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8/8/2019 Estudando a melodia da fala: traos prosdicos e constituintes prosdicos. - Maria Helena Mira Mateus (FLUL / ILTEC)
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Encontro sobre
O Ensino das Lnguas e a Lingustica
APL e ESE de Setbal27 e 28 de Setembro de 2004
Estudando a melodia da fala:
traos prosdicos e constituintes prosdicos
Maria Helena Mira Mateus
FLUL / ILTEC
Falar tocar um instrumento de msica, o mais perfeitode quantos harmnios tm sido inventados.
Joaquim Jos Coelho de Carvalho, Prosdia eortografia Lisboa: Imprensa Nacional, 1910.
com grande prazer que inicio este Encontro, organizado pela Associao Portuguesa
de Lingustica e pela Escola Superior de Educao de Setbal, com uma conferncia
sobre Prosdia. E desde j agradeo aos organizadores do Encontro o convite que me foi
feito e a possibilidade de falar de questes que, por serem to belas e ricas, me so
muito queridas. Por isto, tomei como epgrafe uma frase de Coelho de Carvalho com
data de 19101: Falar tocar um instrumento de msica, o mais perfeito de quantos
harmnios tm sido inventados.
A principal responsabilidade por essa melodia da fala cabe prosdia. Ouamos o que,
a esse respeito, acrescenta Coelho de Carvalho: Distingue-se, na slaba, e
consequentemente napalavra, no somente o som, que como que o corpo, mas ainda
o que a esse corpo d vida, a sua prosdia, as necessrias condies movimentais da sua
1 A actualizao da grafia das citaes da minha responsabilidade.
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exteriorizao, ou sejam, as inflexes, e a medida do tempo da pronunciao e o acento
que tonaliza a voz2.
Nesta explicao o autor introduz os principais traos prosdicos: a medida do tempo,
ou seja, a durao, as inflexes, quer dizer, o tom e o acento que tonaliza a voz.Alm disso, tambm faz referncia a dois constituintes prosdicos: a slaba e a palavra.
Traos e constituintes so a parte substancial do contedo desta conferncia.
A prosdia comeou a ocupar lugar de destaque desde as primeiras gramticas sobre o
portugus. Em 1540, na Gramtica da Lngua Portuguesa, diz Joo de Barros que os
latinos partem a sua Gramtica em quatro partes: em Ortografia, que trata da letra; em
Prosdia, que trata de slaba; em Etimologia, que trata da dico, e em Sintaxe, a que
responde a construo, imitao dos quais, (por termos as suas partes), dividimos anossa Gramtica (p. 60)
Mais uma vez encontramos a slaba como objecto de estudo da prosdia. Mas, podemos
perguntar, que aspectos devem ser considerados na slaba para que se fale de prosdia?
Vejamos o que nos diz Abrao Meldola, em 1735, numa obra feita em modo de
perguntas do Mestre e respostas do discpulo. Inquire o Mestre:
- Que coisa a prosdia?
Ao que o Discpulo responde:
- Prosdia geralmente explicado vem a ser a medida do Tom ou bem dos
Acentos, ensinando sobre que slabas devemos pousar, levantar ou fixar a
voz, atentando por ali quais slabas so longas e quais curtas ou breves.
Com esta resposta esclarece-nos Meldola sobre as consequncias da incidncia nas
slabas dos dois traos prosdicos j referidos o tom e o acento tornando-as, segundo
ele, longas ou breves.
Mas no so estes, apenas, os traos prosdicos mencionados pelos antigos gramticos.
Na Gramtica Filosfica de Jernimo Soares Barbosa (1822), o ttulo de um dos
captulos dedicados prosdia diz o seguinte: Das modificaes prosdicas
acrescentadas aos vocbulos; e primeiro, das que nascem da quantidade.
2 Itlico meu.
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Melodia da fala, tom, acento e quantidade incidindo sobre as slabas, ou modo como
estas devem ser pronunciadas, o que , afinal, a prosdia. Uma orientao para a boa
pronncia ou a descrio e o estudo de certas caractersticas do som?
Jernimo Soares Barbosa considera ambos os aspectos. Por um lado a prosdia oensino da boa pronncia. Por essa razo Soares Barbosa prefere chamar-lhe Ortopia
pois, segundo ele, a Orthoepia [...] compreende no s o conhecimento dos sons
fundamentais, que fazem como que o corpo dos vocbulos, mas tambm o das
modificaes musicais de que os mesmos so susceptveis, relativas ou ao canto e
melodia chamadas acentos, ou ao compasso e ritmo, nascidas da quantidade das slabas.
Esta parte musical da Orthoepia, ou boa pronunciao, tem o nome de Prosdia, da
qual o maior nmero dos gramticos fizeram uma das quatro partes da Gramtica,
desdenhando ainda os primeiros princpios da boa pronunciao ou leitura, e incluindo-
os na mesma Prosdia. [...] O nome de Orthoepia, que damos a esta primeira parte da
Gramtica, mais prprio e acomodado a caracteriz-la que o de Prosdia.
Mas Soares Barbosa no se exime a descrever os aspectos fisiolgicos dos traos
prosdicos: Os sons fundamentais, assim vogais como consoantes, formam-se todos no
canal da boca, onde s se articula e forma em vozes o som informe e confuso da glote,
pelas diferentes posturas imveis da boca [...] As modificaes prosdicas, porm, [...]
tm outro rgo, que o da glote em que se termina o tubo inferior da traqueia artria.
Por curiosidade compare-se esta explicao com a que do Calou e Leite, em 1990,
sobre a natureza dos traos prosdicos: [trata-se de elementos da fala] "cuja descrio
no se faz em termos dos movimentos dos articuladores, mas sim, em termos da aco
dos msculos respiratrios que aumentam ou diminuem a energia do fluxo de ar,
ocasionando duraes, frequncia fundamental e intensidade diferentes das vibraes
sonoras (p. 30).
Continuando em busca de uma satisfatria resposta pergunta sobre o que a
prosdia, talvez um olhar sobre a origem do termo nos esclarea. Em 1841, Joo Nunes
de Andrade, na parte da gramtica consagrada prosdia apresenta a etimologia do
termo justificando a sua ntima relao com o acento: uma parte da Gramtica, que
nos ensina o som com que devemos pronunciar as palavras: esta palavra composta das
duas palavras Gregas Pros, e Odos; Pros vale o mesmo que a palavra Latina, Ad, e
Odos vale o mesmo que a palavra Latina, Cantus; de sorte que ambas juntas fazem este
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sentido Accentus, mudando o em e o -- em , isto acentodo tom e
modificao da vozna pronncia das palavras.
Cento e cinquenta anos depois, Isabel Pereira, em 1992, refere a mesma origem do
vocbulo: Prosdia um termo que vem do grego (formado porpros,junto, e od, canto). Tal etimologia atribui prosdia a significao de melodia que
acompanha o discurso e, na lngua grega, mais precisamente, o acento meldico que a
caracteriza.
Tambm a etimologia no nos esclarece sobre o modo como a prosdia das lnguas deve
ser encarada. Alm disso verificamos que, nas ltimas dcadas do sculo 19 e no incio
do sculo 20 as definies de prosdia, embora frequentes, vo restringindo o seu
escopo:
Em 1880, Domingos de Azevedo refere, na sua Grammatica Nacional, que a prosdia
a parte da gramtica que trata dos diferentes sons com que se pronunciam as palavras, e
assim trata a pronncia das vogais, das consoantes e dos ditongos, da slaba
predominante e das regras ortogrficas.
H portanto aqui uma aproximao entre a prosdia e as regras ortogrficas, o que faz
supor que a pronncia correcta, em relao com a correcta escrita, seja um dos
principais objectivos desta parte da gramtica.
O mesmo conclumos ao consultar o Curso de Grammatica Portugueza de David e
Mendes, de 1891: a parte da gramtica consagrada prosdia trata o alfabeto - que tem
letras vogais e invogais - cabendo-lhe ainda analisar alguns aspectos respeitantes aos
ditongos, slabas e letras.
Nestas obras, alis, so constantes as confuses entre escrita e pronncia, som e
significado.
A partir daqui e com excepo da potica definio da fala que serviu de epgrafe a
esta conferncia so brevssimas ou mesmo inexistentes as referncias prosdia
como uma parte da gramtica.
Em Bechara, na 13 edio de 1969, a prosdia, includa na parte dedicada Fontica,
est definida como a parte da fontica que trata da correcta acentuao e entoao dos
fonemas, [sendo a sua] preocupao maior o conhecimento da slaba predominante,
chamada tnica.
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Na Gramtica do Portugus Contemporneo de Cunha, de 1970, tal como na de Cunha
e Cintra, de 1984, a palavra prosdia utilizada somente como sinnimo de correcta
pronncia: Atente-se na exacta pronncia das seguintes palavras, para evitar uma
silabada, que a denominao que se d ao erro de prosdia(p. 57).
Vejamos agora como a lingustica tem tratado as questes prosdicas. Desde o
estruturalismo teoria generativa clssica, as obras de lingustica no desenvolveram o
estudo da prosdia em consequncia de restries dos prprios modelos. Jorge de
Morais Barbosa, em 1965, numa obra de referncia sobre o portugus numa perspectiva
estruturalista, descreve a slaba, o acento e a entoao sem os integrar num captulo
dedicado prosdia. Tambm os estudos de fonologia do portugus integrados na teoria
generativa clssica no utilizam instrumentos adequados anlise da prosdia da lngua.
Na realidade, ambos os modelos so lineares, ou seja, os seus objectos de estudo
(fonemas ou segmentos) esto colocados num nico nvel, independentemente de se
admitir a existncia de um nvel subjacente ao de superfcie. Por outro lado, o facto de a
fonologia generativa clssica considerar a formulao das regras como objectivo
central da anlise, e o segmento fonolgico como o domnio prprio de aplicao dessas
regras impediu o desenvolvimento de uma anlise satisfatria das caractersticas
prosdicas das lnguas, tanto mais que os traos prosdicos no incidem sobre o
segmento considerado em si mesmo, mas sobre constituintes mais vastos do que o
segmento.
Estas insuficincias provocaram o surgimento da denominada teoria autossegmental,
uma teoria multilinear cujos domnios de aplicao se encontram distribudos em vrios
nveis autnomos (p.ex.: o acento, o tom, a slaba, o segmento) e podem englobar mais
do que um segmento. Assim, nos ltimos anos o termo prosdia voltou a ser utilizado
com frequncia pelos linguistas, e os estudos sobre factos prosdicos multiplicam-se,
incidindo sobre aspectos que, como veremos, eram referidos pelos primeiros
gramticos.
Procuremos, ento, a definio de prosdia no j nas gramticas tradicionais mas em
dicionrios contemporneos de lingustica. No Dicionrio de Termos Lingusticos a
prosdia definida como o estudo da natureza e funcionamento das variaes de tom,
intensidade e durao na cadeia falada. Para David Crystal, no Dictionary of
Linguistics and Phonetics, prosdia a term used in suprasegmental phonetics and
phonology to refer collectively to variations in pitch, loudness, tempo and rythm.
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Tom, intensidade e durao ou pitch, loudness and tempo e, ainda, rythm ou ritmo eis
as propriedades, ou traos, prosdicos.
Estas propriedades so inerentes ao som e esto relacionadas com as caractersticasacsticas das ondas sonoras. O tom (ou pitch) tem como correlato acstico a
frequncia da onda sonora, ou seja, o nmero de vezes que um ciclo completo de
vibrao das partculas se repete durante um segundo. Quanto maior o nmero de ciclos
de vibrao das partculas, maior a altura do som e, portanto, mais alto o tom. A
frequncia fundamental relaciona-se de um ponto de vista articulatrio, com as cordas
vocais: quanto mais delgadas, maior nmero de vibraes, maior altura do som.
Uma sequncia de segmentos com os respectivos tons cria a entoao dessa sequncia,quer se trate de uma palavra ou de um grupo de palavras.
A intensidade do som decorre da amplitude da onda sonora (o valor da distncia entre o
presso zero e a presso mxima da onda). Quanto maior for a amplitude de vibrao
das partculas, maior a quantidade de energia transportada por estas e maior a
sensao auditiva de intensidade do som. A proeminncia do som que chamamos
acento decorre desta intensidade.
A durao refere-se ao tempo de articulao de um som, slaba ou enunciado, e tem
uma importncia fundamental no ritmo de cada lngua. A durao de cada unidade varia
conforme a velocidade de elocuo, o que significa que se a velocidade de produo for
maior, a durao de cada elemento menor.
Durao, intensidade e frequncia concorrem para a construo do ritmo das lnguas.
Sabemos agora quais so os traos prosdicos. Sabemos mesmo as suas caractersticas
acsticas e articulatrias. Mas como estudar a sua relao com a fala?
De um ponto de vista fonolgico, pode dizer-se, genericamente, que as lnguas utilizam
essas propriedades com objectivos diversos: (i) para marcar os limites das unidades (o
acento pode indicar o fim ou o incio da palavra; a curva de entoao pode igualmente
marcar os limites de unidades prosdicas); (ii) para criar oposies distintivas (nas
lnguas tonais como, p.ex. o chins, o tom de uma slaba, por contraste com os tons das
que a rodeiam, pode opor significados entre duas palavras cujos segmentos so iguais
tendo, assim, uma funo distintiva; da mesma forma, a durao de uma slaba pode ter
valor distintivo como p. ex. em latim ou em ingls); (iii) para distinguirsignificados
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globais de construes frsicas (a entoao usada frequentemente para diferenciar uma
interrogao de uma afirmao, por exemplo; neste caso pode dizer-se que a entoao
tem valor distintivo).
Os aspectos que acabo de focar so caractersticas prosdicas das lnguas, algumas delasidiossincrticas, que conhecemos intuitivamente e de uma forma genrica. Mas as
afirmaes sobre estas caractersticas, por si ss e mesmo exemplificadas, no
constituem uma descrio rigorosa e objectiva nem possibilitam anlises comparativas
intra e inter lingusticas. Ou seja, estas generalizaes no assentam num modelo de
unidades prosdicas que permita o estabelecimento de padres prosdicos das lnguas.
Foi neste contexto que surgiu a fonologia prosdica, uma teoria do modo como o fluxo
da fala organizado num conjunto finito de unidades fonolgicas. A fonologiaprosdica tambm uma teoria das interaces, ou seja, das relaes de interface entre a
fonologia e as outras componentes da gramtica, mediadas pela prosdia.
Em 1986, Marina Nespor e Irene Vogel publicaram uma obra denominada Fonologia
Prosdica que veio esclarecer e organizar os problemas postos pela importncia que
assumem os traos prosdicos no funcionamento das lnguas. Reconhecendo que esses
traos agrupam os segmentos nos nveis fonolgico, morfolgico, sintctico e semntico
com referncia s caractersticas rtmicas e de significado das lnguas, propuseram aexistncia de constituintes prosdicos hierarquicamente relacionados que permitem
estabelecer padres prosdicos das lnguas, compar-las e objectivamente analis-las. A
motivao para os constituintes prosdicos e a forma de os detectar decorre de
(a) existirem regras da gramtica que necessitam de referir-se a esses constituintes na
sua formulao ou que os tm como domnio de aplicao,
(b) existirem restries fonotcticas em relao com esses grupos de segmentos e
(c) existirem relaes de proeminncia relativa entre os elementos do grupo de
segmentos (Nespor e Vogel, pp. 59-60).
Um exemplo de constituinte prosdico que obedece a estas condies a slaba, que,
como vimos, surge j nas antigas gramticas em estreita ligao com a prosdia. Na
realidade, h restries sobre as consoantes que podem ocorrer no final de slaba, e h
regras fonolgicas que s se aplicam nas fronteiras de slaba e no se aplicam no seu
interior, como a velarizao do /l/ final no Portugus Europeu.
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A distribuio de proeminncias acentuais e de contornos de entoao ao longo da
sequncia sonora, e as motivaes atrs indicadas para o estabelecimento de
constituintes prosdicos levaram Nespor & Vogel a identificar os seguintes constituintes
prosdicos que se relacionam hierarquicamente entre si e definem a organizao
fonolgica de uma lngua:
(1) Constituintes prosdicos
Enunciado (U)
Sintagma entoacional (I)
Sintagma fonolgico ()
Palavra prosdica ()
Grupo cltico (C)
P ()
Slaba ()
Os recentes estudos de prosdia sobre o portugus consideram que o P e o Grupo
Cltico no encontram justificao na organizao rtmica da lngua. Por outro lado, o
Enunciado ultrapassa o nvel de caracterizao prosdica pretendido nesta exposio
Assim, sero de seguida identificados os aspectos prosdicos mais salientes, para o
portugus, da slaba, da palavra prosdica e dos sintagmas fonolgico e entoacional.
A Slaba
O constituinte de nvel mais baixo nesta hierarquia a slaba. Vejamos como se
encontra referida a slaba nas gramticas antigas e modernas. Para Ferno de Oliveira,
(primeira gramtica portuguesa, 1536), a slaba vocbulo grego e quer dizer
ajuntamento de letras. Para Joo de Barros ela ajuntamento de uma vogal com uma e
duas e, s vezes, trs consoantes que, juntamente, fazem uma s voz.
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De um modo geral, este o conceito que implicitamente aceitam os gramticos, ainda
que o possam exprimir de forma mais musical como Joo de Deus, em 1909, para
quem Slaba o que a gente diria numa pancada, se falasse a compasso ou de modo
mais pedaggico para Martins Sequeira, em 1938, a cada emisso de voz
corresponde uma slaba. Para Cunha e Cintra, a cada vogal ou grupo de sons
pronunciados numa s expirao damos o nome de slaba e segundo Bechara a slaba
um fonema ou grupo de fonemas emitido num impulso expiratrio. Quase diria que
estas ltimas definies simplificadas de slaba se podem aproximar da que se encontra
na Gramtica Filosfica de Couto e Melo (1818),j que para ele a slaba a expresso
de qualquer som elementar.
A descrio da slaba (e no s a sua definio) tambm ocupou os gramticos antigos.
Joo de Barros considera que toda slaba tem trs acidentes: nmero de letras; espao
de tempo; acento alto ou baixo. E acrescenta: Espao de tempo, porque umas so
curtas e outras longas, como nesta dico - Brbora - [em] que a primeira longa, e as
duas so breves. [...].
Soares Barbosa define durao das slabas de forma bem mais completa: a durao
toda relativa, como a das notas da msica, em que uma no mais longa seno
comparada com outra que o menos, [...] e assim, na pronunciao de uma lngua, as
slabas medem-se no pelo vagar ou pela velocidade acidental da mesma pronunciao,
mas relativamente s propores imutveis que as fazem ou longas ou breves. Esta
definio de slabas longas e breves de Soares Barbosa tem implcita a funo distintiva
da quantidade das slabas, como sucede em latim mas no em portugus.
Os pressupostos tericos da lingustica actual fundamentam uma diferente concepo de
slaba. Para os linguistas contemporneos, a slaba uma construo perceptual, isto ,
criada no esprito do falante, com propriedades especficas que no decorrem da simples
segmentao fontica das sequncias de segmentos. O termo slaba, portanto, no se
aplica indiferentemente no nvel fonolgico e no nvel fontico pois que, se assim fosse,
as slabas fonticas tinham caractersticas diferentes das slabas fonolgicas em cada
lngua, e variavam conforme a velocidade de elocuo e o registo de fala. Consideremos
por conseguinte as slabas de acordo com as suas caractersticas fonolgicas visto que
desse modo que elas so percebidas pelos falantes.
A estrutura interna das slabas tem uma organizao hierrquica. Ela constituda
pelo Ataque (a consoante ou consoantes com que se inicia) e a Rima, que integra os
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restantes segmentos. Por sua vez a Rima tem umNcleo (uma vogal ou ditongo) e pode
ter uma Coda (uma consoante final). Apenas o Ncleo parte obrigatria da slaba. A
representao da estrutura hierrquica das slabas da palavra patas pode fazer-se como
segue (A corresponde a Ataque,R a Rima,Na Ncleo e Coda Coda).
(2) Representao das slabas da palavrapatas
A R A R
N N Cod
p a t a s
O Ataque das slabas em portugus pode ser preenchido por qualquer consoante
simples. Seo ataque for constitudo por uma sequncia de consoantes (ou seja, quando
for um ataque ramificado), essas sequncias so aceitveis no portugus apenas se
constiturem os tradicionais grupos prprios, formados por uma consoante oclusiva
(como [p], [b] ou [k], p. ex.) e uma consoante lquida (como [l] ou []). Exemplos destes
ataques so os que ocorrem na primeira slaba das palavras branco, cravo, claro. Como
os ncleos das slabas so sempre ocupados por vogais, e como as consoantes oclusivas
so as que apresentam menos sonoridade e as lquidas so bem mais sonoras, as slabas
assim constitudas obedecem ao denominado Princpio de Sonoridade, que se enuncia
da seguinte forma:
Princpio de Sonoridade: A sonoridade dos segmentos que constituem a slaba aumentaa partir do incio at ao ncleo e diminui desde o ncleo at ao fim.
A sonoridade dos segmentos est de acordo com a seguinte Escala de Sonoridade aqui
apresentada no sentido crescente:
Escala de sonoridade:
oclusivas < fricativas < nasais < lquidas (vibrantes, laterais) < semivogais ou glides