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ESCRAVIDÃO, IMPRENSA E SOCIEDADE: O PROTAGONISMO FEMININO NA CAMPANHA ABOLICIONISTA. WLADIMIR BARBOSA DA SILVA Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação stricto sensu em Relações Etnicorraciais, Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Relações Etnicorraciais. Orientadora: Prof.ª Dr.ª: Maria Renilda Nery Barreto RIO DE JANEIRO SETEMBRO / 2014

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ESCRAVIDÃO, IMPRENSA E SOCIEDADE: O PROTAGONISMO FEMININO NA

CAMPANHA ABOLICIONISTA.

WLADIMIR BARBOSA DA SILVA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação stricto sensu em Relações Etnicorraciais, Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Relações Etnicorraciais.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª: Maria Renilda Nery Barreto

RIO DE JANEIRO SETEMBRO / 2014

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ii

ESCRAVIDÃO, IMPRENSA E SOCIEDADE: O PROTAGONISMO FEMININO NA CAMPANHA ABOLICIONISTA.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação stricto sensu em Relações Etnicorraciais, Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Relações Etnicorraciais.

WLADIMIR BARBOSA DA SILVA

Aprovada por:

______________________________________________________________________

Presidente, Prof.ª Dr.ª: Maria Renilda Nery Barreto

Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (orientadora)

______________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª: Tânia Salgado Pimenta –

Fundação Oswaldo Cruz

______________________________________________________________

Prof. Dr. Amauri Mendes Pereira –

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

______________________________________________________________

(Suplente) Prof. Dr. Álvaro de Oliveira Senra –

Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca

RIO DE JANEIRO SETEMBRO / 2014

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iii

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do CEFET/RJ

S586 Silva, Wladimir Barbosa da

Escravidão, imprensa e sociedade: o protagonismo feminino na

campanha abolicionista / Wladimir Barbosa da Silva.—2014

X, 130f. Il. ; enc.

Dissertação (Mestrado) Centro Federal de Educação Tecnológica

Celso Suckow da Fonseca ,2014.

Bibliografia : f. 123-130

Orientadora: Maria Renilda Nery Barreto

1. Brasil – História – Abolição da Escravidão, 1888. 2. Escravos –

Emancipação. 3. Mulheres na imprensa. I. Barreto, Maria Renilda Nery

(orient.). II. Título.

CDD 981.04

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iv

AGRADECIMENTOS

Meus eternos agradecimentos a minha mãe Dalva Castro Barbosa, que me ensinou a

acreditar no estudo como meio de mudança social. Mulher e negra, Dalva teve que largar os

estudos muito cedo, porém com uma maestria ímpar, mostrou-me que a educação seria a

única porta para uma vida melhor. Ela sabia que um rapaz negro nascido na periferia do Rio de

Janeiro, teria poucas oportunidades na vida caso não possuísse estudo, por isso foi tão severa

nas questões educacionais. Dalva deixou dois filhos em setembro de 2009, e antes de falecer

falava orgulhosamente que seu filho Wladimir era professor. Desta mulher espetacular herdei

os mais importantes valores que um homem pode possuir: ética e moral. Obrigado mãe!

Deixo meus agradecimentos a minha esposa, que com muita paciência e sem

reclamação, me ouvia conversar com as fontes históricas durante horas.

Agradeço também a minha orientadora Professora Renilda Barreto. Se hoje tenho a

possibilidade de tornar Mestre, muito devo aos seus valiosíssimos ensinamentos.

Agradecimentos

Meus eternos agradecimentos a minha mãe Dalva Castro Barbosa, que me ensinou a

acreditar no estudo como meio de mudança social. Mulher e negra, Dalva teve que largar os

estudos muito cedo, porém com uma maestria ímpar, mostrou-me que a educação seria a

única porta para uma vida melhor. Ela sabia que um rapaz negro nascido na periferia do Rio de

Janeiro, teria poucas oportunidades na vida caso não possuísse estudo, por isso foi tão severa

nas questões educacionais. Dalva deixou dois filhos em setembro de 2009, e antes de falecer

falava orgulhosamente que seu filho Wladimir era professor. Desta mulher espetacular herdei

os mais importantes valores que um homem pode possuir: ética e moral. Obrigado mãe!

Deixo meus agradecimentos a minha esposa, que com muita paciência e sem

reclamação, me ouvia conversar com as fontes históricas durante horas.

Agradeço também a minha orientadora Professora Renilda Barreto. Se hoje tenho a

possibilidade de tornar Mestre, muito devo aos seus valiosíssimos ensinamentos.

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v

SONETO

Quando o Brasil definhava

Ao peso da escravidão,

“Ave Libertas” surgiu

Abraçada a Abolição!

Não quero página fazer

Para os anais da pátria história,

Quero saudar as senhoras,

Que à pátria cobrem de glória;

Quero um bravo estriduloso

Dar com júbilo espantoso

Às obreiras do porvir,

Que são as preparadoras

E hão de ser progenitoras

Das gerações que hão de vir.

(Sophia Pauslavine. Ave Libertas, Pernambuco, 1884)

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vi

RESUMO

ESCRAVIDÃO, IMPRENSA, E SOCIEDADE: O PROTAGONISMO FEMININO NA CAMPANHA ABOLICIONISTA.

WLADIMIR BARBOSA DA SILVA

Orientadora: Prof.ª Dr.ª: Maria Renilda Nery Barreto

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação stricto sensu em Relações Etnicorraciais, Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Relações Etnicorraciais.

Este trabalho tem por objetivo analisar o protagonismo feminino durante a campanha abolicionista empreendida entre os anos de 1880 a 1888. O ponto de partida escolhido ancora-se nas ações da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão (SBCE), criada em 1880. Essa

sociedade representou um avanço estratégico de ordem política na luta contra a escravidão, na Corte. Nela atou importantes abolicionistas como: Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, André Rebouças, João Clapp, entre outros. À medida que ganhava força e adeptos, a SBCE expandiu-se em diversos entes confederados e, em 1883, fora criada, também na Corte a Confederação Abolicionista (CA). A luta pela abolição permanecia no congresso, porém abri-se uma nova frente de batalha com discursos proferidos ao ar livre, meetings, jornais, panfletos e folhetos abolicionistas, somado ainda o fato de que diversos entes filiados à confederação agiram por todo o Império promovendo quermesses beneficentes, concertos músicas e peças teatrais, cujo intuito principal era levantar fundos para custear as libertações de mulheres e homens escravizados. Embora a historiografia remeta aos homens o mérito pelo sucesso do movimento abolicionista, neste trabalho, procuramos mostrar que inúmeras mulheres também agiram em prol dos cativos. As senhoras abolicionistas como eram conhecidas, escreveram jornais, organizaram clubes e sociedades abolicionistas exclusivamente femininos, participaram em conjuntos com homens em sociedades e clubes mistos, libertaram escravos, mostrando um protagonismo até então pouco difundido na historiografia brasileira. Não obstante, a pesquisa centrou-se no Rio de Janeiro para assim observar como se processaram as libertações de mulheres e homens escravizados pela Câmara Municipal da Corte. Para esta questão, observamos a dinâmica das libertações oriundas do Livro de Ouro e Fundo de Emancipação,

mecanismos estes controlados pelos políticos cariocas. Essa documentação apontou para outro modelo de protagonismo, ou seja, o de mulheres libertas ou escravizadas que lutaram pela própria liberdade, além da dos seus filhos e esposos. Desta forma, a presente pesquisa pretende conectar as facetas do protagonismo feminino ao enredo da campanha pela abolição, pois entendemos que foi pela força, estratégias, e determinação, que essas mulheres conquistaram seu espaço em um período da história do Brasil notadamente marcado por uma sociedade patriarcal, cujas estruturas dificultavam o posicionamento feminino principalmente acerca dos seus direitos civis e naturais.

Palavras-chave:

Abolição; Imprensa; Protagonismo Feminino

RIO DE JANEIRO SETEMBRO / 2014

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ABSTRACT

SLAVERY, PRESS AND SOCIETY: THE FEMALE LEADERSHIP IN CAMPAIGN ABOLITIONIST.

WLADIMIR BARBOSA DA SILVA

Advisor: Prof.ª Dr.ª: Maria Renilda Neri Barreto

Abstract of dissertation submitted to Programa de Pós-graduação stricto sensu em Relações Etnicorraciais, Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ as partial fulfillment of the requirements for the degree of Master.

This work aims to analyze the female role during the abolitionist campaign waged between the years 1880-1888. The chosen starting point is anchored in the actions of the Brazilian Anti-Slavery Society (BASS), created in 1880. This society represented a strategic advance in political struggle against slavery in Rio de Janeiro, Brazil. Important abolicionst put up with this society as: Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, André Rebouças, João Clapp and others. As he gained strength and supporters, the (BASS) has expanded into many Confederates loved and, in 1883, had also been created in the Abolitionist Confederation Court (AC). The struggle for abolition remained in Congress, but opened up a new battlefront with cast outdoor meetings, newspapers, pamphlets and brochures abolitionist speeches also added the fact that various entities affiliated with the confederation acted throughout the Empire promoting charitable fairs, music concerts and plays, whose main aim was to raise funds to pay for the release of enslaved men and women. Although historiography refers to men merit the success of the abolitionist movement, in this paper we try to show that many women also acted on behalf of captives. The ladies abolitionists as they were known, wrote papers, organized clubs and abolitionist societies exclusively female, participated in joint with men in mixed societies and clubs, freed slaves, showing a role hitherto little widespread in Brazilian historiography. Nevertheless, the research focused on Rio de Janeiro to see how well it sued the release of women and men enslaved by the City Council of the Court. For this question, we observe the dynamics of releases coming from the Golden Book and Fund Emancipation, these mechanisms controlled by Rio's

politicians. This documentation pointed to another model of female action, ie freedmen or slaves who fought for their freedom women, and their children and spouses. Thus, this research aims to connect the facets of the feminine to the storyline of the campaign for the abolition role because we believe was the strength, courage and determination, these women won their way into a period in the history of Brazil notably marked by a patriarchal society whose structures hindered the female positioning primarily on civil and natural rights.

Keywords:

Abolition; Press; Female role

RIO DE JANEIRO SEPTEMBER / 2014

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SUMÁRIO

Introdução....................................................................................................................... 1 CAPÍTULO I – Da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão a Confederação Abolicionista: ações políticas organizadas em favor da abolição............................ 18

I. 1 - Da importância do jornal O Abolicionista como órgão divulgador.................. 22 I. 2 - A confederação abolicionista.......................................................................... 28

CAPÍTULO II – Mulheres e Abolição: protagonismo e ação....................................... 33

II. 1 - As sociedades, clubes e associações abolicionistas femininas existentes na Corte.................................................................................................................. 40 II. 2 - Mulheres e a abolição.................................................................................... 46 II. 3 - Protagonismo em ação: o engajamento das mulheres na campanha abolicionista............................................................................................................ 54 II. 4 - Novas mulheres e outra sociedade abolicionista.......................................... 65

CAPÍTULO III – Emancipadas pela Lei de 1871: o Ventre Livre, o Fundo de Emancipação e o Livro de Ouro da Câmara Municipal da Corte............................... 70

III. 1 – As questões legais do processo emancipatório feminino............................ 74 III. 2 - Funo de Emancipação e Livro de Ouro: as ações emancipacionistas da Câmara Municipal da Corte.................................................................................... 80 III. 2.1 - A Gazeta de Notícias e as cerimônias de Libertação do Livro de Ouro........................................................................................................................ 80 III. 2.2 - A segunda cerimônia de Libertação do Livro de Ouro.............................. 92 III. 2.3 - A terceira cerimônia de Libertação do Livro de Ouro................................ 93 III. 2.4 - A quarta cerimônia de Libertação do Livro de Ouro.................................. 96 III. 2.5 - A quinta cerimônia de Libertação do Livro de Ouro................................... 97 III. 2.6 - A sexta cerimônia de Libertação do Livro de Ouro.................................... 98 III. 2.7 - A sétima cerimônia de Libertação do Livro de Ouro.................................. 101 III. 2.8 - A oitava cerimônia de Libertação do Livro de Ouro................................... 104 III. 2.9 - A nona cerimônia de Libertação do Livro de Ouro.................................... 106 III. 2.10 - A décima cerimônia de Libertação do Livro de Ouro............................... 106 III. 3 - O Fundo de Emancipação Nacional e as libertações pela Câmara Municipal da Corte.................................................................................................. 111

III. 4 - Sopros de esperança: a luta por liberdade e o regulamento do Livro de Ouro........................................................................................................................ 115

Conclusões..................................................................................................................... 121 Referências Bibliográficas............................................................................................ 123 Fontes............................................................................................................................. 128 Jornais Consultados..................................................................................................... 129

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LISTA DE FIGURAS

FIG. II.1 Primeira grande loteria da Corte em benefício do Fundo de Emancipação....... 50 FIG. II.2 Ângelo Agostini satirizando a relação entre igreja e escravidão........................ 53

FIG. II.3 Imagem de Leonor Porto, presidente da Sociedade Abolicionista Ave Libertas............................................................................................................................. 57 FIG. II.4 Revista Ilustrada de Ângelo Agostini homenageando a campanha

abolicionista no Amazonas............................................................................................... 68 FIG. III.1 Revista Ilustrada de Ângelo Agostini criticando a Lei nº 3.270, de 28 de Setembro de 1885, a qual regulava a extinção gradual do elemento servil..................... 79 FIG. III.2 Festa promovida pela Câmara Municipal da Corte, em comemoração a

primeira libertação do Livro de Ouro................................................................................ 83 FIG. III.3 Festa promovida pela Câmara Municipal da Corte, em comemoração a terceira libertação do Livro de Ouro................................................................................. 94

FIG. III.4 Revista Ilustrada de Ângelo Agostini – caricatura de D. Pedro II entregando

cartas de liberdade relativa à terceira cerimônia do Livro de Ouro.................................. 96 FIG. III.5 Crítica disfarçada da Revista Ilustrada de Ângelo Agostini a Gazeta de Notícias............................................................................................................................ 104

FIG. III.6 Revista Ilustrada de Ângelo Agostini – sátira aos políticos escravocratas e

proprietários de escravos em relação aos desdobramentos da Lei de 28 de setembro de 1871 (Lei do Ventre Livre)........................................................................................... 117

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x

LISTA DE TABELAS

TAB. I.1 Lista de sociedades e clubes que assinaram o manifesto da Confederação

Abolicionista..................................................................................................................... 28 TAB. II.1 Lista de sociedades, associações e clubes abolicionistas exclusivamente

femininos ou mistos localizados no Rio de Janeiro.......................................................... 41

TAB. III.1 Subscrição entre os Vereadores para a libertação de escravos pelo Livro de

Ouro a realizar-se a 29 de Julho de 1885........................................................................ 85 TAB. III.2 Relação de cerimônias de libertação do Livro de Ouro da Câmara Municipal

da Corte............................................................................................................................ 109 TAB. III.3 Cerimônias do Livro de Ouro com identificação das liberdades...................... 110 TAB. III.4 Libertações pelo Fundo de Emancipação Nacional - Município Neutro.......... 114

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1

INTRODUÇÃO

Escravidão, imprensa, e sociedade: o protagonismo feminino na campanha abolicionista

tem por objetivo estudar a atuação feminina na campanha abolicionista, acrescentando assim,

novos dados historiográficos acerca dos estudos ligados a escravidão no Brasil. A pesquisa

desenvolvida pretende desconstruir a ideia de que o movimento pela abolição foi genuinamente

masculino, tendência hegemônica em grande parte da literatura existente sobre o assunto.

Ainda que a atuação feminina na campanha abolicionista tenha ocorrido em conjunto

com as ações masculinas, protagonizadas por ícones do movimento pela abolição – Joaquim

Nabuco, José do Patrocínio, André Rebouças, João Clapp e outros – o protagonismo feminino

foi de grande relevância na luta pelo fim da escravidão.

O estudo do movimento abolicionista tem sido constante em minha formação

acadêmica, desde a graduação. Nesse período já me interessava pelos desdobramentos do

movimento abolicionista no Brasil. Essa sede de investigação historiográfica surgiu a partir das

leituras: A Campanha Abolicionista, de José Murilo de Carvalho (1996); Minha Formação, de

Joaquim Nabuco (1974) e O abolicionismo, também da autoria de Joaquim Nabuco (2000).

A partir daí desenvolvi a monografia de final de graduação, intitulada: A Imprensa como

propagadora das ideias abolicionistas no Rio de Janeiro e a Sociedade Brasileira Contra a

Escravidão (1880 – 1888). No decorrer da referida pesquisa, ficou evidente para mim o quão

importante foram os periódicos no cenário sociopolítico do Brasil no final do século XIX.

Percepção essa reforçada pela leitura de a História da Imprensa no Brasil, de Nelson Werneck

Sodré, (1999). A partir desse material, passei a pesquisar os periódicos ligados ao movimento

abolicionista, e logo me deparei com O Abolicionista. Lançado em 1880, esse periódico,

segundo o Manifesto da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão (1880)1, tinha como principal

objetivo ser o órgão de imprensa da referida sociedade.

Para o Mestrado em Relações Étnico-Raciais decidi continuar a explorar o periodismo

leigo, contudo ampliei o quantitativo, ou seja, além de O Abolicionista trabalharei também com

A Novidade (Rio de Janeiro); A Reforma (Rio de Janeiro); Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro);

Gazeta da Tarde (Rio de Janeiro); Cidade do Rio (Rio de Janeiro); O País (Rio de Janeiro); A

Estação (Rio de Janeiro); Revista Ilustrada de Ângelo Agostini (Rio de Janeiro); Libertador

(Ceará); Ave Libertas (Recife); Vinte e Cinco de Março (Ceará) e Ceará Livre (Ceará).

Estendi também a abrangência geográfica, uma vez que os periódicos da Corte (Rio de

Janeiro) mantinham correspondência com outros, das mais diversas províncias do Brasil e,

mesmo com outros países. Os clubes, sociedades e associações abolicionistas surgiram em

diversas regiões do Império, dando um caráter nacional a luta pela escravidão. Essas

1 Daqui por diante utilizaremos a sigla SBCE ao nos referirmos a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão e CA para nos

referirmos a Confederação Abolicionista.

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2

instituições abolicionistas estabeleceram uma conexão internacional, em busca de apoio,

visibilidade e fortalecimento do movimento.

Ao fazer esse movimento de cruzamento de fontes e de leitura atenta dos periódicos,

observei que as mulheres foram também protagonistas desse movimento, tanto quanto os

homens. A historiografia atribui o mérito da campanha abolicionista às ações de Nabuco,

Patrocínio, Rebouças, Clapp, Dantas entre outros personagens masculinos. A participação

feminina é apenas comentada, mas não analisada. Dessa forma optamos por explorar outro

viés do movimento pela abolição: o protagonismo feminino. Para nossa surpresa, as fontes

também revelaram uma movimentação intencional no que tange a liberdade de mulheres

escravizadas. Identificamos que alguns periódicos que circulavam no Rio de Janeiro,

noticiaram que essas mulheres estavam sendo libertadas pela Câmara Municipal da Corte. Ao

observarmos atentamente a questão, depuramos que os políticos da Câmara Municipal se

utilizaram de dois mecanismos para libertar não só mulheres, mas também homens

escravizados. Esses eram: o Livro de Ouro e o Fundo de Emancipação Nacional.

Mediante essas informações, resolvemos dividir a pesquisa em dois momentos. No

primeiro, verificamos como essas sociedades, clubes e associações de caráter misto ou

exclusivamente feminino trabalharam as questões relativas à escravidão. As fontes estudadas

por nós, já revelaram a existência de um “associativismo” entre os/as abolicionistas, como

menciona Ângela Alonso (2011). Essa cooperação, muito tem a ver com a Confederação

Abolicionista, criada em 1883. A Confederação serviu como referencial para outras tantas

sociedades abolicionistas seja masculina, feminina ou mista.

No segundo momento, evidenciamos como se desenrolou o processo de libertação das

mulheres e homens escravizados em meio ao conturbado cenário político da campanha pela

abolição. Discutimos os anseios e motivações dos escravizados na busca pela própria

liberdade, assim como, a participação dos políticos cariocas, cuja documentação traz

importantes considerações acerca da “benevolência” destes para com os brasileiros e africanos

escravizados.

Limitamos a pesquisa aos anos de 1880 a 1888. Embora tenhamos conhecimento de

algumas sociedades abolicionistas mistas, cujas mulheres participaram de forma efetiva já a

partir de 1869, a exemplo da Sociedade Libertadora Sete de Setembro, localizada na Bahia,

optamos por recortar o nosso objeto a partir de 1880, por ser este um marco plenamente aceito

pela historiografia como período de efervescência do movimento abolicionista, encerrado em

1888, com a abolição da escravidão no Brasil.

Para este trabalho, o recorte temporal de oito anos representa transitar por importantes

acontecimentos históricos que estão intimamente ligados a tomada de consciência de gênero

por parte das mulheres, sua luta por liberdade frente ao regime patriarcal, cujas reivindicações

também se refletem no fim do sistema escravista. Ao estudar o protagonismo feminino na

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campanha abolicionista, é preciso compreendê-lo no âmbito da busca por liberdade atrelada

aos direitos civis e naturais.

Desenho dos capítulos

No Capítulo I, apresentamos ao leitor alguns pontos relevantes da Sociedade Brasileira

Contra a Escravidão (SBCE) e da Confederação Abolicionista (CA). Entendemos que a

compreensão dos fatos históricos decorrentes da criação da SBCE e posteriormente da CA,

ajudam no entendimento acerca do período de efervescência do movimento abolicionista, ou

seja, de 1880 a 1888. Não obstante, é verossímil o fato de que a CA acabou por se tornar um

forte centro disciplinador da política contra a manutenção do regime servil no Brasil. Por tal

razão, os diversos clubes, sociedades e associações passaram, a partir de 1883 com a criação

da Confederação Abolicionista, a remeter-se a mesma informando suas ações, tais como:

festivais promovidos, alforria concedidas, discursos pronunciados, criação de novas

sociedades contra a escravidão seja de caráter masculino, mista ou exclusivamente feminino.

Enfim, em termos de centralização política e da militância abolicionista, a CA desempenhou um

relevante papel.

No Capítulo II analisaremos o protagonismo das mulheres abolicionistas brasileiras do

final do século XIX. Essa participação ativa se fez a partir da criação de sociedades, clubes e

associações contra a escravidão. Essas mulheres não estiveram alheias aos problemas sociais

decorrentes da liberdade dos escravizados. As fontes apresentam indicativos de que as

mesmas se preocupavam com a conquista de direitos civis dos ex-cativos. Elas incluíram

nessa briga a criação de escolas para a educação dos ex-escravizados, ação que se

enquadrava perfeitamente nas reivindicações das próprias mulheres em fins do século XIX.

Ainda nesse capítulo traçamos o perfil social de algumas mulheres abolicionistas,

indicando uma forte presença das mulheres das elites intelectual e financeira. Contudo, embora

seja fato a presença das senhoras da elite imperial, observamos a presença de mulheres

trabalhadoras, das classes médias, marcando presença na conflituosa arena política e social

do Império, formando de maneira independente, sociedades abolicionistas.

Na composição desse capítulo trabalhamos com escritos jornalísticos, ações sociais,

posicionamento político, ou seja, as produções realizadas pelas senhoras abolicionistas,

registradas nos periódicos, nos discursos dos clubes abolicionistas, bem como no Dicionário

das mulheres do Brasil. Ao observar os perfis sociais de algumas mulheres que lutaram pela

causa abolicionista, Schumaher e Brazil (2000), deixam indicativos importantes acerca da

participação feminina na campanha pela abolição. As mulheres apresentadas pelos autores

estão presentes em algumas das fontes trabalhadas em nossa pesquisa, a exepmlo de: Maria

Inês Sabino Pinto Maia, fundadora da Ave Libertas, Elisa da Faria Souto, fundadora da

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4

Sociedade Libertadoras Amazonenses e de Maria Augusta Generoso Estrela, integrante do

Clube Abolicionista do Recife. Verificamos que os periódicos: Libertador, Gazeta de Notícias e

Gazeta da Tarde apresentam informações importantes acerca das respectivas sociedades.

Sendo assim, a obra de Schumaher e Brazil foi de grande valia para o nosso objeto de estudo,

ou seja, as mulheres abolicionistas, em particular as das elites intelectual e econômica.

No Capítulo III, procuramos compreender a dinâmica das libertações femininas. Para

isso, analisamos qualitativa e quantitativamente todas as cerimônias de libertação do Livro de

Ouro da Câmara Municipal da Corte, bem como as libertações oriundas do Fundo de

Emancipação Nacional (relativo ao município neutro). Além dessas libertações buscamos

mostrar que a presença das mulheres negras fosse alforriada ou escravas, implicava

diretamente no cotidiano das emancipações na Corte, aja vista que, essas mulheres lutaram

pela própria liberdade estendendo seus anseios emancipacionistas aos seus filhos e esposos.

A respeito do Livro de Ouro, o leitor poderá verificar como as notícias jornalísticas acerca

deste, circularam na Corte. Verá também, que o respectivo livro serviu de estratégia política

para os vereadores cariocas da Câmara Municipal. Como indicam Castilho e Cowling (2010):

Freedom, popularizing Politics: Abolitionism and Local Emancipation Funds in 1880s Brazil,

houve fortes indícios de fraude nos processos de liberdade realizados pela Câmara Municipal

da Corte. Sendo assim, o Capítulo III do presente estudo tentará mostrar que o enredo da

campanha pela abolição, não esteve restrito as ações masculinas dos importantes

abolicionistas, consagrados pela historiografia brasileira. Nossa intenção é tentar mostrar que

existiu um movimento feminino extremamente significativo na campanha pelo fim do regime

servil no Brasil.

Em relação a Corte, será possível identificar que realmente as mulheres escravizadas

tiveram prioridade nas libertações. Entretanto, o jogo pela liberdade era muito mais complexo,

estratégico e doloroso para aqueles que sofriam os horrores da escravidão. Notadamente,

percebemos que a elite imperial tentou a todo custo ditar o ritmo das libertações e, embora não

possuísse o apoio completo dos abolicionistas no que tange ao processo emancipacionista

desencadeado, a Câmara Municipal fazia a sua parte realizando festas e quermesses

beneficentes, concertos musicais, além de arrecadar donativos de empresas públicas e

particulares. Tudo em benefício do Livro de Ouro, pois os valores oriundos do Fundo de

Emancipação eram distribuídos pelo Estado. Em meio a esse complexo jogo de interesses aos

cativos alimentava o desejo por liberdade, apreços familiares e sobrevivência de si e da própria

linhagem. Por isso entendemos que a campanha abolicionista na Corte, e de modo geral no

Brasil, foi extremamente diversifica em termos de posicionamentos políticos, sociais e

econômicos. Desta forma, podemos dizer que as mulheres escravizadas, libertas ou da elite

imperial não estiveram alheias ao processo que extinguiu a escravidão no Brasil.

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As fontes

Os periódicos: O Abolicionista, Gazeta da Tarde, Gazeta de Notícias, Libertador, A

Novidade, A Estação, Ave Libertas, Vinte e Cinco de Março, Ceará Livre, e o A Reforma.

Foram os jornais que serviram de suporte para fundamentarmos os Capítulos I e II. Esses

periódicos trazem importantes informações acerca da SBCE, Confederação Abolicionista e das

senhoras que lutaram em prol da libertação dos escravos.

Na composição do Capítulo III, utilizamos a documentação oriunda da Câmara

Municipal da Corte, encontrada no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, além dos

demais periódicos listados para esse estudo. Desta forma, o objetivo principal deste capítulo é

analisar a dinâmica das libertações femininas decorrentes do Livro de Ouro e do Fundo de

Emancipação Nacional. Ambos concernentes ao município neutro (Rio de Janeiro). Nesse

sentido, a lei de 28 de setembro de 1871 (Ventre Livre), serviu como prerrogativa legal para a

inicialização desse processo emancipatório feminino.

A partir das reportagens dos demais periódicos listados, buscaremos trazer para o leitor

como se apresentava a atmosfera política e social da Corte, principalmente no que dizia

respeito às libertações decorrentes da Câmara Municipal. Também discutiremos ao longo

deste capítulo, as motivações que fizeram das mulheres escravizadas prioridade no processo

emancipatório. Analisamos quantitativa e qualitativa as libertações tanto do Livro de Ouro,

quanto do Fundo de Emancipação.

No que se refere ao Livro, cruzamos os dados da Câmara Municipal da Corte, com os

publicados pela Gazeta de Notícias. O resultado dessa interseção nos revelou que a Gazeta

cobriu durante três anos consecutivos as cerimônias de libertação do Livro de Ouro, de 1885 a

1888. A pesquisa também revelou que os políticos cariocas da Câmara Municipal, repassaram

informações privilegiadas acerca das libertações aos editores da Gazeta de Notícias. A

movimentação de libertações desencadeadas pela Câmara da Corte, fez com que os

vereadores recebessem diversos processos de pedido de liberdade abertos por escravas ou

libertas. Essas mulheres se utilizaram dos recursos disponíveis para incluir a si próprias, seus

filhos ou cônjuges nas listagens de libertação, não importando se seria através do Livro de

Ouro ou Fundo de Emancipação Nacional.

A relação dialógica entre as respectivas fontes foram consubstanciadas pelo conjunto

teórico presentes nos diversos estudos historiográficos que tratam da escravidão no Brasil.

Trataremos dessa literatura, a seguir.

A respeito do O Abolicionista, este foi o periódico que serviu como órgão de imprensa

para a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão. Hoje, apenas dois exemplares deste jornal

estão disponíveis na Biblioteca Nacional. Entretanto, sabemos que o mesmo circulou por um

ano, entre 1880 a 1881. Leonardo Dantas Silva, em co-edição com o Ministério da Ciência e

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Tecnologia – CNPq/ Comissão de Eventos Históricos e Fundação Joaquim Nabuco, organizou,

em 1988, o fac-símile deste jornal, editado entre 1º de novembro de 1880 a 1º de dezembro de

1881. Observamos que a publicação se dava mensalmente, e cada exemplar custava $200

réis. Segundo o próprio jornal, os assinantes receberiam além do periódico, todos os panfletos

avulsos publicados pela SBCE por um valor anual de 5$000 réis para a Corte e 7$000 réis para

as demais províncias. A impressão do periódico era feita na Tipografia da Gazeta de Notícias,

localizada à Rua Sete de Setembro, nº 72, Rio de Janeiro.

A linha editorial do jornal era liderada por Joaquim Serra, um lutador incansável do

abolicionismo (Sodré, 1999, p. 234). Foi ele o criador da moderna imprensa política. Serra foi

uma figura resplandecente na história da abolição pela seriedade, constância, sacrifício e

heroísmo de seu incomparável combate de dez anos, dia a dia, até a vitória final de 13 de maio

(Sodré, op.cit., 1999 apud Segismundo, 1962).

O Abolicionista começava com um sumário, seguido do Editorial. Em seguida vinham as

sessões. A primeira era chamada de tópicos do mês, onde o periódico trabalhava temas

diversificados, porém todos ligados à escravidão; a segunda, os expedientes, era usado como

carta resposta as provocações recebidas pelos jornalistas abolicionistas; na terceira sessão

tinha-se os comunicados, onde eram anunciadas libertações de escravos, surgimento de

sociedades contra escravidão, resultados de votações para o congresso, além do recebimento

de correspondências de abolicionistas internacionais ou a presença dos mesmos no Brasil. Por

ultimo, vinham os avisos, cujo objetivo era enfatizar a necessidade de circulação do periódico

em outras províncias. Para os redatores de O Abolicionista, o valor pago pelo jornal era baixo,

justamente para atingir o maior número de leitores possíveis.

A Gazeta de Notícias foi um importante periódico que circulou no Rio de Janeiro de

1875 a 1942. Talvez tenha sido um dos periódicos com circulação diária mais importante de

sua época, onde grandes nomes escreveram em suas páginas. Dentre estes, Machado Assis,

José do Patrocínio, Euclides da Cunha, Eça de Queiroz e outros. Fundado por Manuel

Carneiro, Ferreira de Araújo e Elísio Mendes, a Gazeta de Notícias conseguia entreter seu

público com premiações diversas, notícias sobre saúde, beleza, educação, medicina, religião,

imigração e polícia, ao mesmo tempo em que apresentava íntegras dos discursos

abolicionistas. Aliás, a relação da Gazeta de Notícias com a campanha abolicionista tem início

em 1879, quando esta passou a informar a relação de escravos a serem libertados pelo fundo

de emancipação2.

2

O fundo de emancipação foi criado a partir do art. 23, da Lei nº 2040, de 28 de Setembro de 1871, conhecida como Ventre Livre. De acordo com a lei, “serão anualmente libertados em cada província do Império tantos escravos quanto corresponderem à quota

disponível do fundo destinado para a emancipação”. O objetivo do fundo era libertar os escravizados por meio da compra de alforriais. A respeito do “fundo de emancipação” e seus desdobramentos , ver o trabalho de Celso Castilho & Camillia Cowling. Unding Freedom, popularizing Politics: Abolitionism and Local Emancipation Funds in 1880s Brazil. 2010.

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O periódico também passou a cobrir, a partir de 1885, as cerimônias de libertação do

Livro de Ouro Câmara Municipal da Corte. Esse livro era um recurso filantrópico de forte

caráter simbólico, cujo objetivo era angariar donativos dos diversos segmentos sociais do

império. O dinheiro poderia vir através de doações particulares, quermesses beneficentes,

peças teatrais e concertos musicais. Os valores arrecadados eram utilizados na compra de

alforrias para a libertação de mulheres e homens escravizados. Assim, o conjunto monetário

obtido, servia de pagamento indenizatório aos proprietários de escravos. Além da cobertura

das dez cerimônias de libertação do Livro de Ouro, a Gazeta de Notícias ainda manteve outros

diversos artigos relacionados à questão da escravidão. Seu escritório ficava a Rua do Ouvidor,

nº 70, Rio de Janeiro, a tipografia (impressão) localizava-se a Rua Sete de Setembro, nº 72,

também na Corte.3 Nos anos inicias, a assinatura mensal da Gazeta custava 1$000 réis (um

mil réis), e o número avulso $40 réis. Para os assinantes da Corte, trimestralmente pagava-se

3$000 réis e anualmente 12$000 réis. Já os clientes das provinciais pagavam por semestre

8$000 réis e por ano 16$000 réis. A partir de 1900, os valores das assinaturas sofreram

pequenos ajustes.

A Gazeta da Tarde assim como a Gazeta de Notícias, foi um dos jornais de circulação

diária mais vendido no Rio de Janeiro (Sodré, 1999, p.266). Fundado por Ferreira de Meneses,

em 1880, circulou até 1901. Menezes era um abolicionista negro de bastante respeito na Corte,

entretanto, não pode ver a vitória dos abolicionistas em treze de maio de 1888, já que falecera

em 06/06/1881. Em 08/06/1881, a Gazeta de Noticias trouxe uma imensa matéria exaltando os

feitos e o caráter de Ferreira de Menezes. Na reportagem, é possível verificar o quão

importante era a figura de Menezes para o abolicionismo brasileiro e, pela nossa contagem, ao

menos doze comissões de sociedades abolicionistas estiveram no velório do jornalista, sem

contar as inúmeras pessoas de boa influência no Império.

Com o falecimento de Menezes, José do Patrocínio assumiu a direção da Gazeta da

Tarde, que por sua vez tornava-se mais militante do que a Gazeta de Notícias no que tange as

questões abolicionistas (Carvalho, 1996, p.11). Sob a direção de Patrocínio, os serviços da

Gazeta da Tarde estavam centralizados em um mesmo local, ou seja: o escritório, a tipografia

e a redação ficavam à Rua da Uruguaiana, nº 43, Rio de Janeiro. Com Patrocínio, a Gazeta da

Tarde foi mais incisiva nos temas ligados à escravidão, contudo, não deixou de publicar

anúncios de saúde, beleza, política, questões sociais e notícias internacionais.

Em 1887, Patrocínio deixou a direção da Gazeta da Tarde para fundar outro jornal: A

Cidade do Rio. A partir dessa data, a Gazeta da Tarde estampava em sua página inicial o

nome do seu fundador, bem como do seu atual proprietário, Luiz Ferreira de Moura Brito. Com

Brito na direção, há um redimensionamento dos serviços do jornal, ou seja, o escritório e a

3 Observa-se que os jornais O Abolicionista e a Gazeta de Notícias eram impressas no mesmo endereço.

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redação passaram para a Rua do ouvidor nº 144, enquanto a tipografia foi transferida para a

Rua do Sacramento, nº 8. Os dois locais também ficavam na Corte, e o periódico era vendido

avulso por $40 réis. Ao longo dos anos os valores das assinaturas não sofreram alterações.

Dessa forma, os assinantes da Corte pagavam por semestre 6$000 réis, e por ano 12$000 réis.

Já os assinantes das províncias, pagavam semestralmente 8$000 réis e anualmente 15$000

réis.

A Novidade surgia em janeiro de 1883. Conforme escrevia em sua edição de número nº

1, o jornal aparecia para substituir outro: Mascote. De acordo com os redatores, o novo jornal

se dedicaria a partir de então “as moças novas”. A Novidade se designava uma “folha crítica,

literária e recreativa”, e era publicado quinzenalmente. Aos assinantes do Mascote, A Novidade

só seria entregue caso esses estivessem recebido até o número 80 do antigo jornal. Do

contrário, as assinaturas deveriam ser refeitas no escritório a Rua 7 de setembro, nº 143 (Rio

de Janeiro), sede do novo periódico. Mensalmente, a nova folha custava aos assinantes $200

réis, trimestralmente $600 réis e anualmente 2$000 réis. A tipografia (impressão) era feita no

mesmo endereço do escritório. Na primeira página estampava-se o nome dos proprietários e

redatores: B.C. de Faria e J. P. Machado.

Na edição de nº 10, em julho de 1883, A Novidade sob o título: “Senhoras

Abolicionistas”, trazia um balanço do processo de emancipação da mu lher no século XIX. A

folha mostrava que a mulher moderna não era “mais fraca e submissa” ao homem. De acordo

com o artigo, os novos avanços da época tinham a intervenção e atuação feminina, e por esse

motivo, escrevia o jornal: “a mulher entendeu que deveria prestar o seu valioso apoio aos

escravos”. A reportagem se referia à criação do Clube das Senhoras Abolicionistas que

aparecia na Corte. Através dessa passagem, podemos diagnosticar que a figura feminina

assumia um papel de protagonismo em meio ao conturbado cenário político da campanha pela

abolição.

Em 1879, era criado no Rio de Janeiro o jornal A Estação. Embora fosse um jornal de

moda parisiense dedicado às senhoras brasileiras, A Estação demonstrava em suas páginas

toda a simpatia que tinha pelas questões abolicionistas. O mesmo era publicado sempre nos

dias 15 e 30 de cada mês, sua assinatura anual para a Corte custava 12$000 réis, já para as

demais províncias 14$000 réis. No adentrar dos anos de 1900, o número avulso custava 1$500

réis, os assinantes também poderiam receber o exemplar do jornal pelo correio registrado,

porém pagariam 1$700 réis. Após onze anos de circulação, a assinatura anual passava a

custar 26$000 réis na Corte e 28$000 réis nas províncias. Por seis meses pagava-se 14$000

réis na Corte e 15$000 nas províncias. A Livraria Lombaerts & Companhia era a editora e

proprietária do jornal de moda, cujo endereço ficava a Rua dos Ourives nº 7 (Rio de Janeiro).

Identificamos que diversos números do A Estação foram enviados a Gazeta da Tarde,

do abolicionista radical José do Patrocínio. Estava certo que através de Patrocínio, o apoio do

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jornal de moda feminina chegava aos demais membros da Confederação Abolicionista. O jornal

de moda realizava criticas aos políticos do Império, principalmente no que tange a manutenção

do regime servil no Brasil, e embora A Estação tenha sido um jornal voltado para as senhoras

da elite imperial, notamos que em suas páginas o viés informativo-político era bastante forte, já

que ora se articulavam com a ala abolicionista, ora faziam transitar ideias emancipacionistas

entre as mulheres da alta sociedade do Império. Infelizmente, não sabemos se a ideia de

emancipação dos escravos foi bem aceita por todas as leitoras do jornal. Contudo, o que se

pode apurar, é que no bojo da campanha pela abolição, um jornal de moda feminina não

estave alheio às questões políticas e sociais de sua época.

A folha, como se identificava O País, fora criada em 1884 (ano de extrema importância,

pois se deu a abolição da escravidão no Ceará). O periódico circulou até 1930. No ano de

1885, Quintino Bocaiuva assumia a direção do periódico e a função de redator-chefe. Bocaiúva

substituía Rui Barbosa no respectivo cargo, já que Rui, por motivos políticos, deixava a função

após três dias no posto.

Grandes jornalistas, juristas e intelectuais escreveram em O País. Dentre alguns

podemos citar: Anésia Pinheiro Machado, Rui Barbosa, Aristides Lobo, Alcindo Guanabara,

Urbano Duarte e Joaquim Nabuco4. O jornal foi um veículo bastante importante no que se

refere à propagação das ideias abolicionistas, assim como fez, propagando também com

grande intensidade, o ideário republicano. Em sua primeira página, via-se estampado o letreiro:

“É a folha de maior tiragem e de maior circulação da América do Sul”. Até o ano de 1889 O

País também mostrava na página principal o nome do seu fundador: João José dos Reis

Junior, mais tarde chamado de Conde de São Salvador do Matosinhos. No adentrar de 1900, o

letreiro da página inicial passava a indicar que o jornal pertencia a uma sociedade anônima.

Embora atuasse em favor da abolição, o jornal dirigido por Quintino Bocaiúva não era

bem visto por José do Patrocínio (um dos principais líderes da campanha abolicionista). No

periódico a Cidade do Rio, em 05 de janeiro de 1889, Patrocínio escreveu um artigo para

4 Anésia Pinheiro Machado – nasceu em Itaí, Município do Estado de São Paulo. Foi feminista, participou do I Congresso

Feminista Internacional como delegada da Liga Paulista pelo Progresso Feminino. Na comemoração do centenário da

independência, seu vôo interestadual realizado entre Rio a São Paulo foi considerado uma divulgação do movimento feminista. Devido a sua façanha, recebeu os cumprimentos do próprio Santos Dumont. Ruy Barbosa de Oliveira – nasceu no Estado da Bahia. É considerado um dos personagens mais conhecidos da história do

Brasil. Fixou-se no Rio de Janeiro em 1879, ao ser eleito para a Assembléia Legislativa da Corte Imperial, ganhou prestígio como orador, jurista e jornalista defensor das liberdades civis. Participou da Campanha Abolicionista ao lado de Joaquim Nabuco e José do Patrocínio.

Aristides da Silveira Lobo – nasceu no Estado da Paraíba, embora tenha passado parte de sua infância em Alagoas. Foi jurista, político e jornalista republicano, também participou da Campanha Abolicionista ao lado de Joaquim Nabuco e José do Patrocínio. Alcindo Guanabara – nasceu em Magé, Município do Estado do Rio de Janeiro. Em 1886 juntou-se a José do Patrocínio no Jornal de vertente abolicionista a Gazeta da Tarde. Foi um respeitado jornalista e político brasileiro, sagrou-se senador durante a

República Velha (ou Primeira República). É membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Urbano Duarte de Oliveira – nasceu em Lençóis, Município do Estado da Bahia. Cultivou desde cedo as letras e a vida literária, participou do grupo boêmio de Olavo Bilac e, durante mais de 20 anos colaborou em órgãos da imprensa, como a Gazeta Literária, O País e Correio do Povo. Foi militar, jornalista, cronista, humorista e dramaturgo. É membro fundador da Academia Brasileira de

Letras.

Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo – nasceu em Recife, capital do Estado de Pernambuco. Foi político, diplomata, historiador, jurista e jornalista. Formou-se pela Faculdade de Direito do Recife, e é considerado um dos nomes mais importantes do abolicionismo brasileiro. Também é membro fundador da Academia Brasileira de Letras.

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explicar suas considerações acerca de Bocaiuva e a participação deste na campanha

abolicionista. Com o título “à ponta de pena”, Patrocínio dizia:

“O sr. Quintino Bocaiúva não se imiscuiu na propaganda abolicionista senão depois que estava patente o seu próximo triunfo, e quando o sr. visconde de S. Salvador de Matosinhos assegurou-lhe um salário para defender no O País a causa dos cativos. Até assumir a chefia da redação desse jornal, o sr. Quintino Bocaiúva não passava de um inimigo dissimulado do abolicionismo; entendia que esta propaganda era um mergulho no abismo. Quando comprei o jornal que hoje desonra a memória de Ferreira de Meneses, o sr. Quintino Bocaiúva lá havia escrito dois artigos, que eram a negação absoluta do programa que o seu fundador havia traçado. O chefe do jornalismo não trepidou profanar as ideias do batalhador recentemente morto. Não é ingratidão contar as coisas como se deram. Reconheço que O País foi um dos poderosos fatores para o desenlace de 13 de maio, mas o trabalho abolicionista, propriamente dito, não era do sr. Quintino Bocaiúva, e sim de Joaquim Nabuco, que chegou com o prestígio extraordinário da sua eleição inesperada, e sobretudo de Joaquim Serra, nos seus Tópicos do Dia” (Carvalho, 1996, p.256).

De 1884 a 1889, O País era vendido a $40 réis avulso. A assinatura para Corte e Niterói

custava 12$000 réis anualmente e, para as demais províncias 16$000. A partir de 1900, o

preço do periódico passou a ser de $100 réis avulso. A assinatura anual passou a ser de

30$000 réis, sem distinção para as províncias, semestralmente pagava-se 16$000 réis. A

Redação do jornal ficava a Rua Moreira Cesar, nº 63 e 65 (antiga rua do ouvidor) no centro do

Rio de Janeiro. A tiragem (venda) chegava aos 25.000 exemplares já no ano de 1889.

O jornal Libertador serviu como órgão de imprensa da Sociedade Abolicionista

Cearense, fato que se assemelha ao O Abolicionista vinculado a SBCE. Segundo informava o

periódico, sua publicação dava-se de forma quinzenal, cuja propaganda era de interesse

exclusivo para questões abolicionistas, aceitando qualquer publicação concebida nos termos

do seu programa. Vendido a $40 réis avulso, o jornal em sua primeira página informava que

não possuía assinantes, fazia apenas o pedido para que a sociedade cearense o prestigiasse.

De acordo com a pesquisa realizada na Biblioteca Nacional (RJ), o periódico circulou de 1881 a

1890.

No que se refere a organização das sessões, O Libertador apresentava primeiramente o

sumário, tão logo seguiam-se as matérias. A segunda sessão era intitulada Gazetinha, onde

apresentava notícias de outros periódicos, seguido de mais artigos, muitos dos quais sem

assinatura; em seguida vinha à sessão dos expedientes, com publicações de discursos,

relatórios abolicionistas, contatos entre sociedades que lutavam contra a escravidão e etc. A

quarta e a quinta sessões eram respectivamente literatura e folhetins, cujo objetivo era

apresentar considerações acerca da escravidão, em seguida poemas, versos e pensamentos

de escritores diversos. E por ultimo, vinha à sessão dos anúncios. O jornal era impresso na

tipografia brasileira, localizada a Rua formosa, nº 19, Fortaleza.

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Podemos observar nas diversas matérias e artigos dos periódicos até então analisados,

um intenso contato entre a Sociedade Abolicionista Cearense, a Sociedade Brasileira Contra a

Escravidão e outras sociedades abolicionistas espalhadas pelo Império, demonstrando uma

intensa rede de cumplicidade entre aqueles que lutavam pelo fim da escravidão no Brasil.

Outro jornal trabalhado em nossa pesquisa foi A Reforma. Sobre ele Sodré (1999,

p.202) informa que

“A 12 de maio de 1869, aparecia, na Corte, A Reforma; seu manifesto de lançamento, de março, era assinado por José Tomás Nabuco de Araújo, Bernardo de Sousa Franco, zacarias de Góis e Vasconcelos, Antônio Pinto Chichorro da Gama, Francisco José Furtado, José Pedro Dias de Carvalho, João Lutosa da Cunha Paranaguá, Teófilo Benedito Otoni e Francisco Otaviano de Almeida Rocha. O novo jornal seria impresso na tipografia da Francisco Sabino de Freitas Reis, comprada, adiante, pelo Centro Liberal; teve oficina própria, por volta de 1870. A Reforma defendia o programa liberal: reforma eleitoral, reforma judiciária, abolição de recrutamento militar e da Guarda Nacional, abolição da escravatura. Fala grosso: “Ou a reforma ou a revolução”.

O jornal era vendido avulso por $100 réis. Os anúncios poderiam ser feitos a $60 réis.

As assinaturas poderiam ser anuais 20$000 réis, semestrais 10$000 réis, ou ainda por nove

meses a 15$000 réis. Havia ainda a opção de assinaturas trimestrais, pelo custo de 5$000 réis

para Corte e 6$000 para as províncias. Abaixo do quadro de valores das assinaturas, vinha o

informativo: “a assinatura paga-se adiantada, pode começar em qualquer dia, mas termina

sempre no fim de março, junho, setembro ou dezembro”. Na primeira página como uma

espécie de ironia o jornal escrevia: “não se admitem testas de ferro”, além de formalizar que

era “um órgão democrático”. O escritório ficava localizado a Rua do Ouvidor, nº 48, na Corte.

As correspondências internacionais foram de grande importância para as estratégias de

articulação inter e extra-fronteiras, bem como o discurso feminino e sua abrangência. As

correspondências trabalhadas nessa pesquisa são oriundas das senhoras abolicionistas

inglesas, enviadas em 1869 e 1878. A primeira fora encaminhada à Imperatriz do Brasil, cuja

autoria é da Sociedade das Senhoras Amigas dos Negros de Birmingham, e a segunda

enviada pela Sociedade pela Emancipação das Senhoras de Edimburgo, dirigida também à

Imperatriz do Brasil. A carta de 1869 foi publicada no jornal A Reforma de 10/12/1869 e

reproduzida no jornal O Abolicionista de 01/12/1880. As correspondências de 1878 foram

publicadas por Rocha (2009).

No calor do movimento abolicionista, a Revista Ilustrada de Ângelo Agostini também foi

utilizada em nossas observações jornalísticas. Até porque, Agostini além de ser abolicionista,

era bastante admirado pelos membros da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão. A Revista

Ilustrada surgia em 1º de Janeiro de 1876, como

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“um dos grandes acontecimentos da imprensa brasileira. Sua popularidade foi algo muito grande; aparecia aos sábados, vendia a 500 réis o exemplar, com assinaturas anuais a 12$000 e 20$000, para a capital e para o interior, respectivamente. [...] A tiragem atingiu 4000 exemplares, índice até aí não alcançado por qualquer outro períodico ilustrado da América do Sul, regularmente distribuído em todas as províncias e nas principais cidades do interior, com assinatura por toda parte” (Sodré, 1999, p.197).

Através das suas caricaturas e sátiras, Agostini mostrava o cotidiano imperial com muito

humor e crítica a sociedade, aos políticos da época, não poupando se quer a figura do

Imperador do Pedro II. Para Joaquim Nabuco, a Revista Ilustrada era a “Bíblia da abolição dos

que não sabem ler” (Ibid., p. 218).

No que se refere à ligação de sociedades abolicionistas e imprensa, o presente trabalho

também se debruçará sobre as fontes oriundas da Sociedade de Senhoras de Pernambuco,

conhecida como Ave Libertas. Em 1885, as senhoras abolicionistas editaram um folheto

possuindo quatro páginas, o objetivo era comemorar um ano de atividade da sociedade de

senhoras, além de homenagear o aniversário da abolição na Província do Ceará, ocorrida em

1884. Não sabemos se os exemplares foram distribuídos gratuitamente ou se custaram algum

valor. Vale ressaltar que em sua capa, estampou-se a imagem de Leonor Porto, então líder e

presidente da sociedade de senhoras. Os artigos que compõe o folheto, os quais discutidos no

Capítulo II - foram impressos na tipografia mercantil, localizada em Recife.

Segundo o Libertador (Órgão da Sociedade Abolicionista Cearense), ainda no calor da

abolição no Ceará, foram publicados dois jornais em edição única: Vinte e Cinco de Março e o

Ceará Livre. De acordo com a matéria, os mais respeitados escritores jornalísticos de

Pernambuco escreveram em ambos os jornais. No que tange ao Vinte e Cinco de Março, este

teve sua publicação em 1884. O mesmo se assemelha ao folheto da Ave Libertas, pois

também homenageava a província do Ceará pelo mérito de ter abolido a escravidão. Lendo as

notícias, que perfaziam quatro páginas, podemos identificar que a produção comemorativa foi

realizada por uma congregação de tipógrafos, provavelmente todos residentes no Rio de

Janeiro, já que a tipografia responsável pela edição foi a de Augusto dos Santos - localizada a

Rua da Carioca, nº 31 na Corte.

O Ceará Livre apresenta três edições disponíveis na Biblioteca Nacional,

referentes a março, maio e setembro de 1884. Infelizmente não foi possível identificarmos

quanto custou às edições do jornal, todavia, informações bastante importantes foram escritas

nas páginas do Ceará Livre. Dentre as quais podemos citar: diversos poemas de cunho

abolicionista; questões acerca da lei de 28 de setembro de 1871 (Ventre Livre); além da

movimentação de alforrias concedidas pelo Clube Abolicionista Ceará Livre. Em relação a este

último assunto, trataremos dele mais especificamente ao longo do Capítulo II. As impressões

do jornal foram realizadas pela tipografia Apollo, localizada a Rua do Hospício 79, no Recife.

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Diálogo com a literatura

A pesquisa desenvolvida a partir do periódico O Abolicionista dialoga e/ou apoia-se

com/em algumas obras de referência. Uma delas é o livro de Antonio Penalves Rocha (2009):

Abolicionistas brasileiros e ingleses: a coligação entre Joaquim Nabuco e a British and Foreign

Anti-Slavery Society (1880 – 1902). A importância desse trabalho reside no estudo minucioso

das correspondências trocadas entre Joaquim Nabuco e a British and Foreign Anti-Slavery

Society (BFASS); além de analisar o periódico Anti-Slavery Reporter, que era o órgão de

imprensa da BFASS. De posse de novas fontes históricas, Rocha acrescentou novas

informações aos estudos existentes, o que nos permitiu atualizar as reflexões sobre a temática

e, ampliar o campo de percepção de nosso objeto.

Rocha dialoga com vários autores, dentre eles José Murilo de Carvalho, e informa que

na obra Campanha Abolicionista, o autor cometeu alguns equívocos. O primeiro refere-se ao

nome da sociedade abolicionista inglesa, que de acordo com José Murilo, chamava-se British

and Foreign Society for the Abolition of Slavery. Segundo Rocha, “nunca existiu uma sociedade

abolicionista inglesa com esse nome”. A outra correção reside no fato de José Murilo ter

incluído João Clapp como fundador da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão (SBCE). Para

Rocha, “Clapp não participou da fundação da SBCE”. Voltaremos a essa questão ao longo da

dissertação.

De acordo com Rocha (op.cit.p. 29-30), “a sociedade brasileira contra a escravidão não

se inspirou nem no internacionalismo da BFASS tampouco nos fortes sentimentos religiosos

antiescravistas que alicerçaram a ação da associação britânica”. A indagação que surge com a

afirmativa acima é: se os abolicionistas brasileiros não se inspiraram no modelo inglês, então

se inspiram em quem? Ou o grupo de Patrocínio, Rebouças e Nabuco criou seu próprio modelo

de sociedade e órgão divulgador? Essas questões são discutidas em nosso trabalho,

principalmente no Capítulo I.

Ao falarmos da SBCE, a obra de Fonseca (1887): A escravidão, o clero e o

abolicionismo, indica-nos que dez anos antes da criação da SBCE, ou seja, em 1869, uma

sociedade abolicionista baiana de composição mista, possuindo no seu bojo homens e

mulheres, já agia com um jornal servindo como órgão de imprensa, bem como realizava ações

filantrópicas e conscientização da população em relação aos problemas relativos a escravidão.

Contudo, é importante verificar que a BFASS foi criada em 1839; nos anos de 1879-1880,

firmam contato com Joaquim Nabuco, que se torna correspondente oficial da sociedade

abolicionista inglesa; em 1880 é criada a SBCE e posto em circulação O Abolicionista. A

pergunta que fica é: a criação da SBCE e seu órgão divulgador O Abolicionista, não se deram

de modo fortuito, desta forma, seria pertinente acreditarmos que o grupo de Nabuco tenha se

inspirado tanto no modelo brasileiro, quanto no inglês?

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Voltando a Rocha, seu trabalho contraria boa parte das obras5 que abordam o

abolicionismo inglês, principalmente no que concerne a British and Foreign Anti-Slavery

Society. Para ele,

“É muito comum também a omissão de informação especializada sobre o nome da associação com a qual Joaquim Nabuco se relacionou. Evaldo Cabral de Melo, e Isabel A. Marson e Célio R. Tasinafo chamam-na simplesmente de Anti-Slavery Society. A bem da verdade, a Society for the Mitigation and Gradual Abolition of Slavery throughout the British Dominions (1823 - 1839), a British and Foreign Anti-Slavery Society (1839 – 1909) e a Anti-Slavery and Aborigines Protection Society (1909 – 1990) foram chamadas pelos seus respectivos membros, inclusive por Joaquim Nabuco, de Anti-Slavery Society por razões ideológicas, ou seja, para indicar a organicidade de todo o movimento abolicionista britânico. A reprodução dessa auto-imagem de diversos abolicionistas ingleses pode provocar mal-entendidos, que, no extremo, causam graves equívocos como no caso de José Almino de Alencar, pois, a rigor, Anti-Slavery Society foi tão-somente o apelido da Sociedade fundada em 1823” (Rocha, 2009, p. 30).

Esses fatores revelam novos horizontes no que se refere à inspiração dos

abolicionistas, o que a nosso ver merece uma atenção especial, tendo em vista que sociedades

brasileiras praticaram semelhantes ações como as realizadas principalmente na Inglaterra.

Sendo assim, a obra de Rocha nos revela a pequena ponta de um imenso ice berg, o qual

indica que os desdobramentos do movimento abolicionista brasileiro tiveram dimensões

internacionais bastante significativas. E diante desse fato, o presente trabalho se concentrará

em observar o movimento abolicionista a partir de uma ótica pouco convencional, se

diferenciando das demais pesquisas sobre o movimento abolicionista, qual seja, a ação

feminina no enredo da campanha pela abolição.

Na tentativa de compreender o nosso objeto de estudo, relemos com cuidado tanto os

trabalhos clássicos sobre escravidão, assim como os mais recentes sobre intelectuais

abolicionistas, e, sobretudo aquelas que mostram o protagonismo das mulheres na história do

Brasil. Foram elas: Mulheres negras no Brasil escravista e do pós-emancipação,

organizadores: Giovana Xavier, Juliana Barreto Farias e Flavio Gomes, (2012); Liberata: a lei

da ambiguidade – as ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro, século XIX,

de Keila Grinberg (1994); Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão,

de Sidney Chalhoub (1990); O “Povo de Cam” na Capital do Brasil: A escravidão Urbana no

Rio de Janeiro, de Luiz Carlos Soares (2007); Ser escravo no Brasil, de Katia M. de Queirós

Mattoso (1982); A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850), de Mary C. karasch

(2000); Na senzala, uma flor – Esperanças e recordações da família escrava: Brasil Sudeste,

5 No rol das obras mencionadas por Rocha (2009) encontram-se: A Campanha Abolicionista, de José Murilo de Carvalho (1996),

Considerações sobre a história do livro e de seus argumentos, de Isabel A. Marson e Célio R. Tasinafo (2003), Joaquim Nabuco. O dever da política, de José Almino de Alencar e Ana Pessoa (2002) e Cicatrizes de um Novo Mundo, artigo escrito por Flávio Gomes

na folha de São Paulo, Mais! Em 14 de novembro de 2004, p.12-13.

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século XIX, de Robert Slenes (2011). Anotações. A lei nº 2040, de 28 de setembro de 1871, de

Luiz de Souza Silveira (1876); Associativismo avant la lettre – as sociedades pela abolição da

escravidão no Brasil oitocentista, de Ângela Alonso (2011); Da senzala à colônia, de Emília

Vioti da Costa (1989); Mulheres Negras do Brasil, de Shumaher & Brasil (2006); Suaves

Amazonas: Mulheres e Abolição da escravatura no nordeste, de Luzilá Gonçalves Ferreira

(1999) e Emancipação do sexo feminino: a luta pelos direitos das mulheres no Brasil, 1850-

1940, de June Hahner (2003).

O trabalho de Ângela Alonso: Ideias em Movimento: a geração 1870 na crise do Brasil-

Império (2002), nos deu uma visão da formação intelectual e política dos abolicionistas. O

amadurecimento dessas figuras que em 1870 formavam as turmas acadêmicas do Império tem

seu reflexo em 1880, quando o movimento abolicionista chegou a seu período de

efervescência. Não obstante, as escolhas políticas e intelectuais desse grupo acabaram por

influenciar toda uma geração como informa a Alonso. Para nossa pesquisa, interessa observar

que autora aponta questões sobre a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão e a

Confederação Abolicionista, cuja vinculação reside nos objetivos pessoais, políticos e

ideológicos de José do Patrocínio, Joaquim Nabuco, Quintino Bocaiuva, Machado de Assis,

Sílvio Romero, Tobias Barreto e outros. Alonso ressalta que essas figuras passavam a

incomodar a ala conservadora, principalmente em discursos no congresso e matérias na

grande imprensa da Corte. Mediante tais pressões, os conservadores não pouparam esforços

para atrapalhar a ascensão dessas figuras ao estratificado regime, temendo a perda do status

quo adquirido.

Dialogamos também com dois artigos de Ângela Alonso. No primeiro - Associativismo

avant la lettre – as sociedades pela abolição da escravidão no Brasil oitocentista (2011) -

Alonso verifica o movimento abolicionista a partir de uma ótica nacional e defende a ideia de

que houve um “associativismo” entre os abolicionistas, desconstruindo assim, a ideia de que o

movimento pela abolição agiu de forma isolada. A autora ainda nos informa que a inserção das

mulheres nas associações abolicionistas deu-se através da “inclusão política de gênero”, onde

as mesmas adentraram no movimento abolicionista por três vias: a primeira foi “a canônica” de

cunho filantrópico; a segunda, “pelo braço do marido, pai ou irmão abolicionista”, e a terceira,

“foi a das artistas, escritoras e principalmente cantoras e atrizes, mulheres livres dos

impedimentos da família tradicional, que entraram pela porta do teatro”. Alonso nos oferece,

também, dados importantes acerca das sociedades abolicionistas mistas e exclusivamente

femininas.

O segundo artigo de Alonso - Abolicionismo de saias (2010) – trata das associações

femininas que saíam às ruas no fim do século XIX e alçaram a mulher ao mundo do poder.

Para nós interessa as representações femininas do século XIX inseridas na luta pela abolição,

e, sobretudo, as reivindicações aos direitos das mulheres em meio ao fechado sistema

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aristocrático apegado ao patriarcalismo. Ao tocar no abolicionismo feminino, Alonso menciona

a Sociedade de Senhoras de Pernambuco, também conhecida como Ave Libertas. Essa

correlação entre inserção da mulher na campanha pela abolição, sua busca por direitos,

colocação social e quebra do status quo masculino-imperial é crucial para a nossa pesquisa.

As obras de Luiz Carlos Soares e Kátia Mattoso nos apresentam um panorama

bastante significativo acerca do caráter multifacetado da escravidão no Brasil. Desta forma,

utilizamos o conjunto teórico fornecido por Soares e Mattoso, na tentativa de compreender a

dinâmica das emancipações das mulheres e homens escravizados. Verificamos os modelos de

alforrias aos quais os escravos estavam sujeitos, a relação de trabalho existente entre senhor e

escravos, os laços afetivos que permeavam a convivência entre escravo e senhor, fato que

poderia indicar uma alforria definitiva, ou mesmo gratuita sem indenização. Enfim, esses

autores nos oferecem uma vasta abordagem teórica no que tange ao cotidiano dos escravos

no Rio de Janeiro, assim como em outras partes do Brasil. Não obstante, a obra de Mary C.

Karasch também nos presenteia com uma vasta abordagem teórica acerca da escravidão

urbana no Rio de Janeiro.

Keila Grinberg e Sidney Chalhoub, ao estudarem a dinâmica dos processos de

escravos contra seus senhores, apontam para o fato de que a luta por liberdade estava

presente nas vidas das mulheres e homens escravizados. Esse conjunto de trabalhos

historiográficos serviu de suporte para alicerçar o Capítulo III do nosso estudo. Paralelo a isso,

a obra de Robert Slenes ajudou-nos a refletir acerca da importância que possuía a instituição

família para diversas mulheres e homens escravizados. A partir das observações teóricas

levantadas por Slenes, foi possível identificar em nosso estudo, como mulheres e homens

escravizados valorizavam e lutavam pela preservação de seus laços familiares.

Com Flávio Gomes, a presente pesquisa ampliou a percepção do que significou ser

escravos e do movimento do mesmo enquanto sujeito histórico atuando nas diversas zonas de

conflito. Assim sendo, Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio

de Janeiro – século XIX (1995), nos ajudou a compor a imagem das mulheres negras

escravizadas, que a partir dos seus esforços constituíram pecúlio para comprar a própria

liberdade, ou usou os recursos do fundo de emancipação para acelerar o processo de alforrias

compradas. Tema que será abordado ao longo do Capítulo III.

Gomes apresenta os escravos enquanto sujeitos complexos que conceberam sua

própria história em diversas direções e agiram com sentidos próprios, mas multifacetados. Ele

se opõe a uma historiografia que só entende o processo histórico como uma sequência de

movimentos estruturais na direção da “superação” do sistema vigente, no caso a escravidão.

Segundo Gomes essa tendência admite que apenas os sujeitos livres da sujeição, indivíduos e

coletividades podem se tornar agentes de suas histórias.

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A perspectiva analítica de Flávio Gomes fundamenta a composição do capítulo III, onde

iremos inserir as mulheres negras – escravas e libertas – no movimento de resistência à

escravidão, vendo-as como sujeitos complexos, agentes de sua história.

O trabalho clássico de Nelson Werneck Sodré - História da Imprensa no Brasil (1999) –

nos orientou sobre as fases da imprensa no Brasil. Para nós, interessou verificar os indicativos

de periódicos abolicionistas ou inclinados a causa que circularam pelo Brasil, principalmente

entre os anos de 1870 a 1888. Essa escolha temporal para análise dos jornais se faz

necessário, pois alguns periódicos trocaram de propriedade e com isso mudaram sua

inclinação política passando a apoiar à causa abolicionista. Dentre os jornais podemos citar: O

País e a Gazeta de Notícias. Ao trabalhar a imprensa do Império, Sodré divide-a em fases, e,

os periódicos que vamos analisar se enquadram nos períodos que o autor denomina de

“agitação” e “reforma” (Sodré, 1999).

As fontes primárias aliadas à literatura discutida nos permitiu identificar as estratégias

abolicionistas das mulheres – de elite, das classes médias, as escravas e libertas - em meio ao

cenário patriarcal e escravocrata da sociedade brasileira.

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CAPÍTULO I

Da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão a Confederação Abolicionista:

ações políticas organizadas em favor da abolição

É para lutar com a escravidão que este jornal aparece, é para denuncia-lhe os abusos e os tristes episódios; é para formar o arquivo histórico, em que no futuro as gerações, que sucederem, possa ver a degradação do nosso tempo, e odiar para sempre o sistema impresso na fronte da nação brasileira pelo tráfico de escravos que ela tolera em pleno século XIX. (O Abolicionista, 01 de Novembro de 1880).

Até 1860-1870, o debate acerca da escravidão no Brasil limitou-se aos

pronunciamentos de políticos liberais e conservadores, os quais acreditavam que o direito a

propriedade e a manutenção da escravidão serviam como mola propulsora para o

desenvolvimento econômico do país. Na elite dominante imperial, raros eram aqueles que

reprovavam o regime de servidão, entre os poucos, destacava-se José Bonifácio, cuja defesa

era por uma “emancipação lenta dos negros e sua educação religiosa e industrial”. Todavia, as

ideias abolicionistas continuavam restritas aos grupos de negros e mestiços mais conscientes

da sua situação e aos liberais-radicais, como Cipriano Barata, que, nos anos 30 e 40,

contestaram o poder centralizador do Estado Imperial. Através de jornais como O Homem de

Cor, O Brasileiro Pardo e O Cabrito, eles denunciavam as discriminações contra os negros

libertos e a escravidão dos africanos livres, semeando algumas das ideias que, mais tarde,

iriam alimentar o movimento abolicionista (Biblioteca Nacional, 1988. p.35).

Devido aos acontecimentos internacionais ligados a liberdade dos negros escravizados,

tendo como exemplo: a Guerra Civil nos Estados Unidos, a libertação dos escravos nos

impérios português, francês e dinamarquês, o tema escravidão entrou novamente na pauta da

discussão nacional, até porque, em meio a Guerra do Paraguai (1865 – 1870), discutia-se

também a fragilidade econômica e militar do Império. No que tange ao recrutamento militar,

recorria-se, principalmente, ao alistamento forçado nas camadas mais humildes da população,

constituída, sobretudo, de negros, índios e miscigenados (Silva, 1997, p.38). É importante frisar

que o serviço militar não era obrigatório, daí o fato de “nas fileiras do exército como nas

tripulações da esquadra só se viam negros e mestiços de vários tons” (idem, p.38), situação

decorrente da assinatura do decreto número 3371, de 07 de janeiro de 1865, onde D. Pedro

criava os corpos dos voluntários da Pátria.

Sabemos, entretanto, que os voluntários negros tinham interesses característicos ao se

alistarem para o front de batalha. Para muitos deles ou quase a sua totalidade

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“[...] a guerra representava a possibilidade de deixar de ser propriedade de outrem, ou mão de obra barata, para ser homem de respeito, soldado, defensor da pátria. [...] Quando da Guerra do Paraguai, muitos escravos aceitaram, como facultado em lei, partir para a guerra no lugar de seus senhores, ou dos filhos de seus senhores, em troca de liberdade. Homens livres e libertos, da mesma forma, viram no fato de pertencerem ao Exército prova de bravura pessoal e via de integração na sociedade mais ampla” (Silva, op. cit., p.42).

As primeiras associações e clubes abolicionistas foram criadas por volta de 1852, por

jovens estudantes da Faculdade de Medicina da Bahia fundaram a Sociedade Abolicionista

Dois de Julho com o objetivo de alforriar cativos (Silva, 2009). No adentrar dos anos de 1870,

foi criada pelo gabinete conservador dirigido por José Maria da Silva Paranhos (Visconde do

Rio Branco), a Lei nº 2.040, de 28 de Setembro de 1871, conhecida também como Lei do

Ventre Livre. A mesma gerou grande oposição entre a maioria dos representantes das

províncias do café, que a consideraram um "desrespeito ao direito de propriedade". Os

argumentos dos cafeicultores pautavam-se numa possível crise na agricultura, pois a lei aos

poucos eliminaria gradualmente a mão de obra escrava.

Mediante a reclamação dos políticos e agricultores escravistas, criou-se um clima

favorável, de estímulo aos debates pela abolição, situação que favoreceu a criação de diversas

associações e clubes abolicionistas por volta de 1870-1871, nesse período fora criada a

Sociedade Emancipadora do Elemento Servil, no Rio de Janeiro, e a Sociedade Redentora da

Criança Escrava, em São Paulo, além de vários pequenos jornais (Biblioteca Nacional, op. cit.,

p. 37). E é nesse contexto de embate político que o movimento abolicionista surgiu na Corte e

em outras províncias do Império. Usando a imprensa como veículo difusor, Ferreira de

Menezes com a Gazeta de Notícias abria espaço para ataques violentos contra a escravidão,

cuja base legal ancorava-se nas interpretações da lei de 06 de junho de 1755, e na lei de 07 de

novembro de 18316.

José do Patrocínio foi um dos que combateu ferrenhamente a escravidão na imprensa.

Criou junto com amigos em 07 de setembro de 1880, a Sociedade Brasileira Contra a

Escravidão (SBCE). No dia 08 de setembro deste ano, a Gazeta de Notícias publicava um

informativo dizendo que “a convite do Sr. deputado Joaquim Nabuco reuniram-se ontem em

casa do S.Ex., alguns cavalheiros e fundaram uma sociedade abolicionista, que será

denominada Sociedade Brasileira Contra a Escravidão”. O informe ainda indicava que

“deliberou-se criar duas comissões, uma para organizar estatutos, e a outra executiva para

dirigir provisoriamente a sociedade”. E, completa: - “a reunião foi presidida pelo antigo

jornalista, o Sr. Dr. Joaquim Alves Branco Muniz Barreto, aprovando-se um único voto de

6 A lei de 06 de junho de 1755 tinha dentre suas prerrogativas a libertação dos indígenas. O decreto fora assinado pelo Marquês de

Pombal. Já a lei de 07 de novembro de 1831, assinada pelo Regente Feijó em nome do imperador, declarava livres “todos os escravos que entrarem no território ou portos do Brasil”.

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louvor ao Sr. Deputado Joaquim Nabuco pela atitude que tem tomado pela abolição da

escravatura”.

A SBCE era composta de 15 membros. Foram nomeados presidentes honorários

Joaquim Alves Branco Muniz Barreto, Joaquim de Saldanha Marinho, o conselheiro

Beaurepaire Rohan e o sócio benemérito Visconde de Rio Branco; como secretário honorário o

Sr. Dr. Nicolau Moreira. A presidência ficava a cargo de Joaquim Nabuco, e a vice-presidência

com Adolpho de Barros e Marcolino Moura; José Américo dos Santos e José Carlos de

Carvalho eram secretários; e André Rebouças, tesoureiro.

Vale observar que o nome de José Patrocínio não aparece na edição número 01 do

Jornal O Abolicionista (1880 – 1881) - periódico criado com o objetivo de ser o órgão de

imprensa da SBCE. Porém, ao cruzar dados contidos nos periódicos a Gazeta de Notícias (de

Ferreira de Menezes) e Gazeta da Tarde (do próprio José do Patrocínio), observa-se um

número elevado de participação dos membros da SBCE proferindo discursos em conferências,

festivais, solenidades e mesmo em velórios. Emerge daí a figura de Patrocínio como sócio

fundador. Na mesma situação aparecem como sócios fundadores: Vicente de Souza, João F.

Clapp, Teixeira da Rocha e Sá Viana. Embora os periódicos apontem para a presença desses

homens como fundadores da SBCE, na opinião de Rocha (2009, p.29) “João Clapp não

participou da fundação da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão”. O autor tece esse

comentário ao afirmar que José Murilo de Carvalho se equivocou ao relacionar Clapp como

fundador da SBCE. Contradições historiográficas a parte, o fato é que os periódicos incluem

Clapp e outros como sócios fundadores.

Para Ângela Alonso (2002), a SBCE tinha uma organização honorífica e outra ativista.

No segundo gênero vinham Nabuco, Adolfo de Barros e Marcolino de Moura, os vice-

presidentes - todos eram deputados liberais, os secretários, Américo dos Santos e José Carlos

de Carvalho, um editor da Revista de Engenharia da Politécnica da Corte, outro do anglo-

brasileiro Novo Mundo, que circulava em Nova York; o tesoureiro e agenciador das

“comunicações” do grupo era André Rebouças. Este por sua vez, se dedicou diligentemente à

formação de sociedades, à publicação de Jornais, à organização de eventos, e à articulação de

alianças.

Alonso coloca esses homens como ativistas uma vez que possuíam acesso aos postos

mais altos da aristocracia. Contudo, vale acrescentar que membros da SBCE como Clapp,

Patrocínio e Nicolau Moreira, embora tivessem título honorífico, proferiam discursos constantes

em festivais, recitais, conferências e mesmo em velórios. Isso nos leva a crer que a SBCE

possuía duas frentes ativistas: a primeira já indicada por Alonso com Nabuco e Rebouças,

transitando pelos “salões aristocráticos”, onde tinham acesso aos chefes partidários, e uma

segunda; que agia politicamente nos seguimentos de menor expressão na Corte, dado à

absorção dessas esferas sociais ao ideário abolicionista.

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Alonso faz importantes revelações no que tange as estratégias políticas do grupo

contestador liderado por Nabuco, os “novos liberais”. Os mesmos adotaram a estratégia que

Rebouças aprendera nos Estados Unidos e Nabuco vira em atividade na França de Thiers e na

Inglaterra de Gladstone: a propaganda. A autora enfatiza que “a primeira associação de

contestação ao status quo saquarema formada por este grupo, independentemente do Partido

Liberal, foi a SBCE. Vários de seus membros podem ser encontrados logo depois na

Sociedade Central de Imigração” (SCI) criada em 1882.

O Manifesto da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão representou um avanço

estratégico de ordem política. Na edição 01 do jornal O Abolicionista vinha o informe de que a

SBCE acabara de se dirigir a Anti Slavery Society de Londres, e as sociedades semelhantes da

América e da Europa, informando-as da sua organização no Rio de Janeiro. Fica claro que a

ligação com sociedades escravistas internacionais advinha das conexões realizadas por

Rebouças e Nabuco. A estratégia, segundo o manifesto, era unir todos os partidários em torno

da abolição, a fim de formalizar um novo partido. Nesse contexto, Alonso coloca os “novos

liberais” como suprapartidários e encarregados de tal tarefa.

Rocha (op.cit.p.24-25) indica que por volta dos anos 1879–1880, tiveram início às trocas

de correspondências entre Joaquim Nabuco e a British and Foreign Anti-Slavery Society.

Dentre as cartas trocadas encontra-se uma remetida pela Sociedade das Senhoras Amigas

dos Negros (The Ladies nigger friend society) de Birmingham, Inglaterra. Essa correspondência

foi endereçada as senhoras brasileiras e foi publicada no periódico A Reforma, de 1869, e

reproduzida em O Abolicionista, de 1880. De acordo com Rocha (ibidem, p.40), a The Ladies

nigger friend society trabalhava em auxílio à British and Foreign Anti- Slavery Society (BFASS),

que também possuía um periódico como órgão de imprensa: o Anti-Slavery Reporter.

O enredo das relações internacionais entre abolicionistas brasileiros e ingleses nos faz

levantar algumas indagações acerca da inspiração para criação da SBCE. Para Rocha (ibidem.

p.29), “a sociedade brasileira contra a escravidão não se inspirou nem no internacionalismo da

BFASS, tampouco nos fortes sentimentos religiosos antiescravistas que alicerçaram a ação da

associação britânica”. Então fica a pergunta: se os abolicionistas brasileiros não se inspiraram

no modelo inglês, então se inspiram em quem? Ou o grupo de Patrocínio, Rebouças e Nabuco

criou seu próprio modelo de sociedade e órgão divulgador?

Luis Anselmo Fonseca (1887), afirma que 9 anos antes da existência de O Abolicionista

(1880-1881) outro periódico, com o mesmo nome, serviu como órgão de imprensa de uma

sociedade abolicionista. Segundo Fonseca (ibidem, p.246), o 1º O Abolicionista “apareceu pela

primeira vez em 15 de março de 1871, não tendo publicado mais de 24 números”. Este

periódico surge dois anos depois a criação da Sociedade Libertadora Sete de Setembro, que

de acordo com Fonseca “nos fatos da gloriosa existência desta sociedade, acontecimentos

houve, dos quais alguns são dignos de especial menção. Deles um foi a publicação de um

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periódico, redigido com grande talento, erudição e patriotismo”. O autor menciona que “em

1871 chegou à sociedade a contar em seu seio com 512 sócios, sendo 497 do sexo masculino

e 15 do feminino”. Fonseca (ibidem, p. 247) ainda revela que costumava a Sociedade

Libertadora 7 de Setembro fazer leilões, onde se vendiam objetos doados com o fim de

comprar alforriais.

Esses fatos representam muito para a composição do processo abolicionista, não só na

Bahia, local de fundação da respectiva sociedade, mas, sobretudo em outras províncias do

Império. O aparecimento de mulheres em meio ao cenário político da campanha pela abolição

se cristaliza a partir dos escritos de Fonseca.

Não podemos afirmar, contudo, que a SBCE tenha se inspirado no modelo baiano

abolicionista. Entretanto, perde substância a ideia de que Patrocínio, Rebouças, Clapp e outros

do seu grupo tenham sido os precursores da vinculação entre sociedade abolicionista e jornal

como órgão de imprensa e ação política.

I. 1. Da importância do Jornal O Abolicionista como órgão divulgador

O aparecimento do jornal O Abolicionista tinha seus antecedentes na luta travada

dentro do Congresso. Joaquim Nabuco que tivera seu projeto arquivado7 propunha-o como

uma espécie de provocação à ala escravocrata, a qual se opunha a abolição imediata, dando

início a uma verdadeira luta fora do Congresso8. As divergências entre escravocratas e

abolicionistas extrapolaram os limites do congresso e os membros da SBCE iniciam as

Conferências Abolicionistas. Para se ter uma ideia da amplitude das conferências, somente a

Gazeta de Notícias publicara mais de 15 informativos entre os anos de 1880 e 1881. Parece

pouco, mas a Gazeta de Notícias não era um jornal genuinamente abolicionista, como fora a

Gazeta da Tarde.

Nesse contexto, os teatros do Rio de Janeiro se tornavam palco da arena política pelo

fim da escravidão. Os embates entre abolicionistas e escravocratas acabou por ampliar e

democratizar o que até então se passara dentro do limitado espaço das Câmaras (Carvalho,

1996, p.15). Na relação dos palcos mais acessados na época temos: Teatro S. Luiz, Teatro

7 O audacioso projeto de Joaquim Nabuco que fora rejeitado pela Câmara por 77 votos contra e 18 a favor, previa a extinção

definitiva do regime servil no Brasil. Com essa medida, Nabuco pretendia atingir o âmago dos escravocratas e de certa forma o fez, já que as prerrogativas do respectivo projeto acirraram ainda mais a luta política pela libertação dos escravos, por este motivo o

mesmo foi reprovado. Dentre os inúmeras artigos, estava incluso a não previsão de pagamento indenizatório aos proprietários de escravos. O esboço de lei ainda possuía uma preocupação especial em não criar tensões sociais, ou seja, Nabuco e seus companheiros pretendiam evitar o conflito entre escravos, senhores e governo. Temiam acontecer o que sucedeu nos Estados

Unidos e em outros países onde o processo de emancipação foi sangrento, principalmente por parte dos escravos. 8 A respeito das intenções políticas de Nabuco, indicamos a leitura de Antonio Penal Rocha: Abolicionistas brasileiros e ingles es: a

coligação entre Joaquim Nabuco e a British and Foreign Anti-Slavery Society (1880 – 1902). O autor faz um apanhado histórico das convicções políticas de Nabuco; dos interesses por trás da luta pela abolição e das contradições existentes acerca das obras da Nabuco: A campanha Abolicionista no Recife, O Abolicionismo e Minha Formação.

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Sant’anna, Teatro São Pedro de Alcântara e o Teatro Polytheama9. A SBCE surgia em meio

“as contradições da política e dos partidos políticos” que segundo José Murilo de Carvalho (op.

Cit.) era esta a visão que Patrocínio tinha em relação ao momento político da época.

E Patrocínio não estava errado. O movimento abolicionista foi marcado pela

heterogeneidade de seus integrantes. Leonardo Trevisan (1991, p.42) visualiza este período a

partir de uma perspectiva dita polêmica. O autor reflete sobre o suave jogo político da abolição,

que em suas análises contou com “abolicionistas de vários tipos”. Para ele, o primeiro modelo

de abolicionista reside na figura de Joaquim Nabuco, oriundo de família aristocrática e

monarquista convicto, assim como liberal e abolicionista. Nabuco defendia que a abolição

deveria ser conquistada por lei, ou seja, dentro do Congresso. Vale ressaltar que dentro dessa

perspectiva talvez tenha sido ele o mais eficaz e competente de todos.

O modelo “meio-termo”, segundo Trevisan, estava expresso na figura de Luís Gama,

que chegou a advogar em favor da alforria de escravos e não era formado em Direito - um fato

comum da época, porém, limitou-se a não ultrapassar os limites da lei. Próximo a Gama estava

André Rebouças, oriundo também de família rica, recebe as criticas do autor por limitar-se

apenas a ajuda humanitária sem avançar-se com maior ênfase em questões políticas.

Por ultimo, tem-se o modelo de abolicionistas atuantes e eficientes, representados por

José do Patrocínio e Lopes Trovão que atuaram discursando nas ruas e realizaram caravanas

públicas para lembrar seus irmãos negros da sua real condição. Para o autor, estes tiveram

importância essencial na formação de uma corrente de opinião pública de apoio á causa

abolicionista (Trevisan, 1991, p.43). É importante observar que figuras como: Luís Gama,

André Rebouças, Joaquim Serra, Lopes Trovão dentre outros, merecem atenção especial da

historiografia brasileira. Reduzir a figura desses homens buscando um ou outro lapso,

ignorando todo o cenário cultural, social, econômico e político ao qual fizeram parte, é, por

conseguinte, corroborar com a ideia de que Nabuco fora o baluarte do movimento e da

propaganda abolicionista. Nabuco não agiu sozinho e tampouco teve papel supremo como

mostram pesquisas recentes. As mesmas revelam que negros forros e mulheres escravas

libertas compuseram o cenário no qual se desencadeou a luta pela abolição. Obras como as de

Keila Grinberg (1994), cujo mote revela a não conformação da mulher escrava no que tange a

sua condição e a luta jurídica travada em prol da sua própria liberdade; Elisa Larkin

Nascimento, (1985), onde busca emergir a figura de Luis Gama e sua representatividade na

luta pela abolição; Joselice Jucá (1988) que demonstra a importância de André Rebouças na

questão abolicionista e José Murilo de Carvalho (1996) trazendo a figura de Patrocínio no

9 O teatro Polytheama Fluminense foi inaugurado em 1880. Ficava localizado à Rua do Lavradio, 94 - entre as Ruas da Relação e

Rezende no centro do Rio de Janeiro. Na noite de 14 de julho de 1894, quando se exibia a Companhia Lírica Italiana da Empresa

Sansone, apresentando a ópera "Rigoletto", de Verdi, um incêndio irrompeu no cenário, propagando-se pelo palco e pela platéia, destruindo em pouco tempo o teatro. Teatros Históricos do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.ctac.gov.br/centrohistorico/TeatroXPeriodo.asp?cod=45&cdP=15. Acessado em: 09/04/2013.

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contexto da campanha abolicionista. Esses autores esboçam apenas uma pequena parcela de

obras que buscam resgatar outros personagens cuja importância foi ímpar para o movimento

contra o regime escravista no Brasil.

É inegável o destaque de Nabuco na campanha abolicionista. Ele era carismático, bom

orador e bem-apessoado. Foi também o redator da maior parte dos panfletos e manifestos

coletivos (Alonso, 2002, p.118), porém não esteve sozinho, Rui Barbosa, Quintino Bocaiuva,

Clóvis Beviláqua, Machado de Assis, Sílvio Romero, Tobias Barreto, para citar alguns poucos

exerceram papéis fundamentais, a despeito das diferenças ideológicas e da origem familiar.

Nenhum deles estava livre das fraudes em concursos públicos, cujos conservadores

participavam ativamente no sentido de manter a estratificação do regime e o status quo

adquirido (idem, 2002, p.118).

Assim sendo, cada um viveu e pensou a partir das experiências de vida das mais

diversas, seja nos livros lidos, na corrente filosófica escolhida, nas articulações políticas

realizadas. Enfim, quase todos os intelectuais que participaram do movimento abolicionista

lutaram a sua maneira contra o regime saquarema. Reduzir o movimento a um ou dois

personagens é, todavia, sub-caracterizá-lo por completo.

Entendemos que a aglutinação de estilos diferentes por parte dos membros da

Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, acabou por fortalecer ainda mais o movimento. Um

exemplo claro é a formalização da Confederação Abolicionista (1883).

Não se pode desprezar o fato de que o jornal O Abolicionista serviu como modelo para

outros periódicos que buscavam uma linha mais radical na briga em prol da libertação dos

escravos. A Gazeta da Tarde e a Cidade do Rio acabaram ganhando contornos mais

abolicionistas, principalmente porque Patrocínio dirigiu e escreveu nos dois periódicos. Além

disso, tinha como jornalistas Joaquim Nabuco e Lopes Trovão.

Com o título “A nossa Missão”, O Abolicionista traçava seus objetivos jornalísticos como

órgão efetivo da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão. Na primeira página trazia a

seguinte informação:

“A aparição deste jornal na imprensa brasileira significa o progresso que tem feito a consciência pública, relativamente à escravidão. Hoje ter escravos já não é mais um título de honra (...). A escravidão também, protegida pelo governo e coberta pela Câmara dos deputados com respeito filial, está desmascarada publicamente como sendo a redução de pessoas livres ao cativeiro, porquanto os atuais escravos são os filhos dos importados, ou o próprio africano que a lei, há quarenta e nove anos, declarou livre. Estudando-se a nossa produção vê-se que o trabalho escravo é a causa única do atraso industrial e econômico do país (...). É para lutar com a escravidão que este jornal aparece, é para denuncia-lhe os abusos e os tristes episódios; é para formar o arquivo histórico, em que no futuro as gerações, que sucederem, possam ver a degradação do nosso tempo, e odiar para sempre o sistema impresso na fronte da nação brasileira

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pelo tráfico de escravos que ela tolera em pleno século XIX” (O Abolicionista, 01 de Novembro de 1880, p.01).

O objetivo dos abolicionistas era de fato conscientizar a população em relação aos

acontecimentos ocorridos no Império, bem como pressionar os legisladores. O artigo apresenta

também denúncias sobre as casas de compra e venda de escravos, denominadas “Casas de

Comissões” e, segundo a fala dos abolicionistas, “era um verdadeiro centro comercial de carne

humana”. A venda de escravos, mesmo após as leis de 1850 (Eusébio de Queiroz) e 1871

(Ventre Livre) ainda acontecia na Corte e nas outras províncias do Brasil.

Os objetivos traçados pelos abolicionistas foram de fato alcançados, não no que diz

respeito à abolição imediata, mas no que tange a criação de uma associação de combate à

escravidão, bem como a criação de um periódico que seria o órgão dessa sociedade. O

periódico abolicionista conseguiu circular por um ano (1880 a 1881). Vale acrescentar, que era

comum jornais de linha mais radical terem um tempo de vida curto, já que a manutenção e

circulação desse tipo de periódico era mantida com os recursos de seus próprios donos.

Analisando as fontes percebemos que a fala dos abolicionistas articulava contextos

econômicos, políticos e jurídicos. Nabuco, por exemplo, ao falar que o “Brasil é o único país

que hoje impede que a escravidão seja declarada um crime contra a humanidade”, baseava-se

em um documento histórico: a carta da junta Francesa enviada em 1866, ao Imperador, e

publicada na integra pelo jornal O Abolicionista, em sua 1ª edição. O debate sobre este tema

foi amplamente discutido na primeira edição do jornal. Para os abolicionistas a resposta dada a

junta francesa, que não levava a assinatura do imperador, representava desanimadoras

reflexões sobre a abolição. A carta fora assinada pelo governador Martim Francisco Ribeiro de

Andrada.

A carta da junta francesa referia-se aos EUA e a Espanha como exemplos a serem

seguidos pelo Brasil, mencionando que a abolição não seria prejuízo para o governo de D.

Pedro II, tendo em vista que o número de escravos era menor que o número de homens livres.

A carta ainda incentivava a imigração para suprir a ausência da mão de obra escrava

nas províncias onde ela era usada, indicando tal atitude como uma das formas de contribuição

para abolição, que deveria atender aos “fatos, interesses e situações”. Termina informando que

o Brasil devido ao “costume brando, e os corações humanos e cristãos”, não teria problema em

realizar a tarefa de substituir a mão de obra escrava pela dos imigrantes.

A resposta do governo imperial, além de ser longa, tirava as esperanças dos

abolicionistas no sentido de ter um processo emancipacionista rápido, mesmo com pressões

francesas imbuídas de interesses diversos, como a ampliação do mercado consumidor

brasileiro, beneficiando o escoamento dos produtos parisienses na Corte de D. Pedro II.

Embora pressionado, o governo justificava a lentidão política da seguinte forma:

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“A emancipação dos escravos, consequência necessária da abolição do tráfico, não passava de uma questão de forma e oportunidade. Quando as penosas circunstâncias em que se acha o país o consentirem, o governo brasileiro considerará como objeto de primeira importância à realização do que o espírito do cristianismo desde a muito reclama o mundo civilizado”. (Resposta do Governo Brasileiro, em no do Imperador, à Junta Francesa de Abolição em 22 de agosto de 1866” in O Abolicionista, 01 de Novembro de 1880.p.03.).

O documento da Junta Francesa e a resposta do governo brasileiro serviram como

substrato para os abolicionistas, que usaram tais documentos como artifício político e social.

Alertavam a sociedade que o governo imperial tratava, conscientemente, o tema abolição de

maneira vagarosa. Ou seja, desde 1866 existia a promessa de colocar a causa da libertação

dos escravos como prioritária e o governo não o fez. Ao invés de atacar agressivamente o

desdém do governo imperial, o movimento preferiu tratar o caso de maneira irônica, já que o

governo argumentava estar diante de uma situação financeira penosa, sendo está à causa de

não ter a emancipação como assunto prioritário.

Buscando ampliar o debate acerca da ineficiência do trabalho escravo, o periódico O

Abolicionista apresentava uma matéria intitulada “Os milagres do trabalho livre”, onde os

abolicionistas mostravam que os Estados do Sul norte-americano triplicaram sua produção

algodoeira após a inserção deste tipo de mão de obra. O artigo citava a troca de

correspondência entre o economista americano Mr. Atkinson, e o Jornal do Comércio (O

Abolicionista, 01 de Novembro de 1880, p.03). Na visão dos propagandistas abolicionistas era

necessário fazer alusão à situação econômica do Brasil, pois a ala política dos escravocratas

baseava-se no retrocesso econômico com o fim da mão de obra escrava, para legitimar a

manutenção do regime servil brasileiro. Utilizando a correspondência como argumentação, os

abolicionistas sinalizavam que “a escravidão como sistema de trabalho não oferecia a menor

compensação”, e de acordo com Mr. Atkinson, o sistema escravista “era a prova de um

barbarismo absurdamente extravagante, não sendo barata, nem produtiva, nem eficaz

(ibidem.,p.03).

“Apesar de ser hoje em dia muito menos o número de trabalhadores nas plantações do algodoeiro, tanto é muito mais eficaz esse trabalho de homens livres que as primeiras quinze colheitas dos emancipados (1864-1879), excedem às quinze colheitas anteriores feitas por escravos em 9.600,000 fardos do valor de £600.000,000 ou um milhão e duzentos mil contos – quantia que, entre parênteses, seria suficiente para comprar todos os escravos do Brasil”

(ibidem.,p.03).

Era esse um dos eixos reivindicativos da propaganda abolicionista, ou seja, o fim do

elemento servil em função do desenvolvimento econômico do país, ideia defendida por André

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Rebouças10. A postura crítica dos abolicionistas, em oposição ao Império, sempre esteve

carregada de conteúdo informativo direcionado a sociedade.

O Abolicionista também fez questão de publicar, na íntegra, o audacioso projeto de

Joaquim Nabuco que fora rejeitado pela Câmara por 77 votos contra e 18 a favor. Sob o título

“Medidas Indiretas”, o movimento mostrava a aplicação, em termos legais, da extinção

definitiva do regime servil no Brasil. O projeto de Nabuco atingia o âmago dos escravocratas e

acirrava a luta política pela libertação dos escravos, por isso o mesmo fora reprovado.

Dentre as inúmeras prerrogativas, o projeto de Nabuco não previa indenização para

fazendeiros ou proprietário de escravos. As “medidas indiretas” eram, na realidade diretas já

que praticamente abolia a escravidão. O respectivo projeto tinha uma preocupação especial em

não criar tensões sociais, ou seja, Nabuco e seus companheiros pretendiam evitar o conflito

entre escravos, senhores e governo. Temiam acontecer o que sucedeu nos Estados Unidos e

em outros países onde o processo de emancipação foi sangrento, principalmente por parte dos

escravos.

É por isso que Nabuco e os demais intelectuais não se direcionavam aos escravos.

Segundo o próprio movimento, a propaganda abolicionista procurava atingir a estrutura de

poder saquarema, bem como os proprietários e fazendeiros donos de escravos. Para os

abolicionistas, incitar os escravos contra seus senhores seria um ato de covardia para com os

cativos. Por este motivo, Nabuco informava que “a campanha abolicionista só há de concorrer,

pelos benefícios que espalhar entre os escravos, para impedir e diminuir os crimes de que a

escravidão sempre foi à causa” (Nabuco, 1938, p.10).

Sabemos que a insurgência negra como a revolta dos malês, não era vista com bons

olhos pela ala abolicionista e tampouco pela conservadora (Reis, 2003). Segundo Alonso

(2002, p.259) “todos os grupos exorcizavam a revolução”, opinião também defendida por

Rocha (2009, p.80).

Percebemos que embora o movimento abolicionista buscasse a libertação imediata dos

escravos, temia pela revolução escrava, ou seja, a propaganda iniciada em 1870, que

ocasionou os novos tempos na imprensa do Império, era complexa. Podemos dizer que as

ações da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão tiveram êxito político e, por conseguinte,

social. A mesma conseguiu levar o ideário abolicionista aos principais periódicos de sua época,

até mesmo ao tradicional Jornal do Comércio, fato registrado por Sodré em seu estudo

histórico sobre a imprensa no Brasil.

Em termos geográficos, a luta pela abolição saia da esfera regional para a nacional. Ou

seja, à SBCE juntava-se a um verdadeiro conglomerado de clubes, sociedades e associações

abolicionistas espalhadas por todo o império: A Confederação Abolicionista.

10

Acerca das ideias econômicas de André Rebouças ver: JUCÁ, Joselice. A questão abolicionista na visão de André Rebouças. Cad.Est. Soc., Recife, 1988, 4n.2, p.207-218, jul./dez ou Maria Alice Rezende de Carvalho. O quinto século, André Rebouças e a construção do Brasil. Rio de Janeiro, Revan/Iuperj, 1998. 254 páginas.

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I. 2. A Confederação Abolicionista

No dia 10 de maio de 1883 foi criada a Confederação Abolicionista (CA) mediante uma

sessão solene que aconteceu na redação do jornal a Gazeta da Tarde, cujo proprietário era

José do Patrocínio. Estiveram presentes doze diretores de sociedades abolicionistas de

diferentes pontos do Império.

Conforme publicação da Gazeta da Tarde, em 10 de maio de 1883, a sessão foi

presidida pelo “Sr. Dr. Siqueira Dias, servindo de secretários o Sr. Júlio de Lemos e J. Campos

Porto”. Foram também nomeados os delegados que iriam atender os membros confederados.

A comissão era formada por Aristides Lobo, Gomes de Mattos, José do Patrocínio e João

Clapp.

No dia seguinte a criação, a Confederação lançava seu Manifesto. Estava claro que a

articulação política com mais de uma dezena de órgãos contra a escravidão era mais uma

resposta de peso contra a manutenção do regime servil brasileiro. Para Alonso (op.cit.), a CA

foi talvez a iniciativa mais bem sucedida de congregar esforços de contestação. O manifesto

contou com a validação de quinze representações abolicionistas, e para facilitar a visualização,

montamos a tabela abaixo indicando a relação das sociedades e clubes que assinaram o

documento da Confederação Abolicionista.

Tabela I.1 - Lista de sociedades e clubes que assinaram o manifesto da Confederação Abolicionista

Nome da Sociedade ou Clube Abolicionista Diretores/Representantes

Clube dos Libertos de Niterói João f. Clapp e João Augusto de Pinho

Representantes da <<Gazeta da Tarde>> João F. Serpa Junior e José do Patrocínio

Sociedade Brasileira Contra a Escravidão Miguel A. Dias e André Rebouças

Libertadora da Escola Militar Tenente Manoel J. Pereira, Alferes João P. Junqueira Nabuco e Luiz Valentim da Costa

Libertadora da Escola de Medicina José Onofre Muniz Barreto, Medeiros Mallet e Amaro C. Roiz P. Cintra

Abolicionista Cearense Leonel Nogueira Jaguaribe, João Paulo G. de Matos e Adolpho Herbster Junior

Caixa Libertadora José do Patrocínio Capitão Emiliano Rosa de Senna, Domingos Gomes dos Santos e Abel da Trindade

Centro Abolicionista Ferreira de Menezes Júlio de Lemos, Procópio Lúcio R. Russell e João F. Serpa Junior

Clube Abolicionista Gutenberg Alberte Victor G. da Fonseca, Evaristo Rodrigues da Costa e Luiz Pires

Clube Tiradentes Jeronýmo Simões e Joaquim Gomes Braga

Clube Abolicionista dos Empregados do Comércio

Ataliba Clapp, João Bento Alves e Francisco Joaquim Braga

Caixa Abolicionista Joaquim Nabuco Jarbas F. das Chagas, José de A. Silva e Luiz Rodrigues da Silva

Libertadora Pernambucana Eugenio Bitencourt

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Abolicionista Espiritosantense Alferes Antonio Borge de Atayde Junior, Antonio Gomes Aguirre e Urbano Candido de Vasconcellos

Sociedade Libertadora Sul Rio-Grandense Bruno Gonçalves Chaves, João Pedro Machado e Francisco Octaviano Pereira

Fonte: Manifesto da Confederação Abolicionista, 11 de agosto de 1883.

A Confederação constituía sua organização a partir de uma comissão deliberativa (da

qual faziam parte três membros de cada sociedade confederada) e uma comissão executiva,

ou diretoria, que era eleita pela primeira (Estrada, 2005, p.86). Podemos dizer que a bandeira

central era a abolição. Segundo Alonso

“A amplitude dessa plataforma explica o sucesso imediato da arregimentação. A associação nasceu, porém, sob o signo da ambiguidade: a iniciativa fora dos novos liberais e, portanto monarquista, Rebouças, e do liberal republicano Patrocínio. Com Ferreira de Araújo, Patrocínio desenvolvia no período um jornalismo independente, e, A Gazeta de Notícias e depois no Cidade do Rio, que atacava tanto os fazendeiros quanto a família imperial. Ativara um movimento não parlamentar pela abolição que foi às vezes solidário, às vezes antagônico (...). Some-se a isso o fato de muitos dos membros das sociedade abolicionistas ingressantes serem também republicanos e boa parte positivistas. O choque interno de convicções não paralisou a associação, responsável por muitos atos públicos da campanha reformista, mas inviabilizou a coesão, densidade e estrutura interna necessária para realizar o plano de Nabuco: um partido político” (Alonso: (2002, p.266)).

É interessante observar que para Nabuco a SBCE poderia ser um trampolim para a

construção de partido político. Contudo, as ideologias e convicções políticas eram bastante

diferentes entre os membros da SBCE, se acentuando ainda mais com a Confederação,

tornado o sonho de Nabuco quase impossível (ibidem., p.266). Em termos de organização

política, a CA representava um incômodo incessante para a ala escravocrata. Ou seja, a junção

de vários centros políticos em favor da abolição, colocava em risco a manutenção do status

quo saquarema, e, consequentemente, mostrava que o movimento abolicionista, a cada dia,

ganhava mais força. Os jornais, meetings e conferenciais foram de fundamental importância na

composição do enredo tecido pela propaganda abolicionista. O incômodo a ala escravocrata

surgia de todos os lados, em várias províncias, mostrando que o movimento em prol da

libertação dos escravos não cederia às pressões vindas do parlamento.

Devido ao grande número de documentos deixados pela Confederação

Abolicionista, nos limitaremos neste trabalho em explorar a relação da mesma com a imprensa

da Corte, bem como suas ações políticas iniciais.

A Confederação era um centro forte e disciplinado de propaganda abolicionista.

Visando dificultar a manutenção do regime escravista, a Confederação promovia a fuga de

escravos de uma província para outra; libertava ou escondia escravos fugidos, tudo dentro e

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fora da lei como registra Osório Duque Estrada (2005). Eduardo Silva (2003) ao tratar da

representatividade das Camélias na luta contra a escravidão - registra que simbolicamente a

flor representava muito para o movimento abolicionista. Localizado no Rio de Janeiro, o

quilombo do Leblon era de conhecimento da princesa Isabel, além de ser o centro produtor das

flores e local de esconderijo de escravos fugidos que a Confederação acobertava. No que se

refere à princesa, Eduardo Silva registra que a mesma mandava levar as flores para sua

residência de verão, em Petrópolis. Nesse contexto de acobertamentos, as Camélias tornaram-

se o símbolo da Confederação Abolicionista e da luta pela abolição da escravidão.

Maria Helena Machado (1994) observa que no Brasil os movimentos sociais da década

da abolição convergiam de certa forma para a capital do Império. Tal afirmativa complementa

as informações de Alonso no que diz respeito ao viés reivindicatório dos intelectuais que

fizeram parte da geração de 1870, ou seja, a quebra do regime, pondo fim ao status quo

saquarema. Sidney Chalhoub (1990) ao estudar os processos criminais de escravos contra

seus senhores esbarra em um dos braços políticos da CA, que usava o dinheiro das ajudas

filantrópicas, para financiar os escravos na briga judicial pela sua liberdade.

A leitura das obras bibliográficas sobre Rui Barbosa também revelam a amplitude e a

busca da legitimidade deste para com os integrantes da Confederação Abolicionista. Dentre

essas obras podemos citar: Emílio Figueiredo Moran (1973), fundação Casa de Rui Barbosa

(1988) e Luiz Viana Filho (1941). Embora não tenha participado como membro integrante da

Confederação, Rui participou como pôde em defesa da causa negra, além de ter contribuído

com o arcabouço do Projeto Dantas, também se envolveu na polêmica “queima dos arquivos”

(Moran, 1973 e Viana Filho, 1941). Sabemos que a intenção de Rui foi se desfazer de todos os

papéis, livros de matrícula e documentos relativos a escravos nas repartições do Ministério da

Fazenda. Durante a campanha abolicionista Rui pronunciou inúmeros discursos em

conferências promovidas pela CA. Joaquim Nabuco, em jantar oferecido pelos abolicionistas

em homenagem a Dantas, não deixou de tecer elogios a Rui por sua ação infatigável na

legislatura de 1884. Dizia Nabuco:

“Sempre fiz votos para que a Propaganda abolicionista fosse enriquecida pela palavra e pelo talento de um moço, que é uma reputação do nosso parlamento, e que, tendo feito da liberdade religiosa e da propagação do ensino o seu duplo apostolado, devia necessariamente dar como pórtico a essas duas grandes reformas a libertação dos escravos” (Moran, 1973, p.49).

José do Patrocínio, em um pronunciamento a respeito da Lei do Sexagenário (1885),

dizia que “Deus ascendeu um vulcão na cabeça de Rui Barbosa” (op. Cit., p,56). Patrocínio

fazia referência ao discurso de Rui proferido no Teatro Polytheama (Rio de Janeiro), onde se

discutia a forma cômoda do Projeto Saraiva que resultara na lei do sexagenário em função da

exigência de liberdade incondicional implícita no Projeto Dantas.

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É preciso entender que tanto o Projeto Dantas (Lei do Ventre Livre), quanto Projeto

Saraiva (Lei dos Sexagenários), eram oriundos do partido liberal, entretanto, a diferença era

que o Projeto Dantas foi mais ousado e tinha três itens bem definidos: primeiro, a localização

provincial da escravidão, que serviu como cerco às províncias que possuíam um número

elevado de escravos, tendo como exemplo o Ceará em 1883 e, em seguida o Amazonas, as

quais tomaram decisões independentes a respeito da abolição; segundo, ampliar o fundo de

emancipação para compra de alforriais; em terceiro, libertar de forma automática todos os

escravos com mais de 60 anos. Esse era o ponto que gerava mais problema.

O gabinete Dantas foi pressionado e demitido, a briga no parlamento se acirrava a cada

dia, tudo porque o projeto não previa indenização aos proprietários de escravos. Quando o

Gabinete Saraiva subiu ao poder, as intenções de frear as críticas conservadoras já estavam

estabelecidas, e o projeto sofreu alterações: o escravo com mais de 60 anos perdia qualquer

valor e o senhor só cederia à alforria por meio de indenização. Esse trabalharia ainda por mais

três anos; o limite de idade para o serviço escravo passaria para 65 anos.

Percebe-se que os liberais procuraram evitar lutas políticas. Em meio a esse cenário, a

Confederação ia articulando todo um arcabouço sociopolítico: conferências, discursos em

praça pública, luta política dentro da câmara, loterias em promoção do fundo de emancipação e

até mesmo aparições em velórios e missas. Tudo servia de motivo para por em evidência a

causa maior: a Abolição. Numa espécie de reflexão sobre o movimento abolicionista, Nabuco

diz: “a verdade, porém, é que a corrente abolicionista parou no dia mesmo da abolição e no dia

seguinte refluía”. Nabuco talvez tenha feito uma autocrítica, pois decretada a abolição o

movimento se debandava e muitos de seus integrantes acabaram mudando de vertente política

com a chegada da República. Segundo ele, “o aparecer de mais uma classe social era a

consciência de que os negros não poderiam ser abraçados e unidos de força por aqueles que

lutaram juntos em busca do direito à própria liberdade”.

Rebouças sintetizou o espírito do movimento abolicionista a bordo do navio “Alagoas”

que o levou, bem como os membros da Corte, ao exílio. Se dirigindo a Princesa Isabel dizia

que: “se houvesse ainda escravos no Brasil, nos voltaríamos para libertá-los” (Nabuco, 1938,

p.180).

Todavia, podemos concluir que os estudos acerca da Sociedade Brasileira Contra a

Escravidão e da Confederação Abolicionista estão longe de serem esgotadas. Certamente

outras questões políticas, sociais e econômicas surgirão à medida que as fontes históricas

forem dando respostas às indagações quanto à organização política dessas associações anti-

escravidão. Verificamos que o surgimento da Confederação representou uma estratégia de

consolidação entre aqueles que idealizaram o fim do regime servil no Brasil. A SBCE cumpriu

seu papel, informou e conscientizou a população, além de abrir caminho para que outras

sociedades, clubes e associações fossem criados na Corte, o que contribuiu sensivelmente

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para o fim da abolição. Nesse cenário, em que os membros do movimento abolicionista

possuíam convicções políticas tão diferentes, podemos identificar que pelo menos no que dizia

respeito a abolição, os mesmos mantiveram-se organizados e coesos politicamente.

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CAPÍTULO II

Mulheres e Abolição: protagonismo e ação

Ser abolicionista, é ser amigo da verdade; é saber seguir os verdadeiros ditames da consciência; é preferir a luz às trevas; ser abolicionistas nesta época, em que o poder esquece o trilho dever para seguir somente o do interesse, é nobre, é tudo quanto a pena não poderá descrever! Sou abolicionista e jamais curvarei a fronte perante o interesse mesquinho, que pode trazer o cativeiro de nossos irmãos. (Adelaide Porto, Ave Libertas, p.4. Pernambuco, 1885)

Desde o início dos anos de 1880, as mulheres começaram a participar ativamente da

luta pela libertação dos africanos escravizados no Brasil. Essa luta se expressou através de

assinaturas em diversos livros de Ouro, fundações de associações abolicionistas, organizações

de festas beneficentes, tudo visando arrecadar fundos monetários cujo destino era à compra de

alforrias. A movimentação dessas mulheres em favor da abolição ainda contou com

publicações em periódicos e discursos em clubes abolicionistas, atividades que até então eram

designadas majoritariamente aos homens. Em relação aos periódicos, estes foram importantes

veículos de propaganda abolicionista e as mulheres, ainda que em menor número, foram

partícipes desse veículo de comunicação.

Revisando a produção historiográfica que trata do movimento abolicionista, é possível

perceber que existe um hiato historiográfico acerca da participação feminina num período tão

importante da história do Brasil.

Nesse capítulo vamos identificar o protagonismo das mulheres na dinâmica da

propagando abolicionista, local até então analisado a partir de perspectivas patriarcais, o que

de fato não nos surpreende, uma vez que a direção dos periódicos esteve nas mãos dos

homens. Leite (2005) discute sobre o papel da mulher em um cenário de domínio masculino.

Embora o pano de fundo tenha sido a Bahia e os periódicos direcionados à mulher baiana, nos

interessa o fato de que surge “uma consciência feminina de gênero”, ou seja, as mulheres

perceberam que faziam parte do espaço social até então dirigido pelos homens, e é a partir

dessa tomada de consciência, que as mesmas se inseriram no jogo político e social da

campanha pela abolição. Esse cenário de inserção feminina, na sociedade Imperial, será o

nosso objeto de estudo acerca das mulheres abolicionistas.

O excessivo destaque dado à figura masculina, fez com que a figura feminina fosse

vista a partir de uma ótica que podemos chamar “romântica”, ou seja, ao mesmo tempo em que

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a luta pela escravidão ganhava tons mais fortes por parte dos abolicionistas homens, a mulher

representava a doçura, a esperança, frente aos duros castigos que os escravos africanos

foram submetidos em terras brasileiras. Nos periódicos analisados neste trabalho, observamos

que as mulheres combateram a escravidão com mesmo fervor com que fizera os homens,

utilizando palavras duras e perspectiva social. Podemos acrescentar que a luta pela liberdade -

em seu sentido amplo - era uma causa feminina do final do séc. XIX, ou seja, a luta por direitos

civis e naturais.

A conjuntura discutida acima foi descrita em 1885 pelas senhoras abolicionistas

integrantes do clube Ave Libertas, localizado em Pernambuco. No folheto editado em

comemoração ao primeiro aniversário do clube, as senhoras explicitaram o tipo de

comportamento da ala escravocrata para com o grupo feminino. Mostrando as dificuldades

pelas quais passavam, as mulheres abolicionistas escreveram:

“O pendulo eterno dos tempos marcou um ano de existência para a sociedade Ave libertas. Apesar de tão pouco tempo de vida, ocupa esse pequeno, mas denodado grupo de senhoras um lugar vantajosissimo na galeria das glorias de nossa pátria, impondo-se a admiração e a consciência publica de Pernambuco como uma necessidade indeclivel e, aventuramos-nos a dizer, uma condição sine qua para o movimento abolicionista no Brasil. Sem aceitarmos as injurias e ápodos, as implicações hidrofóbicas, os qualificativos de que se despem para emprestar-nos nossos admiráveis escravocratas, sugadores do sangue humano; sem que caiba as amáveis antonomásias de pretoleiras e niilistas temos até o presente conseguido libertas cerca de 200 escravizados, travando esta renhida batalha, em que nossa infelicidade e vergonha, procura-se reconquistar o que pode haver de mais inalienável, de mais indestrutível, de mais santo, de mais sublime, a liberdade humana!” (Ave libertas. Recife, 8 de setembro de 1885, p.2) [grifos meus]

O texto produzido pelas senhoras abolicionistas de Pernambuco nos apresenta

informações importantes, ou seja, em menos de um ano de atividade a Ave Libertas já havia

libertado aproximadamente 200 escravizados. Em termos numéricos podemos achar que a

quantidade era ínfima, entretanto, no jogo das libertações, esse indicativo numérico reforça a

nossa defesa acerca do protagonismo feminino no enredo da campanha pela abolição. Além

disso, podemos acrescentar o fato de que as mulheres não se apresentavam e tampouco se

viam frágeis perante a sociedade patriarcal do Império brasileiro. Conforme nos indica Leite

(2005), a visão frágil lançada sobre as mulheres, é uma construção histórica. Para a autora,

“Historicamente a educação feminina se diferenciou da educação masculina pelas propostas pedagógicas que remontavam à organização escolar do Império e pelo processo de inferiorização a que era submetida à mulher quando seus dotes intelectuais vinham a tona” (Leite, op. cit. p. 273).

O adentrar dos anos de 1880 nos mostra que a mulher não se omitiu e se posicionou no

mundo dos homens. No cenário da campanha abolicionista, a presença feminina tornou-se

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constante nos festivais promovidos em favor da alforria dos negros escravizados. Essa ação

passava a ser fundamental em termos de conscientização social, residindo interesses políticos

objetivos por parte dos abolicionistas, já que o apoio feminino representava uma nova

ramificação para a campanha em favor da abolição. Ao mesmo tempo, iniciavam-se as

articulações entre abolicionistas brasileiros e estrangeiros, cuja conexão passava a ser

realizada por Joaquim Nabuco. Notadamente, além do apoio feminino nos festivais, o

movimento abolicionista abria mais uma frente de batalha, agora internacional. Com isso,

aumentavam as pressões sobre a ala escravagista e por consequência, sobre o Imperador,

que em meio aos interesses econômicos e políticos, relutava em apresentar ações concretas

para o fim do regime servil. Aos olhos internacionais, a imagem do Brasil decaía à medida que

o Governo brasileiro protelava a abolição.

Nessa arena repleta de interesses políticos, econômicos e sociais, a Gazeta da Tarde,

de 03/02/1880, informava: “A causa abolicionista triunfa, a escravocracia revolta-se, e,

impotente para vencer, blasfema e amaldiçoa a causa da humanidade, do progresso, da

civilização e do futuro”. A matéria prossegue exaltando o papel da mulher dizendo que:

“E é, por certo, animadas destes sentimentos, convictas dessas ideias, que muitas e distintíssimas senhoras de nossa sociedade, secundadas por exímios professores e distintíssimos amadores realizam em favor da benemérita Associação Central Emancipadora, uma grande e bela matinê musicale no dia 6 do corrente, no Teatro S. Luiz

11”. (Gazeta da Tarde, de 03/02/1880. p.2).

Esse número da Gazeta se referia ao início dos festivais abolicionistas iniciado na

Corte, cujos teatros: São Luiz e Polytheama Fluminense se tornaram o palco das atrações. A

matéria prossegue informando que o jornal O Abolicionista reeditou uma correspondência

publicada originalmente pelo periódico A Reforma12, de 10/12/1869. Esse jornal defendia um

programa liberal: reforma eleitoral, reforma judiciária, abolição do recrutamento militar e da

Guarda Nacional e a abolição da escravatura (Sodré, 1999, p.202).

Em 1865, o Brasil vivia uma época de agitações políticas tendo em vista a iminente

guerra contra o Paraguai. Assim, iniciou-se a fase da formação de um corpo militar para lutar

nos campos de batalha, ou seja, começava a fase de recrutamento, principalmente ao

“recrutamento forçado nas camadas mais humildes da população, constituída, sobretudo, de

11

Inaugurado no Rio de Janeiro, em 1870, o teatro São Luiz tinha duas fachadas, a da frente, para a Rua São Francisco de Paula, número 37 C, a outra fachada dava para a Rua do Cano, com a entrada de acesso do Imperador. A Rua do Cano é a Rua Sete de Setembro e o local onde existiu o teatro é, hoje, ocupado pela Galeria Silvestre - Rua do Teatro, 19. (Teatros Históricos do Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.ctac.gov.br/centrohistorico/TeatroXPeriodo.asp? cod=86&cdP=17> acessado em: 09/04/2013).

12

Segundo Sodré (1999, p.202) em História da Imprensa no Brasil, em 12 de maio de 1869, aparecia, na Corte, o jornal A Reforma. O manifesto de lançamento, de março era assinado por José Tomás Nabuco de Araújo, Bernardo de Sousa Franco,

Zacarias de Góis e Vasconcelos, Antônio Pinto Chichorro da Gama, Francisco José Furtado, José Pedro Dias de Carvalho, João Lutosa da Cunha Paranaguá, Teófilo Benedito Otoni e Francisco Otaviano de Almeida Rocha. O novo jornal foi impresso na tipografia da Francisco Sabino de Freitas Reis, comprada, adiante, pelo Centro Liberal. Teve oficina própria, por volta de 1870.

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negros, índios e miscigenados” (Silva, 1997, p.38). O jornal surgia em meio a esse contexto

histórico.

O Abolicionista, jornal que serviu como órgão divulgador das ações da Sociedade

Brasileira Contra a Escravidão (SBCE), reeditou em sua edição Nº 2, de 01 de dezembro de

1880, a carta publicada originalmente no A Reforma de 1869. Essa correspondência advinha

da Sociedade das Senhoras Amigas dos Negros (The Ladies Nigger Friend Society) de

Birmingham, Inglaterra. De acordo com Rocha (2009, p.40), essa sociedade trabalhava em

auxílio à British and Foreign Anti- Slavery Society.

No que concerne ao nome da sociedade de mulheres - The Ladies Nigger Friend

Society - é preciso tecer algumas considerações: (1) vale ressaltar que o jornal A Reforma não

reproduz o termo “nigger”, mais sim “negros”, entre aspas. (2) o uso de “negros”, entre aspas,

nos sugere que tenha sido uma ação intencional por parte dos redatores do periódico, já que o

mesmo tratava de temas polêmicos, e talvez a direção estivesse preocupada em chamar a

atenção para a matéria.

A fim de posicionar o leitor em relação ao contexto histórico que A Reforma está

inserido, adiante traçaremos a cronologia dos fatos. Por ora, faz-se necessário observar que a

carta das Senhoras Inglesas foi endereçada às Senhoras Brasileiras. Nela, as inglesas pediam

para que as senhoras brasileiras não compartilhassem com o horror da escravidão. A

postagem era um pedido formal para que as mulheres ajudassem na conscientização da

sociedade contra o regime escravista. O discurso das senhoras inglesas é marcado por apelos

sentimentais de cunho religioso, elaborado na fé cristã. Segundo Rocha (2009, p.50) existia

incutido no discurso “princípios prescritos no próprio estatuto” da British and Foreign Anti-

Slavery Society (BFASS), cujas senhoras inglesas eram auxiliares. De acordo com o autor, as

senhoras inglesas pregavam os “meios que são de caráter pacífico, moral e religioso”. Nessa

linha, diziam elas:

“Acreditamos que se não hão de ofender, atendendo que nós advogamos a causa daqueles que, não podem falar por si, daqueles que degradados quase até a condição de brutos, foram, todavia criados, a imagem do seu Deus, e por cujas almas imortais Jesus Cristo. Salvador do mundo, morreu na cruz” (Carta enviada pela The Ladies nigger friend society. In: O Abolicionista, 01 de Dezembro de 1880, p.04).

Buscando a cortesia, porém não se abstendo da crítica à sociedade brasileira, as

senhoras ingleses alertavam:

“Não receamos chamar a vossa atenção para o estranho fato de que, professando a santa fé cristã, vossa nação mantém em ilegítima sujeição um número de criaturas humanas maior que outro país qualquer do mundo.

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Imploramos-vos que cooperais para extinguir-se essa mancha que desonra o Brasil: e rogamos a Deus que lance sua benção sobre vós e vosso país.” (ibidem.p.04).

A assinatura da referida carta é atribuída a Hannah Joseph Sturge (1816 – 1896),

secretária da The Ladies nigger friend society. Hannah fazia parte da tradicional família Sturge,

conhecida por seu patrono e esposo Joseph Sturge (1793 – 1859), um conhecido Quaker

inglês13. Joseph Sturge foi fundador da British and Foreign Anti-Slavery Society (Sociedade

Antiescravista Britânica e Estrangeira). Segundo Rocha (2009, p.55), o artigo décimo primeiro

da BFASS “solicita e encoraja a formação de Associações Filiais de Senhoras para a

realização dos objetivos desta Sociedade14”. Dentro desse contexto, é possível entender

porque o nome Sociedade das Senhoras Amigas dos Negros (The Ladies nigger friend society)

e o fato da mesma ter sido criada para auxiliar a BFASS.

Ao observar a árvore genealógica dos Sturge15, verificamos que Hannah Sturge fazia

parte de um grupo de senhoras, com grande poder, que trabalhava nas sociedades

abolicionistas femininas inglesas. Em linhas gerais, podemos dizer que até o século XX, as

mulheres da família Sturge foram ativistas fervorosas. Em meio a tantas informações, a leitora

ou o leitor pode se perguntar: por que as abolicionistas inglesas endereçaram uma carta às

senhoras brasileiras? E quem teria sido o mediador?

Um trabalho mais acurado poderia revelar novas e importantes informações acerca do

ativismo feminista inglês de caráter abolicionista e a sua relação com o Brasil entre os séculos:

XIX - XX. Contudo, a presente pesquisa não se debruçará sobre essa questão. Porém,

podemos sinalizar algumas pistas fornecidas pelo periódico O Abolicionista, de 01 de

dezembro de 1880. Vejamos: em sua edição Nº 2, O Abolicionista traz a matéria intitulada

“Tópicos do Mês”. Nela realizou uma retrospectiva histórica da relação entre abolicionistas

estrangeiros e brasileiros. O tópico apresentou duas correspondências publicadas em

dezembro de 1869 pelo jornal A Reforma. A disposição das cartas em O Abolicionista teve a

seguinte ordem: Missiva Amigável (A Friendly Address) da Conferência Abolicionista

Internacional de Paris e Missiva da Sociedade das Senhoras Amigas dos Negros (The Ladies

Nigger Friend Society) de Birmingham. Fechando a matéria, a descrição na íntegra da

13

O movimento Quaker foi criado em 1652, pelo inglês George Fox, e pretendeu ser a restauração da fé cristã original, após séculos de apostasia. Eles se chamavam de

"Santos", "Filhos da Luz" e "Amigos da Verdade" – donde surge, no século XVIII, o nome "Sociedade dos Amigos". Quaker (também denomidado Quacre em Português) é o nome dado a vários grupos religiosos, com origem comum num movimento protestante britânico do século XVII. A denominação quaker é chamada de Quakerismo, Sociedade Religiosa dos Amigos (em inglês: Religious Society of Friends), ou simplesmente Sociedade dos Amigos ou Amigos. Eles são

conhecidos pela defesa do pacifismo e da simplicidade. 13

Esses dados foram retirados do trabalho de Antonio Penalves Rocha (2009): Abolicionistas brasileiros e ingleses: a coligação entre Joaquim Nabuco e a British and Foreing Anti-Slavery Society (1880-1902).

14

Antonio Penalves Rocha (2009, p.40-65) em seu estudo sobre Abolicionistas brasileiros e ingleses: a coligação entre Joaquim Nabuco e a British and Foreing Anti-Slavery Society (1880-1902). Traz à tona novas fontes históricas, resgatando as estreitas ligações entre Quakerismo inglês e o abolicionismo brasileiro.

15

Os dados relativos à família Sturge podem ser acessados em: http://www.geni.com/people/Joseph-Sturge/6000000001149021112 e http://en.wikipedia.org/wiki/Joseph_Sturge.

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Resolução de 1867 elaborada na Conferência Internacional de Paris16 que também já havia

sido publicada em dezembro de 1869, pelo jornal A Reforma.

É importante frisar que Joaquim Nabuco foi o mais importante elo entre abolicionistas

estrangeiros e brasileiros. Como Nabuco também fazia parte do corpo editorial do jornal O

Abolicionista, e mantinha laços ideológicos com José do Patrocínio, então diretor do Jornal

Gazeta da Tarde, podemos constatar que ambos transitavam com escritos jornalísticos nos

dois periódicos, daí a estreita relação entre: Gazeta da Tarde e O Abolicionista.

A sequência de correspondências e o ato internacional contra a escravidão, nos revela

que D. Pedro II há tempos vinha sofrendo pressões internacionais de diversos países pelo fim

do regime escravista no Brasil. Para termos noção desse vulto internacional contra a

escravidão, segundo a Resolução de 1867:

“A assembleia internacional das sociedades inglesas, francesas, espanholas e americanas contra a escravidão, faz um novo enérgico apelo à justiça dos soberanos e a opinião dos povos em favor da abolição definitiva e imediata do tráfico e da escravidão, já abolidos pela Inglaterra, França, Suécia, Dinamarca, Holanda, Estados Unidos, México, Repúblicas das América Central e da América do Sul e Regência de Tunis, mas ainda conservadas pela Espanha, Brasil, Portugal, Turquia e Egito, sem contar os países não civilizados” (O Abolicionista, 01 de Dezembro de 1880, p.03-05).

A resolução prossegue enfatizando que no caso do Brasil, o Imperador não estava

alheio às questões que envolvem a escravidão, consequentemente, o descaso do Império

continuava a resultar no atraso econômico e social brasileiro. Segundo o próprio O

Abolicionista, o agrônomo Paes Leme17 era um dos que mantinha contatos internacionais com

outras sociedades abolicionistas, sem contar a atuação de Joaquim Nabuco. Rocha (2009,

p.23), vai mais longe, informando que

“(...) nos anos de 1860, a BFASS solicitou um relatório sobre a escravidão no Brasil a Tavares Bastos, um leitor do Anti-Slavery Reporter

18, que atendeu a

solicitação e manteve contatos com ela. Nesse mesmo periódico encontram-se também referências a Nabuco de Araújo e Perdigão Malheiros.”

É importante observar que as relações internacionais entre abolicionistas brasileiros,

ingleses e americanos, contribuíram para que a carta enviada às senhoras brasileiras

16

Rocha (ibidem) aborda a questões da Conferência Internacional de Paris. De acordo com O Abolicionista, de 01/12/1880, formou-se em Paris uma delegação com todos os países que lutavam contra a escravidão, com a intenção de “promover a rápida extinção da escravidão e do tráfico de escravos em todo o mundo”.

17

De acordo com (Netto, 1870, p.4), Paes Leme era "agrônomo" e proprietário de estabelecimento agrícola dedicado "ao

desenvolvimento prático da nossa lavoura". O agrônomo colocou em prática soluções para tirar o Brasil do atraso na produção

canavieira, assim experimentou as melhores formas de cultivo nos canaviais, a exemplo da utilização dos restos da cana-de-

açúcar como estrume, da criação de valas para que os terrenos não sofressem encharcamentos e da util ização de máquinas

apropriadas. Com essa atitude ajudou no desaparecimento da moléstia que pairava sobre suas plantações.

18 Segundo Antonio Penalves Rocha (op.cit), o Anti-Slavery Reporter era o periódico oficial da British and Foreign Anti- Slavery

Society.

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ganhasse tão rapidamente as páginas dos jornais. Como verificamos no capítulo I, a SBCE

tinha por princípio a promoção de campanhas e reuniões doutrinárias, a propaganda via

imprensa e através das conferências. Essas ações se passavam em praticamente todas as

províncias do Império Brasileiro, e se intensificou a partir de 1883 com a criação da

Confederação Abolicionista. Acrescenta-se ainda, à mobilização da sociedade para pressionar

o Governo Imperial. Esses princípios, segundo Rocha (2009), advinham de experiências

inglesas. Contudo, mostramos que a Sociedade Libertadora Sete de Setembro já praticava

alguns destes princípios muito antes da SBCE, assunto o qual abordamos no Capítulo I.

Vale salientar que a tradução das respectivas cartas ficava a cargo dos abolicionistas.

Nabuco, a partir de 1880, manteve estreitas ligações com a British and Foreign Anti-Slavery

Society (Sociedade Antiescravista Britânica e Estrangeira). A partir de 1880, o movimento

abolicionista intensificou suas articulações políticas, aumentando sua coesão ao passo que

ganhava mais adeptos. Nesse contexto, as mulheres tiveram papel fundamental na

propagação das ideias em favor da abolição. Esse fato não se deve apenas a organização de

festivais, peças teatrais, musicais ou quermesses. A ação fundamental reside na consciência

feminina de gênero conforme aponta Leite (2005). Em outras palavras, as mulheres envolvidas

com a campanha abolicionista, assumiram papel de protagonistas no cenário pela libertação

dos brasileiros e africanos escravizados.

As ações dos abolicionistas empreendidas a partir 1880, têm seu embrião nos

intelectuais da geração de 1870, que segundo Alonso (2002, p.28), produziu obras filosóficas e

políticas, influenciando toda uma geração. Na vertente política, tivemos os “liberais-

democratas”: Joaquim Nabuco, André Rebouças, e “autoritários”, como Júlio de Castilhos,

Aníbal Falcão e Alberto Torres. Na linha filosófica destacam-se Pereira Barreto, Tobias Barreto,

Miranda Azevedo, Clóvis Beviláqua, Farias Brito, Silvio Romero, dentre outros envolvidos com

a temática abolicionista, porém divididos conforme suas posições políticas e ideológicas. Esses

homens chegam em 1880 já amadurecidos (Alonso, ibdem), e mudam qualitativamente a luta

abolicionista (Carvalho, 1996. p.16). Talvez por isso, o discurso expresso na Gazeta da Tarde

de 03/02/1880, já apresentava um tom de confiança nas ações futuras da propaganda

abolicionista. Para o jornal,

“A propaganda emancipadora, rápida e invicta, tem ecoado de Norte a Sul do Império, e evocado as mais francas e sinceras simpatias da velha e civilizada Europa. [...] Somos a justiça, somos a verdade, somos a civilização, e nada pode opor-se a nós, e nada pode vencer-nos” (Gazeta da Tarde, 03/02/1880, p.2).

Como indicamos anteriormente, antes de 1880 muitas mulheres já estavam engajadas

na luta pela abolição, seus propósitos iam ao encontro da própria liberdade, cuja pauta social

girava em torno do patriarcalismo. Sendo assim, acreditamos que a propaganda abolicionista

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fortaleceu a mulher no que tange as perspectivas de formarem elas, seus próprios clubes,

associações e sociedades contra a escravidão. “A propaganda emancipadora, rápida e invicta”

a qual menciona a Gazeta da Tarde, tem como partícipe importante à figura feminina. E

embora os lideres masculinos do movimento abolicionista tenham se referido as mulheres de

forma pontual ressaltando uma visão romântica, veremos adiante que as mesmas não se viam

assim, ou seja, as senhoras que lutaram pela abolição no Brasil tinham a plena consciência

das barreiras que enfrentariam, por isso escreveram:

“Sejamos as mártires do presente para sermos as heroínas do futuro. Senhoras brasileiras, não vos esqueças que nos corações da àquelas que amam com fervor a sua pátria estão estereotipadas em caracteres indeléveis estas três palavras sublimes: Deus, Pátria e Liberdade.” (Ernestina Bastos, Ave libertas. Recife, 8 de setembro de 1885, p.2) [grifos meus]

II. 1. As Sociedades, Clubes e Associações Abolicionistas Femininas existentes na Corte

A tabela abaixo foi desenvolvida a parir de dados retirados de algumas obras, bem

como de fontes, cujas sociedades, clubes e associações exclusivamente femininas ou mistas

(contendo em seu bojo mulheres e homens) se apresentaram como agentes na luta pela

abolição no Brasil. No caso especifico desta pesquisa, verificaremos apenas as sociedades,

clubes e associações que funcionaram no Rio de Janeiro. Todavia, é importante frisar que a

busca por novas organizações femininas não termina neste trabalho, pois as fontes disponíveis

no Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional e Arquivo Histórico do Museu Imperial em Petrópolis

ainda podem revelar informações preciosas acerca da participação feminina na campanha

abolicionista. Acreditamos que uma pesquisa mais acurada pode servir como um “pente fino”,

rastreando e mapeando novas senhoras abolicionistas outrora engajadas no movimento pelo

fim do regime servil no Brasil.

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Tabela II.1 – Lista de sociedades, associações e clubes abolicionistas exclusivamente femininos ou mistos localizados no Rio de Janeiro.

Sociedades, Clubes e Associações abolicionistas

Composição Fundação Província Sede e Reuniões

Sociedade da Libertação Mista 1871 Rio de Janeiro Ainda

desconhecida

Clube José do Patrocínio Feminina 1881 Rio de Janeiro Rua São Luiz Gonzaga, 39 –

sobrado

Associação de Senhoras Abolicionistas

Feminina 1883 Rio de Janeiro Ainda

desconhecida

Clube Carlos Gomes, sociedade feminina e musical

Feminina 1883 Rio de Janeiro Rua Carvalho de Sá,

nº 24

Libertadoras Cearenses no Município da Corte

Feminina 1883 Rio de Janeiro Rua Visconde do Rio

Branco, nº 10

Libertadoras do Município Feminina 1883 Rio de Janeiro Rua Visconde do Rio

Branco, nº 10

Clube Abolicionista Feminino Feminina 1885 Rio de Janeiro Ainda

desconhecida

Fontes: Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro (1881 – 1883); Alonso (2011) e Gazeta da Tarde (RJ), 1883.

Nossa pesquisa identificou algumas estruturas organizacionais das sociedades, clubes

e associações contidas na tabela acima. No que tange ao Clube Abolicionista José do

Patrocínio, D. Elisa Sarmento era a presidente; a vice-presidente era D. Virginia Villanova; D.

Henriqueta de Senna era a tesoureira e, D. Carolina de Vasconcellos a secretaria. Em relação

ao endereço deste clube, chegamos ao mesmo traçando um comparativo entre os sobrenomes

das mulheres do respectivo clube, com os dos homens abolicionistas que atuavam na Caixa

Emancipadora José do Patrocínio, situado na Rua São Luiz Gonzaga, nº 39 sobrado, Rio de

Janeiro. Observamos que algumas senhoras portavam o mesmo sobrenome dos homens cuja

sociedade possuía a mesma identificação, ou seja, estavam ligadas à figura de José do

patrocínio. Desta forma, supomos que D. Henriqueta de Senna era esposa de Emiliano Rosa

de Senna, então secretário da Caixa Emancipadora, não obstante, é bem provável que D.

Virginia Villanova possuísse laços matrimoniais com João Francisco Rodrigues Villanova, então

tesoureiro da Caixa Emancipadora.

Acerca do Clube Carlos Gomes, a presidência ficou a cargo de D. Evangelina Accioly; a

vice-presidência com D. Anna Carneiro; D. Guilhermina Carvalho era a primeira secretária,

seguida na hierarquia por D. Zulmira da Costa Pereira. A tesouraria era de responsabilidade de

D. Maria Carneiro. Até a presente data não localizamos relações familiares entre essas

mulheres e os membros deste clube abolicionistas.

A Gazeta da Tarde de 04/06/1883, com a matéria intitulada “Novas Libertadoras”,

informou que aparecia mais uma sociedade de senhoras abolicionistas na Corte. Segundo o

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periódico, “49 sociais” assinaram a lista aceitando o surgimento da sociedade. Seguindo o ritual

de criação,

“Foi eleita uma comissão de 9 senhoras encarregas de confeccionar os estatutos: esta comissão ficou composta das seguintes sociais: EExma. DD. Maria Nabuco, Clodes Jaguaribe, Emília Bastos, Antonia Moreira de Araripe, Fabia Maciel, Josephina Castagnier, Bertha Koller, Corina Gabriel e Divina Froes.” (Gazeta da Tarde, 04/06/1883. p.3).

Sabemos que essa sociedade era a Libertadora Cearense no Município da Corte. Assim

como fizemos anteriormente, cruzamos os nomes das senhoras, com os dos homens

integrantes da Sociedade Abolicionista Cearense. Identificamos que D. Clodes Jaguaribe

provavelmente seria esposa de Leonel Jaguaribe, o atual presidente da Sociedade

Abolicionista Cearense. Em relação às demais senhoras da Libertadora Cearense, nada

localizamos em termos de relações familiares até a presente data.

Todavia, devemos uma explicação ao leitor que certamente se pergunta o que fazia

uma Sociedade Cearense Abolicionista Feminina no Rio de Janeiro? Explicaremos a questão:

em 1º de janeiro de 1883, o município do Acarape (hoje conhecido como Redenção), localizado

na província do Ceará, decretava a abolição dos seus escravos. Para comemorar o feito, a

Sociedade Abolicionista Cearense (de composição masculina) formou na Corte, uma comissão

auxiliadora, cuja denominação fora: Libertadoras Cearenses no Município da Corte (formada

apenas por senhoras). Essa comissão, dentre outros atributos, ficou responsável pelos eventos

comemorativos na Corte em função da abolição no município do Acarape. Ao que tudo indica

as senhoras abolicionistas cearenses iriam se unir às senhoras cariocas com o intuito de

promover os festejos, ou seja, musicais, peças teatrais, quermesses beneficentes, além de

libertações de escravos. Entretanto, em 25 de março 1883 deu-se a abolição total na província

do Ceará, e a data ganhou uma simbologia mais ampla historicamente, deixando em segundo

plano o primeiro movimento de libertação de escravos: o de Acarape.

É importante mencionar, que o movimento abolicionista no Ceará foi altamente

organizado. Além do Libertador, os cearenses criaram em 1883 o jornal A Terra da Redenção

e, segundo informa este periódico, era ele o “órgão dos cearenses abolicionistas” na imprensa.

Conforme consta em sua primeira edição, a cronologia dos fatos, em 1883, foi: 1º de Janeiro

libertação do Acarape, 24 de maio, confirmação do movimento libertador pela redenção do

município da Capital, o 7º na ordem cronológica (A Terra da Redenção, 24 de maio de 1883,

p.1). Lendo as páginas do jornal, é possível compreender que uma parte dos abolicionistas

cearenses atribuía ao município de Acarape a primazia do movimento pelo fim da escravidão

na província do Ceará. Identificamos que diversas personalidades do movimento abolicionista

escreveram na edição inaugural do jornal, dentre alguns assinaram matérias: André Rebouças,

José do Patrocínio, Aluízio de Azevedo, Amélia Pinto de Barros Mendonça e Machado de

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Assis. Em relação a Machado, o mesmo escreveu: “A escravidão é a mancha negra. O Ceará

inventou a mancha cristalina. Pingou a liberdade em um ponto do território; o pingo vai-se

alargando e invadindo o resto. A mancha da escravidão é passageira, a da liberdade será

eterna” (Terra da Redenção, op. cit., p. 3).

Infelizmente não localizamos até a presente data o formato organizacional da

Libertadora Cearense no Município da Corte, porém a respeito de Maria Nabuco e Josephina

Castagnier, identificamos que as mesmas foram senhoras envolvidas com musicais na Corte,

cuja presença foi bem intensa em diversos eventos abolicionistas. Eram respectivamente

soprano e contralto.

No ano de 1884, especificamente em 30 de abril, a Gazeta de Notícias publicou uma

chamativa para um grande festival promovido pela Sociedade Abolicionista Cearense. A

festividade aconteceria em 05 de maio do corrente ano. O evento, segundo a Gazeta, foi

dividido em quatro partes: a primeira com a entrega de cartas de liberdade, o que podemos

supor que a Confederação Abolicionista estivesse envolvida; a segunda parte com “um

esplendido concerto, dirigido pelo insigne maestro Leopoldo Miguez” contando com o dueto

das sopranos e contraltos Maria Nabuco e Josephina Castagnier (integrantes da Sociedade

Libertadora Cearense no Município da Corte); a terceira parte contou com uma apresentação

individual das duas senhoras; e por ultimo, entre o “primeiro e terceiro intervalo” ocorreria uma

apresentação “da excelente banda de música do Corpo Policial de Niterói e nos outros

intervalos a excelente banda de música do Corpo Militar de Polícia da Corte” (Gazeta de

Notícias, 04 de maio de 1884, p.6).

Realizando uma análise preliminar, podemos constatar que o evento foi de grande

proporção, e, certamente, contou com a participação ativa das senhoras cantoras e

abolicionistas. Embora a Gazeta da Tarde de 04/06/1883 tenha intitulado as senhoras

abolicionistas como “Novas Libertadoras”, alguns pontos merecem destaque: (1) o trabalho de

Alonso (2011) aponta para a criação de uma “Associação de Senhoras Abolicionistas” em

1883, contudo não podemos dizer que a mesma tenha sido formalizada com este nome, uma

vez que a Gazeta, em sua edição anterior e posterior, apenas menciona a criação de uma

“associação de senhoras”, não nomeando a mesma; (2) sabemos que outra sociedade fora

criada no dia 05/06/1883, infelizmente as edições posteriores da Gazeta não nos direciona ao

nome dessa sociedade. Contudo, esta surgira com a promessa de se incorporar a

Confederação Abolicionista; (3) é possível verificar que a mulher ficou mais ativa frente às

questões abolicionistas, em contra partida, observa-se que o movimento abolicionista

acreditava no apoio e ação por parte das abolicionistas femininas.

Segundo Hahner,

“A emancipação da mulher estava adquirindo um significado cada vez mais vasto. No final do século XIX, algumas mulheres não mais queriam apenas

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respeito, tratamento favorável dentro da família ou direito à educação, mesmo educação universitária, mas sim o desenvolvimento pleno de todas as suas faculdades, dentro e fora do lar” (Hahner, 2003, p.81).

O surgimento da Libertadora Cearense no Município da Corte, com o objetivo de

confeccionar um estatuto, reflete para nós o quão articuladas estavam às mulheres

abolicionistas da Corte. Em meio à luta pela abolição, elas assumiam sobremaneira, um

importante papel de questionamento e ativismo de cunho abolicionista. Segundo a Gazeta da

Tarde de 04/06/1883, a formalização das novas libertadoras (Libertadora Cearense) aconteceu

“no Clube Mozart”, local onde ocorreu “a 1ª reunião das senhoras que se propuseram a fundar

uma sociedade abolicionista”. Aliás, ao que tudo indica, o Clube Mozart serviu como centro de

referência para as senhoras abolicionistas da Corte, pois das quatro sociedades identificadas,

duas endereçavam suas reuniões para o respectivo clube, o qual se localizava a Rua Visconde

do Rio Branco, nº 10 (ver tabela II).

Em relação ao estatuto, suas bases seriam a seguinte:

“1º A sociedade terá por fins promover a pronta resolução do problema servil, e a organização de institutos e escolas para receber os libertos em virtude da lei.

2º Será constituída por meio de sessões, com vida independente e economia separada, apenas sujeitas ao conselho eleita por assembleia no que diz respeito aos interesses gerais da ordem, sessões que tomarão a denominação de classes, profissões e arte em cujo seio tenham de buscar auxílio adesões. Cada sessão se subdividirá em duas partes: uma técnica e outra econômica.

A comissão de estatutos ficou ainda investida dos necessários poderes para promover desde já um concerto para a formação dos primeiros fundos sociais.” (Gazeta da Tarde, 04/06/1883. p. 3).

A Gazeta da Tarde de 05/06/1883, sob o título: “Senhoras Abolicionistas”, dizia que “a

organização de uma associação de senhoras, cujo valioso auxílio, tão temido pelos nossos

adversários, é uma força incontestável em prol da causa dos escravos”. Essa associação

surgia com grande respaldo e respeito por parte dos líderes do movimento contra a escravidão.

Ao mesmo tempo, a Gazeta informava que “a nossa satisfação sobe de ponto, tendo hoje de

noticiar a organização de uma outra associação de senhoras, a qual promete assumir

proporções colossais”. Sabemos que na Corte pelo menos quatro associações foram criadas

em 1883: Club Carlos Gomes sociedade Feminina e Musical, Associação de Senhoras

Abolicionistas, Libertadora Cearense no Município da Corte e Libertadoras do Município

(Alonso, 2011. p.188).

É possível identificar que a maioria das senhoras abolicionistas vinham da elite social.

Essa afirmativa é corroborada pela Gazeta da Tarde de 05/06/1883, onde enfatiza que as

“senhoras da mais alta distinção se colocarão as modestas esposas do operário, as honradas

filhas do povo”. E completa, “já estão lançadas as bases da auspiciosa associação, e mais de

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cem senhoras aderiram a ela [...]”. “Esta corporação grandiosa se filiará a Confederação

Abolicionista”.

Ainda no mês de junho de 1883, mais exatamente no dia dezesseis, a Gazeta da Tarde

mencionava mais uma organização de senhoras da elite que lutaria em favor da abolição. A

matéria foi intitulada “Senhoras Abolicionistas” e não possui assinatura. A Gazeta referia-se a

iniciativa “da simpática senhora condessa do Rio Novo, que ao falecer, entregava a sociedade

400 cidadãos, e que vai ser testemunha de mais uma tentativa civilizadora”. E completa a

matéria,

“(...) as senhoras brasileiras vão formar um centro de luz, um grande foco humanitário de onde se escaparão as irradiações que devem iluminar as frontes daqueles que por elas devem ser restituídos à sociedade de onde foram repelidos ignominiosamente. Benditos corações! Almas elevadas. Espíritos bons e livres! Nós vos abençoamos. Nós que dia e noite combatemos pela liberdade, pelas causas grandes, nós vos enviamos as saudações mais sinceras e verdadeiras [...]. Sejam bem vindas aos nossos Arraiais. Nós vos recebemos com as palmas mais convencidas” (Gazeta da Tarde, 16/06/1883).

Em 22 de junho de 1883, a Confederação Abolicionista na figura de seu presidente

João Clapp, solicitou a Câmara Municipal da Corte uma autorização verbal para que no dia 24

do referido mês ficasse aberto o paço municipal19. O objetivo era a realização uma reunião

declaradora com um grupo de senhoras abolicionista20. Infelizmente a documentação não

indica a qual grupo ou sociedade abolicionista essas senhoras pertenciam. Nossas conjecturas

apontam que Clapp talvez tenha se reunido com o grupo de senhoras criado em 05/06/1883,

então denominado “Senhoras Abolicionistas”. Acreditamos nessa possibilidade, pois este grupo

de senhoras surgia com o objetivo de se incorporar a Confederação Abolicionista. Não

obstante, é possível que outras senhoras abolicionistas dos demais clubes ou associações da

Corte tenham comparecido a reunião. Lamentavelmente, também não conseguimos revelar o

que seria uma reunião declaradora, todavia, é bem possível que a pauta não tenha fugido ao

tema: libertação de escravos.

A reunião solicitada pela Confederação Abolicionista revela o quão significativo foi à

inserção das mulheres no bojo da campanha pela abolição. À medida que os anos de 1880 iam

avançando, mais respeito e respaldo adquiriam as senhoras abolicionistas. Este fato reforça a

nossa defesa em relação ao protagonismo feminino na campanha pelo fim da escravidão. Em

19

O Paço Municipal era lugar aonde se localizava a Câmara Municipal da Corte. Este local também foi utilizado pelos Vereadores cariocas nas cerimônias de libertação de escravos pelo Livro de Ouro da Câmara. O prédio foi inaugurado em 1825, possuía dois

pavimentos e jardins nas laterais. Originalmente, a Câmara concentrava funções como inspeção de cadeias, instrução primária, fiscalização do funcionalismo, administração da polícia e outras. No Império, várias atribuições passaram à alçada do Ministério, limitando a ação municipal. O mesmo situava-se no Campo de Santana, entre as ruas São Pedro (lado direito da av. Pres. Vargas)

e do Sabão (esquerdo), ao lado da atual Escola Rivadávia Corrêa no centro do Rio de Janeiro. 20

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relação ao jornal A Gazeta da Tarde, é importante frisar que este não era um jornal

abolicionista qualquer, talvez tenha sido ele o mais importante periódico em favor da abolição.

O escritório da Gazeta servia como centro receptor de pagamento de assinatura, recebimento

de cartas e outros assuntos ligados a SBCE, O Abolicionista e posteriormente a Confederação

Abolicionista. O jornal esteve ligado a José do Patrocínio, então proprietário do periódico a

partir de 1881, adquirindo-o logo após a morte do também abolicionista e jornalista Ferreira de

Menezes. Patrocínio era um dos principais líderes masculinos do movimento pela abolição, e

assim como seus redatores, tratou sabidamente de tornar público à inserção das senhoras

abolicionista no cenário que compunha o movimento pelo fim da escravidão no Brasil.

Retornando a atitude da Senhora Condessa do Rio Novo, é possível compreender que

as concessões de alforrias formaram uma teia complexa de relações sociais, cujas motivações

deram-se pelas mais diversas causas. A atitude da Condessa não se tratou de uma aventura

solitária, como bem observa Kátia Mattoso (1990, p.184). Enfatizando as palavras de Mattoso,

a ação da Condessa não só libertava brasileiros e africanos escravizados, como incentivava,

sobretudo, outras senhoras da elite brasileira a praticar semelhante ação, promovendo

inclusive, a formação de um centro feminino pelo fim da escravidão.

II. 2. Mulheres e a abolição

É interessante observar que alguns autores usam termos distintos para classificar a

reunião de elementos sociais que desde o meado do século XIX, no Brasil, lutaram pelo fim do

regime escravista. Para Montenegro (1989), essa reunião formava os clubes abolicionistas. A

despeito do mesmo assunto Alonso (2011), classifica esses elementos como associação

abolicionista, buscando desta forma desconstruir a tese de que houvera um “insolidarismo”21 no

que se refere à luta pela libertação dos africanos escravizados. Verificando as fontes, podemos

constatar que alguns abolicionistas preferiram chamar de clube à reunião de homens e

mulheres que objetivavam lutar contra o regime de servidão no Brasil. Outros preferiram

nomear-se sociedade (fazendo clara referência ao modelo abolicionista inglês).

Independentemente do termo utilizado, houve de fato no Brasil uma espécie de

sentimento coletivo da ala abolicionista de cunho feminino. No caso das mulheres a tomada de

consciência de gênero, a busca pela própria liberdade incutida no interior da libertação dos

escravizados e um protagonismo evidente dentro da campanha pela abolição, compuseram um

conjunto de ações fundamentais, para o desenrolar do processo abolicionista de viés feminino.

Optamos por fazer uso da definição de Alonso (2011), uma vez que essas mulheres e homens

realizaram sem dúvida um associativismo abolicionista. 21

Ângela Alonso defende a tese de que as associações abolicionistas possuíam entre si laços de solidariedade. Na visão da autora, é preciso desconstruir a ideia de que o movimento abolicionista foi marcado por um insolidarismo, ou seja, aus ência de solidariedade.

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Fonseca (1887, p.244-248), ao relembrar as ações da Sociedade Libertadora Sete de

Setembro, (uma sociedade mista) fundada em 1869, menciona que o aparecimento de

mulheres vinculadas a uma associação contra a escravidão data deste período. Segundo o

autor, durante seus nove anos de atividade, a Sociedade Libertadora Sete de Setembro

“restituiu à liberdade cerca de 500 escravos, brasileiros e africanos”. Prosseguindo com suas

lembranças, Fonseca informa que essa sociedade em “1871 chegou a contar em seu seio mais

de 512 sócios, sendo 497 do sexo masculino e 15 do feminino”.

Antonio Torres Montenegro (op.cit.), ao analisar o mesmo período histórico, registra a

presença de uma mulher envolvida ativamente na causa da abolição. A mesma era Augusta

Generoso Estrella, a primeira médica brasileira. Na ocasião, Augusta aparece proferindo um

discurso no Teatro Santa Isabel22, em 28 de setembro de 1872. A médica era representante do

Clube Abolicionista do Recife, de composição mista.

Filha de família tradicional portuguesa, cujo pai era um rico e respeitado comerciante,

Augusta nascera no Rio de Janeiro, indo estudar medicina em Nova York com apenas quatorze

anos. Inicialmente não foi aceita na New York Medical College and Hospital for Women, uma

faculdade de medicina exclusivamente voltada para mulheres (Schumaher e Brazil, 2000,

p.366). Na ocasião Augusta tinha apenas 16 anos , entretanto a idade mínima para o ingresso

na respectiva faculdade era de 18 anos. Não convencida do indeferimento em 1875, Augusta

fez uma nova petição em 1876, onde expôs oralmente, perante os médicos americanos seus

motivos para prestar os exames admissionais. Realizados os exames, Augusta foi aprovada

ingressando em outubro de 1876 na New York Medical College and Hospital for Women.

A essa altura o caso da menina já era acompanhado em diversas províncias através

dos periódicos, porém, devido à quebra financeira de seu pai, a futura médica não teria mais

condições de estudar em Nova York. Sabendo da situação de Augusta, D. Pedro II ordenou por

decreto, em 1877, a constituição de uma mesada em dólares, equivalente a 100$000 réis e

uma quantia anual equivalente a 300$000 réis, destinada a vestuário (Schumaher e Brazil, op.

cit., p.366). Era costume do imperador conceder bolsas de estudo aos alunos que se

destacavam. Entre os 41 bolsistas que D. Pedro II enviou ao estrangeiro, Augusta era a única

mulher (Carvalho, et al. 2012).

Maria Augusta concluiu o curso em 1879, contudo não possuía a idade exigida pelo

estatuto da faculdade para receber o diploma. Assim, aguardou dois anos para completar a

maioridade e receber o grau de doutora em medicina. A Gazeta de Notícias publicara em 20 de

julho de 1880 o informe: “em uma casa da rua do ouvidor está exposto o retrado da Exma. Sra.

22

Fundado em 1837, por Francisco do Rego Barros futuro Conde da Boa Vista, presidente da província de Pernambuco de 1837 a

1844. O Teatro de Santa Isabel homenageia a Princesa Isabel. Inaugurado em 18 de maio de 1850, o mesmo está localizado à Praça da República s/n - Bairro de Santo Antonio - Recife/PE. Disponível em: http://www.teatrosantaisabel.com.br/conheca-o-teatro/nossa-historia.php. Acessado em: 24/10/13.

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D. Augusta Generoso Estrella, a primeira doutorada brasileira em medicina, em Nova York”

(Gazeta de Notícias, 20/07/1880, p.1).

Mulher, médica e abolicionista, Augusta rotineiramente era notícia nos periódicos da

Corte, de Pernambuco e, em particular, da Bahia (Schumaher e Brazil, ibidem, p.367). Abrindo

a sessão do Clube Abolicionista do Recife a ilustríssima Doutora informava:

“Meus Senhores e minhas Senhoras: Convidada pelos ilustres membros do Clube Abolicionista para assistir à festa da liberdade de alguns escravos, sinto-me entusiasmada, porque ela simboliza o fervoroso amor à causa da salvação de uma parte da família brasileira, que se acha ainda sob a lei cruel do cativeiro! Sim, meus Senhores e Senhoras, meu coração estremece de infinita alegria por ver que, a terra onde nasci em breve não será pisada por um pé escravo (...) O dia de hoje exprime duas sublimes manifestações: a do governo e Câmara dos Deputados que votou a lei da emancipação dos filhos de escravos, e da mocidade que, sentindo pulsar-lhe o coração em prol da causa dos escravos, tem trabalhado com energia inexcedível para diminuir o numero das vitimas de uma lei inumana e anti-social, que reduziu a criatura humana á cousa e não pessoa! Ah! Nada mais abjeto e vil do que separar de um todo útil uma parte para vilipendiá-la! Admira, certamente, como homens que estudaram o direito humano, que dizem acreditar em Deus; como os apóstolos de cristo possuíssem ou possuam escravos (...).

Esta festa é precursora de uma conquista da luz contra as trevas, da verdade contra a mentira, da liberdade contra a escravidão” (Montenegro, op.cit. p.36).

A promoção desses eventos residia na ideia de mobilizar a sociedade em favor da

libertação dos brasileiros e africanos escravizados, fato que se tornou comum entre os Clubes

emancipadores.

Uma das saídas encontradas pelas senhoras brasileiras para conscientizar a sociedade

foi à realização de festividades como: recitais, jantares e encenações teatrais. Enfim, todos

esses eventos serviam para arrecadar fundos, destinados a comprar alforrias e libertar os

escravos através do fundo de emancipação. Esse fundo nada mais era do que uma espécie de

poupança da ala abolicionista. O dinheiro que compunha o fundo também vinha de doações

filantrópicas como registra Montenegro (1989). Ficava evidente que a iniciativa de libertar os

africanos e brasileiros escravizados através da compra de alforrias era uma estratégia de luta

política.

Segundo o art. 3º, da Lei nº 2040, de 28 de Setembro de 1871, conhecida como a Lei

do Ventre Livre23, “serão anualmente libertados em cada província do Império tantos escravos

quanto corresponderem à quota disponível do fundo destinado para a emancipação”. Castilhos

23

A Lei nº 2.040, de 28 de Setembro de 1871 (Ventre Livre), criava o Fundo de Emancipação Nacional. O objetivo do fundo era

distribuir quotas anuais a todas as províncias do Império com o objetivo de libertar gradualmente os escravizados. Conforme o

Art.3 da lei do Ventre Livre: “serão anualmente libertados em cada Província do Império tantos escravos quantos corresponderem á

quota anualmente disponível do fundo destinado para a emancipação”. O dinheiro utilizado nas emancipações viria: 1º , da taxa de

escravos; 2º, dos impostos gerais sobre transmissão de propriedade dos escravos; 3º, do produto de seis loterias anuais, isentas

de impostos, e da décima parte das que forem concedidas d'ora em diante para correrem na capital do Império, 4º, das multas

impostas em virtude desta lei; 5º, das quotas que sejam marcadas no orçamento geral e nos provinciais e municipais, 6º e ultimo.

De subscrições, doações e legados com esse destino.

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e Cowling (2010) trabalham com as controvérsias existentes acerca do “Livro de Ouro”24 e sua

ligação com o fundo de emancipação, que segundo os autores passou a gerar extrema tensão

entre o Conselho Municipal do Rio de Janeiro e a Confederação Abolicionista.

Castilhos e Cowling explicam que inicialmente os abolicionistas não focalizaram o Livro

de Ouro como suporte político possível. Entretanto, à medida que as tensões políticas

aumentavam principalmente durante a substituição dos Gabinetes Dantas e Saraiva, o

movimento abolicionista, estrategicamente, expandia da Capital para outras províncias o

chamado “Livro de Ouro”. Este passava a registrar a quantidade de escravos libertos em

cerimônias abolicionistas, em diversas localidades do império.

Para cada localidade/província os clubes, sociedades ou associações criaram seu

próprio livro de ouro, intensificando de modo significativo às pressões políticas contra o

Governo Imperial. No Capítulo III, abordaremos mais especificamente as questões relativas ao

Livro de Ouro e Fundo de Emancipação no município da Corte. Para Castilhos e Cowling “o

Fundo se tornou uma fonte de tensões no coração político do Império entre o Conselho, o

movimento abolicionista local, a monarquia e o governo nacional”. O clima tenso tinha ligação

direta com as reais intenções políticas contidas entre escravistas e abolicionistas. O que estava

em jogo não era só a libertação de brasileiros e africanos escravizados, mas sim o ganho

político através da opinião pública do Império, que neste caso representaria um forte aliado nas

eleições. Não obstante, o fundo de emancipação representava também um forte arcabouço

político para ambos os lados, já que a utilização correta deste mecanismo de libertação poderia

acarretar reais ganhos através da opinião pública.

Nesse cenário de embates políticos Castinhos e Cowling informam que o Conselho

Municipal do Rio de Janeiro agia de forma a dificultar as ações da Confederação Abolicionista,

e consequentemente, a prática de compra de alforriais e a solenidade de assinatura do livro de

ouro. Segundo os autores, o conselho ainda proibiu a propaganda abolicionista nas ruas a

partir de 1884, evidenciando um verdadeiro entrave político entre governo e a ala em favor da

abolição.

A utilização do fundo de emancipação como estratégia política, e o Livro de Ouro como

símbolo de liberdade foi inevitável, já que o simbólico Livro passou a fazer parte de diversas

sociedades, clubes e associações em favor da abolição. O movimento abolicionista passou a

medir força com o Governo Imperial, que também utilizava o fundo de emancipação e o Livro

de Ouro como estratégia política. Ou seja, o governo também passava a anunciar e realizar

propaganda das suas ações emancipacionistas, contudo, por motivos tais como a morosidade

em votar à abolição imediata, atendendo aos claros anseios da ala escravocrata, cuja intenção

24

A respeito do “livro de ouro” ver trabalho de: Celso Castilho & Camillia Cowling. Unding Freedom, popularizing Politics:

Abolitionism and Local Emancipation Funds in 1880s Brazil. 2010. No referido artigo os autores mostram como o livro de ouro foi

um importante recurso político por parte da ala abolicionista. Acrescenta-se o fato de que Castilho e Cowling nos direcionaram para fontes primárias que tratam especificamente da temática Fundo de Emancipação e Livro de Ouro.

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era manter seu status quo Imperial, as ações do Fundo de Emancipação do Império foi pouco

efetiva. De acordo com Castilho e Cowling, o Conselho Municipal atribuiu a criação do Livro de

Ouro ao Império, haja vista que D. Pedro II assinou a primeira página em 1885, quando o

mesmo fora criado.

Em termos de estratégia política, podemos dizer que os abolicionistas conseguiram de

certa forma dar maior visibilidade ao processo de compra de alforrias. Ou seja, se utilizaram da

pouca efetividade do fundo de emancipação Imperial, para criar um símbolo extremamente

positivo no que diz respeito à liberdade dos africanos e brasileiros escravizados. Esses

também colaboraram com o próprio suor, juntando seu pecúlio e se utilizando do Fundo para

completar o que faltava para sua alforria, acelerando significativamente o processo de

liberdade (Chalhoub, 1990; Grinberg, 1994).

Ainda a respeito do fundo de emancipação, o parágrafo 4º da Lei do Ventre Livre

informava que seriam realizadas “seis loterias anuais isentas de impostos, e da décima parte

das que forem concedidas d’ ora em diante para concorrerem na capital do Império”. No dia 10

de Maio de 1883, a Gazeta da Tarde, jornal de vertente abolicionista, cujo proprietário era José

do Patrocínio anunciava a primeira grande loteria da Corte em benefício do Fundo de

Emancipação.

Figura II.1 – Primeira grande loteria da Corte em benefício do Fundo de Emancipação

Fonte: Gazeta da Tarde, 10/05/1883. p.1.

Em 13 de fevereiro de 1884, a Gazeta anunciou outra loteria no valor de 200:000$000.

Nesta edição, a Confederação Abolicionista solicitou o apoio das senhoras brasileiras e

estrangeiras no sentido de colaborar com o envio de prendas para a grande quermesse que

aconteceria em 25 de março deste mesmo ano. Segundo a Confederação, o evento

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aconteceria nos “jardins do teatro Polytheama Fluminense25”. As doações poderiam ser

entregues na própria sede da Gazeta da Tarde (Rua do Ouvidor nº 81), como também na Rua

do Livramento nº 40; Rua da Carioca nº 78; Travessa do Cassino nº 1 e no Clube dos Libertos

de Nictheroy (Niterói)26. O evento comemorativo era em decorrência da libertação dos escravos

na província do Ceará, cujo valor arrecadado seria revertido ao fundo de emancipação.

As fontes revelam que abolicionistas Cearenses e da Corte mantiveram contatos

permanentes. A Confederação Abolicionista foi talvez o maior elo existente entre essas duas

forças provinciais na batalha pelo fim da escravidão no Brasil. Embora as demais províncias

também tenham desempenhado fundamental papel na campanha abolicionista, o Ceará

tornou-se a província a ser seguida, em decorrência de ter abolido a escravidão já em março

de 1884. Não por acaso, os principais jornais de cunho abolicionista da Corte noticiaram

exaustivamente a situação no Ceará. A Gazeta da Tarde de 31/04/1884, com o título "Ceará

em Paris” noticiava:

“Lê-se no Messager Du Brésil de ontem: A festa da abolição no Ceará foi celebrada em Paris. José do Patrocínio quis unir-se, em pensamento, aos seus compatriotas e, em grande banquete que se efetivou no Breubaut em 25 de março, reuniu homens políticos, jornalista e literatos de todos os países para comemorar a libertação total de uma província do Brasil.”

A Gazeta ainda traz outras matérias indicando festejos em outras províncias que

também comemoraram a abolição no Ceará. A Confederação Abolicionista aparece

mencionada em alguns desses eventos. O importante a ser observado, contudo, é que, no que

se refere à utilização desses eventos festivos, o movimento em favor da abolição usou do

mesmo artifício implantado pelo Governo Imperial a título de cerimônia para libertar

escravizados. Todavia, ao agir localmente em diversas províncias, os abolicionistas

conseguiram ser mais efetivos, incomodando, sobretudo a ala escravocrata. O movimento

contra a abolição sentia-se na obrigação de prestar conta à sociedade do seu objetivo maior,

ou seja, alforrias concedidas.

O discurso da Dra. Augusta Generoso expressa esse caráter nacional que o movimento

deu ao fundo de emancipação. Podemos observar nas palavras da médica, pesadas criticas as

altas esferas sociais do segundo reinado. Nem a igreja foi poupada, até porque os

abolicionistas insistiam em dizer que a mesma compactuava com a escravidão.

Um bom exemplo dessa dissonância entre abolicionistas e Igreja se reflete na matéria

25

O teatro Polytheama Fluminense foi inaugurado em 1880. Ficava localizado à Rua do Lavradio, 94 - entre as Ruas da Relação e Rezende no centro do Rio de Janeiro. Teatros Históricos do Rio de Janeiro: Disponível em:

http://www.ctac.gov.br/centrohistorico/TeatroXPeriodo.asp?cod=45&cdP=15. Acessado em: 09/04/2013.

26

A cerca deste ultimo, não foi possível saber sua localização, importando para nós a presença de João F. Clapp como presidente deste clube.

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da Gazeta da Tarde, de 08 de Novembro de 1881. Sob o título: “A escravidão e a Igreja”, o

periódico critica a Igreja por manter laços de consentimento em favor da escravidão. Segundo

o jornal,

“A Igreja subscreveu a injustiça; sacerdotes e corporações religiosas possuíram escravos, e esses escravos eram católicos. Os filhos da igreja fundaram em nosso país a instituição do cativeiro, e ainda hoje é católica a escravatura brasileira [...]”

A matéria prossegue realizando uma série de indagações acerca da escravidão no seio

da Igreja. Em tom de crítica, o periódico também relaciona a instituição escravidão à ala

escravagista. Dessa forma, perguntava o periódico:

“Porque desprezam os católicos a voz de Isaias, e não deixam ir livres seus cativos? Porque despreza a Igreja a voz daquele que foi enviado pregar a redenção dos escravos? Quererá a Igreja comparar-se a esses tais católicos ou a certos republicanos e liberais que, de sobre as costas dos escravos, proclamam o seu amor às liberdades pátrias, como se não foram os escravos compatriotas nossos, e não houveram derramado seu sangue, e não houveram contribuído com a constância do seu trabalho para a prosperidade da Pátria?” (Gazeta da Tarde, 08/11/1881).

Ângelo Agostini27 que era abolicionista, também criticou a igreja em sua Revista

Ilustrada. Em 1878 o caricaturista publicou uma sequencia satírica acerca da venda de

escravos pela igreja em Campinas (São Paulo). Na ilustração de Agostini, cujo trecho

mostraremos segmentado devido a sua extensão, consta a ira do reverendo padre de

Campinas contra os abolicionistas do Clube da Lavoura. O que estava em jogo era a perda da

autonomia da igreja na execução do casamento civil, já que os abolicionistas entendiam que tal

responsabilidade deveria ser dos órgãos do governo. Diante desse entendimento, o Clube da

Lavoura de Campinas ira ao congresso solicitar a mudança de procedimento, o que certamente

traria prejuízos para os padres, e consequentemente para a igreja. Neste período outros

abolicionistas que se encontravam fora da província de São Paulo, também questionavam a

relação de compadrio entre igreja e proprietários de escravos. Em meio ao clima de lutas

políticas e recursos econômicos advindos da mão de obra escrava, Agostini desenhava:

27

Sobre a vida do italiano Ângelo Agostini e sua atuação à frente da Revista Ilustrada ver: Tese de doutoramente de Gilberto

Maringoni de Oliveira. Apresentada em 2006 na Universidade de São Paulo – com o título: Ângelo Agostini ou impressões de uma

viagem a da corte a capital federal ou Lopes, Aristeu Elisando Machado. Dois caricaturistas entre a memória e o esquecimento:

Angelo Agostini (1843-1910) e Eduardo Chapon (1852-1903), publicado na revista ESTUDIOS HISTORICOS – CDHRP- Dez, 2009

- Nº 3 – ISSN: 1688 – 5317.

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Figura II.2 – Ângelo Agostini satirizando a relação entre igreja e escravidão

Fonte: Revista Ilustrada de Ângelo Agostini, 1878, ano 3, nº 121, p.4.

Observando a figura acima, talvez se possa imaginar que os escravos estiveram

sempre passivos no cenário escravista brasileiro. Em termos historiográficos, há quem defenda

a ideia de passividade escrava, como fora o caso de Emília Viotti da Costa (1989). De acordo

com a mesma, os escravos tiveram papel secundário na luta pela própria liberdade. Na visão

de Viotti, isso só seria possível mediante uma “dádiva”. Não obstante, temos Gilberto Freyre

(1936) com o “mito da democracia racial” e a afirmação da convivência pacífica entre senhor e

escravo. Sílvio Romero também pensou na inferioridade negra, escrevendo que a

homogeneização da sociedade brasileira, se dava pela predominância biológica e cultural

branca e o desaparecimento dos elementos não brancos (Munanga, 1999). Embora este não

seja o mote do trabalho desenvolvido, é importante ressaltar que na virada do século XIX para

o XX, o negro era visto como incapaz de conviver em sociedade, bem como de constituir sua

própria família. Dessa forma, a ideia de superioridade “branca” se estabelecia no imaginário

social brasileiro. Autores como: Chalhoub (1990), Gomes (1995; 2005) e Grinberg (1994)

desconstruíram a ideia de que os negros foram passivos, indissociáveis, dóceis ou mesmo

boçais.

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O presente trabalho tem por objetivo acrescentar novos dados no que tange a não

passividade dos escravizados. No Capítulo III buscaremos no Livro de Ouro da Câmara da

Corte e no Fundo de Emancipação Nacional (relativo ao município neutro), a participação das

mulheres escravizadas ou libertas que no bojo da campanha pela abolição no Rio de Janeiro

lutaram pela própria liberdade, incluindo ainda nesta luta seus filhos e cônjuges. Se por um

lado as sociedades, clubes e associações exclusivamente femininas ou mistas, contribuíram

significativamente para o processo de compras de alforrias, por outro, o protagonismo das

escravizadas não pode passar despercebido, principalmente num período de luta tão

significativo para a historiografia brasileira.

Retornando a conturbada relação entre Igreja e Escravidão, Chiavenato (1999, p.24-25)

menciona que um dos primeiros papas a apoiar a escravidão foi Nicolau V (1397 – 1455),

através da bula Romanus Pontifex, de 8 de janeiro de 1455. Esse papa concedeu

exclusividade aos lusitanos nos negócios da África, inclusive para apresar negros e mandá-los

para o reino. Para o autor, Nicolau V teve seguidores enquanto o comércio de escravos foi

lucrativo e a Igreja católica recebeu comissões dos traficantes. Para Joaquim Nabuco,

“Nem os bispos, nem os vigários, nem os confessores, estranham o mercado de entes humanos; Bulas que o condenam são hoje obsoletas. [...] [...] a escravidão e o Evangelho deviam mesmo hoje ter vergonha de se encontrarem na casa de Jesus e de terem o mesmo sacerdócio. Quando mosteiros possuem rebanhos humanos, quem conhece a história das fundações monásticas, [...] só pode admirar-se de que esperem reconhecimento e gratidão por terem deixado de tratar homens como animais, e de explorar mulheres como máquinas de produção” (Nabuco, 2000, p78).

Na concepção dos abolicionistas, a Igreja ao longo de sua história compactuou em

determinados momentos com os horrores da escravidão, e isso justificava mais um braço ilegal

da carnificina que era o tráfico de escravos.

II. 3. Protagonismo em ação: o engajamento das mulheres na campanha abolicionista

No dia 24/04/1884, o jornal Libertador (órgão da Sociedade Abolicionista Cearense, cuja

composição era mista), localizado na província do Ceará, noticiava a fundação de uma

Sociedade Abolicionista de Senhoras em Pernambuco. A matéria do periódico trazia o seguinte

informativo:

“Telegrama – Do Recife recebemos a seguinte comunicação telegráfica, que registramos com muita satisfação em honra do movimento libertador da nobilíssima província de Pernambuco: Recife, 20 de abril, 4 horas da tarde. Ave, Libertas ! Com o título

– Libertadora 25 de março – fundou-se hoje uma Sociedade de Senhoras Abolicionistas, que estrearam sua empresa libertadora de cativos.

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O ato teve solene brilhante. A Comissão. Odilia Pompilio de Sá Albertina Rego Isabel Carpinteiro Leonor Porto Ciselina de Sá

28” (Libertador, 24/04/1884, p.02)

A matéria segue felicitando Pernambuco pela iniciativa, prevendo que essa província

tão logo iria libertar seus escravos. Em relação à mulher o texto dizia: “A mulher, que é o anjo

do amor, será também a divina cooperadora da obra sacrossanta da redenção dos cativos”.

Anne Carr (1997, p. 19) ao falar dos avanços acerca da concepção religiosa da mulher

no final do século XIX, afirma que, “parte da experiência concreta das mulheres (despertar da

consciência), concebe-se como luta coletiva pela justiça (solidariedade feminina) e tende a

obter uma transformação da Igreja e das estruturas da sociedade que seja compatível com as

implicações práticas do Evangelho”.

Seguindo a linha de pensamento de Carr, embora o Libertador tenha dado a figura

feminina tons religioso e adocicado, percebe-se o “despertar da consciência” trabalhando em

conjunto com a “solidariedade feminina”. Essas características lançam bases fixas a outra

soma de fatores que acabou por fazer da Ave Libertas uma das mais importantes sociedades

abolicionistas feminina do Brasil (Siqueira; Dantas, 1992); (Alonso, 2010).

A importância dessa Sociedade de Senhoras exclusivamente feminina reside na

amplitude dos seus objetivos, dentre os quais podemos elencar o posicionamento das mesmas

quanto às contradições existentes entre o direito natural e o direito civil, inerentes à instituição

escravidão (Mattoso, 1990). Esses assuntos até então representavam um tabu na ótica das

discussões ligadas ao sexo feminino. E diante de tal protagonismo, essa Sociedade de

Senhoras ganhou o respeito de tantas outras espalhadas pelo Império, daí entende-se porque

a Ave Libertas se tornou uma das mais importantes sociedades femininas contra a abolição no

Brasil. A expressão Ave Libertas é oriunda do latim, cujo significado pode ser entendido como

uma saudação a liberdade, ou seja: “salve liberdade” ou algo do gênero.

No contexto sociopolítico do período em estudo no qual podemos incluir a tomada de

consciência da população frente aos problemas oriundos da manutenção da escravidão, o que

de certa forma implicava em posicionamentos divergentes acerca dos rumos econômicos que

estavam ligados ao binômio entre trabalho livre ou escravo, assunto que ainda dividia opiniões

no seio do Império, e gerava fortes embates políticos. Acrescentamos ainda a tomada de

consciência da mulher assumindo seu lugar como protagonista em meio à conturbada

campanha abolicionista, e, por conseguinte, aos problemas cotidianos da sociedade brasileira.

28

Mantivemos a disposição original da matéria. As marcações em negrito e itálico são originais do periódico Libertador, apenas a

ortografia foi corrigida para o sistema ortográfico vigente.

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56

Para Siqueira e Dantas (1992), esse era o novo perfil feminino do século XIX. Segundo as

autoras:

“Essas mulheres mostraram-se organizadas e desfraldaram sua bandeira de combate ao governo, e contra o sistema, contra os políticos retrógrados que mantinham interesse na preservação do sistema social fundado na escravidão. Mais do que ninguém, as mulheres entendiam de opressão; mais do que ninguém, conheciam o valor da palavra LIBERDADE.”

O novo papel político da mulher enquadrava-se na própria tomada de consciência de

gênero e luta contra opressão oriunda do regime patriarcal o qual as mesmas foram

submetidas anteriormente. Nesse cenário repleto de lutas e conquistas, Leonor Porto toma a

iniciativa de fundar a Ave Libertas. Segundo o dicionário mulheres do Brasil, Leonor Porto

“Nasceu em Pernambuco, foi modista e costureira, vestindo as mais influentes famílias desta província. Teve grande destaque na luta contra a escravidão, integrando, no início da década de 1880, o renomado Clube do Cupim. Posteriormente, em 20 de abril de 1884, fundou com outras senhoras uma associação de mulheres abolicionistas denominada Ave Libertas, cujos objetivos eram promover, em Recife, a libertação de todos os escravos pelos meios lícitos e legais, bem como proteger os cativos, exigindo de seus senhores o término dos maus-tratos, castigos e torturas” (Schumaher; Brazil, 2000, p.326).

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57

Figura II. 3 – Imagem de Leonor Porto, presidente da Sociedade Abolicionista Ave

Libertas

Fonte: Biblioteca Nacional, acervo de obras raras, P16,1,186. Folheto comemorativo ao

primeiro aniversário da Sociedade Abolicionista Ave Libertas – 1885

Diferente de outras senhoras, Leonor não era uma mulher da elite imperial. Ao

contrário, encaixava-se no rol das mulheres trabalhadoras do final do século XIX, que tanto

contribuíram para o desenvolvimento do nosso país. Ao lado de Leonor, também tivemos as

senhoras Maria Amélia de Queiroz e Inês Sabino. Maria Amélia (poetisa e abolicionista)

nascera em Pernambuco, foi frequentadora do Clube Cupim (de composição mista),

“(...) ao longo do ano de 1887, proferiu palestras que marcaram a luta abolicionista em Pernambuco, levando ao público suas ideias e opiniões. Tornou-se uma das mulheres-símbolos da participação feminina na campanha pelo fim da escravidão no Brasil” (Schumaher; Brazil, op. cit., p.362).

Maria Inês Sabino Pinto Maia (feminista, escritora e abolicionista), nasceu em Salvador

(BA) em 31 de dezembro de 1853,

“(...) ainda menina mudou-se para Pernambuco. Por vontade do pai foi estudar na Inglaterra, mas não ficou muito tempo nesse país; com a morte do pai, voltou para Pernambuco, onde se tornou discípula do filósofo Tobias Barreto. Fez parte da sociedade abolicionista pernambucana Ave Libertas, composta somente por mulheres [...] Além de seu envolvimento com a causa abolicionista, Inês demonstrava preocupação com a invisibilidade e condição

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das mulheres na sociedade brasileira. Faleceu em 1911” (Schumaher; Brazil, op. cit., p.274).

É importante frisar que a Ave Libertas surgia em meio ao período de efervescência do

movimento abolicionista, que compreende os anos de 1880 a 1888, (Carvalho, 1996; Alonso,

2002; Sodré, 1999). As senhoras abolicionistas de Pernambuco editaram em 1885 um folheto

em comemoração ao primeiro aniversário da Ave Libertas, ocasião também organizaram uma

conferência abolicionista no Teatro Santa Isabel29 dirigida especialmente às mulheres

pernambucanas, além de estenderam a comemoração ao Ceará pelo fim da abolição naquela

província. Na capa do respectivo folheto estava estampado o busto de Leonor Porto (conforme

figura III acima). Em toda extensão do documento encontramos textos cujas senhoras

abolicionistas ressaltam o valor da mulher na campanha pela abolição, aliás, muito do que fora

dito no discurso promovido pela Ave Libertas, se correlaciona com os escritos encontrados no

folheto comemorativo. Com o título: “Ave Libertas!”, o folheto expressava como as senhoras

viam a inserção da mulher em tal contexto histórico. De acordo com as mesmas,

“A sociedade Ave Libertas sempre sobranceira diante dos seus adversários, sempre intransigente na luta que empreendeu, soleniza o 1º aniversário da sua instalação, conduzindo ao caminho da liberdade alguns irmãos, vitimas de uma lei sem princípios, e da odiosidade de todos aqueles que têm por divisa um interesse mesquinho. Seria para horrorizar se ao descambar o século XIX - o século dos maravilhosos inventos dos grandes talentos, e em que a luz da ciência dimana de todos os lados, não se erguesse altaneira a Liberdade! Mas, em compensação, ainda vemos quem ouse querer derruba-la, julgando-a ruína do país? Não importa: por maiores que sejam as barreiras que se anteponham a – grande causa; - por mais terríveis que queiram tornar-se os inimigos, através dos insultos, a sociedade Ave Libertas persistirá no campo de batalha. Ela seguirá sempre à frente as fileiras dos abolicionistas sinceros, de inabalável convicção, que desejam o engrandecimento da nação brasileira. E provando a sua dedicação a causa dos cativos distribui hoje algumas cartas de liberdade.” (Maria Carmelita, Ave Libertas, 1885, p.3) [grifos meus].

A consciência de gênero a qual mencionamos anteriormente, cujas mulheres percebem

que fazem parte do espaço social até então dirigido pelos homens, também é expresso no

folheto. Notamos, sobretudo, que as senhoras não se imiscuíram do papel de mulher, e

tampouco deixaram de criticar os meandros políticos da época, como a Lei do sexagenário em

1885. Conclamando pelas demais senhoras do Brasil, as abolicionistas pernambucanas

demonstravam a consciência de gênero a qual discutimos, e por isso escreveram:

“E agora que no Parlamento Nacional deu-se a questão do elemento servil, uma solução retrograda e que ainda seria muito atrasada e insuficiente se

29

Acerca da Conferência Abolicionista organizada pela Ave Libertas ver: CASTRO, Fernando de. Conferência Abolicionista no

Teatro Stª Isabel em 25 de março de 1885, promovida pela Sociedade Abolicionista Ave Libertas. Tipografia Apollo, 1885.

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fosse dada mesmo há 50 anos antes; agora que com a mudança de situação política os espíritos estão em oscilação; é a nós, mulheres, a nós, americanas, a nós, mães, filhas e esposas, que compete não desanimar, trabalhar pelos escravos; enxugar as lagrimas destes desprotegidos da fortuna, libertar a pátria, ainda que seja preciso subir de joelhos a sanguinolento calvário levando a cruz aos ombros, na frase de Legouvé

30.

Sejamos as martyres do presente para sermos as heroínas do futuro. Senhoras brasileiras, não vos esqueças que nos corações daquelas que amam com fervor a sua pátria estão esteriotypadas em caracteres indeléveis estas três palavras sublimes: Deus, Pátria e Liberdade” (Ernestina Bastos, Ave libertas. Recife, 8 de setembro de 1885, p.2) [grifos meus].

Para as abolicionistas da Ave Libertas, a inserção no jogo político e social da abolição

representava o ataque certeiro aos escravistas machistas e proprietários de escravos. De certa

forma, ao adentrarem na luta em defesa dos cativos, as senhoras possuíam a plena

consciência de que sofreriam ataques a moral feminina, como de fato aconteceu. Entretanto,

como podemos verificar, as pernambucanas estavam dispostas a enfrentar a sociedade

patriarcal, na qual viviam. Se Joaquim Nabuco é considerado um dos mais importantes

abolicionistas brasileiros, acreditamos que Leonor Porto estava no mesmo patamar de Nabuco

para as abolicionistas pernambucanas. Leonor foi escolhida a porta voz feminina na luta em

favor dos escravos. Não obstante, a evolução da mulher na sociedade era exaltada no folheto

da Ave Libertas, cujos escritos mostravam que,

“Em todas as grandes conquistas do progresso e da liberdade a mulher tem tomado uma parte bem saliente nos seus destinos. Quando a revolução Francesa de 1789 estendeu aos cinco ventos do Universo a sua gloriosa bandeira, a mulher dava exuberantes provas de que foi predestinada para as grandes lutas sociais, para o futuro da democracia moderna. No Brasil, na era em que imperam a monarquia e a escravidão, surge do seio da população pernambucana um núcleo de senhoras bem intencionadas, querendo quebrar os elos das grossas correntes que prendem os pulsos de nossos irmãos. É a sociedade Ave Libertas , que tem a sua frente Leonor Porto, a grande heroína da liberdade. Saúda a Ave Libertas na pessoa de Leonor Porto.” (Ismenia Maria Duarte Pinheiro. Ave Libertas, 1885, p. 3).

Ao realizarmos o cruzamento de algumas fontes históricas, percebemos que o termo

Ave Libertas não surgiu em 1884 com aparecimento da sociedade de senhoras abolicionistas.

Verificamos que tanto a Gazeta de Notícias, quanto a Gazeta da Tarde, publicaram diversas

matérias com a chamativa “Ave Libertas”, praticamente três anos antes da criação da

sociedade de senhoras.

30

Gabriel Jean Baptiste Ernest Wilfrid Legouvé (14 de fevereiro, 1807 - março 14 1903) foi um grande dramaturgo francês. Em 1847, ele começou o trabalho pelo qual é mais lembrado, suas contribuições para o desenvolvimento e educação da mente

feminina, com palestras no Colégio de França sobre a história moral da mulher: seus discursos foram coletados em um volume em 1848, o qual obteve grande sucesso. (Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Ernest_Legouv%C3%A9. Acessado em: 01/07/14).

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60

Em 1881 a Gazeta da Tarde já utilizava essa expressão no início ou no fim de algumas

matérias, o que nos leva a crer que o termo correspondia a uma espécie de saudação entre

aqueles que lutavam em favor da abolição. Provavelmente essa saudação inspirou o nome da

Sociedade de Senhoras do Recife, em 1884. A esse respeito, é possível verificar inicialmente

que o termo “Ave Libertas” não era exclusivo para assuntos de ordem feminina, como por

exemplo, a louvação quando do surgimento de associações ou sociedades de senhoras em

favor da escravidão. Observamos que o termo sempre aparece relacionado à temática

escravidão, contudo, imbricado em diversos assuntos: festivais abolicionistas, libertação de

escravos, discursos, meetings e etc. Nessas festividades era comum a execução do Hino da

Ave Libertas31, cuja autoria é atribuída ao maestro Euclides Fonseca (1854 – 1929).

Tanto as Gazetas de Notícias e da Tarde, como o Libertador, mencionam a execução

do hino em diversos festivais de libertação de brasileiros e africanos escravizados. Analisando

as fontes, verificamos que o hino não possuía letra, tratava-se apenas de uma execução

orquestral (Gazeta de Notícias, 10/04/1884. p. 2; Gazeta da Tarde, 10/04/1884. p.1 e

Libertador, 15/04/1884. p.2-3).

Na edição de 15/04/1884, o jornal Libertador publicou informações valiosas acerca das

festividades ocorridas em Recife, comemorando a libertação dos africanos e brasileiros

escravizados na província do Ceará. A matéria é extensa, e demonstra o quão representativo

foi o evento, que à época teve proporções bastante significativas no seio da sociedade

pernambucana. Na ocasião, a Ave Libertas esteve presente com toda a sua diretoria, além das

senhoras: Maria Amélia R. Teixeira, Florinda e Hermínia Maia, Urcicina Alcoforado, Maria C.

Rodrigues, Amélia Guimarães e Vessia de Araújo, todas compunham a banda de música da

sociedade de senhoras. Em decorrência das comemorações, diversos periódicos da província

de Pernambuco publicaram artigos relacionados à temática.

Segundo o Libertador, “toda a imprensa do Recife, quer diária, quer periódica, nemine

discrepante, celebrou o faustoso acontecimento, quer dando artigo editorial quer dedicando

exclusivamente ao mesmo assunto a folha do dia 25 de março”. Assim sendo, o Jornal do

Recife, Diário Pernambucano, Tempo e Folha do Norte trataram do assunto.

O que nos chama atenção na respectiva matéria do Libertador, é o registro da presença

do simbólico “Livro de Ouro”, da sociedade de senhoras Ave Libertas. De acordo com jornal

“(...) o livro ficou exposto pela manhã no salão do Teatro Santa Isabel e a tarde e a noite, no pavilhão do Campo das Princesas, ficou coberto de assinaturas, figurando nele além dos nomes dos beneméritos que libertaram gratuitamente escravos, muitas senhoras, a comissão diretora da festa, a imprensa, diversas autoridades civis, as comissões das sociedades convidadas e considerável número de outras pessoas que se associaram a ideia comemorada” (Libertador, 15/04/1884, p.3).

31

A sonora do Hino da Ave Libertas pode ser ouvida no site: www.dominiopublico.com.br.

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61

Acerca do Livro de Ouro da Ave Libertas, acreditamos que essa fonte histórica pode

revelar dados bastante significativos. Como indicamos, nossa pesquisa se debruçou sobre o

Livro de Ouro da Câmara Municipal da Corte, objeto de análise do Capítulo III deste estudo.

Todavia, é bem possível que o livro da Ave Libertas apresente informações valiosas no que

concerne a dinâmica das libertações na província de Pernambuco, incluindo as ações das

mulheres abolicionistas nessa complexa arena política e social do final do séc. XIX.

Uma amostra quantitativa em relação às alforrias concedidas na solenidade ocorrida no

Recife foi publicada pelo Libertador (órgão da Sociedade Abolicionista Cearense). Segundo o

jornal, “as cartas de liberdade foram em número de 71, sendo 55 concedidas gratuitamente por

diversos particulares ou obtidas por sociedades emancipadoras, e 16 obtidas com o concurso e

auxílio da comissão diretora das festas”. Prosseguindo com as informações em relação à

festividade, o periódico informava que fez parte do evento uma passeata, “tendo a frente às

bandas de música do Clube Carlos Gomes e da Sociedade 25 de Setembro” (sendo o clube e

a sociedade de caráter exclusivamente feminino). A passeata, após percorrer diversas ruas, foi

“à estação telegráfica terrestre, e expediu dali um telegrama de saudação à província do

Ceará”, também foram expedidos telegramas à “Libertadora Cearense, outro a S. M. o

Imperador do Brasil e o terceiro a Confederação Abolicionista da Corte”. Nos impressiona

contudo, a quantidade de telegramas enviados e recebidos pela Sociedade Abolicionista

Cearense. Achamos por bem relacionar a sequência de telegramas no corpo do texto, uma vez

que são raros os documentos históricos que dão conta da relação entre os clubes, sociedades

e associações que lutaram contra o fim da escravidão.

Segundo o Libertador, os telegramas recebidos pela Sociedade Abolicionista Cearense

foram:

“A Libertadora Cearense.- Pernambuco saúda Ceará Livre. Comissão Festejos, associações, povo, reunidos frente telégrafo, rendem pleito a primeira província livre do Brasil. Ave Libertas.

A. S. M. o Imperador. – Comissão 25 de Março cumprimenta Chefe Nação pela libertação Ceará.

A Confederação Abolicionista da Corte. – Comissão 25 de Março congratula-se convosco.

A Libertadora Mossoroense [Província do Rio Grande do Norte]. – Comissão festejos Ceará Livre saúda Mossoró. Ave Libertas! Honra Ceará e Mossoró!

- Fortaleza 25 de Março. – Ceará louco de entusiasmo, celebrando na praça pública uma sessão colossal, agradece ao povo Pernambucano e oferece ajuda-los na obra ingente de derrocar a ultima senzala brasileira.

- Iguarassu [ Província do Recife], 25 de Março.-

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Do Gabinete de Leitura Iguarassuiense a Comissão Central emancipadora. Parabéns, congratulamo-nos com o Ceará Livre.

- Fortaleza, 25 de Março.- Os Cearenses, não nós, poderão ter direito ao título de beneméritos. Obrigado, concidadãos.

- Goiânia, 25 de Março. - O Clube Abolicionista Goianiense congratula-se com os abolicionistas dai pela libertação do Ceará. Salve!

- Nazareth[ Província da Bahia], 25 de Março. - A redação do Thermometro felicita a congratula-se com o Clube Abolicionista e Nova Emancipadora. Saúda o Ceará e abraça seus filhos redimidos.

- Goiânia, 25 de Março. - O Clube Goianiense, em sessão magna, regozijou; cinco cartas de liberdade grátis.

- Goiânia, 25 de Março. - Ao Sr. Gomes de Matos. – Parabéns pela Emancipação do Ceará.- Gouveia.

- Palmares[Província de Alagoas], 25 de Março, - O Clube Literário de Palmares congratula-se com o ato patriótico da província do Ceará e faz ardentes votos pela redenção do elemento escravo em todo o Império.

- Recife, 25 de Março. – A Libertadora Cearense. – A redação do Ceará Livre saúda a benemérita província do Alencar e Nascimento. – Samuel Martins, Julio Falcão. – Lemos Duarte.”

De acordo com o jornal, a Sociedade Abolicionista Cearense respondeu os seguintes

telegramas:

“A Libertadora Respondeu nos Seguintes Termos:

Ao Ceará Livre. – Iracema livre agradece vossa honrosa felicitação.

- Recife, 25 de Março.- A Libertadora Cearense. – A Sociedade Liberal União Beneficente de Pernambuco, saúda e glorifica-a como benemérita da Pátria.]

Este telegrama teve a seguinte resposta:

- Fortaleza, 25 de Março.- Os Cearenses, não nós, poderão ter direito ao título de beneméritos. Obrigado, concidadãos.

- Recife, 25 de Março.- A Libertadora - O Clube o Clube Dramático Familiar saúda. Este telegrama, que foi expedido pela diretoria do Clube, teve em resposta um outro nestes termos:

- Fortaleza, 25 de Março. – Em no do Ceará Livre, obrigado irmãos.

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- A comissão 25 de Março –S. Majestade o Imperador agradece cordialmente as saudações do povo livre, associando-se a causa da emancipação dentro da legalidade.” (Sequência de telegramas recebidos e enviados pela Sociedade Abolicionista Cearense. Publicado em 15/04/1884 pelo periódico: Libertador).

A sequência telegráfica levou a assinatura de Lafayete Rodrigues Pereira. Também

conhecido como Conselheiro Lafayete que à época era primeiro-ministro do Brasil, e escrevia

artigos jornalísticos em alguns periódicos do Império.

A troca de telegramas revela o quão prestigioso foi o evento organizado pela Ave

Libertas. O prestígio dessa sociedade de senhoras perpassou os trâmites abolicionistas do

Livro de Ouro e alforrias concedidas. As mulheres pernambucanas ainda organizaram festivais

musicais, quermesses beneficentes, peças teatrais e editaram o seu próprio folheto em favor

da abolição. Nesse sentido, tanto a Sociedade Abolicionista Cearense como a Ave Libertas

representavam forças concretas na luta pela libertação dos escravizados na região nordeste do

Império. Outro fator a ser evidenciado é que a Sociedade Abolicionista Cearense recebeu as

honras pela conquista da abolição dos escravizados na província do Ceará, situação que

colocou em evidência os abolicionistas Cearenses em relação a todo sociedade Imperial.

Mencionando ainda os festejos pela abolição no Ceará, há que se registrar a resposta

por parte do Imperador. Valendo registrar também o fato do Libertador ter colocado

propositalmente a resposta do monarca como fechamento da sequência telegráfica, ou seja,

dentre todas as correspondências recebidas certamente a do Imperador exercia um valor

simbólico bastante significativo na luta pela abolição.

Independente das intenções dos abolicionistas cearenses, faz-se mister observar que a

Ave Libertas não logrou cerimônia em encaminhar um telegrama ao Governo Imperial,

agradecendo então pela libertação do Ceará. Essa ação, aos nossos olhos, evidencia o caráter

desafiador e independente da Sociedade de Senhoras Abolicionistas. Demonstrando o quão

ativas foram às mulheres na luta pela abolição. Segundo Alonso (2010), além do registro de

pelo menos 66 mulheres terem se juntado a Ave Libertas (Pernambuco), houve ao menos duas

dezenas de outras sociedades abolicionistas de senhoras no Rio de Janeiro, em São Paulo,

Pernambuco, no Rio Grande do Norte, Ceará, Amazonas, nas capitais e cidades pequenas.

A segunda sessão da Ave Libertas foi publicada pelo periódico Libertador de

15/05/1884. Embora pequena, a matéria evidencia a importância que tinha essa sociedade de

senhoras na região nordeste do Império. Segundo Libertador, os periódicos: Gazeta do Norte,

Diário Pernambucano, Folha do Norte, Tribuna, Jornal do Recife e o Binóculo publicaram a

libertação de quatro escravos pela Ave Libertas. Na ocasião, as escravas Juventina e Maria,

libertas pela Comissão Central Emancipadora, e os escravos João e Martinho libertos pela

“Exmª. Srª. D. Leonor Porto e pelo Sr. Manoel Carpinteiro Peres”. Além dessas libertações e da

mensagem de que os maiores periódicos da região haviam felicitado as senhoras pela atitude,

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o Libertador ainda informava que por força das comemorações da abolição no Ceará, Recife

promoveu “90 libertações, sendo 70 a título gratuito e 20 remuneradas”. Em 1885, quando a

Ave libertas completava um ano de existência, seu folheto comemorativo indicava que o

número de liberdades já chegava aos 200 escravizados (Ave Libertas, 1885, p.2).

O Libertador de 15/04/1884, ainda mencionou que durante os festejos pela abolição no

Ceará, fora publicado em edição única um folheto intitulado Vinte e Cinco de Março32. No

mesmo período de acordo com o Libertador foi editado também outro folheto de nome Ceará

Livre.

É importante esclarecer um fato bastante curioso: (1) o folheto Vinte e Cinco de Março

foi impresso pela tipografia de Augusto dos Santos, então localizada a Rua da Carioca, nº 31

na Corte (Rio de Janeiro). Em sua capa consta o informativo de que o folheto era uma

homenagem de alguns tipógrafos, da província do Ceará. Conforme consta no documento

histórico, este foi distribuído na Corte; (2) no que tange ao folheto intitulado Ceará Livre, cabe

mencionar que este não circulou no Ceará, mas sim na província de Pernambuco. Embora não

tenhamos provas contundentes, há indícios de que a Ave Libertas participou da confecção do

respectivo panfleto (Schumaher; Brazil, op. cit., p.326).

A despeito do folheto Vinte e Cinco de Março, este apresenta em seu conteúdo diversos

artigos exaltando o feito na província do Ceará. É possível identificar também alguns poemas

em homenagem ao Ceará, pensamentos de pessoas ilustres como Salles Torres Homem

acerca da libertação na província, enfim, o folheto apresenta dados bastante significativos para

estudos específicos acerca da abolição na dita província. O folheto Ceará Livre, apresenta

apenas três edições encontradas no setor de obras raras da Biblioteca Nacional. Acerca deste,

encontramos na terceira edição, em 28 de setembro de 1884, uma relação nominal dos

escravizados libertos pelo Clube Abolicionista Ceará Livre. Achamos por bem publicar a

respectiva relação, pois os demais artigos que compõe as outras duas edições foram escritos

por estudantes de direito, engenheiros e tipógrafos, muitos pertencentes ao Clube Ceará Livre.

Nas três edições encontramos discursos, pensamentos e poemas, todos relacionados à

bravura da província do Ceará, que a essa altura gozava da simpatia de diversas províncias,

tendo em vista o feito de ter posto fim a escravidão na região.

Sendo assim, na terceira edição do folheto cuja homenagem era aos escravos, “o Clube

Ceará Livre distribui hoje treze cartas de liberdade, promovidas pelo fundo social, aos

seguintes escravos:”

“1º Ponciano, 40 anos, de Francisco Theodoro Macedo. 2º Miguel, 38 anos, de D. Anna Joaquina de Sá Barreto.

32

Os dados acerca do panfleto 25 de Março podem ser acessados no sítio: http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx

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65

3º Venâncio, 34 anos, de Antonio José da Cunha. 4º Eduardo, 41 anos, de Antonio Pedro Cavalcanti de A. Lins. 5º Felizarda, 31 anos, de Joaquim Ramos Lins Wanderlei. 6º Paula, 24 anos, de Manoel Lins Paes Barreto. 7º Rosa, 32 anos, de Francisco de Paula Costa. 8º Zephirina, 48 anos, de D. Maria Joaquina Mendes da Silva. 9º Andresa, 35 anos, de Francisco Cardoso Cavalcante. 10º Anna, 23 anos, de D. Emília Carneiro Rodrigues Campello. 11º Maria, 48 anos, de Antonio Innocencio Rodrigues Luna. 12º Izadora, 28 anos, de D. Francisca Anglada. 13º Dorothvia, 22 anos, de João Irinêo Paes Barreto. Esta última carta foi gratuitamente concedida” (Ceará Livre, Recife, 28 de setembro de 1884).

É possível constatar pelos acontecimentos históricos, que a província do Ceará

levantou os mais diversos sentimentos abolicionistas em homens e mulheres envolvidos com a

causa dos cativos. Não obstante, a relação das mulheres e homens escravizados libertos pelo

Clube Ceará Livre, nos revela uma importante tendência emancipacionista do período, ou seja,

na dinâmica das libertações, o número de mulheres alforriadas apresentou-se maior do que a

dos homens. No Capítulo III, verificaremos os pormenores das libertações de escravizados

através do Livro de Ouro da Câmara Municipal da Corte e do Fundo de Emancipação Nacional

(relativo também ao município da Corte). Nossas análises apontam para o fato de que a

dinâmica das liberdades femininas seguiu uma tendência semelhante em provinciais distintas,

reforçando a ideia de que o protagonismo feminino na campanha abolicionista se deu por

diferentes formas.

II. 4. Novas mulheres e outras sociedades abolicionistas.

Em meados de 1883, mais especificamente em 14/06/1883, era criada na província de

Belém, a Sociedade Abolicionista Redentora dos Cativos. A mesma era de cunho misto, ou

seja, no seu bojo existiam homens e mulheres, porém a sociedade agia em duas frentes, uma

masculina e outra feminina. Em relação à estrutura feminina, a diretoria de senhoras era

composta por: DD. Izabel Nogueira, presidente; Sebastiana da Silva, 1ª secretária; Ignez A. G.

de Oliveira, 2ª secretária; e as Exmas. Sras. DD. Paula Pinto, Raymunda Guimarães e Emília

da Silva, diretoras (Diário de Belém, 14/06/1883. p.2). Ainda de acordo com o jornal, “o número

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de associadas já excede a 50 e o dos associados a 30”. Fechando a matéria, lia-se o seguinte

texto: “a febre do entusiasmo vai já passando ao belo sexo, que com os seus dedos de rosa

vão quebrando os grilhões das escravas mães de livres!”.

Compreendemos que a frente feminina em Belém vinculada a Sociedade Abolicionista

Redentora dos Cativos reforça a hipótese do protagonismo feminino na campanha pela

abolição. Como bem mencionou o jornal, o número de mulheres evolvidas com a sociedade

abolicionista era quase o dobro da masculina. No sentido de homenagear a respectiva

sociedade, o periódico paraense publicava a “crônica redentora”, cujo objetivo era prestar

contas aos leitores acerca de ações emancipacionistas na região. Desta forma, a crônica trazia

informações sobre alforrias concedidas na província de Belém ou em outras localidades,

divulgava ações filantrópicas e libertações de escravos a título gratuito (sem indenização paga

ao senhor pelo escravo ou escrava liberto), enfim, tudo que se relacionava a escravidão era

resumidamente publicado na respectiva crônica.

Ainda na região norte, em 1884, outra província também constituía uma sociedade

feminina em favor da escravidão. No dia 12/05/1884 o Libertador publicava:

“Libertadoras Amazonenses – Na cidade de Manaus fundou-se no dia 24 de

Abril uma sociedade de senhoras abolicionistas, que aliaram-se desde logo ao

compromisso solene de libertar a província do Amazonas até o dia 5 de

Setembro do corrente ano.

O ato realizou-se no salão de honra do palácio do governo, e a eleição do

conselho administrativo da mesma sociedade conferiu os títulos de:

Presidente

D. Elisa de Faria Souto

Vice-Presidente

D. Olympia Fonseca

1ª secretária

D. Philomena Antony

2ª secretária

D. Isabel Bitencourt

Tesoureira

D. Clotilde de Albuquerque

Diretoras

D. Maria de Souza Lopes Ferreira

D. Tertulina Moreira

D. Albina Sarmento

D. Guilhermina de F. Souza

D. Maria Bessa Teixeira

D. Carolina Braga

D. Adelina Fleury

D. Jovina Cabral

D. Carlota B.*

D. Celina Hosanah

D. Evarista Moraes” (Libertador, 12/05/1884, p.02) [grifo original do

documento histórico].

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De acordo com estudo de Pozza Neto33 (2011), as Libertadoras Amazonenses

possuíam em estatuto bem definido, o qual explicitava as normas de atuação e os objetivos de

sua criação, cujos artigos indicavam:

“1º A sociedade denominar-se-há <<Amazonenses Libertadoras>>

2º Cada sócia contribuirá com uma joia e a mensalidade que fôr converncionada.

3º Para dirigir os trabalhos será eleito um conselho administrativo composto de dozesócias, das quaes será: 1 presidente, 1 vice-presidente, 2 secretarias, 1 thesoureira e 7directoras.

4º A directoria reunir-se-há em sessão ordinária uma vez em cada semana e extraordinariamente sempre que fôr preciso por amor dos intuitos sociaes.

5º Os detalhes para regular o funcionamento da directoria serão oportunamente estabelecidos.

6º As fundadoras da sociedade <<Amazonenses Libertadoras>> empenham todos os seus esforços para conseguir a realização dos fins á que se destina a mesma sociedade” (Jornal Abolicionista do Amazonas. 4 de maio de 1884. Número 1, apud Pozza Neto, 2011).

No período concernente a criação da sociedade feminina em Manaus, o caricaturista e

abolicionista Ângelo Agostini publicava em sua Revista Ilustrada uma homenagem ao

movimento abolicionista na província do amazonas. Embora não saibamos ao certo se Agostini

fez menção proposital às libertadoras amazonenses, fato é que, o caricaturista atrelou a

imagem da uma mulher ao movimento de libertação em Manaus. Como podemos verificar na

figura abaixo, é uma mulher a responsável por sustentar a bandeira da liberdade na respectiva.

33 Pozza Neto em sua dissertação de mestrado intitulada: Ave Libertas – ações emancipacionistas no Amazonas

Imperial. (2011). Realiza um estudo importante acerca do movimento abolicionista na Província do Amazonas.

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Figura II.4 – Revista Ilustrada de Ângelo Agostini homenageando a campanha abolicionista no Amazonas

Fonte: Revista Ilustrada de Ângelo Agostini, 1884, ano 9, nº 387, p.7.

Nessa busca por novas atrizes sociais e políticas, encontramos a Senhora Elisa de

Faria Souto (abolicionista), nascida em Manaus (AM),

“Filha de Teodoreto Carlos de Faria Souto, presidente da província do

Amazonas.

Comemorando o primeiro ano de libertação dos escravos cearenses, em 24 de

abril de 1884, foi criada em Manaus uma sociedade feminina, as Amazonenses

Libertadoras, que tinha como objetivo a emancipação de todos os escravos

existentes no solo amazonense. Elisa, que participara desde o início do

movimento de criação da entidade, foi eleita presidente” (Schumaher; Brazil,

op. cit., p.191).

É interessante observar que o Dicionário de Mulheres do Brasil traz as demais senhoras

abolicionistas correlacionadas a figura de Elisa, não havendo outras biografias das senhoras

envolvidas com o movimento de libertação dos cativos no Amazonas. Contudo, é importante

frisar para o leitor, que a emersão dessas mulheres na historiografia brasileira ainda requer

esforços que vão além do protagonismo das mesmas na campanha abolicionista. Certamente

Schumaher e Brazil deram um valoroso passo ao identificarem inúmeras mulheres que

participaram ativamente de questões importantes para a transformação da sociedade

brasileira. Diante dessa lacuna historiográfica, a pesquisa realizada procura trazer ao público

outras informações sobre as mulheres oitocentistas e sua participação no cenário social e

político. Entretanto, o protagonismo das mulheres brasileiras esteve presente em diferentes

pontos do Império, incluindo a Região Norte. Segundo Schumaher e Brazil (ibidem, p.191), “a

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força da luta abolicionista no Amazonas, que congregou também outras entidades, foi tão

significativa, que em 30 de março de 1887 foi abolida a escravidão nessa província, um ano

antes da Lei Áurea”.

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Capítulo III

Emancipadas pela lei de 1871: o Ventre Livre, o Fundo de Emancipação e o

Livro de Ouro da Câmara Municipal da Corte.

Bravo! Modernas Espartanas! Bravo! Admiráveis Cornelias brasileiras! Bravo! Denodadas propugnadoras do Bem! É mais que nobre, é sublime Ver da mulher a missão De livrar a escravidão Os condenados sem crime! (Carlota Alves. Ave Libertas, Recife, 4 de setembro de 1885. pp.3-4).

Nos capítulos anteriores apresentamos o protagonismo feminino entre os anos de 1880

a 1888, no bojo do movimento abolicionista. Esse recorte temporal condiz com o período da

campanha abolicionista em sua fase mais aguda e, diante desse cenário procuramos

contextualizar a importância do movimento abolicionista feminino e seu engajamento nas

questões políticas e sociais, resguardando, entretanto, as barreiras do regime patriarcal então

vigente. Todavia, é possível afirmar que essas mulheres contribuíram significativamente na

composição final do processo emancipatório no Brasil.

Através dos periódicos foi possível realizar o mapeamento dessas sociedades

abolicionistas de caráter exclusivamente feminino e/ou mista espalhadas pelo Império. Nesse

contexto, entendemos que a dinâmica feminina de inserção no cenário abolicionista perpassou

o caráter patriarcal do império brasileiro do século XIX. Em outras palavras, as mulheres

romperam a barreira do cotidiano doméstico fazendo-se presentes em um dos períodos mais

importante da história do Brasil. Dimensionar as ações dessas mulheres é uma tarefa que

ainda requererá apuramento refinado das fontes históricas. Contudo, o Capítulo II deste

trabalho procurou mostrar o quão valoroso foram os relatos de sociedades mistas ou

exclusivamente feminina atuando de forma contundente contra a escravidão em todo o Brasil.

Dentre aqueles os quais mostramos, podemos citar: a Sociedade Libertadora Sete de

Setembro que atuou na Bahia a partir 1869, a Sociedade Abolicionista Cearense, a qual

mantinha uma filial exclusivamente feminina no Rio de Janeiro a partir de 1883, e a Sociedade

Abolicionista Ave Libertas (conhecida também como Libertadora 25 de março), criada em

Pernambuco no ano de 1883 – que acabou por se tornar uma das mais importantes

sociedades abolicionistas femininas do país.

Tendo os jornais como meio de vinculação de suas ações, essas sociedades atuaram

simultaneamente e por diversas vezes conectadas entre si. Seus objetivos eram comuns.

Todas desejavam o fim do regime servil no Brasil. Também podemos afirmar que essas

sociedades tomavam conhecimento das ações de suas iguais através dos periódicos ou via

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71

telegramas. Por conseguinte, ainda procuramos por outras fontes que corroborem mais

categoricamente a efetiva orquestração entre as mesmas.

A despeito das fontes históricas de caráter jornalístico, podemos dizer que essas trazem

consigo informações importantes, tendo em vista que o impresso no Brasil apresentou ainda

uma relação íntima com a conjuntura política do país, quando as tipografias e livrarias, ao fazer

circular livros, periódicos, panfletos e folhetos escritos, transformavam-se em locais também de

discussão e de sociabilidade (Neves, 2011, p.1). Esse espaço geográfico não era inacessível

às mulheres abolicionistas, e tampouco estavam alheias ao contexto político-social vigente. Em

se tratando especificamente do Rio de Janeiro, temos um exemplo claro da participação

feminina frente ao cotidiano carioca. Em 22/03/1884, Francisca Alves Vieira (primeira secretária

e representante feminina da Sociedade Abolicionista Cearense34, na corte), encaminhou um

documento à Câmara Municipal pedindo licença para instalar lamparinas e galhardetes no

Jardim da Guarda Velha35. A intenção das abolicionistas era realizar um bazar de prendas e,

segundo a secretaria, o espaço escolhido para a colocação dos postes com iluminação

compreenderia a zona da Rua Gonçalves Dias, canto do Largo da Carioca, até o portão da

frente do Jardim da Guarda Velha. A filial feminina objetivava iluminar o espaço, primando pela

segurança. Mas não era apenas isso. O bazar visava arrecadar fundos para a libertação de

escravos e, mesmo sendo um documento informal, trata-se de uma ação de extrema

relevância, já que o pedido foi assinado por uma mulher que representava um grupo de tantas

outras que lutavam pela abolição.

Em função dessa documentação de caráter social e político, atentamos para a questão

de que a vida imperial carioca apresentava uma diversidade de forças centrípetas em prol da

abolição. O espaço cotidiano do Rio de Janeiro possuía jornais exclusivamente abolicionistas:

Cidade do Rio, Gazeta da Tarde e O Abolicionista (Carvalho, 1996); diversas sociedades

abolicionistas ligadas a um centro político organizado, ou seja, a Confederação Abolicionista

(CA), que mesmo possuindo um caráter aglutinador, não impedia que as sociedades

confederadas agissem formalizando seus fundos voltados à captação de recursos para

libertação de escravos.

O revezamento no poder entre os partidos conservador e liberal agitava a vida política

do Império e, diante deste fato, a Confederação Abolicionista sabia que todo o apoio à causa

da abolição seria bem vindo. Seguindo essa linha, em 22/06/1883, João Clapp presidente da

CA, remeteu um documento a Câmara Municipal da Corte, solicitando permissão verbal para

que no dia 24 do referido mês, ficasse aberto o Paço Municipal da referida Câmara. Segundo

34

AGCRJ. CM; ESC.6.1.1.1 - Microfilme CM-ESC-001 – Libertação de Escravos 35

A Rua da Guarda Velha foi absorvida pelo novo jardim do Largo da Carioca no Rio de Janeiro. Havia no começo desta rua, na

altura do Hotel Avenida (onde hoje encontramos o Edifício Avenida Central) um corpo de guarda, encarregado de manutenção da

ordem entre os escravos aguadeiros. Daí passaram a chamar o local de rua da Guarda Velha. Para mais informações acerca do

local acesse: http://wikiurbs.info/images/b/b4/Dunlop_rua_guarda_velha.pdf.

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Clapp, a CA iria se encontrar com um grupo de senhoras a fim de fazer uma reunião

declaradora36. Infelizmente o presidente da CA não especificou o que seria uma “reunião

declaradora” e, tampouco, localizamos a resposta dos vereadores, permitindo ou não a

utilização do espaço para a reunião. Como indicamos no Capítulo II, nossas conjecturas

apontam que Clapp talvez tenha se reunido com o grupo de senhoras criado em 05/06/1883,

então denominado “Senhoras Abolicionistas”. Mantemos esta possibilidade, pois o respectivo

grupo de senhoras surgiu com o objetivo de se incorporar a Confederação Abolicionista.

Achamos que a reunião seria oportuna tanto para as senhoras, como para Clapp, uma vez que

o encontro poderia delinear as diretrizes do apoio feminino na campanha pela abolição na

Corte. Não obstante, é possível que outras senhoras abolicionistas dos demais clubes ou

associações da Corte tenham comparecido a reunião. Também é quase certo afirmar, que a

pauta da “reunião declaradora” provavelmente envolveu o conteúdo libertação de escravos.

E é nesse contexto que surgia o emblemático do Livro de Ouro. Este livro era um

recurso com forte caráter simbólico, utilizado por diversas associações e clubes abolicionistas

espalhados pelo Império. O mesmo servia como uma espécie de notificação social, já que

expressava o nome dos senhores que, de “boa fé e compaixão”, entregavam seus escravos

para serem libertados. Entretanto, apesar da “boa fé” e da “compaixão”, esses mesmos

senhores não abriam mão de receber suas indenizações pela caridade efetivada. A Câmara da

Corte aproveitando-se do prestígio que o respectivo livro trazia, não logrou tempo em

formalizar o seu próprio Livro de Ouro. Todavia, diferentemente do que podemos pensar, o livro

da Câmara dividiu opiniões entre abolicionistas e políticos, cujas questões aprofundaremos

adiante.

Essa atmosfera abolicionista de sociedades, panfletos, jornais, discursos e ações

filantrópicas fazem parte de um enredo simbólico repleto de representações e significados.

Sobre esse contexto, podemos compreender que essas representações são entendidas como

classificações e divisões que organizam a apreensão do mundo social como categorias de

percepção do real. As representações são variáveis segundo as disposições dos grupos ou

classes sociais, aspiram à universalidade, mas são sempre determinadas pelos interesses dos

grupos que as forjam. O poder e a dominação estão sempre presentes. As representações não

são discursos neutros, produzem estratégias e práticas tendentes a impor uma autoridade,

uma deferência e, até mesmo, a legitimar escolhas. Ora; é certo que elas colocam-se no

campo da concorrência e da luta. Nas lutas de representações tenta-se impor a outro, ou ao

mesmo grupo, sua concepção de mundo social, ou seja, de que os conflitos, tão importantes

quanto às lutas econômicas são tão decisivos quanto menos imediatamente materiais

(Chartier, 1990, p. 17).

36

AGCRJ. CM; ESC.6.1.1.42 - Microfilme CM-ESC-004 – Escravos.

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Buscando inserir-se no efervescente clima abolicionista da Corte, a Câmara Municipal

também atuava libertando escravizados através do Fundo de Emancipação Nacional, cuja base

legal era a Lei de 28 de setembro de 1871 (Lei do Ventre Livre). Cabe-nos abrir um adendo

para informar que o Fundo de Emancipação Nacional era subordinado ao Ministério da

Agricultura Comércio e Obras Públicas. Não diferente de tantas outras sociedades

abolicionistas, a Câmara logo tratou de por um funcionamento o seu Livro de Ouro, e é a partir

dos dados contidos no livro da Câmara da Corte que buscaremos entender a dinâmica das

emancipações.

Esse acervo documental foi analisado através de um olhar específico, cujo objetivo foi

compreender a percepção dos Vereadores da Corte acerca da aplicação da Lei de 28 de

setembro. Principalmente no que tange a execução do benefício às mulheres escravizadas e

seus filhos, outrora chamados de ingênuos.

É importante frisar que esse processo não se desenrolou de forma isolada, ou seja,

diversas outras Câmaras Municipais a exemplo do Ceará e Recife possuíam seu Livro de Ouro,

além de realizarem libertações mediante os recursos oferecidos pelo Fundo de Emancipação

Nacional. A partir dos registros deixados pela Câmara Municipal da Corte, foi possível

estabelecer uma análise qualitativa das libertações efetivadas. Selecionamos alguns estudos

de caso para ilustrar como os processos abertos por escravizados e/ou libertos foram tratados

pela Junta Classificadora de Escravos da Câmara Municipal da Corte. Verificamos também as

listagens de libertações realizadas entre os anos de 1876 a 1886. Assim, foi possível levantar a

quantidade de escravas libertas, o número de crianças libertas em função da mãe ter ganhado

a liberdade, a média de idade das mulheres e homens libertos, as profissões mais comuns

entre os escravizados, seja mulher ou homem. Enfim, optamos pela análise dos documentos

oficiais e procuramos observar nessa documentação qualquer indício da luta dos escravizados

em busca da própria liberdade, seus interesses familiares e suas angustias pessoais, mesmo

que nas suas entrelinhas.

Aliás, para que o leitor entenda, existia uma diferença de ordem política entre o Livro de

Ouro e o Fundo de Emancipação Nacional. No que tange ao livro da Câmara, este foi criado e

coordenado pelos vereadores cariocas, possuía regulamento próprio criado pela Câmara

Municipal da Corte, cujos vereadores trataram de vincular o mesmo à imagem da família

imperial. Daí uns dos motivos do livro ter gerado divergências entre abolicionistas e políticos. O

Fundo de Emancipação Nacional também possuía regulamento próprio, porém vinculado a Lei

do Ventre Livre. Sua atuação não era local como foi a do Livro de Ouro da Câmara, pelo

contrário, o fundo possuía abrangência nacional, cujo controle ficava a cargo do Estado. Era de

responsabilidade dos vereadores a classificação e seleção dos escravos a serem libertos pela

quota anual do fundo distribuído pelo governo. Observaremos que regulamento do Fundo de

Emancipação foi respeitado, pelo menos no que diz respeito às libertações anuais. Outro ponto

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a ressaltar, é que, provavelmente, à medida que iam se processando as libertações,

certamente aumentava a angustia dos escravizados e escravizadas. Pois a Câmara da Corte

apreciava os pedidos de inclusão de escravos a serem libertos: fosse por pecúlio dos próprios

cativos, fosse por entrega do senhor em troca de indenização ou mesmo a título de libertação

gratuita. Estes poderiam ser classificados para libertação através do Livro de Ouro ou Fundo

de Emancipação Nacional.

III. 1. As questões legais do processo emancipatório feminino

A partir de 1870 percebe-se uma mudança de atitude em relação às questões sobre

escravidão, as mesmas foram marcadas por um novo viés abolicionista. Se anteriormente

questões como escravidão e monarquia representavam um tabu em termos de discussão

política, a necessidade de reformas e de ruptura do status quo imperial, contribuía para a

emersão de múltiplas manifestações públicas de protesto, exacerbando a demanda liberal por

reformas. Estamos a nos referindo as associações de proprietários, manifestações populares,

associações abolicionistas, militares, republicanas, literárias e outras congêneres. Essas

mudanças sociopolíticas tinham acentuado a urbanização, ampliado o acesso ao ensino

superior e concentrado a população com recursos de mobilização nas maiores cidades do

Império. A nova estrutura de oportunidades políticas propiciou, assim, a formação de coalizões

de grupos politicamente marginalizados, isto é, de ações concentradas contra a elite imperial

em nome de programas gerais. Centralizou o protesto. (Alonso, 2011, p.99, 275).

Até 1808 a imprensa periódica não praticava o debate e a divergência política no

contexto do absolutismo português, ainda que ilustrado. De acordo com (Morel, 2008, p.30), é

na criação de um espaço público de crítica, quando as opiniões políticas assim publicizadas

destacavam-se dos governos, que começa a instaurar-se a chamada opinião pública. Somado

ao novo momento da imprensa, os meetings, debates políticos, processos de escravizados

contra seus senhores, quermesses beneficentes e as conexões internacionais entre

abolicionistas brasileiros, americanos, ingleses e espanhóis, transformavam o cenário do Brasil

escravista (Penalves, 2009; Carvalho, 1996, Chalhoub, 1990; Grinberg, 1994, Silva, 2003 e

Gomes. et al, 2012). Embarcando nesse novo viés contestatório, a campanha contra a

escravidão acirrava ainda mais o movimento contra a manutenção do regime servil no Brasil.

Não obstante, os vereadores da Câmara Municipal da Corte, então pertencentes à alta

camada da sociedade imperial, também se envolveram com o processo emancipatório.

Todavia, seus artifícios de contestação tenderam para as brechas nas leis imperiais, que de

certa forma, tornaram-se o substrato para esses políticos. Em outras palavras, os vereadores

se utilizaram deste aparato legal para libertar em maior quantidade as escravas (sexo

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feminino), em detrimento dos escravos (sexo masculino). Diante desse posicionamento, a

pergunta normal a se fazer é: por qual motivo as mulheres foram privilegiadas?

Ao trabalhar com a questão da emancipação e do Livro de Ouro da Câmara Municipal

da Corte, Camillia Cowling37 menciona que “os vereadores nunca discutiram os motivos da

decisão de libertarem as mulheres”. Para a autora, os homens da câmara “pareciam achar que

o motivo era óbvio”, já que “seguia-se o princípio legal (de origem romana) chamado em latim

de partus sequiter ventrem, que significa que o status legal do individuo seguia o ventre”.

Camillia então conclui que, “quando os membros da Câmara Municipal da Corte contemplaram

o estabelecimento de um fundo parecido, já existiam muitos precedentes que ligavam o

processo de emancipação ao ventre, cabendo aos vereadores simplesmente seguir o que

poderíamos chamar de uma “lógica do ventre livre””.

Lana Lage e Renato Pinto Venâncio (1991, p.32), informam que havia uma predileção

pelas mulheres no bojo do processo emancipatório. Para esses autores, “uma pista para

compreendermos o maior número de alforrias de meninas talvez esteja na tendência das forras

em permanecerem no lar do senhor trabalhando como domésticas, ao passo que entre os

forros o banditismo e a mendicância eram destinos mais frequentes”. Luiz Carlos Soares (2007,

pp.277-278), estudou as categorias e modelos de alforriais no Rio de Janeiro entre os anos de

1851 a 1888. Segundo o autor, a predominância das alforrias em benefício do sexo feminino se

dava “pelo fato de serem as mulheres empregadas em maior número em atividades

domésticas, que possibilitava maior intimidade e afeto da parte dos senhores”. De acordo com

Soares, “alem disso, como o valor das mulheres cativas sempre foi mais baixo do que os dos

homens, para os senhores ficava mais barato dar mostra da sua bondade alforriando aquelas

em maior número, em vez destes”.

Em nossa pesquisa, constatamos que as libertações oriundas do Fundo de

Emancipação para o Município da Corte, também privilegiou o sexo feminino. Conforme os

dados contidos nos relatórios de libertações, as mulheres desempenhavam em sua grande

maioria a função de serviço doméstico. Essa verificação vai ao encontro do posicionamento de

Lage, Venâncio e Soares. No que tange aos homens, notamos que boa parte destes

executavam profissões como a de pedreiro, ferreiro, jornaleiro, hortelão, lavrador, tanoeiro e

copeiro. Se por ventura esses tiveram inclinação para banditismo ou mendicância após suas

libertações pela câmara municipal, isso não podemos afirmar.

Para nós, o posicionamento de Lage e Pinto, assim como o de Soares, reflete melhor a

predileção pelas alforrias femininas. Contudo, o princípio romano partus sequiter ventrem

defendido nos estudos de Camillia Cowling, não pode ser ignorado, pois existia uma ligação

direta entre o princípio romano e a lei do ventre livre. Adiante, verificaremos que a lei de 28 de

37

XAVIER, Giovana; FARIAS, Juliana Barreto e GOMES, Flávio. (orgs). Mulheres negras no Brasil e dos pós-emancipação. p.

215.

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setembro de 1871 (Lei di Ventre Livre), acabou por se tornar o suporte legal para os

Vereadores da Câmara Municipal da Corte. Também observaremos que o próprio regulamento

do Livro de Ouro da Câmara Municipal aglutinava o entendimento de algumas leis para assim

formalizar sua predileção pelas mulheres escravizadas. Por ora, vejamos o que dizia alguns

artigos da lei de 28 de setembro de 1871 ao “pé da letra”.

“Art. 1º Os filhos de mulher escrava que nascerem no Império desde a data desta lei, serão considerados de condição livre. § 1º Os ditos filhos menores ficarão em poder o sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão obrigação de criá-los e trata-los até a idade de oito anos completos. § 4º Se a mulher escrava obtiver liberdade, os filhos menores de oito anos, que estejam em poder do senhor dela por virtude do § 1º, lhe serão entregues, exceto se preferir deixa-los, e o senhor anuir a ficar com eles. Art. 3º Serão anualmente libertados em cada Província do Império tantos escravos quantos corresponderem á quota anualmente disponível do fundo destinado para a emancipação. § 1º O fundo de emancipação compõe-se: 1º Da taxa de escravos. 2º Dos impostos gerais sobre transmissão de propriedade dos escravos. 3º Do produto de seis loterias anuais, isentas de impostos, e da décima parte das que forem concedidas d'ora em diante para correrem na capital do Império. 4º Das multas impostas em virtude desta lei. 5º Das quotas que sejam marcadas no Orçamento geral e nos províncias e municipais. 6º De subscrições, doações e legados com esse destino. § 2º As quotas marcadas nos Orçamentos províncias e municipais, assim como as subscrições, doações e legados com destino local, serão aplicadas á emancipação nas Províncias, Comarcas, Municípios e Freguesias designadas.

Art. 4º É permitido ao escravo à formação de um pecúlio com o que lhe provier de doações, legados e heranças, e com o que, por consentimento do senhor, obtiver do seu trabalho e economias. O Governo providenciará nos regulamentos sobre a colocação e segurança do mesmo pecúlio

§ 2º O escravo que, por meio de seu peculio, obtiver meios para indemnização de seu valor, tem direito a alforria. Se a indemnização não fôr fixada por accôrdo, o será por arbitramento. Nas vendas judiciaes ou nos inventarios o preço da alforria será o da avaliação

38.”

Em 17/10/1876 a Câmara Municipal da Corte lançava seu edital para “quota do Fundo

de Emancipação”. Adiante, iremos realizar uma análise qualitativa das quotas recebidas pelo

38

Coleção de Leis do Império do Brasil - 1871, Página 147 Vol. 1 (Publicação Original)

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Município Neutro (Rio de Janeiro), compreendida entre os anos de 1876 a 1886. Neste

momento nos ateremos em verificar o referido o edital:

“A junta classificadora dos escravos residentes neste município, procedendo de conformidade com o regulamento de 15 de Novembro de 1872 e Decreto nº 6341 de 20 de Setembro último, classificou as famílias de escravos a que se refere à cópia anexa ao presente edital, para se libertarem aqueles cujo valor pode ser indenizado pela quota do Fundo de Emancipação distribuída ao município na importância de 115:361$660 réis

39.”

O regulamento de 15 de novembro de 1872 era alterado pelo decreto nº 6341 de 20 de

setembro de 1876, ao “pé da letra” o decreto estabelecia:

“A fim de facilitar o emprego anual do fundo destinado à emancipação pelo art. 3º da Lei nº 2040 de 28 de Setembro de 1871, a Princesa Imperial Regente, em Nome do Imperador, Há por bem Decretar:

Art. 1º A distribuição de que trata o art. 26 do Regulamento aprovado pelo Decreto nº 5135 de 13 de Novembro de 1872 será feita por municípios.

Art. 2º A classificação para as alforrias compreenderá somente aqueles escravos que possam ser libertados com a importância da quota distribuída ao município.

Art. 3º As Juntas classificadoras de escravos reunir-se-hão no dia que for designado pelo Presidente da Província, o qual as convocará quando tenha de ser aplicada alguma quota disponível do fundo de emancipação.

A Junta classificadora dos escravos matriculados no Município Neutro reunir-se-á no dia que for designado pelo Ministro e Secretario de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.

Art. 4º Concluída a classificação proceder-se-á, de conformidade com os arts. 37 e seguintes do Regulamento nº 5135 de 13 de Novembro de 1872, ao arbitramento da indenização, competindo aos Procuradores dos Feitos da Fazenda Nacional e seus Ajudantes, nos municípios onde os houver, a intervenção judicial nos mesmos artigos, atribuída ao Chefe da Repartição Fiscal encarregada da matricula

40.”

Em 1885 os Vereadores da Câmara Municipal da Corte ainda fizeram valer-se da Lei nº

3.270, de 28 de Setembro de 1885 e do Decreto nº 9.517, de 14 de Novembro do mesmo ano –

em ambos, nos chama atenção o artigo 1º parágrafos 3º e 4ª da lei nº 3.270, e o artigo 3º,

parágrafo 1º do decreto 9.517, modificado sutilmente na terminologia, contudo, taxativo em sua

essência, ou seja, as mulheres escravizadas por vias legais deveriam ser negociadas a um

preço inferior aos dos homens.

Vejamos na íntegra o trecho relativo à Lei nº 3.270, de 28 de Setembro de 1885, onde

se lia:

39

AGCRJ. CM; ESC.6.1.17 - Microfilme CM-ESC-003 – Donativo ao Livro de Ouro 40

Coleção de Leis do Império do Brasil - 1876, Página 1019, Vol. 2 pt. II (Publicação Original)

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“§ 3º O valor a que se refere o art. 1º será declarado pelo senhor do escravo, não excedendo o máximo regulado pela idade do matriculando, conforme a seguinte tabela:

Escravos menores de 30 anos.......................................... 900$000 » de 30 a 40 » .................................................................. 800$000 » » 40 a 50 » .................................................................... 600$000 » » 50 a 55 » .................................................................... 400$000 » » 55 a 60 » .................................................................... 200$000

§ 4º O valor dos indivíduos do sexo feminino se regulará do mesmo modo, fazendo-se, porém, o abatimento de 25% sobre os preços acima estabelecido

41.”

Já o Decreto nº 9.517, de 14 de Novembro de 1885, informava:

“Art. 3º O valor será dado pelo senhor do escravo, ou quem legalmente por ele, não excedendo o máximo regulado pela idade do matriculando conforme a seguinte tabela:

Escravos menores de 30 anos...................................... 900$000 » » » 30 a 40................................................................. 800$000 » » » 40 a 50................................................................. 600$000 » » » 50 a 55................................................................. 400$000 » » » 55 a 60................................................................ 200$000

§ 1º O valor das escravas será regulado pela mesma tabela com o abatimento de 25% dos preços nele estabelecidos

42.”

Na corte a ala abolicionista combatia com críticas pesadas Lei nº 3.270, de 28 de

Setembro de 1885, para muitos, a lei estabelecia desde então um preço para a carne dos

escravizados. Em contra partida, os vereadores cariocas incorporaram a respectiva lei aos

atributos legais para compra e venda de escravos, incluindo essas prerrogativas ao processo

emancipacionista do Livro de Ouro. Como não poderia deixar de ser, mais uma vez o clima se

acirrava entre os vereadores da Câmara da Corte, abolicionistas e os deputados envolvidos

com a aprovação da lei. Seguindo a linha crítica dos abolicionistas, a Revista Ilustrada Ângelo

Agostini43 também não deixou a lei passar despercebida.

41

Coleção de Leis do Império do Brasil - 1885, Página 14, Vol. 1 (Publicação Original) – a marcação em itálico foi realizada pelo autor com o objetivo de esclarecer a diferença entre as leis mencionadas. 42

Coleção de Leis do Império do Brasil - 1885, Página 738, Vol. 1 (Publicação Original) - a marcação em itálico foi realizada pelo autor com o objetivo de esclarecer a diferença entre as leis mencionadas. 43

Acerca da ilustração de Agostini, recortamos parte da sequência ilustrativa tendo em vista a extensão da mesma.

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Figura III.1 – Revista Ilustrada de Ângelo Agostini criticando a Lei nº 3.270, de 28 de Setembro de 1885, a qual regulava a extinção gradual do elemento servil.

Fonte: Revista Ilustrada de Ângelo Agostini, 1885, ano 10, nº 416, p.4.

Ao fundo da ilustração é possível ver Joaquim Nabuco apontando contra os dispositivos

da lei. Entretanto, mesmo sob pressão dos abolicionistas, a Câmara da Corte procurava

vincular outros dispositivos legais aos editais do Livro de Ouro. Uma dessas leis incorporadas

ao edital do livro da Câmara foi a de nº 3.270, de 28 de Setembro de 1885. Essa prática de

incorporação de decretos e leis imperiais aos editais do Livro de Ouro acabou beneficiando as

mulheres escravizadas.

No que tange ao Fundo de Emancipação, é importante frisar que o quantitativo de

ingênuos (as crianças) não era somado ao número total de libertos, situação semelhante

também acontecia com o Livro de Ouro. Todavia, no que diz respeito ao Fundo de

Emancipação, esse fator estava ligado ao Art.1, parágrafos: 1º e 4º da Lei de 28 de setembro

de 1871. Isso queria dizer que, as crianças menores de 8 anos ganhavam a liberdade mediante

a libertação de sua mãe. A quota Nacional do Fundo de Emancipação destinada ao município

neutro (Rio de Janeiro) disponibilizou aos vereadores em 1876, a quantia de 115:361$660

(cento e quinze contos, trezentos e sessenta e um mil e seiscentos e sessenta réis). Na

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ocasião foram libertos ao todo 334 escravizados, sendo 84 do sexo masculino e 146 do sexo

feminino, além de 104 crianças44.

Infelizmente não podemos confirmar se os 104 ingênuos libertos possuíam idade igual

ou inferior a 8 anos. Porém, o se pode dizer é que, a Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871

(Ventre Livre) através de algumas disposições coloca os ingênuos em uma situação muito

parecida com a daqueles cativos a quem os senhores libertavam condicionalmente (Soares,

ibidem, p.297), ou seja, existia a obrigatoriedade de prestação de serviços ao senhor por um

tempo então determinado45. Soares (loc. cit.) ainda aponta que “a Lei do Ventre Livre

estabeleceu as bases para a destruição da escravidão brasileira, abolindo a possibilidade de

renovação da população escrava por meios naturais”. Em meio a todo esse imbróglio de leis,

decretos e regulamentos, cabe ressaltar que os homens da Câmara dialogaram com tais

dispositivos realizando suas próprias interpretações acerca da preferência dada as mulheres

escravizadas.

III. 2. Fundo de Emancipação e Livro de Ouro: as ações emancipacionistas da Câmara

Municipal da Corte.

III.2.1. A Gazeta de Notícias e as cerimônias de Libertação do Livro de Ouro

Até 1884, a Câmara da Corte possuía apenas um mecanismo de libertação de

escravizados: o Fundo de Emancipação Nacional. Entre 1885 a 1887, a Câmara passou a

processar também, liberdades através do Livro de Ouro, ou Livro da Municipalidade como

também era chamado. Segundo Joaquim José da Silva Pinto46, vice-presidente da Câmara

Municipal da Corte, foi em “7 de Janeiro de 1883, que surgiu a ideia de promover a propaganda

pacífica, fazendo apelo à generosidade e filantropia particular, em favor da libertação dos

escravizados deste município”. Silva Pinto fez essa afirmação em seu discurso de abertura da

primeira cerimônia de libertação pelo Livro de Ouro em 29/07/1885.

Analisando os arquivos da Câmara, observamos que o regulamento do Livro de Ouro

passou por alterações entre os anos de 1884 e 1885. Quando o regulamento do livro foi

realmente aprovado pelos Vereadores da Corte em 1885, algumas modificações foram

realizadas. Em 1884 o esboço do regulamento continha onze (11) artigos, já o formalizado em

1885 apresentava dezenove (19). Basicamente apenas um artigo foi suprimido de 1884 para

1885. E era justamente o ultimo (11º), o qual previa que: “os vereadores que criaram o fundo

do município [livro de ouro], são obrigados ainda mesmo que depois do fim do mandato, a

44

AGCRJ. CM; ESC.6.1.17, loc. cit. 45

A obra de Kátia Mattoso: Ser Escravo no Brasil. São Paulo, Editora Brasiliense, 1982. Faz um aprofundamento acerca da

situação dos ingênuos (crianças), mediante a Lei do Ventre Livre. 46

Biblioteca do Senado Federal. Emancipação pelo Livro de Ouro da IIma. Câmara Municipal no dia 29 de julho de 1885. Pág.06 (alguns termos foram reescritos para a ortografia vigente a fim de facilitar o entendimento do leitor).

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dirigir todos os trabalhos dessa instituição, até realizar-se a completa emancipação dos

escravos do município”. Como veremos adiante, o 11º artigo necessitava ser retirado, e por

uma questão bem simples. Embora quisessem passar uma imagem política e social de

benevolência emancipacionista, a Câmara esbarrava no fato de que muitos vereadores eram

proprietários de escravos. Logo, era quase certo que ao findar mandato, um ou outro político

abandonaria a causa dos cativos, mantendo em então seus homens e mulheres sobre o regime

de servidão. Essa situação manchava a imagem da Câmara da Corte e ainda servia de

subsídio para os questionamentos políticos dos abolicionistas. Talvez por isso, em 1885, os

artigos aprovados não comprometiam tanto os vereadores cariocas. Todavia, achamos

conveniente relacionar alguns destes artigos:

“Art. 1. O fundo de emancipação criado Illrna. Câmara com os donativos feitos pelos habitantes do município neutro tem por fim reunir a colaboração espontânea de todos na grande obra iniciada pela lei de28 de Setembro de 1871.

Art. 2. Para perpetuar a memória dos que cooperarem na libertação dos escravos do município, Illrna. Câmara fará lançar seus nomes no Livro de Ouro da municipalidade do Rio de Janeiro, para esse fim criado por deliberação unânime da sessão de 21 de Fevereiro de 1884.

Art. 5. A. Illrna. Câmara empregará anualmente do que existir do Livro de Ouro como donativos feitos pelos seus munícipes, na libertação dos escravos do município.

Art.8. Serão organizados dois mapa, um para sexo feminino e outro para o masculino, onde se especificarão o nome, idade, valor e prole, quando haja, dos individuo que forem proposto para serem libertados, como também o nome e morada dos proponentes.

Art. 9. Serão preferidos para a libertação os indivíduos do sexo feminino aos do masculino, e naquelas as de menor idade, e assim gradativamente as que tiverem filhos, contando que os possuidores os libertem, ou quando ingênuos abram mão dos direitos concedidos pela lei de 28 de Setembro de 1871.

Art. 10. O valor das manumissões em caso algum poderá exceder a 400$, sujeito á depreciação de 20% em cada ano que decorrer da primeira manumissão feita pela IIma. Câmara.

Art. 12 Para se tornar efetiva qualquer manumissão, os possuidores dos escravizados escolhidos deverão apresenta-los no paço ela lllma. Câmara, ,quando, por edital, forem chamados a fim de sujeita-Ios a exame médico.

Art. 14. A llma. Câmara, com a necessária antecedência, solicitará da Augusta Senhora não só à hora como a honra de fazer ela entrega das cartas dos indivíduos que forem emancipados.

Art. 15. Para aumento elo fundo da caixa de emancipação municipal, a Illma. Câmara fará exposições de agricultura, de indústrias, de artes, kermesse, etc.

Art. 16. Tudo quanto for arrecadado pertencente ao «Livro de Ouro» ficará constituindo a caixa de emancipação municipal e só e exclusivamente será

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empregada emancipação do município neutro, e nenhuma outra despesa será permitido fazer pela referida caixa

47.”

Como mencionamos anteriormente, a primeira cerimônia de libertação do Livro de Ouro

aconteceu em 29/07/1885. Aliás, nesta data, se comemorava os 39 anos de idade da Princesa

Isabel. A manchete da Gazeta de Notícias de 30/07/1885 (figura. VI), circulou um dia após a

celebração das liberdades. Observando a reportagem do jornal, bem como os artigos que

regiam o Livro de Ouro, podemos constatar que uma das intenções dos vereadores era dar

notabilidade as ações da Câmara. Por isso, incluíram no Art.14 do respectivo Livro, que as

cartas de liberdade seriam entregues pela Princesa Imperial (D. Isabel). A reportagem mostra

que de fato D. Isabel esteve presente ao evento. Que contou ainda com a presença do

Imperador D. Pedro II, além de importantes indivíduos da sociedade imperial. A solenidade

contou ainda com a banda do corpo militar da polícia e dos menores do arsenal de guerra.

Diante desse contexto, é interessante notarmos que a Câmara da Corte encheu de simbolismo

a cerimônia de libertação. E essa atitude nos leva ao seguinte questionamento: o que

representava de fato as ações de libertação para os vereadores cariocas?

Para melhor entendermos a questão do simbolismo, representado pelas ações de

libertação num grupo social escravocrata, que eram os vereadores da Corte, nos aproximamos

do pensamento de Bourdieu (1989). Nesse sentido, podemos dizer que a Câmara construía um

campo, um espaço de luta onde seus agentes – a despeito das divergências – tinham interesse

em que o campo existisse, portanto, eles mantinham uma “cumplicidade objetiva”. Assim

sendo, a abolição era regulada, onde as mulheres e as crianças tinham prerrogativas uma vez

que custavam menos que os homens, direta e indiretamente foram contempladas pelo

arcabouço jurídico e, poderiam permanecer em seus postos de trabalho, apesar do status de

livre. Nas palavras de Luiz Carlos Soares (ibidem, p.276), a sociedade escravista brasileira

criou limitados mecanismos de alforria, que acabaram funcionando muito mais como uma

eficaz estratégia de obtenção de aquiescência e submissão dos cativos. Tais posicionamentos

se completam, pois muitos escravos não possuíam pecúlio suficiente para compor ou comprar

a sua própria liberdade. Caso não recorressem à fuga, restava apenas se acomodarem no

cativeiro na esperança de um dia se beneficiarem dos limitados mecanismos de alforria da elite

imperial (Soares, op.cit). Assim sendo, o Livro de Ouro da Câmara fazia parte dessa realidade

de mundo, onde a liberdade estava limitada por questões objetivas, restando aos cativos

depositarem suas esperanças em mecanismos controlados pela sociedade escravocrata.

A construção desse espaço estruturado de posições – que Bourdieu chamaria de

campo - inflamava os debates acerca da abolição, tornava o assunto ainda mais popular e,

coloca de vez os vereadores cariocas em cheque. Entretanto, cabe mencionar, que o

47

Biblioteca do Senado Federal. ibidem, págs. 11 e 12.

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engajamento dos vereadores as questões relacionadas do elemento servil, deixavam-nos

divididos em termos políticos e ideológicos. Por um lado, eram instintivamente conservadores,

mas a pressão política e social os empurrava para tomada de posição na arena dos debates

públicos sobre abolição.

Veremos adiante, que essa divisão gerava controvérsias em relação as ações dos

políticos cariocas. Para complicar ainda mais, os conselheiros da Câmara forjaram laços entre

o Livro de Ouro e a família imperial. O Imperador assinou a primeira página do livro

comemorativo que levou seu nome e, participou de cerimônias de emancipação, juntamente

com sua esposa e sua filha, a herdeira da trono, D. Isabel. O Livro da Municipalidade se

tornava uma fonte de tensões no coração político do Império. A tensão transcorria entre o

Conselho, o movimento abolicionista local e a monarquia (Castilho e Cowling, 2010, p.95). Em

meio a essas questões, a festa de libertação transcorreu com a pompa planejada pelos

vereadores da Corte e, os projetava como partícipes no jogo da abolição.

Figura III.2 – Festa promovida pela Câmara Municipal da Corte, em comemoração a

primeira libertação do Livro de Ouro

Fonte: Gazeta de Notícias, 30/07/1885, p.1.

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Retornado aos por menores da reportagem, é possível dizer que a Gazeta de Notícias

prestou um serviço social ao publicar os acontecimentos decorrentes da cerimônia de

libertação do Livro de Ouro. Sabidamente ou não, esse jornal respeitava o Art. 8 do Livro, ou

seja, especificava o mapa de libertação, informando a relação das mulheres e homens libertos,

assim como seus nomes e as respectivas idades. Entretanto, algo além do simbolismo já

discutido anteriormente nos chamou a atenção. Especificamente, observamos uma mudança

de linguagem no discurso, onde agora se falava na libertação de indivíduos, cuja relação se

estabelecia com o pensamento iluminista de igualdade, liberdade e fraternidade difundida na

Europa durante o século XVIII. De certo modo, a campanha abolicionista brasileira,

desencadeada no século XIX, foi influenciada por este pensamento.

Conforme observa Morel (ibidem, pp.31-32), alguns periódicos passaram a defender o

liberalismo e a modernidade política, chegando a citar Rousseau e outros. Não obstante, os

princípios decorrentes dos direitos civis proclamados na declaração de independência dos

Estados Unidos, segundo o qual todos os homens nasceram com direitos inalienáveis à vida,

implicavam diretamente na campanha em favor da abolição no Brasil. Existia nesse período

uma comparação entre o modelo escravista brasileiro e o americano. Cujo objeto de análise

era comprovar em qual país a escravidão era mais cruel com os seus escravizados (Azevedo,

1996, pp.151-152). Todavia, a mudança de discurso nos periódicos, muito tem a ver com o fato

de que o sujeito moderno do século XIX se diferenciava do medieval, aonde o homem era visto

somente como parte do coletivo, não destacável do todo social. Para Garcia e Coutinho (2004),

no século XIX, o ser moderno ligava-se diretamente a singularidade dos indivíduos. Assim

sendo, a própria Gazeta de Notícias ao publicar a liberdade de indivíduos (escravos), não fugia

a regra humanística do iluminismo.

Ainda observando o noticiário correspondente a primeira cerimônia de libertação em

29/07/1885, chegamos à média de 32 anos de idade para as mulheres escravizadas e, 40 anos

para os homens48. A composição das médias de idade só foi possível devido ao mapa

estatístico elaborado pelos vereadores. Com isso, constatamos que ao todo foram libertos 88

escravizados, sendo 53 mulheres, das quais 20 possuíam filhos, perfazendo um total de 33

crianças libertas devido à liberdade de suas mães; 5 mulheres foram libertas gratuitamente

sem indenização paga ao senhor. E somente 2 homens foram libertos, estes a título gratuito.

Os homens eram Manuel (28 anos) e Daniel (53 anos), estes pertenciam à família

Cardoso dos Santos, que havia libertado a escrava Clementina (28 anos) pela quantia de

400$000 (quatrocentos mil réis). Ao receber a indenização por Clementina, a família Cardoso

dos Santos entregava Manuel e Daniel a título de gratuidade. Em outras palavras, ambos foram

doados por seus senhores e, foram libertos sem indenização. Contudo, cabe a nós 48

Para a soma das idades foram levados em consideração os dados obtidos nos arquivos da Câmara Municipal (BR RJAGCRJ.CM.ESC.6.1.41-Documentos sobre escravidão.p.17). Verificamos divergências nas idades publicadas pela Gazeta de Notícias de 30/07/1885 e as relacionadas no Livro de Ouro da Câmara.

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desconfiarmos da extrema bondade dos senhores. Logo, é preciso que façamos alguns

questionamentos que a priori tornam-se inevitáveis: a libertação de Clementina não teria sido

lucrativa, já que geralmente o preço das mulheres escravizadas tendia a ser mais baixo do que

os dos homens? Esse “lucro” não teria ligação com Manuel, um escravo problemático que

tentara a fuga por algumas vezes e por isso foi logo liberto pelos senhores a fim de evitar

problemas futuros? E Daniel? Estaria velho demais para executar as tarefas domésticas e de

rua, por isso também fora libertado gratuitamente?

Outra possibilidade poderia residir no fato de que tanto Manuel quanto Daniel tivessem

uma relativa proximidade com seus senhores e, foram criados na própria casa de seus

proprietários. Com isso, a vida talvez tenha lhes possibilitado as melhores tarefas (serviço

doméstico, ganho de rua, por exemplo), além de serem tratados com maior intimidade e afeto?

É possível que nesse sentido, Manuel e Daniel desde cedo tenham aprendido o jogo de

sutilezas e artimanhas que os levaram a obtenção de suas alforrias? (Soares, ibidem, p.279).

Mesmo que tardia, a libertação de Daniel (53 anos) seria um prêmio pelo bom comportamento

e dedicação, já que estava velho? E Manuel, estaria também sendo premiado? Enfim, são

questionamentos que infelizmente os documentos da Câmara da Corte não nos deram

respostas.

Continuando a análise da primeira libertação, é provável que os Vereadores da Câmara

tenham se surpreendido com a imensa lista de doadores. Conforme o boletim informativo49, no

dia da festividade 29/07/1885, recolherem os vereadores “5:678$000, subindo portanto a

importância do livro de ouro a 15:175$031”. Como “a despesa com as manumissões foi de

14:400$00050, ainda ficou um saldo de 775$031, restando ainda a arrecadar algumas quantias

das pessoas que se comprometeram a entrar com seus donativos”.

A lista de doadores envolvia empresas de diversas áreas, doações particulares,

doações de funcionários públicos, membros da própria Câmara Municipal e outros. Abaixo

reproduzimos por completa a respectiva listagem:

Tabela III.1 - Subscrição entre os Vereadores para a libertação de escravos pelo Livro de

Ouro a realizar-se a 29 de Julho de 1885

Doador Valor doado

Costa Ferraz 50$000 (cinquenta mil réis)

H. A. de Carvalho 50$000 (cinquenta mil réis)

Dr. Carlos Claudio 50$000 (cinquenta mil réis)

Piragibe 50$000 (cinquenta mil réis)

Silva Rabello 50$000 (cinquenta mil réis)

Pereira Lopes 50$000 (cinquenta mil réis)

49

Ibidem, págs. 25-28. 50

Manumissões era a liberdade concedida aos escravos pelo seu senhor; alforria.

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Dr. Silva Pinto 50$000 (cinquenta mil réis)

Santa Cruz. 50$000 (cinquenta mil réis)

Ernesto Possolo 50$000 (cinquenta mil réis)

Pinto Aleixo 50$000 (cinquenta mil réis)

Oliveira Brito 50$000 (cinquenta mil réis)

Dr. Emílio da Fonseca 50$000 (cinquenta mil réis)

DI'. Freire do Amaral 50$000 (cinquenta mil réis)

Dr. Chavantes 50$000 (cinquenta mil réis)

José Meireles 50$000 (cinquenta mil réis)

Subscrição Geral

Existente no Livro de Ouro

9:437$031 (nove contos, quatrocentos

e trinta e sete mil e trinta e um réis)

Agenciado por Affonso L. P. da SiIva 1:000$000 (um conto de réis

Lino Rodrigues Nobrega 500$000 (quintos mil réis)

Companhia Villa Isabel . 200$000 (duzentos mil réis)

Eduardo A. dos Reis & Cª 200$000 (duzentos mil réis)

Valladão & Cª 200$000 (duzentos mil réis)

Antunes Lima Ornelas & Cª 200$000 (duzentos mil réis)

Arêas & Cª 200$000 (duzentos mil réis)

Companhia de Carris Urbanos. 100$000 (cem mil réis)

Companhia do Jardim Botânonico 100$000 (cem mil réis)

Companhia de São Cristovão 100$000 (cem mil réis)

Companhia dos Kiosques 100$000 (cem mil réis)

Empreza dos Chalets da Praça do Mercado 100$000 (cem mil réis)

Estrada de Ferro Príncipe do Grão-Pará. 100$000 (cem mil réis)

Companhia do Gás 100$000 (cem mil réis)

Empreza Arrendataria da Praça do Mercado 100$000 (cem mil réis)

Manoel Gonçalves Pacheco 100$000 (cem mil réis)

Empregados Municipais

237$000 (duzentos e trinta e sete mil

réis)

Agenciado pelo Fiscal da Lagoa 110$000 (cento e dez mil réis)

Joaquim Mendes da Costa Marques 50$000 (cinquenta mil réis)

Joaquim José de Faria 50$000 (cinquenta mil réis)

João Alves Ribeiro & Cª 30$000 (trinta mil réis)

José Teixeira Montebello 10$000 (dez mil réis)

José Gomes Rodrigues da Silva 10$000 (dez mil réis)

Um anonymo 10$000 (dez mil réis)

Peixoto Nogueira & Cª 20$000 (vinte mil réis)

Paula Ramos & Moura 10$000 (dez mil réis)

Augusto Ferreira de Souza & Cª 20$000 (vinte mil réis)

Antonio Lopes 10$000 (dez mil réis)

Antonio Pereira dos Santos 10$000 (dez mil réis)

Manoel Francisco Salvador & Cª 10$000 (dez mil réis)

Pereira & Neves 10$000 (dez mil réis)

Miguel Lopes da Costa 10$000 (dez mil réis)

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Francisco MaclJauo de Freitas 5$000 (cinco mil réis)

Antonio Ferreira Torres 5$000 (cinco mil réis)

Bastos lrmão, Caldas & Cª 10$000 (dez mil réis)

Rodrigues & Faria 5$000 (cinco mil réis)

Joaquim dos Santos Lima 5$000 (cinco mil réis)

Martins do Amaral & Cª 5$000 (cinco mil réis)

Pinto dos Santos & Cª 10$000 (dez mil réis)

Calazans Maia & Cª 5$000 (cinco mil réis)

Dois Anonimos 4$000 (quatro mil réis)

Estanilão Antonio da Silva 25$000 (vinte e cinto mil réis)

Joaquím Pereira Praner 3$000 (três mil réis)

Ed. Vilas Boas 5$000 (cinco mil réis)

Um Anonimo da Rua dos Ourives 5$000 (cinco mil réis)

Manuel Cosme Pinto 10$000 (dez mil réis)

Albano Felipe 10$000 (dez mil réis)

Ortamm 10$000 (dez mil réis)

Braga & Souza 20$000 (vinte mil réis)

Caruoso Fontes & Cª 30$000 (trinta mil réis)

Manuel Cardoso Machado 10$000 (dez mil réis)

Ayres 5$000 (cinco mil réis)

Rocha Lopes & Cª 50$000 (cinquenta mil réis)

C. Fernandes Pinto 10$000 (dez mil réis)

Bento Ferreira Landarcza 5$000 (cinco mil réis)

Manoel de Souza Vieira 5$000 (cinco mil réis)

Fernandes Rosa & Cª 5$000 (cinco mil réis)

Anonimo 5$000 (cinco mil réis)

Manoel Soares da Silveira 2$000 (dois mil réis)

Portella & Sobrinho 2$000 (dois mil réis)

Balthar Junior & Cª 2$000 (dois mil réis)

Francisco Pereira da Silva 1$000 ( mil réis)

Manuel de Carvalho Rodrigues 2$000 (mil réis)

Rita da Conceição $500 (quintos réis)

Villas-Boas & Cª 20$000 (vinte mil réis)

Meninos do Externato Mocidade, Agenciada

por José Ferreira Piragibe 65$000 (sessenta e cinco mil réis)

Francisco Ignácio & Cª 5$000 (cinco mil réis)

José leite Pinto 5$000 (cinco mil réis)

José Secundino da Cunha 2$000 (dois mil réis)

Domingos D. da C. Bastos 5$000 (cinco mil réis)

Joaquim da C. Coelho 5$000 (cinco mil réis)

João M. Victorio 1$000 ( mil réis)

Inocêncio Pereira 1$000 ( mil réis)

José Pereira Nicoláo 2$000 (dois mil réis)

Joaquim P. Carvalho 2$000 (dois mil réis)

Francisco J. dos Santos 2$000 (dois mil réis)

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Antonio Pacheco 2$000 (dois mil réis)

Manuel Muniz Ferreira 2$000 (dois mil réis)

Carneiro & Senra 5$000 (cinco mil réis)

Anonimo 2$000 (dois mil réis)

Antonio José de Abreu 10$000 (dez mil réis)

Manoel Ferreira S. & Cª 10$000 (dez mil réis)

Gabriel Nunes Rodrigues 10$000 (dez mil réis)

Ferreira Maia & Cª 5$000 (cinco mil réis)

Fernando Lopes 5$000 (cinco mil réis)

Anonimo 1$500 ( mil e quintos réis)

Despachantes Municipais 80$000 (oitenta mil réis)

Barros & Ferreira 5$000 (cinco mil réis)

G. da Costa & Cª 10$000 (dez mil réis)

Domingos da Costa Oliveira 10$000 (dez mil réis)

Assunção Duarte & Cª 10$000 (dez mil réis)

Bragança Irmão & Neto 10$000 (dez mil réis)

João Batista Paz 10$000 (dez mil réis)

Anonimo 5$000 (cinco mil réis)

Oliveira & Cunha 5$000 (cinco mil réis)

Antonio Ferreira da Silva 5$000 (cinco mil réis)

Joaquim Soares Guimarães 5$000 (cinco mil réis)

José Amaro Rodrigues Pimenta 5$000 (cinco mil réis)

José Feliciano Gonçalves 10$000 (dez mil réis)

Manoel Alves Silva Araújo & Cª 10$000 (dez mil réis)

Pereira & Marques 5$000 (cinco mil réis)

Ferreira dos Santos & Cª 5$000 (cinco mil réis)

Joaquim A. C. Bastos 5$000 (cinco mil réis)

Ribeiro Gomes & Sampaio 10$000 (dez mil réis)

Pinto Carneiro 10$000 (dez mil réis)

Miguel Soares Braga 5$000 (cinco mil réis)

Manoel Francisco Martins 5$000 (cinco mil réis)

Antonio Borges Pires 5$000 (cinco mil réis)

Manoel Machado Fagundes 2$000 (dois mil réis)

Cristovão D. Monteiro 5$000 (cinco mil réis)

Aives G. Cavalhera 10$000 (dez mil réis)

Francisco Ramos Pinheiro 10$000 (dez mil réis)

Januário C. Baptista 2$000 (dois mil réis)

Marcos Simão Pereira 2$000 (dois mil réis)

Souza & Irmão 10$000 (dez mil réis)

José P. do Valle Rego 10$000 (dez mil réis)

Dias Ribeiro Costa & Cª 10$000 (dez mil réis)

Fernandes Cardoso & Cª 10$000 (dez mil réis)

Mamede João 5$000 (cinco mil réis)

Hermenegildo 2$000 (dois mil réis)

Luiz Borges Pires 10$000 (dez mil réis)

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Amaro R. da Cunha 2$000 (dois mil réis)

Clemente Rubim 5$000 (cinco mil réis)

José Ferreira 3$000 (três mil réis)

Manoel de Souza Costa 5$000 (cinco mil réis)

Silva & Cª 5$000 (cinco mil réis)

Couto & Garcia 10$000 (dez mil réis)

José A. Bernardo & Cª 6$000 (seis mil réis)

José A. Pinto 5$000 (cinco mil réis)

Varejão & Silva 5$000 (cinco mil réis)

Agenciado pelo Fiscal do Engenbo Velho 32$000 (trinta e dois mil réis)

Serafim Affonso 5$000 (cinco mil réis)

Fiscal dos inflamáveis (2% dos seus

vencimentos)

Fonte: Biblioteca do Senado Federal. Emancipação pelo Livro de Ouro da IIma. Câmara

Municipal no dia 29 de julho de 1885. Pág. 25-28. (A organização original da listagem foi

mantida. Apenas acrescentamos as nomenclaturas: “doador” e “valor doado” e,

escrevemos por extenso os valores dos donativos)

A lista possui 148 doadores e, embora as origens sociais dos contribuintes do Livro de

Ouro sejam bastante diversificadas, Soares (op. cit. p. 298) nos alerta para a possibilidade de

que os próprios membros da junta classificadora dos escravos, seus amigos e pessoas

influentes tenham tido privilégios no processo de classificação dos escravos a serem libertos.

Esses escravos seriam de propriedade dessas pessoas, daí o motivo pela preferência. Vale

lembrar, entretanto, que pouco se conhece acerca de todos os doadores que contribuíram com

o Livro de Ouro durante a sua vigência, entre 1885 a 1887. Aliás, como verificaremos adiante,

ainda existe um hiato histórico bastante significativo envolvendo as libertações executadas

pelos vereadores da Corte.

Numa varredura aos periódicos da época, poucos foram aqueles que deram a notícia no

mesmo dia, no dia anterior ou em dias posteriores à libertação dos escravos. Verificamos que

os jornais: Gazeta da Tarde, Diário de Notícias e Diário Português, fizeram menção ao fato em

notas pequenas. No que tange ao Diário Português, o periódico mencionava que a Câmara

mandou confeccionar uma tela comemorativa ao ato das liberdades. Todavia, essa conjuntura

nos intriga. Por qual motivo quase que somente a Gazeta de Notícias publicara o fato mais

intensamente? Em 17/03/1884, Ferreira de Araújo então proprietário da Gazeta de Notícias, fez

uma solicitação a Junta Classificadora dos Escravos da Câmara Municipal da Corte. No

documento, pedia o pagamento pelas despesas que tivera com as publicações de libertação de

escravos. E a resposta da Junta Classificadora veio em 20/03/1884. Segundo os vereadores

“nada poderiam informar sobre questões financeiras”, pois “as edições em tais jornais tem

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90

efeito de publicar processos dos feitos da fazenda” 51. Em outras palavras, a Câmara

aparentemente negou o pagamento a Ferreira de Araújo.

O arquivo contábil relativo do Livro de Ouro apresenta-se bastante confuso, por este

motivo, não sabemos se realmente os Vereadores da Câmara Municipal Corte, ressarciram ou

não o proprietário da Gazeta de Notícias. Entretanto, mesmo aparentando não ter recebido o

que cobrava. Ferreira de Araújo não deixou de publicar notícias acerca do Livro de Ouro

durante toda a sua vigência.

Diante desse fato, uma pergunta deve ser feita: por que Ferreira de Araújo insistiu nas

publicações relativas ao Livro de Ouro? Como mencionamos, os arquivos da Câmara são

confusos e não nos deparamos com outra solicitação de ressarcimento feita por Ferreira de

Araújo. Então o que teria acontecido? Araújo recorrera a outras esferas públicas como o

Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, órgão responsável pela distribuição das

quotas relativas ao Fundo de Emancipação? Neste caso, uma pesquisa nos arquivos deste

ministério poderia indicar se parte do valor distribuído para libertar os escravizados, era

empregado em outras despesas. Contudo, salientamos que por ora esta problemática não faz

parte do nosso objeto de estudo. Até porque, o referido ministério tratava desta distribuição

para todas as províncias do Brasil e, uma pesquisa deste porte demandaria um tempo bastante

elevado. Porém, o caso de Ferreira de Araújo nos permite dizer que o jornalista objetivava

receber alguns contos de réis com as publicações de libertações nas páginas do seu jornal.

Essa passagem também aponta para o fato de que a Câmara se preocupou com Art.16

do regulamento para o Livro de Ouro, cuja previsão era de que os donativos fossem

empregados exclusivamente nas libertações. Todavia, embora a recusa dos vereadores em

ressarcir o proprietário da Gazeta de Notícias seja relevante, principalmente no que tange ao

destino dos donativos, esse fato não pode ser encarado como uma ação verossímil, pois,

existiam jornais da época que criticavam os membros da Câmara e, o próprio Livro de Ouro.

Como exemplo, temos o jornal de moda feminina parisiense A Estação, que em 15/12/1885,

em sua edição para o Brasil, mencionava que era hipocrisia vincular às libertações dos cativos

a figura de D. Pedro II. Para o periódico, o “bondão de cartas de liberdade” oferecidas pelo

Livro de Ouro, causava “goto” (engasgo), pois o Imperador ao sair da cerimônia de liberdade

ainda dizia que: “esperava em Deus não morrer sem deixar livre no Brasil o ultimo escravo52”.

Na visão deste periódico, era difícil entender o motivo pelo qual D. Pedro II participava das

libertações, tendo em vista que, politicamente, o mesmo não tomava ações efetivas para o

término da escravidão brasileira53.

51

AGCRJ.CM.ESC.6.2.6 Microfilme-CM-ESC-009 – Libertação de escravos. 52

A Estação – jornal de moda parisiense em sua edição para o Brasil. Edição XVI, nº 23, p.2 53

A esse respeito, ver a obra de: Alonso, Ângela. Ideias em Movimento: a geração 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo, Paz

e Terra, 2002.

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No Capítulo I, vimos que o periódico de moda feminina mantinha contato com os

membros Confederação Abolicionista. Como mencionamos, a confederação recebia

mensalmente as edições deste jornal. Grosso modo, não nos parece estranho que o periódico

tenha criticado o modelo de libertação da Câmara da Corte. Afinal, os vereadores faziam parte

de uma elite cujos objetivos em relação a liberdade dos escravizados merecia desconfiança.

Encontramos ainda, diversas críticas ao Livro de Ouro realizadas pelo jornal Gazeta da

Tarde. Apenas lembrando, este periódico pertencia ao abolicionista radical José do Patrocínio.

A maior parte dessas críticas aconteceu no ano de 1887. Aliás, em 19/12/1887, a Gazeta da

Tarde publicava que a sessão da Câmara acontecida em 12/12/1887, não fora uma das mais

tranquilas. Já que muitos questionamentos foram levantados acerca das libertações realizadas

pelo Livro da Municipalidade. De acordo com o jornal, os vereadores foram indagados acerca

de “quais os nomes daquelas pessoas que tem mandado desde a instalação do Livro de Ouro,

até esta data, pecúlios para a libertação de brasileiros escravizados?”, Qual fora “a monta total

de liberdades organizadas pelo Livro de Ouro até a última festa que se faz no presente ano?”,

”Qual a importância total que tem produzido para o Livro de Ouro as bancas de peixe fresco,

por ocasião do contrato de aluguel e posse das mesmas, o nome de cada contribuinte com

declaração de importância da contribuição?” e “Finalmente, quanto pagam para o Livro de Ouro

os cortiços feitos com licença da Illma. Câmara e os que ainda estão em construção?54”.

O que percebemos, é que os vereadores diziam utilizar parte dos recursos municipais

oriundos de multas ou fiscalizações, em benefício do Livro de Ouro. Porém, não provavam o

montante do valor arrecadado quando eram questionados. Em 06/12/1887, a Gazeta da Tarde

chamava de “fictício” o fundo de arrecadação do Livro de Ouro. Para o jornal, os recursos

angariados estavam sendo tratado com irregularidades, fato que colocava “os agentes mais

diretos da fiscalização municipal na mais deplorável condição”.

Abrimos um parêntese para voltarmos a 1886. Mais especificamente em 22/06/1886,

quando a Gazeta de Notícias publicava a intenção de José do Patrocínio em candidatar-se a

Câmara Municipal da Corte. O motivo da candidatura tinha dois propósitos: (1) pela Câmara,

Patrocínio almejava chegar ao senado; (2) como vereador, o abolicionista teria contato com as

questões relativas ao Livro de Ouro. Conforme descreva a matéria, a candidatura de Patrocínio

pretendia “fazer tremular a bandeira da abolição no edifício fronteiro ao senado, onde o Sr.

Dantas fez tremular a flâmula do abolicionismo perturbador e intransigente”. Além dessas

questões que mencionamos acima. Parece ter havido também uma série de irregularidades

nas libertações dos cativos, pois constam indícios de que existia uma preferência em se libertar

escravos pertencentes aos próprios membros da Câmara Municipal, de seus amigos, ou

pessoas influentes. Sem contar a supervalorização de muitos manumitidos, pagando-se

54

In: Gazeta de Notícias, 19/12/1887, p.2

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indenizações muito superiores aos preços de mercado, inclusive por velhos, doentes e

aleijados (Soares, op. cit. p.298).

III. 2.2. A segunda cerimônia de Libertação do Livro de Ouro

A segunda cerimônia de libertação do Livro de Ouro aconteceu em 07/09/1885. Nesta

data, comemorava-se 63º aniversário da Independência do Brasil. Como mencionamos

anteriormente, as ações da Câmara não abriam mão do simbolismo e, sobretudo, acabaram se

tornaram um símbolo de anti-escravidão público, poderoso na Corte. Realizadas no Palácio

Municipal, escolheu-se datas simbólicas como os aniversários dos membros da família imperial

e da Independência do Brasil (7 de setembro). As cerimônias realizadas possuíam a função de

promover a abolição, o Conselho, e a monarquia. Os rituais se tornaram "um fato político

repetido, a fim de que a própria Cora fosse vista” (Castilho e Cowling, op.cit. p.99).

A Gazeta de Notícias na reportagem do dia seguinte as libertações, descrevia como se

encontrava o clima na Corte devido às comemorações pela Independência. De acordo com o

jornal, as festividades

“(...) começaram desde anteontem, pela iluminação da praça da Constituição e do Largo de S. Francisco de Paula. Ontem, ao romper da alvorada, que foi anunciada por uma girândola de foguetes, foram dadas as salvas do esteio pela bateria do 2º Regimento de Artilharia, que se achava postada no morro de Santo Antonio, e pelas fortalezas e navios nacionais ancorados no porto. Na Rua do Ouvidor, que foi toda iluminada à noite, viam-se muitos edifícios embandeirados: no Largo de S. Francisco foi erguida um elegante coreto, que à noite foi iluminado com copinhos de cores. Foram também iluminadas a grade do jardim desta praça e a estátua do patriarca José Bonifácio. Era deslumbrante o efeito que este largo e a Rua do Ouvidor apresentavam a noite. [...] No Campo de Sant’ana a afluência do povo as barraquinhas foi grande, bem como nos largos de S. Francisco e Rocio, onde tocaram diversas bandas de músicas marciais escolhidas peças. [...] A uma hora da tarde houve o cortejo no paço da cidade, depois da missa na capela imperial. O cortejo foi muito concorrido, tendo comparecido o ministério, senadores, deputados, membros do corpo diplomático, oficiais do mar e terra, câmara municipal. A noite SS. MM. e AA. Imperiais assistiram ao espetáculo de gala no teatro de D. Pedro II, onde se cantou a opera Gioconda” (Gazeta de Notícias, de 08/09/1885, p.1).

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A matéria prossegue detalhando os demais eventos ocorridos. Próximo do fim da

festividade, “o Sr. Costa Ferraz fez uma breve exposição agradecendo o auxílio que aquela

festa tinha prestado aos moradores do Município Neutro. Seguiu-se a entrega das cartas de

liberdade, em número de 16055”. Segundo o periódico, as cartas foram entregas pelo Imperador

D. Pedro II e pela Princesa Imperial D. Isabel. Não houve a descrição de quantos escravizados

eram mulheres, homens e crianças. E tampouco falou-se em libertações gratuitas.

III. 2.3. A terceira cerimônia de Libertação do Livro de Ouro

A (figura. VII), ilustrada abaixo, foi retirada da Gazeta de Notícias de 02/12/1885. Dia

em que se realizou a terceira cerimônia de libertação do Livro de Ouro da Câmara Municipal da

Corte. Como já dissemos, a escolha da data era proposital. Nesse caso, D. Pedro II

comemorava 60 anos de idade. Aliás, ao que tudo indica, a redação da Gazeta possuía

exclusividade em obter os dados relativos às libertações. Como é possível notar, a matéria foi

publicada no mesmo dia em que acontecia o evento, deste modo, é provável que os

vereadores tenham repassado aos redatores do jornal informações privilegiadas.

55 In: Gazeta de Notícias, op.cit. Algumas palavras foram escritas na ortografia vigente. A marcação da palavra

Gioconda (em itálico) é original do documento. Fernando Francisco da Costa Ferraz, era um dos vereadores que

integravam a Comissão especial encarregada da libertação pelo Livro de Ouro.

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Figura III.3 – Festa promovida pela Câmara Municipal da Corte, em comemoração a

terceira libertação do Livro de Ouro

Fonte: Gazeta de Notícias de 02/12/1885

A partir dos dados fornecidos pela Gazeta de Notícias, identificamos que 133

escravizados foram libertos: 113 eram mulheres e, 25 eram homens. Em relação aos preços

das manumissões, parece que a Câmara Municipal manteve-se firme, ou seja, o valor das

indenizações pagas aos senhores e senhoras não ultrapassou ao estabelecido no Art. 10 do

respectivo Livro de Ouro. Segundo este artigo, ”o valor das manumissões em caso algum

poderá exceder a 400$000, sujeito á depreciação de 20% em cada ano que decorrer da

primeira manumissão feita pela IIIma. Câmara”.

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No que tange as manumissões, apenas foi possível comparar os dados da primeira e

terceira libertação, uma vez que as informações relativas à segunda cerimônia não se

apresentam completas. Desta forma, constatamos que em 29/07/188556 (primeira libertação),

apenas uma indenização foi paga no valor limite de 400$000 (quatrocentos mil réis). As demais

mulheres e homens escravizados obtiveram a sua liberdade com o preço médio indenizatório

próximo dos 350$000 (trezentos e cinquenta mil réis).

Já em dezembro de 1885 (terceira libertação), como indicado na (figura. VII), o preço

médio das indenizações chegava a 252$000 (duzentos e cinquenta e dois mil réis). Essa

relativa queda representava muito em termos econômicos, pois diferente do Fundo de

Emancipação - cuja maior fatia do dinheiro para as libertações advinha de recursos públicos ou

loterias programadas, como assim fora previsto no Art. 3 da lei de 28 de setembro de 1871

(Ventre Livre). O Livro de Ouro da Corte recrutava recursos a partir das quermesses

beneficentes, peças teatrais e concertos musicais. Assim, toda a economia de recursos era

bem vinda (Gazeta de Notícias e Gazeta da Tarde, 1886-1887). A propósito, no que tange as

criticas ao Livro de Ouro, cabe informar que elas não cessaram. A Revista Ilustrada de Ângelo

Agostini57 não deixou de fazer as suas, tanto em relação à Câmara Municipal da Corte, como

também aos que compartilhavam das libertações. Nem o Imperador escapou de ser ironizado

(como veremos na figura. VIII que segue adiante).

Satírico, escrevia Agostini a acerca da terceira cerimônia do Livro da Câmara, cuja

comemoração coincidia com o aniversário do Imperador.

“Dois de Dezembro, é, para nós um dia de festa, em que a artilharia troa, em que as filarmônicas desafinam e em que a alacridade dos foguetes faz explosão. O nosso imperante conta mais um ano de vida! As corporações vestem os seus fatos domingueiros, os funcionários vem tomar um lugar nos cortejos, e a companhia de gás faz um negocião. Até aqui, não havia nenhuma festa, verdadeiramente popular, e o regozijo era todo de convenção, entre uns tantos sujeitos que se reuniam, como os outros, da anedota, e decidiam – que haviam de ter espírito. Este ano, porém, a festa decretada, juntou-se outra, na câmara municipal, com discursos lidos, saudações e 133 cartas de liberdade, a outros tantos míseros escravizados” (In: Revista Ilustrada de Ângelo Agostini. Ano, 10. Nº 423, p.2).

Refinada, a crítica não fazia menção apenas aos membros da Câmara, ao Imperador e

seus afins. Agostini ia mais longe, ao contrário da Gazeta de Notícias, cujos escritos quase

sempre descreviam uma atmosfera favorável às ações da Câmara. Para a Revista Ilustrada,

havia uma orquestração de interesses políticos por trás da festividade, cujos vereadores faziam

parte. Aliás, para que se possa entender. Ângelo Agostini era um dos mais importantes críticos

56

Biblioteca do Senado Federal. Emancipação pelo Livro de Ouro da IIma. Câmara Municipal no dia 29 de julho de 1885. Pág. 18-21. 57

Acerca de Ângelo Agostini e a Revista Ilustrada ver: José Murilo de Carvalho. Campanha Abolicionista – coletânea de artigos.

Edição Comemorativa do tricentenário de Zumbi dos Palmares. Fundação Biblioteca Nacional 1996 ou Nelson Werneck Sodré. História da Imprensa no Brasil, Rio de Janeiro, Ed. Mauad, 1999. pp. 203-217.

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abolicionistas. Para Joaquim Nabuco, a Revista Ilustrada era a “Bíblia da abolição dos que não

sabem ler” (Sodré, 1999. p. 218). Nesse sentido, o retrado da cerimônia de libertação exposta

em forma de caricatura, mostra bem quem era Agostini.

Figura III.4 – Revista Ilustrada de Ângelo Agostini – caricatura de D. Pedro II entregando

cartas de liberdade relativa à terceira cerimônia do Livro de Ouro

Fonte: Revista Ilustrada de Ângelo Agostini, 1885, ano 10, nº 423, p.4.

Na opinião da revista, no ritmo em que se desencadeavam as libertações pela Câmara,

mesmo com o ao apoio do Imperador, o processo ainda duraria mais 50 anos até que o ultimo

escravo fosse liberto. Não obstante, assim como fez o jornal A Estação, criticava-se mais uma

vez as palavras de D. Pedro II.

III. 2.4. A quarta cerimônia de Libertação do Livro de Ouro

Em 14/03/1886 ocorreu a quarta cerimônia de libertação do Livro de Ouro. A data

escolhida pela Câmara coincidia com os 64 anos de idade da imperatriz Teresa Cristina.

Conforme os documentos da Câmara58, 174 escravizados foram classificados para serem

libertos. Entretanto, é preciso mencionar que a lista produzida pelos vereadores apresenta-se

dividida em duas partes e, foi preciso juntá-la para compreendermos o total de escravizados

58

AGCRJ. CM; ESC.6.1.1.46 - Microfilme CM-ESC-004 – Documentos sobre a Escravidão.

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então libertos. De acordo com a publicação da Gazeta de Notícias de 14/03/1886, o número de

escravizados libertos era de 175. Sendo 102 mulheres, 70 homens, além de três libertações

gratuitas. Sabemos, no entanto, que uma das gratuidades referia-se a escrava Ludovina, de

propriedade do vereador José Pereira Peixoto. Ao leitor, peço que guarde este nome:

Ludovina, pois falaremos dela mais adiante. Por ora, esclarecemos que vamos computar o

número de 175 escravos libertos. Já que o noticiário da Gazeta de Notícias nos apresentou

dados mais significativos.

É importante mencionar também, que realizamos uma varredura nos periódicos da

época, cujas informações nos ajudaram a compreender melhor a dinâmica e alcance das

libertações realizadas pela Câmara. Nesse sentido, encontramos no jornal O País, de

14/03/1886, uma minúscula matéria acerca da quarta cerimônia de libertação do Livro de Ouro.

Segundo o periódico, “a cerimônia libertou cerca de 200” escravizados59. Como mencionamos,

iremos relevar o número de 175 escravizados libertos. Contudo, o noticiário do periódico

demonstra que os vereadores conseguiram fazerem-se presentes por toda a Corte, já que, O

País era um dos principais periódicos da época. Mesmo assim, o periódico não deu ênfase às

libertações futuras. Isso se justificava muito sutilmente, pois, o proprietário do jornal, o

Visconde de S. Salvador, possuía uma relação bem próxima com Ângelo Agostini e a

Confederação Abolicionista.

III. 2.5. A quinta cerimônia de Libertação do Livro de Ouro

Em 29/07/1886, a Gazeta de Notícias publicava a quinta cerimônia de libertação do

Livro de Ouro. E, mais uma vez os vereadores vincularam à figura da Princesa Imperial D.

Isabel ao respectivo livro. D. Isabel completava seus 40 anos de idade no dia da festividade e,

como já previa o artigo 14 do livro, a princesa não só compareceu a cerimônia, como também

entregou as cartas de liberdade, que na ocasião foram em número de 60. Sendo 51 mulheres e

9 homens. Infelizmente, a Gazeta não publicou os valores das manumissões, os nomes dos

libertos e, tampouco quantas mulheres possuíam filhos. Todavia, mesmo não mencionando tais

informações tão preciosas para nós, o periódico faz uma espécie de retrospectiva das

liberdades obtidas. Aliás, a comemoração era em dobro, pois além do aniversário da princesa,

o Livro de Ouro completava um ano de atividade.

De acordo com a Gazeta,

59

Em relação à quantidade de escravos libertos publicado pelo jornal O País, esta não foi levado em conta para os números finais da pesquisa, haja vista que o periódico apresentou um número estimado de liberdades. Além disso, ao que tudo indica O País não estava interessado nas questões relativas ao Livro de Ouro da Câmara da Corte, já que o seu proprietário o Visconde de São

Salvador, possuía relações muito próximas com a ala abolicionista - a qual tecia criticas duras ao livro da Câmara. Para não descaracterizar o objeto de análise da pesquisa, consideramos os quantitativos de escravos libertos publicado pela Gazeta de Notícias. Assim sendo, não levamos a cabo o número de 200 escravizados libertos, conforme publicou o jornal O País.

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“Em 29 de julho de 1885 realizou-se a primeira festa de libertação, em honra do aniversário de S. A. Imperial. Foram libertadas nessa ocasião 54 escravas. Em 7 de setembro do mesmo ano, solenizando o aniversário da nossa independência política, foram libertados 160 indivíduos. No dia do aniversário de S. M. o Imperador, em 2 de dezembro de mesmo ano, foram mais libertados 133 indivíduos, dos quais eram mulheres com prole 23, sem prole 88, homens 20. Em 14 de março deste ano, em honra do aniversário de S. M. a Imperatriz, a excelsa princesa tão querida pelo seu povo, receberam cartas de liberdade mais 172 indivíduos, sendo 102 mulheres e 70 homens. Atingem, pois, ao elevado número de 519 as libertações até hoje feitas pela câmara municipal [...]. Serão entregues hoje mais 60 cartas de liberdade, sendo 51 mulheres e 9 homens. Duas dessas libertações foram obtidas pelos empregados da câmara, que quiseram-se associar, na força de suas posses, a brilhante festa organizada pela câmara. A festa começará às 11 horas da manhã, e será honrada com a presença do SS. MM. e AA. Imperiais. O número das libertações, inclusive as de hoje, eleva-se a 579” (Gazeta de Notícias, 29/07/1886, p.1).

É possível verificar na reportagem do jornal pequenas divergências numéricas acerca

das libertações realizadas pela Câmara. Contudo, para a contagem final desta pesquisa, valerá

as quantidades de libertos mencionados na reportagem de origem, ou seja, aquelas publicadas

no mesmo dia ou no dia posterior as cerimônias. Assim, mantemos um padrão para a nossa

base de dados.

III. 2.6. A sexta cerimônia de Libertação do Livro de Ouro

A Gazeta de Notícias publicava a sexta cerimônia de libertação em sua edição de nº

251, de 08/09/1886, ou seja, um dia após o evento, em 07/09/1886, quando na ocasião, se

comemorava o 64º aniversário da Independência do Brasil. Aliás, as reportagens da Gazeta

acerca da cerimônia de libertação, bem como aos dias que antecederam a mesma, nos

revelaram informações preciosas. Sobretudo, no que diz respeito à compreensão da atmosfera

criada pelos vereadores em relação ao Livro da Municipalidade.

Como vimos anteriormente, muitas críticas foram feitas ao Livro, ao Imperador e aos

Vereadores da Câmara da Corte. Alguns desses questionamentos diziam respeito às origens

dos donativos, muitos dos quais a Câmara não discriminava a sociedade ou mesmo aos

abolicionistas que os apoiavam. Na Gazeta de Notícias de 02/09/1886, encontramos uma

espécie de prestação de contas concernente à entrada de donativos para o Livro da

Municipalidade. De acordo com a reportagem,

“O Sr. Fiscal da freguesia de São Cristovão entregou ao Sr. Tesoureiro da Câmara Municipal a quantia de 800$000, a agenciada naquela freguesia para a libertação de escravos, no dia 7 do corrente.

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A IIIma. Câmara Municipal recebeu mais os seguintes donativos: Agenciado pelo Srs. Vereador Pinto Aleixo e Gaspar Alves Meira, na freguesia de Santa Rita...................................................................................1:315$000

Idem pelos Srs. Dr. Pereira Lopes, presidente da Câmara, e Frederico José Vaz Pinto, Fiscal de S. Cristovão........................................................800$000

Idem pelos Srs. Dr. Felippe Cardoso Pires, F. Constantino e padre-mestre Damaso do Rego Barros, curato de Santa Cruz..................................................................................................315$000

Idem pelo Sr. João Rodrigues de Carvalho, fiscal da freguesia de Irajá..................................................................................................140$000

Do Rvd. Vigário da freguesia do Campo Grande................................. 10$000

Total.......................................................................................2:616$500” (Gazeta de Notícias, 02/09/1886, p.1).

Não obstante, em 05/09/1886, outra prestação de contas foi publicada pela Gazeta. O

título da matéria era igual ao anterior: “Livro de Ouro da Municipalidade”. Aparentando ser o

“porta voz” dos vereadores, o jornal publicava:

“Foram recebidos mais os seguintes donativos: Dos vereadores Pinto Guedes e Freiredo Amaral, e fiscal da freguesia de S. José Eloy de Oliveira...............................................................206$000

Do fiscal da Gávea...................................................................12$000

Dos vereadores visconde de Santa Cruz, Dr. Possollo e Srs. José Antonio Rodrigues do Araújo e Augusto Mário de Abreu Mello, e fiscal da freguesia da Glória Antonio da Cunha e Souza............................................1:238$500

Dos vereadores Dr. Rabello E. e Emílio da Fonseca, e fiscal do Sacramento J. Rodrigues da Rosa.....................................................................150$000” (Gazeta de Notícias, 05/09/1886, p.1).

Quanto à cerimônia de libertação, a Gazeta não fugia aos modelos de descrição já

utilizados em publicações anteriores, ou seja, mais uma vez mostrava um cenário perfeito e

favorável à monarquia, bem como aos vereadores e suas ações emancipacionistas. No

transcorrer da matéria é possível perceber que a elite imperial deu ao evento a notabilidade

esperada pelos políticos cariocas. Assim, lia-se na Gazeta:

“Ontem realizou-se a festa de libertação, promovida pela Câmara Municipal da Corte. O edifício estava vistosamente decorado, guardando o mesmo aspecto das anteriores festas: muita folhagem, bandeiras, arcos; os alunos das escolas municipais de S. José e S. Sebastião empunhando bandeirolas e formando alas nas escadarias. O salão nobre da Câmara estava repleto de cavalheiros e Ex

mas. famílias,

representantes do corpo diplomático e consular estrangeiro, entre os quais notamos os Srs. Ministros da República Argentina, da Bélgica, da Rússia, da Bolívia e de Portugal, com os demais membros das respectivas legações, representantes da imprensa e etc” (Gazeta de Notícias, idem, p.1).

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100

A reportagem prossegue descrevendo o ambiente e, informando que “suas Majestades

e Altezas Imperiais chegaram às 11 ½ da manhã. Recebidos pelos vereadores à realeza foi

levada até o salão de honra, e, ali chegada, foi aberta a sessão”.

“Começou depois a cerimônia de entrega das cartas, que eram dadas pelas mãos da Sua Alteza Imperial aos libertandos. Estes, em número de 60, estavam divididos em turmas, que eram apresentadas, de dois em dois indivíduos, pelos vereadores. Ao Sr. Visconde de Santa Cruz coube apresentar as cartas de dois homens perfeitamente brancos, e muito bem vestidos. Sua Alteza, voltando-se para o vereador, perguntou: - Quais são os libertandos? O Sr. Visconde respondeu que eram aqueles. Houve um movimento de geral curiosidade, e Sua Alteza Imperial entregou as cartas aos dois homens, acompanhando-os com um olhar de profunda pena, até desapareceram pela porta que dá para uma das dependências do arquivo, onde estavam os outros libertos” (Gazeta de Notícias, idem, p.1).

Além dos 60 libertos, outros fatos nos chamou a atenção. O primeiro, diz respeito ao

perfil dos dois homens libertos, ou seja, de acordo com a reportagem eram “perfeitamente

brancos e muito bem vestidos”. Alguns questionamentos saltam os olhos: (1) seriam estes

homens fruto de um relacionamento extraconjugal de algum senhor, que não conseguindo ver

seus filhos na condição de escravos, entregou-os para liberdade? (2) teriam os homens

padrinhos influentes cuja liberdade foi acelerada pelos membros da Câmara? (3) Ou seriam

escravos de ganho, que através do próprio pecúlio conseguiram financiar suas liberdades? (4)

O Imperador os olhou com muita pena. Esse sentimento era extensivo a todos os “libertandos”

ou recaiu com mais intensidade no caso dos escravos brancos? Infelizmente, nos resta apenas

conjecturar, haja vista que, nada mais foi dito acerca dos homens “perfeitamente brancos”.

O segundo fato tem haver com o diálogo realizado entre D. Pedro II e os membros da

Câmara. De acordo com a matéria,

“Terminada esta cerimônia, Sua Majestade, dirigindo-se ao Sr. Dr. Pereira Lopes, disse-lhe: - Não desanimem. Depois foi cumprimentar o corpo diplomático e outras pessoas gradas que ali estavam. A família imperial foi em seguida inaugurar o quadro comemorativo da primeira festa libertadora [...]. A uma observação de Sua Majestade, relativa ao quadro, respondeu o seu autor, Sr. Pedro Peres

60, que a obra não estava de todo acabada.

Sua Majestade achou muita escura a sua figura, representada no quadro” (Op. cit. Gazeta de Notícias, de 05/09/1886, p. 1).

60

Trata-se do pintor Pedro José Pinto Peres (1859-1923). O quadro em questão foi nominado A Primeira Libertação, (29-07-1855). Para maiores informações ver FREIRE, Laudelino. Um século de pintura; apontamentos para a história da pintura no Brasil : 1816 -1916 (1983).

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101

Nos pormenores da primeira libertação, identificamos que os vereadores investiram na

ideia de confeccionar uma tela comemorativa ao ato das liberdades. Como nada mais fora

publicado acerca do fato, optamos por não mencioná-lo outras vezes. Todavia, como é

possível observar na reportagem da Gazeta, a tela realmente foi produzida e, a observação do

Imperador tinha suas razões estéticas. D. Pedro II tivera rígida formação pautada na tradição

dos manuais de educação dos príncipes. Sua educação política forma marcada pelo

liberalismo moderado da Regência. Sua educação artística e humanística este a cargo dos

mestres estrangeiros, sobretudo franceses, como Félix-Émile Taunay, professor de desenho,

história universal e das artes, literatura antiga e grego (Carvalho. et. al, 2012. p.28).

Percebe-se que, havia uma preocupação da Gazeta de Notícias e dos vereadores em

passar para os leitores a ideia de idoneidade e efetividade das ações da Câmara da Corte.

Entretanto, essa imagem não convencia a todos. Grosso modo, ao agir em consonância com

os vereadores, a Gazeta comprava briga com uma poderosa revista de vertente abolicionista: a

Revista Ilustrada de Ângelo Agostini. Ao que tudo indica, existia uma rixa entre os dois

periódicos, fato que veremos adiante.

III. 2.7. A sétima cerimônia de Libertação do Livro de Ouro

Dando prosseguimento ao que chamamos de prestação de contas, em 10/09/1886, ou

seja, três dias após a sexta entrega de cartas de liberdade pela Câmara, a Gazeta publicava,

“Foram recebidos ontem mais os seguintes donativos para o Livro de Ouro, da Câmara Municipal: De Leonardo José Teixeira Leite, da freguesia de Jacarepaguá.........................................................................................40$000

De um anônimo, remetido ao Sr. Dr. Presidente.....................................50$000

De João Baptista Ferraz de Campos........................................10$000” (Gazeta de Notícias, 10/09/1886. p.1).

Na edição de 30/09/1886, o periódico fazia menção que “o produto da venda de tabaco

Similla de Havana, no dia 28 do corrente, oferecido pelos Srs. José Francisco Correia & C,

para o Livro de Ouro da Municipalidade, atingiu a soma de 215$500, que vai ser entregue ao

Sr. presidente da Câmara Municipal”.

A sétima cerimônia aconteceu em 02/12/1886, nos festejos de 61 anos de idade do

Imperador D. Pedro II. A Gazeta de Notícias publicava em 03/12/1886, os acontecimentos

decorrentes da festividade e, embora tenha realizado outra retrospectiva das libertações

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anteriores, para nós, interessa o fato de que, nesta edição, os dados relativos aos libertos

foram mais contundentes. A Gazeta Notícias praticamente fez o previsto no Art.8 do

regulamento para o Livro de Ouro, ou seja, publicou o mapa das libertações, indicando a

quantidade de homens e mulheres, algo que não havia feito nas edições anteriores.

Na ocasião, escrevia o jornal:

“Dos cinquenta libertados, dois foram a título gratuito. Os outros quarenta e oito o foram com retribuição pecuniária da Câmara, aos seguintes preços: 36 a 200$000, 11 a 250$000 e 1 por 100$000. Todos os beneficiados ontem pelos cofres da Câmara são mulheres. As mais velhas, duas tem 40 anos, e as outras – uma 39, uma 38, uma 37, uma 36, duas 35, uma 34, uma 33, duas 32, duas 30, duas 29, duas 28, cinco 27, uma 26, três 25, cinco 24, quatro 23, seis 22, uma 21, duas 19, e três 17 anos” (Gazeta de Notícias, 03/12/1886. p.2).

Alguns pontos publicados pelo periódico merecem destaque: primeiro, as manumissões

decaíram de preço. Esse fato, muito tem haver com as pressões britânicas pelo fim da

escravidão, os tensos debates políticos e a imigração de europeus (estes surgindo como mão

de obra substituta aos escravos). Podemos acrescentar ainda, os desdobramentos da Lei

Saraiva-Cotagipe (promulgada a 28 de setembro de 1885), conhecida também como Lei dos

Sexagenários, cujos escravos com 60 anos ou mais ganhariam a liberdade. Devido à

possibilidade de uma abolição repentina, muitos proprietários com receio de terem prejuízos

com seus cativos, acabavam optando por se desfazer dos mesmos, daí a relativa queda nos

preços das indenizações (Soares, 2007. pp. 299-300).

O segundo ponto diz repeito ao perfil dos libertos. Na ocasião, apenas as mulheres

ganharam a liberdade. Analisando as idades das cativas publicadas pela Gazeta de Notícias, é

possível constatar que a grande maioria das libertas estava em idade produtiva. Infelizmente,

não sabemos se as mesmas prestavam serviços domésticos, situação que poderia indicar uma

maior intimidade e afeto com antigo senhor (Soares. Op.cit.). Ou mesmo se eram lavadeiras ou

quituteiras, o que talvez indicasse que eram escravas de ganho. Todavia, a prerrogativa de se

privilegiar o sexo feminino ao masculino, como consta Art. 9 do Livro de Ouro, se confirmava

de modo efetivo.

Na contramão das publicações da Gazeta de Notícias, a Revista Ilustrada de Ângelo

Agostini, em sua edição de nº 446 de 1886, falava da cerimônia de libertação. Porém, o viés

crítico não fora deixado de lado. Aliás, a matéria traz informações bastante significativas.

Vejamos:

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“Graças aos sentimentos filantrópicos do Sr. Visconde de S. Salvador, proprietário do Paiz, mais 11 seres humanos acabam de ser resgatados do cativeiro! É sabido que, na festa municipal de 2 de dezembro, tendo sido distribuídas 50 cartas de liberdade, o Imperador dissera que esperava que esse número fosse igual, pelo menos, ao dos anos que completava. Falando-se nisso, na redação do País, o benemérito proprietário dessa folha exclamou: - Pois bem! Eu encarrego-me de completar esse número. E, efetivamente, quinta-feira ultima, teve lugar, naquela redação a tocante cerimônia da distribuição dos seus títulos de pessoas livres, a 11 vitimas do despotismo social” (Revista Ilustrada de Ângelo Agostini, Ano 11, Nº 446. p.3).

A matéria da Revista ainda menciona que o evento contou com a presença de João

Clapp, presidente da Confederação Abolicionista. Com isso, é possível visualizar que Agostini

dava mais importância às libertações dos seus congêneres abolicionistas, do que aquelas

realizadas pela Câmara. Já que, os vereadores ao que tudo indica, contavam com o apoio da

Gazeta de Notícias. Além disso, o caricaturista usava termos críticos bastante pesados, como

“despotismo social”.

Lendo o discurso da Revista Ilustrada, temos a ideia de que Agostini não

responsabilizava apenas os membros da Câmara da Corte ou mesmo o Imperador. Ao que

tudo indica, para o caricaturista, o sentido de arbitrariedade se estendia para toda a sociedade,

que a esta época, ainda se apresentava dividida acerca da manutenção do regime servil.

Não obstante, a rivalidade entre Agostini e a Gazeta de Notícias continuava. E

aproveitando o clima de natal de que se aproximava, a Revista Ilustrada satirizava o jornal de

Ferreira de Araújo. Aliás, como é possível notar na (figura. IX) que segue abaixo, o cenário

ilustrado por Agostini era bem pitoresco. Uma mulher branca, com semblante emburrado, lia a

carta enviada pelo seu genro que lhe presenteava com uma assinatura da Gazeta de Notícias.

Ironicamente o presente chagava pelas mãos de uma escrava, o que representa para nós uma

crítica de Agostini ao periódico, a qual se estendia aos vereadores e a própria manutenção do

regime de servidão. Aparentando ser um “presente de grego” justamente no período natalino, a

sogra reclama da boa ação do genro. Que na realidade era Agostini chamando em público os

proprietários e editores da Gazeta de Notícia de canalhas. Atrás da porta, ao que parece,

estava Ferreira de Araújo espiando o acontecimento.

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Figura III.5 – Crítica disfarçada da Revista Ilustrada de Ângelo Agostini a Gazeta de

Notícias

Fonte: Revista Ilustrada de Ângelo Agostini. 1886, Ano, 11. Nº 446, p.4. III. 2.8. A oitava cerimônia de Libertação do Livro de Ouro

Diversos fatos marcaram o intervalo entre a sétima e oitava libertação do Livro de Ouro,

ou seja, de 02/12/1886 a 07/09/1887. O clima político na Corte esquentava consideravelmente.

A cobrança por um projeto de abolição imediata do Município Neutro rondava os vereadores

cariocas, que de certa maneira ainda insistiam com as libertações espaçadas decorrente do

livro da municipalidade.

Diante de tal cenário, um meeting foi realizado em 24/04/1887, pela Confederação

Abolicionista. De acordo com a Gazeta de Notícias de 26/04/1887, o referido encontro

aconteceu no “Teatro Polytheama e depois de brilhante conferência do Sr. José do Patrocínio,

foi votada e unanimemente aprovada” uma moção. A proposta em nada satisfazia a vontade

dos vereadores e, colocava mais uma vez em jogo a eficácia do Livro de Ouro.

Seguindo a linha de André Rebouças - o qual defendia a promoção de um programa

social e econômico direcionado para a redistribuição da terra através da eliminação da grande

propriedade e a introdução de pequenos pressupostos basilar para o estabelecimento, no país,

de sua “democracia rural brasileira” (Jucá,1988). A moção começava desconstruindo a ideia de

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que a escravidão àquela altura não era mais por questões econômicas, cuja defesa dos

escravocratas se baseava na perda da mão de obra escrava e conseqüentemente a falência

das grandes propriedades. O questionamento era que se tratava de um problema social, o qual

relacionava diretamente a escravidão ao atraso da industrialização brasileira. O documento

afirmava também que “nas capitais e cidades, ela (escravidão) é a causa da desorganização e

dos embaraços de todo o serviço doméstico, contra o qual as queixas são unanimes”.

Conforme o documento, o número de escravizados do município neutro chagava próximo dos

7.000. Por isso,

“O povo fluminense, representado por esta Assembléia, dirigi-se aos imediatos representantes na municipalidade, solicitando-lhe que sejam nomeadas comissões paroquiais que, de acordo com a Confederação Abolicionista, levem a efeito a obra, já encetada, da libertação desta capital. Outrossim, pede que o Livro de Ouro da municipalidade, em vez de registrar donativos, passe de agora em diante a arquivar as cartas de liberdade obtidas no patriótico intuito de libertar a nossa capital do opróbrio da escravidão.” (Gazeta de Notícias, 26/04/1887, p.1).

No prosseguir da matéria, notamos uma espécie de defesa dos vereadores em relação

a tudo que fora proposto na moção. Na visão dos políticos,

“Parece-nos facilmente exequível a ideia aventada pelos cavalheiros anteontem reunidos no Polytheama, e que os esforços da municipalidade, secundados pelos particulares, conseguirão brevemente libertar o município neutro, onde existem apenas 7.400 escravos, para uma população de 400.000 habitantes. Desde que a municipalidade queira tomar sobre seus ombros a humanitária tarefa e resolva empenhar-se seriamente nessa campanha gloriosa, certo não lhe faltará o apoio do povo e a obra será realizada em breve espaço de tempo e suavemente [...]. Pelos cálculos oferecidos pelos colegas da Gazeta da Tarde, é que temos por exatos, vê-se que na corte existem 3.489 senhores para 7.491 escravos, isto é, dois por cabeça. É inútil, diante da simplicidade destes algarismos, insistir por demonstrar a facilidade com que se poderá obter a libertação daqueles infelizes, e o verdadeiro crime determinado por qualquer demora na realização desta obra meritória. A ideia encerrada naquela moção representa boa semente; lançada na alma da nossa população, ai encontrará terreno preparado e onde forçosamente deverá germinar, crescer e frutificar, depende só da Câmara Municipal tomar seriamente a si o honrosíssimo empenho, para que este se traduza em fato”(Gazeta de Notícias, idem, p.1)

61.

É importante observar que a disputa política acontecia no coração da Corte, ou seja, o

Teatro Polytheama ficava localizado à Rua do Lavradio, 94 - entre as ruas da Relação e

Rezende no Rio de Janeiro. De certa forma, ao paço que andava as discussões pelo fim do

regime servil no Império, certamente o embate entre vereadores e abolicionistas inflamava

consideravelmente clima de disputa política na Corte. Não obstante, a ideia de libertação

61

Acerca dos dados populacionais do período imperial ver: www.nphed.cedeplar.ufmg.br/pop72.

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gradual do município convinha aos vereadores e, desagrava a ala abolicionista capitaneada

pela Confederação Abolicionista. Como dissemos anteriormente, a Câmara da Corte

encontrava-se dividida: por um lado, possuía sua base conservadora. Por outro, ao adentrar na

cena política em favor da abolição, ficava sujeita as críticas de abolicionistas mais radicais,

como era o caso de José do Patrocínio. Mesmo com o debate desencadeado em abril de

1887, ao que tudo indica, a Câmara manteve-se firme em tocar o projeto do Livro de Ouro, até

porque as doações não cessaram.

Em 29/07/1887, a Gazeta de Notícias publicava que “Sua Alteza a Princesa Regente

remeteu a quantia de 2:000$00 para o Livro de Ouro. S.S. diz que esta quantia será

empregada na distribuição de cartas de liberdade por ocasião dos festejos do dia 7 de

setembro próximo”. Antes da cerimônia de libertação, a Gazeta de Notícias ainda publicou em

02/09/1887, a doação de 400$000 feita por Prado Villa-Isabel e 200$000 oferecida por Ignácio

Martins.

Em meio a todo o embate político que acontecia na capital do Império, em 07/09/1887

ocorria à oitava cerimônia de libertação de escravos através do Livro de Ouro da Câmara

Municipal da Corte. Como de praxe, a data coincidia com o 65º aniversário da independência

do Brasil. Na ocasião, foram libertos 70 escravizados. Infelizmente nenhum outro dado foi

descrito pela Gazeta de Notícias, ou seja, não sabemos quantas mulheres, homens e crianças

foram libertos.

III. 2.9. A nona cerimônia de Libertação do Livro de Ouro

A nona cerimônia de libertação ocorreu em 02/12/1887, conforme publicava a Gazeta

de Notícias. A esta época, D. Pedro II completava 62 anos de idade e este fora também o

número de escravizados libertos. No ano anterior quando se celebrava a sétima cerimônia de

libertação do Livro de Ouro, D. Pedro havia comentado que desejava que pelo menos naquele

momento, o número de escravos libertos fosse igual aos anos que completava de vida.

Buscando atender ao desejo do Imperador, os vereadores trataram de classificar exatamente o

número de sessenta e dois escravos. Aliás, como indica a Gazeta de Notícias, dois deles foram

libertos a título gratuito, “pelo vereador Dr. Torquato Couto”.

A cerimônia mais uma vez acontecia “no salão de honra da câmara municipal, em

presença de SS. AA. Imperiais”.

III. 2.10. A décima cerimônia de Libertação do Livro de Ouro

Embora (Castilho & Cowling, 2010) apontem para o fato de que nove (9) cerimônias de

libertação foram executadas pela Câmara Municipal da Corte, em favor do Livro de Ouro, em

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nossa pesquisa, iremos trabalhar com a perspectiva de que houve dez (10) cerimônias de

libertação. Este fato sustenta-se na notícia veiculada em 15/03/1888, na Gazeta de Notícias,

alusiva a futura comemoração do 66º aniversário da Imperatriz Tereza Cristina. Na ocasião foi

realizada na Câmara Municipal da Corte, uma sessão solene “requerida pelo Sr. vereador Dr.

Torquato Couto, para tratar-se da Libertação total do Município Neutro”.

Conforme descreve a Gazeta,

“Ao meio-dia presentes os Srs. Drs. Nobre, Jardim, Torquato Couto, Dias Ferreira, Cardoso Fontes, os Srs. Leonardo Gomes, Souto Carvalho, Rabello, Firmo de Moura, Cândido Leal e Benedito Hypólito, O Sr. presidente abriu a sessão dando vivas a S. M. a Imperatriz, S. M. o Imperador, S. A. a Princesa Regente, a nação brasileira, e a libertação do Município Neutro.”

A matéria discorreu com as pompas normais de uma sessão solene. Discursos foram

feitos, homenagens a aniversariante também fizeram parte da cerimônia, enfim, após as

fundamentações legais, os vereadores firmaram a seguinte proposta:

“A Câmara Municipal delibera hoje a libertação total, completa do Município Neutro, promovendo para esse fim todos os meios ao seu alcance, quer por meio de comissões, quer por meio de donativos filantrópicos, de forma que no dia 29 de julho do corrente ano, aniversário da Princesa Imperial, fique extinta a Escravidão no Município Neutro” (Gazeta de Notícias, 15/03/1888. p. 1).

A votação contou com cinco propostas. A primeira pedia a Recebedoria do Município,

os nomes, matrículas e residência dos senhores possuidores de escravos matriculados; a

segunda proposta previa a emissão de uma circular convidando os senhores dos escravos

matriculados, a entregarem seus cativos “ao batismo da redenção”; a terceira solicitava

celeridade no processo de verificação dos escravos matriculados; a quarta proposta,

estabelecia que fossem criadas “comissões executivas para levar a efeito o santo

empreendimento da libertação”; a quinta e ultima, emanava o desejo de que “essas comissões

tenham plenos poderes para agir de acordo com o pensamento dominante, auxiliando-se com

elementos que entender puder contribuir para o almejado fim” (Gazeta de Notícias, idem, p.1).

Dos vereadores presentes, segundo a Gazeta de Notícias, apenas Cândido Leal

“manifestou-se contra” as propostas, “por entender que elas agora são desnecessárias, desde

que se sabe que o actual ministério vai apresentar um projeto tendente á solução do elemento

servil”. Retrucado, Cândido Leal ainda ouviu do “Sr. Jardim, que Câmara Municipal está no seu

direito hoje pedir a libertação total do município para completar a obra começada pelo Livro de

Ouro”.

Alguns pontos tratados pelos vereadores da Corte merecem ser discutidos rapidamente.

A décima cerimônia, não acontecia por acaso. Apenas para relembrar, o meeting realizado em

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24/04/1887 pela Confederação Abolicionista, já cobrava dos vereadores cariocas semelhante

posicionamento. Isso acontecia cinco meses antes da oitava libertação do Livro de Ouro. Pelo

visto, os políticos da Corte ainda esperaram quase um ano para tomar uma decisão.

É certo que a atitude dos vereadores em promover uma discussão acerca do f im

definitivo da escravidão no Município Neutro, tinha mais haver com as pressões políticas que

sofriam, do que a própria vontade de findar as atividades do Livro de Ouro, já em julho de

1888. Para completar, os políticos cariocas ainda deram ao Livro de Ouro, o mérito de ter

começado a obra de libertação no Município da Corte. Essa conduta por parte dos vereadores

mostrava o quão conservadores eles ainda eram. Pois, antes mesmo de se desencadear o

movimento abolicionista em 1880, a pauta política em favor da abolição já incluía a defesa da

liberdade natural do homem, apoiando-se, sobretudo, nas interpretações da lei de 06 de junho

de 1755 e na lei de 07 de novembro de 183162. Com o advento do movimento abolicionista

após 1880, a lei de 1831 tomava conta das argumentações políticas pelo fim da escravidão em

todo o Império, sem contar os pormenores existentes na de Lei de 28 de setembro de 1871

(Ventre Livre).

Desta maneira, podemos dizer que o Livro de Ouro foi apenas mais um, dentre outros

tantos mecanismos de libertação de escravizados que existiram na Corte. Aliás, alguns

posicionamentos acerca da efetividade do Livro de Ouro merecem destaque. Para (Soares,

ibidem, p.299), o Livro de Ouro libertou entre 1885 a 1887, 301 escravos, sendo 207 mulheres

e 94 homens, “dos quais cerca de 50 manumitidos (em 1887), pertenciam aos espertos

vereadores da municipalidade, que, na iminência da abolição total da escravatura, trataram de

se livrar de seus cativos obtendo indenizações com os fundos do Livro”. Camillia Cowling

(ibidem, p.215), menciona que em termos numéricos, os resultados do Livro de Ouro foram

insignificantes. Tendo em vista que “o livro libertou 797 pessoas no total, representando

somente 3% da diminuição da população escrava neste período”.

Em termos numéricos, nossa pesquisa identificou 825 libertos entre os anos de 1885 a

1887. A tabela IV, que segue abaixo, aponta as cerimônias de libertação identificadas por nós,

bem como o número de escravos libertos e o que se comemorava a época.

Não entraremos no mérito de avaliar a eficiência das libertações executadas pelo Livro

de Ouro da Corte. Até porque, achamos que um estudo comparativo com outras províncias

brasileiras merece ser realizado para que se possa avaliar o comportamento e a dinâmica de

outros Livros semelhantes ao da Câmara da Corte.

Metodologicamente, optamos por traçar uma pesquisa na Gazeta de Notícias, pois o

periódico ao que tudo indica, foi o único que publicou do início ao fim as liberdades realizadas

pela Câmara Municipal da Corte. Cruzamos os dados do referido periódico com a 62

A lei de 06 de junho de 1755 tinha dentre suas prerrogativas a libertação dos indígenas. O decreto fora assinado pelo Marquês de Pombal. Já a lei de 07 de novembro de 1831, assinada pelo Regente Feijó em nome do imperador, declarava livres “todos os escravos que entrarem no território ou portos do Brasil”.

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documentação da Câmara da Corte, até certo ponto, porque esses registros não estão

completos.

Tabela III.2 – Relação de cerimônias de libertação do Livro de Ouro da Câmara Municipal da Corte

Ano Cerimônia Data Comemoração Quantidade de Libertos

1885 1ª

29/jul

Aniversário da Princesa Isabel 55

1885 2ª

07/set

Independência do Brasil 160

1885 3ª

02/dez

Aniversário de D. Pedro II 133

1886 4ª

14/mar

Aniversário da Imperatriz Teresa Cristina 175

1886 5ª

29/jul

Aniversário da Princesa Isabel 60

1886 6ª

07/set

Independência do Brasil 60

1886 7ª

02/dez

Aniversário de D. Pedro II 50

1887 8ª

07/set

Independência do Brasil 70

1887 9ª

02/dez

Aniversário de D. Pedro II 62

Total de escravos libertos 825

Fonte: Gazeta de Notícia, de 1885 a 1888.

Verificando os pressupostos da sessão solene para a libertação total dos escravos no

Município Neutro, até 29/07/1888, é possível identificar que a tarefa dos vereadores seria

praticamente impossível, já que o número de escravos a serem libertos apenas na Corte

chegava aos 46.000. Para que o leitor entenda a contagem, tentaremos explicá-la de forma

mais didática. Em 1874, o 17º relatório do Ministério do Comércio e Obras Públicas63

classificou aproximadamente 47.260 escravos no Município Neutro. Para o restante dos

municípios do Rio de Janeiro, esse número chegava aos 304.744 escravos classificados.

Como a presente pesquisa visualizou somente os escravos libertos no Município Neutro - aliás,

este fato era uma condição sine qua non ao Livro de Ouro da Câmara da Corte, como bem

categorizaram os vereadores no referido regulamento do livro. No mais, a essa altura, em

1888, os políticos cariocas teriam a missão de providenciar cerca de 46.000 liberdades, pois o

Livro da Câmara em três anos de atividade só havia emancipado 825 cativos, ou seja, dos

47.260 classificados no Município Neutro, apenas 825 havia ganhado liberdade pelo Livro de

Ouro.

63

Para mais informações acerca dos relatórios anuais do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Publicas, acesse: http://www.crl.edu/brazil/ministerial/agricultura

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Desta forma, podemos dizer que na sessão solene promovida pela Câmara da Corte

em 15/03/1888, a razão estava ao lado dos abolicionistas, pois a missão de libertar 46.000

escravos pelo modelo do Livro de Ouro em apenas quatro meses – ou seja, até 29/07/1888,

quando a Imperatriz Tereza Cristina comemoraria seus 66 nos de vida, seria algo praticamente

impossível. Não obstante, o vereador Cândido Leal que se manifestou contra as propostas na

dita sessão da Câmara, “por entender que elas agora são desnecessárias, desde que se sabe

que o actual ministério vai apresentar um projeto tendente á solução do elemento servil”,

também possuía suas razões, tendo em vista que, em 13 de maio de 1888, era aprovada a Lei

nº 3.353, a qual declarava extinta a escravidão no Brasil.

Na tabela V, constam apenas as cerimônias de libertação cuja quantidade de crianças,

mulheres e homens foram descritos pela Gazeta de Notícias. Como indicamos anteriormente,

nem sempre o periódico esmiuçava as libertações. Aliás, esta obrigação estava a cargo dos

vereadores da Corte, como já previa o Art.8 do Livro de Ouro. De toda forma, identificamos os

seguintes números:

Tabela III.3 - Cerimônias do Livro de Ouro com identificação das liberdades

Ano Cerimônia Data Crianças

libertas

%

do total de

libertos

Mulheres

Libertas

%

do total de

libertos

Homens

Libertos

% do

total de

libertos

1885 1ª 2

9/jul 33 4% 53 6% 2 0,2%

1885 3ª 0

2/dez 20 2% 113 14% 20 2%

1886 4ª 1

4/mar *** *** 103 12% 70 8%

1886 5ª 2

9/jul *** *** 51 6% 9 1%

1886 6ª 0

7/set *** *** 48 6% 2 0,2%

1886 7ª 0

2/dez *** *** 50 6% *** ***

Total de Libertos 53 6% 18 45% 103 12%

Fonte: Gazeta de Notícia, edições relativas ao Livro de Ouro, de 1885 a 1888.

Se no Município Neutro os vereadores se articularam a fim de privilegiar as libertações

das mulheres escravizadas, então, cabe-nos para finalizar, algumas indagações. Como se deu

o processo dos demais Livros de Ouro em outras Províncias? Estaria a Câmara Municipal da

Corte dando um exemplo para outras Câmaras Municipais? Ou os vereadores cariocas

seguiram uma tendência de libertações feminina já vigente no Império e em outras Câmaras

Municipais?

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111

Os estudos acerca dessas indagações ainda se apresentam dispersos e não

conectados entre si. Todavia, o entendimento relativo a outros Livros de Ouro, traz consigo

perspectivas históricas bastante sedutoras para pesquisas futuras.

III. 3. O Fundo de Emancipação Nacional e as libertações pela Câmara Municipal da Corte

Ao analisarmos aos documentos relativos ao Livro de Ouro da Câmara da Corte, vimos

que, alguns dados muito bem preservados, diziam respeito ao Fundo de Emancipação

Nacional. Entretanto, como dissemos anteriormente, esse fundo fora decorrente da Lei de 28

de setembro de 1871 (Lei do Ventre Livre), no qual as províncias do Império receberiam quotas

anuais distribuídas para o fomento das libertações de escravizados. Muito pouco ainda

sabemos acerca da dimensão dos valores e quantitativos de escravos libertos pelo Fundo

Nacional de Emancipação. Mais pesquisas precisam ser realizadas a fim de verificar o volume

das quotas distribuídas para cada província, quais províncias foram atendidas pelo Fundo

Nacional durante a sua vigência, se existia um critério fixo de repasse dos valores a serem

distribuídos pelo respectivo fundo, se o pecúlio dos escravos, foi representativo no bojo do

processo emancipatório desencadeado pela Lei de 28 de setembro de 1871.

Um indício acerca dos questionamentos lançadas acima, consta no 30º relatório do

Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do ano de 188764. Esse ministério era o

órgão do governo responsável pelo Fundo de Emancipação Nacional. Abrimos um adendo para

informar que o referido ministério tratava de diversos assuntos além dos relacionados à

escravidão, dentre os quais tínhamos: agricultura, indústria, mineração, correios, e outros. Na

sessão relativa a servidão o relatório fazia um balanço dos 17 anos de atuação do Fundo, e de

acordo com os dados do ministério.

“O número total dos escravos alforriados pelo fundo de emancipação desde que este começou a ser aplicado, era de 30.014. A despesa (conhecida) com essas libertações foi de 18.079:637$575, entrando os escravos pela sua parte com o pecúlio de 1.164:405$347. É positivo que o resultado não corresponde aos intuitos do legislador de 1871. Com efeito, este não podia crer que, passados 16 anos, tão somente se houvesse alforriado por conta do fundo aquele número de escravos, ou no fim de 17 anos, o número total de 32.436, que é o que consta do quadro abaixo inserto. O preço das libertações subui a 19.534:923$673, mas dessa quantia tem de ser deduzida a de 1.297:808$527, que é a dos pecúlios com que entraram os libertos, cabendo ao Estado a despesa efetiva de 18.237:115$146. A média dos preços da avaliação é de 602$257.”

No que se referia ao Município Neutro o quadro apontava para o número de 4.073

escravos alforriados, cujo valor dos pecúlios dos escravos era de 35:000$000 réis, a despesa

64

Para mais informações acerca dos relatórios anuais do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Publicas, acesse: http://www.crl.edu/brazil/ministerial/agricultura

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do Estado fora de 560:000$000 réis, preço total de 595:000$000 réis. No caso das

manumissões, a média era de 573$000 réis. O relatório ainda apresentava os dados de todas

as províncias atendidas pelo respectivo fundo.

Ao observar algumas questões acerca do Fundo de Emancipação, Luiz Carlos Soares

informa que:

“[...] somente a partir de 1875 foram manumitidos escravos pelo Fundo de

Emancipação. Na realidade, como alternativa de promoção da libertação

gradual de grandes contingentes de cativos, esse fundo foi um imenso

fracasso, devido à falta de recursos públicos e ao pouco interesse dos

particulares em colocar seu dinheiro numa iniciativa governamental que não

lhes oferecia nenhuma perspectiva de lucro. No Município da Corte,

pouquíssimos escravos foram libertos por este mecanismo e, segundo

estatísticas oficiais, até janeiro de 1888, eles não passaram de 754, sendo

manumitidos a preço médio de 550$000 réis” (Soares, ibidem, p.298).

Ao analisar os dados do Ministério da Agricultura, Comércio e Obra Públicas,

identificamos que o preço médio das manumissões descrita no relatório do governo foi de

573$000 réis, portanto, foi bem próximo daquele descrito por Soares, ou seja, 550$000 réis.

Porém, no que se refere ao número de escravizados libertos, vê-se uma discrepância bastante

considerável. Somente para o município neutro, o governo contabilizava 4.073 libertos,

enquanto Soares identificou 754. O autor ainda menciona que houve uma demora na

classificação dos escravos, opinião que se assemelha a de Robert Conrad. De acordo com

Conrad, o atraso aconteceu, pois alguns funcionários do governo se recusaram em participar

gratuitamente das juntas de classificação. Além disso, houve falta de informação acerca dos

procedimentos a serem seguidos no que tange as libertações dos escravos (Conrad, 1987,

pp.137-141). Conforme os documentos oficiais que trataram do fundo de emancipação, o

atraso de fato ocorreu.

Em 1874, o 17º relatório anual do Ministério da Agricultura reconhecia a demora nas

classificações e, explicava que diversas províncias apresentaram ponderações em relação ao

atraso. De acordo com órgão, existiam províncias distantes cujos “escrivães de Paes, que,

onerados com o cumprimento de outras obrigações e trabalhos de que tiram os meios de

subsistência, são ainda obrigados a prestar gratuitamente este serviço”. Ao que tudo indica, a

classificação foi realizada do modo obrigatório nas províncias. Entendendo, o Brasil como um

país genuinamente escravista, a demora em se classificar os escravizados não foi surpresa.

Somando-se ao problema das classificações, o ministério ainda encontrou irregularidades nas

matrículas de escravos, em algumas províncias. Esses fatores atrasaram o trabalho e, por tal

motivo, as distribuições das quotas as províncias não foram realizadas ao tempo que desejava

o Estado.

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113

O 17º relatório ainda informava que, no Município da Corte, foram classificados 47.260

escravos, cuja quota a ser distribuída seria de 115:360$660 réis. Sabemos que este valor só foi

aplicado pelos vereadores da Corte em 1876. Na tabela VI65, que segue logo abaixo, será

possível visualizar as características dessa libertação. Aliás, em 1876, o Ministério da

Agricultura, Comércio e Obras Públicas publicou o seu 19º relatório anual. Na sessão relativa

ao Elemento Servil, encontramos um balanço dos cinco primeiros anos de atividade do Fundo

de Emancipação. De acordo com os dados, até aquele ano, haviam sido libertados 1.503

escravos,

“(...) em 178 municípios, com o dispêndio conhecido de 876:185$640, por conta

do fundo de emancipação arrecadado até o fim do exercício de 1873 – 1874.

De então para cá, no decurso de cerca de quatro meses, consta a libertação de

mais 765, em 95 municípios, mediante a despesa conhecida de 418:795$658.

Somados os dois algarismos das alforrias, há já chamados a liberdade 2.258

indivíduos” (Ministério do Comércio e Obras Públicas – 19º relatório anual, p.6).

Os próprios Secretários de Estado do Ministério da Agricultura trataram de explicar

melhor as contas. Assim, segundo os dados do governo, a situação do Fundo de Emancipação

em 1876 era a seguinte:

“Importância arrecadada nos 5 exercícios de 1871-1872 a 1874-1876...............................................................................6.012:225$601 Despesas realizadas com 2.258 manumissões.................1.294:981$298

Despesas a realizar por conta da quantia distribuída a 29 de março de 1875...............................................................................2.145:481$270 Importância ainda não distribuída, sujeita as Despesas de arrecadação..................................................................2.571:763$033

6.012:225$601”

(Ministério do Comércio e Obras Públicas, idem, p.8).

O relatório mencionava ainda que, “enquanto não se realizar a aplicação das quotas em

1875, não me parece conveniente fazer nova distribuição do que se arredou nos dois últimos

exercícios de 1874-1875 e 1875-176, que está dependente da liquidação definitiva do tesouro”.

65

Embora a presente pesquisa apresente alguns dados acerca do Fundo de Emancipação Nacional relativo ao Município da Corte,

alertamos que os mesmos precisam ser confrontados com os dados do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Um

bom panorama acerca da escravidão urbano no Rio de Janeiro pode ser encontrado nas obras a seguir: Mary C. karasch. A vida

dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). Capítulos 5,6 e 9. São Paulo, Companhia das Letras, 2000; MATTOSO, Katia M. de

Queirós. Ser Escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1982, pp.176-218 e Soares, Luiz Carlos. O “Povo de Cam” na Capital do

Brasil: A escravidão Urbana no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Faperj – 7Letras, 2007. No que tange ao Fundo de Emancipação e

seu modelo como estratégia política de contestação abolicionista, ver: Celso Castilho & Camillia Cowling. Unding Freedom,

popularizing Politics: Abolitionism and Local Emancipation Funds in 1880s Brazil. Luso-Brazilian Review, Volume 47, Número 1,

pp. 89-120. 2010 (Article).

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Como bem mencionamos, a conjugação desses dados é apenas um levantamento inicial das

questões concernentes ao Fundo de Emancipação Nacional.

Para essa pesquisa, analisamos as quotas do Fundo de Emancipação recebidas pelo

Município Neutro entre os anos de 1876 a 1886. Esse levantamento baseou-se nos

documentos da Junta Classificadora dos Escravos da Câmara Municipal da Corte. E, embora

os dados estejam um pouco fragmentados, foi possível elaborarmos a tabela IV. Nela, focamos

em quantificar e qualificar as libertações de mulheres, homens e crianças.

Tabela III.4 - Libertações pelo Fundo de Emancipação Nacional - Município Neutro

Ano

Quota recebida pelo

município

Quantidade de Escravos

Libertos

Sexo/ situação conjugal

Quantidade de ingênuos libertos

Média de idade/anos

Mulheres Homens

Mulheres Homens Casadas Solteiras Casados Solteiros

1876 115:361$660 230 8 138 52 32 104 27 22

1877 115:361$680 185 ***** ***** ***** ***** ***** ***** *****

1878 115:361$969 190 ***** ***** ***** ***** ***** ***** *****

1879 115:364$660 186 ***** ***** ***** ***** ***** ***** *****

1880 142:782$638 362 27 299 24 12 281 26 28

1881 214:173$957 487 ***** ***** ***** ***** ***** ***** *****

1882 71:391$319 189 23 143 7 16 100 27 23

1883 94:000$000 220 5 159 6 50 111 31 18

1884 56:400$000 141 1 104 2 34 67 23 21

1885 50:000$000 125 2 88 2 33 59 31 17

1886 115:000$000 300 14 285 1 0 178 27 55

Total 2615 57 1073 87 161 900 27 26

Fonte: AGCRJ. Microfilmes CM-ESC-001 a 010. Os dados com indicação *****, não foram localizados até a presente data.

Analisando a tabela acima é possível visualizarmos um número bem expressivo de

mulheres alforriadas em detrimento aos homens. Também constatamos de modo bem

significativo, que grande parte das mulheres e homens libertos encontrava-se em idade

produtiva.

No caso das mulheres, uma grande fatia executava serviços domésticos, outras tiveram

suas profissões categorizadas como costureira, cozinheira, agrícola ou quitandeira. Porém

todas as outras profissões apresentam-se em número bem menos expressivo do que serviços

domésticos.

Os homens tiveram suas profissões categorizadas como: pedreiro, ferreiro, jornaleiro,

hortelão, lavrador, tanoeiro e copeiro. No caso masculino, havia uma maior diversidade nas

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profissões que exerciam. Como já indicamos as obras de Mary karasch (2000), Kátia Mattoso

(1982) e Luiz Carlos Soares (2007) trazem um panorama bastante significativo para o

entendimento acerca do modelo de escravidão urbana no Rio de Janeiro. Aliás, para essa

pesquisa, tentamos ao máximo acrescentar algo de novo em relação ao cenário urbano

Carioca. Todavia, a dinâmica das libertações femininas continuará sendo o mote principal dos

nossos estudos futuros.

III. 4. Sopros de esperança: a luta por liberdade e o regulamento do Livro de Ouro

Nesta parte da pesquisa, procuramos seguir a sugestão de Ciro Flamarion Cardoso

(1988), que ao fazer um balanço historiográfico concernente às novas perspectivas da

escravidão no Brasil, enfatiza a necessidade de se contextualizar o tema. De acordo com

Cardoso, é preciso realizar, contudo, uma espécie de inflexão, ou seja, olhar a movimentação

escrava e não a da elite. Para o autor, muitos estudiosos cometeram o equivoco de observar a

escravidão como uma espécie de “movimento histórico visto como totalidade”.

Mesmo conscientes que de as indicações de Cardoso são de extrema importância para

campo das pesquisas históricas, principalmente as ligadas à escravidão, durante os estudos,

nos deparamos com documentos produzidos por uma parcela da elite política do império, neste

caso, a documentação da Câmara Municipal da Corte. Usamos, contudo, e em pequeno

volume, documentos oriundos do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras públicas.

Sabemos, entretanto, que as ações no Município Neutro foram locais e mediatizadas por uma

elite cuja intenção era manter sobre seu controle as libertações das mulheres e homens

escravizados. Categorizá-las como um modelo linear de libertações femininas seria um grave

erro histórico. Desta forma, cabe ressaltar, que as análises históricas que se seguem, possuem

uma identidade social específica, ou seja, a vivida pelos sujeitos oriundos do Município da

Corte.

Dentro desse contexto, observamos que entre os anos de 1884 a 1887, a Câmara

Municipal da Corte, recebeu inúmeros processos, muitos dos quais, com interesse objetivo de

incluir escravos nas listagens do Fundo de Emancipação Nacional ou Livro de Ouro. Não

obstante, o maior número de solicitações vinha de senhoras e senhores possuidores de

escravos, que por sua vez, arriscavam valores indenizatórios próximos ao estabelecido pela

Câmara, ou seja, até 400$000 (quatrocentos mil réis). É importante frisar que a essa altura, por

volta de 1884, a Lei do Ventre Livre já completava treze anos. Muitos escravocratas que com a

promulgação da lei achavam que o governo interferia diretamente em seu direto a propriedade,

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optaram por desobedecê-la. Sendo assim, muitos proprietários de escravos não matricularam

seus cativos ou recusaram-se a aceitar o pecúlio cujo escravo possuía direito (indo contra a

redação do parágrafo 2° do artigo 4° da Lei do Ventre Livre).

Como bem salientou Sidney Chalhoub (1990), a apresentação do pecúlio por parte dos

escravos, fez com que se modificasse a antiga política de domínio baseada na concessão da

alforria como prerrogativa senhorial. Para o autor, isso despertou a ira de muitos proprietários,

pois a qualquer momento poderiam vender seus cativos para a província que bem

entendessem. Em relação aos cativos, para não serem separados de suas famílias ou do

ambiente de costume, a ida para a justiça representava a melhor opção.

Ângelo Agostini percebeu em 1884 a mudança de mentalidade dos políticos

escravocratas e proprietários de escravos, principalmente no que concernia aos caminhos que

tomava a Lei do Ventre Livre. Na figura que segue abaixo, o caricaturista aponta para o fato de

que caso ocorresse uma abolição imediata, os donos dos cativos não receberiam indenização

alguma pelos escravizados em seus domínios. Podemos somar ainda, o fato de que muitos

escravos já se articulavam com a ala abolicionista no sentido de obterem a própria liberdade.

Mediante a pressão política sofrida, restava aos escravistas agarrarem-se a lei de 28 de

setembro, mostrando uma relativa aceitação da proposta de abolição por vias indenizatórias66.

Entretanto, é importante mencionar que a Lei dos Sexagenários aprovada em 1885, trouxe aos

políticos e proprietários de escravos reparos acerca das distorções existentes com a Lei do

Ventre Livre.

66

Em sua tese de doutoramento pela Universidade Federal do Paraná – UFPR em 2007, Ricardo Tadeu Caires Silva com o tema: Caminhos e Descaminhos da Abolição: escravos, senhores e direitos nas últimas décadas da escravidão (Bahia, 1850-1888), faz

importantes observações acerca dos dispositivos legais que envolveram a Lei do Ventre Livre. Nesse sentido, o autor observa os efeitos que o incremento do tráfico interno e a aprovação da legislação emancipacionista 1871 (Ventre Livre) e 1885 (Lei dos Sexagenários) provocaram no cotidiano de senhores e escravos, especialmente no tocante às negociações pela liberdade.

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117

Figura III.6 – Revista Ilustrada de Ângelo Agostini – sátira aos políticos escravocratas e proprietários de escravos em relação aos desdobramentos da Lei de 28 de setembro de

1871 (Lei do Ventre Livre)

Fonte: Revista Ilustrada de Ângelo Agostini. Ano 9.1884. nº 387, p.4.

A frase contida no rodapé da imagem ressalta bem o clima político vivido. Ao dizer:

“Depois de a terem guerreado tanto, hoje eles abraçam essa lei com entusiasmo. Que ridícula

incoerência!”. Ângelo Agostini mostrava o nível de desespero da ala escravista.

Retornando a tendência sugerida por Ciro Flamarion Cardoso, optamos por trazer a

tona, processos de escravos libertos67 que, ao tomarem conhecimento da existência das

libertações, procuraram a partir dos seus meios, inserem-se na lista do Fundo de Emancipação

ou Livro Ouro. No que tange a inclusão no Livro da Câmara, temos o caso acontecido em

23/02/1884. Na ocasião, a Junta Classificadora dos Escravos da Câmara Municipal da Corte,

recebeu um ofício do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. O documento

questionava o paradeiro do escravo Sabino, então esposo da escrava Tereza68. De acordo com

o ofício, em 16 de dezembro de 1872, Tereza havia sido matriculada como casada na firma de

Azevedo Sobrinho e, vendida, em 15 de novembro de 1875 a Domingos Pereira Mendes.

67

Em relação ao estudo de processos de escravos contra seus senhores ver: Sidney Chalhoub. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. 68

AGCRJ.CM.ESC.6.2.6 Microfilme-CM-ESC-009 – Libertação de escravos.

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118

Consta que o marido de Tereza se chamava Sabino, que outrora era de propriedade de outro

senhor residente em Minas Gerais.

Perguntava o Ministério à Câmara Municipal: primeiro, “se teve em vista a prova legal

de existência de Sabino, na província de Minas Gerais?”; segundo, “desde quando reside o dito

em outro município?” e terceiro, “como é que pode realizar em 1875 a venda de um escravo

casado, que ficou separado da mulher, contra o que determina a lei nº 1695 de 15 de setembro

de 1869?”. Em resposta, a Câmara informou que o negociante de escravos da firma Mendes,

havia confirmado a existência de Sabino em Minas Gerais e, que o mesmo aparecia como

solteiro quando vendido. De acordo com a Câmara, a firma Azevedo Sobrinho apresentou uma

declaração que constava unicamente dois escravos: Tereza (casada) e Sebastião Sabino

(solteiro), dando a entender que Tereza pertencia à firma de Azevedo antes da lei de 15 de

setembro de 1869. Logo pôde ser vendida em 1875.

Para que se entenda o caso, é preciso observar que de alguma forma Tereza havia

conseguido levar seu questionamento até a apreciação do Ministério. E mais, quem o fez

juntamente com Tereza, sabia que Sabino estava regido pela Lei nº 1695 de 15 de setembro

de 1869, onde em seu Art.2º estabelecia que “em todas as vendas de escravos, ou seja,

particulares ou judiciais, é proibido, sob pena de nulidade, separar o marido da mulher, o filho

do pai ou mãe salvo sendo os filhos maiores de 15 anos69. O que estava em jogo era a

manutenção da família de Tereza, ou melhor, a manutenção de uma família escrava70. O caso

de Tereza não foi o único, existiram outros semelhantes, observados nos documentos da

Câmara.

Em 29/04/1884, a Câmara também prestou esclarecimentos acerca do paradeiro de

Cândido (escravo pardo de 40 anos), casado com Joana (também escrava parda), cuja

propriedade pertencia a outro senhor. Na mesma situação se encontrava o caso de Gertrudes,

casada com Anselmo (vendido para Bahia). Nas duas situações os casais foram libertos pelo

Fundo de Emancipação em 24/01/1883. Para agravar, Gertrudes e Anselmo tinham ainda dois

filhos legítimos: Elisiário e Balduino, que provavelmente aguardavam a presença do seu pai, o

qual permanecia sob o poder de outro senhor em algum lugar na província da Bahia.

Infelizmente não localizamos o desfecho completo de tais situações. Todavia, é perceptível o

interesse desses escravizados em manter seus laços familiares.

Não obstante, em 06/03/1886, a liberta Maria Rosa71 aparece como autora de uma

solicitação de liberdade redigida pela Câmara Municipal da Corte. Para Chalhoub (1990) e

Grinberg (1994), o tipo de reação tido por Maria Rosa, expressa a mudança de comportamento

69

Coleção de Leis do Império do Brasil - 1869, Página 129 Vol. 1 pt.1 (Publicação Original) - alguns termos foram reescritos para a ortografia vigente a fim de facilitar o entendimento do leitor. 70

Em relação aos estudos sobre família escrava ver: Robert W. Slenes. Na senzala, uma flor – Esperanças e recordações da

família escrava: Brasil Sudeste, século XIX, 2ª Ed.corrig. Campinas, SP:Editora da Unicamp, 2011 ou Robert W. Slenes e Sheila de Castro Faria; Família escrava e trabalho. Revista 6º tempo, Vol.3 – nº 6 Dezembro de 1998. 71

AGCRJ.CM.ESC.6.2.6. loc. cit.

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119

da sociedade imperial no final do séc.XIX. Em outras palavras, cartas do gênero da liberta

Maria, ou processos de escravos contra seus senhores, acabaram contribuindo para o fim da

instituição escravidão na Corte.

A correspondência de Maria Rosa foi endereçada a Imperatriz Teresa Cristina. O

objetivo da liberta, era que sua filha Ludovina (35 anos de idade), fosse incluída na libertação

do Livro de Ouro que aconteceria em breve. Para agravar a situação, Ludovina estava

enferma. A mãe se mostrava aflita com a saúde da filha, que “quase sempre colocava sangue

pela boca”, além de “sentir fortes dores nas juntas72”. Ludovina ainda possuía três filhos

menores tidos como escravos. A correspondência seguiu repleta de apelos sentimentais e,

quase todos ressaltavam o vínculo afetivo-materno. Em um dos trechos lia-se: “eis que implora

essa pobre mãe”. Em outra passagem, apelava-se para a benevolência da princesa e do

imperador, sempre de forma muito cordial. E como se aproximava o aniversário da Imperatriz,

Maria Rosa fazia votos a fim de que o fausto aniversário fosse repetido ainda por “muitos e

longos anos”.

Camillia Cowling ao analisar o caso de Maria Rosa (Gomes, et al, 2012, p.217), ressalta

que “o modo mais efetivo de expressar esse vínculo era pela noção de maternidade, v ista na

época como parte mais essencial da identidade feminina. Em muitos outros exemplos da

época, escritores abolicionistas empregavam a mesma técnica”, e completa a autora: “assim, a

maternidade e o “feminino” se tornaram relevantes dentro dos discursos abolicionistas”.

Embora bastante significativa, a carta não tirava Ludovina dos apuros em que se

encontrava. Pois de acordo com o Art.12 do Livro de Ouro, “para se tornar efetiva qualquer

manumissão, os possuidores dos escravizados escolhidos deverão apresentá-los no paço da

lllma. Câmara, quando, por edital, forem chamados a fim de sujeitá-Ios a exame médico”. Ao

que parece, escravizados doentes não eram selecionados, se classificados para liberdade,

talvez o valor indenizatório fosse muito abaixo dos 400$000 reis. Outra possibilidade residiria

no fato de que, caso doente, a liberdade do escravo fosse conseguida a título gratuito.

Contudo, isso são conjecturas nossas. Até porque, os artigos do Livro da Municipalidade não

faziam menção alguma aos destinos dos escravizados identificados como doentes.

Mas, para a sorte de Maria Rosa, Ludovina foi liberta em 14/03/1886, na quarta

cerimônia do Livro de Ouro. Ao publicar o evento da quarta cerimônia, a Gazeta de Notícias

informava que o vereador José Pereira Peixoto, então senhor de Ludovina, encaminhou um

ofício a comissão de libertação da Câmara Municipal. Onde escrevia:

72

Em relação a doenças de escravos e modos de cura ver: Maria Renilda N. Barreto. A medicina luso-brasileira: instituições,

médicos e populações enfermas em Salvador e Lisboa (1808-1851). Tese (Doutorado em História das Ciências da Saúde) –

Programa de Pós-Graduação em História das Ciências da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005; Tânia

Salgado Pimenta. Barbeiros-sangradores e curandeiros no Brasil (1808-28). História, Ciências, Saúde — Manguinhos, vol. V(2):

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Resolvi para comemorar o fausto aniversário da virtuosíssima Imperatriz, conceder liberdade plena, sem indenização a minha escrava Ludovina, e ainda o título para que amanhã lhe seja entregue a respectiva carta, etc. – Dr. J. Pereira Peixoto (Gazeta de Notícias, 14/03/1886, p.1) [o grifo está contido no documento histórico].

O periódico não fez menção aos filhos de Ludovina. Entretanto, como a carta de Maria

Rosa falava em filhos menores, acreditamos que esse fato serve como um indicativo de que as

crianças também foram libertadas. É importante atentar para uma situação bem peculiar. O

proprietário de Ludovina era um dos vereadores que integravam a Câmara da Corte. E mesmo

envolvido com a questão das libertações, vereador só abriu mão de sua escrava depois de

passado quase um ano de atividade do Livro de Ouro. Nesse contexto, estaria ele descrente da

obra libertadora da Câmara? Talvez nunca saibamos a resposta. Todavia, a lição que tiramos

dos fatos descritos acima, é a de que, as mulheres não foram passivas mesmo diante de um

cenário tão hostil. Nesse contexto, Maria Rosa, Tereza, Joana e Gertrudes são apenas

algumas dentre outras tantas mulheres que almejaram a própria liberdade, assim como de

seus familiares e que teceram estratégias abolicionistas, certamente amparada por redes

organizadas em prol da abolição.

Esperamos encontrar em um futuro bem próximo, novas mulheres, novas histórias,

novos casos e novas esperanças. Sabemos que o protagonismo feminino transitou pelas

senhoras abolicionistas da elite, passando por mulheres escravizadas ou libertas, neste ultimo

caso, vivenciando condições sociais simples e pobre. Tais histórias parecem desconexas,

contudo não estão. Seja qual for a origem social dessas mulheres, fato é que, as mesmas

tiveram fundamental papel no enredo final do movimento pela abolição no Brasil.

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Conclusões

Muito já se discutiu acerca do movimento abolicionista e seus desdobramentos no que

se refere ao processo de abolição no Brasil. Positivamente, as ações dos líderes da campanha

contra a escravidão teve papel fundamental para a queda do regime servil brasileiro e, como

bem mostrou Ângela Alonso (2011), existiu neste período uma espécie de associativismo entre

os clubes, associações e sociedades abolicionistas fossem elas exclusivamente masculinas,

femininas, ou mistas. Capitanear os esforços de grupos tão distintos, porém comum em seus

objetivos, coube de certa maneira a Confederação Abolicionista, que ao transitar no cenário

escravista brasileiro, congregou de forma brilhante a luta pela abolição por praticamente dez

anos, ou seja, de 1880, quando era fundada a Sociedade Brasileira Contra Escravidão, até a

vitória em 13 de maio de 1888.

Todavia, os homens da Confederação não atuaram solitários, mesmo em uma

sociedade pautada por mecanismos patriarcais de poder. Nesse sentido, verificamos que no

enredo da campanha abolicionista, inúmeras mulheres atuaram de forma contundente no

movimento que pós-fim a escravidão no Brasil. Não obstante, ao adentrarem na luta política em

favor dos cativos, essas mulheres inseriam-se num contexto sociopolítico bastante adverso, ou

seja, ao mesmo tempo em que brigavam pela liberdade dos escravos, o grupo feminino

abolicionista buscava, em paralelo, seus próprios direitos civis e naturais. Despreocupadas

com as diversas críticas machistas as quais sofriam da ala escravocrata, essas mulheres

engrossaram as fileiras do abolicionismo brasileiro, tornando-se assim, protagonistas do seu

próprio tempo histórico.

Notoriamente, a tomada de consciência de gênero por parte das mulheres, bem como a

sua luta por liberdade frente ao regime patriarcal então vigente, foram condicionantes

importantes para a entrada definitiva das senhoras abolicionistas no cenário escravista

brasileiro. O reflexo desse luta por liberdade resultou na formação de jornais, clubes,

sociedades e associações dirigidos exclusivamente por mulheres. Quando uma sociedade,

clube ou associação surgia em conjunto com os homens, estas possuíam diretorias separadas,

o que representa para nós um claro reflexo da independência feminina na virada do século XIX.

Se por um lado é possível notar avanços significativos nas questões sociais que

envolvia as mulheres na virada do século XIX, por outro, a lentidão política acerca da abolição

tomava conta do cenário escravista imperial. Como exemplo, tivemos os vereadores da

Câmara da Corte e seu Livro de Ouro, que em termos numéricos não causou impacto profundo

no processo de liberdade dos escravos residentes no Município Neutro (Rio de Janeiro). Em

contra partida, ao dominarem a dinâmica das libertações na Corte, os políticos cariocas se

utilizaram de diversos dispositivos legais – os quais puderam priorizar as libertações femininas

as masculinas.

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Conservadores em sua essência, o grupo político de vereadores tentou a todo custo

ditar o ritmo das liberdades no Município Neutro, ora articulando o Livro de Ouro da

municipalidade, ora classificando e selecionando escravos para o Fundo de Emancipação

Nacional. Todavia, o cenário pró-abolição que se desenhava no Império, fazia com que a

atmosfera abolicionista interferisse nos propósitos dos políticos da Corte. Nesse sentido, a

imprensa, os clubes, as sociedades e as associações abolicionistas exerceram fundamental

papel na interrupção dos planos mais conservadores dos vereadores cariocas. Podemos

acrescentar ainda o fato que diversos escravizados tomaram para si a busca pela própria

liberdade, ou seja, foram artífices da sua liberdade.

Sendo assim, mais uma vez podemos observar que o protagonismo feminino não

esteve ausente dos pormenores da luta escrava, ou seja, dentre os muitos escravizados que

processaram seus senhores ou mesmo pediram ajuda para requerer por motivos diversos sua

liberdade, um grande número era composto por mulheres. Além disso, muitas delas se

utilizaram dos recursos disponíveis para incluir a si próprias, seus filhos ou cônjuges nas

listagens de libertação, fosse pelo Livro de Ouro da Câmara da Corte ou Fundo de

Emancipação Nacional. Esses fatores, grosso modo, nos revela que o protagonismo feminino

na campanha abolicionista se deu por diferentes formas, transitando desde as senhoras da

elite imperial, até as mulheres escravizadas ou libertas em situação social mais pobre. O que

de certo não descaracteriza a luta por liberdade a qual se enveredou o grupo feminino no final

do século XIX, pelo contrário, essa movimentação social e política evidencia que ainda se faz

necessário um olhar historiográfico mais acurado no sentido de inserir a participação feminina

em momentos importantes da história do Brasil.

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