica do Catolicismo. Quando ela explodir de fato, compreender-se-á toda a plenitude de sentido da palavra da Escritura: “Non est qui se abscondat a calore ejus”.

Esta bomba se chama com um nome muito doce. É que as bombas da Igreja são bombas de Mãe. Chama-se “ Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”. Livrinho de pouco mais de cem páginas. Nele, cada palavra, cada letra é um tesouro. Este o livro dos tempos novos que hão de vir.

* * *Nosso artigo já está por demais longo, para que demos um resumo biográfico da extraordinária vida desse Bem-aventurado. Não sei de nenhuma que seja mais empolgante e mais edificante. O que em nosso assunto é essencial, em poucas palavras se diz.

O Beato Grignion de Montfort expõe em sua obra no que consiste a perfeita devoção dos fiéis a Nossa Senhora, a escravidão de amor dos verdadeiros católicos à Rainha do Céu. Ele nos mostra o papel fundamental da Mãe de Deus no Corpo Místico de Cristo e na vida espiritual de cada cristão. Ele nos ensina a viver nossa vida espiritual em consonância com essas verdades. E nos inicia em

Page 56: Esclavitud y Devoción Mariana

um processo tão sublime, tão doce, tão absolutamente maravilhoso e perfeito, de nos unirmos a Maria Santíssima, que nada há na literatura cristã de todos os séculos que o exceda neste ponto.

Esta devoção, diz Grignion de Montfort, unindo o mundo a Nossa Senhora, uni-lo-á a Deus. No dia em que os homens conhecerem, apreciarem, viverem essa devoção, nesse dia Nossa Senhora reinará em todos os corações, e a face da terra será renovada.

De que forma? Grignion de Montfort esclarece que seu livro suscitaria mil oposições, seria caluniado, escondido, negado; que sua doutrina seria difamada, ocultada, perseguida; que ela causaria automaticamente uma antipatia profunda nos que não têm o espírito da Igreja. Mas que um dia viria, em que os homens por fim compreenderiam sua obra. Nesse dia, escolhido por Deus, a restauração do Reino de Cristo estaria assegurada.

Durante séculos, a canonização do Beato Grignion vem caminhando. Por fim, ela chegou a seu termo. É absolutamente impossível que esse fato não tenha um nexo profundo, com a dilatação da Verdadeira Devoção no mundo.

E, nós o repetimos, é essa Verdadeira Devoção a bomba atômica que, não para matar mas para ressuscitar, Deus pôs nas mãos da Igreja em previsão das amarguras deste século.

Pois bem, nosso otimismo é este: confiamos imensamente mais na bomba atômica de Grignion de Montfort, e em seu poder, do que nos receamos da ação devastadora de toda as forças humanas.

Esmagando a cabeça da serpente, Maria esmagou todos os heresiarcas

(“7 Dias em Revista” in “O Legionário” 21.4.40)

Merece particularíssimo registro, para nosso exemplo, a piedade filial e tocante do Santo Padre para com a Santíssima Mãe de Deus.

De todas as práticas de que é tão rica a piedade católica, nenhuma o Santo Padre recomenda com maior insistência de que a devoção a Maria. A razão é dupla. Em primeiro lugar, Maria Santíssima é a Medianeira Universal, e ninguém pode alcançar graças de Deus sem ser por intermédio d’Ela. Perante Deus só temos um Mediador, que é Jesus Cristo. Mas junto a Jesus Cristo nada podemos alcançar sem a Mediadora necessária que é Maria.

A este propósito, é muito e muito digno de nota que o Santo Padre autoriza a esperança de uma breve definição dogmática da Mediação Universal de Maria, a Ela se referindo de modo tão claro e tão profundo em sua alocução.

* * *A segunda razão, que o Santo Padre não menciona, mas está na Teologia, é que “Maria Santíssima esmagou por si só todas as heresias” como canta a Igreja Universal.

Page 57: Esclavitud y Devoción Mariana

Em todas as lutas contra a heresia, o triunfo da Igreja é sempre devido à intervenção de Maria. Esmagando a cabeça da serpente, esmagou Ela todos os heresiarcas de todos os séculos. Ninguém, pois, melhor do que Ela deve ser invocada no mês de maio, a Ela consagrado, para esmagar a imensa heresia totalitária que ameaça devorar, de vítima em vítima, a Europa inteira.

A Medianeira Universal (“A Medianeira Universal” in “O Legionário” 1.6.41)

No dia 31 p.p. celebrou a Santa Igreja a festa de Nossa Senhora, Medianeira Universal de todas as graças. Neste momento de aflições e de perigos, quando a humanidade inteira geme sob o peso de desditas que se multiplicam a cada momento, cresce nossas necessidades e mais prementes se tornam nossa preces. E, com isto, mais importante se torna que saibamos rezar bem. E poucas verdades da Fé concorrem de modo tão poderoso para valorizar nossas orações quanto a Mediação Universal de Maria, quando a estudamos seriamente e a fazemos penetrar a fundo em nossa vida de piedade.

* * *No que consiste essa verdade?

Ensina a Teologia que todas as graças que nos vem de Deus passam sempre pelas mãos de Maria, de tal maneira que nada obtemos de Deus se Maria não se associar à nossa oração, e todas as graças que recebemos, as devemos sempre à intercessão de Maria. Assim, a Mãe de Deus é o canal de todas as preces que chegam até seu Divino Filho, é o caminho de todas as graças que Este outorga aos homens.

Evidentemente, esta verdade supõe que, em todas as orações que fazemos, peçamos explicitamente a Nossa Senhora que nos apoie. Esta prática séria é sumamente louvável.

Mas ainda que não invoquemos declaradamente a intercessão de Nossa Senhora, podemos estar certos de que só seremos atendidos porque Ela reza conosco e por nós.

Daí se infere uma conclusão sumamente consoladora. Se devêssemos confiar apenas em nossos méritos, como poderíamos confiar na eficácia de nossas preces? Conta-se que certa vez Nosso Senhor apresentou-se em uma visão a Santa Teresa de Jesus, trazendo nas mãos algumas uvas maravilhosas. Perguntou a Santa ao Divino Mestre o que significavam as uvas, e Ele respondeu que eram uma imagem da alma dela.

Olhou, então, a Santa detidamente para as frutas, e, à medida que as examinava, sua primeira impressão, que fora magnífica, se desfazia, e dava lugar a uma impressão cada vez mais triste. Cheias de manchas e de defeitos, as uvas acabavam por parecer repugnantes à grande Santa. Compreendeu ela, então, o alto significado da visão. Mesmo as almas mais perfeitas tem manchas, quando atentamente examinadas. E quais as manchas que podem escapar desapercebidas ao olhar penetrante de Deus? Por isto, tinha muita razão o Salmista quando exclamava: “Senhor, se atenderdes a nossas iniqüidades, quem se sustentará em vossa presença”?

Page 58: Esclavitud y Devoción Mariana

E se não há quem não apresente manchas aos olhos de Deus, quem pode esperar com plena segurança ser atendido em suas orações?

Por outro lado, Deus quer que nossas preces sejam confiantes. Não deseja Ele que nos apresentemos ante Seu trono como escravos que se aproximam com medo de um temível Senhor, mas como filhos que se acercam de um Pai infinitamente generoso e bom. Essa confiança é mesmo uma das condições da eficácia de nossas preces. Mas como teremos confiança, se, olhando para nós, sentimos que nos faltam as razões de confiar? E se não temos confiança, como esperamos ser atendidos?

É das tristezas desta reflexão que nos arranca, triunfalmente, a doutrina da Mediação Universal de Maria.

De fato, nossos méritos são mínimos, e nossas culpas grandes. Mas o que não podemos alcançar por nós, temos todo o direito de esperar que as preces de Nossa Senhora alcancem.

E jamais devemos duvidar de que Ela se associe a nossas preces, quando convenientes à maior glória de Deus e à nossa santificação. De fato, Nossa Senhora tem a cada um de nós um amor que só de modo imperfeito pode ser comparado ao amor que nos tem nossas mães terrenas. Diz o Bem-aventurado Grignion de Montfort que Nossa Senhora tem ao mais desprezível e miserável dos homens um amor superior ao que resultaria da soma do amor de todas as mães do mundo a um filho único.

Nossa Mãe autêntica na ordem da graça, a cada um de nós Ela nos gerou para a vida eterna. E a Ela se aplica fielmente a frase que o Espírito Santo esculpiu na Escritura: ainda que teu Pai e tua Mãe te abandonassem, eu não me esqueceria de ti. É mais fácil sermos abandonados por nossos pais segundo a natureza, do que por nossa Mãe segundo a graça.

Assim, por mais miserável que sejamos, podemos com confiança apresentar a Deus nossas petições: sempre que forem apoiadas por Nossa Senhora, encontrarão um valor inestimável aos olhos de Deus, que certamente obterá para nós o favor pedido.

Convém que meditemos incessantemente sobre esta grande verdade. Católicos que somos, devemos enfrentar nesta vida as lutas comuns a todos os mortais e, além disto, as que decorrem do serviço de Deus. Mas, ainda que os horizontes pareçam prestes a verter sobre nós um novo dilúvio, ainda que os caminhos se cerrem diante de nós, os precipícios se abram, e a própria terra se abale debaixo de nossos pés, não percamos a confiança: Nossa Senhora superará todos os obstáculos que forem superiores a nossas forças. Enquanto esta confiança não desertar de nosso coração, a vitória será nossa, de nada valerão os ardis de nossos adversários: caminharemos sobre as áspides e os basiliscos e calcaremos aos pés os leões e os dragões.

Page 59: Esclavitud y Devoción Mariana

A santa intransigência, um aspecto da Imaculada Conceição

(“Catolicismo” – Setembro de 1954)

O vocabulário humano não é suficiente para exprimir a santidade de Nossa Senhora. Na ordem natural, os Santos e os Doutores A comparam ao sol. Mas se houvesse algum astro inconcebivelmente mais brilhante e mais glorioso do que o sol, é a esse que A comparariam. E acabariam por dizer que este astro daria d’Ela uma imagem pálida, defeituosa, insuficiente. Na ordem moral, afirmam que Ela transcendeu de muito todas as virtudes, não só de todos os varões e matronas insignes da Antiguidade, mas — o que é incomensuravelmente mais — de todos os Santos da Igreja Católica.

Imagine-se uma criatura tendo todo o amor de São Francisco de Assis, todo o zelo de São Domingos de Gusmão, toda a piedade de São Bento, todo o recolhimento de Santa Teresa, toda a sabedoria de São Tomás, toda a intrepidez de Santo Inácio, toda a pureza de São Luís de Gonzaga, a paciência de um São Lourenço, o espírito de mortificação de todos os anacoretas do deserto: ela não chegaria aos pés de Nossa Senhora.

Mais ainda. A glória dos Anjos é algo de incompreensível ao intelecto humano. Certa vez, apareceu a um Santo o seu Anjo-da-guarda. Tal era sua glória, que o Santo pensou que se tratasse do próprio Deus, e se dispunha a adorá-lo, quando o Anjo revelou quem era. Ora, os Anjos-da-guarda não pertencem habitualmente às mais altas hierarquias celestes. E a glória de Nossa Senhora está incomensuravelmente acima da de todos os coros angélicos.

Poderia haver contraste maior entre esta obra prima da natureza e da graça, não só indescritível mas até inconcebível, e o charco de vícios e misérias, que era o mundo antes de Cristo?

A Imaculada ConceiçãoA esta criatura dileta entre todas, superior a tudo quanto foi criado, e inferior somente à humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus conferiu um privilégio incomparável, que é a Imaculada Conceição.

Em virtude do pecado original, a inteligência humana se tornou sujeita a errar, a vontade ficou exposta a desfalecimentos, a sensibilidade ficou presa das paixões desregradas, o corpo por assim dizer foi posto em revolta contra a alma.

Ora, pelo privilégio de sua Conceição Imaculada, Nossa Senhora foi preservada da mancha do pecado original desde o primeiro instante de seu ser. E, assim, nEla tudo era harmonia profunda, perfeita, imperturbável. O intelecto jamais exposto a erro, dotado de um entendimento, uma clareza, uma agilidade inexprimível, iluminado pelas graças mais altas, tinha um conhecimento admirável das coisas do Céu e da Terra. A vontade, dócil em tudo ao intelecto, estava inteiramente voltada para o bem, e governava plenamente a sensibilidade, que jamais sentia em si, nem pedia à vontade algo que não fosse plenamente justo e conforme à razão. Imagine-se uma vontade naturalmente tão perfeita, uma sensibilidade naturalmente tão irrepreensível, esta e aquela enriquecidas e super enriquecidas de graças inefáveis, perfeitissimamente correspondidas a todo

Page 60: Esclavitud y Devoción Mariana

o momento, e se pode ter uma idéia do que era a Santíssima Virgem. Ou antes se pode compreender por que motivo nem sequer se é capaz de formar uma idéia do que a Santíssima Virgem era.

Inimicitias PonamDotada de tantas luzes naturais e sobrenaturais, Nossa Senhora conheceu por certo, em seus dias, a infâmia do mundo. E com isto amargamente sofreu. Pois quanto maior é o amor à virtude tanto maior é o ódio ao mal. Ora, Maria Santíssima tinha em si abismos de amor à virtude, e, portanto, sentia forçosamente em si abismos de ódio ao mal. Maria era pois inimiga do mundo, do qual viveu alheia, segregada, sem qualquer mistura nem aliança, voltada unicamente para as coisas de Deus.

O mundo, por sua vez, parece não ter compreendido nem amado Maria. Pois não consta que lhe tivesse tributado admiração proporcionada à sua formosura castíssima, à sua graça nobilíssima, a seu trato dulcíssimo, à sua caridade sempre exorável, acessível, mais abundante do que as águas do mar e mais suave do que o mel.

E como não haveria de ser assim? Que compreensão poderia haver entre Aquela que era toda do Céu, e aqueles que viviam só para a Terra? Aquela que era toda fé, pureza, humildade, nobreza, e aqueles que eram todos idolatria, ceticismo, heresia, concupiscência, orgulho, vulgaridade? Aquela que era toda sabedoria, razão, equilíbrio, senso perfeito de todas as coisas, temperança absoluta e sem mácula nem sombra, e aqueles que eram todos desmando, extravagância, desequilíbrio, senso errado, cacofônico, contraditório, berrante a respeito de tudo, e intemperança crônica, sistemática, vertiginosamente crescente em tudo? Aquela que era a fé levada por uma lógica adamantina e inflexível a todas as suas conseqüências, e aqueles que eram o erro levado por uma lógica infernalmente inexorável, também a suas últimas conseqüências? Ou aqueles que, renunciando a qualquer lógica, viviam voluntariamente num pântano de contradições, em que todas as verdades se misturavam e se poluíam na monstruosa interpenetração de todos os erros que lhes são contrários?

“Imaculado” é uma palavra negativa. Ela significa etimologicamente a ausência de mácula, e pois de todo e qualquer erro por menor que seja, de todo e qualquer pecado por mais leve e insignificante que pareça. É a integridade absoluta na fé e na virtude. É, portanto, a intransigência absoluta, sistemática, irredutível, a aversão completa, profunda, diametral a toda a espécie de erro ou de mal. A santa intransigência na verdade e no bem, é a ortodoxia, a pureza, enquanto em oposição à heterodoxia e ao mal. Por amar a Deus sem medida, Nossa Senhora correspondentemente amou de todo o Coração tudo quanto era de Deus. E porque odiou sem medida o mal, odiou sem medida Satanás, suas pompas e suas obras, o demônio, o mundo e a carne.

Nossa Senhora da Conceição é Nossa Senhora da santa intransigência.

Page 61: Esclavitud y Devoción Mariana

Verdadeiro ódio, verdadeiro amorPor isto, Nossa Senhora rezava sem cessar. E segundo tão razoavelmente se crê, Ela pedia o advento do Messias, e a graça de ser uma serva daquela que fosse escolhida para Mãe de Deus. Pedia o Messias, para que viesse Aquele que poderia fazer brilhar novamente a justiça na face da Terra, para que se levantasse o Sol divino de todas as virtudes, espancando por todo o mundo as trevas da impiedade e do vício.

Nossa Senhora desejava, é certo, que os justos vivendo na Terra encontrassem na vinda do Messias a realização de seus anseios e de suas esperanças, que os vacilantes se reanimassem, e que de todos os pauis, de todos os abismos, almas tocadas pela luz da graça levantassem vôo para os mais altos píncaros da santidade. Pois estas são por excelência as vitórias de Deus, que é a Verdade e o Bem, e as derrotas do demônio, que é o chefe de todo erro e de todo mal. A Virgem queria a glória de Deus por essa justiça que é a realização na Terra da ordem desejada pelo Criador.

Mas, pedindo a vinda do Messias, Ela não ignorava que este seria a Pedra de escândalo, pela qual muitos se salvariam e muitos receberiam também o castigo de seu pecado. Este castigo do pecador irredutível, este esmagamento do ímpio obcecado e endurecido, Nossa Senhora também o desejou de todo o Coração, e foi uma das conseqüências da Redenção e da fundação da Igreja, que Ela desejou e pediu como ninguém. “Ut inimicos Sanctæ Ecclesiæ humiliare digneris, Te rogamus audi nos”, canta a Liturgia. E antes da Liturgia por certo o Coração Imaculado de Maria já elevou a Deus súplica análoga, pela derrota dos ímpios irredutíveis.

Admirável exemplo de verdadeiro amor, de verdadeiro ódio.

Onipotência suplicanteDeus quer as obras. Ele fundou a Igreja para o apostolado. Mas acima de tudo quer a oração. Pois a oração é a condição da fecundidade de todas as obras. E quer como fruto da oração a virtude.

Rainha de todos os apóstolos, Nossa Senhora é entretanto principalmente o modelo das almas que rezam e se santificam, a estrela polar de toda meditação e vida interior. Pois, dotada de virtude imaculada, Ela fez sempre o que era mais razoável, e se nunca sentiu em si as agitações e as desordens das almas que só amam a ação e a agitação, nunca experimentou em si, tampouco, as apatias e as negligências das almas frouxas que fazem da vida interior um pára-vento a fim de disfarçar sua indiferença pela causa da Igreja. Seu afastamento do mundo não significou um desinteresse pelo mundo. Quem fez mais pelos ímpios e pelos pecadores do que Aquela que, para os salvar, voluntariamente consentiu na imolação crudelíssima de seu Filho infinitamente inocente e santo? Quem fez mais pelos homens, do que Aquela que conseguiu se realizasse em seus dias a promessa da vinda do Salvador?

Mas, confiante sobretudo na oração e na vida interior, não nos deu a Rainha dos Apóstolos uma grande lição de apostolado, fazendo de uma e outra o seu principal instrumento de ação?

Page 62: Esclavitud y Devoción Mariana

Aplicação a nossos diasTanto valem aos olhos de Deus as almas que, como Nossa Senhora, possuem o segredo do verdadeiro amor e do verdadeiro ódio, da intransigência perfeita, do zelo incessante, do completo espírito de renúncia, que propriamente são elas que podem atrair para o mundo as graças divinas.

Estamos numa época parecida com a da vinda de Jesus Cristo à Terra. Em 1928 escreveu o Santo Padre Pio XI que “o espetáculo das desgraças contemporâneas é de tal maneira aflitivo, que se poderia ver nele a aurora deste início de dores que trará o Homem do pecado, elevando-se contra tudo quanto é chamado Deus e recebe a honra de um culto” (Encíclica “Miserentissimus Redemptor”, de 8 de

maio de 1928).

Que diria ele hoje?

E a nós, que nos compete fazer? Lutar em todos os terrenos permitidos, com todas as armas lícitas. Mas antes de tudo, acima de tudo, confiar na vida interior e na oração. É o grande exemplo de Nossa Senhora.

O exemplo de Nossa Senhora, só com o auxílio de Nossa Senhora se pode imitar. E o auxílio de Nossa Senhora só com a devoção a Nossa Senhora se pode conseguir. Ora, a devoção a Maria Santíssima no que de melhor pode consistir, do que em lhe pedirmos não só o amor a Deus e o ódio ao demônio, mas aquela santa inteireza no amor ao bem e no ódio ao mal, em uma palavra aquela santa intransigência, que tanto refulge em sua Imaculada Conceição?

Pio XII e a Era de Maria(“Pio XII e a Era de Maria” in “Catolicismo” Dezembro de 1954)

Publicando a Encíclica “Ad Caeli Reginam” — cujas partes essenciais vão traduzidas em outro local desta edição — teve o Santo Padre Pio XII a intenção de extremar com um ato da mais alta importância as manifestações de piedade mariana com que edificou a Cristandade no correr do Ano Jubilar da Imaculada Conceição. Disse-o ele em expressos termos: “como que coroando todos estes testemunhos de Nossa piedade mariana… para concluir felizmente o Ano Mariano que chega a seu termo,… resolvemos estabelecer a festa da Bem-Aventurada Virgem Maria, Rainha”. Da importância deste ato, fala-nos o mesmo Pontífice quando declara que “esse gesto traz consigo a grande esperança de que possa surgir uma nova era, alegrada pela paz cristã e pelo triunfo da Religião”. Tal esperança, di-lo ainda o Pontífice, tem razões muito sérias e profundas: “adquirimos a convicção, depois de maduras e ponderadas reflexões, de que advirão grandes vantagens para a Igreja” se a realeza de Maria, “solidamente demonstrada, resplandecer mais evidente aos olhos de todos, como luz mais radiosa posta no candelabro”.

Bem entendido, esta graça, que se dirige ao coração do homem, deve reformar a sua alma. No “culto e imitação de tão grande Rainha os cristãos se sentirão por fim verdadeiramente irmãos, e, sobranceiros à inveja e aos imoderados desejos de riqueza, promoverão o amor social, respeitarão os direitos dos pobres, e amarão a paz”. Não se trata de promover um movimento marial puramente externo e formal, mas de pedir às almas uma cooperação séria e eficaz com as graças

Page 63: Esclavitud y Devoción Mariana

que receberão de sua Mãe. “Ninguém, pois, se tenha por filho de Maria, digno de ser acolhido sob sua poderosíssima tutela, se não seguir o seu exemplo mostrando-se lhano, justo e casto, não lesando ou prejudicando, mas ajudando e confortando”.

Estas palavras do Pontífice merecem a mais detida meditação. De um lado, fala ele contra a inveja: alusão evidente à atitude de massas inteiras de homens que, amargurados às vezes por injustas provações, e principalmente envenenados pelos princípios demagógicos da Revolução Francesa e do comunismo, odeiam os ricos só porque lhes invejam os bens, e desejam destruir toda a hierarquia social. O Santo Padre fala também do desejo imoderado de riquezas. É um mal que atormenta todos ou quase todos os países da terra. Potentados da indústria ou do comércio, acumulando em suas mãos fortunas imensas, perto das quais os patrimônios das aristocracias de outrora eram quase insignificantes, transformaram a economia num reino fechado, em que dispõem a seu arbítrio da alta e da baixa dos preços, da circulação e do emprego das riquezas. Ora oprimem o Estado, ora são opressos por este quando sobe a onda da demagogia. E assim a sociedade se vê cada vez mais apertada entre as duas formas mais ou menos veladas de ditadura: a da oligarquia financeira e a da massa. Daí só pode decorrer o estrangulamento das elites sociais e intelectuais verdadeiras, a opressão do trabalhador pacífico e consciencioso, a dizimação da pequena e média burguesia. Miserável fenômeno de luta de classes, em que a sociedade, no que tem de mais inautêntico e pior — camarilhas de sanguessugas da economia ou de demagogos vulgares — devora o que tem, em todos os níveis, de mais autêntico e de melhor. Quanto isto seja oposto ao “amor social” de que nos fala o Pontífice, quem o poderia não ver? Para proteger a sociedade contra este reino do pior sobre o melhor, o Pontífice proclama no mundo a realeza de Maria.

Obra ingente por certo, esta de uma reforma social. Tanto mais quanto Pio XII a situa essencialmente em termos de reforma moral. Mas Maria Santíssima tem um imenso poder sobre a alma humana, e dela se devem aproximar os homens, não só para “pedir socorro nas adversidades, luz nas trevas, conforto nas dores e no pranto”, mas ainda para implorar a graça “que vale mais do que todas”, de “se esforçarem por se libertarem da escravidão do pecado”.

A proclamação da soberania de Maria na Encíclica “Ad Caeli Reginam”, a instituição de sua festa anual no dia 31 de maio, a coroação da imagem de Nossa Senhora Salus Populi Romani pelo próprio Pontífice, tudo isto pode, pois, e deve servir de ponto de partida para uma nova era histórica: a era da realeza de Maria.

* * *Com a prudência característica da Santa Igreja, a Encíclica “Ad Caeli Reginam” fundamenta a dignidade real de Maria tão somente em argumentos de caráter teológico. Não seria supérfluo, entretanto, lembrar que este grande dia da proclamação da Realeza Universal de Maria, e a esperança de uma era de triunfos e de glória para a Religião, vem sendo de há séculos objeto dos anelos de almas das mais piedosas.

Page 64: Esclavitud y Devoción Mariana

Um dos fatos mais importantes da História da Igreja desde o protestantismo foi por certo a difusão da devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Se bem que essa devoção não fosse desconhecida a Santos anteriormente existentes, sua propagação teve como ponto de partida as revelações recebidas por Santa Margarida Maria Alacoque, em Paray-le-Monial, no século XVII, e acentuou-se por todas as gerações seguintes, até chegar ao seu apogeu no início deste século. Ao lado da difusão desta devoção outra grande corrente de piedade que também teve seu início na França foi a da escravidão a Nossa Senhora, de que foi doutor máximo São Luís Maria Grignion de Montfort ( séc. XVII ), com seu “Tratado da Verdadeira Devoção”. O Ponto de junção - se assim se pode dizer de coisas substancialmente juntas - destes dois grandes caudais de graças foi a devoção ao Coração Imaculado de Maria, de que foi doutor e pregador máximo um grande Santo espanhol, Antônio Maria Claret, que fundou no século passado a Congregação dos Missionários Filhos do Coração Imaculado de Maria.

Ora, os Santos que mais se assinalaram em ensinar a devoção ao Sagrado Coração de Jesus têm os seus escritos como que túmidos de esperanças na vitória da realeza de Jesus Cristo, em seguida aos dias tormentosos em que vivemos, e rezar por essa vitória tem sido um dos objetivos mais essenciais do Apostolado da Oração no mundo inteiro. De outro lado, os escritos de São Luiz Grignion de Montfort estão cheios de clarões proféticos ( empregamos esta palavra com as precauções da boa linguagem católica ) sobre a realeza de Maria Santíssima, como término da era de catástrofes inaugurada com a pseudo-reforma protestante. Realeza de Jesus Cristo e realeza de Maria Santíssima não são coisas diversas. A realeza de Maria não é senão um meio — ou antes o meio — para a efetivação da realeza de Jesus Cristo. O Coração de Jesus reina e triunfa no reinado e no triunfo do Coração de Maria. O reinado e o triunfo do Coração de Maria não consistem senão em fazer triunfar e reinar o Coração de Jesus. E assim estas duas grandes caudais de devoção nascidas pouco depois do protestantismo como que caminham para um mesmo termo, para a preparação de um mesmo fato: a realeza de Jesus e de Maria, numa era histórica nova.

Estas considerações não podem ser alheias ao que os Pastorinhos ouviram do Coração Imaculado de Maria, em Fátima. Nossa Senhora lhes pôs bem clara a alternativa entre uma era de fé e paz caso fossem atendidos os seus pedidos, e uma era de perseguições caso tal não se desse. Como condições para esta era de fé e de paz, Ela indicou principalmente a consagração do mundo ao seu Imaculado Coração, e a conversão dos costumes.

Vendo agora o Santo Padre Pio XII — que já consagrou a Rússia e o mundo ao Coração Imaculado — tornar obrigatória tal consagração anualmente na festa da realeza de Maria, quem pode fugir ao pensamento de que o Papa dá um importantíssimo início de realização ao que tantas almas piedosas vêm há tantos séculos esperando, e abre os portais da Era de Maria na História do mundo?

* * *Na Encíclica “Ad Diem Illum”, comemorativa do cinqüentenário da promulgação do dogma da Imaculada Conceição, lembrou São Pio X os frutos admiráveis que esse fato produziu: principalmente os milagres de Lourdes e a definição da infalibilidade papal. No presente

Page 65: Esclavitud y Devoción Mariana

centenário, terão os frutos minguado? Quis a Providência Divina que eles brotassem das mãos sagradas de Pio XII. Foram o dogma da Assunção e a proclamação da realeza de Maria. O que de mais rico, de mais fecundo, de mais belo?

Nossa Senhora do Sagrado Coração(“Nossa Senhora do Sagrado Coração” in “O Legionário” 21.7.40)

Meu caro amigo Padre Pedro Paulo Keep encontra-se com seus Irmãos de hábito à testa de uma meritória campanha no sentido de ser edificado quanto antes um grandioso templo destinado ao culto de Nossa Senhora do Sagrado Coração. A este empreendimento de tão alto e piedoso significado, quero emprestar minha colaboração, menos pela esperança de lhe ser útil do que pelo desejo de homenagear sob essa belíssima invocação a Rainha do Céu.

Se há uma época para cuja miséria só pode existir esperança de remédio no Sagrado Coração de Jesus, esta é a nossa.

Inútil seria atenuar a enormidade dos crimes que por toda a parte pratica a humanidade em nossos dias. Disse Pio XI, em uma de suas Encíclicas, que a degradação moral do mundo contemporâneo é tal que o coloca na iminência de se ver precipitado, de um momento para outro, em condições espirituais mais miseráveis do que aquelas em que se encontrava quando veio ao mundo o Salvador.

Em outros termos, os erros acumulados pelos séculos que nos precederam, os delírios da pseudo-reforma, as audácias diabólicas da Enciclopédia, a libertinagem desenfreada dos costumes, os crimes da Revolução Francesa, a apostasia dos filósofos alemães, criaram um ambiente de universal corrupção que culminou nas desordens, nas catástrofes, no desmando, no desbragamento da concupiscência #que assiste a humanidade do século XX. E tal é a iniqüidade profunda em cujo abismo nos precipitamos, que Pio XI temia ver cancelados, para a grande maioria dos homens, os benefícios infinitos da Redenção que Nosso Senhor Jesus Cristo veio trazer ao mundo.

A vista de tantos crimes sugere naturalmente a idéia da vingança divina, e quando olhamos para este mundo pecador, gemendo nas torturas de mil crises e de mil angústias, e que a despeito disso não se penitencia; quando consideramos os progressos assustadores do neopaganismo, que está nas vésperas de ascender ao governo da humanidade inteira; quando vemos, por fim, a pusilanimidade, a imprevidência, a desunião daqueles que ainda não se bandearam para o mal, nosso espírito se apavora na previsão das catástrofes que acumula sobre si própria a impiedade obstinada desta geração.

Há algo de liberal ou de luterano em imaginar que tantos crimes não merecem castigo, e que uma tal apostasia das massas se operou por um mero erro intelectual, sem grave pecado para a humanidade. A realidade não é esta. Deus abandona suas criaturas, e se estas se encontram longe d’Ele, a culpa só a elas pode caber, e não a Deus.

Page 66: Esclavitud y Devoción Mariana

O quadro contemporâneo não é senão este: de um lado uma civilização iníqua e pecadora, e de outro lado o Criador empunhando o azorrague das punições divinas.

* * *Não haverá, então, para a humanidade, outro desfecho nos dias de hoje, senão desaparecer em um dilúvio de lama e de fogo? Não se poderá esperar para ela outro futuro neste século senão um ocaso ignominioso, em que a impenitência final será castigada pelos flagelos supremos, prenunciados pela Escritura como indícios do fim do mundo?

Se Deus deixasse agir exclusivamente Sua Justiça, sem dúvida. E nem sabemos se em tal caso o mundo teria chegado até o XX século de nossa era. Mas como Deus não é apenas justo, mas também misericordioso, não se fechou ainda para nós a porta da salvação. Uma humanidade perseverante na sua impiedade tudo tem a esperar dos rigores de Deus. Mas Deus, que é infinitamente misericordioso, não quer a morte desta humanidade pecadora, mas sim “que ela se converta e viva”. E, por isto, sua graça procura insistentemente todos os homens, para que abandonem seus péssimos caminhos e voltem para o aprisco do Bom Pastor.

Se não há catástrofes que não deva temer uma humanidade impenitente, não há misericórdias que não possa esperar uma humanidade arrependida. E para tanto não é necessário que o arrependimento tenha consumado sua obra restauradora. Basta que o pecador, ainda que no fundo do abismo, se volte para Deus com um simples início de arrependimento eficaz, sério e profundo, que ele encontrará imediatamente o socorro de Deus, que nunca se esqueceu dele. Di-lo o Espírito Santo na Sagrada Escritura: ainda que teu pai e tua mãe te abandonassem, eu não me esqueceria de ti. Até nos casos extremos em que o paroxismo do mal chega a esgotar a própria indulgência materna, Deus não se cansa. Porque a misericórdia de Deus beneficia o pecador até mesmo quando a Justiça divina o fere de mil desgraças no caminho da iniqüidade.

* * *Estas duas imagens essenciais da justiça e da misericórdia divina devem ser constantemente postas diante dos olhos do homem contemporâneo. Da justiça, para que ele não suponha temerariamente salvar-se sem méritos. Da misericórdia, para que não desespere de sua salvação desde que deseje emendar-se. E, se as hecatombes de nossos dias já falam tão claramente da justiça de Deus, que melhor visão para completar este quadro, do que o sol da misericórdia, que é o Sagrado Coração de Jesus?

Deus é caridade. E por isto mesmo a simples anunciação do Nome Santíssimo de Jesus lembra a idéia do amor. O amor insondável e infinito que levou a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade a se encarnar! O amor expresso através dessa humilhação incompreensível de um Deus que se manifesta aos homens como um menino pobre, que acaba de nascer em uma gruta. O amor que transparece através daqueles trinta anos de vida recolhida, na humildade da mais estrita pobreza, e nas fadigas incessantes daqueles três anos de evangelização, em que o Filho do Homem percorreu estradas e atalhos, transpôs montes, rios e lagos, visitou cidades e aldeias, cortou desertos e povoados, falou a ricos e a pobres, espargindo amor e recolhendo na maior parte do

Page 67: Esclavitud y Devoción Mariana

tempo principalmente ingratidão. O amor demonstrado naquela Ceia suprema, precedida pela generosidade do lava-pés e coroada pela instituição da Eucaristia! O amor daquele último beijo dado a Judas, daquele olhar supremo posto em São Pedro, daquelas afrontas sofridas na paciência e na mansidão, daqueles sofrimentos suportados até a total consumação das últimas forças, daquele perdão mediante o qual o Bom Ladrão roubou o Céu, daquele dom extremo de uma Mãe celestial à humanidade miserável. Cada um destes episódios foi meticulosamente estudado pelos sábios, piedosamente meditado pelos Santos, maravilhosamente reproduzidos pelos artistas, e sobretudo inigualavelmente celebrados pela liturgia da Igreja. Para falar sobre o Sagrado Coração de Jesus, só há um meio: é recapitular devidamente a cada um deles.

Realmente, venerando o Sagrado Coração, outra coisa não quer a Santa Igreja, senão prestar um louvor especial ao amor infinito que Nosso Senhor Jesus Cristo dispensou aos homens. Como o coração simboliza o amor, cultuando o Coração, a Igreja celebra o Amor.

Por mais variadas e belas que sejam as invocações com que a Santa Igreja se refere a Nossa Senhora, em nenhuma delas deixaremos de encontrar uma relação entre Ela e o amor de Deus. Essas invocações, ou celebram um dom de Deus, ao qual Nossa Senhora soube ser perfeitamente fiel, ou um poder especial que Ela tem junto ao Seu Divino Filho. Ora, o que provam os dons de Deus senão um amor especial do Criador? E o que prova o poder de Nossa Senhora junto a Deus senão este mesmo amor? Assim, pois, é com toda a propriedade que Nossa Senhora pode ao mesmo tempo ser chamada “espelho de justiça” e “onipotência suplicante”. Espelho de Justiça, porque Deus a amou tanto, que n’Ela concentrou todas as perfeições que uma criatura pode ter, e por isto mesmo em nenhuma Ele se espelha tão perfeitamente como n’Ela. Onipotência suplicante, porque não há graça que se obtenha sem Nossa Senhora, e não há graça que Ela não obtenha para nós.

Assim, pois, invocar Nossa Senhora sob o título do Sagrado Coração é fazer uma síntese belíssima de todas as outras invocações, é lembrar o reflexo mais puro e mais belo da Maternidade Divina, é fazer vibrar a um só tempo harmonicamente, todas as cordas do amor, que tocamos uma a uma enunciando as várias invocações da ladainha lauretana ou da Salve Rainha.

Mas há uma invocação que quero lembrar especialmente. É a da advogada dos pecadores. Nosso Senhor é Juiz. E por maior que seja a sua misericórdia, não pode também deixar de exercer a sua função de juiz. Nossa Senhora, porém, é só advogada. E ninguém ignora que não é função do advogado outra coisa senão defender o réu. Assim, pois, dizer que Nossa Senhora do Sagrado Coração é nossa advogada implica em dizer que temos no Céu uma advogada onipotente, em cujas mãos se encontra a chave de um oceano infinito de misericórdia.

O que de melhor para se mostrar a esta humanidade pecadora, à qual, se não se fala de Justiça de Deus, se embota cada vez mais no pecado, e se dela se fala desespera de se salvar? Mostremos a Justiça: é um dever cuja omissão tem produzido os mais lamentáveis frutos. Ao lado da Justiça que fere os impenitentes, nunca nos esqueçamos, entretanto, da misericórdia que ajuda o pecador seriamente arrependido a abandonar o pecado e, assim, a se salvar.

Page 68: Esclavitud y Devoción Mariana

A Consagração do Brasil ao Imaculado Coração de Maria

(“A Consagração do Brasil ao Imaculado Coração de Maria” in “Ave Maria”, São Paulo 31.7.43)

Atendendo com a maior satisfação ao amável convite dos beneméritos PP. cordimarianos, venho prestar minha pequena contribuição para a vitória da gloriosa campanha, agora movida em tantos lugares em prol da consagração do Brasil ao Coração Imaculado de Maria.

Jamais será suficiente encarecer a importância desta providencial consagração. É possível que alguns católicos não percebam desde logo o que ela significa. Com efeito, dirão, a devoção a Nossa Senhora é de tal maneira fundamental no católico, e se encontra tão fundamente enraigada no coração brasileiro, que qualquer trabalho que se faça no sentido de uma consagração do Brasil ao Imaculado Coração de Maria não logrará causar nos espíritos impressão muito profunda. Entre nós, a devoção a Nossa Senhora atingiu seu zênite. Insistir neste assunto é, de certo modo, consumir tempo e forças na afirmação de um ponto pacífico, enquanto tantos e tantos outros pontos estão a reclamar nosso zelo e combatividade.

Esta argumentação procede de uma série de pressupostos improcedentes. Em primeiro lugar, não se pode dizer propriamente que em qualquer país do mundo a devoção a Nossa Senhora tenha atingido seu zênite. É tal o amor, tão profundo respeito que se deve tributar a Nossa Senhora no culto de hiperdulia que lhe devemos, que Maria Santíssima jamais será suficientemente amada nem louvada pelos fiéis: de Maria nunquam satis. Assim, jamais será tempo perdido, acentuar a devoção dos fiéis à sua Mãe celestial. Aliás, se é certo que, graças a Deus, existe no Brasil uma ardente devoção a Nossa Senhora, ninguém poderá negar que esta devoção, como tudo quanto é bom, é passível de prejuízo, e decréscimo neste triste vale de lágrimas. Incrementar por todos os modos a devoção a Nossa Senhora significa, pois, evitar que essa devoção fique exposta aos riscos naturais que decorrem das incertezas do coração humano. E, finalmente, se é certo que nossa devoção é muitas vezes intensa, nem sempre é tão esclarecida quanto seria de se desejar.Ê

Sendo Maria Santíssima a nossa Mãe, é óbvio que nossa devoção para com Ela se deve revestir de caráter de acentuada ternura. Enganam se, entretanto, os que [pensam que] essa ternura sobrenatural pode confundir-se com certas expansões românticas e sentimentais em que se cifram por vezes algumas manifestações de piedade. São indispensáveis bons e sólidos conhecimentos sobre a posição de Maria Santíssima na economia da graça divina, para que a devoção mariana se torne sólida e perfeita. Ora, a consagração do Brasil ao Imaculado Coração de Maria constituiria excelente oportunidade para se divulgarem com método e perseverança os admiráveis ensinamentos da Santa Igreja sobre tão fundamental matéria.

Mas, é preciso acentuá lo, os que propugnamos pela consagração do Brasil ao Coração Imaculado de Maria, se bem que apreciemos no seu alto e devido valor estes frutos de tão solene ato, temos em vista um resultado muito mais alto e mais profundo.

Queremos que nossa Pátria seja consagrada ao Coração Imaculado de Maria antes de tudo e acima de tudo porque Maria Santíssima tem direito a esta homenagem. A realeza de Nossa Senhora, como função da realeza de seu Divino Filho, não pode ser posta em dúvida pelos

Page 69: Esclavitud y Devoción Mariana

católicos. Rainha de todo o universo, Maria Santíssima já foi coroada Rainha do Brasil pela mão do ínclito Arcebispo do Rio de Janeiro, com coroa enviada especialmente pelo Santo Padre. Consagrado o Brasil ao Imaculado Coração de Maria, consagramos o reino ao coração da Rainha, e, com isto, fazemos um ato excelente de confiança filial em sua misericórdia, e, ao mesmo tempo, atraímos graças maiores e mais abundantes para nossa Pátria.

Não se trata aí de meras figuras de literatura. Tratam-se de realidades sobrenaturais. O reinado de Maria Santíssima sobre o Brasil não é alegórico ou simbólico: é real. Nossa consagração também não deverá ser um ato feito só para estimular as multidões e dar expansão, por meio de gracioso símbolo, a nosso afeto. Será um ato de caráter sobrenatural, que, se Deus quiser, se realizará em todas as suas conseqüências. Consagrado o Brasil a Nossa Senhora, pertenceremos mais a Ela, e com nossa doação repararemos de modo mais conveniente todos os ultrajes que a Ela ou a seu Divino Filho temos feito. E, ao mesmo tempo, Ela será mais nossa. Aceito nosso dom, sua assistência e sua proteção sobre nós serão ainda mais contínuas, mais vigilantes, mais misericordiosas.Ê

Como se vê, não pode haver causa mais digna de ser apoiada com entusiasmo pelos fiéis do Brasil inteiro.

A Consagração ao Imaculado Coração de Maria(“A Consagração ao Imaculado Coração de Maria” in “O Legionário” 15.8.43)

Fiéis à admirável vocação de seu Bem-aventurado Fundador, os Padres do Coração de Maria estão desenvolvendo um intenso trabalho no sentido de promover o maior número de consagrações ao Coração Imaculado da Mãe de Deus, consoante, aliás, o precedente do Santo Padre Pio XII, que lhe consagrou todo o mundo.

* * *Uma das características da devoção que devemos tributar a Nossa Senhora consiste sem dúvida em ser terna. Entretanto, a devoção não se faz só de ternura, de efusões sentimentais e efetivas. Para ser sólida, é preciso que se funde em conhecimentos precisos, exatos, lógicos. Só da Verdade bem conhecida pode sair o amor durável e sincero. A piedade deve ser firmada no estudo da doutrina católica. É aí que ela há de encontrar seu melhor fundamento, sua verdadeira raiz.

Quando a Igreja promove a consagração de Nações, Dioceses, famílias ou pessoas ao Coração Sacratíssimo de Jesus, ou ao Imaculado Coração de Maria, tem em vista que as criaturas assim consagradas formulem a resolução de pertencer de modo particular ao Coração de Jesus ou ao Coração de Maria, obedecendo-Lhes mais fielmente as leis, tomando-Os mais perfeitamente por modelos, e, reciprocamente, recebendo de modo todo especial sua particular e vigilante atenção. Assim, a Consagração não é um mero rito, uma fórmula vaga, a ser recitada em momento de emoção piedosa. Ela é antes de tudo um ato refletido, deliberado, voluntário e profundo, que implica no propósito de uma mais perfeita integração na doutrina e na vida da Santa Igreja Católica, o que é o único modo real de pertencer a Jesus e a Maria.

Page 70: Esclavitud y Devoción Mariana

Compreende-se facilmente que este ato tanto pode ser feito por pessoas da mais alta virtude, quanto por almas que ainda estão nos primeiros passos da vida espiritual. A uns e a outros, será utilíssimo, porque atrairá para quem o faz uma proteção toda especial da Providência, e, com isto, garantias particularíssimas de salvação.

* * *Nosso povo compreende facilmente que alguém se consagre ao Sacratíssimo Coração de Jesus. Essa magnífica prática já tem sido posta em ação freqüentemente, e, graças a Deus, são numerosas as famílias que, hoje, se encontram consagradas ao Coração de Jesus, com o que manifestam o propósito de conformar toda a sua existência com o Sagrado Coração de Jesus, vivendo vida verdadeiramente piedosa e cristã, santificando os deveres de estado, vivendo-os com espírito intensamente sobrenatural e mortificado, e recomendando-se especialmente, para o êxito de tais propósitos bem como para a obtenção de todas as graças, ao Coração Divino que é a fonte, por excelência, de todo bem.

Entretanto, é menos freqüente que se compreenda entre nós, a consagração ao Coração Imaculado de Maria. Não faltará, talvez, quem veja em um e outro ato alguma antimonia. Como pertencer ao mesmo tempo a dois senhores, obedecer a dois corações? Uma consagração não contradirá ou anulará a outra?

Nada de mais inconsistente. A consagração ao Imaculado Coração de Maria é um complemento da que se faz ao Coração Sacratíssimo de Jesus; não um complemento supérfluo, por certo, mas um complemento precioso e admirável, que dá à Consagração ao Coração de Jesus uma realidade e uma plenitude admiráveis.

O Coração de Maria é por excelência o reino do Coração de Jesus. A união de ambos os Corações é tão perfeita que há escritores que por assim dizer os fundem em um só, referindo-se ao Coração de Jesus e de Maria. Toda a piedade marial assenta sobre esta verdade fundamental de que Maria Santíssima é o canal pelo qual se chega a Jesus, é a porta, a vida, o caminho por excelência, onde com maior segurança, mais rapidez, mais facilidade, encontramos Nosso Senhor Jesus Cristo. Assim, a consagração ao Imaculado Coração de Maria é o meio mais seguro, mais fácil, mais rápido de conseguirmos a consagração ao Coração Sagrado de Jesus.

Com efeito, pronunciar um ato de consagração é fácil. Consagrar-se sinceramente, seriamente, a fundo, é muito mais difícil. Para conseguirmos as condições necessárias para uma perfeita consagração a Nosso Senhor nada mais perfeito, mais seguro, mais útil do que cosagrarmo-nos a Maria Santíssima.

O Cristocentrismo consiste em ter a Nosso Senhor Jesus Cristo como centro de tudo. Ora só será verdadeiro o Cristocentrismo que nos conduz ao centro pelo verdadeiro caminho. E esse caminho é Nossa Senhora.

* * *

Page 71: Esclavitud y Devoción Mariana

A consagração ao Coração Imaculado de Maria é mais atual do que nunca. Mais do que nunca, o mundo atribulado por mil vicissitudes de toda ordem, precisa de um coração materno que dele se condoa. Mais do que nunca, pois, torna-se necessário que apelemos para o coração de nossa Mãe, que imploremos, fazendo, tanger suas fibras mais sensíveis, suas cordas mais íntimas, toda a sua misericórdia, todo o seu amor, toda a sua assistência.

Se o Santo Padre Pio XII consagrou o mundo inteiro ao Coração de Maria, imitemos seu gesto, completemo-lo, por assim dizer, consagrando-nos sem reservas ao mesmo Coração Imaculado. Estaremos dentro dos desejos do Papa, dentro das vias da Providência Divina.

A Consagração a Nossa Senhora (“A Consagração a Nossa Senhora” in “O Legionário” 15.7.45)

Escrevo na véspera de nossa grande concentração no Largo da Sé. Entretanto, não preciso ser profeta para predizer que, nessa noite de tantas e tão intensas emoções religiosas, sem dúvida o momento culminante será quando a Arquidiocese de São Paulo, pelos lábios de seu Arcebispo, for consagrada ao Coração de Maria.

Reservando para nossa próxima edição uma completa reportagem sobre tudo quanto tiver ocorrido nessa grandiosa manifestação, queremos dizer desde já algumas palavras sobre o modo por que a Igreja considera atos como essa consagração.

* * *Até 1789, o mundo não conheceu a aberração que se chama o agnosticismo de Estado. Nos povos pagãos como nos cristãos era convicção, que não sofria controvérsia, o caráter religioso de que se deveriam revestir todas as manifestações da vida pública. Nas grandes monarquias, nas repúblicas aristocráticas ou burguesas, todos os acontecimentos de relevo da vida civil eram comemorados de modo religioso: investidura de chefes de Estados, celebração de heróis nacionais, glorificação de feitos de armas notáveis, expressão dos grandes lutos nacionais, tudo se fazia em cerimônias de culto, como a sagração, as missas de ação de graças ou de requiem, os “Te Deum”, etc. Esses atos, como é bem de ver, não tinham um caráter exclusivamente simbólico ou alegórico. Se bem que servissem também para manifestar de modo oficial o louvor, a alegria ou a tristeza nacional, eles tinham também um conteúdo muito real, que era o ato religioso pelo qual a coletividade nacional, como tal, referia ao Criador suas alegrias e suas dores, sua glória e seu infortúnio, adorando, agradecendo, expiando ou suplicando graças, oficialmente reunida aos pés do Deus três vezes Santo.

Com a Revolução Francesa começaram os atos públicos de caráter meramente leigo. Esses atos procuravam copiar as manifestações públicas de fundo religioso do Ancien régime — ersatz que não raras vezes foi simiesco, como a adoração de uma atriz seminua, que representava a Deusa Razão. Despidas forçosamente essas manifestações de seu conteúdo real, que era religioso, ficaram elas reduzidas à condição de fórmulas ocas, sem nenhum outro valor que o de uma fria alegoria.

Page 72: Esclavitud y Devoción Mariana

Nestes 150 anos de laicismo, a composição de alegorias cívicas evoluiu sem dúvida, e aos poucos se encontraram, nesse terreno, fórmulas tocantes, expressões de grande formosura literária ou cênica, perfeitamente capazes de impressionar uma grande multidão. Mas, no fundo de todas elas, fica sempre a impressão das alegoria que não são senão uma figura fugitiva e impalpável da realidade, de alegorias que se desvanecem logo depois da cerimônia, e que passam como passam todas as coisas da terra.

* * *Infelizmente, a ignorância religiosa das massas, aí como em tudo, teve efeito nefasto. À força de sentir um conteúdo meramente alegórico e convencional nas manifestações laicas do Estado, as massas transpuseram erradamente essa impressão para as cerimonias da Igreja. Tendência perigosíssima, como facilmente se vê, que no caso concreto da consagração ao Coração Imaculado de Maria tem um efeito danoso.

Para compreendermos bem o ato com que a manifestação abriga o seu ápice, devemos antes de tudo varrer do espírito qualquer idéia de cerimonia meramente simbólica e figurativa. A consagração da Arquidiocese à Nossa Senhora não foi apenas uma expressão empolgante da devoção mariana de nosso povo. Nem foi só uma atitude da Autoridade Eclesiástica com o fim de impregnar na massa mais piedade para com a Santíssima Mãe de Deus. Houve algo de real naquele ato, e é isto que nos importa conhecer. Esse quid de real é tão autêntico, tão profundo, tão vivo, que, ainda que não se tivesse passado na escadaria da Catedral mas, em uma modesta capela; ainda que não se tivesse dado aos olhos de dezenas de milhares de fiéis, mas em qualquer cubículo de catacumba; ainda que não fosse feita em presença da imagem da Senhora Aparecida mas diante de um modesto e obscuro quadrinho, conservaria toda a sua realidade, íntegra e intacta.

* * *Quando uma Arquidiocese se consagra a Nossa Senhora, ou, mais especialmente a seu Imaculado Coração, seu ato pressupõe várias disposições internas, das quais queremos focalizar:

1 - renuncia formalmente a tudo quanto a incompatibilizava com a Virgem Santíssima, isto é a todos os pecados, a todas as heresias, a todo o desleixo na prática da Religião;

2 - propósito de honrar, servir, glorificar de modo muito especial a Nossa Senhora;

3 - e suplica que Ela aceite essas disposições, e cubra com sua especial assistência a pessoa que assim a Ela se consagra.

Na consagração, poremos, pois, um propósito negativo: nada fazer contra Aquela a quem nos consagramos. Um propósito positivo: fazer tudo por Ela. E uma súplica: que Ela aceite essa oferenda e por sua vez nos cubra com sua especial tutela.

Ora, nada disto é simbólico. Quando seriamente pensado, querido, executado, é de uma realidade e de uma gravidade transcendental. E nem estas coisas podem ser feitas sem maturidade e

Page 73: Esclavitud y Devoción Mariana

ponderação: pois que fazê-las levianamente seria, ao pé da letra, tomar em vão o Santo Nome de Deus.

De nossa parte, a consagração é muitíssimo séria. Mais ainda, ela o é da parte de Nossa Senhora.

* * *Com efeito, aparecendo aos pastores de Fátima, a Virgem Santíssima prometeu as maiores graças, como fruto da consagração a seu Imaculado Coração. Inútil insistir sobre a importância de uma promessa d’Aquela a quem a Igreja chama de “Virgo Fidelis”. Em rigor, porém, por mais confortadora que essa promessa seja, ela não é indispensável. Com efeito Nossa Senhora é Mãe. Qual a mãe zelosa que ouviria distraidamente, negligentemente as carícias de seus filhos? Qual a Mãe que diante de sua família, toda reunida para lhe tributar homenagem, houvesse de desviar indiferente o pensamento, e houvesse de retribuir, com a máxima frieza interior, a todo o carinho de que estivesse sendo objeto? Tendo diante de si uma Arquidiocese inteira, Maria Santíssima haveria de se mostrar indiferente a essa consagração? Haveria de fechar os olhos a nossos propósitos e recusar nossa súplica?

Evidentemente, jamais. E por mais profunda que fosse a excelência de disposições do melhor e do mais santo dos povos, em se consagrar a Maria Santíssima, ainda muito mais profunda é a Sua deliberação em aceitar e corresponder a nossa consagração.

De onde se deduz, tudo bem pesado, que o fruto da consagração é o estabelecimento de um vínculo real e especial, entre o Coração de Maria e nós, e que esse vínculo, pondo-nos em posição privilegiada perante a Rainha do Céu, influirá de modo feliz em toda a economia espiritual do Arcebispado.

* * *Mas, dir-se-á, se os frutos dessa consagração são de tal maneira condicionados a nossas disposições interiores, que eficácia podemos dela esperar? Quem de nós confia a tal ponto em si mesmo, que possa ter a certeza de que seu oferecimento agradou?

Evidentemente, um firme propósito comum é suficiente para que a consagração produza todos os seus frutos. Mas há mais. E aí tocamos em um dos pontos nevrálgicos da questão. Desde que a consagração seja feita por quem tem autoridade para falar oficialmente em nome da Arquidiocese, tem uma eficácia intrínseca que é indiscutível.

Ora, o Exmo. Revmo. Sr. Arcebispo Metropolitano é o Chefe da grei espiritual paulopolitana, e tem todos os poderes para falar em nome do Arcebispado. O ato oficialmente praticado por ele, como Arcebispo, tem aos olhos de Maria Santíssima uma eficácia que nossos pecados não conseguiriam delir.

No momento pois, em que a fórmula oficial da consagração for recitada por S. Excia. Revma., é certo que algo de objetivo e de real se passou: Nossa Senhora acolheu a consagração, e aceitou a especial tutela sobre todo o Arcebispado.

Page 74: Esclavitud y Devoción Mariana

Nesta verdade sólida, singela, imensamente real, está uma beleza tão grande, que é desnecessário ser profeta para prever que o momento da consagração será o mais belo daquela grande noite.

Devoção ao Coração Imaculado de Maria: dom da Providência ao século XX

(“O livro do momento” in “O Legionário” 30.7.44)

O Revmo. Sr. Pe. Raimundo Pujol, Provincial dos Missionários do Coração Imaculado de Maria, deu a lume uma obra sobre a devoção básica da gloriosa Congregação a que pertence. Gostaríamos que o belo e prático volume editado pela “Ave Maria” estivesse em mãos de todos os católicos verdadeiramente piedosos, autenticamente interessados nos destinos da Igreja em nossos dias.

* * * “Dos católicos verdadeiramente piedosos”, dizíamos. Com efeito, toda a piedade verdadeira tem por objetivo dar glória a Deus e conduzir o homem à virtude. Para uma e outra coisa, que aliás se confundem, a devoção ao Coração Imaculado de Maria é um verdadeiro dom da Providência a este pobre e dilacerado século XX.

Nossa Senhora é a Medianeira de todas as graças. Querer rezar sem a intercessão dela é o mesmo que pretender voar sem asas, diz Dante. Se desejamos que nossos atos de amor, de louvor, de ação de graças e de reparação cheguem até o trono de Deus, devemos depositá-los nas mãos de Maria Santíssima. Seria ridículo imaginar que Nossa Senhora constitui um desvio, e que atingimos mais diretamente a Deus se não nos dirigirmos a Ela. O contrário é que é verdade. Só por meio dela é que chegamos a Deus. Prescindir de Nossa Senhora para chegar a Jesus Cristo, sob o especioso pretexto de que Nossa Senhora constitui um anteparo entre nós e Seu Divino Filho, é tão estulto quanto pretender analisar os astros sem telescópio, “diretamente”, por imaginar que o cristal das lentes constitui um anteparo entre os astros e nós. Quem quisesse fazer astronomia “diretamente”, a olho nu, não faria astronomia, mas tolice. Pretender ter vida de piedade sem o auxílio de Nossa Senhora, é o mesmo que fazer astronomia a olho nu.

O mesmo se diga quanto ao papel de Nossa Senhora em nossa santificação. Não são poucos os católicos que, verificando a imensa desproporção que existe entre a debilidade das forças humanas e a dureza da luta que a preservação da virtude impõe, se deixam arrastar a uma moral latitudinária, minimalista, cheia de transações com o espírito do século. E, para isto, os pretextos, as razões falsas, porém verossímeis, não lhes faltam. Apelam para a fraqueza moral do homem contemporâneo, para as mil dificuldades que a civilização moderna cria para a prática da virtude, etc., etc. De uma coisa, entretanto, se esquecem: por mais fraco que seja o homem, a graça de Deus é invencível. Quando a graça de Deus encontra o apoio de uma correspondência generosa no homem ela pode milagres. “Tudo posso nAquele que me conforta”, escreveu São Paulo. Com o auxílio de Deus as crianças, as donzelas, os anciãos enfrentavam no Coliseu os mais terríveis tormentos. Será possível que o cristão católico de nossos dias não possa enfrentar os perigos da civilização moderna?

Page 75: Esclavitud y Devoción Mariana

A questão, para dilatarmos as fronteiras da Santa Igreja, por todo o universo, não consiste em afrouxarmos a invencível doutrina de Jesus Cristo. Saibamos viver a vida da graça com a plena correspondência de nosso livre arbítrio. Saibamos procurar a graça nas fontes onde realmente ela jorra, e com o auxílio dela tornemo-nos fortes para todas as austeridades que o Espírito Santo de nós exige. Entre essas fontes da graça, está sem dúvida, em lugar relevantíssimo, a devoção ao Coração Imaculado de Maria.

Na Sagrada Escritura encontramos esta frase: “Porque foram fracos, eu lhes abri uma porta que ninguém poderá fechar”. Esta porta aberta para a fraqueza do homem contemporâneo é o Coração Imaculado de Maria. Com efeito, nada nos pode dar maior confiança, esperança mais fundada, estímulo mais certo, do que a convicção de que em todas as nossas misérias, em todas as nossas quedas, não temos apenas, a nos olhar com o rigor de Juiz, a infinita Santidade de Deus, mas também o coração cheio de ternura, de compaixão, de misericórdia, de nossa Mãe Celeste. Onipotência Suplicante, Ela saberá conseguir para nós tudo quanto nossa fraqueza pede para a grande tarefa de nosso reerguimento moral. Com este coração, todos os terrores se dissipam, todos os desânimos se esvaem, todas as incertezas se desanuviam. O Coração Imaculado de Maria é a Porta do Céu aberta de par em par aos homens de nosso tempo, tão extremamente fracos. E esta porta “ninguém a poderá fechar”, nem o demônio, nem o mundo, nem a carne.

* * *Fazer apostolado é, essencialmente, salvar almas. Aos que se interessam pelo apostolado nada deve importar mais do que o conhecimento das devoções providenciais com que o Espírito Santo enriquece a Santa Igreja em cada época, para a utilidade das almas. O Sumo Pontífice atualmente reinante aponta duas devoções: a do Sagrado Coração de Jesus, a do Coração Imaculado de Maria.

Aparecendo em Fátima, Nossa Senhora disse textualmente aos Pastorinhos que uma intensa devoção ao Coração Imaculado de Maria seria o meio de salvação do mundo contemporâneo. Milagres sem conta tem atestado a autenticidade da mensagem celeste. Não nos resta, senão confortarmo-nos ao ditame que dela decorre. Se essa é a salvação do mundo, se queremos salvar o mundo, apregoemos o meio providencial para sua salvação. No dia em que tivermos legiões de pessoas verdadeiramente devotas do Coração Imaculado de Maria, o Coração de Jesus reinará sobre o mundo inteiro. Com efeito, essas duas devoções não se podem separar. A devoção a Maria Santíssima é a atmosfera própria da devoção a Nosso Senhor. O verão traz as flores e os frutos. A devoção a Nossa Senhora gera como fruto necessário o amor sem reservas a Nosso Senhor Jesus Cristo. E, no dia em que o mundo inteiro voltar a Jesus por Maria, o mundo estará salvo. Para todas as almas apostólicas é, portanto, de primordial importância o culto ao Imaculado Coração de Maria.

* * *Temos falado constantemente em “verdadeira” devoção. Com efeito, não nos bastam as devoções externas, formais, convencionais. É preciso que a devoção seja esclarecida, inteligente, sensata, fecunda. Ela deve resultar de persuasões firmes, gerar resoluções duráveis.

Page 76: Esclavitud y Devoción Mariana

O livro do Revmo Sr. Pe. Raimundo Pujol, em linguagem atraente e edificante, chega precisamente a este resultado. Escrito com muita suavidade de estilo, ele é, entretanto, altamente substancioso, e contém todos os elementos de um estudo lógico, claro, rico, a respeito da devoção ao Coração de Maria.

Este livro não é apenas uma série de ditirambos, mas uma doutrina substanciosa, que se pode compreender, assimilar, admirar. Lendo-o, estudando-o adquirem-se os conhecimentos necessários para que a devoção ao Coração de Maria deite em nosso espírito as raízes sólidas de que carece. Quer quanto ao histórico dessa devoção, quer quanto aos seus fundamentos dogmáticos e sua importância em nossos dias, o Revmo. Pe. Raimundo Pujol dá a conhecer ao público tudo quanto é desejável.

Para a propagação do culto ao Coração Imaculado da Santa Mãe de Deus, os filhos do Beato Claret3 acabam de dar portanto mais um grande tributo, pela pena de seu ilustrado e douto Provincial.

O Sagrado Coração de Jesus(“O Sagrado Coração de Jesus” in “O Legionário” 22.6.41)

Insistentemente, tem os Santos Padres recomendado que a humanidade intensifique o culto que presta ao Sagrado Coração de Jesus a fim de que, regenerado o homem pela graça de Deus e compreendendo que deve ser Deus o centro de seus afetos, possa reinar novamente no mundo aquela tranqüilidade da ordem, da qual mais distante estamos, quanto mais o mundo descamba pela anarquia.

Assim, não poderia um jornal Católico deixar desapercebida a festa que há dias transcorreu do Sagrado Coração. Não se trata apenas de um dever de piedade imposto pela própria ordem das coisas, mas de um dever que a tragédia contemporânea torna mais tragicamente premente.

* * *Não há quem não se alarme com os extremos de crueldade a que pode chegar o homem contemporâneo. Essa crueldade não se atesta apenas nos campos de batalha. Ela transparece a cada passo, nos grandes e nos pequenos incidentes da vida de todo o dia, através da extraordinária dureza e frieza de coração com que a generalidade das pessoas trata seus semelhantes.

As mães em cujas entranhas decresce de intensidade o amor pelos filhos; os maridos que atiram à desgraça um lar inteiro, com o único intuito de satisfazer seus próprios instintos e paixões; os filhos que, indiferentes à miséria ou ao abandono moral em que deixam seus pais, voltam todas as suas vistas para a fruição dos prazeres desta vida; os profissionais que se enriquecem às custas do próximo, mostram muitas vezes uma crueldade fria e calculada, que causa muito mais horror do que os extremos de furor a que a guerra pode arrastar os combatentes. Realmente, se bem que na

3 Santo Antonio de Maria Claret foi canonizado por Pio XII a 7 de maio de 1950 – Nota desta coletânea

Page 77: Esclavitud y Devoción Mariana

guerra os atos de crueldade se possam mais facilmente aquilatar, os que os praticam tem, se não a desculpa, ao menos a atenuante de que são impelidos pela violência do combate. Mas aquilo que se trama e se realiza na tranqüilidade da vida quotidiana não pode muitas vezes beneficiar-se de igual atenuante. E isto sobretudo quando não se trata de ações isoladas, mas de hábitos inveterados que multiplicam indefinidamente as más ações.

A guerra, tal qual ela é hoje feita, é um índice de crueldade, mas está longe de ser a única manifestação da dureza moral contemporânea.

* * *Quem diz crueldade diz egoísmo. O homem só prejudica seu próximo por egoísmo, por desejar beneficiar-se de vantagens a que não tem direito. Assim, pois, o único meio de extirpar a crueldade consiste em extirpar o egoísmo.

Ora, a teologia nos ensina que o homem só pode ser capaz de verdadeira e completa abnegação de si mesmo quando seu amor ao próximo é baseado no amor de Deus. Fora de Deus não há, para os afetos humanos, estabilidade nem plenitude. Ou o homem ama a Deus a ponto de se esquecer de si mesmo, e neste caso ele saberá realmente amar o próximo; ou o homem se ama a ponto de se esquecer de Deus, e, neste caso, o egoísmo tende a dominá-lo completamente.

Assim, é só aumentando nos homens o amor de Deus, que se poderá conseguir deles uma profunda compreensão de seus deveres para com o próximo. Combater o egoísmo é tarefa que implica necessariamente em “dilatar os espaços do amor de Deus”, segundo a belíssima frase de Santo Agostinho.

Ora, a festa do Sagrado Coração de Jesus é, por excelência, a festa do amor de Deus. Nela, a Igreja nos propõe como tema de meditações e como alvo de nossas preces o amor terníssimo e invariável de Deus que, feito homem, morreu por nós. Mostrando-nos o Coração de Jesus a arder de amor a despeito dos espinhos com que O circundamos por nossas ofensas, a Igreja abre para nós a perspectiva de um perdão misericordioso e largo, de um amor infinito e perfeito, de uma alegria completa e imaculada, que devem constituir o encanto perene da vida espiritual de todos os verdadeiros católicos.

Amemos o Sagrado Coração de Jesus. Esforcemo-nos por que essa devoção triunfe autenticamente (e não apenas através de alguns simbolismos a realidade) em todos os lares, em todos os ambientes e, sobretudo, em todos os corações. Só assim conseguiremos reformar o homem contemporâneo.

* * *“Ad Jesum per Mariam”. Por Maria é que se vai a Jesus. Escrevendo sobre a festa do Sagrado Coração, como não dizer uma palavra de comoção filial ante esse Coração Imaculado que, melhor do que qualquer outro, compreendeu e amou o Divino Redentor? Que Nossa Senhora nos obtenha algumas faiscas daquela imensa devoção que tinha ao Sagrado Coração de Jesus. Que Ela

Page 78: Esclavitud y Devoción Mariana

consiga atear em nós um pouco daquele incêndio de amor com que Ela ardeu tão intensamente, são nossos votos dentro desta oitava suave e confortadora.

Mês de Maria: Rainha do Céu e da Terra, Maria é ao mesmo tempo nossa Mãe

(“Mês de Maria” in “O Legionário” 23.5.43)

Não é sem tristeza que sentimos aproximar-se o fim deste mês de Maria! Com efeito, durante o mês de maio sentimos uma proteção especial de Nossa Senhora estender-se sobre todos os fiéis, e a alegria que brilha em nossos templos e ilumina nossos corações exprime a universal certeza dos católicos de que o indispensável patrocínio de nossa Mãe celestial se torna, durante o mês de maio, ainda mais solícito, mais amoroso, mais cheio de visível misericórdia e exorável condescendência.

Entretanto, depois de cada mês de maio, alguma coisa fica, se tivermos sabido viver convenientemente estes trinta dias especialmente consagrados a Nossa Senhora. O que nos fica é uma devoção maior, uma confiança mais especial, e, por assim dizer, uma intimidade tão mais acentuada com Nossa Senhora, que em todas as vicissitudes da vida saberemos pedir com mais respeitosa insistência, esperar com mais invencível confiança, e agradecer com mais humilde carinho todo o bem que Ela nos faça.

Nossa Senhora é a Rainha do Céu e da Terra, e, ao mesmo tempo, nossa Mãe. É esta a convicção com que entramos sempre no mês de maio, e tal convicção se radica cada vez mais em nós, lança claridades e fortaleza sempre maior, quando o mês de maio se encerra. Maio nos ensina a amar a Maria Santíssima por sua própria glória, por tudo quanto Ela representa nos planos da Providência. E nos ensina também a viver de modo mais constante nossa vida de união filial a Maria.

* * *Os filhos nunca são mais seguros da vigilância amorosa de suas mães do que quando sofrem. A humanidade inteira sofre hoje em dia. E não só todos os povos sofrem, mas quase poderia dizer-se que sofrem de todos os modos por que podem sofrer. As inteligências são varridas pelo vendaval da impiedade e do ceticismo. Tufões loucos de messianismos de toda ordem devastam os espíritos. Idéias nebulosas, confusas, audaciosas, esgueiram-se em todos os ambientes, e arrastam consigo, não só os maus e os tíbios, mas até por vezes aqueles de quem se esperaria maior constância na Fé. Sofrem as vontades obstinadamente apegadas ao cumprimento do dever, com todas as contrariedades que lhes vem de sua fidelidade à lei de Cristo. Sofrem os que transgridem essa lei, pois que longe de Cristo todo prazer não é no fundo senão amargura, e toda a alegria uma mentira. Sofrem os corações, dilacerados pelos horrores das guerras que se alastram, das famílias que se dissolvem, das lutas que armam por toda parte irmãos contra irmãos. Sofrem os corpos, dizimados pela metralhadora, depauperados pelo trabalho, minados pela moléstia, acabrunhados pelas necessidades de toda ordem. Pode-se dizer que o mundo contemporâneo, semelhante ao que vivia no tempo em que Nosso Senhor nasceu em Belém, enche os ares de um grande e

Page 79: Esclavitud y Devoción Mariana

clamoroso gemido, que é o gemido dos maus que vivem longe de Deus, e dos justos que vivem atormentados pelos maus.

Quanto mais sombrias se tornarem as circunstâncias, quanto mais lancinante as dores de toda ordem, tanto mais devemos pedir a Nossa Senhora que ponha termo a tanto sofrimento, não só para fazer cessar assim nossa dor, mas para maior proveito de nossa alma. Diz a Sagrada Teologia que a oração de Nossa Senhora antecipou o momento em que o mundo deveria ser redimido pelo Messias. Neste momento cheios de angústias, volvamos confiantes nossos olhos a Nossa Senhora, pedindo-Lhe que abrevie o grande momento em que todos esperamos, em que uma nova Pentecostes abra clarões de luz e de esperanças nestas trevas, e restaure por toda a parte o Reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Devemos ser como Daniel, de quem diz a Escritura que era desideriorum vir, isto é, homem que desejava grandes e muitas coisas. Para a glória de Deus, desejemos grandes e muitas coisas. Peçamos a Nossa Senhora muito, e sempre. E o que sobretudo Lhe devemos pedir é aquilo que a Sagrada Liturgia suplica a Deus: Emitte Spiritum tuum et creabuntur, et renovabis faciem terræ. Devemos pedir pelo intermédio de Nossa Senhora que Deus nos envie novamente em abundância o Espírito Santo, para que as coisas sejam novamente criadas, e purificada por uma renovação a face da terra.

Diz Dante na Divina Comédia que rezar sem o patrocínio de Nossa Senhora é a mesma coisa que querer voar sem asas. Confiemos a Nossa Senhora este anelo em que vai todo o nosso coração. As mãos de Maria serão para nossa prece um par de asas puríssimas por meio das quais chegará certamente ao trono de Deus.

Como conclusão deste mês de Maria, façamos nossas duas súplicas da ladainha das Rogações, referentes às necessidades mundiais da Santa Madre Igreja:

“Para que vos digneis humilhar os inimigos da Santa Igreja, vos rogamos, Senhor!

Para que vos digneis exaltar a Santa Igreja, vos rogamos, Senhor!”

A Rainha da Paz é por excelência a Rainha da Vitória(“Regina Pacis” in “O Legionário” 13.5.45)

Não é sem um desígnio da Providência que a paz se firma precisamente no mês de maio, consagrado a Maria Santíssima pela piedade universal, e isto pouco depois de ter o Santo Padre recomendado a intercessão à gloriosa Mãe de Deus para alcançar a paz.

Esta guerra foi sobretudo uma luta ideológica em que se procurou apertar entre as farpas de um terrível dilema a opinião católica: ou nazismo ou comunismo. Nossa Senhora, que “esmagou todas as heresias no mundo inteiro”, quis que no mês de Maria se quebrasse uma das pontas: morreu o nazismo. Devemos agora pedir-Lhe que quebre a outra ponta, e esmague o comunismo.

Page 80: Esclavitud y Devoción Mariana

Não se pense, a este respeito, que a paz dessa gloriosa Rainha é a paz dos charcos e dos pântanos. É a paz do céu, que brilha em todo o seu esplendor, enquanto no inferno o mal, manietado e esmagado, padece tormentos eternos. Por isto, a Rainha da Paz é por excelência a Rainha da Vitória, que conduz ao triunfo, entre terríveis lutas, as ovelhas de Cristo.

Essas lutas são entre os filhos de Maria e os filhos da serpente, separados entre si por uma irredutível inimizade. É sobre tal inimizade que escreveu o Bem-aventurado Grignion de Montfort:

“Inimicitias ponam inter te et mulierem, et semen tuum et semen illius; ipsa conteret caput tuum, et tu insidiaberis calcaneo ejus – Porei inimizades entre ti e a mulher, entre sua descendência e a tua; ela te esmagará a cabeça e armar-lhe-á ciladas ao calcanhar”4.Nunca Deus fez e formou senão uma inimizade, mas esta é irreconciliável e há de durar e mesmo aumentar até ao fim: a inimizade entre Maria, sua digna Mãe, e o demônio; entre os filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e sequazes de Lúcifer; de modo que Maria é a mais terrível inimiga que Deus armou contra o demônio. Ele lhe deu até, desde o paraíso, tanto ódio a esse amaldiçoado inimigo de Deus, tanta clarividência para descobrir a malícia dessa velha serpente, tanta força para vencer, esmagar e aniquilar esse ímpio orgulhoso, que o temor que Maria inspira ao demônio é maior que o que lhe inspiram todos os anjos e homens e, em certo sentido, o próprio Deus. Não que a ira, o ódio, o poder de Deus não sejam infinitamente maiores que os da Santíssima Virgem, pois as perfeições de Maria são limitadas, mas, em primeiro lugar, Satanás, porque é orgulhoso, sofre incomparavelmente mais, por ser vencido e punido pela pequena e humilde escrava de Deus, cuja humildade o humilha mais que o poder divino; segundo, porque Deus concedeu a Maria tão grande poder sobre os demônios, que, como muitas vezes se viram obrigados a confessar, pela boca dos possessos, infunde-lhes mais temor um só de seus suspiros por uma alma, que as orações de todos os santos; e uma só de suas ameaças que todos os outros tormentos.O que Lúcifer perdeu por orgulho, ganhou Maria por humildade. O que Eva condenou e perdeu pela desobediência, salvou-o Maria pela obediência. Eva, obedecendo à serpente, perdeu consigo todos os seus filhos e os entregou ao poder infernal; Maria, por sua perfeita fidelidade a Deus, salvou consigo todos os seus filhos e servos e os consagrou a Deus.Deus pôs não somente inimizade, mas inimizades, não só entre a Virgem e o demônio, porém entre a descendência de Maria Santíssima e a descendência do demônio. Quer dizer, Deus

4 Gen 3.5

Page 81: Esclavitud y Devoción Mariana

estabeleceu inimizades, antipatias e ódios secretos entre os verdadeiros filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e escravos de demônio. Não há entre eles a menor sombra de amor, nem correspondência íntima existe entre uns e outros. Os filhos de Belial, os escravos de Satã, os amigos do mundo (pois é a mesma coisa) sempre perseguiram até hoje e perseguirão no futuro aqueles que pertencem à Santíssima Virgem, como outrora Caim, perseguiu seu irmão Abel, e Esaú, seu irmão Jacob, figurando os réprobos e os predestinados. Mas a humilde Maria será sempre vitoriosa na luta contra esse orgulhoso, e tão grande será a vitória final que ela chegará ao ponto de esmagar-lhe a cabeça, sede de todo o orgulho. Ela descobrirá sempre sua malícia de serpente, desvendará suas tramas infernais, desfará seus conselhos diabólicos, e até ao fim dos tempos garantirá seus fiéis servidores contra as garras de tão cruel inimigo.Mas o poder de Maria sobre todos os demônios há de patentear-se com mais intensidade, nos últimos tempos, quando Satanás começar a armar insídias ao seu calcanhar, isto é, aos seus humildes servos, aos seus pobres filhos, os quais ela suscitará para combater o príncipe das trevas. Eles serão pequenos e pobres aos olhos do mundo, e rebaixados diante de todos como o calcanhar, calcados e perseguidos como o calcanhar em comparação com os outros membros do corpo. Mas, em troca, eles serão ricos em graças de Deus, graças que Maria lhes distribuirá abundantemente. Serão grandes e notáveis em santidade diante de Deus, superiores a toda criatura, por seu zelo ativo, tão fortemente amparados pelo poder divino, que, com a humildade de seu calcanhar e em união com Maria, esmagarão a cabeça do demônio e promoverão o triunfo de Jesus Cristo.Finalmente Deus quer que sua Mãe Santíssima seja agora mais conhecida, mais amada, mais honrada do que nunca.Mas quem serão esses servidores, esses escravos e filhos de Maria?Serão ministros do Senhor ardendo em chamas abrasadoras, que lançarão por toda parte o fogo do divino amor.Serão “sicut sagittae in manu potentis”5 – flechas agudas nas mãos de Maria todo-poderosa, pronta a traspassar seus inimigos.Serão filhos de Levi, bem purificados no fogo das grandes tribulações, e bem colados a Deus, que levarão o ouro do amor no coração, o incenso da oração no espírito, e a mirra da mortificação no corpo e que serão em toda parte para os pobres e os pequenos o bom odor de Jesus Cristo, e para os grandes, os ricos e os orgulhosos do mundo, um odor repugnante de morte.

5 Sl 126, 4

Page 82: Esclavitud y Devoción Mariana

Serão nuvens trovejantes esvoaçando pelo ar ao menor sopro do Espírito Santo, que, sem apegar-se a coisa alguma nem admirar-se de nada, nem preocupar-se, derramarão a chuva da palavra de Deus e da vida eterna. Trovejarão contra o pecado, e lançarão brados contra o mundo, fustigarão o demônio e seus asseclas, e, para a vida ou para a morte, traspassarão lado a lado, com a espada de dois gumes da palavra de Deus6, todos aqueles a quem forem enviados da parte, do Altíssimo.58. Serão verdadeiros apóstolos dos últimos tempos, e o Senhor das virtudes lhes dará a palavra e a força para fazer maravilhas e alcançar vitórias gloriosas sobre seus inimigos; dormirão sem ouro nem prata, e, o que é melhor, sem preocupações, no meio dos outros padres, eclesiásticos e clérigos, “inter medios cleros”7 e, no entanto, possuirão as asas prateadas da pomba, para voar, com a pura intenção da glória de Deus e da salvação das almas, aonde os chamar o Espírito Santo, deixando após si, nos lugares em que pregarem, o ouro da caridade que é o cumprimento da lei8.59. Sabemos, enfim, que serão verdadeiros discípulos de Jesus Cristo, andando nas pegadas de sua pobreza e humildade, do desprezo do mundo e, caridade, ensinando o caminho estreito de Deus na pura verdade, conforme o santo Evangelho, e não pelas máximas do mundo, sem se preocupar nem fazer acepção de pessoa alguma, sem poupar, escutar ou temer nenhum mortal, por poderoso que seja. Terão na boca a espada de dois gumes da palavra de Deus; em seus ombros ostentarão o estandarte ensangüentado da cruz, na direita, o crucifixo, na esquerda o rosário, no coração os nomes sagrados de Jesus e de Maria, e, em toda a sua conduta, a modéstia e a mortificação de Jesus Cristo.Eis os grandes homens que hão de vir, suscitados por Maria, em obediência às ordens do Altíssimo, para que o seu império se estenda sobre o império dos ímpios, dos idólatras e dos maometanos. Quando e como acontecerá?… Só Deus o sabe… Quanto a nós, cumpre calar-nos, orar, suspirar e esperar: Exspectans exspectavi9.

6 cf. Ef 6, 177 SI 67, 148 Rom 13, 109 Sl 39, 2

Page 83: Esclavitud y Devoción Mariana

Fátima

Nossa Senhora profetizou um sinal celeste, prenúcio de castigos para o mundo

(“7 Dias em Revista” in “O Legionário” 23.1.44)

Aparecendo em Fátima quando chegava a seu termo a última guerra, Nossa Senhora advertiu ao mundo contemporâneo que se convertesse a Cristo e à Igreja, sob pena de nova guerra que traria consigo inenarráveis prejuízos e sofrimentos. Nossa Senhora profetizou um sinal celeste que deveria prenunciar os castigos contra os quais premunia maternalmente o mundo impenitente. Pouco antes da guerra, um fenômeno perfeitamente visível nas principais cidades da Europa, e classificado pelos técnicos como uma singular aurora boreal, se fez notar. Todos os telegramas, todos os jornais falaram do assunto. Do fundo da Casa Religiosa em que vive apagada e piedosamente Lúcia, a última sobrevivente dos três pastorinhos de Fátima, escreveu à Autoridade Diocesana, dizendo-lhe que era esse o sinal prenunciado pela Santíssima Virgem. Pouco depois, sobreveio a conflagração. Confirmava-se a ameaça, confirmou-se o castigo. Quanta razão tem o Santo Padre em dizer que nada disso teria acontecido, se tivéssemos ouvido a voz da Igreja, se tivéssemos obedecido à Lei de Deus!

“De Fátima nunquam satis”(“Livros versus canhões” in “O Legionário” 8.4.45)

Ao mesmo tempo, o Revmo. Pe. Valentim Armas, CMF, acaba de publicar nova edição de seu livro “Esplendores de Fátima”. Editou-a a “Ave Maria” Ltda. É um belo volume de perto de quatrocentas páginas, cuja leitura é da mais absoluta necessidade para o mundo contemporâneo.

Muito já se tem feito no Brasil, em prol da devoção a Nossa Senhora de Fátima. Em São Paulo, devemos ao zelo dos PP. Terceiros Regulares de São Francisco de Assis, a esplêndida Igreja que, em honra da Santíssima Virgem aparecida em Fátima, se ergue no alto do Sumaré. O insigne Pe. Fernandes publicou sobre Fátima um trabalho que dizem ser excelente, mas que a despeito de todos os meus esforças ainda não me chegou às mãos.

Um pouco por toda parte, começam a aparecer as Igrejas ou os altares a Nossa Senhora de Fátima, e se multiplicam nos devocionários correntes as orações a Ela dirigidas. A meu ver, entretanto, tudo isto ainda é pouco, e é até muito pouco. Fátima não é um fato ocorrido apenas em Portugal, e nem mesmo interessa apenas a nosso tempo. Fátima é um marco novo na própria História da Igreja. Fátima é, queiram-no ou não o queiram, a verdadeira aurora dos Tempos Novos cujos albores não despertaram nos campos de batalha, nem nas laudas de papel de tantos escritores, mas no momento em que Nossa Senhora baixou à terra e comunicou aos três pastorinhos as lições severas sobre o crepúsculo de nossos dias, e as palavras esperançosas sobre os dias de bonança que a Misericórdia Divina prepara para a humanidade quando finalmente se arrepender.

De tudo isto pode persuadir-se facilmente o leitor, nas páginas atraentes e substanciosas do livro do Revmo. Pe. Valentim Armas. Não hesito em dizer que esse trabalho deveria ser lido e meditado

Page 84: Esclavitud y Devoción Mariana

por todos os católicos brasileiros. Ele contém a narração objetiva e documentada, das aparições de Nossa Senhora. Vem, em seguida, a narração exata das mensagens de que Nossa Senhora incumbiu os pastorinhos. E, por fim, se desvenda uma parte dos famosos “Segredos de Fátima”, que contém os prognósticos sobre os destinos do mundo. Em apêndice interessante narra os milagres ocorridos em Fátima, pela intercessão de Nossa Senhora. Como se vê, o assunto é tratado em todos os seus aspectos, e constantemente com linguagem sóbria e piedosa, que edifica o leitor.

“De Maria nunquam satis”. “De Fátima nunquam satis” poder-se-ia dizer. O assunto é por demais rico e empolgante para que me seja possível dizer tudo nestas linhas. Reservo-me para tratá-lo mais a fundo no próximo número do “Legionário” desde que Nossa Senhora de Fátima me ajude a realizar sobre o assunto um trabalho que seja uma retribuição mínima à imensidade de graças que lhe devo.

(“Fátima” in “O Legionário” 14.5.44)

Há perto de 30 anos a 1ª conflagração mundial caminhava para seu declínio. Contido o ímpeto inicial da invasão teutônica, os franceses se dispunham a reconquistar o território perdido. Para os políticos de alto bordo e os observadores militares, já não era duvidoso o êxito final da luta. Toda a estratégia alemã se baseara na esperança do triunfo do blitzkrieg. A primeira cartada se jogaria com intensas possibilidades de êxito. Mas era a única. Os alemães a tinham perdido. O resto, para os aliados, era apenas questão de tempo. Os financistas, os sociólogos, os politiqueiros, já começaram seu burburinho de antecâmaras e bastidores, para saber como o mundo se reorganizaria no após-guerra. E isto enquanto nos campos de batalha a luta ainda ia acesa, e os canhões germânicos troavam não muito longe de Paris.

Esse burburinho tinha real importância. Tinha, mesmo, muito mais importância do que o troar dos canhões. Nos campos de batalha se liquidava uma guerra já decidida in radice. Nos gabinetes não se liquidava uma guerra, mas se elaborava uma nova era. O futuro já não estava na retranca da metralhadoras, mas nos pourparlers dos bacharéis e dos técnicos.

Quando começavam a delinear-se apenas, timidamente, as primeiras linhas desse mundo novo, verificou-se um dos fatos mais consideráveis da História contemporânea. Em nosso mundo são muitos os cépticos que não acreditam nesse fato. Os que não são cépticos são tímidos, e não ousam proclamar os fatos em que acreditam. Uns por falta de fé, e outros por falta de coragem, não ousam incorporar à História contemporânea esse acontecimento. Mas os mais graves motivos sobre que a inteligência humana pode basear-se aí estão patentes, a atestar que Nossa Senhora baixou dos céus à terra, e que manifestou a três pequenos pastores de um recanto ignorado e perdido do pequeno Portugal, as condições verdadeiras, os fundamentos indispensáveis para a organização do mundo. Ouvida essa mensagem, a humanidade encontraria verdadeiramente a paz. Negada, ignorada essa mensagem, a paz seria falsa e o mundo imergiria em nova guerra. A guerra veio. A guerra aí está. Cogita-se agora, como há 30 anos atrás, de reorganizar novamente o mundo. Nenhum momento é mais oportuno do que este, para recordar a aparição de N. Senhora

Page 85: Esclavitud y Devoción Mariana

em Fátima. E isto tanto mais, quanto há precisamente 3 dias a Igreja celebrou a festa litúrgica de N. Senhora de Fátima.

* * *Analisemos primeiro o fato. Lúcia, Francisco e Jacinta, eram três pastores como os há tantos em Portugal. Educados em zona inteiramente isolada dos miasmas contemporâneos, conservavam intacta a flor de sua inocência batismal e, à falta de cartilhas e de grupos escolares, desenvolviam sua personalidade, sua formação, sua virtude, em contato com as belezas do campo, com os encantos da arte e da música popular de sua terra, com a suave austeridade dos ensinamentos cristãos recebidos dos lábios de suas mães, ou do singelo e piedoso magistério do Pároco da aldeia. Neles, como em todos os filhos da Igreja, era generosa e fecunda a graça de Deus, como era generoso o ânimo com que lhe correspondiam. Não passavam porém de três excelentes crianças, que cumpriam seus deveres, rezavam com uma piedade sincera à qual não era alheia por vezes certa preguiça, e passavam seus dias guardando concienciosamente os rebanhos paternos. Foi num dia destes, igual a todos os outros, que se manifestou para eles a primeira aparição, à qual depois muitas se repetiram.

Eram crianças tão extremamente simples e ignorantes, que seriam incapazes de forjar qualquer quimera que por fim os sugestionasse. Quando vieram as primeiras aparições, nem sabiam com quem tratavam. Descrevendo maravilhados a pessoa que lhes aparecera, retratavam por suas palavras uma figura de uma elegância, uma majestade, uma nobreza que sua imaginação de pequenos pastores nunca teria podido forjar gratuitamente. Imediatamente, se abateu sobre eles uma verdadeira perseguição. Estiveram na cadeia, foram ameaçados de morte, e até conduzidos ao lugar de seu suposto suplicio; portaram-se com a dignidade dos mártires do Coliseu. Depois foram objeto dos agrados indiscretos e frenéticos da multidão. Conservaram-se, no meio deste triunfo, sóbrios, simples, desinteressados como um Cincinato.

Interrogados muitas vezes em separado, com mil artifícios destinados a induzi-los ao exagero ou à diminuição da verdade, sempre souberam conservá-la íntegra.

Dois deles morreram ainda na infância, Jacinta e Francisco. Jacinta profetizou sua morte, quando nada faria suspeitar um fim tão prematuro. E ao morrer como dissera, fê-lo afirmando a verdade das revelações. Francisco também testemunhou a verdade do que vira, até morrer. Lúcia não morreu, mas tomou o hábito religioso. Pertence hoje à Congregação das beneméritas irmãs Dorotéias, e com sua responsabilidade de Esposa de Jesus Cristo confirma plenamente na idade adulta as afirmações que fizera em sua juventude. Ela estaria em pecado mortal se não desmentisse as visões no caso de as ter falsificado de parceria com seus pequenos primos. Ela recebe, entretanto, continuamente o Santo Sacramento com a tranqüilidade dos justos. Essas são as testemunhas.

Page 86: Esclavitud y Devoción Mariana

O selo do martírio, o prestigio da inocência, a dignidade do hábito religioso, lhes assegura a veracidade. Realmente, quando diante de uma multidão calculada em milhares de pessoas os pequenos pastores sustentavam que estavam vendo Nossa Senhora, não mentiram. Tudo em sua vida no-lo atesta. Até sua ignorância serve de credencial a esses pequenos arautos. Crianças que ao tempo das aparições nem sabiam quem é o Papa não poderiam inventar o que disseram, como um analfabeto não inventa uma teoria de trigonometria, ignorando até as 4 operações da aritmética.

* * *Examinados os mensageiros, analisemos a Senhora que lhes deu a mensagem.

Faça-se um “teste”: tomem várias crianças em separado, e mande-lhes que fantasiem a título de composição literária uma aparição de N. Senhora, descrevendo seu semblante, seu traje, suas expressões fisionômicas, seus gestos, anotando-lhe as palavras. O que sairia de tudo? Quanta coisa infantil, quanta concepção grotesca, quanto pormenor francamente ridículo! O nível de instrução das crianças de Fátima era incomparavelmente inferior ao de uma criança de cidade. Não conheciam teatros nem cinema, não tinham visto livros com figuras representando rainhas, pois, outra idéia de beleza, elegância distinção, que não a que filtrava até elas – em que lusco-fusco! – através dos tipos femininos que viam em redor de si na aldeia. Não possuíam a menor noção da beleza própria aos vários coloridos e a suas respectivas combinações. Tudo isto não obstante, a Senhora que lhes aparece, eles a descrevem com pormenores suficientes para se ver que era uma figura de sublime beleza, trajada com uma rara majestade e simplicidade. Senhora, aliás, tão diferente de tudo quanto eles conheciam em matéria de imagens, que não suspeitariam que fosse Nossa Senhora, e nem sequer uma Santa. Foi só quando a Senhora se declarou, que souberam com quem tratavam.

Essa Senhora lhes disse coisas muito elevadas. Falou-lhes da guerra, falou-lhes do Papa (que Jacinta, a menor, não sabia que existisse), falou-lhes de política e de sociologia. E essas crianças repetem a mensagem com uma fidelidade extraordinária!

Realmente, como diz a Escritura, Deus tira para si “da boca das crianças, um louvor perfeito”.

* * *É o momento de considerarmos a mensagem. Antes de tudo, notemos que ela é absolutamente ortodoxa. Não é fácil inventar uma mensagem ortodoxa. Muito figurão “católico” que serve para discursos de inauguração, de luto, etc. etc. etc., toma um cuidado tremendo para não preparar um discurso que cheire a heresia… e solta duas ou três heresias em seu discurso. Ora, todas, absolutamente todas as palavras da Senhora aos pequenos pastores são de uma ortodoxia absoluta. Tratando temas complexíssimos, Ela nem uma só vez erra em doutrina. Positivamente, isto não poderia ser invenção de pequenos pastores.

Mas há mais. A mensagem da Senhora, que sobreveio precisamente no momento crucial em que se preparava o após-guerra, desprezando as manifestações aparatosas de falso patriotismo e de

Page 87: Esclavitud y Devoción Mariana

cientificismo dos “técnicos”, colocou com grande simplicidade todas as coisas em seus termos únicos e fundamentais. A guerra fora um castigo do mundo por sua impiedade, pela impureza de seus costumes, por seu hábito de transgredir os domingos e dias santos. Isto resolvido, todos os assuntos se resolveriam por si. Isto não resolvido, todas as soluções nada resolveriam… E se o mundo não ouvisse a voz da Senhora, se ele não respeitasse esses princípios, nova conflagração viria, precedida de fenômeno celeste extraordinário. E essa conflagração seria muito mais terrível que a primeira.

* * *Reuniram-se os técnicos – que são hoje os reis da terra, juntamente com os banqueiros – “et convenerunt in unum adversus Dominus”. Construíram uma paz sem Cristo, uma paz contra Cristo. O mundo se afundou ainda mais no pecado, a despeito da mensagem de Nossa Senhora. Em Fátima, os milagres se multiplicavam às dezenas, às centenas, aos milhares. Ali estavam eles, acessíveis a todos, podendo ser examinados por todos os médicos de qualquer raça e religião. As conversões já não tinham número. E tudo isto não obstante, ninguém dava ouvidos a Fátima. Uns duvidavam sem querer estudar. Outros negavam sem examinar. Outros criam mas não tinham coragem de o dizer. A voz da Senhora não se ouviu. Passaram-se mais de vinte anos. Um belo dia, sinais estranhos se viram no céu… era uma aurora boreal, noticiada por todas as agências telegráficas da terra. Do fundo de seu convento, Lúcia escreveu a seu Bispo: era o sinal, e dentro em breve a guerra viria. A guerra veio dentro em breve. Ela está aí, e hoje se cuida novamente de “reorganizar o mundo”, aos últimos clarões desta luta potencialmente já vencida.

* * *“Si vocem ejus hodie audieritis, nolite obdurare corda vestra” – Se hoje ouvirdes Sua voz, não endureçais vossos corações”, diz a Escritura. Inscrevendo a festa de Nossa Senhora de Fátima no rol das celebrações litúrgicas, a Santa Igreja proclama a perenidade da mensagem de Nossa Senhora dada ao mundo através dos pequenos pastores. No dia de sua festa, mais uma vez a voz de Fátima chegou a nós: não endureçamos nossos corações, porque só assim teremos achado o caminho da paz verdadeira.

(Legionário 7.10.45)

Querendo falar ao mundo, Nossa Senhora escolheu um recanto do solo português para suas aparições. Escolheu três pequeninos portugueses como seus arautos, fixou em Portugal essa fonte perene de milagres, que é Fátima, e com isto atraiu para Portugal as esperanças de todos os sofredores da Terra.

Em Fátima, Nossa Senhora fez revelações de um alcance universal. Ela não se limitou a falar de Portugal. Toda a crise contemporânea, com suas raízes profundas de impiedade e pecado, os cataclismos universais que dessa crise vão nascer, tudo que mais a fundo interessa à humanidade inteira nas terríveis convulsões de hoje, tudo isto Nossa Senhora o confiou a três pastorinhos portugueses, para que dos lábios desses pequeninos pendesse para o mundo orgulhoso e abatido, a terrível e maravilhosa mensagem.

Page 88: Esclavitud y Devoción Mariana

É impossível não ver que Nossa Senhora concedeu à antiga nação missionária uma grande tarefa histórica a realizar. Os que eram ontem arautos de Cristo, são acrescidos de mais um título: arautos da Virgem. Portugal inteiro, as nações de lingua portuguesa juntamente com Portugal, têm a incumbência de pregar a todos os povos, o grande fato religioso do século XX, que são as aparições de Fátima.

(Legionário 8.4.45)

Fátima não é um fato ocorrido apenas em Portugal, e nem mesmo interessa apenas a nosso tempo. Fátima é a verdadeira aurora dos Tempos Novos cujos albores despertaram …. no momento em que Nossa Senhora baixou à Terra e comunicou a três pastorinhos as lições severas sobre o crepúsculos de nossos dias, e as palavras esperançosas sobre os dias de bonança que a Misericórdia Divina prepara para a humanidade quando finalmente se arrepender.

De Maria nunquam satis. De Fatima nunquam satis poder-se-ia dizer.

(Legionário 14.5.45)

Os mais graves motivos sobre que a inteligência humana pode basear se aí estão patentes a atestar que Nossa Senhora baixou dos Céus à Terra, e que manifestou a três pequenos pastores de um recanto ignorado de Portugal, as condições verdadeiras, os fundamentos indispensáveis para a reorganização do mundo. Ouvida essa mensagem, a humanidade encontraria verdadeiramente a paz. Negada, ignorada essa mensagem, a paz seria falsa e o mundo imergiria em nova guerra.