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Protagonismo silencioso A presença da OPAS na formação de recursos humanos em saúde no Brasil

Protagonismo silencioso

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Protagonismo silenciosoA presença da OPAS na formação de recursos

humanos em saúde no Brasil

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JANETE LIMA DE CASTRO

Protagonismo silenciosoA presença da OPAS na formação de

recursos humanos em saúde no Brasil

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Ministério da SaúdeSecretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde

Organização Pan-Americana da SaúdeRepresentação no Brasil

Catalogação na Fonte. UFRN /Biblioteca Sectorial do CCSADivisão de Serviços Técnicos

C355p Castro, Janete Lima de.

Protagonismo silencioso: a presença da OPAS na formaçãode recursos humanos em saúde no Brasil / Janete Lima de Castro.__ Natal-RN: Observatório RH-NESC UFRN; Ministério da Saúde;OPAS/OMS, 2008. 267p.

ISBN 978-85-89399-09-8

1. Recursos Humanos – Saúde. 2. Educação – Saúde. 3. OPAS/Brasil. 4. História – Saúde. I. Título.

RN-UF/BS-CCS CDU: 614(81)

Produção gráfica/editorial e concepção gráfica UNA

Produtora responsável MARIZE CASTRO

Revisão ALTAMIRA MEDEIROS

Diagramação ALESSANDRO AMARAL

Capa IVANA LIMA

Normalização JOÃO BOSCO DE MEDEIROS

Av. Gal. Cordeiro de Farias, s/n – PetrópolisCEP: 59.010-180 – Natal/RNTel: (84) 3215-4325www.observatorio.nesc.ufrn.br

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A Carmelita Enides Castro (in memoriam). Amada tia queme presenteou com o seu amor incondicional.

Ao meu companheiro Maurício Borja, pela compreensãoe o apoio silencioso nos momentos mais difíceis.

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A educação como prática da liberdade, ao contráriodaquela que é prática da dominação, implica a negaçãodo homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo,assim como também a negação do mundo como umarealidade ausente dos homens.

Paulo Freire

OPAS/OMS, em Brasília

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Palavras preliminares

O convite da Organização Pan-Americana da Saúde /Representaçãono Brasil e do Ministério da Saúde do Brasil para publicar o meutrabalho não apenas me honrou, como também me deu a oportuni-dade para divulgá-lo em uma dimensão que eu jamais esperaria. Nes-se sentido, agradeço a Diego Victoria Mejía, Representante da OPASno Brasil, a José Paranaguá de Santana, consultor da citada Organiza-ção, e a Francisco Eduardo de Campos, titular da Secretaria de Ges-tão do Trabalho e da Educação na Saúde, do Ministério da Saúde.

Ao concluir a redação da tese, que deu origem a este livro, tive afirme convicção de que ela foi uma produção de várias pessoas. Façoesta afirmação porque as colaborações foram tantas e de tanto signi-ficado que seria injusto não dizer a essas pessoas – algumas nem meconhecem pessoalmente – que divido com elas a autoria dessa pro-dução acadêmica. Espero que eu tenha conseguido corresponder àtamanha solidariedade.

Correndo o risco de cometer a injustiça de esquecer um dessescolaboradores, faço os seguintes agradecimentos:

Aos consultores e ex-consultores da OPAS, que me concederamas entrevistas: César Vieira, Ena Galvão, Francisco Campos, Izabeldos Santos, José Paranaguá de Santana, José Roberto Ferreira, MariaAlice Roshke, Mário Rovere e Roberto Passos Nogueira.

Aos professores integrantes da banca examinadora de defesa: Ma-ria Helena Machado; Abigail Moura, Maurício Roberto Campelo deMacedo, Marlúcia Menezes de Paiva, Raimunda Medeiros Germano,Geovânia da Silva Toscano e Willington Germano, sendo este últimoo meu orientador. A ele, o meu agradecimento especial não apenaspela sua segura orientação, mas por fazê-la com serenidade e leveza,demonstrando, a todo o momento, a confiança que tem em seus alu-nos, o compromisso, a esperança e a paixão pelo que faz.

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Às professoras Lenina Silva, Rosana Alves de Vilar, Nazaré Libera-lino e aos amigos Gustavo Sobral e Altamira Medeiros, pelas valiosascontribuições e pela generosidade em ler os meus manuscritos.

Aos pesquisadores Fernando Pires-Alves, Carlos Paiva e GilbertoHochman, da Casa de Oswaldo Cruz/FIOCRUZ, por terem tão gen-tilmente me concedido as entrevistas originais de suas pesquisas.

Às amigas Odécia Medeiros, Maria Helena Dantas e Regina Hele-na Rocha da Cruz, pelo solidário e afetivo apoio em todos os mo-mentos da minha pesquisa e redação final deste texto. Da mesma for-ma agradeço a Maria Angélica Corrêa de Castro, secretária da Unida-de Técnica de Política de Recursos Humanos da OPAS-Brasil.

E por último, mas não menos importante, um destaque especial aJosé Roberto Ferreira, pela leitura – em tempo recorde, porém mi-nuciosa – do texto da tese, após a defesa. Sua leitura foi imprescindí-vel para o aperfeiçoamento de algumas informações que compõem ahistória da organização pesquisada.

Eu também não poderia deixar de agradecer a Marize Castro, peladelicada produção gráfica deste livro. A sua dedicação a cada trabalhorevela a sua capacidade de parceria com os autores de diferentes obras.

Como falei no início, esta é uma obra que, sem dúvida, tem diver-sos co-autores. A todos muito obrigada!

Janete Lima de Castro

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Apresentação

Apresentação da edição em espanhol

O sentido da ação: a criação de um ideal

1 Introdução

2 Intelectuais e ação política: A OPAS e omovimento da reforma sanitária brasileira

2.1 Sob a égide das conferências de saúde

2.2 Os Intelectuais e a Reforma Sanitária no Brasil:a disseminação de uma visão de mundo

2.3 Reflexos do "sistema de vasos comunicantes"

3 A arquitetura do programa de recursos humanosda OPAS no Brasil

3.1 Antecedentes: a instalação do Escritório daOPAS no Brasil

3.2 Contexto e Gênese da Implantação do Programade Cooperação em Desenvolvimento de Recursos

Humanos da OPAS/Brasil

Sumário

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3.3 A arquitetura e os objetivos do PPREPS

3.4 Sob o olhar da avaliação

3.5 À guisa de outras reflexões

4 A materialização da cooperação técnica

4.1 Projeto de Formação em Larga Escala dePessoal de Nível Médio e Elementar para os

Serviços de Saúde

4.2 O Projeto de Capacitação em Desenvolvimentode Recursos Humanos de Saúde (CADRHU)

4.3 Projeto GERUS: Desenvolvimento Gerencial deUnidades Básicas de Saúde

4.4 O fio condutor da ação do Programa deCooperação em Desenvolvimento de Recursos

Humanos da OPAS

4.5 Iluminando o papel da OPAS

5 A presença da OPAS

Referências

Lista de siglas

Anexos

Sobre a autora

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Apresentação

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A qualidade da atenção à saúde sempre foi estreitamente relacionadaaos atores do processo de produção desses serviços, as pessoas que aíatuam ou, na linguagem mais difundida, aos recursos humanos quecompõem as equipes de trabalho em todas as instancias do sistema deserviços de saúde, também designados como força de trabalho dessesetor da economia. Pessoas ou pessoal de saúde, recursos humanosou força de trabalho do setor saúde são termos relacionados a dife-rentes conotações doutrinárias, mas apontam todos para os mesmosentes, homens e mulheres que exercem suas ocupações atendendo aseus semelhantes nas unidades de saúde. A designação dos atores doprocesso de trabalho, em diferentes contextos institucionais, perma-nece objeto de um debate que, inconcluso, resultou em diferentesqualificativos para o processo de gestão das relações de trabalho nes-ses contextos onde se incluem os serviços de saúde. O termo usual-mente adotado há quarenta anos – administração de pessoal – passouà designação de administração de recursos humanos, desenvolvimen-to de recursos humanos, e hoje, no âmbito do Sistema Único de Saú-de brasileiro, é formalmente denominado de gestão do trabalho e daeducação na saúde.

O livro de Janete Lima de Castro analisa uma vertente desse pro-cesso, a formação técnica e profissional para a saúde no Brasil, desdea época em que se adotava a alcunha de desenvolvimento de recursoshumanos aos dias em que se passou a designar de gestão da educaçãoem saúde. Mas o foco de atenção da autora não é o nome, mas adimensão histórica desse processo, buscando elucidar a contribuiçãode uma instituição, ou melhor, de um conjunto de protagonistas reu-nidos sob seu manto, na construção de uma proposta política, de umarcabouço doutrinário, de um método para assegurar a qualidade daatenção à saúde a partir da qualificação do pessoal, dos trabalhadores,da força de trabalho ou, na mais próxima referência ao ente ocultosob essas diferentes denominações, ao ator do processo de trabalhonos serviços de saúde.

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[ 16 ] PROTAGONISMO SILENCIOSO

O título escolhido para a tese de doutorado, que originou a pre-sente publicação, não poderia ser mais sugestivo. "Protagonismo si-lencioso" é um distintivo que bem se aplica ao papel desempenhadopela Organização Pan-Americana da Saúde na formação de recursoshumanos em saúde no Brasil. A pesquisa histórica empreendida pelaautora e a interpretação dos achados, a partir do referencial teóricoadotado, remetem ao reconhecimento de uma ativa contribuição polí-tica e técnica daquela instituição ao longo de um período de grandestransformações do cenário e dos propósitos que configuram a saúdepública brasileira. Contudo, fica igualmente demonstrado que a rea-lização dessa missão por essa organização internacional sempre este-ve subordinada ou, seria mais apropriado dizer, determinada pelointeresse imanente dos objetivos e necessidades nacionais.

Compreender a essência dos processos de cooperação internaci-onal é a chave para a solução de muitos problemas que atormentamas nações no mundo moderno. Este livro é, sem dúvida, um aportevalioso para todos aqueles que lidam com esses desafios no campo dasaúde e, em particular, da formulação e implantação de políticas vol-tadas para a qualificação de seus atores, constituindo importante fon-te de aprendizagem para ambos os lados do processo de cooperação– os militantes das organizações internacionais e suas contrapartesnas instituições nacionais.

Por essa razão, além de compartilhar com a Organização Pan-Americana da Saúde, o apoio para a edição em espanhol do livro deJanete Lima de Castro, o Ministério da Saúde tem a satisfação depromover também a edição em português, visando tanto ao reco-nhecimento dessa experiência de cooperação no contexto da Améri-ca Latina e do Brasil, mas principalmente ao seu aproveitamento comouma oportunidade para reflexão e aprendizagem.

Francisco Eduardo de CamposSecretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde/

Ministério da Saúde do Brasil

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Apresentação da edição em espanhol

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Ao aceder em apresentar esta obra não faço mais que refletir o pra-zer de haver encontrado na interpretação de um trabalho acadêmicoo reconhecimento pelo esforço dispensado e pelo impacto alcança-do na cooperação aportada, através dos tempos, pela Organizaçãoque no momento tenho a honra de liderar. Receber de fora umaavaliação positiva supera nossa própria convicção sobre a eficiênciade nosso labor.

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) mantém umapreocupação permanente a respeito da avaliação de seu trabalho jun-to aos países-membros, tarefa que na prática é bastante complexa,quando se pensa na diversidade de situações em que desenvolve suasatividades, nas diferenças culturais e socioeconômicas dos contextosem que atua e nas próprias limitações instrumentais do processo ava-liativo. Não é raro que, no afã de acompanhar nossas realizações ecertificarmo-nos de que contribuímos da melhor forma possível parao progresso da saúde no nosso continente, fiquemos limitados à ob-servação dos processos implementados, não conseguindo evidenciaro impacto alcançado.

Faço esta digressão inicial para ressaltar o alcance da tese desen-volvida por Janete Lima de Castro, que, ao se propor a analisar "umprotagonismo silencioso", se estende na consideração do impactoresultante, ao longo de mais de 30 anos, de uma cooperação contí-nua dirigida ao campo dos recursos humanos, que influenciou am-plamente a evolução do sistema de saúde num dos países-membrosda Organização.

O trabalho denota não só o compromisso da autora com o tema,mas especialmente dedicação e fôlego ao estender sua abrangência apraticamente toda a trajetória da OPAS no Brasil, a partir da abertu-ra de sua Representação no pós-guerra imediato, relacionando essaevolução ao surgimento de importantes lideranças no sistema de saú-de. Nesse amplo cenário, toma um programa específico no campo da

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formação de pessoal em saúde e analisa três projetos, implementadospor este programa, como indicadores da influência exercida no se-tor como um todo.

É interessante notar em sua análise a percepção sobre a complexaforma de atuar da Organização, ao observar suas diferentes instânci-as. Identifica a liderança do nível central da OPAS, proveniente desua sede em Washington, como partícipe na promoção do programa,porém, ao mesmo tempo, destaca a autonomia de que gozou a coor-denação local em relação às atividades. Confirma, dessa forma, umdos princípios essenciais do trabalho de um organismo internacio-nal, o qual estabelece nos seus corpos diretores as políticas geraisque melhor determinam as condições de saúde das populações, masrespeita a soberania de cada país ao orientar, em última análise, aaplicação dessas políticas ajustadas à realidade e ao interesse nacio-nal.

Igualmente, analisa como se entrecruzam o conhecimento e a des-treza dos consultores internacionais, dos técnicos nacionais incor-porados na organização e de todo o pessoal que atua no desenvolvi-mento dos projetos, num mecanismo que associa à idéia de vasoscomunicantes, influenciando o processo em curso no país e, tam-bém, refletindo na forma de atuar dos próprios funcionários da OPASe, obviamente, re-alimentando no seu interior novas orientações. Talfato, já destacado em outros contextos, corresponde ao que efetiva-mente se constitui na "cooperação técnica", e a diferencia da tradici-onal "assistência técnica", correspondendo à primeira num processode dupla via, no qual ambas as partes se beneficiam, ensinando eaprendendo, enquanto a segunda se limita a aplicar soluções pré-concebidas, com uma nítida separação entre a posição de "expertos"e de "receptores" (os aprendizes locais).

A partir dessas constatações, a tese avança na procura de indica-dores que permitam identificar e valorizar os resultados, utilizando

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para isto três dos projetos inovadores que foram desenvolvidos peloprograma de cooperação técnica em recursos humanos e logra cor-relacionar seus objetivos e práticas com a articulação e sistematiza-ção de propostas consistentes mais relevantes e com maiores possibi-lidades de impacto nacional. Com isto, assume que foi possível con-tribuir para a construção do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil,no contexto do que se conhece no país como o Movimento Sanitá-rio, com base não apenas da capacitação de pessoal, mas, sobretudo,pela introdução do método da problematização, tomando, no pro-cesso de aprendizado, o próprio serviço de saúde como seu eixocondutor.

Um fato adicional que valoriza o trabalho diz respeito à divulga-ção de uma experiência de cooperação técnica a partir de uma solu-ção inovadora no contexto da própria OPAS, pela incorporação deum grupo técnico nacional (prática inexistente naquela época) fi-nanciado por transferência de recursos do próprio Governo, com oobjetivo de assegurar maior competitividade para a contratação dosmelhores técnicos e, além disso, flexibilizar a ação dos mesmos numaárea estratégica para o desenvolvimento da saúde no país. Este foi oprimeiro programa que utilizou esta prática e abriu a possibilidadede contratação de nacionais nos seus próprios países.

Todos esses fatores nos levam a apoiar a divulgação deste material,que ora se incorpora ao acervo da Organização Pan-Americana daSaúde.

Dra. Mirta Roses PeriagoDiretora da Organização Pan-Americana da Saúde

(OPAS), Diretora Regional para as Américas daOrganização Mundial da Saúde (OMS)

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O sentido da ação:a criação de um ideal

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"A criação de um ideal é envolvida sempre por tudoque há de mais secreto e maravilhoso,

como num nascimento".Werner Jaeger

"Quem és?" Como observa Hannah Arendt,1 esta constitui a primei-ra pergunta que, geralmente, se faz a todo recém-chegado. Através daresposta a esta interrogação, um ator se revela e se identifica ao anun-ciar o que ele é, "o que fez, faz e pretende fazer", pois é com palavrase atos que nos inserimos no mundo. Ação e discurso, portanto, sãoinerentes à condição humana e imprescindíveis à convivência entreos homens. Para Arendt, agir, no sentido mais geral do termo, "signi-fica tomar iniciativa, iniciar [...] imprimir movimento a alguma coi-sa", ao passo que o discurso pressupõe o uso das palavras, sem asquais uma ação não poderia ser revelada, pois não haveria ator, oagente do ato, que corra o risco da revelação, sinalizando direções etrilhas desejáveis de serem percorridas e conquistadas.

O presente livro, de autoria de Janete Lima de Castro, traz umacontribuição absolutamente original, bem fundamentada e impres-cindível no sentido de desvelar o sentido da ação de um ator coletivoe dos seus respectivos agentes individuais em um contexto crucial dahistória recente das políticas de saúde do Brasil, em particular notocante à área de recursos humanos. Nessa perspectiva, a autora res-ponde, magistralmente, à pergunta formulada por Hannah Arendt,ao identificar um "quem" e tornar evidente a existência de um pro-tagonista de peso no delineamento daquelas políticas. Na verdade,este protagonista é a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS),

1 As citações e referências a Hannah Arendt, dizem respeito à sua obra A condiçãohumana.Tradução: Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense-Universitária;Rio de Janeiro:Salamandra; São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo,1981.

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uma instituição mais que centenária, mas que nasce para uma novamodalidade de ação justamente nos anos 70 do século XX, em ummomento em que amplos setores da sociedade brasileira, ainda go-vernada pelo Regime Militar implantado em 1964, empreendiamuma luta sem tréguas em favor da democratização do país.

Em sintonia com essas mobilizações que ganham as ruas, emer-gem movimentos sociais e um novo sindicalismo que fortalecem asforças políticas de oposição ao autoritarismo. Surge, na área da saú-de, um movimento em favor de uma reforma sanitária democratizan-te, que alargasse a dimensão pública e encarasse a saúde como umbem social, um direito de cidadania e não como uma mera mercado-ria. Trata-se, na verdade, da criação de um ideal que nem sempreaparece de forma explícita.

Este movimento assume tal intensidade que se dissemina por to-dos os Estados do país, promovendo encontros, seminários, confe-rências, cursos e outros eventos que configuravam, sem dúvida, umaorganização política e cultural da área da saúde que, dessa forma, seintegrava às mobilizações em favor da democratização da sociedadebrasileira. Esse processo teria um desfecho em 1985, com a derrotado Regime Militar e, a partir daí, tem início as lutas que desaguariamna Constituição de 1988 e a criação do Sistema Único de Saúde (SUS).

Em todo esse período fica evidente a existência de protagonistasque tiveram a iniciativa de desencadear importantes ações. Algunsdesses protagonistas são amplamente reconhecidos como o CentroBrasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) ou a Associação Brasileirade Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO), outros perma-necem ocultos ou um tanto quanto silenciosos, como é o caso daOPAS. O mérito principal do livro de Janete consiste, pois, em des-velar, por palavras e atos, o sentido da ação da OPAS naquela conjun-tura histórica. O resultado é surpreendente.

Recorrendo, principalmente, à teoria de campo de Bourdieu e àteoria dos intelectuais de Gramsci, assim como aos aportes referen-

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ciais de Paulo Freire e de Edgar Morin sobre a educação, a autorarevela, com maestria, "quem" é esse ator e qual o sentido da sua açãona área de formação de recursos humanos em saúde no Brasil.

Na obra fica evidente que a OPAS chancelou um amplo processode reformulação no campo da formação em saúde, desenvolvido porum grupo de intelectuais albergados sob a sua sigla ou sob a sua influ-ência direta. Isto resultou em uma autêntica organização da cultura eda educação na área da saúde, notadamente no que diz respeito aoestudo dos condicionamentos sociais da saúde e da ampla discussãodo pensamento social e das ciências sociais em saúde, envolvendovários níveis de formação, inclusive a pós-graduação, a exemplo doMestrado em Medicina Social da UERJ, criado naquela conjuntura.Mas, ao mesmo tempo em que influenciou aquele processo históri-co, foi também influenciado por ele à medida que introduziu na suaagenda de trabalho ações que antes não eram postas em prática pelaOPAS no Brasil e nos outros países em que atuava.

Particularmente marcante no estudo, vale destacar, é o momentoem que a autora se reporta ao papel desses intelectuais que atuavamna área da saúde na articulação de um campo, cujo horizonte maiorera o bem-estar coletivo e a democratização política e social do paíse mesmo da América Latina. Este é o sentido da ação da OPAS, comofoi dito, viabilizada pela ação desses intelectuais e tornada evidenteneste importante livro.

Por fim, não há porque não dizer, as páginas escritas por JaneteLima de Castro, sem dúvida, constituem também uma justa e signifi-cativa homenagem a esses intelectuais que ultrapassaram as fronteirasrestritas da vida acadêmica para se lançarem, de corpo e alma, aodebate público, no espaço da ação, ou seja, da política. Aqui se fazempresentes figuras emblemáticas como Juan César Garcia, Izabel dosSantos, Sérgio Arouca, José Roberto Ferreira, Carlyle Guerra de Ma-cedo, Hésio Cordeiro, Maria Cecília Donnangelo, José Paranaguá de

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Santana, Roberto Passos Nogueira e tantos outros. Intelectuais queconferiram dignidade à política e enobreceram a vida.

Escrito originalmente como tese de doutorado, defendida combrilhantismo junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação daUniversidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), este livroaborda o nascimento de um ideal e constitui inequivocamente umacontribuição fundamental à história da formação de recursos huma-nos em saúde no Brasil e para a compreensão do sentido da ação deuma instituição do porte da OPAS e da contribuição dos seus inte-lectuais ao processo de democratização e o estabelecimento de umsistema de saúde, verdadeiramente público, em nosso país.

José Willington GermanoProfessor titular do Departamento de Ciências Sociais/UFRN;Integrante do corpo docente dos Programas de Pós-Graduação

em Educação e em Ciências Sociais/UFRN

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Introdução

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Criada em dezembro de 1902, com o nome de Oficina SanitáriaInternacional,2 a hoje conhecida como Organização Pan-Americanada Saúde (OPAS) é a organização internacional de cooperação técni-ca em saúde mais antiga do mundo. Na inauguração da ConvençãoSanitária que criou a Organização, o próprio Presidente dos EstadosUnidos, Theodore Roosevelt, deu boas vindas aos 27 representantesde 12 países participantes: Chile, Costa Rica, Cuba, Equador, EstadosUnidos, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Pa-raguai e Uruguai, revelando assim a importância que assumia a inici-ativa.

A realização dessa Convenção deu início a uma série de reuniõesque, ao longo dos anos, recebeu diversas denominações: Conven-ções Sanitárias Internacionais, Conferências Sanitárias Internacionaise, por último, Conferências Sanitárias Pan-Americanas, permanecen-do esta última até hoje. No decorrer da sua história, esse locus dosdebates passa a ser a autoridade suprema da Organização Pan-Ameri-cana da Saúde.3 A preocupação principal dos fundadores da OficinaSanitária Internacional era criar um órgão que promovesse a coope-ração efetiva de saúde nas Américas. Dessa forma, tal órgão deveriater como missão primordial o cumprimento das resoluções aprova-das nas convenções (ACUÑA, 1983).

Na Convenção de 1902, foram eleitos o primeiro presidente daOficina e o primeiro Conselho Diretivo. Formava-se assim a primeiraestrutura organizativa e política da atual Organização Pan-America-na da Saúde. Os nomes de Juan Guiteras (Cuba), médico epidemio-

2 A hoje conhecida Organização Pan-Americana da Saúde recebeu vários no-mes ao longo da sua história: Oficina Sanitária Internacional (1902); OficinaSanitária Pan-Americana (1911); Organização Sanitária Pan-Americana (1947);Organização Pan-Americana da Saúde (1958).

3 Para mais informações ler CUETO, Marcos. “El Valor de la Salud: Historia dela Organización Panamericana de la Salud”. 2004.

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logista; Eduardo Moore (Chile), Eduardo Licéaga (México), médicohigienista; Juan J. Ulloa (Costa Rica) e Walter Wyman (Estados Uni-dos) são reconhecidos como profissionais que empenharam esforçosno processo de fundação da então denominada Oficina Sanitária In-ternacional. Estes profissionais iriam, juntamente com os médicosAlvah H. Doty e Rhett Goode, dos Estados Unidos, compor o pri-meiro Conselho Diretivo da então chamada Oficina Sanitária Inter-nacional. A presidência do recém-criado organismo ficou com omédico americano Walter Wylmam, que iria permanecer no cargoaté 1912.

Nos anos seguintes, a direção geral da OPAS seria assumida pelosmédicos norte-americanos Rupert Blue (1912-1920); Hugh SmithCumming (1920-1947); Fred Soper (1947-1959); Abraham Horwitz,(1959-1975), chileno, médico e sanitarista; Héctor Acuña (1975-1983), também mexicano e médico; Carlyle Guerra de Macedo(1983-1995), brasileiro, médico e sanitarista; George Alleyne (1995-2003), médico, nascido em Saint Philip, Barbados; e Mirta RosesPeriago (2003 - ), argentina, médica especialista em enfermidadesinfecciosas.

É conveniente lembrar que a criação de um organismo internaci-onal de saúde já havia sido cogitada muito antes do ano de 1902.Rosen (2006) nos informa sobre as diversas iniciativas que não tive-ram êxitos na consecução do seu objetivo.

Em 1776, Johann Peter Frank (1748-1821) escreveu e enviouum documento aos "homens cultos" da Alemanha e de vários países,no qual ele fazia uma exposição de motivos em defesa da necessidadede regulamentação do licenciamento dos médicos, segundo as defi-nições internacionais, e asseverava a urgência da troca de informaçãosobre a saúde entre os países. Parece que o apelo de Peter Frank nãoteve as repercussões desejadas, considerando que a idéia não foi adi-ante.

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Em 1833, o soberano do Egito, Mehemer Ali, criou um conselhosanitário coordenado por uma Comissão de Saúde Consular, comrepresentantes de vários países. A Comissão tinha como uma das mis-sões cuidar de problemas de quarentena e de higiene internacional;todavia, em 1839, o próprio Mehemer Ali a dissolveu.

Em 1845, com propósito de remover os empecilhos ao comérciointernacional, salvaguardando-se a saúde, o governo francês decidiuconvocar a primeira conferência sanitária internacional que veio aser realizada em Paris, no ano de 1851. Participaram desse eventorepresentantes da Áustria-Hungria, Sicília, Espanha, os Estados Pa-pais, Grã-Bretanha, Grécia, Portugal, França, Rússia, Sardenha, Tos-cana e Turquia. Apesar de apenas três países terem assinado a conven-ção – França, Portugal e Sardenha –, a experiência foi positiva, umavez que, após longas discussões e controvérsias, se chegou a uma con-venção e a uma série de normas que representaram uma primeiratentativa de se criar um código sanitário internacional, que dizia res-peito aos sistemas de quarentena e à notificação das enfermidadesepidêmicas, como o cólera, a peste, a febre amarela e outras.

Contudo, o resumo que se pode fazer dessas iniciativas é que ne-nhuma levou adiante a idéia de criação de um organismo de coopera-ção internacional de saúde. Esta primazia ficou para a Região dasAméricas.

A presença da OPAS nos países e os diversos mecanismos de con-sulta e informação que a Organização mantém lhe conferem umaposição privilegiada para acompanhar o que acontece na Região dasAméricas e, conseqüentemente, promover intercâmbios de infor-mação, por meio da oferta de cooperação técnica aos países. É naperspectiva da promoção de intercâmbios de informação e de expe-riências que este estudo compreende o conceito de cooperação téc-nica praticado pela OPAS através dos projetos educacionais selecio-nados como objeto de análise. Diante do objetivo deste trabalho,

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[ 32 ] PROTAGONISMO SILENCIOSO

torna-se pertinente destacar que desde a década de 1970 registra-se,no terreno das políticas internacionais, a afirmação da concepção deCooperação Técnica – como forma de interação de partes em con-dições de igualdade – sobre a concepção de Assistência Técnica, en-tendida como uma estratégia de reforço das relações de dependênciaentre os países desenvolvidos para os subdesenvolvidos ou entre asorganizações internacionais para estes últimos4 (PIRES-ALVES ; PAI-VA, 2006).

No documento comemorativo dos seus cem anos, completadosem 2002, a OPAS reafirma a sua missão de orientar os esforços estra-tégicos de colaboração entre os estados-membros5 e outros parcei-ros, no sentido de promover a eqüidade na saúde, combater doen-ças, melhorar a qualidade de vida e elevar a expectativa de vida dospovos das Américas.

Faz-se oportuno, desde já, sublinhar que o termo organização in-ternacional é aqui utilizado tendo como referência a discussão reali-zada por Mattos (2001) sobre agência internacional. O citado autordiz que uma agência internacional se caracteriza pela participação devários governos nacionais (pelo menos três) na constituição e na sus-tentação financeira e política da agência. Os governos que a constitu-em e lhe dão sustentação são denominados de países-membros.

4 Ferreira (1976) demonstra que a preocupação com os aspectos doutrináriosdesta diferenciação esteve presente nas discussões da OPAS, desde a décadade 1970.

5 Os atuais Estados-membros da OPAS são: Antigua e Barbuda, Argentina, Baha-mas, Barbados, Belice, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica,Cuba, Equador, Estados Unidos, El Salvador, Granada, Guatemala, Guiana,Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Repu-blica Dominicana, Santa Luzia, San Vicente y las Granadinas, Saint Kitts y Ne-vis, Suriname, Trinidade e Tobago, Uruguay e Venezuela.

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Ainda de acordo com o citado autor, toda agência internacional éconstituída através de um acordo entre vários governos nacionais,em que se estabelece sua missão, os dispositivos pelos quais a agênciaobterá os recursos financeiros e as regras básicas para sua atuação.

Cabe informar que a OPAS chegou ao ano de 2007 completandomais de cem anos de atuação ininterrupta na Região das Américas,tornando-se, assim, a agência internacional de cooperação técnicaem saúde mais antiga do mundo. Goza do reconhecimento internaci-onal, como parte do Sistema das Nações Unidas, e atua como OficinaRegional para as Américas, da Organização Mundial de Saúde (OMS).Dentro do Sistema da Organização dos Estados Americanos (OEA), éo organismo especializado em saúde. Mantém a sua sede (OficinaCentral) em Washington (EUA) e representação permanente em 27países, oito centros especializados e dois programas especiais de cam-po. Suas ações são realizadas por meio dos programas regionais, cujasatividades, incorporadas pelos programas de cooperação de cada país,são coordenadas pela representação local da Organização, em articu-lação com os Ministérios da Saúde dos distintos países. Atualmente, aOPAS possui 206 Centros Colaboradores6 na Região das Américas.

O Brasil passou a integrar a OPAS como país-membro em 29 deoutubro de 1929; todavia, a sua participação nas Convenções Sanitá-rias data dos primeiros anos do início do século XX. No ano de 1951foi assinado o convênio com o governo brasileiro para a criação daRepresentação da Organização no país, inicialmente instalada na ci-dade do Rio de Janeiro.

6 Centros Colaboradores são instituições, tais como institutos de pesquisa ouparte de universidades ou academias, que desenvolvem atividades de apoioaos programas da OMS (existem 900 Centros Colaboradores no mundo). Adesignação só ocorre depois de longa e sólida história de contribuição a ativi-dades programáticas da OMS.

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Em 2007, registram-se três estruturas da OPAS, no Brasil: umaem Brasília, onde fica localizada a sede da Organização, e outras duasem São Paulo e no Rio de Janeiro – estas duas últimas são centrosmultinacionais –. Em São Paulo, está sediado o Centro Latino-Ame-ricano e do Caribe de Informações em Ciências da Saúde, conhecidoaté 1981 como Biblioteca Regional de Medicina (BIREME), respon-sável pela promoção do uso da informação técnica e cientifica emtodas as Américas. No Rio de Janeiro, está o centro Panaftosa quecoopera com os governos dos países-membros da Organização, nocontrole e pesquisa para a erradicação da Febre Aftosa.7

A diversidade de programas nas várias áreas de cooperação técni-ca, existentes no escritório de Brasília, reafirma a multiplicidade dasações da Organização, conforme deixa transparecer o trecho refe-rente à sua missão.

No que se refere ao campo de recursos humanos em saúde, asações de cooperação são, prioritariamente, desenvolvidas pelo Pro-grama de Cooperação Técnica em Desenvolvimento de RecursosHumanos formalmente constituído na segunda metade da década de1970, na esteira de um outro programa denominado Programa dePreparação Estratégica de Pessoal em Saúde (PPREPS), realizado emparceria entre a OPAS e o governo brasileiro. Essas ações situam-seno âmbito da gestão e da educação para o trabalho. Elas são desenvol-vidas sob a forma de consultoria, desenvolvimento de tecnologia eapoio na execução de cursos, entre outras.

O leque de atividades desse Programa é também extenso e múlti-plo. As ações desenvolvidas por este setor têm dimensões técnicas e

7 Estabelecida na América do Sul, no século XVI, a Febre Aftosa é uma doençaque ataca os animais bovinos. O Centro do Rio de Janeiro foi instalado em1951. (Febre Aftosa: situação continental. Exposição feita por Dr. Victor Sa-raiva no Seminário Internacional de Saúde Pública Veterinária, realizado emUberaba – MG, em abril de 2006).

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políticas que envolvem, muitas vezes, diversos interesses institucio-nais.

Partindo do pressuposto de que as organizações são arenas nasquais se expressam, se encontram e interagem expectativas e interes-ses diversos, a OPAS está longe de ser uma agência monolítica e uni-forme no seu pensamento ao longo do tempo. Nesse sentido, justifi-ca-se a seleção de um dos seus programas como cenário para a inves-tigação e defesa da tese perseguida pelo presente trabalho.

A escolha do Programa de Cooperação em Desenvolvimento deRecursos Humanos justifica-se por ele ser o responsável institucionalpelas atividades de cooperação no campo tradicionalmente chamadode recursos humanos, no âmbito da Organização. E, especialmente,por ter ocorrido sob a sua área de abrangência institucional as expe-riências educacionais que despertaram o interesse desta autora emestudar a contribuição da Organização para o campo de recursoshumanos em saúde no Brasil.

Diante do exposto, julga-se oportuno identificar alguns pontosque motivaram a autora a desenvolver um estudo sobre a OPAS/Representação no Brasil. Em primeiro lugar está a sua relação com aOrganização. Profissional do campo de recursos humanos, a autoratem desenvolvido para a Organização, desde 1991, vários trabalhosde consultorias temporárias e pesquisas nesta área, inclusive relacio-nados aos projetos educacionais selecionados como objeto de pes-quisa desta tese. Durante este período de consultoria foi sendo plan-tado o interesse de conhecer melhor como se dava a articulação daOPAS com as instituições brasileiras e como se expressava esta arti-culação nos processos de cooperação técnica. O interesse de conhe-cer a história da Organização também motivou a vontade de escreversobre ela. Para isso foi observada a existência da pouca bibliografiaque trata sobre o tema, em especial sobre a atuação da Organizaçãono campo dos recursos humanos. Também não se pode deixar de

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mencionar que foi considerada a importância da OPAS, não apenasno território nacional, mas em todo o mundo. Importância esta quefoi sendo adquirida por um trabalho de mais de cem anos de dedica-ção à saúde dos povos da Região das Américas. E por último, concor-dando com Mattos (2001), afirma-se que, embora a importância dasorganizações internacionais nos processos de elaboração e implemen-tação das políticas de saúde nacional não seja negada, ainda são pou-cos os estudos que se dedicam ao exame específico de suas atuações.

Assim considerado, passa-se à apresentação dos objetivos destapesquisa:

O principal objetivo do presente estudo é compreender a contri-buição da OPAS/Representação no Brasil para o campo de recursoshumanos em saúde no país.

Os objetivos específicos foram dessa forma elencados: a) Analisar,através do Projeto de Formação em Larga Escala de Pessoal de NívelMédio e Elementar para os Serviços de Saúde (Projeto Larga Escala),Projeto de Capacitação em Desenvolvimento de Recursos Humanosde Saúde (CADRHU), e do Projeto de Desenvolvimento Gerencialde Unidades Básicas do Sistema Único de Saúde (GERUS), a contri-buição do Programa de Cooperação em Desenvolvimento de Recur-sos Humanos da OPAS/Representação no Brasil para o campo derecursos humanos; b) Identificar a concepção de educação adotadapelos projetos educacionais mencionados; c) compreender como, apartir do PPREPS, o Programa de Cooperação em Desenvolvimen-to de Recursos Humanos da OPAS foi delineando uma forma de fa-zer cooperação técnica; d) Compreender as conexões entre o Pro-grama de Cooperação em Desenvolvimento de Recursos Humanosda OPAS/Representação no Brasil e o movimento da Reforma Sani-tária Brasileira.

Alguns questionamentos iniciais provocaram a formulação de taisobjetivos. Esses questionamentos foram adotados como bússola para

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o caminhar da investigação e da conseqüente redação final desta tese:Existe um fio condutor que integra as três propostas educacionaisselecionadas como objeto empírico deste estudo? b) Se existiam co-nexões entre o Programa de Cooperação Técnica de Recursos Hu-manos da OPAS/Representação no Brasil com o movimento sanitá-rio brasileiro, como isso foi materializado? c) Desde quando existe oPrograma de Cooperação Técnica em Desenvolvimento de RecursosHumanos da OPAS e como se processa a sua relação com as institui-ções brasileiras?

O pensamento embrionário sobre a temática dizia que o projetode cooperação do Programa de Desenvolvimento de Recursos Hu-manos da OPAS/Representação no Brasil foi sendo construído a partirde uma estreita vinculação deste programa com os movimentos favo-ráveis à reforma e à reorganização do sistema de saúde, ocorridosentre os anos 1970 e 1980. Assim, partiu-se do pressuposto que, seesse Programa influenciou na constituição e no desenvolvimento daárea de recursos humanos das instituições públicas de saúde, tambémfoi influenciado por essas instituições, a partir da troca de experiên-cias e informações.

Uma outra hipótese aventada considerava que, apesar de ser umainstituição de saúde, a OPAS teve papel relevante na formulação deprojetos educacionais que contribuíram para a compreensão, desen-volvimento e fortalecimento do campo de recursos humanos, aomesmo tempo em que ia delineando o seu próprio pensamento ins-titucional para o campo de recursos humanos em saúde.

A partir desse ponto de partida, procurou-se identificar, na inte-ração entre a atuação da Organização e o contexto brasileiro o fiocondutor do trabalho do Programa de Cooperação em Desenvolvi-mento de Recursos Humanos da Organização, no Brasil.

Para o desenvolvimento deste estudo foi adotado o recorte tem-poral de 1975 a 1999. A definição deste período é justificada pela

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realização de fatos que são considerados marcos para o este trabalho:em 1975, se deu a instituição formal do PPREPS que, a partir dacontratação dos primeiros consultores nacionais de recursos huma-nos, em janeiro do ano seguinte, daria inicio ao hoje conhecido Pro-grama de Cooperação em Desenvolvimento de Recursos Humanosda OPAS, no Brasil; em 1981, Izabel dos Santos8 começa a discutir eaglutinar pessoas em torno do Projeto que viria a ser conhecido porProjeto Larga Escala. O término9 do Larga Escala só se daria com osurgimento do Projeto de Profissionalização de Trabalhadores da Áreade Enfermagem (PROFAE), em 1999; em 1987 foi a vez do lança-mento, em todo o território nacional do Projeto CADRHU e, em1991, deu-se início as discussões em torno da elaboração do projetoque seria denominado de GERUS. Estes dois últimos projetos conti-nuam em vigor.

Ressalta-se ainda, que nas décadas de 1980 e 1990 ocorreram a 8ªe a 9ª Conferências Nacionais de Saúde (CNS), realizadas, respectiva-mente, em março de 1986 e agosto de 1992, assim como também, a1ª e 2ª Conferências Nacionais de Recursos Humanos para a Saúde(CNRH), ocorridas em outubro de 1986 e setembro de 1993.

A 1ª CNRH foi realizada em Brasília, no período de 13 a 17 deoutubro de 1986 foi um dos desdobramentos aprovados pelo plená-

8 Enfermeira, consultora da OPAS no período de 1976 a 1997. Conhecidanacionalmente como a mentora intelectual do Projeto de Formação em LargaEscala de Pessoal de Nível Médio e Elementar para os Serviços de Saúde(Projeto Larga Escala).

9 Talvez seja mais correto falar de transmutação, uma vez que se reconhece quea base e os princípios adotados pelo Larga Escala estão presentes no Projetode Profissionalização de Trabalhadores da Área de Enfermagem (PROFAE).Todavia este último projeto iria avançar em termos de construção de algunscomponentes, na operação de sua gestão e, especialmente, na cobertura dapopulação (educandos) alvo.

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rio da 8ª CNS. Esta última Conferência inaugurou uma nova etapa deformulação de políticas de saúde rumo à implantação do SistemaÚnico de Saúde (SUS), pautando as suas recomendações nas princi-pais palavras de ordem da época: universalização, eqüidade e demo-cratização.

Com o tema central "Política de Recursos Humanos Rumo à Re-forma Sanitária", a 1ª CNRH constituiu-se em um fórum privilegia-do de debate da problemática específica da área de recursos huma-nos. Vale ressaltar que as discussões dessa conferência foram desen-volvidas a partir de cinco grandes eixos: Valorização Profissional;Preparação de Recursos Humanos; Órgãos de Desenvolvimento deRecursos Humanos para a Saúde – Estratégias de Integração Institu-cional; A Organização dos Trabalhadores de Saúde; e A Relação doTrabalhador de Saúde com o Usuário dos Serviços.

No início da década de 1990, atendendo às recomendações da 9ªConferência Nacional de Saúde, ocorrida em 1992, o Ministério daSaúde convocou a 2ª Conferência Nacional de Recursos Humanospara a Saúde, que foi realizada no período de 12 a 17 de setembro de1993, também em Brasília, com o tema central "Os Desafios ÉticosFrente às Necessidades de Saúde". Este tema se fazia pertinente eurgente, considerando que a implantação, ainda recente, do SUS10

passava a conviver com os desafios que diziam respeito à construçãode novas regras e de novas práticas para a realização do trabalho epara a formação do trabalhador em saúde (BRASIL, 1993).

Faz-se oportuno esclarecer que não foi pretensão deste estudofazer uma análise das políticas de recursos humanos implementadas

10 A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5-10-1988,reconhece que as ações e serviços públicos integram uma rede regionalizadae hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com asseguintes diretrizes: descentralização, atendimento integral, participação dacomunidade.

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no Brasil a partir dessas Conferências, mas sim identificar as suas de-liberações que reforçam, apóiam ou justificam as realizações das ex-periências educacionais aqui estudadas.

Ter como campo de discussão a organização internacional de co-operação técnica de saúde mais antiga do mundo e o seu programade recursos humanos, não foi uma tarefa fácil. Portanto, para essajornada se buscou auxílio nos aportes teóricos construídos por di-versos autores.

Assim, para se compreender o papel da Organização no escopodeste estudo, se recorreu à categoria de campo, conceituada porBourdieu (1996), como sendo um espaço de posições sociais que seretraduz em um espaço de tomada de posição pela intermediação doespaço de disposições (habitus). Para esse autor, campo é o universono qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem,reproduzem ou difundem arte, literatura, ciência e ou conhecimen-to, para transformar a sociedade ou para reproduzi-la (BOURDIEU,2004). "O habitus constitui um conjunto de conhecimentos práticosadquiridos ao longo do tempo que nos permitem perceber e agir eevoluir com naturalidade em um universo dado" (BOURDIEU, 2002,p.68). Os conceitos de habitus e campo são, na teoria de Bourdieu,relacionais, no sentido de que um somente funciona em relação aooutro.

Nesse sentido, procurou-se estudar a Organização como um cam-po social, ou um espaço multidimensional de posições, onde existematores detentores de recursos institucionais diferentes, com distin-tos graus de poder e, por isso mesmo, com posições, muitas vezes,conflituosas. O desafio da tese consiste em compreender como essesatores se movem nesse campo e como eles se articulam com outrosatores do campo da saúde

Para Bourdieu (2005), nos espaços multidimensionais, o reco-nhecimento de um determinado agente é definido de acordo com a

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posição que ele ocupa nas relações de forças que se estabelecem nointerior de cada campo específico.

No interior do campo, "cada um dos agentes investea força (o capital) que adquiriu pelas lutas anterio-res, em estratégias que dependem, quanto à orien-tação, da posição desse agente nas relações de força,isto é, do seu capital específico" (BOURDIEU, 1990,p.171-172).

Ainda segundo esse autor, os indivíduos não agem apenas por in-teresses – econômico, político e outros –, mas também pela vontadede obter prestígio e reconhecimento dos outros; pela vontade deobter de se situar numa escala de poder. Nessa perspectiva, a Repre-sentação da OPAS no Brasil foi compreendida como um espaço soci-al, onde os atores, ao agirem, manifestam maneiras de ação particu-lar, ao mesmo tempo em que adquirem reconhecimento pelas açõesrealizadas. Tal reconhecimento, ou capital simbólico contraído, setraduz em um conjunto de signos ou símbolos que permitem situaresses atores no espaço social.

O Programa de Cooperação em Desenvolvimento de RecursosHumanos foi compreendido como o lugar em que "se geram, naconcorrência entre os agentes que nele se acham envolvidos, produ-tos políticos, problemas, programas, análises, comentários, concei-tos, acontecimentos" (BOURDIEU, 2005, p.164), ou seja, reconhe-ce-se o Programa como um campo político.

De acordo com o citado autor, o campo político,

entendido ao mesmo tempo como campo de forças ecomo campo de lutas que têm em vista transformara relação de forças que confere a este campo a suaestrutura em dado momento, não é um império: osefeitos das necessidades externas fazem-se sentir nelepor intermédio, sobretudo, da relação que os man-

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dantes, em conseqüência da sua distância diferencialem relação aos instrumentos de produção política,mantêm com os seus mandatários e da relação queestes últimos têm, em conseqüência de suas atitu-des, mantêm com suas organizações (BOURDIEU,2005, p.164).

Essa formulação permitiu compreender as relações estabelecidaspelo Programa com distintas instituições nacionais e locais e, ao mes-mo tempo, analisar os movimentos dos consultores do Programa deRecursos Humanos no interior do campo institucional, quer seja nointerior da Representação no Brasil, quer seja nas relações estabele-cidas com a Oficina de Washington.

Tal qual no campo científico, a questão do poder vai se expressaratravés de práticas denominadas por Bourdieu como poder de acu-mular capital, como, por exemplo, o poder de publicar ou de recu-sar publicação, de apoiar processos de gestão ou de educação, dedivulgar idéias e outras práticas cuja consecução abriga relações deforça, estratégias, interesses, etc. (BOURDIEU, 1990).

Nesse sentido, compreende-se, aqui, o Programa de Cooperaçãoem Desenvolvimento de Recursos Humanos da OPAS/Reperesenta-ção do Brasil como um espaço de múltiplos interesses e atuações,quais sejam: política, científica, cultural e educacional.

Para orientar a discussão sobre o campo de recursos humanos e aconseqüente compreensão sobre o termo, foi essencial o aporte deautores, como Rovere (2006) e Nogueira (1987).

Rovere (2006) compreende o campo de recursos humanos emsaúde como um espaço de muitas dimensões, de disputa, de medi-ções de força, assim como um objeto de estudo e transformações,um componente e uma perspectiva de análise sobre o setor saúde.Para esse autor, o objeto de estudo está constituído por sujeitos eque são estes mesmos os que refletem sobre o campo. Nesse sentido,

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estes sujeitos são entendidos como atores sociais, ou seja "personasindividuales, colectivas o jurídicas que se organizan para hacer pre-valecer SUS propios objetivos sobre el campo o sobre parte de él"(ROVERE, 2006, p.50).

Nogueira (1987) vai trazer à tona posições polêmicas sobre o temarecursos humanos e vai se posicionar de forma igualmente polêmica.O citado autor, discutindo sobre os distintos aportes teóricos quesustentam os termos Força de Trabalho e Recursos Humanos, vaiconcluir que a abordagem que considera os trabalhadores como re-cursos humanos é perfeitamente válida, tendo em vista que, na pers-pectiva gerencial, o trabalhador é um "recurso" gerenciável, assimcomo a força de trabalho é uma mercadoria no mercado capitalista.Todavia, ele ressalta que esta análise deve ser feita sob a luz dos pres-supostos teóricos da economia política clássica. Assim, evita-se cairna armadilha do utilitarismo institucional.

Ao chamar a atenção para a polêmica do tema, não se pretendeneste trabalho discordar do autor, inclusive, porque, desde já, estaautora se posiciona que as relações institucionais, políticas e econô-micas devem ser reconhecidas em toda a sua extensão para que aspropostas de intervenção não se percam em tentativas desconexascom propostas enganosas baseadas em "pseudo-humanismo", con-forme ainda refere Nogueira (1987, p.14).

Rovere traz, ainda, para o debate, algumas reflexões que são escla-recedoras sobre o tema:

Por lo tanto, afirmamos que el recurso humano si lofuera, sería un curioso factor de producción, ya quemejora con el tiempo en la medida en que es el úni-co factor de producción que aprende. Es el único fac-tor de producción que es consciente del proceso pro-ductivo; el único que disputa el control de ese proce-so y discute las condiciones bajo las cuales ingresa en

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él; y por último, el único que puede generar los pro-cesos mismos (ROVERE, 2006, p.52).

Com esses posicionamentos, adianta-se que os recursos humanossão entendidos nos projetos de cursos, objetos de estudo deste tra-balho, na perspectiva de serem, ao mesmo tempo, fator de produçãoe agentes de transformação de sua prática, da sociedade, do mundo.Nesse sentido, parte-se da compreensão que o homem tem uma "on-tológica vocação de ser sujeito" (FREIRE, 1974, p.106); portanto,reforçando as palavras de Rovere (2006), frisa-se que se o homem éum fator de produção, é o único que aprende, que pensa, que cria erecria a sua prática. Compreensão essa que também está presente emNogueira (1987).

Os aportes teóricos sobre campo, de Bourdieu, são usados paraapoiar a discussão sobre as conexões do Programa de Cooperaçãoem Desenvolvimento de Recursos Humanos da OPAS/Representa-ção no Brasil com o movimento sanitário brasileiro. Destaca-se, nes-te momento, o papel da OPAS, na vertente acadêmica do movimen-to sanitário. Vertente esta, responsável por grande parte da formaçãodos intelectuais militantes da Reforma Sanitária Brasileira. A leiturade Gramsci apóia a interpretação sobre o papel desses militantes naconstrução do processo de reforma do setor saúde e seus conse-qüentes desdobramentos.

Quanto à análise dos projetos educacionais Larga Escala, CADRHUe GERUS foram fundamentais as leituras de Souza et al (1991) Freire(1996, 1987, 1980, 1974), Saviani (2007), Libâneo (1985), Borde-nave (1989) e Davini (1989). Estes autores vão dar a sustentação paraa interpretação dos elementos que caracterizam esses processos deensino, destacando-se, como referencial, a obra de Freire.

Os argumentos conclusivos embasados nos referenciais desses au-tores, assim como os demais citados, são apresentados nos vários ca-pítulos deste trabalho.

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A operacionalização da pesquisa foi feita através de três procedi-mentos básicos: a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental e aentrevista, que foram usados concomitantemente.

A pesquisa bibliográfica, segundo Gil (1999), é desenvolvida apartir de material já elaborado, constituído principalmente de livrose artigos científicos. Assim entendido, procedeu-se a uma extensivarevisão bibliográfica em que se procurou conhecer, compreender einterpretar a produção de alguns autores que já escreveram sobre aOPAS. Como era de se esperar, a visita a essa literatura permitiuencontrar alguns dos personagens que protagonizaram a história daOrganização. Assim, foi possível caracterizar esses atores sociais erevelar possíveis vínculos e interesses institucionais e políticos quebalizaram suas ações.

A pesquisa documental assemelha-se à pesquisa bibliográfica, en-contrando na natureza das fontes uma diferença básica entre elas. Apesquisa documental utiliza materiais que ainda não receberam tra-tamento analítico, os chamados documentos de primeira mão, e ma-teriais que podem ser reelaborados de acordo com os objetivos dapesquisa (documentos de segunda mão), ou seja, relidos pelo pesqui-sador em função dos objetivos do trabalho. Para fins deste estudo,foram utilizados documentos de ambas as procedências.

De acordo com Belloto,

segundo as conceituações clássicas e genéricas, o do-cumento é qualquer elemento gráfico, iconográfi-co, plástico ou fônico pelo qual o homem se expres-sa. É o livro, o artigo de revista ou jornal, a estam-pa, a tela, a escultura, a fotografia, o filme, o disco, afita magnética, o objeto utilitário etc ... enfim, tudoo que seja produzido por razões funcionais, jurídicas,cientificas, culturais ou artísticas pela atividade hu-mana. Torna-se evidente, assim, a enorme abran-

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gência do que possa ser documento (BELLOTO, 1991,p.25).

Os documentos constituem uma rica fonte de dados e contribu-em tanto para a preservação da memória da instituição, quanto paraa configuração das suas atividades. Mas, deve-se atentar que

os documentos não aparecem, aqui ou ali, pelo efeitode um qualquer imperscrutável desígnio dos deuses.A sua presenca ou a sua ausência no fundo dos arqui-vos, numa biblioteca, num terreno, dependem decausas humanas que não escapam de forma alguma àanálise, e os problemas postos pela sua transmissão,longe de serem apenas exercícios técnicos, tocameles próprios, no mais íntimo da vida do passado, poiso que assim se encontra posto em jogo é nada menosdo que a passagem da recordação através das gera-ções (BLOCH apud LE GOFF, 2003, p.534).

E, sobretudo, "o documento não é qualquer coisa que fica porconta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou segun-do as relações de forças que aí detinham o poder" (LE GOFF, 2003,p.535-536). Com esta compreensão, foram pesquisados os seguintesdocumentos:

a. Relatórios das Conferências Sanitárias Pan-Americanas deSaúde nas décadas de 1980 e 1990;

b. Relatórios de gestão da Representação da OPAS no Brasil,no período demarcado como referência para este trabalho;

c. Relatórios da 8ª CNS e da 9ª CNS e relatórios da 1ª e 2ª CNRH;

d. Boletim da Oficina Pan-Americana da Saúde, destacando-se aqueles que contêm relatórios de gestão dos diretoresgerais da OPAS;

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e. Programas e outros documentos dos projetos educacionais(PPREPS, Projeto Larga Escala, CADRHU e GERUS) sele-cionados para este estudo;

f. Documentos dos Ministérios da Saúde e da Educação quetratam do PPREPS;

g. Depoimentos11 concedidos ao Projeto sobre História daCooperação Técnica MS-Brasil/OPAS em Recursos Huma-nos,12 desenvolvido sob a responsabilidade do Observató-rio da Casa Oswaldo Cruz da Fundação Oswaldo Cruz;

h. Entrevistas concedidas e publicadas em livros que tratamda história da Organização Pan-Americana da Saúde;

i. Entrevistas concedidas pelos consultores da OPAS, sobre otema de recursos humanos, e publicadas em revistas cientí-ficas.

No entanto, há de se considerar que "a história faz-se com docu-mentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não existem" (FE-BVRE apud LE GOFF, 2003, p.530). Com esta orientação, fomosbuscar, na memória de alguns consultores da Organização, lembran-ças que ficaram retidas, guardando o tempo que se foi, salvando-o daperda total (CHAUÍ, apud SILVA, 2005). Portanto, a entrevista foioutro procedimento adotado.

11 A coordenação do projeto, gentilmente, nos forneceu, além das transcriçõesoriginais de várias entrevistas, documentos coletados pelos seus pesquisado-res e a indicação de fontes de pesquisas.

12 A autora do presente trabalho participou do Projeto sobre História da Coo-peração Técnica MS-Brasil/OPAS em Recursos Humanos, na condição deentrevistadora e co-autora do livro.

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Os consultores entrevistados foram selecionados tendo como basealguns critérios: ter sido consultor da OPAS nas equipes do PPREPSe ou do Programa de Cooperação em Desenvolvimento de RecursosHumanos no Brasil; ter sido consultor do Programa de Cooperaçãoem Desenvolvimento de Recursos Humanos na Oficina de Washing-ton, no período proposto para o estudo; e por último, todavia deter-minante, o acesso desta autora aos potenciais entrevistados.

Suas lembranças foram fundamentais para a identificação dos fatosque auxiliaram a compreensão da participação da OPAS/Represen-tação no Brasil no desenvolvimento do campo de recursos humanosem saúde neste país.

No entanto, alerta-se que a memória individual não deve ser vistade forma isolada da vida social, pois "um homem para evocar o seupróprio passado, tem freqüentemente necessidade de fazer apelo àslembranças dos outros. Ele se reporta a pontos de referência queexistem fora dele, e que são fixados pela sociedade" (HALBWACHS,1990). Que detalhes, que acontecimentos estão guardados na me-mória de cada entrevistado que podem ajudar à presente investiga-ção? Nesta perspectiva, os aportes também privilegiaram um outrotipo de memória: a histórica institucional. Entende-se que é na histó-ria vivida no desenrolar do trabalho dentro da instituição que se apóiaa memória de cada um dos informantes selecionados como testemu-nha da história da OPAS (HALBWACHS, 1990).

Assim, a entrevista, entendida como uma "conversa a dois, feitapor iniciativa do entrevistador, destinada a fornecer informaçõespertinentes para um objeto de pesquisa, e entrada (pelo entrevista-dor) em temas igualmente pertinentes com vistas a este objetivo"(KAHN E CANNEL apud MINAYO, 1992, p.108), foi um instru-mento privilegiado nesta pesquisa.

De acordo com Minayo (1992), o que torna a entrevista um ins-trumento privilegiado é

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a possibilidade de a fala ser reveladora de condiçõesestruturais, de sistemas de valores, normas e símbo-los (sendo ela mesmo um deles) e ao mesmo tempoter a magia de transmitir, através de um porta-voz,as representações de grupos determinados, em con-dições históricas, socioeconômicas e culturais espe-cíficas (MINAYO, 1992, p.109).

Seguindo as orientações de Minayo (1992), as entrevistas destapesquisa foram conduzidas de forma que foram identificados dadoscomplementares a algumas informações que permaneciam um tantoquanto obscuras, mesmo depois das leituras dos documentos. Assimtambém, foram identificados novos fatos que revelaram atitudes, va-lores, opiniões, sentimentos, modo de pensar, maneiras de atuar dosnossos informantes privilegiados.

Nessa "conversa a dois", devidamente registrada por um grava-dor, foi usada a entrevista semi-estruturada com perguntas abertas,utilizando roteiros para fins de orientação do pesquisador. Porém, adespeito do roteiro, procurou-se estimular a narrativa mais livre,com a menor interferência possível do entrevistador.

Tentando seguir as orientações de Alberti (2004), foram elabora-dos dois roteiros: um geral, onde se fez uma relação de tópicos geraise acontecimentos que a revisão bibliográfica havia apontado comorelevantes para o alcance dos objetivos; e outro individual, tendocomo base a biografia profissional de cada entrevistado, conhecidaatravés da leitura dos seus currículos. A utilização dos dois roteirosjustifica-se por acreditar-se que, apesar dos depoentes terem parti-lhado experiências na mesma organização e atuado no mesmo campode conhecimento e prática (o de recursos humanos em saúde), elesassumiram, na OPAS, cargos institucionais diferentes, são de gera-ções distintas, possuem culturas e saberes variados, assim como posi-ções diferentes no processo social da organização.

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Para efeito de apresentação dos resultados deste estudo, além destaintrodução e das conclusões, o corpo textual está organizado em trêsseções, cujas sínteses são apresentadas a seguir:

Na seção intitulada Intelectuais e Ação política: a OPAS e omovimento da Reforma Sanitária Brasileira, procura-se com-preender: as conexões do Programa de Cooperação Técnica de Re-cursos Humanos da OPAS/Representação no Brasil com o movimentosanitário brasileiro e a participação da OPAS na difusão do pensa-mento da medicina social no Brasil. Parte-se da premissa que essasrelações tiveram decisiva influência na forma do citado programaprestar cooperação técnica.

A seção cujo título é A Arquitetura do Programa de Recur-sos Humanos da OPAS no Brasil está organizada em quatro sub-seções. O enfoque principal da discussão concentra-se na criação edesenvolvimento do citado Programa, identificando-o como um des-dobramento da implantação do PPREPS que, por sua vez, foi frutodo Acordo firmado, em 1975, entre o governo brasileiro e a OPAS.Realça-se que a experiência do PPREPS foi fundamental não apenasporque ela deu início ao próprio Programa de Cooperação em De-senvolvimento de Recursos Humanos da OPAS, no Brasil, mas tam-bém porque ela deixou marcas muito intensas na construção do campode recursos humanos em saúde no país. Assim, faz-se oportuno frisarque o PPREPS, devido à sua natureza de "pedra fundamental" doPrograma de Cooperação em Desenvolvimento de Recursos Huma-nos da OPAS, mereceu um capítulo destacado deste texto.

Finalmente, a seção chamada de A Materialização da Coope-ração Técnica foi estruturada em cinco subseções. O objetivo cen-tral desta seção consiste em discutir três experiências de formaçãode pessoal (Projeto Larga Escala, CADRHU e GERUS), realizadas nasdécadas de 1980 e 1990 que fizeram parte do projeto de cooperaçãotécnica entre a OPAS/ Representação no Brasil e o Governo Brasi-

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leiro. Nesta seção, procura-se mostrar a forma de atuar do Programade Cooperação em Desenvolvimento de Recursos Humanos da OPAS,através de processos de ensino. Defende-se que esta forma de atuarfoi sendo plasmada pelos movimentos e projetos referidos nas seções1 e 2 do presente trabalho, destacando-se, no entanto, o forte prota-gonismo de Izabel dos Santos. Procura-se também mostrar, atravésdesses projetos educacionais, a concepção de educação adotada peloPrograma de Cooperação em Desenvolvimento de Recursos Huma-nos da OPAS/Representação no Brasil, no período citado.

Na seção destinada às conclusões, intitulada A Presença da OPAS,estão os principais resultados do estudo vistos à luz dos objetivostraçados e das indagações que nortearam o caminho para a elabora-ção deste estudo.

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Intelectuais e ação política:A OPAS e o movimento dareforma sanitária brasileira

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Esta seção destina-se à participação da OPAS na difusão do pensa-mento da medicina social no Brasil e suas conexões com a constitui-ção do Movimento pela Reforma Sanitária Brasileira. Ao procurarmostrar estas conexões, tenta-se compreender a sua influência naforma em que o Programa de Cooperação em Desenvolvimento deRecursos Humanos da OPAS/Representação no Brasil passou a de-senvolver os seus projetos de cooperação técnica, a partir da décadade 1980. Tendo em vista atingir o objetivo da pesquisa, algumas ques-tões foram elaboradas: qual foi a participação da OPAS na difusão dopensamento da medicina social no Brasil? Quais eram as conexões doPrograma de Cooperação Técnica de Recursos Humanos da OPAS/Representação no Brasil com o movimento sanitário brasileiro? Estasconexões tiveram influência na forma de atuar do citado programa,no período definido pelo estudo? As respostas a estas questões se dãoatravés da demonstração de uma verdadeira teia de articulações, de-nominadas aqui de "sistema de vasos comunicantes".

Alguns teóricos vão dar o suporte necessário na busca das respos-tas para estes questionamentos. Entre eles, Antonio Gramsci, maisespecificamente com a sua tese sobre os intelectuais, e Pierre Bour-dieu, no que diz respeito à sua teoria de campo. Para a confecçãodesta seção foram utilizadas diversas fontes (bibliográfica, documen-tal e entrevista), tendo em vista a identificação de informações úteisque pudessem ajudar na construção dos argumentos. Não é possívelafirmar que uma fonte tenha tido predominância sobre as outras.

2.1 Sob a égide das conferências de saúde

As deliberações da Assembléia Mundial de Saúde, anunciadas no anode 1977, elegeram o tema Saúde para Todos no Ano 2000 como aprincipal meta social dos governos-membros da Organização Mun-

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dial de Saúde (OMS), até o final do século XX. Adotando, inicial-mente, uma proposta política de extensão de cobertura dos serviçosbásicos, fundados em sistemas simplificados de assistência à saúde,este foi o tema em torno do qual foram mobilizadas ações dos gover-nos e do setor saúde nas duas últimas décadas do século passado.

Em dezembro de 1978, a Conferência Internacional sobre Cuida-dos Primários de Saúde para a Infância, realizada em Alma-Ata, naantiga União Soviética, sob os auspícios da OMS e do Fundo das Na-ções Unidas, reafirmou a saúde como direito do homem e constituiua Atenção Primária à Saúde13 como tática prioritária para a operacio-nalização das metas de Saúde para Todos no Ano 2000.

No ano seguinte, a Assembléia Mundial de Saúde, através da Reso-lução 3.230 de 1979, instou todos os estados-membros a colocaremem prática algumas estratégias nacionais, regionais e globais com vis-tas a alcançar a meta estabelecida na Assembléia de 1977.

Em 1980, o Conselho Diretivo da OPAS aprovou, para a Regiãodas Américas, as estratégias para alcançar a Saúde para Todos no Ano2000 (OPAS, 1980). Em seguida, a XXI Conferência Sanitária Pan-Americana de Saúde, realizada em 1982, através da Resolução nº 32,

13 A Atenção Primária é conceituada no documento da Conferência como "ummeio prático para pôr ao alcance de todos os indivíduos e famílias das comu-nidades a assistência de saúde indispensável, de forma que resulte aceitável eproporcional a seus recursos, e com sua participação" (OMS, 1978, p.19).Starfield (2004) dá uma definição mais completa e detalhada quando diz quea atenção primária é um nível do sistema de saúde que oferece a entrada nosistema para o atendimento das necessidades e problemas de saúde, forneceatenção sobre a pessoa no decorrer do tempo e integra a atenção fornecida emoutro lugar do sistema de saúde. É uma abordagem que forma a base dosistema de saúde, aborda os problemas mais comuns na comunidade, ofere-cendo serviços de prevenção cura e reabilitação. É a atenção que organiza eracionaliza o uso de recursos, tanto básicos como especializados, direciona-dos para promoção, manutenção e melhora da saúde (STARFIELD, 2004).

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orienta os governos-membros incorporar ao setor saúde um proces-so de formulação e aplicação de política condizente com o desenvol-vimento de estratégias e práticas gerenciais que favorecessem resul-tados mais eficazes e eficientes, e um compromisso mais firme com aeqüidade social.

A XXI Conferência também recomendou que, de maneira criati-va e inovadora, os países-membros centrassem o foco dos seus pro-cessos de desenvolvimento gerencial na extensão de cobertura per-seguida pela estratégia da Atenção Primária à Saúde. A idéia era re-forçar os processos de gestão estratégica estabelecendo planos a lon-go, médio e curto prazos, tendo em vista alcançar a meta de saúdepara todos no ano 2000.

As deliberações dessa Conferência Sanitária também recomenda-vam aos governos-membros que fosse concedida prioridade ao de-senvolvimento de recursos humanos, mediante o fortalecimento deprogramas acadêmicos e de educação contínua, reforçando o plane-jamento de pessoal, reorientando os planos de estudos das escolas deciências da saúde e oferecendo incentivos para reter pessoal nos ser-viços de saúde. Ressalte-se que não há nos documentos da OPAS, daépoca, uma formulação conceitual mais aprofundada sobre o termoEducação Contínua, muito menos discussões sobre as possíveis dife-renças entre o seu conceito e o de Educação Permanente. Pelo con-trário, se identifica, nos documentos, que os termos são usados in-distintamente.

Enquanto isso, no Brasil, a 7ª CNS, instalada em Brasília, no dia 24de março de 1980, com o tema "Extensão das Ações de Saúde Atra-vés dos Serviços Básicos" teve por finalidade discutir a implantação eo desenvolvimento do Programa Nacional de Serviços Básicos deSaúde. No programa dessa Conferência se destacavam temas comoDesenvolvimento dos Recursos Humanos para os Serviços Básicosde Saúde e Supervisão e Educação Continuada para os Serviços Bási-

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cos de Saúde, expressando, assim, as principais preocupações da épocareferentes à problemática de recursos humanos em saúde.

O contexto político dos anos 1980 era o de instituição da NovaRepública, movimento de redemocratização que mobilizava brasilei-ros de todas as regiões e que demarcou em 1985, o encerramento doperíodo da ditadura militar no país, período caracterizado pelo con-trole militar sobre o Estado e, por conseguinte, pela intervençãomilitar em diversos campos da vida econômica, social e política (GER-MANO, 2005)

Na segunda metade dessa década, a proposta era de total refor-mulação do Sistema Nacional de Saúde. Intensificava-se a luta pelaReforma Sanitária Brasileira e o tema Saúde como Direito de Todos eDever do Estado tornou-se palavra de ordem e o slogan da 8ª CNS.Nesta reunião realizada em Brasília, no período de 17 a 21 de marçode 1986, foram discutidas as propostas de universalização, equidade,integralidade, descentralização e participação popular que configu-ravam o ideário da Reforma Sanitária Brasileira.

Assinala-se que o termo Reforma Sanitária, usado pela primeiravez no país em função da reforma sanitária italiana, foi divulgado edifundido nos debates prévios à 8ª CNS, sendo utilizado para se refe-rir ao conjunto de idéias que se tinha em relação às mudanças e trans-formações necessárias na área da saúde.

A 8ª CNS mobilizou mais de 4.000 mil participantes de todas asregiões e classes sociais da sociedade brasileira, num ambiente deexpectativas e mudanças para a sociedade. Os temas centrais dessaConferência refletiam as reivindicações da época: Saúde como Direi-to Inerente à Cidadania e à Personalidade; Reformulação do SistemaNacional de Saúde; e Financiamento do Setor Saúde.14

14 Para efeitos de mais informações ver Relatório da 8ª Conferência Nacional deSaúde (Brasil, 1987).

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Registre-se que em 45 anos (1941-1986) de história de conferên-cias de saúde, essa conferência nacional foi a primeira a ser verdadei-ramente popular, se considerado que essa foi também a primeira vezque o poder executivo brasileiro convocou, com tamanha dimensãoe escala, a sociedade civil para o debate de políticas ou programas degoverno. Todas as Conferências anteriores haviam sido pautadas porum caráter eminentemente técnico – praticamente restrita a gesto-res, técnicos governamentais e políticos – e pela baixíssima repre-sentatividade social (CARVALHO, 1995).

A reunião de Brasília foi precedida pela realização de Pré-Confe-rências Estaduais de Saúde, etapa que permitiu a ampliação do deba-te e possibilitou que em todas as regiões do país fossem discutidos ostemas que seriam abordados no evento nacional. Vale ressaltar queesses eventos foram estrategicamente utilizados para garantir a re-presentação de todos os segmentos da sociedade na etapa nacional.O expressivo número de participantes presentes na Conferência re-alizada em Brasília confirmou a importância das pré-conferênciasenquanto espaços de mobilização e de difusão do ideário da ReformaSanitária.

Referindo-se à singularidade da participação popular, Sergio Arouca(1941-2003), um dos principais artífices da proposta de ReformaSanitária Brasileira, ao proferir a conferência de abertura da 8ª CNSintitulada Democracia é Saúde, chamava a atenção:

Esta é a primeira vez que se encontram o setor saú-de e a sociedade. Pela primeira vez, os usuários es-tão representados numa CNS. Então, nosso papel naformação da política de saúde é de maior importân-cia (BRASIL, 1987, p.42).

O citado conferencista referia-se à construção de uma política desaúde que tinha explícito em seus propósitos a pretensão de resgatar

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a relação entre as condições de saúde e cidadania, tendo como prin-cípios a questão da equidade e do acesso aos serviços e saúde.

A problemática dos recursos humanos esteve presente nas pautasde várias conferências nacionais e internacionais. Todavia, seria na 1ªConferência Nacional de Recursos Humanos em Saúde, realizada emBrasília, de 13 a 17 de outubro de 1986, atendendo às proposiçõesdo plenário da 8ª CNS para promoção de conferências especificas,que a problemática do campo de recursos humanos teria o destaquemerecido na história das conferências de saúde no Brasil.

A exemplo da 8ª Conferência, o processo de discussão, que cul-minaria com a realização da 1ª Conferência Nacional de RecursosHumanos em Saúde, no Brasil, também se promoveria pré-conferên-cias em 23 unidades da Federação. Esta estratégia mais uma vez opor-tunizou a ampliação do debate e um maior aprofundamento da dis-cussão sobre a situação dos recursos humanos enquanto um elemen-to central para a construção do novo sistema de saúde e para a pro-dução dos serviços de saúde.

As discussões realizadas nessa 1ª Conferência Nacional de Recur-sos Humanos foram desenvolvidas a partir de cinco grandes eixos:Valorização Profissional; Preparação de Recursos Humanos; Órgãosde Desenvolvimento de Recursos Humanos Para a Saúde – Estraté-gias de Integração Institucional; A Organização dos Trabalhadores deSaúde; e A Relação do Trabalhador de Saúde com o Usuário dos Ser-viços.

No eixo da Preparação de Recursos Humanos para a saúde desta-cavam-se discussões sobre os temas: Formação e aprimoramento depessoal dos níveis médio e elementar; Ensino de graduação; Educa-ção continuada para pessoal de nível médio na perspectiva dos servi-ços; Capacitação de recursos humanos após a graduação; Integraçãodocente assistencial, hospitais de ensino/centros de saúde/distritosescolas.

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O clima que pairava sobre o cenário da saúde, nessa segunda me-tade dos anos 1980, era de construção coletiva, conforme pode serpercebido nas palavras do então Presidente da República do Brasil,José Sarney, pronunciadas no dia 19 de março de 1986, na sessãosolene de abertura da 8ª CNS.

Aqui estou para integrar-me aos trabalhos desta Con-ferência, que se desenvolve, num grande sentimen-to democrático e com grande espírito de construir(BRASIL, 1987, p.29).

Era também de solidariedade institucional, como é revelado nodiscurso proferido, na mesma solenidade, pelo então Diretor-Geralda Organização Pan-Americana da Saúde, Dr. Carlyle Guerra de Ma-cedo,15 cujas palavras iniciais revelam o posicionamento da Organi-zação em relação ao movimento da Reforma Sanitária Brasileira.

A Organização Pan-Americana de Saúde se solidari-za com esse movimento, com esse esforço, se sentehonrada de haver participado na preparação destaConferência, se sente feliz de compartir sua realiza-ção, e estará presente na implementação das medi-das que aqui se decidam (BRASIL, 1987, p.25).

Tal construção coletiva no setor saúde vinha sendo impulsionadapor um grupo de intelectuais, técnicos de saúde, professores e estu-diosos da questão saúde, que se agregavam em torno da proposta daReforma Sanitária Brasileira. A Nova República encontrava nesse se-tor um movimento sanitário mobilizado e articulado, com acúmulo

15 Carlyle Guerra de Macedo foi eleito Diretor-Geral da Organização Pan-Ame-ricana de Saúde em 1982 durante a XXI Conferência Sanitária Pan-Americanada Saúde. Assumiu o posto em 1º de fevereiro de 1983, no qual permaneceupor três períodos de gestão, até o ano de 1995.

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histórico de alguns anos de luta e um repertório de propostas con-vergentes para um projeto alternativo ao modelo médico-assistenci-al existente, centrado na doença e nas ações curativas. E mais ainda,o novo contexto político brasileiro encontrava, no setor, atores pre-parados e dispostos para atuar no campo político – na perspectiva daconceituação de Bourdieu (2005) –, compreendendo que seria nes-te campo de forças e de lutas que se daria o embate para a transfor-mação das relações entre as forças no setor, como se veria nos desdo-bramentos da 8ª Conferência.

Registre-se que uma das arenas de conflitos e disputas mais im-portantes se situou na esfera da Assembléia Nacional Constituinte.Os defensores da Reforma Sanitária se aglutinaram em torno da Ple-nária Nacional de Saúde. Esta plenária congregava parlamentares,entidades, sindicatos, centrais sindicais, entidades profissionais, par-tidos políticos, secretários de saúde e de assistência social. Seu traba-lho foi de grande importância na mobilização, interlocução e pactu-ação com o Congresso Nacional, no sentido de inserir as teses e pro-postas do movimento sanitário no texto constitucional brasileirohomologado em 1988.

Os ensinamentos de Gramsci sobre o papel dos intelectuais nacriação de um novo bloco histórico ajudam a compreender a arenaem que atuavam os militantes da Reforma Sanitária Brasileira. Naperspectiva gramsciana, observa-se que a Nova República encontra-va um grupo de intelectuais que, reunindo competência técnica as-sociada à ação política, empenhava-se numa luta não apenas pela re-democratização do país na sua dimensão política e econômica, mastambém por mudanças no sistema de saúde que iria significar umaverdadeira revolução no sentido de alargar sua dimensão pública euniversalista.

O conceito de intelectual é abordado na perspectiva em que to-dos os homens são intelectuais, contudo, nem todos desempenham

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na sociedade a função de intelectuais (GRAMSCI, 2000). Para esteautor, a intelectualidade não se define a partir da escolaridade, cultu-ra livresca ou erudição, os critérios para esta condição devem serbuscados nas relações sociais e na sua inserção nas funções organiza-tivas e de direção. Na perspectiva de Morin (2001) os escritores,artistas, advogados, pesquisadores não são enquanto tais, intelectu-ais. Para que assim sejam considerados "é necessário que, a partir,mas para além de sua arte e de sua ciência, auto-instituam-se comotais, isto é, autorizem-se a tratar dos problemas gerais fundamentaisde importância moral, social e política" da humanidade (MORIN,2001, p. 75-76). Portanto, pressupõe sua inserção nos grandes deba-tes da esfera pública. Reconhecendo-se que os militantes da ReformaSanitária Brasileira tinham uma proposta (a despeito das divergênciasentre eles) para reformar o sistema de saúde do país, fundamentadaem criticas ao sistema até então em vigor, e que se autorizaram adivulgar esta proposta para além dos ciclos acadêmicos e penetrandoem diversos segmentos da sociedade, compreende-se nesses militan-tes a ação intelectual discutida no sentido assinalado tanto por Gra-msci como por Morin.

Apoiando-se em Gramsci, Garcia (1989)16 vai ressaltar que a uni-dade intelectual e moral das classes fundamentais elaboradas pelosintelectuais não se restringe ao grupo original, quando este chega aopoder, mas tende a difundir-se com o fim de criar o consenso que lhepermita exercer o poder político. Credita-se que esse foi o processoque ocorreu com o movimento sanitário no Brasil.

Nomeado pelo Ministro da Saúde Carlos Sant'Anna (1931-2003)para presidir a 8ª CNS, Sérgio Arouca, na época presidente da Fun-

16 De acordo com Nunes (1989), este trabalho de Garcia foi apresentado pelaprimeira vez em uma conferência proferida, em 1974, na cidade do Rio deJaneiro. O texto original chama-se "1848: El nascimiento de la medicinasocial".

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dação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), teve destacado papel na luta pelarealização desta Conferência e pela participação da sociedade. "Reu-nir brasileiros para saber e discutir como vivem esses brasileiros, quaisas suas condições de saúde, que melhorias almejam. Deixar de contara saúde pelos números e passar a enxergar cidadãos", era o propósitode Sergio Arouca ao lutar pela abertura da Conferência aos diversossegmentos da sociedade (AROUCA, 2007).

Da realização da 8ª CNS à institucionalização das suas delibera-ções, firma-se uma outra etapa de lutas do movimento sanitário. Du-rante esse período podem ser destacadas a criação da Comissão Naci-onal da Reforma Sanitária (CNRS),17 a constituição da Plenária Naci-onal de Saúde e a instalação da Assembléia Nacional Constituinte.Enfim, no período pós-conferência foi iniciado um complexo pro-cesso de negociações e arranjos políticos em que a participação daslideranças do movimento sanitário foi decisiva para a garantia da ins-crição, na Constituição Federal de 1988, do texto:

a saúde é direito de todos e dever do Estado, garan-tido mediante políticas sociais e econômicas que vi-sem à redução do risco de doença e de outros agra-vos e ao acesso universal e igualitário às ações e ser-viços para sua promoção, proteção e recuperação(BRASIL. 1988, art.196).

Dessa forma foi dado o passo definitivo para a institucionalizaçãodo SUS, orientado pelos princípios da universalidade, eqüidade eintegralidade e pelas diretrizes da descentralização e da participaçãopopular. Na década seguinte, seriam promulgadas as Leis 8.080, de

17 Na 8ª CNS foi aprovado que os ministérios implicados criassem a CNRS paradar encaminhamento ao relatório final da conferência. Medida consideradapreventiva a qualquer possibilidade de engavetamento do citado documento.

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19 de setembro de 1990, e a 8.142, de 28 de dezembro de 1990,que iriam conformar o arcabouço jurídico do SUS. Estes momentosrepresentaram, sem dúvida alguma, o apogeu da história do movi-mento sanitário ou movimento da Reforma Sanitária Brasileira.

2.2 Os intelectuais e a Reforma Sanitária no Brasil:a disseminação de uma visão de mundo

Ao empregar o termo movimento sanitário, pela primeira vez, paradefinir um conjunto de pessoas e grupos partidários ou não, articu-lados ao redor de um projeto com capacidade de reunir as reflexõese ações políticas, Sarah Escorel criou a alcunha para um movimentoque não apenas teve um importante papel na disseminação do pensa-mento da medicina social no Brasil, como também foi um legitimomotor da Reforma Sanitária Brasileira.

Ao justificar o uso do termo "movimento", Escorel advoga que ogrupo de pessoas que se reunia em torno da proposta de reforma dosetor saúde não se constituía em um partido, não era um grupo ins-titucionalizado ou organizado, era algo "que crescia, fluía, aparecia edesaparecia, ou seja, com todas as características de um movimentosocial" (ESCOREL apud FALEIROS et al. 2006. p. 66). Essa autorasustenta que as pessoas se identificavam porque tinham em comumuma mesma abordagem teórica, um mesmo discurso, uma mesmaluta. No entanto, há de se considerar, também, que essas pessoas nãoconstituíam um grupo homogêneo, todavia, apesar das diferenças po-líticas, elas tinham em comum um projeto de mudanças para o setorsaúde, com princípios gerais partilhados. Desse modo, elas se torna-vam parceiras de uma proposta de transformação. Tratava-se, pois, deum movimento que procurava enfatizar uma concepção de mundo,e, portanto, no sentido apontado por Gramsci, (apud GERMANO,

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1984), de uma ideologia que norteava a prática social e política daReforma Sanitária.

De acordo com Bourdieu (2005, p.183), "a simples corrente deidéias não se torna um movimento político senão quando as idéiaspropostas são reconhecidas no exterior do círculo dos profissionais".Analisando-se a trajetória das propostas do movimento sanitário, cu-jos agentes envolvidos na luta pela reforma do sistema de saúde con-seguiram mobilizar forças dentro e fora deste setor, vê-se constituir,na perspectiva do citado autor, um verdadeiro movimento político.

Sergio Arouca corrobora este ponto de vista ao dizer que o movi-mento da Reforma Sanitária nasceu dentro da perspectiva da lutacontra a ditadura militar. Não é possível deixar de fazer alusão ao fatode que, de 1964 a 1985, o país viveu sob a égide de governos milita-res, que, além do cerceamento dos direitos civis e políticos, imple-mentaram um modelo de Estado altamente centralizado. Nesse sen-tido, Melo Filho (2000) lembra que, em suas meditações, Dom Hél-der Câmara costumava dizer: "quanto mais negra a noite, mais carre-ga em si a madrugada". Esta pode ser a síntese da história do movi-mento sanitário brasileiro, uma "madrugada" que nasceu e amadure-ceu durante os nebulosos e noturnos anos da ditadura militar, comobem o diz Melo Filho.

Em sua dissertação de mestrado sobre a origem e articulação domovimento sanitário, defendida em 1987 na Escola Nacional de Saú-de Pública, Sarah Escorel vai dizer que a construção do ideário e doconhecimento que sustentou as propostas políticas desse movimentose deu na academia. É o que a autora vai chamar de vertente acadê-mica do movimento:

Essa vertente elabora, amplia e reproduz o conheci-mento e forma os intelectuais orgânicos da proposta.[...] Muitas vezes também significavam o único es-paço de trabalho possível já que toda uma geração

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recém-formada em saúde pública ou medicina socialnão encontrava nos órgãos públicos (únicos empre-gadores possíveis) qualquer possibilidade de empre-go (ESCOREL apud SILVA, 2003 p. 14).

Escorel (1998) irá atribuir à OPAS um papel decisivo na constru-ção da vertente acadêmica, ou universitária, para a articulação domovimento sanitário, em meados da década de 1970, garantindo es-paços para discussões de teses que ajudaram a construir o ideário daReforma Sanitária Brasileira. Segundo a autora, nesse período surgi-ram e merecem destaques três espaços institucionais que ela deno-mina de pilares institucionais ou estímulos oficiais à estruturação earticulação do movimento sanitário: o setor saúde do Centro Nacio-nal de Recursos Humanos do Instituto de Pesquisa Econômica e Apli-cada (CNRH/IPEA), a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP)e o PPREPS da OPAS.

Nesse mesmo sentido, José Carvalho de Noronha, ex-presidenteda Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva(ABRASCO), em depoimento a Faleiros et al (2006), recorda que omovimento sanitário originou-se de quatro vertentes: a vertente aca-dêmica; a vertente das experiências de gestão dos serviços de saúde;a vertente da estruturação da vida política, ou seja, da assimilação doespírito do movimento sanitário pelos programas dos partidos políti-cos; e a quarta vertente, ou a participação da sociedade no processoda Reforma Sanitária Brasileira.

No mesmo depoimento, Noronha também ressalta a participaçãoda OPAS na constituição da vertente acadêmica:

A academia procurava reinterpretar suas dúvidas emrelação ao movimento da medicina social, da novasaúde pública dos anos de 1970 – que vem principal-mente da OPAS – e que passa a fecundar algumasuniversidades brasileiras [...] com Cecília Donnan-

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gelo, Sergio Arouca, Hésio Cordeiro, Nina PereiraNunes [...] (FALEIROS et al, 2006, p.59).

Profissionais que, segundo ele, recolocaram os serviços de saúdeno mundo da política, de um ponto de vista crítico, com Juan CésarGarcía,18 e de um ponto de vista reflexivo da ciência política, comVicente Navarro19 (FALEIROS, et al, 2006).

A propósito da medicina social, historiadores da medicina e soci-ólogos da saúde têm apontado que as preocupações com um pensa-mento social em saúde não são tão recentes na história da saúde nomundo ocidental. Juan César Garcia, respondendo a perguntas so-bre a história e o significado do termo, frisa que mesmo usado deforma ambígua na época do seu nascimento, no ano de 1848, o con-ceito procurava assinalar a relação da enfermidade com os problemassociais. É o próprio Garcia que ainda informa que nesse ano de gran-des movimentos revolucionários na Europa, o termo medicina socialsurge quase simultaneamente em vários países europeus. Data destemesmo ano, a divulgação do termo pelo Dr. Jules Guérin, na RevistaGazete Medicale de Paris, ao mesmo tempo em que o Dr. RudolfVirchow, através de uma outra revista, introduzia o termo na Alema-nha. Ambas as revistas, de perfil contestador, apoiavam os princípiosfundamentais das revoluções de 1848. Estes movimentos trazem, jun-tamente com as idéias liberais, a "consciência da importância do pa-pel dos fatores sociais para a compreensão dos problemas de saúde edas relações da medicina com os assuntos públicos". Neste momento

18 Foi consultor da Organização Pan-Americana da Saúde na oficina de Washing-ton, no período de 1967 a 1984.

19 Vicente Navarro é atualmente Professor de Políticas Públicas , Sociologia eEstudos de Políticas da Escola de Saúde Pública da Universidade de JohnsHopkins e Professor de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Pom-peu Fabra.

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surge a definição da ciência médica como uma ciência social. "Assim,a medicina social aparece como uma 'concepção moderna', adequa-da às novas formas produtivas que se estavam desenvolvendo na Eu-ropa" (GARCIA, 2007, p.5).

Garcia (2007) também esclarece que o termo será pouco utiliza-do depois desse ano (1848) e somente reaparecerá, quase um séculodepois, nos idos dos anos 1940, na Inglaterra. A partir dessa décadaele se propaga na Europa, porém não consegue penetrar nos EstadosUnidos. Para Juan César Garcia, no ambiente criado pelo marcathis-mo, era impossível adjetivar qualquer coisa como "social", uma vezque podia ser associado com socialismo. Na América Latina, o con-ceito irá ser difundido a partir da década de 1950, quando a OPAScomeça a interessar-se pela reformulação do ensino de medicina pre-ventiva e social.

Nunes (1998) considera que a "arqueologia" do conceito podeser buscada em práticas discursivas que se estendem desde o séculoXVII. Já a sua formalização se dá no final do século XIX e início doséculo XX, com a criação do curso de Medicina Social, em 1881, emMunich; seguido pelo de Harvard, em 1913; pela Escola de SaúdePública de Johns Hopkins em 1916; e do Departamento de Higiene,junto à Faculdade de Medicina e Cirurgia, em São Paulo, em 1918.Todavia, o autor acrescenta, corroborando as informações de JuanCésar Garcia, que foi na metade do século XIX, em 1848, que a ex-pressão medicina social ganhou registro.

Em que pese não fazer parte do escopo do presente estudo apro-fundar a discussão sobre a utilização e pertinência do termo medici-na social e cotejar suas semelhanças e diferenças com a saúde públicae a saúde coletiva, faz-se pertinente, considerando o objetivo destaseção, assinalar algumas concepções de distintos autores acerca dotema. Tais concepções foram destacadas do mapeamento feito porBelisário (2002):

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a. Para Pereira (1983), o objeto da Medicina Social não seriarepresentado por corpos biológicos, mas por corpos soci-ais. Não se trata tão-somente de indivíduos, mas de sujeitossociais, de grupos e classes sociais e de relações sociais refe-ridas ao processo saúde e doença.

b. De acordo com Teixeira (1985), a incorporação das ciênci-as sociais à medicina constituiu a problemática da SaúdeColetiva.

c. Paim (1986), ao discutir o objeto e a prática da MedicinaSocial, afirma que, a partir da década de 1980, a expansãoda Medicina Social no Brasil se dá por meio de um projetoarticulado de ensino e investigação em Saúde Coletiva, ondeo objeto coletivo de saber e de prática da Saúde Pública eda Medicina Preventiva e Social desloca-se das concepçõesde meio ambiente e conjunto de indivíduos para significarum campo articulado de práticas sociais.

Ao escrever sobre o tema, Nunes (1996) constata a convivênciadas três expressões: medicina social, saúde pública e saúde coletiva.Todas, segundo o autor, detentoras de significados específicos. Citan-do Schramm (1993), ele diz que, "intuitivamente, as três expressõesreferem-se a uma mesma realidade de 'reunião' (coletivo), de 'associ-ação' (social), de coisa 'comum' (público)" (NUNES, 1996, p. 57)

Granda (2007) resgata que a medicina social critica a saúde pública,na sua projeção elitista e idealista, na ênfase tecnicista e na vocaçãoconservadora, assim como também ressalta a sua diferença da medici-na preventiva. De acordo com Arouca, citado por Granda, a medicinapreventiva constitui um "movimento ideológico que procurava trans-formar as representações sobre as práticas médicas, sem, contudo, ten-tar ser um movimento político que realmente transformasse estas prá-ticas". Nesse sentido, Granda destaca que a medicina social é tratada

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por Sergio Arouca, em sua tese de doutoramento sobre o dilema pre-ventivista, como "um movimento de modificação da medicina ligada àstransformações da sociedade" (GRANDA, 2007, p.301-302). Nessamesma perspectiva, duas das características da medicina social são des-tacadas por Juan César Garcia (2007): integrar o pensamento social eter compromisso político com as mudanças.

Na segunda metade da década de 1970, várias instituições incor-poraram a abordagem médico-social para a análise dos problemas desaúde. Nessa década, dois estudos foram fundamentais para a cons-trução de uma teoria social da saúde no Brasil: a tese Medicina eSociedade: o médico e seu mercado de trabalho, defendida, em abrilde 1973, na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo,por Cecília Donnangelo (1940-1983), e a tese O Dilema Preventi-vista: contribuição para a compreensão e crítica da Medicina Pre-ventivista, defendida por Sérgio Arouca, no Instituto de Filosofia eCiências Humanas da Universidade de Campinas, em julho de 1976.Ambas as defesas são consideradas, nas palavras de Melo e Filho (2000),o "batismo erudito" do movimento sanitário.

Na tese Medicina e Sociedade: o médico e seu mercado de traba-lho, Donnangelo (1975) trata dos aspectos referentes às modalidadesdo trabalho médico como as formas pelas quais o médico participado mercado e se relaciona com o conjunto de meios de produção eserviços de saúde. Para tanto, a autora faz uma investigação sobre aforma pela qual se organiza o setor de produção dos serviços desaúde.

A obra de Donnangelo é hoje reconhecida como fundamental poraqueles que estudam a profissão médica, sua inserção no mercado detrabalho e seus dilemas frente às políticas públicas. A profundidadeanalítica de seus estudos fez escola e sua produção e as dos seus "her-deiros intelectuais" geraram profundas modificações na organizaçãodo pensamento médico.

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A proposta do estudo de Sergio Arouca "decola", assim lembraAna Maria Tambellini, das experiências de uma Medicina Preventivaproblematizada nos Encontros dos Departamentos de Medicina Pre-ventiva do Estado de São Paulo, realizados no decorrer do períodode 1969 a 1973. Segundo Tambellini, Arouca realizou uma releituradessa experiência de forma cientificamente fundamentada, mas con-servou, "como era sua forma de ser, a correlação da vontade de saberà necessidade de agir" (TAMBELLINI, 2003, p.48).

Esses dois trabalhos contribuíram de forma determinante paraque, a partir da segunda metade da década de 1970, a abordagemmédico-social para a análise dos problemas de saúde fosse reconheci-da academicamente, difundida e propagada nos departamentos demedicina preventiva das universidades. Tais departamentos, assim comoos institutos de saúde coletiva ou de medicina social se constituíramem espaços privilegiados de discussão do ideário da Reforma Sanitá-ria. Dizendo de uma outra forma, esses setores constituíram-se nosporos para a entrada do novo pensamento sobre a saúde, pois foramverdadeiras brechas para se cultivar o conjunto de idéias que vinha seconformando em relação às mudanças e transformações necessáriasao sistema nacional de saúde.

Em concordância com esse raciocínio, Francisco Eduardo Cam-pos, ex-consultor da OPAS em Washington, no período de 1989 a1996, e atual Secretário da Gestão do Trabalho e da Educação doMinistério da Saúde, em depoimento para o livro a Construção doSUS: Histórias da Reforma Sanitária e do Processo Participativo, re-vela que "o recrutamento e a formação inicial de grande parte dosintelectuais orgânicos20 do movimento da Reforma Sanitária se deudentro dos cursos de Residências Médicas. Muitos dos quadros que

20 Categorias criadas pela classe social no processo de sua formação e desenvol-vimento, tendo como papel o reforço e o repasse da ideologia da classe, alémde elevar a consciência da classe à sua função histórica (GRAMSCI,1982).

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lideraram esse movimento se materializaram a partir daí" (FALEI-ROS et al, 2006, p.57).

Nesse contexto, faz-se alusão à criação, em 1973, do programa depós-graduação em medicina social do Instituto de Medicina Social daUniversidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ), que irá cons-tituir, juntamente com a Escola Nacional de Saúde Pública da Funda-ção Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ) e o Departamento de Medi-cina Preventiva da Universidade de Campinas (Unicamp), um dosprincipais pólos de renovação do pensamento crítico em MedicinaSocial da América Latina, na época. Frise-se que depois de 1976,com o deslocamento21 de boa parte dos quadros do Departamentode Medicina Preventiva da UNICAMP para a ENSP e o crescimentodo Mestrado de Medicina Social da UERJ, até o final da década de1970, a maioria da produção teórica da medicina social do país, seconcentrou na cidade do Rio de Janeiro que passou a ser a responsá-vel pela formação de um número significativo de profissionais queiriam ter papel destacado no cenário nacional nas diversas conjuntu-ras futuras.

Assim sendo, cabe discutir um pouco mais sobre as conexões entrea OPAS e o movimento sanitário, procurando compreender o papeldessa Organização na construção da vertente acadêmica, citada porSarah Escorel e José Carvalho de Noronha, no início dessa subseção.

21 A tese de Sergio Arouca, concluída em meados de 1975, permaneceu arqui-vada pelo então reitor da Unicamp, prof. Zeferino Vaz, até meados de 1976.Alguns autores aludem a esta atitude do reitor o motivo da transferência deSergio Arouca para a Fundação Oswaldo Cruz, onde seria acolhido pela Esco-la Nacional de Saúde Pública. Segundo Ana Tambellini, tal procedimento doreitor, denominado por ela de discriminação, não foi exclusivamente exerci-do sobre este trabalho. Assim dizendo, aventa-se a hipótese que a "censura"sofrida pelos trabalhos acadêmicos possa este ter sido um dos motivos prin-cipais que levaram o êxodo de vários profissionais para a cidade do Rio deJaneiro.

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Esta discussão toma como ponto de partida, no presente trabalho, aatuação protagonista do médico, sociólogo e historiador argentino JuanCésar Garcia (1932-1984) no apoio à criação e consolidação de váriosprogramas de pós-graduação de medicina social na América Latina,entre eles o programa de pós-graduação do Instituto de Medicina Soci-al da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

2.2.1 A Contribuição de Juan César Garcia ao Ensino da Me-dicina Social na América Latina

Considerado um dos precursores no campo dos estudos sociais dasaúde na América Latina, Juan César Garcia ingressou na Oficina daOPAS em Washington em 1966, onde trabalhou até o seu falecimen-to, em 1984. Seu primeiro posto de trabalho na Organização foi noDepartamento de Recursos Humanos, onde ele assumiu o encargode realizar um estudo sobre o ensino da Medicina Social e Preventi-va na América Latina, que viria a se tornar o mais importante estudosobre a educação médica na região.

O estudo foi exaustivo e por isso de uma amplitudesignificativa, exigindo esforço e dedicação de váriosanos, de seu autor, em um trabalho essencialmenteindividual. Apesar disso, mesmo assim, Juan César,desde o início, encontrou tempo e colocou seu maiorempenho em promover o desenvolvimento paralelode várias outras atividades de exploração de novaspossibilidades de aplicação das ciências sociais no cam-po da saúde (FERREIRA, apud NUNES, 1989, p. 13).

Os antecedentes desse estudo são detectados na realização de doisseminários organizados pela OPAS, com a finalidade de promoverinovações no ensino de medicina preventiva e social. Sediados, emVinã del Mar, no Chile, em 1955, e em Tehuacan, no México, em

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1956, tais eventos tiveram a participação de várias escolas de medici-na do continente, o que, certamente, contribuiu para firmar o inte-resse da OPAS e de outras instituições internacionais em seguir atu-ando no campo da educação médica.

Ressalte-se que até esse momento não havia estudos avaliativos oudiagnósticos sobre o ensino preventivo e social em tais escolas. Talconfirmação, reforçada pelas recomendações dos seminários menci-onados, resultou no convite do diretor da OPAS a alguns especialis-tas para discutir e aconselhar a Organização em relação aos princípi-os e técnicas aplicáveis para a realização de um estudo sobre o ensinode medicina preventiva e social na América Latina.

Atendendo ao convite, reuniu-se em Washington/DC, em dezem-bro de 1964, um grupo de especialistas que discutiu as bases parauma pesquisa cujos resultados deveriam ser usados como referênciapara orientar as ações da OPAS no campo da educação médica.

Esse estudo, financiado pela OPAS e pela Fundação Milbank,22 sepropunha, inicialmente, a investigar os aspectos preventivos e sociaisda medicina, tendo como objeto de investigação os citados seminári-os ocorridos no Chile e no México, nos anos de 1955 e 1956, res-pectivamente. Contudo, este objetivo inicial foi modificado e passoua ter uma abordagem mais ampla, compreendendo a análise do planode estudos e do processo de ensino. Nessa perspectiva, a educaçãomédica, entendida como "o processo de produção de médicos"(GARCIA, 1972, in NUNES, 1989, p. 171), passaria a ser o objetocentral da análise. Ressalte-se, portanto, que a educação médica eraentendida por Juan César Garcia não como algo isolado, mas comoum processo que se encontra intimamente relacionado à estruturaeconômica predominante na sociedade, onde se desenvolvem e esta-belecem relações com outros processos e, em especial, com a práticamédica.

22 Fundação americana de fomento à pesquisa.

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Sobre este trabalho, Ramón Vilarreal,23 na época assumindo o cargode chefe de recursos humanos da Oficina da OPAS em Washington,assinala:

Con la seriedad y rigor científicos que lo distinguían,Garcia hizo un análisis del proceso de producción demédicos, enfrentando un enfoque estructuralista a lasteorías conductistas del aprendizaje y las nocionessistemáticas que prevalecían en las décadas de loscincuenta y sesenta (VILARREAL, 2007, p. 72).

Para a coleta de dados dessa investigação, realizada entre o finalde 1967 e início de 1968, foram convidadas equipes de pesquisado-res de alguns dos países que fariam parte da amostra do estudo. Res-saltando-se, desde já, o sistema de conexões entre a OPAS e os mili-tantes da Reforma Sanitária Brasileira, registra-se, na equipe brasilei-ra, a presença de um jovem pesquisador brasileiro que no futuro iriaassumir decisivo papel na construção do movimento brasileiro dereconstrução do sistema de saúde e no ensino da medicina social noBrasil: Hésio Cordeiro. Médico sanitarista, Hésio Cordeiro viria aser, no período de 1985 a 1988, Presidente do Instituto Nacional dePrevidência e Assistência Social (INAMPS).

Salienta-se que, ao se percorrer no tempo a produção de JuanCésar Garcia, é possível identificar, já nos seus primeiros trabalhosacadêmicos no campo da saúde, a preocupação de entender a medi-cina no quadro de referências das ciências sociais. Na primeira meta-de da década de 1960, ele centra suas preocupações nos estudos so-bre a prática médica. Assim, registram-se dessa época os seguintestrabalhos: “Autoritarismo em la relación médico-paciente” (1961);“Sociología y Medicina: bases sociológicas de la relación médico-pa-

23 Ramón Vilarreal (México) seria substituído no posto de chefe de recursoshumanos, no ano de 1974, por José Roberto Ferreira (Brasil).

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ciente” (1963); e “Comportamiento de las elites médicas en una situ-ación de subdesarrollo” (1964). Na segunda metade dessa década, eledaria início a um projeto na área da formação de recursos humanosque tinha como interesses o desvendamento do processo de educa-ção médica na América Latina e a discussão de um referencial quepossibilitasse o ensino e a pesquisa das ciências sociais em medicina.

A partir de 1968, portanto, já fazendo parte do quadro de funci-onários da OPAS, Juan César irá iniciar um período de frutífera pro-dução, onde elegerá o estudo da educação médica na América Latinacomo o foco de seu maior interesse. Desse período, registram-se asseguintes publicações: “Paradigma para la enseñanza de las cienciasde la conducta en las escuelas de medicina” (1968); “CaracterísticasGenerales de la Educación Médica en la América Latina” (1969); “LaDecisión de Estudiar Medicina” (1970); “La Educación Médica en laAmérica Latina” (1972); “Las Ciencias Sociales en Medicina” (1972).Com a elaboração destes dois últimos trabalhos, Juan César firmousua posição teórica e seguiu para a sua última fase de produção. Nastrilhas do materialismo histórico, ele irá estudar a articulação damedicina e da educação com a estrutura social histórica (NUNES,1989) e (MÁRQUEZ; OCHOA, 2007). Nesse sentido, o próprio JuanCésar Garcia se pronunciava: "Não existe hoje em dia nenhuma cor-rente importante nas ciências sociais que afirme que a medicina temuma autonomia completa da estrutura social ou das partes, instânciasou elementos que a integram" (GARCIA, 1983. p.97).

Na sua obra “La Educación Médica en la América Latina”, de 1972,ele analisa a educação médica "não como um processo isolado, mascomo um processo histórico, subordinado à estrutura economica-mente predominante na sociedade onde se desenvolve" (NUNES,1989, p.17). Nesse estudo são discutidos pontos fundamentais, comoa não integração entre ensino e trabalho e a pressão enfrentada pelaescola médica, de ser inovadora e ao mesmo tempo ter que se adap-

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tar às exigências do mercado de trabalho. Dilemas que ainda podemser identificados na atualidade dos anos 2000 e somente compreen-didos se contextualizados frente aos desafios impostos à universidadecomo um todo. Isso se considerado que a formação do médico não seconstitui num processo isolado, mas que faz parte de um conjuntode práticas universitárias. Neste sentido, faz-se necessário mencionaro despreparo da universidade para enfrentar os desafios impostos pelasexigências da sociedade e pelas restrições das políticas de financia-mento estatal que se acentuam, a cada conjuntura, especialmente seesses desafios apontam para transformações profundas e não para sim-ples reformas parcelares, como bem refere Santos (2003).

Os anos 1980 serão o período de maturação do pensamento cien-tífico de Juan César Garcia, conforme salienta Miguel Márquez cita-do por Nunes (1989). Nesses anos, encontra-se na produção intelec-tual desse pioneiro das ciências sociais em saúde na América Latina econsultor da OPAS, a preocupação constante em estudar a vincula-ção da medicina com a estrutura econômica e social, ou mais especi-ficamente, a articulação entre a saúde, medicina e sociedade. Algu-mas de suas publicações dessa época são: “Historia de las Institucionesde Investigación en Salud en América Latina”, 1880-1930 (1981);“La investigación en el Campo de la Salud de Once Países de AméricaLatina” (1982); “La Categoría Trabajo en Medicina” (1983) e “Medici-na y Sociedad: las corrientes de pensamiento en el campo de la salud”(1983).

Destacando o pioneirismo do estudo sobre a educação médica naAmérica Latina, realizado por Juan César, o depoimento de José Pa-ranaguá de Santana, consultor de recursos humanos da OPAS, noBrasil, é incisivo quando se refere ao livro “La educación Médica enla América Latina”:

O livro de Juan César García foi o primeiro estudosobre educação médica feito com base nas ciências

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sociais. Com esse livro a educação médica passou aser interpretada como um processo de inserção numdeterminado modo de produção, de valores e de bensna sociedade, por isso é uma referência chave (PI-RES-ALVES; PAIVA, 2006, p.128).

As palavras do próprio Juan César respaldam o comentário ante-rior:

Na América Latina foram feitos alguns estudos com-parativos, tais como sobre ensino da pediatria, em1955, e ciências básicas, em 1955-1957, porém atéagora não havia sido realizado nenhum estudo queabraçasse o ensino em sua totalidade (NUNES, 1989,p.169).

Apesar da preponderante preocupação com a educação médicana obra de Juan César, é importante frisar que não só o ensino médi-co foi alvo do seu interesse e trabalho. Nesse sentido merece serdestacada a sua parceria com a enfermeira brasileira Olga Verderese,então consultora da OPAS, na Oficina de Washington. Com Verdere-se, ele vai desenvolver uma investigação sobre a Decisão de EstudarEnfermagem. A pesquisa foi realizada em 58 escolas superiores deenfermagem. O objetivo principal consistiu em estudar o prestígioda profissão do enfermeiro e a relação entre este prestígio e os fato-res estruturais.

O trabalho na Oficina da OPAS em Washington proporcionava aJuan César grande mobilidade para transitar entre os países, o quelhe dava oportunidades de articular e mobilizar pessoas em torno deum ideal ou de um projeto.

César Vieira, ex-consultor do PPREPS e ex-coordenador do Pro-grama de Políticas de Saúde, da OPAS em Washington, no período de

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1986 a 2005, assim recorda algumas das atividades de mobilizaçãopolítica, de Juan César Garcia, em torno do tema de Medicina Soci-al.

Juan César promoveu o intercâmbio de entidades,faculdades da América Latina com centros impor-tantes que foram precursores da área de medicinasocial nas Américas. Lembro que a primeira ativida-de de que participei com César foi em 1972. Eu par-ticipei de um seminário de "viajero" (como a OPASchamava o seminário itinerante) em que nós fomosvisitar centros na Venezuela, na Guatemala e noMéxico. Depois, fomos ao Canadá e, nos EstadosUnidos, fomos à Pensilvânia. Participamos de umasérie de discussões em Washington sobre o tema damedicina social. Ele fazia muito dessas atividades dejuntar pessoas, fazer seminários etc (CÉSAR VIEI-RA, informações verbais).24

Nesse sentido, torna-se pertinente registrar seu empenho na rea-lização de dois seminários ocorridos nos anos de 1968 e 1978, am-bos em Cuenca, no Equador. Esses eventos se tornaram famosos porter sido de lá que saíram as bases para a criação de três programas depós-graduação em medicina social, que, segundo José Roberto Fer-reira, ex-coordenador do Programa de Recursos Humanos, na Ofi-cina da OPAS em Washington, foram basicamente produzidos e cria-dos por Juan César Garcia (PIRES-ALVES; PAIVA, 2006). Os referi-dos programas foram sediados nas seguintes instituições: Instituto deMedicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ), no Brasil; Universidad Autónoma Metropolitana (UAM) em

24 Entrevista realizada, através do Skype, em julho de 2007. Skype é uma empre-sa global de comunicação via Internet, permitindo comunicação de voz evídeo grátis entre os usuários do software.

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Xochimilco, no México; e a Universidad Central do Ecuador (UCE),em Quito.

É oportuno registrar que além da forte presença de Juan CésarGarcia na criação do programa de pós-graduação do IMS/UERJ, faz-se mister dar vulto ao intenso apoio e colaboração do próprio JoséRoberto Ferreira, já como diretor do Departamento de RecursosHumanos da Oficina de Washington, e do peruano Carlos Vidal Lay-seca, na época consultor da OPAS/ Representação no Brasil.

Com o apoio de Juan César, a primeira turma do Programa dePós-Graduação do Instituto de Medicina Social,25 em 1974, contoucom a participação de cinco alunos originários de distintos países daAmérica Latina, contemplados com bolsas outorgadas pela Organi-zação Pan-Americana da Saúde. Dessa forma, estiveram presentes,nessa turma inaugural, profissionais que posteriormente teriam des-tacada atuação na formulação e implementação de políticas de saúdeem seus países e alguns deles na própria OPAS, como pode ser obser-vado nas resumidas informações profissionais que aqui são apresenta-das: Edmundo Granda, médico epidemiologista equatoriano, se tor-naria um nome reconhecido na medicina social. Na década de 1990,ele entraria para a OPAS como consultor de recursos humanos naOficina Central da OPAS/OMS, em Washington, indo trabalhar, en-tre outras atividades, com a assessoria em Educação Permanente nosServiços de Saúde. Em abril de 2008, data de seu prematuro faleci-mento, Granda exercia o cargo de consultor nacional de RecursosHumanos, Investigação e Bioética na Representação da OPAS/OMS,no Equador, e assessorava vários países, inclusive o Brasil; German

25 Criado no fim da década de 1960 por um grupo de professores da Faculdadede Ciências Médicas da UERJ que percebeu a necessidade de aprofundar esistematizar reflexões sobre as questões de saúde, hoje se constitui num des-tacado centro de formação de intelectuais, pesquisadores, dirigentes acadê-micos e políticos.

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Vargas Martínez, costarriquense, veio a exercer o cargo de Decanoda Faculdade de Ciências Médica Rodrigo Facio da Universidade deCosta Rica, seria consultor da OPAS nesse mesmo país; Jorge FerrerDenis, de El Salvador, que, entre outras atividades, foi reitor de umadas universidades de seu país; Héctor Murcia Pinto, hondurenho,atualmente docente de Psiquiatria da Universidade de Honduras;Jaime Manzanares, nicaragüense, assumiria a direção de epidemiolo-gia do Ministério de Saúde do seu país.

Entre os participantes brasileiros dessa primeira turma de mes-trado estavam muitos profissionais que iriam dar apoio ao movimen-to de construção do SUS, como Reinaldo Guimarães, Fernando La-ender, João Regazzi, Hésio Cordeiro, José Noronha e Nina PereiraNunes – sendo os quatro últimos fundadores do IMS da UERJ. Talsituação revela a peculiar experiência de que, ao mesmo tempo emque as autoridades institucionais trabalhavam na implantação do pro-grama de pós-graduação, elas também investiam na sua própria for-mação. Sobre esta experiência, Carlos Vidal Layseca, ex-consultor derecursos humanos da OPAS no Brasil, recorda que os alunos nãoapenas estudavam, mas também trabalhavam com os professores noplanejamento do curso, definindo os conteúdos e os planos de estu-dos. Para Carlos Vidal Layseca, essa foi uma experiência inesquecívelna sua vida profissional, pois, ao mesmo tempo em que a apoiava,enquanto consultor da OPAS, ele entrava em contato com experiên-cias inovadoras e transformadoras. Tempos depois, levaria esse apren-dizado para o mestrado de saúde pública da Universidade PeruanaCayetano Heredia (LAYSECA, 2004).

A segunda turma do mestrado também seria composta por nomesque iriam assumir papéis importantes na luta pela Reforma SanitáriaBrasileira, na constituição do SUS e na formação de milhares de profis-sionais formuladores de políticas e operadores do sistema de saúde.Entre eles, Paulo Buss, atual presidente da Fundação Oswaldo Cruz;

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Sonia Fleury,26 cientista política que participou, nos anos de 1978 e1979, como pesquisadora da equipe de Sérgio Arouca do Programa deEstudos Socioeconômicos de Saúde (PESES), onde foram constituídasas bases teóricas do movimento sanitário; Marcio Almeida, presidentedo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), de 1987 a 1991, ecoordenador da secretaria executiva da Rede Unida, no período de2001 a 2006; e Roberto Passos Nogueira que assumiria a função deconsultor nacional do Programa de Cooperação Técnica de RecursosHumanos da Representação da OPAS no Brasil, no período de 1980 a1985. Posteriormente, em 1987, Roberto Nogueira iria assumir o car-go de consultor regional para o programa de recursos humanos emsaúde na Oficina Central, em Washington. Talvez se possa afirmar queeste processo de formação tenha tido importância fundamental na in-serção desses profissionais no movimento da Reforma Sanitária. Se as-sim foi, ressalta-se, mais uma vez, o papel da vertente acadêmica naindução do movimento sanitário.

Sobre a contribuição da OPAS à formação de profissionais no cam-po da medicina social, Roberto Passos Nogueira assim se pronuncia:

Formava-se pessoal em áreas estratégicas, e uma de-las a mais importante, era a saúde pública, ou saúdecoletiva, ou medicina social. Essa política estava mui-to ligada ao nome de Juan César Garcia. [...] Esta foiuma novidade que apareceu no começo dos anos 1970,porque o que se tinha antes era algo muito mais higi-enista, preventivista – de médicos para médicos. Nadécada de 1970 começam a perceber que as ciênciassociais em saúde dariam uma outra visão a quem atu-ava nesse campo (PIRES-ALVES; PAIVA, 2006, p.127).

26 Aluna do Mestrado em Sociologia do Instituto Universitário de Pesquisa doRio de Janeiro, apenas cursou algumas disciplinas na segunda turma do IMS.

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Em relação ao papel de Juan César na difusão das ciências sociaisna saúde, na América Latina, Everardo Duarte Nunes, cientista soci-al, autor de vários livros, entre eles o intitulado "Juan César García:pensamento social em saúde na América Latina", é enfático em seucomentário.

Pioneiro das ciências sociais em saúde na AméricaLatina, Juan César liderou a partir da segunda meta-de da década de 60 o movimento intelectual nessecampo. Com uma invejável capacidade de trabalho,conseguiu não somente produzir uma obra fundamen-tal como também estimular a formação e acompa-nhar a consolidação de importantes núcleos de me-dicina social (NUNES, 1989, p.13).

Quanto à sua atuação no desenvolvimento e difusão do ensino damedicina social na América Latina, Carlos Vidal de Layseca assim sepronuncia:

Creador de los postgrados de la medicina social enLatinoamérica, logró desarrollar un grupo enorme depersonas especiales que marcó fuertemente mi vidacomo médico dedicado a la Medicina Social, colectivay como persona, pues me afirmó en mis conviccionessolidarias y en mis sueños de un camino diferente parala salud en mi país (LAYSECA, 2004, p. 19).

Nesse mesmo sentido, José Roberto Ferreira27 recorda:

[...] Juan César avanzó más allá de las facultades deMedicina en su pensamiento y tuvo una honda preo-

27 José Roberto Ferreira trabalhou na Oficina da OPAS em Washington de 1969a 1996. Neste período, ele esteve à frente e daria o apoio institucional a váriasiniciativas referidas neste estudo, tais como: a criação do Centro Latino-Ame-

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cupación por la Universidad como espacio de creaci-ón, de desarrollo, de formación, de trabajo compro-metido. La universidad latinoamericana como un todofue su principal y último objeto da trabajo (FERREI-RA, 2007, p.77).

A preocupação de Juan César com a socialização do conhecimen-to era evidente, como pode ser observado nas palavras de AlbertoPellegrini:

Naquela época, por vários motivos, o acesso à litera-tura não era fácil. Juan César García preparava umaespécie de bibliografia selecionada, que enviava agrupos e pessoas de toda a América Latina. Líamosavidamente as cópias de artigos de Michel Foucault,[Michel] Pollack e outros autores que ele enviava comcomentários (PIRES-ALVES; PAIVA, 2006, p.128).

Nesse mesmo sentido, Ana Tambellini reforça "a colaboração soli-dária, sábia e obstinada de Juan César Garcia" (TAMBELLINI, 2003,p.51) ao fornecer materiais de leitura cujo acesso a ditadura militartornava difícil ou impossível. Segundo a autora, a descoberta de umaMedicina Social "soou como uma possibilidade de saída dos limitesdisciplinares e oficiais de Preventiva" (2003, p. 52).

Ressalte-se, nesses anos de estado militar, a luta de grupos de re-sistência e de luta pelo estado de direito dentro e fora das institui-ções de ensino e do campo da saúde propriamente dito, era uma

ricano de Tecnologia Educacional para a Saúde (Clates, 1972-1973); a implan-tação do Programa Estratégico de Pessoal em Saúde (PPREPS, 1976-1982);a instalação do Programa de Adestramento em Saúde para o Centro Américae Panamá (Pascap, 1978-1979); a criação do Programa de Treinamento emSaúde Internacional (1985-1995); e a realização do Curso Latino-Americanode Recursos Humanos em Saúde (1992).

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dramática realidade, portanto, o acesso a qualquer bibliografia, diga-mos, assim, questionadora da situação estabelecida; era uma missãocomplicada.

Por meio do espaço da OPAS, Juan César irá possibilitar a partici-pação de nomes, como Michel Foucault e Ivan Illich, no mestrado doIMS/UERJ, promovendo, conforme revelam as palavras de RobertoPassos Nogueira em entrevista ao Projeto A História da CooperaçãoTécnica de Recursos Humanos no Brasil,28 realizado no ano de 2005,"uma oportunidade única para nós, alunos, o contato com esses re-volucionários do pensamento" (PIRES-ALVES; PAIVA, 2006, p.127).

Também se faz oportuno colocar em perspectiva a reflexão deRoberto Passos Nogueira sobre a presença do pensamento dessesautores no ideário do movimento sanitário. Para ele, o contato comesses autores foi de fundamental importância, na medida em que elestrouxeram fundamentação para pensar as questões da saúde, das en-fermidades e da estruturação ou nascimento das clínicas e dos hospi-tais, como também problematizava a questão da medicalização. Con-tudo, para o movimento sanitário, o pensamento desses autores nãoteve decisiva importância. Segundo sua reflexão, tanto o grupo deJuan César Garcia quanto o grupo brasileiro do movimento sanitárioforam mais inspirados pela abordagem sociológica de autores, comoGiovanni Berlinguer,29 do que pela linha crítica e filosófica de Michel

28 Para mais informações ver o livro “Recursos Críticos: História da CooperaçãoTécnica OPAS-Brasil em Recursos Humanos para a Saúde (1975-1988)”.

29 Giovanni Berlinguer professor de medicina da Universidade de Roma, publi-cou diversos livros tratando de temas variados como a relação ente psiquiatriae poder, as instituições previdenciárias, a saúde nas fábricas, a política da ciên-cia, a mortalidade infantil, as doenças na área metropolitana. Um dos seuslivros mais vendidos no Brasil, Medicina e Política, publicado pelo CEBES-HUCITEC, tem como fio condutor a relação entre medicina e política. Há nolivro "toda uma idéia de saúde como assunto de interesse da coletividade, e detodo um conceito profundo de democracia como liberdade de ação das orga-

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Foucault e de Ivan Illich. "É possível que a presença desses dois últi-mos autores nos currículos fosse justificada mais por curiosidade in-telectual do que como inspiradores de uma ação política" (ROBER-TO PASSOS NOGUEIRA, informações verbais).30

Através desses distintos depoimentos é possível cogitar que JuanCésar García soube utilizar o seu espaço de consultor de uma organi-zação, como a OPAS, para promover diversos seminários, estimular acriação de mestrados em medicina social, divulgar bibliografias, en-fim, criar uma rede constituída de centros, universidades e escolascom o propósito de difundir a abordagem da medicina social e in-centivar o seu desenvolvimento na América Latina. Na verdade, esta-va em marcha um projeto político pedagógico de formação em me-dicina social que ia de encontro à visão mais individualista, mais clí-nica, da chamada medicina preventiva. Além disso, também pode-sedizer que, compreendendo a categoria campo, conforme assinalaBourdieu (1996), estava em marcha a reestruturação de um campointelectual e político com a entrada de novos atores com novas posi-ções, interesses e perspectiva de ação. Esses atores iriam se espraiarem vários países e em várias instituições.

Alerta-se para um possível equívoco ao se pretender interpretar aatuação de Juan César Garcia sem considerar a sua inserção na orga-nização que o albergava. Fazer isso, seria esquecer o capital políticoadquirido pela OPAS, nos longos anos de sua existência, e a sua capa-cidade de delegar este capital aos seus representantes. De acordocom Bourdieu (2005), diferente do capital pessoal que desaparececom o seu portador, o capital delegado da autoridade política é comoo do sacerdote, do professor, do funcionário. Na verdade, ele é pro-

nizações políticas, sindicais e culturais dos trabalhadores e do povo, muitosignificativos para o conjunto do movimento democrático em nosso país"(COSTA FILHO, 1983).

30 Entrevista realizada em Salvador (BA), em julho de 2007.

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duto da transferência limitada e provisória de um capital detido econtrolado pela instituição e somente por ela. Todavia, faz-se misterfrisar que a legitimidade de uma instituição se constrói mediante umprocesso social, o que implica a atividade de atores que nele se cons-tituem. De acordo com Testa (1997), não há atores legitimadorespré-formados. É nesta perspectiva dialética que este trabalho procu-ra compreender a atuação de Juan César Garcia e de outros profissi-onais dentro e em parceria com a OPAS.

Sintetizando a contribuição de Juan César para o processo de cons-trução da medicina social, Francisco Campos, ex-consultor da OPASem Washington e atual Secretário de Gestão do Trabalho e da Educa-ção na Saúde do Ministério da Saúde, destaca:

Acho que talvez ele seja o cara mais orgânico emtermos da construção de um projeto, que foi o projetoda medicina social latino-americana [...] Se você fizeruma identificação arqueológica, seguindo pelo grupoda Asa Cristina Laurel31 no México; de Jaime Breilh,32

no Equador; de Edmundo Granda, também noEquador; do Escudeiro,33 na Argentina, da CecíliaDonnangelo, em São Paulo; de Sergio Arouca, em

31 Epidemiologista, autora de vários livros publicados, entre eles, Estado e Polí-ticas Sociais no Liberalismo. Em estudo comparativo entre as realidades deCuba, México e Estados Unidos, Asa Cristina Laurel reafirma a tese que asaúde é resultado de processos sociais vivenciados pelas populações e não umfenômeno meramente biológico.

32 Médico epidemiologista. Consultor do Centro de Estudos e Assessorias emSaúde (CEAS) de Quito, Equador. Um dos mais respeitados autores sobre ocampo da epidemiologia. Um dos seus estudos aborda a contribuição docontinente ao debate teórico da complexidade da hegemonia e da contra-hegemonia no campo da saúde pública e da epidemiologia.

33 José Carlos Escudeiro, Argentino. Professor do Mestrado de Medicina Socialda UAM-Xochimilco.

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Campinas, de Hésio Cordeiro, na medicina social doRio; e de Domingos Gandra,34 em Belo Horizonte;você encontrará, em todos eles, traços, do trabalhode Juan César Garcia. Todos eles estiveram, emalgum momento, envolvidos em alguma coisa comele (FRANCISCO CAMPOS, informações verbais).35

E complementa, referindo-se ao processo brasileiro: "Juan CésarGarcia, a meu ver, é o avô do SUS" (FRANCISCO CAMPOS, infor-mações verbais).36

Faz-se pertinente pontuar que a OPAS é estruturada de maneiraque todo o poder depende de um diretor que é eleito e que, teorica-mente, tem a prerrogativa de organizar a secretaria (Oficina Central)da maneira como melhor lhe convier. Ele também tem a obrigaçãode responder às decisões tomadas pelos países, de forma coletiva,durante as reuniões dos corpos diretivos, ou de forma individual,quando as questões se referem às ações no território de cada umdesses países. Assim sendo, a atuação continental de Juan César Gar-cia deve ser compreendida considerando-se a OPAS na perspectivade espaço social, multidimensional, um conjunto aberto de camposrelativamente autônomos, ou seja, subordinados quanto ao seu fun-cionamento e às suas transformações a um outro campo de poder(BOURDIEU, 2005). E mais, como uma organização que "no interi-or de cada um dos subespaços, os ocupantes das posições dominantese os ocupantes das posições dominadas estão ininterruptamente en-volvidos em lutas de diferentes formas, sem por isso se constituíremnecessariamente em grupos antagonistas" (BOURDIEU, 2005, p.153).

34 Domingos da Silva Gandra Junior, antropólogo. Professor de Ciências Sociaisda UFMG.

35 Entrevista realizada em Brasília, em julho de 2007.36 Idem.

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A partir dessas considerações, ressalta-se que nesta tese, compre-ende-se a OPAS como espaço de poder e de campos de forças queestão distribuídos em estruturas capazes de dialogar com os camposrelacionais, podendo abrigar ideologias diversas, assim como tensõesem torno de idéias e projetos.

Dessa forma, não será equivocado reafirmar que, a despeito daintensa capacidade de produção desse agente de ação chamado JuanCésar Garcia, o seu poder de fazer ver, crer e difundir uma crença ouum pensamento estava estreitamente relacionado com a sua posiçãode consultor de uma organização que interage com os países e pro-move a troca de experiências entre os mesmos.

Por outro lado, a forma de atuação desse inquieto agente assinala-va a existência de processos contra-hegemônicos no interior da pró-pria Organização. É importante registrar que numa época em que osprogramas de cooperação internacional se limitavam a oferecer as-sessoria técnica através da concessão de bolsas de estudo e, em pro-porções limitadas, subvenções para o financiamento de programaspré-estabelecidos e nos moldes dos programas dos países desenvolvi-dos, Juan César vai questionar este enfoque paternalista. De acordocom Ferreira (2007) ele vai enfrentar oposição de grupos mais con-servadores nos países e obstáculos dentro da própria OPAS. Contu-do, a reputação e o prestigio adquiridos por esse consultor, possibili-taram-lhe mobilizar uma multiplicidade de apoio e uma rede de rela-ções mais ou menos institucionalizadas que foram de muita utilidadepor ocasião dos embates institucionais.

A capacidade de mobilizar experiências, o que Francisco Cam-pos, em entrevista para este trabalho, chamou de "sistema de vasoscomunicantes", é também objeto de reflexão no depoimento de MarioRovere, ex-consultor da OPAS em Washington. Nesse sentido, esteúltimo se pronuncia sobre o papel do agente de cooperação técnicadizendo:

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A imagem que eu tenho de um consultor é de umcontrabandista de idéias. Você vai a um país e pegauma idéia, depois vai a outro país, toma essa idéia eoferece de outra forma. E assim vai conectando omundo (MARIO ROVERE, informações verbais).37

2.2.2 O "sistema de vasos comunicantes"

Aparentemente insignificante como fato que possa sustentar a rela-ção da OPAS com as instituições formadoras do pensamento domovimento sanitário brasileiro, contudo, cheio de significados paraaqueles que "compreendem que qualquer fragmento da vida con-tém a totalidade do destino e pode servir para representá-lo" (BOUR-DIEU, 2005, p.67), são destacados alguns fragmentos das históriasprofissionais de quatro sanitaristas brasileiros: Hésio Cordeiro, Sér-gio Arouca, José Paranaguá de Santana e Roberto Passos Nogueira.As relações desses profissionais entre si e com a Organização expres-sam, de certa forma, a rede de comunicações que se tornou umamarca do Programa de Desenvolvimento de Recursos Humanos daOPAS/Representação no Brasil.

Sem pretender estabelecer qualquer ordem de prioridades, co-meçar-se-á por Hésio Cordeiro. Médico sanitarista, um dos fundado-res do IMS/UERJ, coordenador do Mestrado em Medicina Social ediretor do IMS, no período de 1983 a 1985. Ele foi uma das princi-pais lideranças do movimento da Reforma Sanitária Brasileira, tendopresidido, de 1985 a 1988, o INAMPS, posição que se constituiu deimportância estratégica para a desestruturação do antigo sistema desaúde e para a conseqüente emergência e construção do SUS. Emmais de uma ocasião ele atuou como consultor temporário para aOPAS e participou, igualmente, em várias reuniões de grupos técni-cos da Organização. Sua aproximação com Juan César Garcia data de

37 Entrevista realizada em Salvador (BA) em julho de 2007.

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meados da década de 1960, quando participou da investigação sobrea educação médica na América Latina. Nos primeiros dias do Gover-no Sarney (1985-1990), ele foi convidado para coordenar o progra-ma de Investigações da

OPAS, em Washington, cargo que já havia sido ocupado por JuanCésar Garcia. Porém, nessa mesma ocasião ele foi convidado paraassumir o INAMPS, assim, desistiu do convite da OPAS, que haviainicialmente aceitado.

Sergio Arouca, médico e sanitarista que ficou conhecido comoum dos intelectuais mais proeminentes da Reforma Sanitária Brasi-leira, lecionou no Departamento de Medicina Preventiva e Social daFaculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, onde defendeu seutrabalho de doutorado, como já foi dito neste texto. Problemas coma UNICAMP, provavelmente devido ao arquivamento de sua tesedurante um ano, levam Arouca para a Escola Nacional de Saúde Pú-blica, onde, em 1982, foi eleito chefe do Departamento de Planeja-mento da Escola. Em 1985, foi indicado candidato à Presidência daFIOCRUZ por um movimento da comunidade de Manguinhos e poruma frente suprapartidária, reforçada pelo então secretário-geral doMinistério da Saúde, Eleutério Rodriguez Neto e pela médica sanita-rista Fabíola Aguiar Nunes. Arouca também prestou consultorias paraa OPAS, atuando em vários países: Brasil, México, Colômbia, Hon-duras, Costa Rica, Peru e Cuba. Em 1980, ele foi convidado pelaOPAS para trabalhar na construção do sistema de saúde da NicaráguaSandinista,38 como consultor temporário da Organização. Sua apro-ximação com Juan César Garcia data da época que ainda era profes-sor da Unicamp, na primeira metade da década de 1970.

38 Em 19 de junho de 1979, houve a tomada do poder na Nicarágua pela FrenteSandinista de Libertação Nacional (FSLN), que derrotara a ditadura Somoza.A revolução sandinista é considerada a última revolta popular armada a derro-tar um governo títere do imperialismo naquele milênio.

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José Paranaguá de Santana, médico e sanitarista, mestre em medi-cina tropical pela Universidade de Brasília, entrou para o quadrofuncional da Organização no final de 1979. Antes disso, em 1976,atuava como coordenador local de projeto de medicina comunitáriada UnB realizado em Planaltina. Sua aproximação com muitas daslideranças da Reforma Sanitária se deu a partir da sua entrada naOPAS, quando foi contratado para integrar a equipe do Programa dePreparação Estratégica em Saúde. A convite de Hésio Cordeiro, exer-ceu, no período de 1985 a 1988, a direção do Departamento deRecursos Humanos do INAMPS. Dessa posição, apoiaria política efinanceiramente a implantação do Projeto CADRHU, no ano de 1987,através da realização de sete cursos macrorregionais, conforme édemonstrado na terceira seção deste trabalho. Seria um dos mais pro-ativos articuladores da criação da rede de Núcleos Universitários,criados para apoiar o processo da Reforma Sanitária Brasileira. De-pois de sua saída do INAMPS, antes de voltar a assumir o contratocom a OPAS, ele permaneceu por 10 meses como assessor do secre-tário de Serviços do Ministério da Previdência e Assistência Social,Dr. Saraiva Felipe.39

Roberto Passos Nogueira, médico e sanitarista, recém-saído domestrado de Medicina Social, do IMS/UERJ, em 1977, foi para Bra-sília trabalhar na assessoria de recursos humanos do Ministério daSaúde, que pode ser considerada o embrião do que hoje é a secreta-ria de gestão do trabalho e de educação na saúde. Em 1980, quandose dá o início da segunda fase do PPREPS,40 ele iria ingressar noquadro de consultores da OPAS. Nogueira, como ele mesmo afirma,nunca assumiu papel de liderança no movimento sanitário brasileiro;

39 Saraiva Felipe, médico, mestre em saúde pública, assumiu, no período dejulho de 2005 a março de 2006, o cargo de Ministro da Saúde do primeiroGoverno de Luiz Inácio Lula da Silva.

40 Discutido na seção 3 deste livro.

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no entanto, sempre teve forte atuação nos "bastidores", tornando-seum importante intelectual na área da saúde coletiva. Sua dissertaçãode mestrado, intitulada Medicina Interna e Cirurgia – a FormaçãoSocial da Prática Médica, foi orientada por Sergio Arouca. Essa par-ceria voltaria a se repetir, várias vezes, entre tantas, na organização da8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, na qual Nogueira, agoracomo coordenador de Serviços e Infraestrutura da OPAS/Repre-sentação no Brasil, foi um dos membros da comissão organizadora,compondo a comissão de relatoria geral do evento.

Direcionando o olhar para o campo institucional, ou para os ato-res coletivos, contudo, ainda na trilha da investigação das conexõesda OPAS com o movimento sanitário, percebe-se, na segunda meta-de da década de 1970, o surgimento de duas entidades consideradasde vital importância na politização do debate sobre a Reforma Sani-tária Brasileira: o CEBES, criado em 1976, e a ABRASCO, fundadaem setembro de 1979. Estas duas entidades vão se constituir na prin-cipal expressão do campo de saúde coletiva nessa época.

Criadas em um período caracterizado por manifestações de di-versos segmentos da sociedade civil, que vão, progressivamente, seintensificando com o processo de abertura política, essas entidadesvão integrar as lutas da classe média intelectual, por espaços científi-cos e políticos.

Por muitos anos, o CEBES foi o núcleo da inteligência do movi-mento sanitário. Tendo como lideranças: Eleutério Rodrigues, Ser-gio Arouca e David Capistrano Filho (1948-2000), a atuação do CE-BES ultrapassou a linha divisória do círculo de sanitaristas, envolven-do vários intelectuais dedicados ao estudo das políticas públicas econseguindo absorver o pensamento que vinha de vários movimen-tos sociais urbanos, das associações de moradores, da igreja, do sindi-calismo, enfim, de todos aqueles que estavam pensando criticamentea questão da Saúde e da democratização da sociedade brasileira. Seu

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principal veículo de divulgação, a revista Saúde em Debate se tornouum dos principais responsáveis pela difusão dos novos conceitos eidéias para a saúde, que ganharam força e conquistaram milhares deprofissionais e estudantes em todo o país, que se aglutinavam em de-fesa dos princípios da Reforma Sanitária Brasileira.

A ABRASCO resultou da decisão de um grupo de intelectuais,docentes, pesquisadores e lideranças da área de saúde coletiva, comforte capacidade de produção de conhecimentos e mobilização,muitos deles militantes do movimento sanitário brasileiro, reunidosem torno da idéia de criar uma nova entidade que expressasse asnovas ansiedades da área, conforme pode ser observada no depoi-mento, a seguir, de um dos entrevistados:

O fato é que havia, na época, uma articulação em tor-no da necessidade de se criar uma entidade que con-gregasse a chamada nova saúde pública brasileira e umacerta busca para superar o tradicionalismo, e um cer-to conservadorismo, que existia na entidade que con-gregava a saúde pública brasileira até aquele momen-to, que era a Sociedade Brasileira de Higiene e SaúdePública (JOSÉ PARANAGUÁ DE SANTANA, infor-mações verbais).41

Assim, a ABRASCO nasce sob a inspiração da revisão e crítica dosmarcos conceituais que referenciavam os campos da Saúde Pública,Medicina Preventiva e Medicina Social. Nesse contexto, discutia-seque o nome Saúde Coletiva poderia ser um nome mais abrangentepara albergar melhor a inclusão de outros profissionais de saúde e deoutras áreas, como os cientistas políticos e sociais, entre outros. Elasurge como uma entidade de apoio à pesquisa e aos departamentosde saúde coletiva das universidades. Entre os seus principais objeti-

41 Entrevista realizada em Brasília, em junho de 2007.

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vos, estava congregar os interesses dos cursos de pós-graduação naárea da Saúde Coletiva, tendo em vista o aprimoramento, o inter-câmbio, o financiamento, a qualificação, a disseminação e a definiçãodo ensino e da pesquisa em Saúde Coletiva.

O estudo de Belisário (2002), no entanto, demonstra que essaassociação mantém, desde a sua criação, a preocupação com a for-mulação e o acompanhamento da política de saúde do país. Segundoessa autora, ao atuar no campo da formação de recursos humanos eno campo da formulação de políticas de saúde, a ABRASCO con-quistou legitimidade perante o mundo acadêmico e perante a socie-dade, tornando-se, em vários momentos, a porta-voz de alguns deseus segmentos. Ao iluminar os diversos papéis, entre eles os de for-muladora, interlocutora, grupo de pressão e parceira, assumidos pelaABRASCO nos diversos contextos brasileiros, Belisário frisa:

O reconhecimento da ABRASCO como um impor-tante grupo de pressão, de presença marcante, a con-duz a um lugar de respeito perante os seus interlo-cutores, o que faz com que 'quase nada na área deSaúde Coletiva, que tem a ver com formulação depolíticas, ou com mudança na política, ou com resis-tência na política... que você não tenha que contarcom a ABRASCO' (BELISÁRIO, 2002, p.82).

Na década de 1980, a Associação iria destacar-se no papel de ela-boração e encaminhamento das propostas de reformulação do setorsaúde. A publicação, em 1985, do documento Pelo Direito Univer-sal à Saúde: contribuição da ABRASCO para os debates da 8ª Confe-rência Nacional de Saúde, de 1986, tornou-se um dos documentosmais lidos nas etapas das pré-conferências, não apenas pelos seus as-sociados, mas também por toda a comunidade científica da saúdecoletiva. Elaborado pela Comissão de Política de Saúde da ABRAS-CO, este documento, além do apoio financeiro dado pela OPAS, con-

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tou com a colaboração de Roberto Passos Nogueira, que, na época,como já foi informado neste texto, exercia uma das coordenações daOrganização.

A Comissão de Políticas de Saúde era constituída por: AméliaCohn, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade deMedicina da Universidade de São Paulo; Carmem Fontes Teixeira,do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medici-na da Bahia; Madel Terezinha Luz, do Instituto de Medicina Social daUniversidade do Estado do Rio de Janeiro; Maria Eliana Labra, daEscola Nacional de Saúde Pública do Rio de Janeiro; Regina MariaGiffoni Marsiglia, do Departamento de Medicina Social da Faculda-de da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Além desses membrosda comissão participaram da elaboração do documento: Sônia MariaFleury Teixeira, representante da diretoria da ABRASCO e RobertoNogueira, da OPAS.

A relação do Programa de Cooperação em Desenvolvimento deRecursos Humanos da OPAS-Representação no Brasil com a ABRAS-CO data da origem do movimento que resultou na criação dessa Asso-ciação. Nesse movimento, o então grupo do PPREPS/OPAS vai ter oimportante papel de incentivar o processo e albergar reuniões secretasonde participavam pessoas que possuíam empatia política e ideológicacom partidos de esquerda e em cuja liderança já se destacava SergioArouca, então militante do Partido Comunista Brasileiro.

Um dos entrevistados, ressaltando o papel da OPAS em promovero intercâmbio das idéias e das experiências, assim recorda a partici-pação da Organização na criação da ABRASCO:

Nesse momento estava começando a se fortalecer omovimento sanitário. A gente tinha experiênciasmuito bacanas em Londrina, em Campinas, São Pau-lo, Porto Alegre. A OPAS desempenhou um impor-tante papel em facilitar a discussão desse pessoal, fa-

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cilitar o intercâmbio entre eles e assim apoiar a cri-ação da ABRASCO (CESAR VIEIRA, informaçõesverbais).42

É oportuno ressaltar que a criação da ABRASCO foi oficialmentereconhecida durante a I Reunião sobre Formação e Utilização dePessoal de Nível Superior na Área da Saúde Pública, realizada em 27de setembro de 1979. Promovida pela OPAS e pelos Ministérios daEducação, Saúde, Previdência e Assistência Social, essa reunião tevecomo sede o prédio da OPAS, em Brasília.

O propósito oficial explicitado pelo evento fazia referência aoapoio da articulação entre as instituições de ensino e pesquisa emSaúde Coletiva com a comunidade técnica/científica e destas com osserviços de saúde, com as organizações governamentais e não gover-namentais, e também com a sociedade civil. Contudo, sobre o seureal objetivo, assim se expressa um dos participantes:

Discutir o tema das necessidades, oferta e demandade formação em saúde pública era a intenção formal,ou o objetivo declarado dessa reunião que albergavaum objetivo político que não poderia ser explicitadonaquele momento, que era a criação de uma entida-de que congregasse e que desse o curso ao movi-mento sanitário progressista e vanguardista daquelemomento (JOSÉ PARANAGUÁ DE SANTANA,informações verbais).43

A reunião não foi realizada na OPAS por mero acaso, conformedeixa transparecer as palavras seguintes:

42 Entrevista realizada, através do Skype, em julho de 2007.43 Entrevista realizada em Brasília em junho de 2007.

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A OPAS, com esta característica de ser uma organi-zação internacional com certa neutralidade no país,sediou esta reunião. A articulação política interna foifeita pelo Carlyle [de Macedo] que era o coordena-dor do PPREPS (JOSÉ PARANAGUÁ DE SANTA-NA, informações verbais).44

Ilumine-se, no depoimento do entrevistado, o movimento de ar-ticulação na política interna da Organização realizada por um dosseus destacados consultores e coordenador de um dos mais expressi-vos programas de cooperação técnica, na época, com o governo bra-sileiro. É possível que esta necessidade de articulação sugira opiniõescontrárias dentro da própria OPAS, em relação ao propósito nãodeclarado da reunião.

Carlyle Guerra de Macedo, naquele momento, coordenador doGrupo Assessor Principal do PPREPS, foi um partícipe expressivona criação da ABRASCO, conforme deixa transparecer alguns depo-imentos para este trabalho e outros encontrados no estudo de Belisá-rio.

Uma reunião lá na OPAS, uma reunião sobre recur-sos humanos em Saúde Pública, que se organizou naOPAS, eu me lembro bem da presença forte do Car-lyle e do Roberto Passos Nogueira (BELISÁRIO,2002, p. 63).

A criação da ABRASCO foi de especial importância para a inser-ção de novos profissionais interessados no tema saúde coletiva. Sobrea reunião de sua criação e como esse momento repercutiu na suatrajetória profissional, assim se pronuncia um dos entrevistados, naépoca um jovem sanitarista recém-ingressado na OPAS:

44 Idem

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Eu tive o privilégio de ser o ponto focal da organiza-ção dessa reunião, em termos mais logísticos, por-que inclusive, eu não tinha experiência, nem tinhauma inserção política destacada nesse contexto, naépoca. Mas tive a sorte de ser chamado para ser oorganizador operacional dessa reunião. Isso foi umaoportunidade valiosa para minha vida profissionalfutura, porque nessa oportunidade eu travei conhe-cimento e me tornei amigo de muitas pessoas quefizeram a história da saúde pública brasileira nos úl-timos 50 anos e com o apoio e orientação deles, meengajei nesse movimento até hoje (JOSÉ PARANA-GUÁ DE SANTANA, informações verbais).45

A parceria entre a OPAS/Representação no Brasil e a ABRASCOse firmaria no decorrer dos anos, tendo a Organização, inclusive,apoiado várias atividades da Associação, como a realização de con-gressos, confecção e publicação de documentos e artigos técnicos/cientificos.

Diante do exposto, cabe a pergunta: Como explicar a relação dosintegrantes do grupo de recursos humanos da OPAS/Representaçãono Brasil com a militância da Reforma Sanitária? A esse respeito sepronuncia um dos entrevistados:

Creio que essas coisas somente podem ser explica-das pela dinâmica da política não institucional, ou seja,seria um equívoco procurar reduzir essas relações aum Acordo Institucional, a um movimento partidá-rio ou a uma decisão de gestão. Ao fazer esta reduçãovamos deixar de perceber a essência do que está acon-tecendo e enxergar apenas um dos lados do processo

45 Entrevista realizada em Brasília em junho de 2007.

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[...] (ROBERTO PASSOS NOGUEIRA, informaçõesverbais).46

Continuando com esta mesma linha de raciocínio, Francisco Cam-pos, referindo-se ao sistema, denominado por ele de "vasos comuni-cantes", onde se articula as relações entre as instituições, entre aspessoas e entre estas e as instituições, acrescenta:

A criação da ABRASCO foi uma coisa urdida dentroda OPAS [...], eu não acho que esta tenha sido umaação típica da OPAS [...] tem essa questão da cumpli-cidade pessoal e em processos como esse processo émuito difícil separar o que é ação especifica da OPASdo que é ação individual de pessoas que se relacioname que militam. Eu citaria a criação da ABRASCOcomo uma dessas experiências (FRANCISCO CAM-POS, informações verbais).47

Perseguindo a idéia do "sistema de vasos comunicantes", ele res-salta a capacidade política da OPAS em mobilizar experiências. Nes-se sentido, ele vai destacar a atuação de José Roberto Ferreira à fren-te do Departamento de Recursos Humanos da Oficina da OPAS emWashington e aventar que a experiência de Xochimilco, as reformasde currículo na América Latina, apoiadas pela Organização, e até aprópria trajetória de Juan César Garcia,

provavelmente, não teriam sido a mesma coisa senão tivesse tido o aporte, de alguma forma, da expe-riência brasileira que José Roberto Ferreira levoupara OPAS, resultado de sua trajetória como pri-meiro diretor executivo da Associação Brasileira de

46 Entrevista realizada em Salvador (BA) em julho de 2007.47 Entrevista realizada em Brasília em novembro de 2007.

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Medicina e vice-reitor na Universidade de Brasília.[...] Por sua vez, Zé Roberto foi recrutado pela OPAS,exatamente por causa dessa experiência. Então naverdade, que dizer, essa história tem um que moldao outro e tem o outro que molda um. É um sistemade vasos comunicantes mesmo (FRANCISCO CAM-POS, informações verbais).48

Neste "sistema de vasos comunicantes" não se pode deixar demencionar a forte atuação de Izabel dos Santos no campo da educa-ção profissional. Ao ser convidada, em 1975, por João Yunes, entãoassessor do Ministério da Saúde, para integrar a equipe do projeto,essa mineira de Pirapora trabalhava na Escola de Enfermagem daUniversidade Federal de Pernambuco. Todavia, ela já vinha de umalarga experiência de organização dos serviços básicos e hospitalaresda Fundação Serviço Especial de Saúde Pública (SESP).

Situada no Programa de Desenvolvimento de Recursos Humanosda OPAS/Representação no Brasil, Izabel iria promover uma verda-deira reviravolta na forma de pensar os processos educativos quecontaram com a cooperação técnica do referido programa. Destelocus, ela iria ser o ponto focal para o estabelecimento de uma verda-deira teia de comunicação com os serviços de saúde no âmbito esta-dual e municipal e entre esses e o sistema educacional.

Diante do exposto, mais uma vez recorre-se ao auxilio de Bour-dieu (2007) para defender que as relações, mais ou menos instituci-onalizadas, de interconhecimento e de inter-reconhecimento, for-madas pelos militantes do movimento sanitário e consultores da OPASconstituíram alianças objetivas e fundadas em trocas simbólicas, cu-jos resultados foram capilarizados tanto no campo político instituci-onal como no campo intelectual. Assim dizendo, não se faz redun-

48 Idem.

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dante afirmar que "os lucros que o pertencimento a um grupo pro-porciona estão na base da solidariedade que os torna possível"(BOURDIEU, 2007, p. 67).

2.3 Reflexos do "sistema de vasos comunicantes"

Ao procurar responder às questões da pesquisa foi possível revelaruma verdadeira teia de articulações, denominadas aqui de "sistemade vasos comunicantes". Também se identificou que muitos dos inte-lectuais que, de uma forma ou de outra, participaram de iniciativasapoiadas ou promovidas pela OPAS, militavam no movimento daReforma Brasileira e vieram a exercer, em diversas conjunturas, ele-vadas funções nos ministérios, autarquias, secretarias de saúde e ins-tituições universitárias no país.

Ao se advogar que o movimento de difusão do pensamento damedicina social no Brasil teve importância fundamental na formaçãode profissionais que vão ter papel decisivo na Reforma Sanitária Bra-sileira, procurou-se iluminar a atuação da OPAS na difusão desse pen-samento, destacando-se a contribuição de Juan César Garcia. Ten-tou-se mostrar que, a partir daí, foi estabelecido um sistema de for-mação de pessoas e de conexões entre estas pessoas, entidades e ins-tituições, constituindo assim, a vertente acadêmica, conforme deno-mina Escorel (1998), que daria forte contribuição para o movimen-to da Reforma Sanitária Brasileira.

Nesta seção, também se procurou apresentar um contexto deconexões institucionais e pessoais que confirmasse um dos argumen-tos, deste estudo, que defende ter sido modelado, no movimento deconstrução e de implantação da Reforma Sanitária Brasileira, o pro-jeto de cooperação do Programa de Desenvolvimento de RecursosHumanos da OPAS/Representação no Brasil. Isto como conseqüên-

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cia da interação que os seus consultores passam a ter com o movi-mento sanitário, destacando suas participações em entidades como oCEBES e a ABRASCO, nos cursos e nas Conferências Nacionais reali-zadas na década de 1980.

Nas próximas seções, procura-se mostrar que ao mesmo tempo emque isto acontecia, o citado Programa iniciou uma série de atividadesque iria contribuir, de maneira determinante, para a construção de umcampo de recursos humanos em saúde no país. Ou seja, na medida emque o programa ia sendo "contaminado" pelos movimentos nacionais dereorganização dos sistemas de saúde e de democratização da sociedadebrasileira, ele ia construindo, em cooperação com as instituições nacio-nais, uma proposta de organização para determinadas áreas de atuaçãodessas mesmas instituições. Tratava-se, portanto, de um movimento de"mão-dupla", onde, ao mesmo tempo em que a equipe do supracitadoprograma era influenciada pelo contexto nacional, ela influenciava estecontexto através das diversas ações de cooperação técnica.

A materialização da atuação desse programa de recursos huma-nos, plasmada pelos movimentos já discutidos, será objeto de análisesatravés de algumas propostas educacionais, dentre as quais destacam-se o Projeto de Formação em Larga Escala; o Projeto CADRHU; e oProjeto GERUS.

Finalizando, compete ressaltar que a produção intelectual e osmovimentos em torno dos processos da Reforma Sanitária Brasileirae da redemocratização do país foram determinantes para a concep-ção do conjunto de idéias que estão presentes nas propostas educaci-onais, objeto empírico deste estudo.

A próxima seção deste livro tem o propósito de mostrar o con-texto que antecede à construção dos citados projetos educacionais eem especial ressaltar a gênese do Programa de Cooperação em De-senvolvimento de Recursos Humanos da OPAS/Representação noBrasil, que seria o responsável institucional, por parte da Organiza-ção, pela realização desses projetos.

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1ª Conferência Estadual de Saúde do Rio Grande do Norte, fev. 1986. Da esquerda para direita:José Gomes Temporão, na época diretor do planejamento do INAMPS; Tarcisio Palhano,professor da UFRN; Maurício Roberto Campelo de Macedo, professor do Departamento deSaúde Coletiva da UFRN. Acervo: NESC/UFRN

1ª Conferência Estadual de Saúde do Rio Grande do Norte, fev.1986. Da esquerda paradireita: Isa Maria Hetzel de Macedo, professsora do Departamento de Saúde Coletiva daUFRN; Eleutério Rodrigues, liderança do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira;Brasiliano Cabral, na época, assessor da Secretaria Municipal de Saúde de Natal; CarlosRoberto Bezerra de Araújo, na época, assessor da Secretaria Estadual de Saúde. Acervo:NESC/UFRN

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A arquitetura do programade recursos humanos da

OPAS no Brasil

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Nesta seção procura-se demonstrar o processo de construção, im-plantação e consolidação do Programa de Cooperação em Desenvol-vimento de Recursos Humanos da OPAS/Representação no Brasil,na segunda metade da década de 1970. O período é marcado pelaascensão do Governo Ernesto Geisel (1974-1979) e pelo processode crise política, econômica, social e sanitária que conduziria ao de-clínio e esgotamento da ditadura militar, conforme informa Germa-no (2005).

Nesse contexto político e na esteira da implantação dos Progra-mas de Extensão de Cobertura, no setor saúde, surge o PPREPS queveio a se constituir no primeiro programa interministerial de recur-sos humanos em saúde e no marco para a instituição do Programa deCooperação em Desenvolvimento de Recursos Humanos da OPAS/Representação no Brasil. Frise-se que na primeira fase do PPREPS(1975-1978) acontecia o movimento de difusão da abordagem damedicina social nos ensinos dos departamentos de medicina preven-tiva das universidades, conforme foi discutida na primeira seção des-te trabalho.

O destaque para a história e arquitetura do PPREPS se dá pelasseguintes razões: 1. ele deu origem ao atual Programa de Coopera-ção em Desenvolvimento de Recursos Humanos da OPAS/Repre-sentação no Brasil, objeto deste estudo; 2. o aprendizado com o de-senvolvimento dessa experiência foi fundamental para a construçãodos três projetos educacionais, objetos de análise deste trabalho; 3. aexperiência do PPREPS seria fundamental na construção do "siste-ma de vasos comunicantes", já discutido; e 4. essa experiência pro-moveu a criação dos Órgãos de Desenvolvimento de Recursos Hu-manos nas Secretarias Estaduais de Saúde, hoje chamados de Coorde-nadorias de Recursos Humanos.49

49 Esta denominação muda, a depender das secretarias de saúde. Normalmentesão: Diretorias de Recursos Humanos, Departamentos de Recursos Huma-

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Para a construção deste texto foram mapeadas informações dosdocumentos oficiais do PPREPS (programas, relatórios e o docu-mento do Acordo firmado entre a OPAS e o Governo brasileiro). Osaportes de Pires-Alves e Paiva (2006) e Macedo, Santos e Vieira (2004)que tratam da história do PPREPS foram fundamentais. Os depoi-mentos dos entrevistados foram de particular importância para ilu-minar o papel desempenhado pela OPAS neste que foi um projeto decooperação entre a Organização e três ministérios do governo brasi-leiro.

3.1 Antecedentes: a instalação do Escritório daOPAS no Brasil

A participação do Brasil na Terceira Convenção Sanitária Internacio-nal de 1907 deu início a uma longa história de parceria do governobrasileiro com a hoje denominada Organização Pan-Americana deSaúde. Porém, em que pese a admissão do país – como membro daOrganização – datar de 29 de outubro de 1929, somente em julhode 1951 foi assinado o convênio entre a então Repartição SanitáriaPan-Americana e o governo brasileiro, no qual se estabeleceu, ofici-almente, o Escritório de Zona50 para representação da Organização

nos, Superintendência de Recursos Humanos e, mais, recentemente, tam-bém se encontra a denominação de Coordenadorias de Gestão do Trabalho eda Educação, seguindo o exemplo de Secretaria de Gestão do Trabalho e daEducação, do Ministério da Saúde.

50 A política de regionalização de Fred Soper promoveu a criação de seis zonasregionalizadas, distribuídas da seguinte forma: Zona I, com sede em Washing-ton, para os Estados Unidos, Canadá, Alaska e territórios sem governo pró-prio; Zona II, na cidade do México, para Cuba, República Dominicana, Haiti eMéxico; Zona III, na cidade de Guatemala, para Honduras Britânica, Costa

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Sanitária Pan-Americana, no Brasil. Este processo foi resultado deuma agressiva política de regionalização implantada na gestão de FredSoper (1947-1959), quarto diretor geral da OPAS.

Em outubro deste mesmo ano, Kenneth O. Courtney foi nomea-do Representante para o Brasil, sendo, em fevereiro de 1952, insta-lada a nova sede do Escritório de Zona na cidade do Rio de Janeiro,então capital da República Federativa do Brasil (COURTNEY, 1954).Registre-se, contudo, que desde outubro de 1950, já havia sido insta-lado um escritório provisório na cidade do Rio de Janeiro e a suacoordenação estava sob a responsabilidade do Dr. Octavio Pinto Se-vero que permaneceu no cargo até julho de 1951.

Courtney assumiu o escritório da OPAS em um contexto políti-co no qual Getúlio Vargas (1882-1954) retornava à Presidência daRepública (1951-1954), eleito com 48,7% dos votos e no papel deporta-voz dos trabalhadores. Sua gestão na OPAS iria se dar nos pri-meiros anos de uma década que ficaria marcada por movimentos na-cionalistas que procuravam firmar o país como potência capaz dealcançar o seu próprio desenvolvimento econômico, independente-mente das pressões internacionais, especialmente do imperialismo51

norte-americano. Também foi uma década em que houve forte cres-cimento da entrada de capital estrangeiro na economia nacional, fa-vorecendo a proposta desenvolvimentista, ou melhor, de moderni-

Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá; Zona IV, emLima, para Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela; Zona V, no Rio deJaneiro, para o Brasil; e Zona VI, em Buenos Aires, para Argentina, Chile,Paraguai e Uruguai. Esse processo de regionalização pretendia promover adescentralização do planejamento e da execução dos programas, tendo emvista maior eficiência no uso dos recursos financeiros e maior agilidade nasdecisões.

51 Expressão utilizada para caracterizar as políticas de dominação das grandespotências econômicas, notadamente dos Estados Unidos da América, sobreos países menos desenvolvidos.

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za-ção econômica e institucional coordenada pelo Estado (BERTO-LLI FILHO, 2006).

Pobreza, desenvolvimento e saúde são palavras centrais no debateque se desenvolve no âmbito do sistema de saúde pública por toda adécada de 1950. De um lado deste debate, estavam aqueles que de-fendiam que o progresso e o bem-estar seriam alcançados se fossemseguidos os modelos dos países capitalistas avançados. Ressaltavamque para alcançar o mesmo nível de saúde desses países bastava mon-tar a mesma estrutura de saúde. Esta Interpretação se traduz no mo-delo de organização da Fundação do Serviço Especial de Saúde Pú-blica (FSESP). Criada em 1942, com o nome de Serviço Especial deSaúde52 Pública, essa Fundação teve financiamento por muitos anosda Fundação Rockfeller e o seu modelo de organização das unidadesde saúde foi bastante disseminado no Brasil. Assinale-se que a FSESPfoi criada com o objetivo de prestar serviços de saúde às áreas caren-tes – e, naquele momento, econômica e militarmente estratégica,como a da produção da borracha na Amazônia, e do manganês, noVale do Rio Doce. Nos anos 1950, teve atuação destacada na presta-ção de assistência médica, nos trabalhos de educação sanitária, sanea-mento, controle de doenças transmissíveis e pesquisa em medicinatropical (LUZ, 1978).

Do outro lado do debate, estavam os portadores do discurso sani-tarista desenvolvimentista que defendiam uma prática mais articula-da com a realidade brasileira e consideravam equivocado o modelosanitarista de saúde pública, até então vigente, ao qual se atribuía acapacidade de romper o "círculo da pobreza", conforme Braga ePaula (1981). Faz-se pertinente frisar que a corrente de pensamentoda saúde pública, conhecida como sanitarismo desenvolvimentista, éhoje reconhecida pelo movimento sanitarista mais recente como pre-

52 Criado em 1942, o Serviço Especial de Saúde Pública foi transformado emfundação por força da Lei 3.750, de 11 de abril de 1960.

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cursora das propostas para a Reforma Sanitária Brasileira (LIMA,2002), propostas estas consagradas na 8ª Conferência Nacional deSaúde realizada em Brasília, no ano de 1986. Esses sanitaristas iriamse opor ao modelo das "unidades sespianas", espalhadas pelas regiõesmais subdesenvolvidas do país. Segundo eles, o modelo de organiza-ção do trabalho implantado nessas unidades tinha como base realida-des de outros países e não levavam em conta as profundas diferençaseconômico-sociais existentes entre os países. Um dos pontos da dis-cussão eram os altos custos dos serviços mantidos pela FSESP, pois,apesar de sua reconhecida contribuição dada à saúde pública, suasunidades de saúde eram muito dispendiosas e inadequadas às possibi-lidades financeiras dos estados e municípios.

Em 1953, a gestão de Kenneth Courtney presenciou a instalaçãode um marco na história das políticas de saúde do Brasil: a criação doMinistério da Saúde, resultado da separação da pasta que unia Saúdee Educação em um único Ministério. O novo Ministério da Saúdecontou com verbas irrisórias no decorrer da década de 1950. Sobreesta separação, Luz (1979) analisa que ela trouxe um esvaziamentoinstitucional do setor Saúde, enquanto setor estatal, em proveito daEducação. A autora destaca ainda que com essa separação passarampara o âmbito das atividades do Ministério da Saúde aquelas que eramdesenvolvidas pelo Departamento Nacional de Saúde Pública(DNSP).53

Concordando com Luz (1979), Braga e Paula (1981) informamque, na partilha do espólio, coube ao novo Ministério da Saúde amenor parte do orçamento. Em que pese a veracidade dessas avalia-ções, suficientemente constatada na história das políticas de saúde,ao voltar o olhar para o passado, aventa-se que essa ruptura, ainda

53 O Departamento Nacional de Saúde Pública foi criado em janeiro de 1920depois de intenso debate no Congresso Nacional. Nessa ocasião, o novo órgãoficou subordinado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores.

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[ 116 ] PROTAGONISMO SILENCIOSO

que com prejuízos imediatos para a pasta da Saúde, foi fundamentalpara a construção do atual Sistema de Saúde, ainda que muitos passostenham sido dados com muitas dificuldades .

Neste cenário, a Representação da OPAS no Brasil, iria assessoraras autoridades federais e estaduais de saúde, no que se refere ao pla-nejamento e execução de programas sanitários de longo alcance;colaborar na aquisição de equipamento e materiais não disponíveisno país; participar do planejamento e coordenação de diversos even-tos, em parceria com as instituições estaduais e federais de saúde; epromover a participação de profissionais internacionais em projetose programas do Brasil, realizados em cooperação com a Representa-ção.

A leitura do Relatório da Gestão de Kenneth Courtney publicadono Boletin de la Oficina Sanitária Panamericana (1954) sinaliza que,desde os primeiros anos, mesmo não havendo um consultor designa-do para os assuntos relativos às políticas de recursos humanos,54 aqualificação dos profissionais de saúde se constituiu em objeto deatenção da Repartição Sanitária Pan-Americana.

A título de demonstração, destacam-se no campo da capacitação55

de recursos humanos as seguintes atividades:

a. O apoio ao Terceiro Congresso Regional de Enfermagem,realizado em julho de 1953, na cidade do Rio de Janeiro, quecontou com a participação de enfermeiras representantes detodos os países da Região das Américas e teve no seu temáriodebates sobre legislação para o controle da prática e da edu-cação de enfermagem e o ensino da pós-graduação;

54 Somente em 1964 a Oficina Central da OPAS designaria um consultor derecursos humanos para o Brasil.

55 Este termo será usado, neste trabalho, para designar qualquer processo queenvolva um ato ou efeito de capacitar(-se) (Novo Aurélio, 1999, p.395).

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b. A parceria com a Faculdade de Higiene e Saúde Pública daUniversidade de São Paulo na organização do Programa deAdestramento em Sorologia de Doenças Venéreas. Este pro-grama foi responsável pela realização de cursos para funcio-nários dos laboratórios de instituições públicas de diversosestados do País;

c. Em relação ao programa materno/infantil – uma das prio-ridades, da época, do governo federal no combate ao eleva-do índice de mortalidade nesses dois segmentos –, a Repar-tição Sanitária Pan-Americana, a OMS e o Fundo das Na-ções Unidas para a Infância (UNICEF), em cooperação como Ministério da Saúde, atuaram numa missão para estabele-cer programas maternos/infantis nos Estados do Ceará,Maranhão, Piauí, Paraíba, Rio Grande do Norte, Alagoas,Sergipe e Bahia, da Região Nordeste do Brasil. Entre os di-versos itens que compunham estes programas, são identifi-cadas as atividades de treinamento de pessoal auxiliar;

d. Apoio à instalação do Centro Pan-Americano da Febre Af-tosa (Panaftosa), na cidade do Rio de Janeiro, em resposta àsolicitação de cooperação técnica para criação de um cen-tro de adestramento, pesquisa e coordenação no campo deprofilaxia da enfermidade na região das Américas, solicita-ção essa dirigida à OEA pelos governos dos países afetadospela doença.

Duas décadas depois da primeira gestão do escritório da OPAS noBrasil, se dá início ao processo que irá estabelecer as bases para osurgimento do programa que será o responsável pela cooperação téc-nica em recursos humanos da Organização.

Antes de passar para a etapa seguinte do texto, faz-se oportunotecer alguns comentários sobre o conceito de adestramento, repeti-

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damente referido no relatório de gestão do primeiro representanteda Repartição da OPAS no Brasil. Associada à pedagogia do condici-onamento que enfatiza os resultados comportamentais, mediante arepetição da associação estímulo – resposta – reforço, onde o alunoé condicionado a emitir respostas desejadas (BORDENAVE, 1989),é possível que esta terminologia, expresse a maneira que a Organiza-ção concebia os seus processos educativos. Todavia, é importanteressaltar que em vários documentos da OPAS, datados dos anos 1950,1960 e até a segunda metade dos anos 1970, foram encontradas refe-rências que esclarecem a pretensão da OPAS em, através de "cursosde adestramento", formar uma massa crítica de profissionais. Esta éuma situação aparentemente paradoxal se for tomada como referên-cia a concepção pedagógica que embasa teoricamente o conceito.Portanto, supõe-se que ele era usado sem reflexões mais aprofunda-das.

3.2 Contexto e Gênese da Implantação do Programade Cooperação em Desenvolvimento de Recursos

Humanos da OPAS/Brasil

As origens da criação do Programa de Cooperação em Desenvol-vimento de Recursos Humanos da Organização Pan-Americana/Re-presentação no Brasil têm como seus primeiros protagonistas o bra-sileiro José Roberto Ferreira e o peruano Carlos Vidal Layseca. Narealidade, a inserção de Ferreira no quadro de funcionários da OPASestá entrelaçada com a história das práticas de recursos humanos daOPAS, no Brasil, como poderá ser constatado em vários momentosdeste trabalho.

Um entrelaçamento que teve início em 1964, ano consideradodramático na vida do país e marcado pela intervenção militar no

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Estado e conseqüente elevado grau de autoritarismo e violência uti-lizados na tentativa de controlar a sociedade civil. E mais ainda, aparti daí, o país viverá uma história marcada pelo enfraquecimentodo Legislativo e do Judiciário e pelo fortalecimento do Executivo,através do Ato institucional nº 1 (AI-1) que avocava para o SupremoComando Revolucionário – Junta Militar composta pelo generalArthur da Costa e Silva, almirante Augusto Redemaker e pelo briga-deiro Correia de Melo – poderes constituintes (GERMANO, 2005).Ainda de acordo com o citado autor, este Ato Institucional que asse-gurava ao Presidente da República o poder de introduzir emendas naConstituição; a exclusividade para legislar no campo financeiro ouorçamentário; e o poder de decretar Estado de Sítio, seria "apenas ocomeço da 'montagem' institucional da ditadura" (2005, p.58). Mui-tos outros Atos viriam, nos anos posteriores, com o propósito deapoiar o regime autoritário e repressivo que assumiu a condução dopaís no período 1964-1979.

No ano de 1964, José Roberto Ferreira, então assessor da Divisãode Ensino Superior do Ministério de Educação e Cultura e diretoradjunto da Federação Pan-Americana de Associações de Faculdadese de Escolas de Medicina (FEPAFEM), iniciou a sua longa carreira derelações profissionais com a OPAS. Anote-se, como detalhe para essahistória, que, nesse ano, a OPAS estava em processo de compra deuma nova casa para a sua sede na cidade do Rio de Janeiro. Inteiradodessa informação e com as devidas articulações, Ernani Braga, naépoca diretor da FEPAFEM, conseguiu um convite para instalar, nasede da OPAS, o escritório da recém-criada Federação, que aindaestava sem sede e procurava um local para se estabelecer. Essa proxi-midade física entre as entidades médicas e a Organização veio a con-tribuir, na avaliação do próprio José Roberto Ferreira,56 "para que o

56 Em 1964 José Roberto Ferreira também assumiria Associação Brasileira deEscolas Médicas.

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pessoal do escritório local da OPAS" se interessasse mais fortementepelas questões de recursos humanos. Observa-se aqui um dos pri-meiros exemplos do que é chamado, ao longo deste trabalho, porconexões com as instituições nacionais, conexões estas que serãodeterminantes para o trabalho da OPAS, em especial para o Progra-ma de Cooperação em Desenvolvimento de Recursos Humanos.

É fato que, logo após a sua posse, o novo representante da OPASno Brasil (1964-1967), o colombiano Dr. Santiago Renjifo (1913-1966) – que havia sido Ministro da Saúde na Colômbia –, procurouJosé Roberto Ferreira e Ernani Braga para discutir a idéia de trazerpara a representação brasileira um consultor permanente para a áreade recursos humanos. Como resultado dessa conversa, Luiz ErnestoGiraldo, ex-assistente de Renjifo e professor de parasitologia na Fa-culdade de Medicina de Cali, se tornou o primeiro consultor derecursos humanos da OPAS no Brasil.

Em 1968, demissionário na Universidade de Brasília (UnB), JoséRoberto Ferreira foi convidado por Ramon Vilareal, então chefe derecursos humanos da Oficina Central da OPAS em Washington, paracompor sua equipe. Após se afastar da Universidade, em 1969, JoséRoberto Ferreira aceitou o convite feito e partiu com destino aWashington, onde passou a desenvolver, em diversos países, um in-tenso trabalho com as escolas de medicina. Em 1975, ele seria nome-ado para o cargo de diretor do Departamento de Recursos Humanosda Oficina Central da OPAS, onde permaneceu até o ano de 1996.

Na sede da OPAS, uma das suas primeiras responsabilidades foicoordenar um projeto de apoio e desenvolvimento de escolas médi-cas na América Latina, tomando como exemplo a sua atuação na Fa-culdade de Saúde da UnB. Registre-se que, nesta universidade (1965-1968), José Roberto Ferreira havia participado ativamente do pro-cesso de planejamento e implantação das Faculdades de CiênciasMédicas e de Tecnologia. Sua função específica como vice-reitor lhedava a responsabilidade de toda a coordenação acadêmica da Univer-

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sidade. Nessa condição, ele coordenou a reforma dos Estatutos daUniversidade de Brasília.

O outro protagonista desse início de história do Programa deCooperação Técnica de Recursos Humanos no Brasil foi o peruanoCarlos Vidal Layseca, professor de medicina preventiva na Universi-dade Cayetano Heredia, do Peru. Em novembro de 1973, ele foinomeado, pela Oficina Central da OPAS em Washington, chefe doProjeto de Desenvolvimento de Recursos Humanos da OPAS/Bra-sil. Nesse ano, a sede da Organização havia sido transferida para Bra-sília. A despeito disso, o escritório do novo consultor de desenvolvi-mento de recursos humanos foi, a seu pedido, instalado na cidade doRio de Janeiro, no prédio da Escola Nacional de Saúde Pública daFundação Oswaldo Cruz. Layseca iria se empenhar nas articulaçõescom as faculdades de medicina e escola de saúde pública e dar todo oapoio à instalação do mestrado de medicina social da Universidadedo Estado da Guanabara (hoje Estado do Rio de Janeiro). Além disso,foi um dos principais autores de um audacioso projeto de planeja-mento e formação de pessoal em saúde, como será destacado a se-guir.

Em 1974, José Roberto Ferreira, Carlos Vidal Layseca e ErnaniBraga iriam apresentar ao Ministério da Saúde uma proposta de co-operação técnica para a área de recursos humanos em saúde. Nessemomento as discussões da saúde giravam em torno das diretrizes doInforme Final da III Reunião Especial de Ministros de Saúde das Amé-ricas, realizada em 1972, na cidade de Santiago, no Chile. O docu-mento apresentava o seguinte diagnóstico dos problemas de recursoshumanos: escassez generalizada de pessoal em saúde em toda a Re-gião das Américas; a formação de pessoal em saúde, de nível superior,na maioria dos países, se encontrava isolada do setor saúde e sujeitaexclusivamente às decisões do setor de educação; os processos decapacitação do pessoal de nível médio não contavam com estrutura,organização e reconhecimentos adequados, realizando-se os cursos

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ou treinamentos, na maioria das vezes, de forma circunstancial (OR-GANIZACIÓN..., 1973, p.87).

Este diagnóstico não era diferente do que ocorria no Brasil, ondese presenciava o crescente distanciamento entre as instituições deensino e as de serviços de saúde e, como conseqüência direta destasituação, se verificava a inadequação dos currículos de graduação aosproblemas de saúde da população. Infelizmente, em pleno século XXIas propostas para superação deste problema ainda não foram, pordiversas razões, suficientes para a sua solução.

José Roberto Ferreira, agora diretor de Recursos Humanos daOficina Central da OPAS em Washington, Vidal Layseca e Ernani Braga(de volta ao Brasil, depois de uma temporada trabalhando na OMS,em Genebra) se propuseram a desenhar um projeto de planejamentoe formação de pessoal em saúde, que deveria ser incorporado noplanejamento do Ministério da Saúde do Brasil. De acordo com JoséRoberto Ferreira, deve-se atribuir a Vidal Layseca o protagonismo naautoria do documento entregue ao citado Ministério. Com um orça-mento superior a 25 milhões de dólares para cinco anos, o projetotinha poucas chances de aprovação, segundo a opinião quase unâni-me existente, revela Vidal Layseca em seu livro Apuntes de Una VidaDedicada a la Gente. Todavia, passados seis meses da entrega do docu-mento, Layseca iria receber a notícia de sua aprovação.

O que a aprovação da proposta demonstra? Interesse das autorida-des ministeriais em assegurar uma intervenção arrojada no campo derecursos humanos em saúde? Tentativa de responder aos questiona-mentos e críticas às políticas sociais da época? Busca de propostaspara serem colocadas no II Plano Nacional de Desenvolvimento (IIPND) que seria lançado, em 1975, pelo Governo Geisel? É possívelque signifique o conjunto dessas questões. Todavia, mesmo não sen-do propósito deste trabalho respondê-las com a profundidade queelas merecem, algumas pistas são indicadas durante a discussão daimplantação e desenvolvimento do PPREPS.

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Na proposta original do documento entregue ao Ministério daSaúde por Carlos Vidal Layseca e José Roberto Ferreira, a coordena-ção da execução do projeto estava destinada à ENSP/FIOCRUZ.Contudo, considerando que o projeto tinha um orçamento váriasvezes maior do que o existente para a Escola e que a mesma não pos-suía estrutura administrativa para comportar um projeto de tal mag-nitude, a direção dessa Escola não aceitou tal coordenação. Na opi-nião de Oswaldo Costa, então diretor da referida escola, isso poderiase tornar um problema para sua administração.57 Considerando amagnitude do programa para a época, é possível aferir que o entãodiretor da ENSP usou de cautela na sua decisão.

Informados sobre a posição da ENSP, Vidal Layseca e RobertoFerreira seguiram para Brasília com o propósito de negociar o futurodo projeto com as autoridades do Ministério da Saúde. Na época, oministro da saúde era Paulo de Almeida Machado que tinha comochefe de gabinete o médico e professor da Faculdade de Medicina daUSP, João Yunes (1936-2002) e, o também professor e médico daFaculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, José Car-los Seixas como secretário executivo.

Seguindo a linha desenvolvida na discussão anterior realizada naprimeira seção deste trabalho – na qual se procurou demonstrar asarticulações dos intelectuais e dirigentes institucionais com a OPAS– ressalta-se que no período de 1987-1989 João Yunes foi designadoRepresentante da OPAS/OMS, em Cuba. Alguns anos depois assu-miu o posto de coordenador do Programa de Saúde Materno/Infan-til na Oficina da OPAS em Washington, de onde coordenou a coope-ração técnica, na citada área de atuação, entre 36 países da região dasAméricas. Nesse período, ele foi membro integrante dos seguintes

57 Entrevista de José Roberto Ferreira ao Projeto História da Cooperação Técni-ca de Recursos Humanos para a Saúde, coordenado pelo Observatório Histó-ria e Saúde Casa Oswaldo Cruz da Fundação Oswaldo Cruz.

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comitês: Comitê Editorial da OPAS e do Comitê Internacional deSaúde Materno-Infantil da Associação Americana de Saúde Pública.No Brasil, ele assumiu o cargo de Secretário de Saúde do Estado deSão Paulo no Governo Franco Montoro (1983-1987).

José Carlos Seixas trabalhou em várias instituições brasileiras, comdestaque para a USP, Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo eMinistério da Saúde. Quando assumiu o cargo de Secretário Execu-tivo, na gestão de Adib Domingos Jatene (1995-1996) no Ministérioda Saúde, ele convidou José Paranaguá de Santana, então consultorde recursos humanos da OPAS/Brasil, para assumir o posto de coor-denador de políticas de recursos humanos no Ministério da Saúde.

Retornando ao projeto em construção, informa-se que as con-versações entre José Roberto Ferreira (OPAS), Carlos Vidal Layseca(OPAS) e essas autoridades ministeriais resultaram no encaminha-mento que o projeto, subordinado ao Ministério da Saúde, teria comosede o escritório da OPAS no Brasil. Esta Organização também seriaresponsável pela sua coordenação executiva. Registre-se que esta se-ria a primeira vez que a OPAS/Representação no Brasil seria sede deum projeto nacional. Este projeto recebeu o nome de Programa dePreparação Estratégica de Pessoal de Saúde (PPREPS). Estava assimlançada a pedra fundamental para o estabelecimento do Acordo quecriaria o PPREPS que, por sua vez, daria início ao Programa de Co-operação em Desenvolvimento de Recursos Humanos da OPAS/Representação no Brasil. Destaque-se que o PPREPS se constituiuno primeiro programa interministerial de recursos humanos em saú-de.

3.2.1 O Contexto da Gênese

O contexto que albergou a implantação do PPREPS, em 1975, foiespecialmente tenso e complexo. No âmbito político e econômico,presenciava-se a crise do Estado, o fim do período de expansão eco-

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nômica e o início do declínio e esgotamento da ditadura militar noBrasil, ou seja, iniciava-se um movimento denominado de "disten-são" do regime ditatorial.

No setor saúde, vivia-se um crescente processo de deterioraçãodos serviços, que se mostraram cada vez mais ineficientes em darrespostas às necessidades básicas de grande parte da população, que,por sua vez, passava por um gradativo empobrecimento decorrenteda perversa concentração de renda. Sobre este aspecto, Germano(2005) citando Singer vai mostrar que, em 1960, os 10% mais ricosda população se apropriavam de 39,6% da renda total, enquanto os60% mais pobres recebiam apenas 24,9% da referida renda. Entre1970 e 1972, este quadro vai se agravar, pois a parcela de renda totaldos 10% mais ricos subiu para 52,6%, enquanto a dos 60% maispobre caiu para 16,8%. De 1972 a 1976, houve uma pequena modi-ficação "em favor" dos mais pobres: 10% dos mais ricos passaram aconcentrar 50,1% da renda, e os mais pobres tiveram uma ligeiraelevação alcançando 18,3%. Esta tendência se manteria no períodode 1976 a 1980, mas em seguida, de 1981 a 1983, com a recessãoeconômica, a concentração de renda volta a crescer em favor dosmais ricos.

Cordeiro (1980) vai demonstrar que o orçamento do Ministérioda Saúde, em relação ao orçamento global da União, diminuiu de4,57 %, em 1961, para 0,90% em 1974. Esta redução nos gastosestatais em Saúde Pública fez com que todos os programas dirigidosao controle das chamadas doenças de massa sofressem uma quase pa-ralisação. "A 'conjuntura sanitária' assinala o fim do milagre econô-mico e indica um estado de 'insolvência sanitária', como aumentocom gastos em hospitalizações ao mesmo tempo em que se reduzemos gastos em Saúde Pública" (CORDEIRO, 1980, p.163).

Nesse contexto, vão ganhar forças os questionamentos e críticasdos movimentos sociais às políticas sociais e o Estado vai buscar apoio

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da sociedade civil, em particular das camadas mais pobres da popula-ção. Nessa perspectiva, o Governo brasileiro passou a investir na viade assistência comunitária, tomando a extensão de cobertura comoeixo condutor de várias experiências.58

As estratégias dos Programas de Extensão de Cobertura caracte-rizavam-se pelo objetivo de estender o acesso dos serviços de saúde àpopulação de baixa renda, especialmente aos grupos populacionaisda zona rural. Um dos exemplos dessa estratégia é o Programa deInteriorização dos Serviços de Saúde e Saneamento (PIASS), criadopor Decreto Presidencial, em agosto de 1976, com o objetivo deimplantar uma rede básica de saúde constituída de Postos59 e Cen-tros de Saúde60 nas áreas rurais do Nordeste brasileiro, conformeinforma Teixeira (1982). Assinale-se que para garantir a viabilizaçãodeste programa foi necessária a ampla utilização de pessoal auxiliar,recrutado nas próprias comunidades a serem beneficiadas.

Assim, na perspectiva da implantação dos programas de extensãode cobertura, o Ministério da Saúde instituiu pela Portaria Nº 271,de 5 de junho de 1974, um Grupo Interministerial de Trabalho, con-tando com a participação da OPAS, para estudar a situação dos re-cursos humanos no setor saúde e formular proposições a serem in-

58 Para conhecer alguns dos Programas de Extensão de Coberturas, ver: OsProgramas de Medicina Comunitária no RN: dos Mini-Postos ao PIASS (MA-CEDO, 1983) e A Participação Comunitária nos Programas de Atenção Pri-mária no RN (MACEDO, 1985).

59 Posto de Saúde: Unidade sanitária simplificada, destinada a prestar assistênciamédico-sanitária a uma população, contando com controle e supervisão mé-dica periódica.

60 Centro de Saúde: Unidade sanitária complexa, destinada a prestar assistênciamédico-sanitária a uma população, contando com ambulatórios para assistênciamédica permanente (Portaria nº 30 de fevereiro de 1977 do Ministério daSaúde).

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corporadas no II PND que seria lançado, em 1975, pelo GovernoErnesto Geisel. A instituição do grupo teve como base o Acordopara um Programa Geral de Desenvolvimento de Recursos Huma-nos para a Saúde no Brasil, firmado, em novembro de 1973, entreOPAS e o Governo da República do Brasil.

O resultado do trabalho desse grupo interministerial foi apresen-tado em novembro de 1974 e tinha como proposição a implantaçãode um programa com projetos destinados a cobrir três grandes áreasde atuação: planejamento de recursos humanos; preparação diretade pessoal para a saúde; e apoio ao desenvolvimento do programanacional de preparação e distribuição estratégica de pessoal de saúde(BRASIL, 1976).

O Relatório do grupo fazia referências a três situações: a primeirareferia-se à "constatação de sérias distorções" na disponibilidade ecomposição de recursos humanos para o setor (BRASIL, 1976). Osdados sobre a força de trabalho em saúde, apresentados pelo Relató-rio Anual de 1976, demonstravam que o pessoal de nível universitá-rio representava cerca de 60% do total da força de trabalho, o níveltécnico correspondia a 2%, o nível auxiliar alcançava 10%; e o nívelelementar, 20%. Para os autores do relatório, esses percentuais tra-duziam a má utilização dos recursos humanos de maior formação ecustos, principalmente se considerado "que no quadro nosológicoda população predominam as enfermidades que implicam necessida-des de serviço de menor complexidade" (BRASIL, 1977, p.4).

A segunda questão dizia respeito ao distanciamento entre as insti-tuições de ensino e os serviços de saúde, o "que vem contribuindopara existência de inadequados currículos e estruturas de ensino, oque por sua vez constitui um dos fatores de deficiente organização efuncionamento do Sistema de Serviços" (BRASIL, 1977, p. 5).

A terceira situação resultava da inexistência de um subsistemapermanente, no âmbito federal e estadual, para promover e coorde-

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nar o desenvolvimento de recursos humanos para a Saúde. Em con-seqüência, desconhecia-se a força de trabalho existente e as necessi-dades atuais e futuras, assim como também não existia capacidadegestora e operativa para coordenar diagnósticos sobre a força de tra-balho e a implantação de soluções para os problemas relacionados ànão qualificação dos recursos humanos e à sua distribuição.

Assim, em agosto de 1975 foi firmado entre o Governo brasilei-ro, através dos Ministérios da Saúde e da Educação e Cultura e aOPAS, um Acordo Complementar ao celebrado em 1973,61 institu-indo o PPREPS. Na solenidade de assinatura foram signatários: oministro da Saúde, Paulo Almeida Machado, o ministro da Educaçãoe Cultura, Jarbas Passarinho, e o diretor da Organização Pan-Ameri-cana da Saúde, Héctor Acuña.

Alerta-se para o fato que os dados apresentados no relatório dogrupo ministerial vão ao encontro do diagnóstico, para a Região dasAméricas, apresentado na III Reunião Especial de Ministros de Saúdedas Américas, realizada em 1972, na cidade de Santiago, no Chile.

3.3 A arquitetura e os objetivos do PPREPS

Em agosto de 1975, quando a OPAS celebrou o Acordo com o Mi-nistério da Saúde e com o Ministério da Educação e Cultura – nostermos do qual foi formalizada a Comissão de Coordenação Intermi-nisterial e criava o grupo técnico do PPREPS –, ela estava dandoorigem àquele que seria o Programa de Cooperação em Desenvolvi-mento de Recursos Humanos da Organização no Brasil.

61 Acordo para um Programa Geral de Desenvolvimento de Recursos Huma-nos para a Saúde no Brasil, firmado, em novembro de 1973, entre OPAS e oGoverno da República do Brasil.

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No documento firmado foram estabelecidas as responsabilidadesentre as instituições signatárias, assim distribuídas: ao Ministério daSaúde coube assumir a responsabilidade pela condução política e téc-nica/normativa do Programa, além do apoio financeiro ao GrupoTécnico Central (GTC); à FIOCRUZ, unidade do Ministério da Saú-de, coube a execução dos projetos; o Ministério da Educação e Cul-tura compartilharia da condução política e técnica/normativa doPrograma com o Ministério da Saúde; e a OPAS encarregou-se daconstituição e manutenção do Grupo Técnico Central do PPREPS eda cooperação técnica e financeira de seus fundos regulares (MACE-DO; SANTOS; VIEIRA, 2004).

O Propósito do PPREPS assim está definido no seu documentooficial.

Promover progressiva adequação da formação deRecursos Humanos para a Saúde nas exigências deum sistema de serviços, com cobertura máxima pos-sível, integral, regionalizada e de atenção progressi-va, de acordo com as necessidades das populaçõesrespectivas e das realidades das diversas regiões doPaís, corrigindo progressivamente as grandes distor-ções que atualmente existem (BRASIL, 1976, p.6).

Para o alcance de tal propósito e de acordo com a situação previ-amente diagnosticada, conforme revela o item anterior, foram traça-dos três objetivos que, desenvolvidos de forma articulada, deveriam:promover, por intermédio das Secretarias Estaduais de Saúde, o trei-namento em massa do pessoal de nível médio (técnico e auxiliar) eelementar; apoiar a implantação e o funcionamento de 10 regiõesdocentes-assistenciais de saúde, a cargo das universidades; e implan-tar os sistemas de desenvolvimento de recursos humanos para a saú-de, nas Secretarias de Saúde dos Estados.

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A organização interna da administração do PPREPS estava estru-turada em três subprogramas que, de certa forma, refletiam seusobjetivos principais: Treinamento e Desenvolvimento de RecursosHumanos (que correspondia aos projetos executados pelas secretari-as estaduais de saúde); Integração Docente-Assistencial (projeto soba responsabilidade das universidades); e a Coordenação Administra-tiva (de responsabilidade da Comissão de Coordenação e do GrupoTécnico Central).

Para o primeiro objetivo, as metas previstas, de grande enverga-dura para a época, vislumbravam o treinamento de 160 mil pessoasde nível médio e elementar, no período de 1976 a 1979, sendo 25.000técnicos, 40.000 auxiliares e 95.000 de nível elementar.

O Programa teve como resultado a capacitação de 38.548 pesso-as nos diversos níveis de escolaridade, das quais, 49,4% eram de ní-vel elementar, 27,9% de nível médio e 22,7% de nível superior.Dentre as categorias de nível elementar, estavam aqueles chamados,na época, de agentes comunitários, que eram as parteiras leigas, aslideranças comunitárias e os trabalhadores de saúde voluntários, emais os atendentes polivalentes de enfermagem e os auxiliares desaneamento. Entre o grupo de pessoas que possuíam o nível médio,encontravam-se os visitadores, auxiliares e técnicos de enfermagem,saneamento, laboratório, nutrição, vigilância epidemiológica, esta-tística, administração e professores do 1º grau. No nível superior, amaior proporção de pessoal contemplado pelo projeto foram osmédicos, enfermeiros e odontólogos que atuavam no nível local. Tam-bém marcaram presença os supervisores de nível regional e central(MACEDO; SANTOS; VIEIRA, 2004).

De acordo com esses dados, as metas inicialmente traçadas nãoforam alcançadas. Este fato e a inquietude da equipe da OPAS sobrea forma como os processos de ensino utilizados na primeira fase doPPREPS eram desenvolvidos darão origem, na década de 1980, aoProjeto Larga Escala.

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Algumas das críticas feitas aos processos educacionais apoiadospelo PPREPS e desenvolvidos pelas secretarias estaduais de saúderessaltavam que eles eram concebidos tendo como pressuposto quesua utilidade era única e exclusiva a de aperfeiçoar uma determinadaprática; não eram desenvolvidos de forma sistemática; não possibili-tavam uma identidade social ao trabalhador; eram fragmentados; enão possuíam a estrutura do conhecimento organizada a partir dasnecessidades concretas dos serviços, conforme esclarece Macedo(1986).

Todavia, apesar de tais críticas, ressalta-se que o trabalho do grupotécnico assessor da OPAS junto às instituições locais se dava de formamuito estreita, desde a elaboração dos projetos até a fase de execu-ção dos mesmos, mediante visitas aos estados. Supõe-se que tais visi-tas colaboraram para desenvolver competências técnicas e políticasque ajudaram na conformação dos setores de recursos humanos nassecretarias estaduais de saúde, uma vez que, em decorrência da im-plantação das atividades, eram promovidas discussões fundamentaispara uma melhor compreensão dos problemas locais.

A esse respeito, esclarece o depoimento seguinte:

Carlyle fazia reuniões não só de formulação comotambém de avaliação em cada estado. Nós trabalhá-vamos diretamente com as secretarias estaduais desaúde, nessa época não tinha a municipalização quetem hoje, então as secretarias municipais praticamen-te não tinham importância em termos da conduçãodas políticas. Não passava por elas, passava pelas se-cretarias estaduais. Quando íamos aos estados nossotrabalho era diretamente com o secretário de saúdee sua equipe de recursos humanos. Eventualmentecom reitor ou com a equipe da universidade. Enfim,a formulação e a avaliação eram feitas sempre em

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conjunto,pela equipe (ROBERTO PASSOS NO-GUEIRA, depoimento verbal).62

Os objetivos de cada treinamento eram definidos considerando asnecessidades dos programas de saúde de cada estado. Isto leva a crerque o PPREPS fez uma opção de trabalho sem modelos apriorísticos,mas considerando cada realidade. A linha de atuação, adotada peloseu grupo técnico assessor, partia da compreensão de que as necessi-dades geradas pelos Programas de Extensão de Cobertura implicari-am no redirecionamento das formas como eram organizadas e ge-renciadas as atividades de treinamento de pessoal nas secretarias desaúde.

Com o segundo objetivo, esperava-se que as experiências docen-tes/assistenciais, apoiadas pelo PPREPS, pudessem significar conhe-cimentos e experiências para a implementação operacional dos siste-mas regionais de serviços de saúde, para a reformulação dos progra-mas e para a formulação e operação dos mecanismos de articulação eintegração entre os sistemas de educação e de serviços.

Sobre um dos problemas que provocou a idealização desse segun-do objetivo, Carlyle Guerra de Macedo refere:

Outro problema que me lembro bem era o da for-mação médica de nível de graduação. As escolas demedicina estavam muito afastadas da realidade soci-al do país, e uma das propostas sobre as quais muitose insistiu, na época, foi a de integração docente-assistencial, como estratégia axial para as mudançasnecessárias [...] (PIRES-ALVES; PAIVA, 2006, p.142).

62 Entrevista realizada em Salvador (BA) em julho de 2007.

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A consecução do terceiro objetivo tinha no horizonte a implanta-ção de sistemas de desenvolvimento de recursos humanos para a saú-de, nas secretarias de saúde dos estados, e pretendia que esses siste-mas viessem a funcionar articulados com as secretarias de educação ecom a participação das universidades e de outras instituições de ser-viços. A sua realização, mesmo que ainda incipiente, impulsionou osurgimento dos Núcleos de Desenvolvimento de Recursos Humanosnas secretarias estaduais de saúde de todo o país.

Dando continuidade à decisão de apoiar a implantação e o desen-volvimento desses núcleos, a Secretaria de Recursos Humanos doMinistério da Saúde, em 1982, irá divulgar um documento que des-taca para esses setores as seguintes funções: Planejamento; Adminis-tração de Pessoal; Capacitação de Pessoal; Informação e Documenta-ção e Estudos e Pesquisas (SIMÕES, 1986).

Sobre este tema, Carlyle Guerra de Macedo, na entrevista para oProjeto História da Cooperação Técnica em Recursos Humanos emSaúde no Brasil, desenvolvido pelo Observatório de História e Saúdeda Casa Oswaldo Cruz, da Fundação de mesmo nome, lembra que,para a OPAS, a primeira grande meta foi estruturar um órgão noMinistério da Saúde cuja responsabilidade consistia na coordenaçãodas ações do Programa a serem realizadas pelo ministério e secretari-as estaduais de saúde. Nesse sentido, ele diria que

um dos sucessos do PPREPS foi a criação desses nú-cleos, quer dizer, o sucesso institucional. Porque in-dependentemente do trabalho que eles realizaram,o simples fato de criar um núcleo já colocava o as-sunto sobre a mesa. Então isso, pra mim, foi muitoimportante (MACEDO, transcrito do original).63

63 Entrevista original, gentilmente concedida pela coordenação da pesquisa "His-tória da Cooperação Técnica em Recursos Humanos para a Saúde (1975-1988).

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De acordo com Macedo, Vieira e Santos (2004), por ocasião dasua implantação, em 1976, o PPREPS era constituído por 16 proje-tos, sendo onze de treinamento de recursos humanos, a cargo dassecretarias estaduais de saúde; quatro de integração docente-assis-tencial, de responsabilidade das universidades; e um de tecnologiaeducacional de cooperação com os demais projetos, executado peloCentro Latino Americano de Tecnologia Educacional para a Saúde(NUTES-CLATES).64

É oportuno frisar que, antes do PPREPS, os processos de capaci-tação de recursos humanos eram tratados pelos serviços de saúdecomo uma atividade marginal dos programas de saúde. Não havia,portanto, a compreensão de que os problemas de recursos humanosmereciam um olhar mais global e que suas políticas deveriam estarrelacionadas às políticas de saúde. Menos que isso, não se estabeleciapolíticas ou programas de ação abrangentes, tendo em vista superaros problemas relacionados à gestão e à capacitação da força de traba-lho do setor. Mas, apesar desse avanço, o PPREPS não fez mudançasno que se refere às práticas educativas destinadas ao pessoal dos ser-viços de saúde, todavia, não há dúvida que ele foi um marco queintroduziu mudanças qualitativas fundamentais no campo de recur-sos humanos, tomando como referências as diretrizes das políticas desaúde.

3.3.1 Os intelectuais do PPREPS

A instituição de um grupo técnico assessor para o PPREPS, no âmbi-to da OPAS, somente foi possível mediante uma estratégia instituci-onal realizada entre a OPAS e o Ministério da Saúde, que possibilitou

64 Centro Multinacional da OPAS. No final de 1982 o CLATES foi extinto e oNUTES (Núcleo de Tecnologia para a Saúde) se transformou num programada Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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a OPAS/Representação no Brasil contratar profissionais nacionaiscomo funcionários internacionais, pagos pela OPAS, com recursosdo Ministério da Saúde e vinculados funcionalmente ao Departamentode Recursos Humanos da Oficina da OPAS, em Washington. A con-tratação desse grupo de especialistas se fez necessária frente à falta deestrutura de pessoal do Ministério da Saúde que, na época, ainda nãocontava com profissionais disponíveis e com qualificação compatívelpara trabalhar no Programa. Conforme informa Carlyle de Macedo:

Criou-se um projeto, tinha-se dinheiro, mas não ha-via quem fizesse o trabalho. Não era por falta de di-nheiro [...], mas sim por falta de estrutura de pesso-al. Não havia realmente quem trabalhasse no proje-to, e para implementá-lo era preciso formar umaequipe. Isso levou dois anos (PIRES-ALVES; PAIVA,2005, p.137).

A partir de janeiro de 1976, ocorreu a contratação dos primeiroscomponentes do grupo técnico. Em março, foi designado o seu pri-meiro coordenador, Carlyle Guerra de Macedo, então consultor daOPAS. Médico, Carlyle levou para a equipe a experiência de consul-toria internacional e de gestão estadual, visto que, no final da décadade 1960, foi consultor e instrutor do Instituto Latino-Americano dePlanificação Econômica e Social (ILPES), em Santiago do Chile e,antes disso, tinha sido secretário de saúde do Estado do Piauí. Entre1970 e 1975, ele chefiou a Divisão de Treinamento do Centro Pan-Americano de Planificação em Saúde, em Santiago, no Chile.

Os demais componentes seriam: Cesar Vieira, médico e professordo Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade deMinas Gerais; Danilo Prado Garcia, médico e professor da Faculdadede Medicina da Universidade de São Paulo; Francisco Salazar, de na-cionalidade chilena e professor de administração pública. E, por últi-

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mo, o quarto componente, a única mulher e a única enfermeira,Izabel dos Santos. Convidada por João Yunes, então Chefe de Gabine-te do Ministro da Saúde, Izabel levou consigo a experiência de do-cente e de enfermeira que havia sido responsável pela organização devários serviços de enfermagem e de unidades de saúde em diversosestados do Brasil. Sobre a participação dessa enfermeira nesse grupocomposto hegemonicamente de médicos, José Roberto Ferreira, di-ria:

Eu tenho a impressão que, além de Carlyle, Izabelfoi a grande líder do programa. Até hoje, todo mun-do que passou por aquela atividade, a respeita e tecelouvores ao seu trabalho, o próprio Carlyle, já dire-tor da OPAS, em Washington, telefonava pra pedirconselho a ela. Impressionante a força da Izabel (FER-REIRA, 2005 transcrito do original).65

A chegada de Izabel dos Santos à equipe da OPAS teve forte im-pacto na linha de ação relacionada à capacitação de pessoal de nívelmédio e elementar. Sobre a sua presença no Programa, ilumina umdos consultores entrevistados: "quando Izabel foi para equipe da OPASlevou consigo uma sensibilidade, uma compreensão bastante fortedo que se chamava na época, da problemática do pessoal de nívelmédio e auxiliar" (JOSÉ PARANAGUÁ DE SANTANA, informa-ções verbais).66

65 Entrevista gentilmente cedida pelos coordenadores da pesquisa História daCooperação Técnica de Recursos Humanos da OPAS/Brasil. Os resultadosda pesquisa estão publicados no livro Recursos Críticos: História da Coopera-ção Técnica OPAS-Brasil em Recursos Humanos para a Saúde (1975-1988).

66 Entrevista realizada em Brasília em junho de 2007.

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Por problemática de pessoal de nível médio e auxiliar, entenda-sea deficiência de pessoal qualificado na área da educação técnica, situ-ação que já vinha sendo debatida desde o início da década de 1970,tendo sido, inclusive, objeto de discussão da reunião especial de mi-nistro da saúde em Santiago do Chile, em 1972, onde foram propos-tas metas para a formação de várias categorias profissionais. Frise-setambém que se trata de uma parcela da força de trabalho em saúdeque por diversos motivos foi excluída dos bancos escolares. Para seter uma idéia do que isso representava, dados do Censo de 1980,destacados por Nogueira (1987), sobre a escolaridade formal da for-ça de trabalho em saúde, demonstram que 47% da categoria de auxi-liar não haviam concluído o primeiro grau. Dado revelador do baixonível de escolaridade formal da força de trabalho em saúde, entre opessoal auxiliar. Ainda de acordo com Nogueira, para a composiçãodeste quadro de insuficiente escolaridade muito contribuía a presen-ça numerosa (cerca de 30%) dos atendentes, parteiras, guardas sani-tários e outros trabalhadores apenas denominados como nível ele-mentar. O baixo nível de escolaridade ou de formação específica destecontingente de trabalhadores, certamente, não podia ser entendidocomo uma questão de exclusivo interesse do próprio trabalhador,uma vez que, seguramente, a situação tinha reflexos sobre a qualida-de dos serviços prestados à população.

Em 1978 dar-se-ia a renovação do Acordo e, no ano seguinte, seiniciaria a contratação da equipe que, segundo Pires-Alves e Paiva(2006), inauguraria a segunda etapa do PPREPS. Entre os membrosconstavam: Alberto Pellegrini Filho (1979), na época, professor doDepartamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade deMedicina da Universidade de Minas Gerais; Francisco Lopes (1979),administrador e, na época, assessor da secretaria geral do Ministérioda Educação e Cultura; Regina Coeli Nogueira, funcionária do Mi-nistério de Educação e Cultura (MEC); Ena Galvão, (1982), também

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funcionária do MEC; Roberto Passos Nogueira (1980), médico, sa-nitarista, ingressou para o Programa depois de ter assumido um car-go de assessor de recursos humanos no Ministério da Saúde; e o mé-dico e sanitarista José Paranaguá de Santana (1979), o único que per-manece até hoje. Muitos deles participaram da formulação, execu-ção e consolidação das propostas educacionais, que compõem a baseempírica deste estudo.

Resumindo, o PPREPS foi um projeto nacional, executado porconsultores nacionais, com contratos internacionais vinculados a umaorganização internacional. Estes contratos caracterizavam uma su-bordinação funcional ao Programa de Recursos Humanos da Oficinada OPAS em Washington, mas, não uma subordinação hierárquica doPPREPS à sede da Oficina em Washington, como deixa claro o depo-imento a seguir.

O PPREPS foi um projeto brasileiro dentro da sededa Representação da OPAS no Brasil. Ele teve a con-tribuição da OPAS, o documento original foi escritopor um consultor da OPAS, o doutor Carlos Vidal,teve um patrocínio muito forte de outro funcionárioda OPAS, que foi José Roberto Ferreira. A equipedo PPREPS foi coordenada na sua primeira fase porum outro brasileiro, também funcionário da OPASque foi o Carlyle, e toda a equipe do projeto PPREPSera quase toda constituída por profissionais recruta-dos pela OPAS no próprio país. Então, eu diria as-sim, o PPREPS foi um projeto brasileiro, patrocina-do pelo governo brasileiro, com sede na OPAS (JOSÉPARANAGUÁ DE SANTANA, informações ver-bais).67

67 Entrevista realizada em Brasília em junho de 2007.

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Registre-se para efeito de esclarecimento que até a criação doPPREPS a OPAS funcionava essencialmente com um grupo de con-sultores internacionais trazidos para o Brasil, em geral, dos paíseslatino-americanos. O que, de acordo com um dos entrevistados,

é um aspecto positivo da OPAS, pois enquanto quetodos os organismos operam com consultores anglo-saxões, em sua maioria, ela sempre procurou usarprofissionais, pelo menos, da própria América Lati-na. Mas, de qualquer jeito eram consultores estra-nhos que não tinham acesso total aos governos (JOSÉROBERTO FERREIRA, informações verbais).68

Contudo, ainda de acordo com esse depoente,

o motivo da OPAS em não aceitar que funcionáriosnacionais atuem no seu próprio país era exatamenteesse: evitar que eles possam ter uma inter-relaçãopolítica local que ultrapasse os limites de controledo nível internacional (JOSÉ ROBERTO FERREI-RA, informações verbais).69

No entanto, no Brasil, a existência de uma equipe nacional noPPREPS, articulada com o movimento da Reforma Sanitária quecomeçava a ter visibilidade com força no cenário nacional, foi deter-minante para o desenvolvimento de um trabalho fortemente enrai-zado nas necessidades do país.

Neste sentido, merece reafirmar que a participação da OficinaCentral de Washington, através do Departamento de Recursos Hu-manos, sempre resguardou a liberdade da equipe local no planeja-mento e condução das ações.

68 Entrevista realizada no Rio de Janeiro em março de 2008.69 Idem

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Sobre esta autonomia de ação do grupo condutor do PPREPS, oentão diretor do Departamento de Recursos Humanos da OPAS emWashington iria, anos mais tarde, declarar:

Todos os programas de recursos humanos eram subordi-nados a mim, mas dentro de cada país o coordenador doprograma tem total autonomia. No caso [do PPREPS],Carlyle (coordenador do programa) passou a atuar, usan-do o programa, muito mais como nacional, do que comointernacional [...], mas eu nunca interferi no trabalho (FER-REIRA, 2005, transcrito do original).70

Uma das características da equipe inicial do PPREPS, repetida-mente ressaltada pelos informantes desta pesquisa, era saber ouvir osparceiros, quer fossem os ministérios, as escolas, as secretarias desaúde ou os profissionais, enfim, todas as instituições e pessoas queestivessem envolvidas no Programa, na coordenação ou na execuçãodos projetos. A partir desse movimento de escuta, iam-se moldandoas propostas com aderências às políticas nacionais e às realidades es-taduais. Seguramente não será equivocado supor que a capacidadede diagnosticar as situações locais e a postura de respeito às diversi-dades tenham sido algumas das fortalezas do Programa de Coopera-ção em Desenvolvimento de Recursos Humanos da OPAS/Repre-sentação no Brasil desde os primórdios do PPREPS. Também é plau-sível supor que estas características tenham sido estratégicas para ga-rantir a liberdade de ação da equipe e sua legitimação tanto em rela-ção à Oficina Central da OPAS em Washington, como em relação aosministérios signatários do Acordo. Dito isso, destaca-se desde já umadas características do supracitado programa: construir projetos emparcerias com diversos atores institucionais.

70 Entrevista original, gentilmente concedida pela coordenação da pesquisa "His-tória da Cooperação Técnica em Recursos Humanos para a Saúde (1975-1988)”.

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3.4 Sob o olhar da avaliação

Macedo, Santos e Vieira (2004), avaliando as atividades realizadas,ressaltam que a articulação entre as instituições de ensino e de servi-ços de saúde proporcionou, aos diversos projetos executados, o res-paldo institucional técnico e financeiro necessário para a atuação doPPREPS.

José Roberto Ferreira, ao se referir aos resultados do PPREPS,destaca:

A idéia de levar a problemática de formação de re-cursos humanos para o setor saúde, no Brasil, foi obrado PPREPS. Primeiro a nível central, fazendo comque o Ministério da Saúde passasse a vincular-se aoproblema, com a criação da Secretaria de RecursosHumanos,71 [..]. E, depois, nos estados, promovendo aintegração da secretaria de saúde com a universidadelocal, variando de um estado para outro na conforma-ção (FERREIRA, 2005, transcrito do original).72

Reforçando essas avaliações, outros participantes da equipe técni-ca do Programa, em entrevista para o presente trabalho, disseramque mais do que resultados quantitativos, a experiência foi funda-mental para a estruturação dos órgãos de recursos humanos nas se-cretarias estaduais de saúde e para a compreensão da abrangência eformulação de políticas de recursos humanos articuladas com outros

71 Criada em 1975, a Secretaria de Recursos Humanos iria, nas diversas gestões,receber nomes diferentes e status também diferente (Departamento, coor-denação e outras). Em 2004, no primeiro governo Lula, ela recebeu o nomede Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde.

72 Entrevista gentilmente cedida pelos coordenadores do Projeto História daCooperação Técnica em Recursos Humanos em Saúde no Brasil.

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processos institucionais. Revelador desse sentimento é o depoimen-to a seguir:

Nós queríamos dar um salto de qualidade. Tínhamosmuitas preocupações com aquele conceito cartorialde Recursos Humanos, que era simplesmente de De-partamento de Pessoal, então, queríamos estruturarnas secretarias estaduais de saúde (primeiro nas se-cretarias estaduais de saúde, as secretarias munici-pais de saúde vieram depois) órgãos que fossem res-ponsáveis pela formulação de políticas de RH para osserviços de saúde (IZABEL DOS SANTOS, depoi-mento verbal).73

Observa-se, neste depoimento, a compreensão de que os órgãosde recursos humanos deveriam assumir a responsabilidade pela for-mulação das políticas de recursos humanos da instituição. Assim sen-do, não havia sentido que as atividades de administração ficassem se-paradas das atividades de educação. Esta discussão iria persistir pormuitos anos. Somente com o advento do CADRHU, em 1987, é queela passaria a ter mais densidade e as propostas de reestruturação dosetor começariam a ser colocadas em prática.

O pronunciamento a seguir ressalta uma das críticas formuladasaos treinamentos da época:

Os cursos eram nada mais que treinamentos, e euque fui cada vez mais me localizando nessa área, co-mecei a perceber que tínhamos que fazer diferente,algo que pudesse se transformar em uma políticapública e que ajudasse a resignificar a prática (IZA-BEL DOS SANTOS, depoimento verbal).74

73 Entrevista realizada em Brasília em agosto de 2007.74 Entrevista realizada em Brasília em agosto de 2007.

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A este respeito, Souza et al (1991) discutem que as atividadeseducativas desenvolvidas nos serviços de saúde têm como uma dassuas características a fragilidade desse componente dentro da estru-tura institucional. É possível que esta fragilidade seja um dos deter-minantes pela adesão não crítica a processos cujos pressupostos teó-ricos não ajudam a repensar a prática e conseqüentemente transfor-má-la. Esta foi uma das principais críticas assumidas por parte da equipedo PPREPS. Esta prática e a forma de conceber os processos educa-tivos mudariam radicalmente por ocasião da elaboração do ProjetoLarga Escala, no início dos anos 1980.

Avaliando a articulação do PPREPS com as secretarias estaduais emunicipais de saúde, Carlyle Guerra de Macedo assim se manifesta:

Um dos fundamentos, do PPREPS era trabalhar comas Secretarias de Saúde, quer dizer, a descentraliza-ção que nós prevíamos naquele momento não chega-va até o município, ainda que pensássemos, sonhás-semos, mas, tava fora da realidade pensar numa des-centralização. A não ser, para municípios muito gran-des. A coisa era trabalhar com as Secretarias de Saú-de a idéia de que as Secretarias de Saúde depois mul-tiplicassem para o município. Então, esta era a filo-sofia de trabalho do PPREPS, trabalhar com as Se-cretarias de Saúde (MACEDO, 2005, transcrita dooriginal).75

É oportuno lembrar que Macedo está se reportando ao períodoentre 1976 a 1978, portanto, ainda estava em vigor o antigo SistemaNacional de Saúde, organizado na perspectiva da centralização dasações. Somente em 1987, com o advento do Sistema Unificado e

75 Entrevista gentilmente cedida pelos coordenadores do Projeto História daCooperação Técnica em Recursos Humanos em Saúde no Brasil.

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Descentralizado de Saúde (SUDS)76 e posteriormente do SUS é queas secretarias de saúde municipais ganhariam visibilidade e dimensãopolítica, resultado da audaciosa reforma do setor saúde, denominadade Reforma Sanitária Brasileira.

3.5 À guisa de outras reflexões

Torna-se oportuno frisar que, apesar do trabalho inovador, a equipedo PPREPS não deixava de enfatizar certas críticas sobre a forma derealização dos processos educativos apoiados e financiados pelo mes-mo. Estas críticas tornavam-se ainda mais veementes se os processosem questão fossem destinados aos trabalhadores que não possuíamqualificação específica para trabalhar no setor.

O objetivo era treinar cerca de 160 mil pessoas, treina-mento, não era mais do que isso. Era aquela época da"reciclagem", de treinamentos pontuais. Então eu fuivendo que as coisas não podiam ser bem assim, daquelaforma nós não íamos resolver a situação de um grandenúmero de trabalhadores sem qualificação específica(IZABEL DOS SANTOS, depoimento verbal).77

76 Ministro da Previdência e Assistência Social, Raphael de Almeida Magalhães,através do Decreto n.94 657, de 20 de julho de 1987, criou o Sistema Unifi-cado e Descentralizado de Saúde (SUDS). Na perspectiva de fortalecimentoda descentralização, o SUDS iria transferir recursos aos estados e municípiosque se propusessem a criar conselhos municipais ou estaduais de saúde eelaborassem seus planos municipais e estaduais de saúde. Essa etapa da des-centralização foi marcada pela extinção das Superintendências Regionais doINAMPS e pela transferência de grande parte das suas atribuições para asSecretarias Estaduais de Saúde. Pode-se dizer que o SUDS foi uma espécie detransição para o SUS.

77 Entrevista realizada em Brasília em agosto de 2007.

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Esse depoimento evidencia que o propósito inicial de treinar ostrabalhadores dos serviços de saúde para atender às necessidades dosprogramas de extensão de cobertura começava a assumir uma feiçãomais qualitativa. É possível que o contato da equipe do PPREPS/OPAS com os profissionais dos estados tenha promovido uma melhorcompreensão da situação local, provocando assim um repensar sobreos programas de treinamentos apoiados pela OPAS/Representaçãono Brasil.

Para apoiar esta hipótese reproduz-se aqui a indagação de um agen-te de saúde, publicada no livro Izabel dos Santos: a arte e paixão deaprender fazendo: "Moça, eu estou cansada de fazer treinamentos quenão servem para nada. Não há jeito de fazer uma coisa que possa mebeneficiar depois?" (CASTRO; SANTANA; NOGUEIRA, 2002, p.57).

Segundo as próprias palavras de Izabel dos Santos, no citado livro:

Diante da pergunta dessa moça, comecei a perceberque, com o diploma, o trabalhador/aluno poderia seapresentar em qualquer ponto do País e teria um reco-nhecimento, teria uma profissão. Sem o diploma, elepoderia ser muito bem qualificado para a instituição,todavia, ele não poderia disputar o mercado de traba-lho, enfim, não teria o direito de sair da instituição (CAS-TRO; SANTANA; NOGUEIRA, 2002, p.57).

Tal questionamento abriu caminho para a formulação de outrasquestões:

1. Como fazer para formar esse imenso contingentede trabalhadores sem desfalcar o serviço por muitotempo?

2. Se essas pessoas não cursaram a educação formal enão detêm as competências básicas, como fazer paraque elas consigam percorrer um currículo formal?

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3. Como oportunizar futuros aproveitamentos de es-tudos e possibilidades de complementação escolar quepermitam aos trabalhadores dos serviços de saúde agalgar patamares de processos educativos mais avan-çados?

4. Como possibilitar que os processos educacionaisrealizados pelos serviços de saúde pudessem garan-tir benefícios sociais mais sólidos para os própriostrabalhadores?

5. Como elaborar uma proposta diferente do até en-tão estabelecido e ao mesmo tempo atender aos re-quisitos da educação formal? (IZABEL DOS SAN-TOS, depoimento verbal).78

Estas preocupações ou desafios resultaram na elaboração da pro-posta educacional que marcaria a segunda etapa do PPREPS, o Pro-jeto de Formação em Larga Escala de Pessoal de Nível Médio e Ele-mentar para os Serviços de Saúde, objeto de discussão da próximaparte deste trabalho. A formulação do referido projeto iria partir dapremissa que a educação é um direito que deve ser respeitado paratodos e que a qualificação técnica é, do ponto de vista do trabalha-dor, um valor em si mesma, e, do ponto de vista do serviço, um ele-mento chave para a sua própria qualificação.

Para finalizar, retome-se ao início desta seção para recordar que arealização do PPREPS serviu de base para a conformação do atualPrograma de Cooperação Técnica de Desenvolvimento de RecursosHumanos79 da OPAS/Representação no Brasil. O protagonismo daOrganização em um programa do governo brasileiro que, por sua

78 Entrevista realizada em Brasília em agosto de 2007.79 Este programa, al igual que al ocurrido con la Oficina Central, recibiría varia-

dos nombres al sabor de las diversas coyunturas de la Organización.

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vez, iria ser o marco para a estruturação do seu próprio programa derecursos humanos no Brasil, dá início a uma longa história de parce-ria entre a OPAS e o Ministério da Saúde. É certo que a intensidadedessas relações iriam variar ao longo dos anos, dependendo das con-junturas políticas e organizacionais de cada uma das instituições en-volvidas, todavia, elas jamais foram rompidas.

É fato que, se nem todas as metas previstas no documento inicialdo Acordo foram alcançadas, o programa possibilitou avanços, comoo início da implantação dos órgãos de recursos humanos nas secreta-rias de saúde. Frise-se que, até então, os chamados problemas de re-cursos humanos eram de tal forma marginalizados, a ponto de inexis-tirem políticas do Ministério de Saúde e das Secretarias Estaduais deSaúde voltadas para resolvê-los. Algum tempo iria se passar até queesses problemas alcançassem a visibilidade devida, todavia, registra-se com o PPREPS, o início desse processo. Também devem ser cre-ditados como mérito dessa primeira fase do PPREPS possibilitar acriação de espaços para projetos comuns entre os distintos ministéri-os que compunham o Acordo, como também plantar e regar idéiasque, em outras conjunturas, estabeleceriam as bases para o programade cooperação técnica de recursos humanos entre a OPAS e o Go-verno brasileiro nas décadas de 1980 e 1990.

Diante do exposto, espera-se ter conseguindo iluminar fatos sig-nificativos do desenvolvimento do PPREPS que contribuam para oargumento deste estudo de que o Programa de Cooperação em De-senvolvimento de Recursos Humanos da OPAS/Representação noBrasil teve decisiva participação no fortalecimento do campo de re-cursos humanos, utilizando como estratégia o desenvolvimento deprojetos de capacitação de pessoal para os serviços de saúde.

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A materialização dacooperação técnica

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Procura-se nesta seção discutir três experiências de formação depessoal que fizeram parte do projeto de cooperação técnica entre aOPAS/ Representação no Brasil e o Governo brasileiro. Espera-se, apartir delas, mostrar que o projeto de cooperação do Programa deCooperação em Desenvolvimento de Recursos Humanos da OPASfoi sendo plasmado pelos movimentos e projetos referidos nas seções1 e 2. Procurando encontrar argumentos para defender esta tese,parte-se de quatro questões: Estas propostas educacionais têm ade-são ao movimento da Reforma Sanitária Brasileira? Elas têm explici-tado uma proposta técnica/política para suas respectivas áreas deatuação, tendo em vista uma melhor qualificação dessas áreas? Qual acontribuição dessas experiências educacionais para a organização daárea de recursos humanos em saúde? Existe entre elas uma linha co-mum que permita visualizar a concepção de educação adotada pelaOPAS, nas décadas de 1980 e 1990?

Tais propostas educacionais, que estiveram sob a responsabilidadeinstitucional do Programa de Cooperação Técnica em Desenvolvi-mento de Recursos Humanos da citada organização, são: 1. o ProjetoLarga Escala, iniciado na primeira metade da década de 1980; 2. oProjeto CADRHU, lançado na segunda metade dessa mesma década;e 3. o Projeto GERUS, fruto da década de 1990.

O ponto de partida para a discussão desta seção está no ProjetoLarga Escala. Ao estabelecer este ponto de partida, pretende-se mos-trar a influência da concepção pedagógica e metodológica do Proje-to Larga Escala nas outras duas propostas educacionais desenvolvidaspelo Programa de Cooperação Técnica de Recursos Humanos daOPAS/Representação no Brasil.

Para a construção desta seção foi procedida uma acurada pesquisanos documentos dos projetos alvos deste estudo e uma análise dosprogramas curriculares do CADRHU e do GERUS, assim como noguia curricular da Capacitação Pedagógica do Larga Escala. As entre-

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vistas com os atuais e ex-consultores da OPAS foram de fundamentalimportância para esclarecer como se deu a participação da Organi-zação nesses projetos, como também iluminar o desempenho dosconsultores que protagonizaram decisivo papel na idealização dosmesmos, empenhando esforços na elaboração, condução e sedimen-tação de todos eles no território nacional. Os pronunciamentos deIzabel dos Santos, pesquisados em outras publicações, foram de sin-gular importância para a compreensão da concepção pedagógica quepermeia as três propostas educacionais estudadas.

A leitura de educadores, como Souza et al (1991) Freire (1996,1987, 1980, 1974), Saviani (2007), Libâneo (1985), Bordenave (1989)e Davini (1989) foram decisivos para o diálogo e interpretação depropostas.

4.1 Projeto de Formação em Larga Escala dePessoal de Nível Médio e Elementar para os

Serviços de Saúde

Dando prosseguimento às atividades do PPREPS e marcando a se-gunda etapa deste Programa, deu-se início, nos primeiros anos dadécada de 1980, a elaboração do Projeto Larga Escala. Sua preocu-pação inicial era "capacitar pessoal de nível médio em 'larga escala'para satisfazer as necessidades da demanda, em vista às propostas doPrev-Saúde"80 (MPAS 1987, p.2, grifo do autor).

80 Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde. Seus principais objetivoseram: enfrentar a cobertura dos serviços básicos de saúde, de forma a atingiro conjunto da população; promover um reordenamento do setor público,estimulando maior articulação entre as esferas federal, estadual e municipal;aumentar a produtividade, via racionalização da oferta de serviços disponíveis;e promover a melhoria das condições sanitárias do ambiente, com a implanta-

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Para efeito de esclarecimento inicial, de acordo com Izabel dosSantos, mentora intelectual da elaboração da proposta e do seu de-senvolvimento, é importante observar que apesar da denominaçãoProjeto Larga Escala, a rigor ele não deveria ser chamado assim, vistoque não tinha prazo estabelecido para sua duração e nem financia-mento previamente garantido. "Acho que para sua construção foimuito bom não ser projeto, pois não se tinha prazo, você podia se-guir o ritmo dos acontecimentos" (CASTRO; SANTANA; NOGUEI-RA, 2002, p.68). Todavia, como ele ficou assim conhecido no terri-tório nacional, este texto utilizará a denominação Projeto Larga Es-cala.

A idealização do Projeto Larga Escala teve início nos primeirosanos de uma conjuntura política caracterizada pelo movimento deabertura política no país, resultante da insatisfação da sociedade como prolongamento do regime ditatorial e suas conseqüências. A inten-sa participação da sociedade civil na luta por liberdade e democraciavai dar a tônica dessa década cujo símbolo de sua efervescência foi omovimento das Diretas Já, no ano de 1984.

Para o setor saúde não só foram anos decisivos rumo às mudançasno sistema de saúde brasileiro, mas também para as questões relacio-nadas ao campo de recursos humanos que vão ter um destaque jamaisalcançado em conjunturas anteriores, como será visto no decorrerdeste texto.

Documentos do Ministério da Saúde e da OPAS, que tratam doProjeto, Larga Escala, mostram que o seu surgimento se deu numcontexto marcado pelo grande crescimento do número de trabalha-dores sem qualificação específica, crescimento este apontado comodesdobramento da política de extensão de cobertura dos serviços de

ção de sistemas de abastecimento de água e esgoto, particularmente na áreascom maior prevalência de endemias e maior densidade populacional (PIRES-ALVES; PAIVA, 2006).

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saúde, iniciada nos anos 1970, com continuidade na década seguinte.As estatísticas registravam que eram cerca de 300 mil trabalhadoresdistribuídos nas mais diversas funções, de serviços gerais e adminis-trativos até processos assistenciais nas áreas de enfermagem, nutri-ção, odontologia, fisioterapia e vigilância sanitária e outros (SOUZAet al, 1991). Para se ter a noção do que este quantitativo de trabalha-dores representava na época para deficiência em termos qualitativosda prestação dos serviços de saúde, é preciso levar em consideraçãoque ele correspondia à aproximadamente 50% da força de trabalhoempregada no setor saúde. Ou seja, cerca de 50% da força de traba-lho em saúde não possuíam qualificação específica, contudo, grandeparte desenvolvia atividades que envolviam cuidado com a saúde.

No documento sobre os subsídios para implantação das EscolasTécnicas de Saúde, o grupo técnico de saúde da Secretaria de Ensinodo 2º Grau do Ministério da Educação, citando dados do estudo re-alizado por Girardi, informa que, na década de 1970, o setor saúdefoi o ramo de atividade que mais incrementou a demanda por forçade trabalho. O citado documento demonstra que a População Eco-nomicamente Ativa (PEA) cresceu cerca de 4,1% ao ano e o setorsaúde ofereceu emprego a taxas duas vezes superiores, ou seja, 8,6%ao ano. Também informa que, mesmo com a crise econômica dosanos 1980, o setor saúde alcançou taxas de crescimento com índicesde 6,5% entre 1980 e 1984, apresentando, portanto, pequena vari-ação em relação à década passada.

Analisando a composição da força de trabalho em saúde, no perí-odo correspondente a 1970 e 1980, Medici et al (1992) vão mostrarque, entre os profissionais de nível superior, os médicos e os enfer-meiros foram as categorias que mais cresceram, apresentando incre-mentos brutos da ordem de 142,9% e 125,6%, respectivamente. Jáentre os profissionais de níveis médio e elementar destacava-se o gran-de crescimento de atendentes de enfermagem. Anote-se que a cate-

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goria de atendentes, segundo dados do Conselho Federal de Enfer-magem (1985), era constituída por pessoal com escolaridade varian-do entre 1º grau incompleto (41,3%), primeiro grau completo(22,8%) e segundo grau incompleto (31,2%),81 todos, sem qualifi-cação específica para trabalhar no setor saúde. Esse expressivo quan-titativo de atendentes de enfermagem, agregado ao problema desta-cado na citação a seguir, foi determinante para que o Projeto LargaEscala tenha iniciado suas atividades tendo esses trabalhadores comoalvo prioritário de atenção.82 A este respeito se pronuncia Nogueira(1987).

A proporção exagerada (cerca de 30%) de atenden-tes comprova que existe paralelamente uma questãode qualificação profissional não resolvida, já que essacategoria não legitimada é preparada empiricamen-te ou através de treinamentos precaríssimos. O bai-xo nível de qualificação do atendente constitui o 'cal-canhar de Aquiles' do processo de desenvolvimentode recursos humanos, especialmente em nossas ins-tituições públicas. Não se trata de uma questão for-mal ou restrita aos interesses do próprio profissio-nal, pois a situação tem seguramente reflexos sobrea qualidade dos serviços prestados à população (NO-GUEIRA, 1987, p.155).

81 Os níveis de escolaridade 1º grau e 2º grau correspondem, na nova Lei deDiretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9304, de 20/12/96), aosníveis de ensino fundamental e médio, respectivamente.

82 Faz-se mister esclarecer que o Projeto Larga Escala teve como alvo diversasocupações de saúde de nível médio e elementar. O destaque que este texto dápara os atendentes de enfermagem justifica-se apenas por ter sido esta ocupa-ção a primeira contemplada pelo projeto devido aos motivos explicados nocorpo do texto.

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A necessidade de se investir na qualificação desses trabalhadores édessa forma justificada em uma das publicações da OPAS:

Se, por um lado, verifica-se que o trabalho deste grupoacrescenta quantidade à produtividade do setor comoum todo, por outro lado, evidenciam-se fatores dedesqualificação do trabalho que trazem como resul-tados riscos imediatos para os usuários (SOUZA etal, 1991, p. 32).

Assim, a sustentação desta opção consiste na compreensão de queo serviço de saúde deve ser realizado sem risco para os trabalhadorese para os usuários, portanto, é inadmissível que a execução dessesserviços seja feita por pessoas sem qualificação para o desempenho dafunção.

O diagnóstico realizado pelo então Grupo Assessor Principal daOPAS/PPREPS apontava dificuldades das instituições de ensino emlidar com as especificidades do setor saúde, muitas vezes procuran-do, em situações artificiais de laboratórios, retratar a realidade dosserviços, cujo dinamismo não pode ser reproduzido nesses espaços(BRASIL,1987).83 Corroborando este diagnóstico, o Relatório doGrupo Interministerial de Recursos Humanos para Saúde indica:

A ausência de uma efetiva integração entre os seto-res de formação de pessoal e o de prestação de cui-dados de saúde tem determinado sérias implicaçõese até imposto condições indesejáveis à formação eutilização de profissionais de saúde (BRASIL, 1981,p.13).

83 Em agosto de 1975 o Acordo celebrado entre o Ministério da Saúde, o Minis-tério da Educação e Cultura e a OPAS formalizou a Comissão de Coordena-ção Interministerial do PPREPS e criava o grupo técnico.

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Por outro lado, o primeiro diagnóstico referido, também indica-va a debilidade do setor saúde em realizar processos de capacitaçãoque concedessem certificação de profissionalização válida fora doâmbito da instituição promotora, conforme foi explicitada em umareclamação de um agente de saúde feita a Izabel dos Santos, sobre autilidade dos treinamentos para a sua vida profissional fora da insti-tuição.

Esse diagnóstico também revelava que, usualmente, os serviçosde saúde adotavam práticas de treinamentos que tinham pouca ounenhuma preocupação com o desenvolvimento intelectual dos par-ticipantes, sobretudo, no que se referia aos aspectos de educaçãogeral e às formas mais conscientes ou menos mecanizadas da atuaçãoem serviço. Além disso, as metodologias de ensino pautadas na edu-cação bancária (FREIRE, 1987), por sua vez, não conseguiam pro-mover a integração da prática vivida nos serviços e a teoria discutidanas salas de aula (MACEDO; SANTOS; VIEIRA, 1980).

Corroborando o diagnóstico da equipe de assessores da OPAS/PPREPS, o grupo técnico de saúde da Secretaria de Ensino de 2ºGrau do Ministério da Educação destacava uma série de dificuldadesdecorrentes de alguns aspectos, entre eles, a escassez de pessoal do-cente qualificado, a desarticulação da escola com a rede de serviços,a inexistência de material didático específico e a não utilização demetodologias adequadas a uma efetiva integração ensino/serviço(BRASIL, 1989).

As precárias condições de despreparo dos trabalhadores de nívelmédio e elementar foram assim debatidas pela Dra. Lia Celi Fanuck,representante do Ministério da Saúde, no painel Recursos Humanospara os Serviços Básicos de Saúde, por ocasião da 7ª ConferênciaNacional de Saúde de 1980:

Somente uma postura de desmonopolização do saberpermitirá uma participação produtiva e crescente

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destes recursos humanos de nível elementar e mé-dio, constituindo diretriz da Secretaria de RecursosHumanos este compromisso de transferência de co-nhecimento (FANUCK, 1993, p.91).

Diante do exposto, cabe resumir que o Projeto Larga Escala nas-ceu da necessidade de equacionar dois graves problemas com os quaisse defrontavam os serviços de saúde e o sistema educacional: a inade-quabilidade deste último, no sentido de integrar teoria e prática; e aincapacidade do primeiro, em promover programas de formação depessoal, que fossem além das usuais propostas de treinamento, frag-mentadas e pontuais (BRASIL, 1987).

Tendo esse diagnóstico como ponto de partida, foram envidadosesforços na construção do Projeto Larga Escala, cuja proposta peda-gógica e metodológica iria se constituir, nas décadas de 1980 e 1990,na política de formação dos trabalhadores nos serviços de saúde ado-tada pelo Ministério da Saúde.

Assim, pode-se dizer que a chamada segunda fase do PPREPS tevecomo marca a profissionalização da força de trabalho de nível médioe elementar. Conseqüentemente, se afastava da perspectiva mais uti-litarista da capacitação de recursos humanos que tinha guiado a im-plementação de inúmeros programas verticais de controle de ende-mias, inclusive os treinamentos desenvolvidos pelos programas deextensão de cobertura, como o PIASS (PIRES-ALVES; PAIVA, 2006).

Concordando com os citados autores e explicitando a opção po-lítica do Projeto, Ena Galvão, ex-consultora da OPAS/Representa-ção no Brasil e, atualmente, coordenadora de Ações Técnicas doDepartamento de Gestão da Educação na Saúde, observa:

O Larga Escala é um marco para a formação de pes-soal nos serviços de saúde. Nos países da AméricaLatina – e no Brasil não foi diferente – sempre setrabalhou naquela metodologia da OPAS de treina-

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mentos e de programas, então, esta foi a primeiravez que a questão da formação vem numa perspecti-va de resgate da cidadania, através da formação evalorização do trabalhador. Esta foi uma experiênciade superação dos treinamentos utilitaristas, que atépodiam ser bons para o serviço, mas que não pensa-vam o trabalhador como o centro dos processos pro-dutivos (ENA GALVÃO, depoimento verbal).84

Destaca-se que ao mencionar o trabalhador como centro dos pro-cessos produtivos, a entrevistada está realçando uma característicafundamental dos chamados recursos humanos: eles são os únicos ele-mentos do processo de produção que têm consciência do processoprodutivo e que disputam o controle desse processo. Ressalta-se tam-bém, nesse depoimento, a idéia do Projeto Larga Escala como ummarco na transformação da forma do Programa de Cooperação emDesenvolvimento de Recursos Humanos da OPAS/Representaçãono Brasil em conceber os seus processos educativos. Isso vem apoiarum dos pontos defendidos por esta tese que considera os princípiospedagógicos e metodológicos do Larga Escala presentes também nasduas outras propostas educacionais, desenvolvidas pelo referido Pro-grama, objeto empírico desta tese.

4.1.1 A educação profissional como espaço de formação paraa cidadania

A leitura dos documentos oficiais da OPAS e dos Ministérios da Saú-de e da Previdência Social revela três compromissos básicos do Pro-jeto Larga Escala: Em primeiro lugar com a população submetida aosriscos de uma assistência prestada por trabalhadores sem a devidaqualificação; em segundo, com a qualificação dos serviços de saúde,

84 Entrevista realizada em Brasília em junio de 2007.

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ou seja, a proposta de formação do trabalhador estava intrinsecamen-te ligada ao compromisso com a reorganização dos serviços de saú-de; e em terceiro, com os educandos dos cursos do Projeto. Faz-semister assinalar que o único compromisso que tem primazia sobre osdemais é o compromisso com a população; os demais não estão colo-cados em ordem de prioridade.

Na tentativa de elucidar esses três compromissos, pleiteia-se acompreensão da educação profissional como espaço de formação paraa cidadania. Nessa perspectiva, iluminam-se quatro pontos dos ensi-namentos do professor Paulo Freire (1996) sobre os saberes necessá-rios à prática educativa: Ensinar exige apreensão da realidade; ensi-nar exige reflexão crítica sobre a prática; ensinar exige respeito aossaberes do educando; ensinar exige compreender que a educação éuma forma de intervenção no mundo.

Tendo como referência o perfil do educando participante, ilumi-na-se a opção política implícita nos propósitos do citado projeto pelademocratização do conhecimento e pela formação para a cidadania,no âmbito da saúde, utilizando o espaço da educação profissional.Silva (2002) desenha esse perfil da seguinte forma: Trabalhadores adul-tos, provenientes das camadas populares; a maioria com baixo graude escolaridade, resultante da sua exclusão prematura do sistema deeducação formal;85 distribuídos nas unidades de saúde de diversosmunicípios do país, onde muitos deles não possuíam estruturas edu-cacionais com o ensino fundamental completo; muitos dos trabalha-dores, em decorrência da idade avançada, não tinham condições parao retorno ou o ingresso em cursos regulares de educação geral; sem

85 Chama-se de educação formal aquela que é ministrada formando parte dosistema de educação oficialmente reconhecido com estrutura e organizaçãoaprovada pelos organismos competentes e cujos produtos (aprendizagem oudesempenhos alcançados pelo aluno) são verificados através de avaliação elegitimados por diplomas ou certificados.

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identidade profissional, estes trabalhadores se tornavam, sem possi-bilidade de mobilidade de emprego, clientela cativa das instituições.

Este perfil impôs, de imediato, uma indagação para a equipe: comopropiciar ao trabalhador habilidades e capacidades para pensar e agir,através de processos educativos vinculados aos serviços?

Este questionamento iria fazer emergir algumas dificuldades. En-tre estas, uma de ordem tecnológica e pedagógica que se materializana necessidade de produção de conhecimentos e de desenvolvimen-to de tecnologia. Neste sentido, o primeiro desafio estava na necessi-dade de construir uma proposta metodológica que possibilitasse aoaluno-trabalhador ter acesso à educação geral, percorrer um currí-culo formal e obter uma titulação, sem, no entanto, deixar a popula-ção descoberta de atendimento. O segundo desafio encontra-se naopção que a proposta pedagógica deve levar em consideração: a inte-ração entre o sujeito e o objeto, destacando o como as pessoas apren-dem e não o como ensinam.

Nessa perspectiva, sob a coordenação de Izabel dos Santos, umgrupo86 de consultores passou a trabalhar na construção daquelesque vieram a ser conhecidos como os componentes do Projeto Lar-ga Escala: um currículo integrado com o trabalho; uma escola espe-cifica para a saúde, onde o aluno pode adquirir o diploma sem aban-donar o trabalho; um processo de formação de tutores/docentes.

4.1.2 Os componentes do Projeto Larga Escala

Faz-se mister ter presente que esse projeto introduziu, nos proces-sos de capacitação dos serviços de saúde, o método pedagógico daproblematização. No dizer de Freire (1974), um método ativo e ca-

86 Desse grupo fazia parte Ena Galvão (OPAS), Hortência Huppia Holanda (MS),Maria Cristina Davini (OPAS), Maria Thereza de Freitas Grandi (OPAS), Ro-berto Passos Nogueira (OPAS).

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paz de criticizar o homem através do debate de situações desafiado-ras, situações estas que, ao serem postas diante do grupo de educan-dos teriam que ser existenciais para eles.

Nesse sentido, Freire (1974, p.107) questiona: "Como realizaresta educação? Como proporcionar ao homem meios de superar suasatitudes, mágicas ou ingênuas, diante de sua realidade?" Em seguida,ele mesmo fornece a resposta: "Somente um método ativo, dialogal,participante, poderia fazê-lo". E o que é o diálogo? Continua proble-matizando o professor. "É uma relação horizontal de A com B. Nascede uma matriz crítica e gera criticidade". E desse diálogo, o educan-do apreende criticamente a necessidade de apreender o objeto (con-teúdo) e prepara-se para ser agente do seu aprendizado.

A opção metodológica adotada pelo Larga Escala partia da com-preensão que o educando tem voz e constrói ativamente o seu co-nhecimento. Nesse sentido, ressalta-se a interação entre o sujeito e oobjeto no ambiente de trabalho. Ao dar ênfase às formas de aprenderdo sujeito, considera-se que ele, a partir do seu referencial da reali-dade e com seus conhecimentos de prática e senso comum, podeconstruir novos conhecimentos mais elaborados e específicos, de acor-do com a habilitação profissional. Desse modo, a equipe do ProjetoLarga Escala deixa claro que a aposta era numa metodologia que bus-casse estimular a capacidade de os alunos pensarem criticamente so-bre o agir. Uma metodologia que viabilizasse o diálogo entre o edu-cador e o educando tendo como premissa básica a importância dosconhecimentos e das experiências com os quais os mesmos chegam àescola, procurando assim estimular o pensar criticamente sobre oagir.

Sobre esta opção se manifesta um dos consultores entrevistados:

Levar para os processos educacionais, realizados pe-los serviços de saúde, a compreensão de que a cons-trução do conhecimento se faz a partir do estágio do

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aluno e vai progredindo junto com ele, e não o in-verso, tornando o professor o centro. Mais ainda,despertar o entendimento que não é o professor quetraz o conhecimento; ele apenas ajuda a desenvolvê-lo, pois os alunos possuem suas próprias experiênciasde vida e de trabalho, eis a grande diferença, emtermos de abordagem pedagógica, que o ProjetoLarga Escala deixou para o campo de recursos huma-nos em saúde (ENA GALVÃO, depoimento verbal).87

Nesse sentido, Bordenave (1989) vai acrescentar que a Pedagogiada Problematização parte do entendimento de que em um mundode mudanças rápidas e constantes, o importante não são os conheci-mentos ou idéias nem os comportamentos corretos e fáceis, o que seespera é o aumento da capacidade do educando para identificar pro-blemas e propor propostas de intervenção originais e criativas.

Enfim, procura-se ressaltar a importância do aprendizado peladescoberta, buscando compreender os fenômenos e sua totalidadeconcreta para, assim, possibilitar aos trabalhadores de saúde a refle-xão crítica na construção do conhecimento indispensável para a re-formulação da sua prática profissional. Dessa forma, contraponto daeducação bancária, a educação problematizadora vai orientar-se nosentido do pensar autêntico e não no sentido da doação do saber.

Esta tarefa exige uma boa dose de paciência e muita certeza nacondução do processo, a julgar pelas palavras de Izabel dos Santos,narrando a sua experiência com o método:

Os alunos ficaram irritados, diziam que as professo-ras eram preguiçosas e não ensinavam, e só faziamperguntas. [...] Os alunos diziam 'a gente veio aquipara aprender e não para ficar só respondendo per-

87 Entrevista realizada em Brasília em junho de 2007.

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guntas'. [...] Eu entendia esta reação. Vejam as pesso-as sempre foram escravas e demitidas da função depensar, então, qual é o raciocínio do aluno? Que elevai fazer um curso, que o professor vai ensinar, e queele vai aprender, não é assim? (CASTRO; SAN-TANA; NOGUEIRA, 2002, p.67-68).

Ao falar sobre a educação bancária, Freire vai referir ao ato dedepositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos. Re-flexo da sociedade opressora, a educação bancária mantém e estimu-la a contradição educador/educando, onde o primeiro é entendidocomo aquele que sabe, enquanto os educandos são vistos como osque não sabem (FREIRE, 1980).

Ainda segundo o referido autor, nessa concepção: o professorensina, os alunos são ensinados; o professor pensa para si e para osestudantes; o professor fala e os alunos escutam; o professor estabele-ce a disciplina e os alunos são disciplinados; o professor escolhe, im-põe sua opção, os alunos submetem-se; o professor atua e os alunostêm a ilusão de atuar graças à ação do professor; o professor escolheo conteúdo do programa e os alunos – que não foram consultados –adaptam-se; o professor confunde a autoridade do conhecimento comsua própria autoridade profissional, que ele opõe à liberdade dosalunos; o professor é sujeito do processo de formação enquanto queos alunos são simples objetos dele (FREIRE, 1980).

Para Bordenave e Pereira (1982), a educação bancária, baseada napedagogia de transmissão de conhecimento, atribui importância de-masiada ao conteúdo da matéria. Aqui o aluno é um bom memoriza-dor e tomador de notas. Desse modo, de acordo com os citados au-tores, ele vai ter facilidade para lidar com conceitos abstratos, masterá dificuldades para resolver problemas concretos de sua realida-de, ou mesmo compreendê-los.

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Já a educação problematizadora não tem como base a memoriza-ção visual e mecânica ou a repetição não crítica dos ensinamentos -características da educação bancária – mas sim, uma atitude de cria-ção e recriação. Fundamentada sobre a criatividade, a educação pro-blematizadora estimula uma ação e uma reflexão sobre a realidadetendo como ponto de partida a historicidade do homem.

A adoção da metodologia da problematização pelo Projeto LargaEscala, pode-se dizer, foi, antes de uma decisão técnica, uma posiçãopolítica. A aposta era superar a prática da prescrição, pois, comobem lembra Freire (1987, p.34), "toda prescrição tem um sentidoalienador". Situação indesejável para profissionais que trabalham emserviços que possuem como uma das suas características a tomada dedecisões rápidas em situações complexas, como é o caso daquelesque atuam na prestação dos serviços de saúde.

Assim sendo, presume-se ser pertinente afirmar que, ao optarpela adoção da metodologia da problematização, a equipe responsá-vel pela coordenação do Projeto Larga Escala estava indo ao encon-tro das idéias de educadores como Bordenave (1987), Freire (1987)e Saviani (2007) que defendem uma educação voltada para a liberda-de democrática de pensar, decidir, agir, criar e ser.

4.1.2.1 O currículo integrado

Compreendido como um plano pedagógico e sua correspondenteorganização institucional que articula dinamicamente trabalho e en-sino, prática e teoria, ensino e comunidade, o currículo integrado seconstitui, segundo Davini88 (1989), em um instrumento que possibi-lita

88 Maria Cristina Davini de naturalidade argentina, doutora em educação pelaPUC/RJ, trabalhou no Projeto Larga Escala, contratada pela OPAS/Repre-sentação no Brasil, por quase quatro anos. Sua contribuição foi fundamentalpara a estratégia pedagógica e metodológica do projeto. Depois de retornar à

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uma efetiva interação entre ensino e prática profis-sional; a real integração entre prática e teoria e oimediato teste da prática; um avanço na construçãode teorias a partir do interior; a busca de soluçõesespecíficas e originais para diferentes situações; a inte-gração ensino-trabalho-comunidade, implicando emuma imediata contribuição para esta última; a inte-gração professor-aluno na investigação e busca de es-clarecimentos e propostas; a adaptação a cada reali-dade e aos padrões culturais próprios de uma deter-minada estrutura social (DAVINI,1989, p.45).

Desse modo, o modelo de currículo idealizado para o ProjetoLarga Escala procura romper com a visão tradicional que compreen-de o currículo como uma simples organização de conteúdos a seremtrabalhados pedagógica e didaticamente.

Libâneo (2004) ensina que o currículo tradicional é aquele orga-nizado por disciplinas compartimentalizadas e que tem o professorcomo detentor do saber e o aluno como armazenador de informa-ções.

Nessa mesma orientação, Davini (1989) acrescenta que a principalcaracterística do currículo tradicional é o formalismo que se definepelas seguintes características: transmissão de conhecimentos parcela-dos e pela organização em disciplinas; estudo isolado dos problemas eprocessos concretos do contexto em que se dão; aprendizagem poracumulação de informações obtidas em livros ou processadas por ou-tros; além de serem rígidos e fundamentados em uma concepção peda-

Argentina, Davini continuou cooperando com a OPAS, quer seja como con-sultora nacional em seu país, quer seja, prestando consultorias eventuais emoutros países, inclusive à Oficina Central em Washington. Dedicou-se, desdea sua experiência no Projeto Larga Escala, ao trabalho com educação de re-cursos humanos, mas particularmente, na linha de educação permanente.

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gógica para a qual o ato de aprender se dá através da memorização dainformação ou da execução mecânica de procedimentos.

Em posição oposta, o currículo integrado tem como princípio oprocesso de aprendizagem que deve ser iniciado tendo como ponto departida a prática profissional do aluno, obrigando-o a pensar, sistemati-zar e teorizar a sua prática, sem subestimá-lo, mas submetendo-o àsnecessidades de formação do adulto trabalhador. Em suma, o conteú-do é organizado em atividades seqüenciadas, de modo que o aluno, emsucessivas aproximações, vai gradualmente se apropriando do objeto edesenvolvendo a sua capacidade de generalização e abstração.

Segundo Freire (1987), o diálogo entre o educando e o educadorcomeça na busca do conteúdo programático. Ainda de acordo comesse educador, para o professor dialógico e problematizador, o con-teúdo não é um conjunto de informes e de valores a ser depositadonos educandos. Mas, sim, algo organizado a partir da situação pre-sente, existencial e concreta.

As palavras do entrevistado, a seguir, são reveladoras da experiên-cia da equipe do Projeto Larga Escala com a construção dos currícu-los integrados:

[...] Se partia dos exemplos que estavam vivendo, setentava sistematizar, mas com passos rigorosos, ouseja, não era uma coisa espontaneísta. Então, o queIzabel criou de novo foi o sentido metodológico des-sa aprendizagem a partir do aluno. Ela dizia: "é pre-ciso ter um guia curricular, é preciso explicar passoa passo o que está se querendo, embora o conheci-mento vá sendo construído pelo aluno, mas não noprocesso espontâneo porque facilmente a esponta-neidade se perde" (ROBERTO PASSOS NOGUEI-RA, depoimento verbal)89.

89 Entrevista realizada em Salvador (BA) em julho de 2007.

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A construção do currículo do Larga Escala teve como orientaçãoo esquema do "Método do Arco", proposto por Charlez Maguerez.Segundo Berbel (1995), este esquema foi explicado e aplicado, pelaprimeira vez no Brasil, por Bordenave e Pereira, em 1977, na 1ªedição de "Estratégias de Ensino-Aprendizagem".

No diagrama do "Método do Arco", a proposta de ensino/apren-dizagem começa levando o aluno a observar a realidade. No segundomomento, são identificados pontos-chave do problema, ou, as variá-veis mais determinantes da situação. Em seguida, o aluno passa para ateorização – nesta fase a contribuição do professor é fundamental.Depois, se encaminha para a fase da formulação de hipóteses de solu-ção para o problema ou situação, para, logo após, dar início à etapada aplicação à realidade. Neste último momento, espera-se que oeducando tenha aprendido a generalizar o aprendido para utilizá-loem situações diferentes, sabendo, inclusive, discernir em que cir-cunstâncias aplicar o conhecimento. Enfim, o arco de Charlez Ma-guerez, como ficou conhecido, demonstra muito claramente umadas características da metodologia da problematização: o aluno usa arealidade para aprender com ela, ao mesmo tempo em que se prepa-ra para transformá-la.

Nessa mesma perspectiva, Cury (1995, p.74) ressalta o fato que"uma pessoa só conhece bem algo quando o transforma, transfor-mando-se ela também no processo". Assim, a articulação com a prá-tica dos trabalhadores se faz imprescindível para que se consiga al-cançar abstrações de problemas inerentes ao processo produtivo. Essaestreita relação remete à compreensão da educação, como "um sa-ber sempre referido a um fazer" (CURY, 1995, p.74) e coloca emperspectiva a sua função política no processo de trabalho possibilita-da pela ação de sujeitos sociais.

Em resumo, o currículo integrado, construído para o ProjetoLarga Escala, segue o entendimento de que as propostas pedagógicas

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destinadas aos trabalhadores dos serviços de saúde devem ter umarelação dialética com o processo de trabalho. Isto, compreendendoque, se o trabalho determina as necessidades e prioridades dos pro-cessos de capacitação, estes podem, por sua vez, influenciar, de for-ma decisiva o processo de reorganização dos serviços de saúde. Deveser reconhecido, todavia, que a educação não transforma a práticasocial de modo direto e imediato, mas de modo indireto e mediato,na medida em que age sobre os sujeitos da prática (SAVIANI, 2007).

4.1.2.2 Uma escola comprometida com o pensar e com o fazer

Ao mesmo tempo em que a proposta do currículo integrado foi ad-quirindo materialidade, Izabel dos Santos começou a problematizar,junto à equipe de trabalho do Larga Escala, a necessidade de se criarum espaço para tornar possível a validação dos diplomas dos cursosviabilizados com esse novo modelo de currículo. Tratava-se, no dizerde Silva (2002, p.382), "[...] uma escola com determinadas especifi-cidades".

Assim começa a ganhar materialidade o segundo componente doProjeto Larga Escala, ou seja, as Escolas de Formação Técnica deSaúde, também chamadas, em alguns estados, de Centros de Forma-ção de Pessoal de Nível Médio e Elementar para os Serviços de Saú-de.

Que escola seria essa? As palavras de Izabel dos Santos, em entre-vista concedida para o livro Izabel dos Santos: a arte e a paixão de apren-der fazendo, esclarecem:

A minha experiência dizia que a escola formal, regu-lar, pouco seria útil para o aluno/trabalhador que ti-nha sido excluído, em algum momento de sua vida,dos bancos escolares formais. Portanto, ela teria queter, como princípio primordial, a inclusão (CASTRO;SANTANA; NOGUEIRA, 2002, p.58).

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Isso significa dizer que a escola deveria ofertar alternativas que in-cluíssem o educando/trabalhador no processo de formação e o man-tivesse até a sua conclusão do curso. Como fazer isso? A propostaencontrada veio através de duas palavras: flexibilidade e descentrali-zação. A exigência da flexibilidade partia do diagnóstico que o edu-cando/trabalhador tinha dificuldades de freqüentar a escola todos osdias. Já a necessidade de ofertar cursos descentralizados era uma ten-tativa de levar os processos educativos até os municípios mais distan-tes da sede da Escola, considerando que os alunos estavam espalhadospor todos os municípios que possuíam estabelecimentos de saúde.

Nesse sentido, diferentemente da escola tradicional que se orga-niza, enquanto uma "agência centrada no professor, que transmite oacervo ao aluno segundo uma gradação lógica" (SAVIANI, 1994, p.18),a escola preconizada pelo Projeto Larga Escala,

em vez de ser uma escola endereço, passa a ser umaescola função. Isso quer dizer que ao invés do aluno irtodos os dias para a escola em horários programados,a escola é quem vai ao aluno no seu ambiente detrabalho. O docente em vez de ser um cargo, passa aser uma função. Nessa concepção de escola é que sebaseia toda a descentralização dos cursos e a buscapara atender às necessidades do cliente trabalhador90

e do cliente gestor91 dos municípios mais distantes(CASTRO; SANTANA; NOGUEIRA, 2002, p.60).

Nessa perspectiva, a inclusão é o princípio norteador que orientaas duas das características da escola, quais sejam, ser flexível e des-centralizada. Dessa forma, o Projeto Larga Escala adiantava, em al-

90 Por cliente trabalhador, entenda-se os educandos participantes.91 Por cliente gestor, entenda-se os gestores das secretarias municipais de saúde

as quais os educandos são vinculados.

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guns anos, uma das diretrizes do SUS: a descentralização, com dire-ção única em cada esfera de governo.

Nessa direção, o grupo do Programa de Cooperação Técnica deRecursos Humanos da OPAS/Representação no Brasil vai fazer umexaustivo estudo da legislação educacional, ler as linhas e entrelinhasdo Parecer 669/1972, do Conselho Federal de Educação, com ointuito de identificar possibilidades para a aprovação e legitimaçãodos processos educacionais desenvolvidos pela escola. Neste traba-lho, destaca-se a atuação de Ena Galvão, consultora da OPAS, quedesempenhou importante papel não apenas na construção dos aspec-tos pedagógicos da proposta, mas também no processo de institucio-nalização dos cursos junto à Coordenadoria de Ensino Supletivo daSecretaria de Educação e Conselho Estadual de Educação de diversasUnidades da Federação.

Esses estudos demonstraram que a modalidade de ensino supleti-vo era a opção possível para dar sustentação legal ao funcionamentodos cursos da nova escola. Isso, considerando que o Parecer 699/72prevê, para essa modalidade de ensino, que "os cursos terão estrutu-ra, duração e regime escolar que se ajustem às suas finalidades pró-prias e ao tipo especial de aluno a que se destinam".

Sobre essa época, Izabel dos Santos recorda:

Este trabalho articulado entre saúde e educação foium processo difícil de ser construído. Cada passo foinegociado. Na época da confecção do primeiro regi-mento dessa Escola, o presidente do Conselho Estadu-al de Educação de Minas Gerais fez um parecer pri-moroso e foi com este parecer que eu e Ena saímospelo Brasil inteiro mostrando aos outros Conselheiros(CASTRO; SANTANA; NOGUEIRA, 2002, p.62).

Assim foi garantida uma das características da escola: a possibilida-de de ofertar cursos descentralizados.

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Outra característica desse segundo componente do Projeto LargaEscala, ou seja, da Escola de Formação Técnica de Saúde, pode ser assimdestacada: ter em seu horizonte o compromisso com o fazer, com a apli-cação do conhecimento, com a prática e com o desempenho. Portanto,ela não deve prescindir da parceria com o serviço. Contudo, uma parce-ria que não significava o esquecimento do exercício da crítica, compre-endendo que o olhar crítico para a realidade do serviço se dá na perspec-tiva de transformá-lo, tendo em vista melhorar a qualidade dos serviçosprestados à população. Nesse sentido, realça-se um outro ensinamentode Freire (1996, p.38): "Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática".

4.1.2.3 A formação dos docentes

Finalmente, o terceiro componente: a Formação dos Docentes. So-bre a exigência dessa etapa, Silva (2002) assim se pronuncia: "A evi-dência de que não há pessoal de nível superior do serviço preparadopara ensinar e, principalmente, ensinar nesse novo jeito orienta oenfrentamento de um novo desafio".

De fato, um dos grandes desafios enfrentados pela equipe de con-dução do Projeto Larga Escala relacionava-se com a baixa disponibili-dade, tanto quantitativa como qualitativa, de pessoal para exercer asfunções de instrutor e supervisor nos cursos a serem desenvolvidos.

Faz-se importante frisar que, em 1980, mais de 80% dos empre-gos de enfermagem estavam nos estabelecimentos hospitalares (ME-DICI, 1992), apresentando, todavia, de 1978 a 1980, um acréscimodesses empregos nas unidades sem internação. Contudo, em que peseessa tendência, o ensino ainda seguia a orientação hospitalar. Comoconseqüência, os profissionais alocados nas unidades básicas de saúdeapresentavam dificuldades em operar nesses espaços, criando assimum problema para o projeto que pretendia qualificar os profissionaisde nível médio e elementar e que teriam como instrutores e super-visores os enfermeiros da rede básica de saúde.

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Esta situação foi assim enfrentada por Izabel dos Santos:

Verifiquei que as enfermeiras – nossas futuras ins-trutoras e supervisoras – que iam trabalhar com aten-ção básica eram enfermeiras originárias do trabalhohospitalar, tinham aprendido enfermagem tomandocomo paradigma o indivíduo, o curativo e o biológi-co. Dessa forma, quando elas chegavam à rede básicatinham que cruzar com outra dimensão, que era ocoletivo" (CASTRO; SANTANA; NOGUEIRA,2002, p.66).

Observa-se, nesta citação, a tentativa explícita de superar a visãobiologicista de um paradigma medicalizante, centrado na doença ena assistência hospitalar. Assinale-se que a partir da segunda metadeda década de 1970, a abordagem médico-social para a análise dosproblemas de saúde começava a ser reconhecida academicamente,difundida e propagada nos departamentos de medicina preventivadas universidades, conforme foi identificada na seção 2 deste texto.

Retomando a discussão sobre a formação dos educadores, Izabeldos Santos, em entrevista para o presente trabalho, destaca que

[...] tínhamos que trabalhar com os enfermeiros, poiseles treinavam os atendentes como tinham sido for-mados. Então, eu pensava assim: se eles vão ser osinstrutores então nós temos que fazer um trabalhoprimeiro com eles. E não adianta só a capacitaçãotécnica. Então o nosso esforço foi de dar uma viradae em vez de ficar preocupado como se ensina tínha-mos que fazer a seguinte pergunta: como essas pes-soas que foram excluídas dos bancos escolares apren-dem? (IZABEL DOS SANTOS, depoimento ver-bal).92

92 Entrevista realizada em Brasília em agosto de 2007.

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Esse questionamento traz à tona mais um dos ensinamentos deFreire (1996), quando ele ressalta que ensinar exige respeito aos sa-beres do educando. Considerando que o educando, em questão, eraum trabalhador adulto inserido empregado nos serviços de saúde, odesafio consistia em saber estabelecer a relação entre os saberes cur-riculares fundamentais e a experiência prática que os educandos têmcomo profissional na realidade concreta dos serviços de saúde.

Foi nessa perspectiva que se deu a concepção e realização do pri-meiro processo de capacitação técnica e pedagógica para instrutor esupervisor da área da saúde, sob a coordenação técnica da OPAS/Representação no Brasil.

Na publicação que contém o guia curricular do programa da Ca-pacitação Pedagógica para Intrutores/Supervisores dos Serviços deSaúde, a Secretaria de Modernização Administrativa e Recursos Hu-manos do Ministério da Saúde deixa claro a sua posição em relaçãoao Projeto Larga Escala:

Esta docência é exercida no Programa de Formaçãode Pessoal de Nível Médio para o Setor Saúde, quenos últimos anos, vem construindo com bases legaise pedagógicas, uma alternativa adequada e coerentepara a qualificação de sua força de trabalho. Por estarazão, não se deve confundir esta capacitação peda-gógica com outras que são voltadas para trabalhoscom a comunidade e que enfocam a educação para asaúde (BRASIL, 1989, p.7).

Tendo como contexto a integração entre o ensino e o serviço,esta capacitação tinha como propósito refletir sobre o sujeito queaprende, o objeto a ser aprendido, o conhecimento resultante entreo sujeito e o objeto e o instrutor como facilitador desse processo.

O sujeito que aprende é reconhecido, nos documentos oficiaisque tratam do Projeto Larga Escala, como um cidadão historicamen-

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te determinado, "cujo papel no mundo não só é o de quem constatao que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito deocorrências" (FREIRE, 1996, p.77). Este sujeito, trabalhador dosserviços de saúde, apesar da heterogeneidade da sua condição sociale formação social, está apto a adquirir e produzir conhecimentos(BRASIL, 1989). Assim, com base em Freire (1996), ressalta-se queos educadores têm o dever de não só respeitar os saberes que oseducandos levam para os processos educativos – saberes socialmenteconstruídos em sua prática profissional – mas, sobretudo, discutircom os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação como ensino e o conteúdo.

Já o objeto do conhecimento é compreendido como os conteú-dos organizados e estruturados. Ele deve integralizar conceitos e prin-cípios e não pode perder de vista a totalidade e a unidade. Deve terrelevância com a prática para que se consiga alcançar abstrações deproblemas inerentes ao processo produtivo (BRASIL, 1989).

Na relação entre o sujeito, o objeto e o instrutor, o papel desteúltimo é de organizar e decodificar a estrutura do objeto, buscandofavorecer o estabelecimento de relações concretas entre a teoria, aprática e a realidade, mediando a relação entre o sujeito e o objetosem jamais dificultar o estabelecimento das relações concretas entreos mesmos (BRASIL, 1989). Pelo contrário, como bem orienta Frei-re (1996) o educador deve propiciar o estabelecimento de uma inti-midade entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e ex-periência social que eles têm com os indivíduos.

Partindo dessa premissa, o Programa de Capacitação Pedagógicapara Instrutor/Supervisor da Área de Saúde, elaborado com o pro-pósito de formar tutores para o Projeto Larga Escala, compreendia oconceito de aprendizagem como um "processo dinâmico que con-duz à 'modificação de pautas e de comportamento' verificando-seque a 'integração e estruturação de conhecimentos em todos os ní-

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veis da conduta humana, ou seja, na área da mente, do corpo e domundo externo" (BARRIGA apud SOUZA et al, 1991). Em essên-cia, uma ruptura com o conceito tradicional pautado na repetição ena memorização da Pedagogia da Transmissão.

O segundo elemento do processo de formação de instrutoresconsistia na capacitação técnica para enfermeiros. Inicialmente des-tinados às áreas de "Assistência à Mulher e à Criança", "Atenção àsDoenças Sexualmente Transmissíveis" e "Administração dos Servi-ços de Saúde", os cursos eram destinados aos enfermeiros das unida-des de saúde e docentes das universidades brasileiras. Esse processofoi responsável pela (re)organização dos serviços de atenção básicade enfermagem em várias unidades de saúde, da região Nordeste edo norte do Estado de Minas Gerais, posto que eles passaram a con-tar com enfermeiros preparados para atuarem nessas áreas.

Seu objetivo era formar o enfermeiro especialista para trabalharna organização e na assistência dos serviços e, ao mesmo tempo, qua-lificá-lo para ser instrutor dos cursos de auxiliares de enfermagem.

Com o avançar do processo, em meados da década de 1980, ogrupo do Programa de Cooperação Técnica de Desenvolvimento deRecursos Humanos da OPAS assumiu o desafio de institucionalizá-lono âmbito da universidade. Nessa perspectiva, deu-se início às estra-tégias para tal fato. Assim sendo, a Organização Pan-Americana/Re-presentação no Brasil reuniu, no Estado da Bahia, representantes decinco escolas universitárias que, pelo seu envolvimento no "ProjetoLarga Escala", poderiam apoiar a inserção de um curso de especiali-zação com esses objetivos, no ambiente universitário. Para tanto, fo-ram convidados os Departamentos/Escolas de Enfermagem da Uni-versidade Federal da Bahia, da Universidade Federal do Rio Grandedo Norte, da Universidade Federal de Minas Gerais, e da Universida-de de São Paulo de Ribeirão Preto.

Nessa oficina, foram identificadas algumas dificuldades para in-corporação da proposta pelas universidades brasileiras, e foram defi-

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nidas algumas estratégias para as negociações futuras. As principaisdificuldades apontadas foram: sendo as principais: Era uma propostacompletamente inovadora que chegava à universidade; rompia com atradição da universidade em executar currículos disciplinares, pro-pondo a execução de um currículo integrado; defendia que o do-cente tanto podia ser o professor da universidade, quanto o enfer-meiro do serviço, capacitado para tal atividade.

Faz-se oportuno frisar que, apesar da incorporação por algumasuniversidades, esta foi uma experiência que ainda não autorizou, le-galmente, o enfermeiro para o ensino – isso só viria a ocorrer anosdepois com a implantação do Projeto de Profissionalização dos Tra-balhadores da Área e de Enfermagem, do Ministério da Saúde, noúltimo ano da década de 1990. Contudo, o seu registro se faz impor-tante, considerando que ela foi a primeira experiência de articulaçãoformal entre o "Projeto Larga Escala" e as instituições de ensinosuperior, na tentativa de formar docentes por meio dessas institui-ções, para os cursos de formação de auxiliares de enfermagem.

Diante do exposto, reafirma-se que uma das características doProjeto Larga Escala era o investimento na preparação de pessoal denível superior dos serviços para assumir também a função docente.Esta proposta, ao ser adotada também por outros programas de for-mação de pessoal iria muito contribuir para: a aproximação da uni-versidade com o serviço, ampliar o número de pessoas capacitadas apartir do seu envolvimento com um dos programas e ampliar a dis-cussão sobre as questões da denominada área de recursos humanos.

Registre-se também que todo o material didático/pedagógico parao desenvolvimento do projeto, tanto para a capacitação dos tutoresquanto para os alunos, foi elaborado pela equipe de consultores daOPAS ou por consultores eventuais contratados por essa organiza-ção. Assim recorda um dos entrevistados sobre a sua experiência:

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Era o próprio grupo que conduzia a elaboração domaterial didático, essa era uma ousadia extraordiná-ria, representava uma oportunidade enorme deaprendizagem nossa, da equipe, com as pedagogias(ROBERTO PASSOS NOGUEIRA, depoimento ver-bal).93

Corroborando, Roberto Nogueira afirma em entrevista concedidaa Pires-Alves e Paiva (2006, p.155): "queríamos fazer uma qualificaçãoantitaylorista, fazer pensar o mundo a partir da função que se desempe-nha, e por isso nos encarregamos pessoalmente desses manuais".

Dialogando com a informação concedida pelos entrevistados, as-sinala-se que o mestre Paulo Freire (1987) já dizia que o diálogocomeça na busca do conteúdo programático, começa a partir dequando o educador se pergunta em torno do que se vai dialogar comos educandos. À luz das palavras de Freire, supõe-se que a preocupa-ção com a elaboração do material didático, pela própria equipe deum projeto com as características do Projeto Larga Escala, signifiqueum dos momentos de diálogo com os alunos.

4.1.3 Os resultados do Projeto Larga Escala

Em novembro de 1985, a Comissão Interministerial de Planejamen-to e Coordenação (CIPLAN), através da Resolução nº 15, de 11 denovembro, confirmou o Projeto Larga Escala como a estratégia pri-oritária na preparação dos recursos humanos, no âmbito das AçõesIntegradas de Saúde.94 Para tomada dessa decisão, os secretários-ge-

93 Entrevista realizada em Salvador (BA) em julho de 2007.94 As Ações Integradas de Saúde (AIS) forma implantadas em 1983 como um

programa de atenção médica. No entanto, adquiriram, a partir do fim de regi-me autoritário, na Nova República, um desenho estratégico de co-gestão, dedesconcentração e de universalização da atenção à saúde.

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rais dos Ministérios da Saúde, da Previdência e Assistência Social e daEducação consideraram os seguintes pontos:

a. A apresentação de resultados relevantes na integração ensi-no e serviço, na reorganização dos serviços, no resgate dopapel do sistema de supervisão, na qualificação e promoçãode pessoal e na considerável melhoria do atendimento;

b. Implantado em vários estados, o Projeto encontrava-se emexpansão nos Estados de Alagoas, Minas Gerais, Piauí e RioGrande do Norte, com resultados significativos apresenta-dos pelas autoridades de saúde do Conselho Nacional deSecretários Estaduais de Saúde e sentidos pelos usuários dosserviços;

c. O Seminário Interministerial das Ações Integradas de Saú-de apontou o Projeto como o modelo de capacitação queresponderia às necessidades de preparo de recursos huma-nos de níveis médio e elementar inerentes à proposta deintegração na prestação de serviços;

d. Seus princípios norteadores estavam em consonância com aspolíticas de recursos humanos adotadas pelos Ministérios daSaúde, da Educação e da Previdência e Assistência Social epela Organização Pan-Americana da Saúde. Assim como esta-vam em sintonia com as políticas das secretarias estaduais desaúde e de educação, tornando viável o trabalho com o enor-me contingente de pessoal de nível médio e elementar e con-cretizando a diretriz geral de integração interministerial.

Nessa mesma Resolução foram ratificadas as participações dosMinistérios da Saúde, da Educação, da Previdência e Assistência So-cial, através do INAMPS, e da OPAS, no desenvolvimento e consoli-dação do Projeto Larga Escala.

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[ 180 ] PROTAGONISMO SILENCIOSO

Dando seqüência à decisão da CIPLAN, em 1986, o INAMPS ado-tou o citado projeto como estratégia prioritária da sua política de for-mação de pessoal dos níveis de ensino médio e elementar (BRASIL,1987).

As adesões das secretarias estaduais se expressaram pelo compro-misso com a realização dos cursos de formação de auxiliares de en-fermagem e, principalmente, com a implantação das escolas técnicasde saúde.

Porém, embora a CIPLAN tenha confirmado politicamente a es-tratégia de formação viabilizada pelo Projeto Larga Escala, este "nuncarecebeu investimentos adequados", assim se pronuncia um dos con-sultores da OPAS em entrevista publicada em 2002 (SANTANA, 2007,p. 405).

Mesmo assim, da década de 1980 até o final do ano de 1995, esseProjeto contabilizava a implantação de vinte e cinco escolas em quinzeestados brasileiros, conforme o quadro a seguir (SÓRIO, 2002). Noprocesso de implantação dessas escolas, foi fundamental o trabalhoda professora Ena Galvão, consultora da OPAS/Representação noBrasil, que assessorou as equipes das escolas na elaboração de seusregimentos e em todo o processo de negociação com os conselhosestaduais de educação.

Em outubro de 1986, o plenário da Conferência Nacional de Re-cursos Humanos para a Saúde, em reconhecimento aos resultados doProjeto Larga Escala nos estados, aprovou as seguintes propostas, cla-ramente influenciadas pelas experiências desenvolvidas nos estados:

a. Criação de escolas técnicas públicas, de caráter multipro-fissional e específica para o setor saúde;

b. Reconhecimento e fortalecimento dos Centros Formado-res de Recursos Humanos para a saúde destinados à qualifi-cação profissional, atendendo às necessidades imediatas dos

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JANETE LIMA DE CASTRO [ 181 ]

UFALBACEPBPERN

ESMG

MG

MG

RJRJSPSPSPSPSPSPSPPR

SCSCGOMTMS

InstituiçõesCentro Formador de Recursos Humanos para a Saúde "Dr. Waldir Arcoverde"Escola de Formação Técnica em Saúde "Professor Jorge Novis"Escola de Saúde PúblicaCentro Formador de Recursos Humanos para a SaúdeEscola de Saúde PúblicaCentro de Formação de Pessoal para os Serviços de Saúde "Dr Manuel daCosta Souza"Centro de Formação em Saúde ColetivaCentro Formador de Recursos Humanos para a Saúde/Escola de Saúde MinasGerais/Fundação Ezequiel Dias – ESMIG/FUNEDEscola de Qualificação Profissional/Fundação Hospitalar de Minas Gerais –FHEMIGEscola Técnica de Saúde da Universidade Estadual de Montes Claros –UNIMONTESEscola de Formação Técnica em Saúde "Enfermeira Izabel dos Santos"Escola Politécnica de Saúde Joaquim VenâncioCentro Formador – CEFOR de OsascoCentro Formador – CEFOR de AraraquaraCentro Formador –CEFOR de Franco da RochaCentro Formador –CEFOR de AssisCentro Formador –CEFOR de Vila MarianaCentro Formador – CEFOR de Pariquera-açuCentro Formador – CEFOR de Saúde da Secretaria Municipal de SaúdeCentro Formador de Recursos Humanos para a Saúde "Caetano Munhoz daRocha"Escola de Formação em SaúdeEscola Técnica de Saúde de BlumenauCentro Formador de Pessoal de Nível Médio para a Área da SaúdeEscola Técnica de Saúde (hoje transformada em Núcleo de Formação Técnica)Centro Formador de Recursos Humanos para Saúde

Fonte: SÓRIO, 2002.

Relação das Escolas Técnicas do SUS

serviços e propiciando formação ao trabalhador que nãoteve oportunidade pela via regular;

c. Utilização de metodologias que privilegiem a integração en-sino/serviço, permitindo o crescimento do "trabalhador/

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[ 182 ] PROTAGONISMO SILENCIOSO

aluno", a fim de que ele entenda o processo no qual está in-serido;

d. Produção de material técnico e informativo para a educa-ção continuada do pessoal de nível médio, face à escassezdo mesmo;

e. Instituição de processos educativos descentralizados e vol-tados para as características e especificidades das unidadeslocais do setor;

f. Extinção do exame da suplência como mecanismo de habi-litação profissional para a saúde;

g. e, por último, a recomendação de se considerar e apoiar oProjeto Larga Escala como a estratégia para a formação depessoal de nível médio e elementar já engajado na força detrabalho da saúde (BRASIL, 1986).

Para a equipe do Programa de Cooperação Técnica em Desenvol-vimento de Recursos Humanos da OPAS/Representação no Brasil, arealização desse projeto favoreceu a apropriação de uma metodolo-gia que iria, no futuro bem próximo, influenciar vários outras inici-ativas educacionais que contaram com a participação de consultoresdesse programa.

Foi um período de muita aprendizagem porque nósnão nos limitávamos a ser gerentes, estávamos, mui-tas vezes presentes nas qualificações que eram feitasnos estados. Então, em termos de formulação de pe-dagogias, políticas e tudo o Larga Escala foi uma gran-de escola pra mim (ROBERTO PASSOS NOGUEI-RA, depoimento verbal).95

95 Entrevista realizada em Salvador (BA) em julho de 2007.

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O Projeto Larga Escala pode ser considerado uma das atividadesdo PPREPS que teve maior longevidade, visto que ele permaneceuem atuação por duas décadas. Germano (1996) informa que, atravésdas escolas de ensino técnico do SUS, o Projeto formou, no períodode 1980 a 1995, o total de 35.945 profissionais das diversas profis-sões.96 Número, ainda não satisfatório, considerando o quantitativode trabalhadores sem qualificação específica atuando, na época, nosserviços de saúde de todo o país.

Contudo, esta preocupação seria retomada no final de 1999, quan-do o Ministério da Saúde, contando com o financiamento do BancoInteramericano de Desenvolvimento, criou o PROFAE. Estavam pre-sentes, nesse processo que se iniciava, três princípios adotados peloLarga Escala (flexibilização, descentralização e inclusão). Estava tam-bém presente a mentora do Projeto Larga Escala, a consultora Izabeldos Santos.97 O PROFAE logrou alcançar, no período de 2000 a 2002,a qualificação de 70 mil trabalhadores e, ao final de 2002, o projetocontabilizava 130 mil trabalhadores matriculados em cursos distribu-ídos em mais de 2000 municípios (SÓRIO, 2003).

4.1.4 Uma responsabilidade institucional compartilhada

Como foi referido antes, o Projeto Larga Escala surgiu na esteira doPPREPS, num contexto de reformulação dos serviços de saúde quetinha em vista a extensão de cobertura dos serviços prestados à po-pulação.

96 Registre-se que no ano de 1995, mais 10.980 alunos encontravam-se emprocesso de formação. Dessa forma não estão contabilizados no total referidono texto (35.945).

97 Nessa época, Izabel dos Santos estava aposentada da OPAS e fazendo consul-toria para o Ministério da Saúde.

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[ 184 ] PROTAGONISMO SILENCIOSO

Considerando ser esse Projeto fruto do Acordo de Cooperaçãofirmado entre os Ministérios da Saúde, da Educação e da PrevidênciaSocial e a OPAS, a pergunta que este trabalho persegue é: qual foi aparticipação da OPAS na formulação e execução dessa proposta quefoi durante anos a política de formação de pessoal de nível médio eelementar dos serviços de saúde adotada pelo Ministério da Saúdedo Brasil? Para responder a este questionamento, procurou-se sabera opinião ou avaliação dos consultores da OPAS, na época, que parti-ciparam de forma direta ou indireta do projeto.

O depoimento seguinte enfatiza o papel político da parceria en-tre as instituições participantes e ressalta a liberdade da OPAS/Brasilno agir.

Na verdade, a formulação da política era feita emconjunto. Acho importante salientar isso, porque, senão, dá impressão que a OPAS tinha liberdade prafazer o que bem quisesse em relação a essas políti-cas, e isto não é verdade. A OPAS tinha autonomiade determinar a estratégia do programa, contudo, adecisão era do Ministério. Os três ministérios (Saú-de, Educação e Previdência e Assistência Social) sem-pre estabeleciam um pacto de prioridade das políti-cas de recursos humanos e elas eram formuladas emconjunto. No entanto, a condução dos programas erafeita com muita liberdade pelo grupo assessor quefoi constituído na OPAS. Eu nunca soube que o Mi-nistério da Saúde interviesse no sentido de dizer qualdeveria ser o tipo de capacitação para o Larga Escala,qual a metodologia ou quais estados deveriam serselecionados [...] (ROBERTO PASSOS NOGUEI-RA, depoimento verbal).98

98 Entrevista realizada em Salvador (BA) em julho de 2007.

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Já as lembranças de outro consultor do Projeto chamam atençãopara o protagonismo da OPAS/Representação no Brasil no Projeto.

Em que pese, devido à sua finalidade de "formaçãoem larga escala", o projeto estar vinculado ao Minis-tério de Educação e Cultura, este passou a ser umcoadjuvante que apenas aportava recursos [...].Quem bancou a questão toda foi a OPAS, ela nãosomente possibilitou que o grupo nacional concebes-se e desse materialidade ao projeto mas também,deu todo o apoio, toda a cobertura, bancou financei-ramente as nossas idas e vindas para os estados [...]eu não tenho lembrança de um só obstáculo colocadopela OPAS para a execução da atividade (ENA GAL-VÃO, depoimento verbal).99

Sobre este protagonismo, o entrevistado seguinte pondera:

Eu tenho dificuldade de trabalhar com a idéia do Proje-to Larga Escala, ser um projeto de dentro da OPAS oude fora da OPAS [...]. Toda experiência que eu tive comeste movimento foi marcada pela presença da Izabeldos Santos. Então, o fato de que Izabel trabalhava noprojeto da OPAS justificaria que você dissesse que aconcepção do Projeto Larga Escala foi uma contribuiçãoda OPAS? Por outro lado, a própria Izabel diz que todaexperiência dela foi muito marcada pelas experiênciasno interior do país, em grande contraste com as discus-sões que eram mais presentes na agenda da Organiza-ção Pan-Americana ou da agenda internacional de re-cursos humanos, na época, onde a ênfase era muito maissobre a questão da integração docente-assistencial e a

99 Entrevista realizada em Brasília em junho de 2007.

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[ 186 ] PROTAGONISMO SILENCIOSO

tentativa de adequar a formação de carreiras universi-tárias para os Serviços de Saúde. Dessa forma, eu nãotenho uma forma de explicar claramente esta situação(JOSÉ PARANAGUÁ DE SANTANA, depoimentoverbal).100

E continua,

Não havia uma decisão política, de âmbito regional, anão ser a própria orientação da Conferência de Minis-tros de 1972 que apontava uma série de metas a se-rem alcançadas para a formação de trabalhadores detodos os níveis, inclusive de nível médio. Esta não erauma prioridade na OPAS de outros países e nem mes-mo no Programa Regional. Eu acho que o Larga Esca-la foi muito mais uma contribuição da equipe doPPREPS, com um protagonismo muito destacado deIzabel (JOSÉ PARANAGUÁ DE SANTANA, depoi-mento verbal).101

Nessa mesma linha de raciocínio, Danilo Garcia, ex-consultor daOPAS, na época do PPREPS se pronunciou em entrevista para olivro sobre a história da cooperação técnica da OPAS no Brasil:

Na área de enfermagem, eu tenho a impressão quemuita coisa se fez, graças à participação da OPAS.Aliás, onde eu digo a OPAS, leia-se Izabel [dos San-tos]. O Larga Escala, esse projeto, [...] a Izabel dedebruçou nisso, e com uma inteligência de criar, noslocais, verdadeiros fanáticos pela proposta. Então oLarga Escala virou cartão de visita. Os ministros fa-

100 Entrevista realizada em Brasília, em junho de 2007.101 Idem

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ziam referência. Agora, dizer que isso tenha sidomérito da OPAS [...] O mérito da OPAS foi acolherIzabel e respaldá-la (PIRES-ALVES; PAIVA, 2006,p.169)

Em que pese a atuação protagonista de Izabel dos Santos na con-cepção e condução do Projeto Larga Escala, é certo que a OPAS foio espaço institucional que albergou, deu apoio político e condiçõespara a sua viabilização. A este respeito o depoimento seguinte infor-ma: "Eu nunca tive meu plano de trabalho sequer questionado, quan-do, você sabe, era a OPAS que bancava as idas e vindas da gente. E agente trabalhava com o Brasil, do Nordeste até o Rio Grande do Sul"(ENA GALVÃO, depoimento verbal).102

Portanto, ao se reconhecer a Iiderança intelectual dessa enfer-meira e educadora na construção do Projeto, assim como na viabili-zação do mesmo, deve-se levar em consideração que o seu locus detrabalho era uma agência internacional com a credibilidade da OPAS.Supõe-se que esta credibilidade tenha sido fundamental para a con-solidação do Projeto nos estados, junto às secretarias estaduais desaúde e às universidades brasileiras.

O reconhecimento do capital político creditado à OPAS é assimexpressado pela própria Izabel dos Santos: "Eu vim trabalhar nesseprograma porque vislumbrei uma forma de fazer caminhar o meutrabalho no Brasil" (CASTRO; SANTANA; NOGUEIRA, 2002, p.43).

Desse espaço multidimensional de posições, ela iria mobilizar umaextensa rede de relações, cujos agentes foram unidos em torno deum forte sentimento de solidariedade e pertencimento à causa daeducação profissional.

Na perspectiva de Bourdieu (2007), a existência de uma rede derelações resulta de um trabalho de instauração e manutenção neces-

102 Entrevista realizada em Brasília, em junho de 2007.

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sário para produzir e reproduzir relações duráveis e úteis. Para oautor, a instituição da rede não é um "dado natural" que se dá de umavez por todas e para sempre, pelo contrário, ela é produto de estra-tégias de investimento social, consciente ou inconscientemente, ori-entadas para a transformação de relações que podem ou não suceder.

Dois outros questionamentos ainda se fizeram necessários: O Pro-jeto Larga Escala teve ressonância na Oficina Central da OPAS emWashington ou em algum outro escritório da OPAS na América Lati-na? A Oficina Central teve interferência no trabalho que vinha sendodesenvolvido pela Representação no Brasil no que diz respeito aoProjeto Larga Escala?

As respostas a essas indagações podem ser encontradas nos depo-imentos dos informantes que reafirmam:

Essa prioridade não encontrou ressonância tanto nonível regional como em alguns outros países. Eu achoque o Brasil, nesse momento, estava muito mais avan-çado" (MARIO ROVERE, depoimento verbal).103

Nesse sentido, um outro entrevistado explica:

Esta foi uma experiência genuinamente brasileira.Até porque o que gerou o Projeto Larga Escala foium problema brasileiro, de inserção de gente semqualificação. Quem primeiro se preocupou com essaquestão foi o próprio Brasil. [...] A despeito de oproblema existir em outros países, esta foi uma solu-ção pensada no Brasil e para o Brasil (ENA GAL-VÃO, depoimento verbal).104

103 Entrevista realizada em Salvador (BA) em julho de 2007.104 Entrevista realizada em Brasília em junho de 2007.

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Reforçando, prossegue o próximo depoente:

A experiência do Larga Escala, pelo que vi e peloque me recordo, me dá a impressão que a influência,nesse caso, foi maior do Larga Escala para OPASWashington do que pelo contrário. Porque essa foiuma das primeiras experiências desse campo que aOPAS se meteu (CESAR VIEIRA, depoimento ver-bal).105

Concluindo esta seção, ressalta-se que se o Projeto Larga Escalafoi uma escola para muitos dos consultores da OPAS envolvidos coma sua implantação ele também deixou diversas contribuições para asinstituições públicas de saúde, como já foi demonstrado. Entre tan-tas, destacam-se: a profissionalização de milhares de trabalhadoresatravés de seus cursos; a idealização e implantação de uma escola quetornou possível esta profissionalização; a inserção do método da pro-blematização nos processos educativos realizados pelos serviços desaúde, método antes jamais utilizado nos cursos das instituições pú-blicas de saúde; capacitação de centenas de enfermeiros e outrosprofissionais no manejo da metodologia da problematização; contri-buiu para a qualificação e para a organização dos serviços básicos desaúde; e, por último, introduziu uma forma de pensar os processoseducativos tendo como base a concepção pedagógica da problemati-zação. Estes ensinamentos seriam devidamente aproveitados pelosCentros de Formação de Pessoal de Saúde ou Escolas Técnicas deSaúde, implantadas na metade da década de 1980; e na construção deoutros cursos elaborados mediante a cooperação técnica do Progra-ma de Desenvolvimento de Recursos Humanos da OPAS/Represen-tação no Brasil.

105 Entrevista realizada, através do Skype, em julho de 2007.

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4.2 O Projeto de Capacitação em Desenvolvimentode Recursos Humanos de Saúde (CADRHU)

A segunda metade dos anos 1980 seria particularmente importantepara a conformação de um pensamento para o campo de recursoshumanos em saúde no país. A 1ª Conferência Nacional de RecursosHumanos, realizada em 1986, em Brasília, viria a se constituir em umdos marcos da história da política de recursos humanos, no Brasil, enão será equivocado afirmar que a partir daí pôde-se falar de umpensamento para o campo de recursos humanos, na perspectiva dotrabalhador de saúde. Este trabalhador é entendido como ator deuma política que não deve ser construída de forma improvisada oudesarticulada de outras políticas e de uma proposta real de organiza-ção de serviços de saúde.

No período pós-conferência nacional de recursos humanos, ga-nharam vulto algumas questões que há algum tempo se apresentavamcomo problemas para os campos de gestão e de preparação de recur-sos humanos em saúde, assim como também é constatado o apareci-mento de novas questões decorrentes do processo de descentraliza-ção dos serviços de saúde.

Resultado de múltiplos determinantes, os problemas da área eramassim enunciados: baixa produtividade dos serviços de saúde; profis-sionais insatisfeitos com a heteronomia salarial existente entre as ca-tegorias profissionais e entre as instituições; greves de trabalhadoresde saúde em todo o país; distanciamento entre instituições acadêmi-cas e os serviços de saúde, tendo como conseqüência a inadequaçãode mão-de-obra proporcionada pelo aparelho formador; desqualifi-cação do pessoal de nível médio; clientelismo e corporativismo naadministração de pessoal, agravando as dificuldades para a prestaçãodos serviços de saúde à população; além dos diversos movimentosreivindicatórios por isonomia e por planos de cargos, carreiras e sa-

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lários que se sucediam em todo o país e se deparavam com secretári-os de saúde sem experiência administrativa e política para negociaras reivindicações dos trabalhadores (CASTRO; SANTANA, 1999).

Tendo como referência o projeto da Reforma Sanitária Brasileira,os debates realizados na 1ª Conferência Nacional de Recursos Huma-nos destacavam a necessidade da área de Recursos Humanos con-quistar condições políticas e técnicas, tendo em vista contribuir paraque o artigo 196 da Constituição Federal, que proclama "Saúde édireito de todos e dever do Estado", ganhasse materialidade.

Realmente, a partir dessa Conferência dá-se início a um processode aprendizagem e descoberta sobre a complexidade da área; passa, apartir de então, a haver a preocupação com a identificação de funda-mentos teóricos que respaldem os processos de gestão; e começa-sea discutir a necessidade das questões de recursos humanos serem colo-cadas nas agendas dos gestores enquanto prioridade para o reordena-mento do sistema de saúde.

Recursos Humanos é uma expressão carregada de polêmicas. Sepor um lado ao se referir ao "Setor de Recursos Humanos em Saú-de", autores lembram que este setor carrega o privilégio de reunirem seu contexto dois dos principais pilares de sustentação da cidada-nia, que são a educação e a saúde (GARRAFA, 1993, p. 9); por outrolado, o conceito de Recursos Humanos traz em si o peso de ser colo-cado ao lado de outros recursos, como os materiais e financeiros, naperspectiva de uma administração mais racional.

Sobre esta discussão, Nogueira (1987) destaca duas formas de tra-tar os profissionais empregados no setor saúde: enquanto força detrabalho e enquanto recursos humanos. Isto que dizer, duas formasde abordagens cujos referenciais de tentação são arcabouços teóri-cos aparentemente irreconciliáveis.

Segundo o citado autor, força de trabalho, expressão consagradapela economia política, ligada à escola clássica de Karl Marx, AdamSmith e David Ricardo, trata de um uso que é simultaneamente des-

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critivo e analítico, no processo de conhecimento de fenômenos de-mográficos e macroeconômicos. Ou seja, quem diz força de traba-lho, diz produção, emprego, renda, divisão de trabalho, setor deemprego, assalariamento e outros. Já recursos humanos, expressãoadvinda da ciência da administração, se subordina à ótica de quemexerce algum tipo de gerência. Ou seja, faz referência a planejar,capacitar, selecionar, elaborar plano de cargos e salários e outras. Ouso dessa segunda expressão implica no propósito de submeter umadada realidade a uma ação gerencial (NOGUEIRA, 1987).

Para Nogueira (1987) essas são duas formas de enfocar uma realida-de: uma visa descrevê-la e interpretá-la; e a outra tem em seu horizon-te uma ação gerencial. Ainda de acordo com o autor, o conceito deRecursos Humanos emerge diretamente da teoria dos sistemas quecompreende o trabalhador como um elemento que, combinado comos demais recursos institucionais, entram num processo para dar ori-gem ao produto almejado. A produção é concebida como uma relaçãode transformação entre as coisas. Já a teoria da economia política clás-sica ressalta a natureza do processo de trabalho e procura situar seuselementos como tradução das relações entre as pessoas. Para melhorcompreensão da natureza processo de trabalho, o citado autor faz al-guns questionamentos: Trata-se de um trabalho isolado ou associado?Como se dá a divisão técnica do trabalho na unidade de produção?Como um produto de uma unidade se relaciona com o de outra? Otrabalhador é autônomo ou vende a sua força de trabalho? Os meios detrabalho são próprios ou de outros? Como se comporta o Estado e oconjunto das classes sociais em relação ao produto do setor?

Mas, do ponto de vista de quem tem a responsabilidade da gestãoou da administração, a força de trabalho é necessariamente um recursoou, melhor, um valor de uso para a gerência. Então, ao utilizar essaexpressão se está reduzindo o trabalhador à condição de um insumo?

A resposta a esta questão tem que ser compreendida na perspec-tiva de que as cruas relações das políticas institucionais, assim como

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as econômicas precisam ser reconhecidas como tais para que possamser transformadas e verdadeiramente humanizadas. Nesse sentido,ressalta-se que na perspectiva gerencial o trabalhador é um "recur-so" gerenciável, assim como a força de trabalho é uma mercadoria nomercado capitalista. Assim explicando, Nogueira (1987) vai concluirque a abordagem que considera os trabalhadores como recursos hu-manos é perfeitamente válida, mas – e aí está o ponto diferencial dadiscussão do autor – desde que também se realize sua análise en-quanto força de trabalho, através dos pressupostos teóricos discu-tidos. Feito de outra maneira, a ótica de recursos humanos, com basena teoria dos sistemas, constitui-se na tentativa de um utilitarismoinstitucional, a serviço dos interesses dominantes.

Como foi referido antes, Recursos Humanos é de fato um termopolêmico. Há, inclusive, aquelas pessoas que costumam repetir "sesão humanos, não são recursos". No entanto, Rovere (2006, p. 54)lembra que, no sentido estrito, recurso significa dizer "a que ou aquem se pode recorrer" e neste sentido, "es posible asumir que to-dos los que nos hemos formado en salud constituimos un recurso –alguien a quien se puede recurrir – para nuestras comunidades".

É do ponto de vista dessas reflexões que o conceito de recursoshumanos é discutido ao longo do CADRHU. Ou seja, embora se con-tinue a usar essa expressão tão carregada de significados negativospara o trabalhador, o CADRHU vai assumir a posição que, consi-derando as especificidades do trabalho em saúde, é no mínimo equi-vocado tratar os recursos humanos como um insumo que não pensa,não age e não sente, mero agente passivo, cujas atividades são con-troladas e planejadas pelas suas organizações. O curso se apoiará nosargumentos de Dussault (1992) ao enfatizar que as organizações desaúde dependem, em primeiro lugar, dos seus operadores. Nessa li-nha de raciocínio, Santana (1994) problematiza: quem decide a indi-cação de medicamentos e o uso de equipamentos? Quem administraseu uso? Como o faz? Quem poderia controlar a sua aplicação ade-

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[ 194 ] PROTAGONISMO SILENCIOSO

quada e econômica? Diante desses questionamentos, faz-se um ou-tro: Quem duvida que as respostas a estas indagações vão mostrarque o controle de todo o processo produtivo é feito pelos profissio-nais que operam os serviços?

4.2.1 Arquitetando o Projeto do CADRHU

A partir da 8ª Conferência Nacional de Saúde, o processo de descen-tralização dos serviços de saúde passou a exigir, com premência, res-postas mais eficazes dos gestores municipais e estaduais de saúde. Nessaconjuntura, os setores de recursos humanos das secretarias de saúde,constantemente apontados enquanto espaços estratégicos e prioritá-rios para o novo sistema, eram coordenados por profissionais, em suagrande maioria, sem experiência e conhecimentos para o desempe-nho de suas funções gerenciais e técnicas.

Agravando este diagnóstico, identificava-se nos diversos níveis ge-renciais dos serviços de saúde um evidente despreparo técnico e polí-tico. Considerando esta situação como ponto de partida, em 1986, oINAMPS, o Ministério da Saúde e a OPAS iniciaram entendimentoscom os núcleos universitários, tendo em vista a elaboração de umaproposta de qualificação dos técnicos e dirigentes dos setores de re-cursos humanos. Estes núcleos,106 sediados nas universidades brasilei-ras, tinham como missão apoiar as instituições governamentais e as en-tidades civis, mediante capacitação dos recursos humanos e a realiza-ção de estudos e assessoramento técnico voltados para a difusão doideário da Reforma Sanitária e conseqüente fortalecimento do processode Reforma em curso.

106 Em algumas universidades eles foram criados com o nome de Núcleo deSaúde Coletiva e em outros com o nome de Núcleo de Estudos em SaúdePública. Os primeiros núcleos a serem estruturados foram: NESP/UnB;NESCON/UFMG e NESCO/UEL.

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Nessa época (1985-1988), estava à frente da direção do INAMPSo sanitarista e professor do Instituto de Medicina Social da UERJ,Hésio Cordeiro.107 O diretor do Departamento de Desenvolvimen-to de Recursos Humanos do Instituto era José Paranaguá de Santa-na,108 consultor do Programa de Desenvolvimento de Recursos Hu-manos da OPAS/Representação no Brasil, no período afastado paraassumir o citado cargo no INAMPS. Desse espaço, Paranaguá de San-tana vai garantir recursos financeiros, promover articulações e mo-bilizar interesses de várias instituições, tais como secretarias estadu-ais e municipais de saúde, Fundação Sesp, Superintendência de Cam-panhas de Saúde Pública (SUCAM), Delegacias Federais de Saúde eUniversidades, para a implantação dos núcleos de saúde coletiva emvários estados. Faz-se pertinente registrar que estas instituições fun-cionavam como o colegiado intergestor do SUDS e que nessa épocaainda existia no colegiado estadual uma forte presença federal doMinistério da Saúde e do INAMPS.

Destaque-se que depois de sua saída do INAMPS, com a extinçãodo mesmo, Paranaguá de Santana continuaria, a partir da sua posiçãode consultor do Programa de Cooperação Técnica de Recursos Huma-nos da OPAS /Representação no Brasil, a envidar esforços para a im-plantação de novos núcleos, assim como continuaria apoiando o de-senvolvimento e fortalecimento dos primeiros. Dessa forma, a OPASdaria continuidade a uma política traçada e iniciada pela direção do

107 Hésio foi um dos artífices do processo de desconstrução dessa instituiçãoatravés da estratégia do SUDS. Para Mendes (1996, p.52), esta desconstrução"foi uma ação reformista corajosa de uma megainstituição de 162.000 funci-onários, com folha de pagamento anual superior a 1 bilhão de dólares, apósum processo gradativo de transferência de recursos humanos, materiais efinanceiros".

108 José Paranaguá, ficou nessa direção por todo o período de gestão de HésioCordeiro na presidência do órgão.

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INAMPS, em articulação com o Ministério da Saúde e apoiada pelaSecretaria de Educação Superior do então Ministério de Educação eCultura, em direção ao fortalecimento da Reforma Sanitária Brasi-leira.

Instalada preponderantemente nos espaços das universidades, arede de núcleos iria, no decorrer dos anos, se tornar um dos elos en-tre as instituições universitárias e os serviços de saúde.

Considerando-se a conjuntura de descentralização e de munici-palização dos serviços de saúde, processo em que as instituições so-freriam profundas transformações, quer seja no campo da gestão dosserviços de uma forma geral, quer seja, mais especificamente, nocampo de recursos humanos, pergunta-se: como essa rede de núcle-os iria colaborar com a difícil tarefa de preparar os trabalhadores desaúde para uma nova realidade institucional?

De acordo com um dos consultores da OPAS entrevistado,

a criação desses núcleos de saúde coletiva teve papeldestacado na consolidação do processo de ReformaSanitária Brasileira, pois, depois de costurada a deci-são da criação dos núcleos, com a aprovação das co-missões intergestoras do SUDS nos estados, eles seapoiaram num plano de trabalho composto por umconjunto de projetos de cursos, de consultorias e es-tudos que eram de interesse dos gestores estaduaisnaqueles estados. Isso permitiu a acumulação pro-gressiva de experiências por grupos de epidemiolo-gia, de planejamento, de pesquisas, enfim, de genteque lidava com a formação de recursos humanos nocampo da saúde pública (JOSÉ PARANAGUÁ DESANTANA, depoimento verbal).109

109 Entrevista realizada em Brasília em junho de 2007.

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Em que pese, o fato de que as relações dos Núcleos com as Secre-tarias de Saúde não fossem iguais em todos os estados, inclusive, ha-vendo em alguns, resistências ao trabalho desse novo ator coletivoque surge no cenário nacional, esse depoimento citação ilumina opapel estratégico desses núcleos universitários na transição do SUDSpara o SUS110 (1987-1988) e conduz a uma outra pergunta: quaisseriam as áreas que mais necessitavam de investimento para o novosistema de saúde, com a nova configuração?

O entrevistado seguinte assim esclarece a questão posta:

Planejamento de sistemas e a questão de recursoshumanos, logo veio na cara da gente. Isso era níti-do... Quando você chegava nas CIS,111 a primeiracoisa que ouvia era como é que a gente vai colocarpara trabalhar junto um cara que ganha X e outroganha 10 X? [...] Tinha também as discussões sobreisonomia salarial (FRANCISCO CAMPOS, depoi-mento verbal).112

Era evidente que entre os muitos desafios apresentados para aoperacionalização do modelo de assistência proposto pela ReformaSanitária, alguns dos mais significativos estavam relacionados aos pro-blemas de recursos humanos. Esta constatação levou José Paranaguá

110 O Sistema Único de Saúde, consignado na Constituição Federal de 1988, tevecomo antecessor o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde que, demaneira superficial, pode-se dizer que teve como uma das suas principaiscaracterísticas a passagem do INAMPS para o Ministério da Saúde. José Go-mes Temporão, diretor de planejamento do INAMPS no período de 1985-1988 diz que o SUDS foi uma espécie de "berço" preparatório para o SUS,que estava prestes a nascer.

111 Comissão Interinstitucional de Saúde.112 Entrevista realizada em Brasília em novembro de 2007.

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de Santana e Francisco Campos a discutirem a possibilidade de reali-zar um curso que teria como objetivo qualificar a gestão de recursoshumanos nas instituições públicas de saúde. Na época, Paranaguá deSantana era diretor do Departamento de Recursos Humanos doINAMPS, e Campos, recém-saído da direção da Secretaria de Recur-sos Humanos do Ministério da Saúde, estava retornando para a coor-denação do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva e Nutrição (NES-CON).113

Sobre os desdobramentos dessas conversas, informa um dos de-poentes,

Nós estávamos desenvolvendo com muito sucesso umprograma de formação de pessoal na área de planeja-mento que era o CAPSIS.114 E, na empolgação do su-cesso do CAPSIS, pensamos: Por que não fazer algosemelhante para área de recursos humanos? (JOSÉPARANAGUÁ DE SANTANA, depoimento ver-bal).115

O Curso de Aperfeiçoamento em Planejamento de Sistemas Inte-grados de Saúde (CAPSIS) foi um dos primeiros de uma nova linha decursos apoiada pelo Ministério da Saúde, INAMPS e OPAS, que seorganizava por área temática (planejamento, saúde do trabalhador, re-cursos humanos e outros), rompendo, assim, com os tradicionais cur-sos de formação em saúde pública que formavam um profissional gene-ralista.

Voltando a pergunta do consultor: por que não fazer algo seme-lhante para área de recursos humanos? Neste sentido, foram envida-

113 Sediado no Departamento de Medicina e Preventiva da Universidade de Mi-nas Gerais.

114 O primeiro curso foi realizado em 1986.115 Entrevista realizada em Brasília em junho de 2007.

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dos esforços institucionais da OPAS/Representação no Brasil,INAMPS, Ministério da Saúde e alguns núcleos universitários,116 naperspectiva de construir uma proposta de qualificação dos profissio-nais que assumiam funções de assessoria e gerência de recursos hu-manos.

O Programa de Recursos Humanos da OPAS no Brasil participoudessa iniciativa por meio de seus consultores Izabel dos Santos, EnaGalvão e Francisco Lopes. Nesta ocasião, Paranaguá de Santana, umdos membros da equipe, estava no INAMPS, mas, como destaca umdos entrevistados: "ele nunca deixou de ser OPAS, mesmo estandono INAMPS" (ENA GALVÃO, depoimento verbal).117

Assim, no contexto de manifestos e lutas pela redemocratizaçãodo país em que se intensificava a luta pela instalação da Reforma Sani-tária e pela Constituinte, foi concebido e lançado em 1987 o ProjetoCADRHU,118 com o "propósito de discutir e desenvolver habilida-des para intervenção concreta na problemática de recursos huma-nos" (SOUZA et al, 1991, p.42).

As participações de Izabel do Santos e Ena Galvão, do ponto devista didático pedagógico, foram determinantes para que o CADRHU

116 Destaca-se na primeira fase do CADRHU, compreendida do seu planeja-mento até a primeira revisão curricular em 1991, os papéis desempenhadospelo Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva e Nutrição da Universidade deMinas Gerais e pelo Núcleo de Estudos em Saúde Pública da Universidade deBrasília.

117 Entrevista realizada em Brasília em junho de 2007.118 Os primeiros cursos viabilizados por esse projeto foram desenvolvidos na

modalidade de Atualização. Contudo, no início de 1990, reconhecendo a ex-ten-sa carga horária e acatando as avaliações dos egressos que defendiam sercurso merecedor de uma titulação de maior porte, a OPAS promoveu ecoordenou um exaustivo processo de revisão no conteúdo e na metodologia.Após esse processo, ela passou a sugerir às universidades a adoção da modali-dade de especialização para o curso.

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fosse concebido nos pressupostos da educação permanente, logo,numa proposta de educação que assume como objetivo "la mejoríade la calidad del servicio que se ofrece a la populación, constituyén-dose en instrumento pedagógico de la transformación del trabajo ydel desarrollo permanente de los trabajadores a nivel individual ycolectivo" (QUINTANA; ROSCKE; RIBEIRO, 1994, p.40).

É importante ter em mente que, nessa época, a referência básica des-se campo de conhecimento era marcada pela concepção da administra-ção de pessoal no serviço público. As secretarias de saúde "detinham amera função descentralizada do sistema de pessoal do governo – umaunidade que trata de registros, procedimentos das carreiras funcionais emedidas disciplinares", informa Paranaguá de Santana em entrevista con-cedida a Viana e Silva (SANTANA, 2007, p. 406).

No entanto, com o acelerado processo de municipalização dos servi-ços de saúde, o sistema de saúde passou a exigir um novo arranjo institu-cional para o campo de recursos humanos, visto que as antigas estruturasse encontravam inadequadas para os novos desafios impostos ao campo.Fazia-se necessário, portanto, ampliar a sua compreensão. Isso significavacompreender que os encaminhamentos das questões desse "espacio deproducción, de pertinencia, de generación y circulación de conocimi-ento, de legalidad y de legitimidad para trabajar en salud" (ROVERE,2006, p.46) dependem de decisões de natureza política nos planos jurí-dico, administrativo e operacional.

Portanto, para uma atuação qualificada desse campo, se colocava comourgente e "necessário desenvolver e difundir um saber técnico sem oqual as melhores intenções deságuam em insucesso e frustração" (SAN-TANA, 1991, p.1). Nesse mesmo sentido, Macedo (1986) realça quepara se compreender a problemática de recursos humanos em saúde énecessário visualizar a dimensão global que o trabalho em saúde adquirenum contexto social e num marco específico de uma dada situação insti-tucional.

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4.2.2 Na trajetória do CADRHU é tecida uma proposta parao campo de recursos humanos em saúde no Brasil

A história do Projeto CADRHU pode ser narrada em três etapas. Aprimeira119 (1987 a 1991), corresponde à fase de elaboração da pri-meira proposta curricular e de execução dos primeiros anos em todoo território nacional. A segunda120 (1992 a 2000), ficou marcada pelarealização dos cursos de forma autônoma pelos Núcleos de Estudosem Saúde Coletiva e pela revisão dos conteúdos e aperfeiçoamentoda proposta metodológica. E a terceira, iniciada em 2001, com ainstituição da Rede CADRHU e a exportação da metodologia e guiacurricular do curso para países da Região Andina (2006), através deum projeto de cooperação internacional do governo brasileiro comestes países. Este projeto, além do Ministério da Saúde do Brasil e daRepresentação da OPAS no Brasil, envolve duas instituições brasilei-ras de ensino superior (a Universidade Federal do Rio Grande doNorte e a Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação OswaldoCruz), todas as representações da OPAS nos países envolvidos e aOficina de Washington.

Durante a primeira etapa, a coordenação e o corpo docente esta-vam organizados numa estrutura matricial, permitindo a realizaçãode cursos simultaneamente por diferentes Núcleos de Estudos emSaúde Coletiva e Escolas de Saúde Pública. A coordenação dessa es-tratégia estava sob a responsabilidade do Núcleo de Saúde Pública daUnB (Nesp/UnB), encarregado de articular e mobilizar apoio do-cente demandado pela coordenação local de cada curso.

119 A primeira fase do Projeto CADRHU encontra-se detalhadamente apresen-tada na publicação nº 3 da Série Desenvolvimento de Recursos Humanos.(SOUZA, 1991).

120 Ver CADRHU: a história de um projeto, publicado no livro Capacitação emDesenvolvimento de Recursos Humanos de Saúde - CADRHU (CASTRO; SANTA-NA, 1999).

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No primeiro programa curricular do CADRHU, divulgado noterritório nacional, o objetivo do curso era explicitado da seguinteforma: "contribuir para a modernização dos processos institucionaisdo campo de recursos humanos, assegurando sua compatibilizaçãocom os princípios e metas da Reforma Sanitária" (CASTRO; SAN-TANA, 1999, p.42). Ou usando as palavras do consultor nacional derecursos humanos da OPAS/Brasil, o projeto CADRHU pretendiacontribuir no processo de "acumulação e mobilização de saber, atra-vés da organização de grupos de especialistas e de preparação de qua-dros gerenciais nos serviços de saúde" (SANTANA, 1991, p.1).

A estrutura inicial dos cursos era composta de cinco módulosdidáticos (Reforma Sanitária e Recursos Humanos; Força de Traba-lho em Saúde; Preparação de Pessoal em Saúde; Administração dePessoal em Saúde; Desenvolvimento de Recursos Humanos na Re-forma Sanitária) cujos respectivos objetivos podem ser assim, resu-midamente, apresentados:

a. Reforma Sanitária e Recursos Humanos: neste primeiro mó-dulo se objetiva analisar o processo de Reforma Sanitária,contemplando os seus determinantes histórico-estruturaisna compreensão do setor saúde no Brasil, buscando con-textualizar, as políticas e processos de recursos humanos;

b. Força de Trabalho em Saúde: busca analisar a estrutura e di-nâmica da força de trabalho em saúde, integrando os princí-pios sociodemográficos, políticos e ideológicos e econômi-cos envolvidos na sua conformação, usos e inserção nos ser-viços de saúde;

c. Preparação de Recursos Humanos: procura discutir os pro-cessos de preparação de profissionais, técnicos e pessoal desaúde, de modo geral no período recente, focalizando, es-pecialmente, as estratégias pedagógicas e metodológicas doensino e aprendizagem;

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d. Administração de Pessoal de Saúde: reflete sobre as políti-cas que orientam a gerência de pessoal, na técnico-buro-cracia brasileira, contextualizadas na atualidade das propos-tas de administração de pessoal a esfera pública;

e. Planejamento de Recursos Humanos: busca analisar as prin-cipais questões do planejamento e o desenvolvimento deinstrumentos para a programação de recursos humanos nosserviços de saúde.

A confecção deste primeiro guia curricular do CADRHU, assimcomo das demais versões que viriam nos anos posteriores, foi orien-tada pelos aspectos pedagógicos e metodológicos presentes no Pro-jeto Larga Escala. Assim, procurou-se enfatizar as dimensões políticae metodológica, tendo em vista privilegiar a interação entre o sujeitoda aprendizagem, o objeto (conteúdo) e o produto na construção doconhecimento.

A propósito do método de aprendizagem utilizado, um dos coor-denadores dos cursos referiu: "O método empregado no curso, maisdo que ensinar, permitiu aos egressos a busca permanente de atuali-zação e desenvolvimento dos seus potenciais" (CASTRO; SANTA-NA,1999, p.20).

A motivação expressada neste pronunciamento demonstra queum dos propósitos do curso tinha sido alcançado: fazer com que osdirigentes e assessores das políticas de recursos humanos das institui-ções de saúde, compreendam que o seu papel na instituição "não ésó o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem inter-vém como sujeito de ocorrências", como bem o diz Freire (1996, p.76), quando alerta que ensinar exige a convicção de que a mudançaé possível.

Seguindo a linha do Projeto Larga Escala, o guia curricular doCADRHU foi construído nos moldes do currículo integrado, orga-

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nizado em seqüências de atividades, de forma a permitir a articula-ção dos conteúdos entre si e destes com a prática dos alunos.

Inicialmente, os cursos foram destinados aos dirigentes e assesso-res de recursos humanos dos diversos níveis hierárquicos das institui-ções de saúde, sendo, anos depois, a oferta ampliada para os profissi-onais de nível superior que ocupavam posições de assessoramentoem outros órgãos governamentais que se articulavam com o setorsaúde no trato das questões de administração e preparação de recur-sos humanos. Tal encaminhamento traduzia o entendimento de queas especificidades do campo de recursos em saúde deveriam tambémser discutidas pelos profissionais que trabalhavam nesses órgãos con-siderados estratégicos para os encaminhamentos das questões queenvolvem o trabalhador.

O curso tinha a pretensão de, no âmbito das secretarias de saúde,romper com a clássica separação entre aqueles que fazem "adminis-tração de pessoal" e aqueles que tratam da "preparação dos recursoshumanos". Tratava-se de um propósito difícil, considerando a crista-lização das estruturas organizacionais das instituições de saúde. So-bre essa pretensão, se pronuncia Ena Galvão, ex-consultora da OPAS/Representação no Brasil:

A nossa intenção de profissionalizar os quadros dassecretarias era para que eles pudessem enxergar alémdo Departamento de Pessoal, que tinha uma visãomuito empresarial e muito cartorial. O nosso pro-pósito era que eles compreendessem que se podiafazer uma política de transformação, uma política dedesenvolvimento de recursos humanos (ENA GAL-VÃO, depoimento verbal).121

121 Entrevista realizada em Brasília em junho de 2007.

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Também, a exemplo do Projeto Larga Escala, o CADRHU, desdea sua primeira fase, passou a desenvolver atividades de capacitaçãodocente, tendo em vista a descentralização dos cursos. Esta estraté-gia foi determinante para o fortalecimento e autonomia do Projetodentro dos núcleos universitários.

A estratégia de descentralização dos cursos ia ao encontro da neces-sidade da descentralização da política de recursos humanos de saúde,que se apresentou de forma bastante exigente com o advento da muni-cipalização dos serviços de saúde. Nesse contexto, as instituições desaúde, das diversas esferas de governo, iniciavam a longa jornada deassumir um novo papel que exigia mudanças profundas na cultura ins-titucional diante da realidade de um sistema único de saúde.

No período de 1987 a 1990 participaram do CADRHU 934 pro-fissionais122 em 25 estados, distribuídos em instituições de esfera fe-deral, estadual e municipal. Nesse período, o Projeto envolveu 129docentes e conferencistas em 37 cursos realizados.

A experiência da realização de diversos cursos ao longo desse pe-ríodo apontou, no início da década seguinte, a necessidade de sepromover atualizações no conteúdo e na organização didática do pro-cesso ensino e aprendizagem, tendo em vista a sua permanente apro-ximação às transformações ocorridas no campo de políticas e gestãode recursos humanos, resultantes do caminhar do SUS.

Nesse sentido, na chamada segunda fase do Projeto CADRHU,destacam-se duas iniciativas de revisão de conteúdo e aperfeiçoamentoda metodologia, realizadas nos anos de 1991 e 1997. Ambas, median-te promoção conjunta do Ministério da Saúde e da OPAS/Repre-sentação no Brasil. A coordenação técnica do processo esteve sob aresponsabilidade do Programa de Cooperação Técnica de Desenvol-vimento de Recursos Humanos da última instituição.

122 Número de concluintes. Não se computou neste quantitativo os alunos queiniciaram e abandonaram o curso.

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Um outro destaque desta segunda fase foi a deliberação de elevaro grau acadêmico do curso, do nível de aperfeiçoamento para espe-cialização. Essa medida fazia justiça à carga horária efetivamente utili-zada e conferia ao curso o seu real valor acadêmico.

A segunda revisão do curso além de atualizar o conteúdo, tinha opropósito explícito de reforçar a característica de integração ensinoe serviço, na perspectiva de que o curso fosse utilizado como umaalavanca para o processo de desenvolvimento institucional da área derecursos humanos. Registre-se que este processo foi desencadeado,em 1995, mediante solicitação de cooperação técnica da Coordena-doria de Recursos Humanos da Secretaria Estadual de Saúde do RioGrande do Norte123 à OPAS. O registro dessa iniciativa merece des-taque por ela ter sido "pioneira em preparar uma equipe técnica noâmbito de uma instituição, num movimento simultâneo de elabora-ção e implementação de seu plano de ação" (CASTRO; SANTANA,1999, p.18).

Vale ressaltar que a solicitação da Secretaria Estadual de Saúde doRio Grande do Norte despertou para uma nova possibilidade: o de-senvolvimento do curso para uma clientela institucional definida, ali-ando o processo de aprendizagem à implementação, no âmbito orga-nizacional, de novas técnicas e métodos de trabalho preconizadospelo curso. Frise-se que esta possibilidade já era utilizada pelo Proje-to Larga Escala, desde os seus primórdios.

O acompanhamento da experiência realizada no Rio Grande doNorte, motivou, dois anos mais tarde, a decisão da OPAS/Represen-tação no Brasil com o devido aval do Ministério da Saúde, em revisar,

123 No período em questão (1995-1996), a coordenadora de recursos humanosda Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Norte era a enfermeiraJanete Lima de Castro; o secretário de saúde, o médico Ivis Alberto Lourençode Bezerra; os consultores da OPAS eram Izabel dos Santos e José Paranaguáde Santana.

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José Paranaguá de Santana (com o microfone), consultor da OPAS/Brasil, nasolenidade de Abertura do Curso de Especialização em Desenvolvimento deRecursos Humanos em Saúde. Espírito Santo 2002. Acervo: Observatório RHNESC/UFRN

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fazer adequações e publicar uma nova versão do curso. Como resul-tado dessa decisão, deu-se início a segunda revisão do guia curriculardo CADRHU, iniciada em 1997, conforme já referido, e concluídaem 1998. O propósito a ser reforçado era a compreensão da funçãorecursos humanos,124 como um componente da gestão do sistema edos serviços de saúde; e o trabalhador, como um elemento centraldo processo produtivo, ator fundamental para a viabilização dos pro-cessos de mudança.

Perseguia-se dessa maneira a idéia de que as chamadas "questõesde recursos humanos" se estendem para além das fronteiras do De-partamento de Pessoal e dos setores de capacitação de pessoal, seconstituindo, assim, em um campo estratégico que se faz transversalpor todos os níveis da instituição. E mais ainda, num campo que, porsua natureza intersetorial, carrega em si algumas dificuldades, taiscomo: dificuldade de integração, de constituir a problemática derecursos humanos em saúde como uma questão de Estado, de articu-lar os interesses das diferentes forças sociais, de administrar os confli-tos, e outras (ROVERE, 2006). Estes são alguns pontos centrais abor-dados nas discussões realizadas por ocasião dos cursos integrantes doProjeto CADRHU .

Para exemplificar a natureza intersetorial deste campo denomi-nado recursos humanos em saúde, se reproduz o gráfico,125 origina-do no relatório de uma reunião promovida pela OPAS, em 1990 noRio de Janeiro, onde se discutiu as complexidades do campo. Alerta-se na leitura do gráfico para a centralidade dos recursos humanos na

124 Por função de recursos humanos entendemos o conjunto das relações detrabalho que abrangem elementos como: oportunidade de qualificação, sele-ção de pessoal, contratação de pessoal, duração da jornada, negociação deconflitos e outros.

125 Gráfico 1: de autoria de Mario Rovere, publicado no livro Planificación Estra-tégica de Recursos Humanos em Salud, do mesmo autor.

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sua relação com os campos do trabalho, da saúde, da ciência e tecno-logia e da educação.

Com esse entendimento, o guia curricular126 do CADRHU pas-sou a ser organizado em três módulos didáticos constituídos por se-qüências de atividades, cujo encadeamento pretende propiciar, aosparticipantes, o alcance dos seguintes objetivos:

a. Caracterizar a problemática de recursos humanos de saúdecomo parte do processo produtivo dos serviços desse setore, numa abordagem introdutória, formular e discutir asexplicações para a situação analisada. Essas explicações sãoconstruídas a partir da compreensão do contexto social dasaúde e do trabalho em saúde.

GRÁFICO 1 – Natureza Intersetorial do Campo de Recursos Humanos emSaúde

126 A equipe responsável por esta última revisão foi: José Paranaguá de Santana(OPAS), Izabel dos Santos (OPAS), Janete Lima de Castro (NESC/UFRN),Rita Elizabeth Sório (Escola Politécnica Joaquim Venâncio/FIOCRUZ), The-reza Christina Varella (IMS/UERJ). O livro, contendo o guia curricular docurso, foi publicado pela Editora da UFRN em 1999.

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b. Discutir amplamente as questões relacionadas à preparaçãode pessoal de saúde, suas tendências e perspectivas, combase na análise do quadro jurídico e institucional e dos pa-radigmas educacionais, e desenvolver um conhecimentocrítico dessa problemática que permita a formulação de al-ternativas de intervenção.

c. Discutir amplamente os problemas da gestão do trabalhono SUS, nos seus aspectos jurídicos, institucionais e opera-tivos, desenvolvendo um conhecimento crítico dessa pro-blemática que permita a formulação de estratégias que apon-tem para a eficiência e efetividade dos serviços.

4.2.3 O campo de RH ganha visibilidade

A adesão de professores dos Núcleos de Saúde Coletiva e dos depar-tamentos acadêmicos das universidades à metodologia e ao conteúdodo CADRHU garantiu a sua inserção nos espaços acadêmicos. O in-cremento da produção de trabalhos de pesquisa sobre o tema recur-sos humanos em saúde, nos cursos de graduação e de pós-graduação,lato sensu, foi uma das conseqüências imediatas dessa inserção.

Pesquisa realizada em 1999,127 encomendada pelo Programa deCooperação Técnica de Recursos Humanos, demonstrou que, noperíodo correspondente ao ano em que se deu o primeiro curso até

127 Parte do relatório dessa pesquisa está no texto CADRHU: a história de umprojeto, publicado pela Editora EDUFRN (1999). Este texto divide a trajetó-ria do CADRHU em duas etapas: a primeira etapa, de 1987 a 1991, corres-ponde à fase preparatória e de execução dos primeiros cursos em todo oterritório nacional. No total foram realizados, nessa etapa, 37 cursos. A segun-da etapa, iniciada em 1999, caracteriza-se pelas realizações de oficinas de tra-balho para revisão do conteúdo e aperfeiçoamento da proposta, promovidaspela cooperação técnica do Ministério da Saúde e da OPAS, com oferta maisesparsa do curso (SANTANA; CASTRO, 1999, p.16).

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o ano da pesquisa, o CADRHU possibilitou a elaboração de váriosdocumentos técnicos e textos didáticos, contribuindo para dar visi-bilidade ao campo; qualificou atores capazes de conduzir as políticasde recursos humanos com mais propriedade; contribuiu para forta-lecer a integração entre as universidades e as secretarias de saúde,assim como destas últimas com outras instituições de saúde; propi-ciou a criação de estruturas de recursos humanos nas secretarias esta-duais de saúde; estimulou a organização da área de recursos humanosnos municípios; contribuiu para o processo de descentralização doscursos técnicos e para a consolidação das Escolas de Formação Téc-nica em Saúde em diversos estados. No âmbito das secretarias desaúde, o projeto chegou a firmar-se, em muitos casos, como um cri-tério de qualidade de gestão (CASTRO; SANTANA, 1999).

Tendo em vista reforçar as informações citadas, foram reproduzi-dos alguns depoimentos, da citada pesquisa, publicados no livro Ca-pacitação em Desenvolvimento de Recursos Humanos de Saúde - CADRHU:

Apesar das dificuldades, a maioria advinda das inge-rências político-clientelistas e do não reconhecimentoda função estratégica dos recursos humanos, algumasações decorrentes da atuação dos egressos foram de-sencadeadas em diferentes instituições. Entre outras,podemos citar: a criação dos núcleos descentraliza-dos de recursos humanos na Secretaria Estadual deSaúde; a descentralização dos cursos de formação;128

implantação e coordenação dos processos de seleçãode pessoa (Egresso do CADRHU).

128 O depoente se refere aos cursos de formação de ensino técnico desenvolvi-do pelas Escolas Técnica do SUS, cujo idealização e implantação das primeirasescolas ocorreram mediante ações já referidas no Projeto Larga Escala.

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O CADRHU proporcionou uma visão crítica dife-renciada das políticas institucionais na perspectiva daviabilidade do agir político para a melhoria dos ser-viços de saúde (Egresso do CADRHU).

O CADRHU profissionalizou a área de recursos hu-manos nos municípios e nos estados e propiciou acriação de estruturas de recursos humanos nas se-cretarias estaduais de saúde (Coordenador de um doscursos).

O referencial teórico do CADRHU subsidiou a ela-boração de plano de cargos, carreiras e salários, aexecução de concursos públicos e a definição do pa-pel da administração de pessoal no estatuto da Se-cretaria Estadual de Saúde (Dirigente institucionalestadual ou municipal).

Na Secretaria de Saúde, o curso contribuiu decidida-mente para a revisão da estrutura organizacional epara descentralização das ações de recursos huma-nos, através da qualificação de técnicos responsáveispelos setores descentralizados (Dirigente institucio-nal estadual ou municipal).

Creio que o projeto desenvolveu a retaguarda ne-cessária a uma área que necessitava ser administradacom respaldo técnico e reflexão política. Contribuiupara dar visibilidade à área, preparou equipes esta-duais e depois municipais. Preparou equipes docen-tes que estavam na universidade, fortalecendo, as-sim, o papel dos núcleos universitários e possibilitouo aumento da produção científica da área (Dirigentedo Ministério da Saúde).

Considerando esses depoimentos, pode-se afirmar que a forma-ção de profissionais com maior aporte teórico sobre o tema recursos

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humanos fez com que este deixasse de ser como um campo de im-provisação, onde predominava o senso comum, e passasse a ser com-preendido enquanto campo que necessitava de respaldo técnico e dereflexão política para sustentar as tomadas de decisão dos diversosatores da área. Esta compreensão mudou sensivelmente a profundi-dade com a qual o tema é tratado no país.

Na avaliação dos consultores da OPAS, entrevistados por esta pes-quisadora, a contribuição do CADRHU, para o campo de recursoshumanos, assim aparece:

A minha impressão é que, talvez, impacto não tenhasido tão grande quanto foi o impacto do Larga Escala(CESAR VIEIRA, depoimento verbal);129

Eu acho que o CADRHU fez para a gestão de recur-sos humanos o que o Larga Escala fez para a forma-ção do pessoal elementar (ROBERTO PASSOS NO-GUEIRA, depoimento verbal).130

A despeito da controvérsia explicitada nos depoimentos acimarelatados, acredita-se que se conseguiu demonstrar, tendo como baseos pronunciamentos dos diferentes atores aqui descritos, as contri-buições desse Projeto para o campo de recursos humanos em saúdeno país, ressaltando a participação protagonista do Programa de Co-operação em Desenvolvimento de Recursos Humanos da OPAS/Representação no Brasil, desde o surgimento da idéia que deu ori-gem ao CADRHU.

129 Entrevista utilizada através do Skype, em julho de 2007.130 Entrevista realizada em Salvador (BA) em julho de 2007.

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4.2.4 O Projeto CADRHU ganha dimensão internacional

No ano de 1992, uma iniciativa da Oficina Central da OPAS em Wa-shington, em parceria com o Ministério da Saúde do Brasil, EscolaNacional de Saúde Pública e o Programa de Cooperação Técnica emDesenvolvimento de Recursos Humanos da OPAS/Representaçãono Brasil, iria promover, com base na experiência brasileira com oCADRHU, o primeiro Curso Latino-Americano de Recursos Huma-nos em Saúde (CLARHUS), conforme deixa explícito as palavras se-guintes: "A gente espalhou a experiência do CADRHU para um pro-jeto mais continental" (FRANCISCO CAMPOS, depoimento ver-bal).131

Nesse ano, José Roberto Ferreira, então diretor do Departamen-to de Recursos Humanos da OPAS em Washington, mobilizou signi-ficativo volume de recursos financeiros do Departamento para apoi-ar essa iniciativa internacional. A dimensão política, para a OPAS,dessa iniciativa fica clara no depoimento seguinte:

Os recursos destinados talvez tenham sido o maioraporte financeiro do último ano de gestão de JoséRoberto na OPAS. Representou uma parte substanti-va dos recursos do departamento de recursos huma-nos (FRANCISCO CAMPOS, depoimento verbal).132

Assim como o CADRHU, que teve forte impacto na formação dequadros que hoje dirigem as políticas de recursos humanos no Brasil,o CLARHUS deu a sua contribuição na formação de uma burocraciapara a área de recursos humanos, em âmbito internacional, inclusiveformando especialistas que iriam trabalhar, em futuro próximo, emescritórios da própria OPAS em vários países da América Latina.

131 Entrevista realizada em Brasília em novembro de 2007.132 Idem.

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Essa iniciativa voltaria a se repetir no ano de 2006, quando medi-ante Termo de Cooperação Internacional, assinado entre o governobrasileiro e a OPAS, foi viabilizado o Curso Internacional de Especi-alização para Gestores de Recursos Humanos em Saúde (CIRHUS),133

dirigido especificamente aos países da Região Andina (Equador, Co-lômbia, Peru, Bolívia, Venezuela, Chile) e estados da Amazônia Legalno Brasil. O guia curricular do Projeto CADRHU foi adotado comoeixo norteador da proposta em termos didáticos/pedagógicos, asse-gurando-se que o contexto nacional de cada país seria o foco doprocesso de aprendizagem.

Para concluir esta discussão acerca do CADRHU, ressalta-se que,apesar de todo o avanço referido, os problemas dos recursos huma-nos ainda sofrem de uma boa dose de negligência por parte dos diri-gentes institucionais. Talvez uma explicação para tal fato esteja noque José Paranaguá de Santana indica por falta de definição mais pre-cisa da competência do campo de recursos humanos. Segundo o con-sultor, há ainda uma imprecisão sobre qual é o objeto deste campo: éo trabalho, são as relações de trabalho, são os valores por trás dosserviços que são contratados ou comprados ou são os procedimen-tos realizados? (SANTANA, 2002, p. 412).

133 As instituições promotoras do CIRHUS foram o Ministério da Saúde doBrasil (MS) e a OPAS/Brasil. O colegiado de coordenação do curso foi com-posto pela ENSP/FIOCRUZ, pelo NESC/UFRN e pela OPAS/Região An-dina; já o Colegiado de apoio institucional SGTES/MS, pela Assessoria deRelações Internacionais da FIOCRUZ e pela representação da OPAS/Brasil epela sede da OPAS em Washington.

134 Em termos administrativos brasileiros, a região chamada Amazônia Legal écomposta dos seguintes Estados: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia,Roraima, além de parte dos Estados de Mato Grosso, Tocantins e Maranhão(disponível em www.sivam.gov.br).

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Seguindo a direção desses questionamentos, Rovere (2006) res-salta a natureza multidimensional desse campo, quando afirma queos recursos humanos em saúde constituem um complexo campo in-tersetorial de estudo e intervenção e, ao mesmo tempo, uma pers-pectiva de análise específica sobre a ampla problemática dos serviçosde saúde. É neste sentido que se advoga que o CADRHU deve sercompreendido na perspectiva de um movimento de acumulação te-órica e prática no campo da formulação e implementação de polí-ticas de recursos humanos para o setor saúde no país.

4.3 Projeto GERUS: Desenvolvimento Gerencial deUnidades Básicas de Saúde

A década em que ocorreu a implantação do Projeto de Desenvolvi-mento Gerencial de Unidades Básicas de Saúde seria bem diferenteda década de 1980, no que se refere à efervescência vivida pelo setorsaúde. A década de 1980, mais especificamente, a segunda metade,foi marcada pelo deslanche da Reforma Sanitária, onde, impulsiona-das pela ansiedade de recuperação dos direitos de cidadania e dejustiça social, as políticas de recursos humanos assumiram o que No-gueira (1999) chama de compromissos igualitaristas e universais. Osanos 1990, por sua vez, foram marcados por um período de instabi-lidade e de menos consenso entre os atores (governo, corporações,academia, movimento sanitário e outros), em relação à implementa-ção do SUS. Conflitos federativos entre os estados e o governo fede-ral pelo repasse de verbas e transferência de patrimônio e pessoal;conflitos com os servidores, resultado da resistência de funcionárioscedidos para os estados e municípios, deram a tônica da primeirametade dessa década.

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Em dezembro de 1989 foi eleito, para a presidência da Repúbli-ca, Fernando Collor de Melo. Seu governo (1990-1992) vai acirrar,no contexto político nacional, a orientação neoliberal vigente napolítica internacional, sob a orientação dos organismos financiado-res da dívida externa dos países em desenvolvimento. Nesse mesmoano ocorre um momento de inflexão da Guerra Fria, com o redire-cionamento das relações políticas internacionais, mudando-se o con-flito ideológico entre socialismo e liberalismo, trazendo uma clarasupremacia do pensamento neoliberal de defesa do mercado de suaspolíticas (FALEIROS et al, 2006).

As palavras de ordem no contexto nacional eram: privatização,corte de gastos públicos, desmonte do Estado, reforma econômica eadministrativa. Sob a ótica da "modernização", Collor anuncia a re-dução das barreiras de importação, o programa de desestatização, areforma administrativa e outros.

No setor Saúde, o movimento sanitário consegue a aprovação daLei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990),contudo, com alguns vetos por parte do governo, como, por exem-plo, o veto à participação comunitária. Tal veto revelava a posiçãoclaramente contrária ao movimento de participação social que tinhatido como marco a 8ª Conferência Nacional de Saúde. Faleiros (2006)diz que este veto provocou o movimento sanitário a recolocar o "blocona rua" e pressionar o poder legislativo para uma tomada de posição.Esta pressão logo vai se traduzir na Lei nº 8.142 de 28 de setembrode 1990 que, recuperando os vetos parcialmente, vai dispor sobre aparticipação comunitária na gestão do SUS e sobre as transferênciasintergovernamentais de recursos financeiros na área de saúde.

Cerca de um mês antes da saída de Fernando Collor da Presidên-cia da República, foi realizada, em Brasília, no período de 9 a 14 deagosto de 1992, a 9ª Conferência Nacional de Saúde, cujo tema prin-cipal foi "A Municipalização é o Caminho". Com a participação de

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50% dos municípios brasileiros, 3.000 delegados e 1.500 observa-dores, essa conferência veio reforçar as diretrizes da 8ª CNS, apoian-do o processo de participação, descentralização e municipalizaçãodo SUS.

No painel que abordou o tema Recursos Humanos, destacam-seas seguintes discussões: a desqualificação e a obsolescência técnica dopessoal; o papel da união, dos estados e do setor privado na forma-ção; a gestão de pessoal e a descentralização: questões e impasses,remuneração adicional por produtividade e desempenho e negocia-ção coletiva de contrato de trabalho; delineamento dos possíveis ce-nários e de desenhos estratégicos sob o ponto de vista da municipali-zação. Registre-se que José Paranaguá de Santana e Roberto PassosNogueira, respectivamente, consultor e ex-consultor da OPAS/Re-presentação do Brasil, compunham a relação de apresentadores dopainel.

Sobre a gerência do SUS, reconhecia-se a fragilidade e se propu-nha aprofundar algumas discussões, tais como: Municipalização e Dis-trito Sanitário e eficácia da prestação dos serviços de saúde, gerêncialocal de saúde e qualidade dos serviços de saúde; e determinação dosrecursos humanos na eficácia da prestação dos serviços de saúde.

A II Conferência Nacional de Recursos Humanos para a saúde,realizada em Brasília no ano de 1994, convidou gestores, usuários etrabalhadores da saúde a se empenharem pela efetiva implantação doSUS, defendendo, entre outras, as seguintes propostas:

a. A implantação de um modelo de atenção que utilize crité-rios epidemiológicos para definição de prioridades, inclusi-ve em termos de recursos humanos, tecnológicos e finan-ceiros;

b. A mudança nas práticas assistenciais, assegurando a atençãode saúde integral a todos os cidadãos;

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c. A implantação de sistemas de referência e contra-referên-cia em todos os níveis de atenção;

d. A garantia de horizontalidade de ações de saúde em nívelmunicipal, em contraposição ao modelo vertical ainda he-gemônico;

e. A reestruturação dos Centros e Postos de Saúde, de formaa ampliar as suas responsabilidades, articulando ações depromoção, proteção e recuperação da saúde, além de açõessobre o meio ambiente (BRASIL, 1994).

A operacionalização destas propostas exigia gestores e gerentesqualificados. Nessa perspectiva, no repertório de propostas da Con-ferência, aquelas relacionadas às políticas de preparação e gestão derecursos humanos, reforçavam a necessidade de qualificar os geren-tes dos serviços de saúde (nível central e local) em áreas como admi-nistração, gerência e planejamento estratégico. Para tanto, o plená-rio apontava o desenvolvimento de cursos de diferentes complexida-des e de outras formas de treinamento para capacitação dos gestoresdo SUS, exigindo a freqüência periódica dos mesmos, com vistas aoseu permanente aperfeiçoamento (BRASIL, 1994).

No clima de convocatória para os gestores, usuários e trabalhado-res da saúde se empenharem pela efetiva implantação do SUS, o Pro-grama de Cooperação Técnica em Desenvolvimento de RecursosHumanos da Representação da OPAS no Brasil passou a envidar es-forços na construção de uma proposta de qualificação para a gerên-cia da rede básica de saúde. Esta proposta foi apresentada como uma"alternativa à crescente demanda por capacidade gerencial voltadapara o apoio à estratégia de descentralização da saúde e para a melho-ria contínua da qualidade dos serviços" (BERTUSSI, et al, 1996, p.23).

A necessidade de apoiar o desenvolvimento gerencial da rede bá-sica começou a se consolidar logo após a extinção do INAMPS e o

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[ 220 ] PROTAGONISMO SILENCIOSO

processo de descentralização da estrutura de saúde da Fundação Sesp.Estes dois movimentos institucionais foram fundamentais para a efe-tivação da diretriz da descentralização preconizada desde a 8ª CNS,todavia, sabe-se também que eles trouxeram novos problemas para agestão dos serviços estaduais e municipais, como, por exemplo, osconflitos entre profissionais mediante a existência de heteronomiasalarial para uma mesma atividade em um mesmo estabelecimento.

Enfim, no contexto em que os municípios assumiam as unidadesbásicas de saúde advindas de distintas instituições, e passavam a en-frentar dificuldades relacionadas à gestão desses serviços, a OPAS/Representação no Brasil, tendo como pressuposto a concepção deque a gestão da rede básica era de responsabilidade municipal, pro-põe uma estratégia de qualificação gerencial dessas unidades. Essaestratégia recebeu o nome de Projeto de Desenvolvimento Gerenci-al de Unidades de Saúde (GERUS).

Antes de iniciar a discussão sobre o Projeto GERUS, um questiona-mento se impõe: como a equipe do Programa de Cooperação em De-senvolvimento de Recursos Humanos da OPAS/Brasil se adequou, ounão, aos novos ventos trazidos pela política neoliberal dos anos 1990?

Um dos consultores entrevistado da OPAS dá a sua versão:

Só para situar o exemplo muito ilustrativo desta si-tuação, lembro da total dissociação entre as propos-tas que foram trazidas pelo ministro da saúde no go-verno Collor que não tinham aderência ao movimen-to sanitário e, portanto, não tiveram adesão, guari-da, apoio da equipe técnica da OPAS. Na medida emque um organismo de cooperação internacional poderesistir às orientações da autoridade nacional estaresistência foi feita, não é? (JOSÉ PARANAGUÁ DESANTANA, depoimento verbal).135

135 Entrevista realizada em junho de 2007.

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Nesse depoimento merece destaque o explícito posicionamentode um dos consultores da OPAS/Representação no Brasil sobre oalinhamento do Programa de Desenvolvimento de Recursos Huma-nos da Organização às posições do movimento sanitário brasileiro,em contraposição aos novos rumos para a política de saúde que que-ria dar o governo Collor de Melo. Com o objetivo de reforçar estaafirmação, acrescenta-se:

A equipe do Programa de Recursos Humanos daOPAS sempre se alinhou com as diretrizes e com asorientações deste núcleo de condução do movimen-to sanitário na área de recursos humanos (JOSÉ PA-RANAGUÁ DE SANTANA, depoimento verbal).136

Na gestão de Alcenir Guerra no Ministério da Saúde, houve umcerto esfriamento nas atividades de cooperação da OPAS, particu-larmente do seu Programa de Recursos Humanos com o Ministérioda Saúde. Aproveitando este momento, a equipe do programa passoua investir seus esforços no desenho da proposta do Projeto que veioa ser chamado de GERUS.

4.3.1 Priorizando a gestão da rede básica de saúde

Merece destaque a informação de que o propósito inicial do ProjetoGERUS era atuar na perspectiva da qualificação gerencial não apenasdas unidades básicas de saúde, mas também das unidades de emer-gência, das unidades laboratoriais, das unidades de atendimento es-pecializado e dos hospitais.

Contudo, com o caminhar do processo de municipalização, iden-tificava-se, no âmbito das secretarias municipais de saúde, uma de-manda crescente por capacitação gerencial na rede básica de saúde.

136 Entrevista realizada em junho de 2007.

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[ 222 ] PROTAGONISMO SILENCIOSO

Quais eram os motivos desta procura? Em primeiro lugar, aponta-sea necessidade da população por mais e melhores serviços; em segun-do lugar, as autoridades locais começavam a compreender, de formaprática, que a municipalização dos serviços veio acompanhada decobranças e reivindicações da população por melhor atuação dos ser-viços da rede básica. Junte-se a estes dois fatores, o diagnóstico dabaixa capacidade gerencial das unidades básicas de saúde e a poucaoferta de cursos para os gerentes desses estabelecimentos que se tema justificativa do Programa de Cooperação em Desenvolvimento deRecursos Humanos da OPAS em dar início ao Projeto GERUS con-templando o desenvolvimento gerencial da rede básica.

Nessa perspectiva, o propósito do curso foi assim definido: "Con-tribuir para a qualificação técnica e política de todos aqueles envol-vidos com a responsabilidade de operação de estabelecimento desaúde sem internação" (SANTANA, 1997, p.5). O pressuposto bási-co era que as unidades básicas de saúde são ambientes que desenvol-vem ações de certa complexidade, envolvendo, na sua execução,vários atores com interesses diversos e, por isso mesmo, uma multi-plicidade de conflitos. Portanto, ao investir nesse nível de atenção, aOPAS estava empenhada no processo de mudança das práticas sanitá-rias, tendo como pressuposto o paradigma da promoção à saúde.

Na esteira do aprendizado do CADRHU, o GERUS foi concebidopara ser parte integrante de um processo de desenvolvimento insti-tucional. Portanto, a sua realização exigia o estabelecimento de acor-dos com os gestores locais em relação à disponibilidade política dassecretarias municipais de saúde em organizar seus serviços da aten-ção básica, tendo como base um modelo de gestão participativa edescentralizada. Estavam, entre os objetivos do curso, a ênfase naidentificação dos problemas de saúde e de gestão do processo detrabalho pela própria unidade e nos equacionamentos propostos pelaequipe local. Assim, se fazia presente a exigência da disposição insti-

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tucional para adoção de medidas que assegurem a autonomia dasunidades de saúde. A intenção era que a proposta de capacitaçãogerencial das unidades básicas de saúde do Projeto GERUS fosse uminstrumento útil ao processo de reorganização dos serviços de saú-de.

Assim, ao promover a qualificação da gestão desses estabelecimen-tos, o Programa de Cooperação Técnica em Desenvolvimento deRecursos Humanos da OPAS/Representação no Brasil reafirmava,de acordo com as palavras de um dos seus consultores, o "seu com-promisso de apoio e fidelidade aos desígnios da reforma sanitária bra-sileira e fortalecimento do sistema único de saúde" (SANTANA, 1997,p.1).

4.3.1.1 Estruturando a proposta

A elaboração da proposta do GERUS esteve fundamentada em doispontos prioritários: o primeiro dizia respeito à carência de gestorescom alguma formação na área; o segundo estava relacionado à neces-sidade da adoção, pelos serviços, de novos conceitos e novas propos-tas de gestão, rompendo com o paradigma tradicional da teoria clás-sica da administração que concebe as organizações de forma rígidas ehierarquizadas.

As práticas de gestão exclusivamente racionais e mecanicistas nãodão conta das complexidades de um mundo caracterizado pela tur-bulência, instabilidade e pelas exigências de adaptação às constantesmudanças. O novo paradigma em ciências gerenciais indica que aexcelência não está na submissão do saber, nem na rigidez prescritivae na racionalidade tecnicista ou tecnocrática que mantêm posturasmonológicas e castram a atividade do profissional e penalizam o usu-ário (TOFLER, 1985, OSBORNE ; GAEBLER, 1994).

Este novo paradigma exige que os gerentes assumam o papel deagentes de mudança, deixando de ser apenas controladores de re-

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[ 224 ] PROTAGONISMO SILENCIOSO

cursos e se tornem capazes de incentivar o desenvolvimento da cri-atividade coletiva e individual. Este novo papel requer uma boa dosede inovação que, por sua vez, pede flexibilidade, descentralização ecompromisso, além de uma nova postura em relação aos seus geren-ciados, entendendo-os como atores ativos do processo.

É nessa perspectiva que as bases conceituais e metodológicas des-sa proposta de capacitação gerencial vão ter como alicerces a mesmaconcepção pedagógica que fundamentou as duas outras propostaseducacionais discutidas até agora. Tal opção pedagógica exige, porparte dos atores do processo ensino e aprendizagem, a solidariedadena busca do interesse comum, onde o curso representa não um fimem si mesmo, mas uma operação que visa produzir capacidade de re-conhecer e lidar com problemas concretos da realidade ou do coti-diano do conjunto de atores que, no curso, desempenham papéis deinstrutor e alunos (SANTANA, 1997). E, antes de tudo, exige a con-vicção de que a mudança é possível (FREIRE, 1996).

Garantir a presença dos gerentes dos centros de saúde em qual-quer processo educativo é sempre um elemento de dificuldade. Parao enfrentamento dessa questão, o curso foi organizado em momen-tos de concentração – sala de aula – e momentos de dispersão –atividades desenvolvidas nas unidades de saúde onde cada um doseducandos exerce suas funções gerenciais. Descentralização e flexi-bilidade continuavam sendo, a exemplo do CADRHU e do LargaEscala, as palavras orientadoras da proposta curricular. Compreen-dia-se que, sendo o curso uma estratégia de desenvolvimento institu-cional, o programa curricular deveria ser executado de forma a con-siderar o ritmo de cada unidade de saúde e possibilitar o envolvi-mento dos outros profissionais das unidades nas atividades do curso.

O programa curricular, estruturado nos moldes do currículo in-tegrado, assim como os dois outros processos de capacitação citados,foi organizado em três unidades didáticas que correspondem ao con-

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junto de conhecimentos e práticas implicados no processo de geren-ciamento das unidades de saúde.

a. Unidade I, Avaliação: pretende que os participantes identifi-quem e analisem o processo de produção em uma Unidadede Saúde, o contexto social onde ela está inserida e as rela-ções e as transformações daí decorrentes.

b. Unidade II, Reorganização de Serviços de Saúde: pretende queos participantes identifiquem e analisem as diferentes raci-onalidades subjacentes às práticas de saúde, os elemen-tos do processo de trabalho (objeto, meios e trabalho) ine-rentes a cada uma delas, visando à reorganização dessas prá-ticas na Unidade de Saúde.

c. Unidade III, Operação de Unidade de Saúde: pretende que osparticipantes analisem as práticas gerenciais, com ênfase nacapacidade de negociação, na condução do processo de tra-balho e no controle dos resultados do processo produtivo,visando assegurar a operação da Unidade de Saúde com en-foque na melhoria contínua da qualidade da prestação deserviços.

Como já foi referido, o GERUS consiste em uma proposta de de-senvolvimento gerencial centrada no curso de especialização. De acor-do com um dos entrevistados para o presente trabalho, esta propostafoi compreendida, aceita e absorvida, com grande avidez, por muitassecretarias municipais de saúde que estavam avançando e liderandoos processos de municipalização e implantação de suas redes básicasde saúde. Entre outras instituições, ressaltam-se as secretarias de saú-de dos municípios de: Londrina (PR), Curitiba (PR), São Paulo (SP),Marilia (SP), Natal (RN), Fortaleza (CE) e a Secretaria de Saúde doDistrito Federal.

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[ 226 ] PROTAGONISMO SILENCIOSO

4.4 O fio condutor da ação do Programa deCooperação em Desenvolvimento de Recursos

Humanos da OPAS

Nos anos 1980 e 1990, o Programa de Cooperação em Desenvolvi-mento de Recursos Humanos da OPAS/Representação no Brasil cen-trou seus esforços na construção e disseminação de guias curricula-res que tinham como premissas a integração ensino e serviço; naelaboração de programas de preparação de monitores/tutores paraos cursos que iriam utilizar os citados guias curriculares; na prepara-ção desses monitores; na publicação de material didático; no apoio àsequipes de condução das diferentes propostas educacionais aqui dis-cutidas; e no apoio à implementação dos projetos nos estados e mu-nicípios.

José Paranaguá de Santana, em entrevista à Revista Olho Mágico(2001), destaca alguns das diversas propostas educacionais elabora-das mediante a cooperação técnica da OPAS/Representação no Bra-sil.

a. Para a área da enfermagem: guias curriculares para enfer-meiros na rede básica; para o aperfeiçoamento do enfer-meiro na atenção ambulatorial; para a formação do auxiliarde enfermagem nas áreas ambulatorial e hospitalar.

b. Para a odontologia: guias curriculares para aperfeiçoamentodo odontólogo na rede básica; para a formação do técnicoem higiene dentária e do auxiliar de consultório dentário.

c. Para farmácia: guias curriculares para o técnico e o auxiliarde laboratório clínico.

d. E guias destinados para o técnico e o auxiliar de laboratório clí-nico.

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e. Projeto CADRHU: destinado à formação de especialistasem Recursos Humanos para essa área de gestão, no âmbitodas secretarias de saúde.

f. Projeto GERUS: destinado à formação de especialista emgerência de unidades básicas de saúde no SUS.

g. Metodologia para Gerência do Cuidado na Equipe do PSF.

Para efeito de estudo desta seção, foram priorizados o Projeto Lar-ga Escala, o Projeto CADRHU e o Projeto GERUS. Portanto, tendocomo referências essas experiências, pergunta-se: Quais são os elemen-tos presentes em cada uma delas que caracterizam uma linha contínuano pensamento do Programa de Cooperação Técnica de Desenvolvi-mento de Recursos Humanos da OPAS/Representação no Brasil?

Em que pese as propostas educacionais, aqui estudadas, terem sidoconcebidas em conjunturas diferentes, elas apresentam, desde a suaconcepção, pontos que constituem uma mesma linha política, peda-gógica e metodológica, cuja origem – defende-se neste trabalho –encontrar-se no Projeto Larga Escala.

Diante do exposto, destacam-se os seguintes pontos comuns naspropostas do Larga Escala, CADRHU e GERUS:

a) A educação como estratégia de apoio à organização dos serviços de saúde eaos princípios da Reforma Sanitária Brasileira

Eu achava que o Larga Escala só teria viabilidade seele fosse vinculado como uma estratégia para operaro sistema de saúde" (IZABEL DOS SANTOS, depo-imento verbal).137

A análise dos guias curriculares dos três projetos, aqui apresenta-dos, revela que o elemento central presente em cada um deles é a sua

137 Entrevista realizada em Brasília em agosto de 2007.

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[ 228 ] PROTAGONISMO SILENCIOSO

intencionalidade de apoio aos princípios da Reforma Sanitária Brasi-leira ou, dizendo de outra maneira, de fortalecimento do SUS. Assi-nala-se que todos têm em seus propósitos e conteúdos uma propostade organização dos serviços para os seus respectivos campos de atu-ação. A estratégia básica, presente em cada um deles consiste em,partindo de um processo educacional, avançar para um projeto maisamplo de desenvolvimento institucional, quer seja com o foco naorganização da assistência, quer seja voltado para a qualificação dagestão dos serviços.

A especificidade do enfoque educacional dessas propostas estárelacionada ao entendimento de que as exigências do modelo de as-sistência e de gestão dos serviços, para a real consolidação das pro-postas da Reforma Sanitária Brasileira, apontam para a necessidadede profundas transformações na maneira de conceber a formação equalificação dos trabalhadores.

A articulação, desses projetos, com as propostas de reorganiza-ção, aperfeiçoamento, aprimoramento e fortalecimento dos servi-ços de saúde, que, por sua vez, têm como base os princípios e dire-trizes da Reforma Sanitária, pode ser observada a partir da explicita-ção dos seus propósitos:

• Projeto Larga Escala – Capacitar pessoal de nível médioem larga escala para satisfazer as necessidades da demanda,em vista às propostas do Prevsaúde.

• CADRHU – Contribuir para a modernização dos proces-sos institucionais do campo de recursos humanos, assegu-rando sua compatibilização com os princípios e metas daReforma Sanitária.

• GERUS – Contribuir para a qualificação técnica/políticade todos aqueles envolvidos com a responsabilidade de ope-ração de estabelecimento de saúde sem internação [...] na

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perspectiva de apoiar a estratégia de descentralização e dereorientação do modelo assistencial e sanitário.

b) Articulação entre os processos educativos e produtivos nos serviços de saúde

Então, eu acho que o elemento fundamental é este:como integrar o projeto pedagógico com o processode trabalho nos serviços de saúde? (JOSÉ PARANA-GUÁ DE SANTANA, depoimento verbal).138

Do ponto de vista da relação do serviço de saúde com as institui-ções de ensino, nenhum desses processos educacionais prescinde daarticulação com o sistema educativo. Todos eles trazem na sua ori-gem a necessidade dessa relação, demonstrando claramente uma dascaracterísticas desse campo chamado de recursos humanos em saúde:a exigência da articulação dos setores da educação e da saúde.

Do ponto de vista pedagógico, identifica-se, nas propostas estuda-das, a idéia de que o processo pedagógico deve ser totalmente arti-culado com o processo de trabalho,139 estando aí, segundo o entre-vistado, a chave da definição da expressão "educação permanente",adotada pela OPAS: "Um processo que assegure, de forma sistemáti-ca e continuada, a preparação dos trabalhadores, que atuam nos ser-viços de saúde, voltada para a qualificação de atendimento" (JOSÉPARANAGUÁ DE SANTANA, depoimento verbal).140

138 Entrevista realizada em Brasília em junho de 2007.139 Sobre esta discussão, ver a publicação Processo Educativo nos Serviços de Saúde,

de autoria de Alina Maria de Almeida Souza, Ena de Araújo Galvão, Izabel dosSantos, Maria Alice Roschke. Na época da elaboração do texto, as três últimasprofissionais mencionadas eram consultoras da OPAS, sendo Ena Galvão eIzabel dos Santos consultoras da Representação no Brasil, e Alice Roschke, daOficina Central de Wasshington.

140 Entrevista realizada em Brasília em junho de 2007.

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[ 230 ] PROTAGONISMO SILENCIOSO

Para ele, esta preocupação já existia desde o PPREPS, só que elanão tinha a consistência que foi adquirindo com a experiência que aequipe técnica foi sistematizando em realidades distintas em váriosestados e em vários momentos da conjuntura política.

Em continuidade ao seu depoimento, o entrevistado diz:

A diferença é que, se a gente tomasse uma periodi-zação que é sempre uma coisa meio perigosa, eu di-ria que nos anos 70 esta coisa não era muito clara, apartir dos anos 80/81, com a elaboração do chamadoProjeto Larga Escala e o estabelecimento de umaportaria da comissão interministerial de planejamen-to que criou esta proposta de formação de pessoal,onde fala da integração entre o trabalho e a educaçãoe o ensino, essa clareza foi se fazendo. E, usando aexpressão de Guimarães Rosa, "o dia vai clareandodevagarinho" (JOSÉ PARANAGUÁ DE SANTANA,depoimento verbal).141

E conclui:

Então foi isto que aconteceu. Foi-se clareando, foi-seclareando [...] Foi um pouco uma tática de bater sem-pre nessa mesma tecla: como é que se desenvolvemprocessos de formação ou de educação dos trabalha-dores dos serviços de saúde que sejam coerentes,articulados, consentâneos, contemporâneos com oprocesso de trabalho (JOSÉ PARANAGUÁ DE SAN-TANA, depoimento verbal).142

A propósito do tema Educação Permanente:

141 Entrevista realizada em Brasília em junho de 2007.142 Idem.

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No início dos anos 1980, a OPAS publicou um textosobre educação permanente onde discutia os princí-pios que até hoje sustentam este conceito, ou seja, otrabalho como princípio educativo, o local de traba-lho como espaço de aprendizagem, uma educaçãovoltada para o mundo do trabalho, uma educação queconsidera o trabalhador um alguém que traz umaexperiência e que precisa trabalhar essa experiên-cia, e um processo metodológico que contemplasse aprática desse adulto (ENA GALVÃO, depoimentoverbal).143

De acordo com Souza et al (1991), a proposta de educação per-manente de pessoal de saúde, apoiada pelo Programa de Desenvolvi-mento de Recursos Humanos da OPAS, tinha a perspectiva de re-conceituar os processos de capacitação dos trabalhadores já inseridosnos serviços de saúde, tendo como base as seguintes categorias: ocontexto dos processos de capacitação, a identificação das necessida-des de aprendizagem, o processo educativo, a monitoria (docência)e o seguimento dos processos educativos.

c) A adoção de uma proposta pedagógica compromissada com o pensar, com oagir e com a transformação da realidade

O processo se dá com integração ensino e serviço.São idas e vindas em período de concentração e des-concentração, com práticas em serviços (ROBER-TO PASSOS NOGUEIRA, depoimento verbal).144

A concepção pedagógica das três propostas educacionais discutidascontém, em seus pressupostos, conforme mencionada anteriormente,

143 Entrevista realizada em Brasília em junho de 2007.144 Entrevista realizada em Salvador em julho de 2007.

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[ 232 ] PROTAGONISMO SILENCIOSO

a utilização de uma metodologia que supera a perspectiva mecanicistaou a simples transferência do conhecimento por métodos não reflexi-vos, comuns à pedagogia da transmissão. Em seu oposto, a metodologiada problematização procura se mover pelo ânimo de libertar o pensa-mento pela ação dos homens uns com os outros na ação comum derefazerem o mundo (FREIRE, 1987). A liberdade do poder de criar,de atuar, de se enxergar como sujeito de sua ação, como seres de op-ção, deve ser, antes de tudo, um dos pré-requisitos para a atuação dequalquer pessoa em um serviço com as características dos serviços desaúde, cujo processo de trabalho exige, muitas vezes, decisões rápidas,inusitadas e precisas, onde não há tempo para consultar possíveis manuaisde normas e rotinas.

d) O trabalhador como centro do processo produtivo

O propósito desta Unidade Didática é caracterizar aproblemática de recursos humanos de saúde comoparte do processo produtivo dos serviços desse setor(SANTANA; CASTRO, 1999).

A compreensão da centralidade do trabalhador no processo deprodução é uma das principais características dos processos educati-vos aqui discutidos. Sobre a exigência desta centralidade, se pronun-cia Dussault (1992, p.2): "apesar do desenvolvimento tecnológicoimpressionante que aconteceu nos últimos cinqüenta anos, a maioriados serviços ainda são produzidos por pessoas sim, não por máqui-nas".

Considerando que as organizações de saúde possuem um trabalhocomplexo e especializado e que exigem qualificação de alto nível enão se prestam bem à formalização; que os resultados não são facil-mente mensurados e que os profissionais têm grande autonomia nadinâmica do processo de trabalho (MINTZBERG apud DUSSAULT,1992), o reconhecimento da supremacia do trabalhador no processo

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produtivo faz-se urgente. Nessa perspectiva, Santana (1994, p.126),problematiza: "Quem decide a indicação de medicamentos, equipa-mentos e outros insumos? Quem administra o seu uso? Como o faz?Quem poderia controlar sua aplicação adequada e econômica?"

Assumindo estas questões como bússola, adota-se, nesses processoseducacionais, o entendimento que os recursos humanos são estratégi-cos para a produção dos serviços, na medida que são agentes de mu-danças e não autômatos ou meros recursos do processo de produção.Nessa perspectiva, quando assume a condição de aluno, o trabalhador écompreendido nas propostas do Larga Escala, CADRHU e GERUScomo "um adulto que tem como atividade principal o trabalho, que éo seu meio de subsistência, e através do qual contribui para o desen-volvimento do setor saúde" (SOUZA et al, 1991, p.24). Dizendo deoutra forma, a concepção de educação desses processos educacionaisreconhece que o sujeito participante é um ser historicamente deter-minado, portanto, um agente histórico e não um mero produto social(CURY, 1995). Ressaltando as palavras de Freire (1987, p.62), são "se-res da busca e se sua vocação ontológica é humanizar-se, podem, cedoou tarde, perceber a contradição em que a 'educação bancária' preten-de mantê-los e engajar-se na luta pela sua libertação".

e) A educação como estratégia para a condição de cidadania

Moça, estou cansada de fazer treinamentos que nãoservem para nada. Não há jeito de fazer alguma coi-sa que possa me beneficiar depois?" (Pergunta de umagente de saúde a Izabel dos Santos).145

Tendo como referência a obra de Paulo Freire, compreende-se,neste texto, que qualquer proposta pedagógica não é revestida de

145 Publicada no livro Izabel dos Santos: a arte de aprender fazendo. Edufrn,2002.

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neutralidade e que sempre traz uma visão de mundo. Nesse sentido,frisa-se que, até o início da década de 1980, as atividades de capacita-ção destinadas ao pessoal de nível médio para o setor saúde eramrealizadas a partir da concepção de treinamentos "úteis", tendo emvista, exclusivamente, o aprimoramento de uma determinada técni-ca. Identificava-se nesta visão a forte influência do pensamento taylo-rista traduzido em fragmentação e parcelarização de tarefas com açõesmecanizadas, onde uns pensam e planejam e outros apenas execu-tam. Em uma nítida tentativa de mudança da orientação taylorista, oProjeto Larga Escala propõe um processo de formação integral quepossibilite ao trabalhador não apenas a apreensão das técnicas e ins-trumentos necessários à sua área de competência, mas também umavisão global do campo da saúde. Partia-se do pressuposto que formarprofissionais de saúde não significa a mera adaptação ao processo detrabalho existente, mas sim, o desenvolvimento de um trabalho per-sistente de construir e reconstruir uma visão crítica e qualificadadesses profissionais. Isto implica em conhecimentos teóricos e práti-cos, culturais e técnicos que qualifiquem o trabalhador num contex-to de participação ativa.

No mundo atual, o acesso ao saber é pré-requisito para as pessoassituarem-se na sociedade. Tradicionalmente, este saber é certificadoatravés de um documento validado legalmente e competitivo nomercado de trabalho. Dessa forma, se destaca a posição do ProjetoLarga Escala em ofertar a chamada "massa marginalizada e invisívelaos gestores de saúde" (IZABEL DOS SANTOS, depoimento ver-bal)146 uma certificação acadêmica válida e competitiva, enfim, comvalor para fora da instituição, conforme solicitado no depoimentoque introduz este item. Posição esta que foi seguida pelo CADRHU epelo GERUS, em que pese serem estes dois projetos de pós-gradua-

146 Entrevista realizada em Brasília em agosto de 2007.

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ção lato sensu, portanto, dirigidos a trabalhadores já detentores detítulo de graduação superior.

Sobre este aspecto, Alberto Pellegrini, um dos consultores doPPREPS na década de 1970, informa:

Foi grande o trabalho de Izabel, junto ao Ministérioda Educação, para reconhecer as profissões de modoque o aluno que fizesse um curso em uma secretariade saúde tivesse uma profissão reconhecida, garanti-do-lhe um mercado de trabalho nacional (PIRES-ALVES; PAIVA, 2006, p.155)

Todavia, o que importa ressaltar, neste item, é que independente-mente da relação direta ou não da educação com as condições deempregabilidade, estes três projetos tinham em sua concepção a edu-cação como um direito dos trabalhadores e um dos caminhos para oalcance da cidadania.

4.5 Iluminando o papel da OPAS

Os depoimentos colhidos e os documentos investigados permitemafirmar que as experiências educacionais relatadas faziam parte deum projeto de qualificação dos serviços de saúde, onde a equipe daOPAS/Representação no Brasil teve um papel estratégico na formu-lação e na orientação pedagógica, assim como na composição dosseus conteúdos. É bem verdade que, a depender da conjuntura, aOPAS assumiu um papel mais determinante na condução, com con-tatos diretos com as universidades, escolas, secretarias estaduais emunicipais de saúde, garantindo, assim, a continuidade dos projetosem conjunturas adversas.

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Algumas reflexões dos entrevistados ajudam a compreender opapel dessa organização de cooperação nos supracitados projetos:

Enfim, eu acho que a OPAS deu uma contribuiçãoimportante, mas sempre dentro destas característi-cas, de um processo de cooperação a uma iniciativade grande envergadura nacional que tinha um ali-nhamento com as diretrizes do chamado movimentosanitário brasileiro (JOSÉ PARANAGUÁ DE SAN-TANA, depoimento verbal).147

Eu acho que a contribuição da OPAS se deu princi-palmente na criação de uma metodologia inovadora.A partir da experiência com o Larga Escala foramestabelecidos alguns princípios que seguiram com oCADRHU e o GERUS. Então eu acho que esta foiuma das grandes contribuições da OPAS (ENA GAL-VÃO, depoimento verbal).148

Eu acho que estes são exemplos de quando a parceriada OPAS com o Ministério da Saúde potencializa umprojeto (ROBERTO PASSOS NOGUEIRA, depoi-mento verbal).149

Volto a tecla que eu repito sempre, estes são proje-tos da OPAS? Não! São projetos do SUS, no qual aequipe técnica da OPAS teve um papel estratégicocom a formação destas propostas" (JOSÉ PARANA-GUÁ DE SANTANA, depoimento verbal).150

147 Entrevista realizada em Brasília em junho de 2007.148 Entrevista realizada em Brasília em junho 2007.149 Entrevista realizada em Salvador em julho de 2007.150 Entrevista realizada em Brasília em junho de 2007.

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Eu acho que a grande contribuição da OPAS foi tergrupo um nacional, mas não qualquer grupo, era umgrupo nacional politicamente comprometido com areforma sanitária. Então, esse era um grupo nacionalque tinha uma proposta muito coerente de trabalharrecurso humano para implantar e implementar o sis-tema nacional de saúde. Tanto que a gente, depois doCADRHU, partiu para fazer o curso de gerência deserviço básico de saúde, o GERUS Além desses dois,nós fizemos todo um trabalho de requalificação, deresignificação da enfermagem com a capacitação doinstrutor do Larga Escala e com os cursos para o ní-vel médio. A gente achava que os recursos humanospara operar esse sistema de saúde tinham que ter adimensão social do processo (IZABEL DOS SANTOS,depoimento verbal).151

Diante dessas considerações, se torna difícil caracterizar qualquerum desses projetos educacionais, como uma experiência ou iniciati-va exclusiva da OPAS. Todavia, não se pode deixar de ressaltar o pa-pel destacado do Programa de Cooperação em Desenvolvimento deRecursos Humanos dessa organização, no que diz respeito à arte dearticular, organizar, sistematizar e galvanizar propostas mais consis-tentes, mais relevantes e com maiores possibilidades de impacto na-cional.

Compreender a participação do citado Programa nas experiênci-as de educação, selecionadas como objeto de estudo desta tese, foi ocaminho escolhido para identificar a sua colaboração para o fortale-cimento dos chamados setores de recursos humanos nas instituiçõesde saúde.

151 Entrevista realizada em Brasília em agosto de 2007.

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Portanto, espera-se ter conseguido, ao longo do texto, demons-trar que a experiência pedagógica do Larga Escala marcou a formado Programa de Cooperação Técnica de Desenvolvimento de Re-cursos Humanos da OPAS/Representação no Brasil conceber os seusprocessos educacionais. O CADRHU e o GERUS, visivelmente in-fluenciados por esta experiência, iriam fortalecer os espaços institu-cionais de atuação da chamada área de recursos humanos. Os alunos,monitores e supervisores dos cursos, consultores, coordenadores dossetores de recursos humanos, enfim, variados profissionais que, deuma forma ou de outra participaram desses projetos, se transforma-ram em parceiros responsáveis pela sua divulgação e expansão para asdiversas regiões do país, conforme revelam as palavras de um ex-dirigente do Ministério da Saúde.

Essa massa profissional, presente hoje em eventos,como as Conferências de Recursos Humanos e naspróprias Conferências Nacionais de Saúde, Conferên-cias Estaduais e Conferências Municipais de Saúde,se reproduz, tornando a experiência ímpar a nívelcontinental (CASTRO; SANTANA, 1999, p.21).

Os objetivos de cada projeto estudado deixam explicitadas as suasadesões à construção do SUS, ou, dizendo de outra forma, aos prin-cípios da Reforma Sanitária Brasileira. Também deixam claras as suaspropostas para os seus respectivos campos de atuação. São três proje-tos que têm campos de atuação específicos (assistência de enferma-gem, gestão de recursos humanos e gestão da atenção básica), noentanto, todos têm como interseção o seu pertencimento ao campoda capacitação de recursos humanos e a sua contribuição para o for-talecimento deste campo no espaço institucional.

O propósito de contribuir para o processo de reforma do setorsaúde, a partir de uma experiência de educação, pode não ter sido

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uma idéia original, mas, sem dúvida, foi original a introdução do méto-do da problematização nos processos educacionais do setor saúde.

Diante do exposto, até o momento, é possível afirmar que umponto comum, entre os supramencionados projetos, consiste na com-preensão de que os processos de ensino devem ser associados a umavisão global da realidade social e da prática de saúde, respeitando ahistória de vida e de profissão do educando.

E assim, finaliza-se afirmando que o diálogo entre o Programa deDesenvolvimento de Recursos Humanos da OPAS/Brasil e as insti-tuições nacionais, como também a sua aproximação do movimentoda Reforma Sanitária Brasileira – verificados desde a realização doPPREPS – foram determinantes para a formulação das propostas edu-cacionais aqui destacadas. Nesse sentido, ressalta-se a pretensão destaautora em demonstrar que, através destas propostas, o Programa deDesenvolvimento de Recursos Humanos da OPAS/Brasil contribuiupara a compreensão do campo de Recursos Humanos em saúde, con-forme a perspectiva de Bourdieu (1996), e para o seu conseqüentefortalecimento.

Como ato final, assinala-se que, foram realçados os passos dadospela cooperação técnica da OPAS, com vistas a iluminar a prática deconstrução de futuras alianças institucionais que possam potencializariniciativas direcionadas para o fortalecimento do Sistema Único deSaúde.

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A presença da OPAS

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Ao concluir este trabalho sobre a contribuição da OPAS/Represen-tação no Brasil para o campo de recursos humanos em saúde no país,tendo como foco a sua atuação no campo da formação de pessoal,algumas considerações fazem-se necessárias para reforçar o seu papelde agência de cooperação técnica, conforme o conceito utilizadopor Mattos (2001).

A OPAS é uma organização que ao longo de sua atuação, secular,no cenário da Saúde internacional foi adquirindo prestígio, reconhe-cimento e credibilidade componentes fundamentais para sua perma-nência nos cenários nacionais.

Considerando esta condição, se procurou compreender, nestetexto, a relação entre a OPAS/Representação no Brasil e as institui-ções brasileiras, reconhecendo-se que ambas são espaços de conflitose de concorrência, enfim, de relações em movimentos (BOURDIEU,2002).

Nesse caminhar pela história da Organização, identifica-se a capa-cidade de movimentação e articulação de seus consultores com asinstituições nacionais e com o movimento da Reforma Sanitária Bra-sileira, ressaltando-se que a conjuntura em que ocorreu esse movi-mento deu uma feição especial à cooperação técnica em recursoshumanos da OPAS.

Partindo dessa premissa, desenvolve-se a tese de que ao mesmotempo em que o Programa de Cooperação em Desenvolvimento deRecursos Humanos da OPAS influenciava, através de processos decooperação técnica, a conformação de um campo de recursos huma-nos em saúde no país, ele também era influenciado pela ausculta quefazia dos problemas e pela sua participação nos processos nacionais.

Dessa maneira, o processo de cooperação técnica conduzido pelocitado programa de recursos humanos, foi se adaptando e se modu-lando com a evolução do processo nacional, contudo, sempre man-tendo uma coerência interna muito forte entre os três eixos que lhe

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dão sustentação, quais sejam: investigação, gestão e educação. Paraeste último, a linha condutora tinha como pressupostos que o pro-cesso de aprendizagem é um fenômeno que deve ser centrado noaprendiz e não no docente e que a educação permanente é um meioimportante para que o trabalho nas instituições de saúde ocorra emmelhores condições, tendo em vista ofertar serviços de melhor qua-lidade à população.

No contexto de luta pela saúde e pela democracia, foram conce-bidos projetos pedagógicos que faziam parte de uma proposta quetinha como perspectiva reconceituar os processos de capacitaçãodestinados à força de trabalho empregada no setor. Entre eles, o Pro-jeto Larga Escala, o CADRHU e o GERUS, todos projetos nacionais,com forte presença da cooperação técnica da OPAS/Representaçãono Brasil, onde se ressalta o papel protagonista de alguns dos seusconsultores na formulação, definição de conteúdos e construção dalinha pedagógica desses cursos. Na construção de cada uma dessaspropostas de capacitação destinadas aos trabalhadores da saúde, esti-veram presentes diferenças de natureza políticas/pedagógicas entregrupos de poder que atuavam no interior das instituições.

Assinala-se que os movimentos que marcaram os serviços de saú-de, nas duas últimas décadas e que influenciaram a concepção políti-ca e pedagógica dos referidos cursos, não podem ser vistos comomovimentos exclusivamente do setor saúde, considerando-se quedesde os anos 1980 estava em marcha um projeto político de rede-mocratização no país.

No setor saúde, a expressão desse movimento de redemocratiza-ção, pelo qual passava o país, ganhou as feições do movimento pelaReforma Sanitária Brasileira e teve o seu apogeu na realização da 8ªConferência Nacional de Saúde, ocorrida em Brasília, no ano de 1986,e nos seus conseqüentes desdobramentos que culminaram com a ins-tituição do Sistema Único de Saúde na Constituição Federal de 1988.

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A formação inicial de grande parte dos intelectuais militantes dessemovimento, que em dado momento foi alcunhado de "movimentosanitário", se deu no fluxo teórico das discussões sobre a medicinasocial. Foi neste contexto que a OPAS veio a ter um papel significa-tivo, mediante o apoio de Juan César Garcia e José Roberto Ferreirana instalação de programas de pós-graduação de medicina social, nãoapenas no Brasil, mas em outros países da América Latina.

Os programas de medicina social, saúde pública ou saúde coleti-va, no Brasil, foram responsáveis pela formação de um número signi-ficativo de profissionais que vieram a ter papel destacado no cenárionacional em diversas instituições de saúde, inclusive na OPAS. A par-ticipação, nesses cursos, daqueles que, no futuro, se tornaram con-sultores da OPAS foi de significativa importância para as relaçõesque seriam estabelecidas entre esses consultores e as lideranças doMovimento Sanitário.

Procurando-se identificar as articulações dos técnicos da OPAScom os militantes do Movimento Sanitário e com técnicos dos servi-ços de saúde, identifica-se a constituição de uma rede de comunica-ção e interconexão cujos ramos vão se estender por diversas institui-ções nacionais, disseminando uma visão de mundo e um modo deoperar as políticas de saúde e as políticas de recursos humanos.

O protagonismo de alguns consultores do Programa de Coopera-ção em Desenvolvimento de Recursos Humanos da OPAS, em algu-mas das propostas educacionais impulsionadas pela Organização, éevidente. Todavia, compreendendo a OPAS como ator coletivo, faz-se mister reconhecer a importância da sua chancela para as iniciativasdesses consultores (atores individuais ou representantes de grupo)com distintas crenças e saberes. Nessa heterogeneidade se identifi-cam as lutas, o jogo de forças e a utilização das brechas institucionaispara fazer caminhar determinadas propostas.

A contratação de uma equipe de consultores nacionais para com-por o grupo assessor principal do PPREPS, implantado na segunda

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metade da década de 1970, constituiu um marco na história do Pro-grama de Desenvolvimento de Recursos Humanos da OPAS. Assina-le-se que desde meados dos anos 1960, a sede da Organização emWashington havia designado um consultor internacional de recursoshumanos para o Brasil. Contudo, o que se destaca neste momento é acomposição de um grupo de brasileiros, contratados pela OPAS, paradesenvolver um projeto do Governo brasileiro sediado no escritórioda OPAS. Esta seria a primeira equipe do hoje conhecido Programade Desenvolvimento de Recursos Humanos da Representação daOPAS no Brasil e romperia com a tradição da Organização em nãocontratar funcionários nacionais para atuar no próprio país.

O PPREPS deixou profundas raízes não somente na OPAS/Re-presentação no Brasil, mas também em diversas instituições brasilei-ras. Entre os seus frutos, destaca-se o surgimento dos Núcleos deDesenvolvimento de Recursos Humanos nas secretarias estaduais desaúde de todo o país. Estes núcleos vieram a se tornar os embriõesdas atualmente chamadas coordenações de recursos humanos das se-cretarias municipais e estaduais. Alerta-se que esta nomenclatura mudapara departamento, diretoria, superintendência, nas distintas secre-tarias estaduais e municipais de saúde.

Pode-se dizer que os projetos Larga Escala, CADRHU e GERUStambém foram frutos do PPREPS. Isto se entendido que o surgimen-to do Projeto Larga Escala tem base em dois problemas diagnostica-dos e dimensionados por ocasião do PPREPS: a insuficiente capaci-tação da força de trabalho de nível médio e elementar e a sua relaçãocom os riscos que a população corria ao ser submetida a um atendi-mento realizado por pessoas sem a devida qualificação para a função.Na análise das relações entre os projetos, ressalta-se que o desenhooperacional e a concepção pedagógica e metodológica do Larga Es-cala iriam servir de esteio para o CADRHU e o GERUS.

A linha de educação permanente que a OPAS vem trabalhandodesde a década de 1980 tem como centro das preocupações o traba-

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lhador, o trabalho e a sua contribuição à prestação da atenção à saúdeda população. Dessa forma, compreendendo-se que qualquer pro-posta pedagógica não é revestida de neutralidade e que sempre trazuma visão de mundo (FREIRE, 1996), é plausível afirmar que osProjetos Larga Escala, CADRHU e GERUS não são ilhas isoladas: elessão fruto de movimentos ocorridos no sistema de saúde cujas trans-formações passaram a exigir a construção e recriação contínuas daspráticas e dos conteúdos dos cursos destinados à preparação da forçade trabalho do setor.

Nessa perspectiva, afirma-se que a análise dos guias curricularesdo CADRHU e do GERUS revela que o elemento central presenteem cada um deles é a sua intencionalidade de apoio aos princípios daReforma Sanitária Brasileira ou, dizendo de outra maneira, de forta-lecimento do SUS.

Concluindo, espera-se ter sido possível mostrar que a OPAS/Representação no Brasil, apesar de não ser uma instituição de ensi-no, teve, por meio do seu Programa de Cooperação em Desenvolvi-mento de Recursos Humanos, um relevante papel na formulação eexecução de projetos de educação que contribuíram para a constru-ção do campo de Recursos Humanos nas instituições públicas de saú-de do Brasil.

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JANETE LIMA DE CASTRO [ 263 ]

Lista de siglas

ABRASCO – Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva

BIREME – Biblioteca Regional de Medicina

CADRHU – Capacitação em Desenvolvimento de Recursos Huma-nos de Saúde

CAPSIS – Curso de Aperfeiçoamento em Planejamento de SistemasIntegrados de Saúde

CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde

CIPLAN – Comissão Interministerial de Planejamento e Coordenação

CIRHUS – Curso Internacional de Especialização para Gestores deRecursos Humanos em Saúde

CLARHUS – Curso Latino-Americano de Recursos Humanos emSaúde

CNRH – Conferência Nacional de Recursos Humanos

CNS – Conferência Nacional de Saúde

CNRS – Comissão Nacional da Reforma Sanitária

DNSP – Departamento Nacional de Saúde Pública

ENSP – Escola Nacional de Saúde Pública

EUA – Estados Unidos da América

FEPAFEM – Federação Pan-Americana de Associações de Faculda-des e de Escolas de Medicina

FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos

FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz

FSESP – Fundação do Serviço Especial de Saúde Pública

GERUS – Gerencia de Unidades Básicas do Sistema Único de Saúde

Page 252: Protagonismo silencioso

[ 264 ] PROTAGONISMO SILENCIOSO

GTC – Grupo Técnico Central

IMS – Instituto de Medicina Social da Universidade

ILPES – Instituto Latino-Americano de Planificação Econômica e Social

INAMPS – Instituto Nacional de Previdência e Assistência Social

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada

MEC – Ministério de Educação e Cultura

NESCON – Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva e Nutrição

NUTES – Núcleo de Tecnologia Educacional

OEA – Organização dos Estados Americanos

OMS – Organização Mundial da Saúde

OPAS – Organização Pan-Americana da Saúde

PEA – População Economicamente Ativa

PESES – Programa de Estudos Socioeconômicos de Saúde

PND – Plano Nacional de Desenvolvimento

PIASS – Programa de Interiorização dos Serviços de Saúde e Sanea-mento

PPREPS – Programa de Preparação Estratégica de Pessoal em Saúde

SUCAM – Superintendência de Campanhas de Saúde Pública

SUDS – Sistema Unificado Descentralizado de Saúde

SUS – Sistema Único de Saúde

UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UNICAMP – Universidade de Campinas

UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

Page 253: Protagonismo silencioso

JANETE LIMA DE CASTRO [ 265 ]

Anexos

Anexo A – Representantes da OPAS/OMS no BrasilPeríodo

1954-19571958-19631964-19671967-19711971-19741975-19791979-19841984-19861987-19881988-19891989-19911991-19921992-19941994-19981998-20042004-20072007-

Nome

Kenneth CourtenyHector Argentino CollSantiago Rengifo ValcedoJorge AtkinsManuel Sirvent-RamosFederico BressaniCarlos DavilaFlorentino Garcia ScarponiEnrique Najera MorrondoRamon Alvarez GutierrezHugo VillegasRodolfo RodriguezDavid Tejada de RiveraArmando Lopez ScavinoJacobo FinkelmanAntonio Horacio Toro OcampoDiego Victoria Mejía

Origem

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Page 254: Protagonismo silencioso

[ 266 ] PROTAGONISMO SILENCIOSO

Anex

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JANETE LIMA DE CASTRO [ 267 ]

Sobre a autora

Janete Lima de Castro é enfermeira, mestra em administração edoutora em educação pelo Programa de Pós-Graduação em Edu-cação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Pesqui-sadora e coordenadora do Observatório de Recursos Humanosdo Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva dessa universidade, temdesenvolvido, em parceria com a equipe do citado Observatório,estudos sobre a situação da força de trabalho no Estado do RioGrande do Norte. Desde de 2006 integra a equipe do ProjetoInternacional de Cooperação Técnica do Governo Brasileiro aospaíses da Região Andina, através do Curso Internacional de Ges-tão de Políticas de Recursos Humanos de Saúde. Entre outras obras,organizou o livro Capacitação em Desenvolvimento de Recursos Huma-nos de Saúde e é autora do livro Izabel dos Santos: a arte e a paixão deaprender fazendo.

Page 256: Protagonismo silencioso

Este livro foi editorado na cidade de Natal, Rio Grande do Norte, Brasilem outubro de 2008. Utilizou-se a fonte tipográfica Perpétua.