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Etica na Pesquisa Experimento de Milgram sobre Obediência Custos e Benefícios da Pesquisa Principais Questões Éticas na Pesquisa Estresse e Dano Psicológico Engodo Consentimento Informado Entrevista de Esclarecimento Alternativas ao Engodo Representação de Papéis Estudos que Envolvem Simulação Experimentou Honestos O Engodo Ainda Constitui um Pro- blema? Outras Questões Éticas na Pes- quisa Anonimato e Sigilo Populações Especiais de Participan- tes de Pesquisa Obrigações dos Experimentadores t Formulação de Princípios Éticos r Pesquisas com Participantes Hu- manos r Ética e Pesquisa Animal r Custos e Benefícios Re visitados f Fraude Termos Estudados Questões de Revisão Atividades___________

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Etica na Pesquisa

Experimento de Milgram sobre Obediência

Custos e Benefícios da Pesquisa

Principais Questões Éticas na PesquisaEstresse e Dano Psicológico EngodoConsentimento InformadoEntrevista de EsclarecimentoAlternativas ao Engodo

Representação de Papéis

Estudos que Envolvem Simulação

Experimentou Honestos

O Engodo Ainda Constitui um Pro­blema?

Outras Questões Éticas na Pes­quisa

Anonimato e SigiloPopulações Especiais de Participan­tes de PesquisaObrigações dos Experimentadores

t Formulação de Princípios Éticos

r Pesquisas com Participantes Hu­manos

r Ética e Pesquisa Animal r Custos e Benefícios Re visitados

f FraudeTermos Estudados Questões de Revisão Atividades___________

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C onsiderações éticas são fundamentais no planejamento, condução e ava­liação de pesquisas. Neste capítulo, exploraremos, em detalhe, a natureza dos problemas éticos que surgem na pesquisa e examinaremos algumas

diretrizes para lidar com esses problemas.

EXPERIMENTO DE MILGRAM SOBRE OBEDIÊNCIA

Stanley Milgram realizou uma série de experimentos (1963, 1964, 1965) para estudar o fenômeno da obediência a uma figura autoritária. Colocou um anúncio em um jornal local, em New Haven, Connecticut, oferecendo US$ 4,50 a homens para participarem de um “estudo científico sobre memória e aprendi­zagem” que estava sendo realizado na Universidade Yale. Os interessados iam ao laboratório de Milgram, em Yale, onde eram recebidos por um cientista, que vestia um guarda-pó, e, por outro participante do estudo - um homem de meia- idade, chamado “senhor Wallace”. O senhor Wallace era na verdade um aliado do experimentador, mas os participantes não sabiam disso. O cientista explicou que o estudo iria examinar os efeitos da punição sobre a aprendizagem. Uma pessoa seria o “professor”, que poderia administrar a punição, e a outra seria o “aluno”. O senhor Wallace e os participantes voluntários, então, retiraram peda­ços de papel para determinar quem seria professor e quem seria aluno. O resul­tado do sorteio, no entanto, era pré-determinado. O senhor Wallace era sempre aluno e os voluntários, sempre professores.

O cientista colocava eletrodos no senhor Wallace e posicionava o profes­sor em frente a uma máquina para aplicação de choques. Informava aos par­ticipantes que a máquina para aplicação de choques tinha uma série de bo­tões, que, quando pressionados, liberariam choques no senhor Wallace. O pri­meiro botão apresentava o rótulo 15 volts, o segundo apresentava o rótulo 30 volts, o terceiro, 45 volts, e assim por diante, até 450 volts. Além disso, os botões também exibiam os rótulos “choque leve”, “choque moderado” e assim por diante, até “Perigo: choque severo”, havendo um X vermelho acima de 400 volts.

O senhor Wallace foi instruído a aprender uma série de pares de palavras. Em seguida, aplicava-se um teste, para verificar se ele era capaz de identificar as palavras que se combinavam. Cada vez que o senhor Wallace cometia um erro, o professor aplicava um choque como punição. Ao primeiro erro era liberado, supostamente, um choque de 15 volts, ao segundo, um choque de 30 volts, e assim por diante. A cada erro cometido o aluno recebia um choque maior. O aluno, senhor Wallace, naturalmente nunca recebia choque algum, mas os par­ticipantes não sabiam disso. No experimento, o senhor Wallace cometia um erro

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atrás do outro. Quando o professor o “punia com um choque” de aproximada­mente 120 volts, o senhor Wallace começava a gritar de dor e, finalmente, berra­va pedindo para sair. E se o professor quisesse parar? Isso acontecia - os partici­pantes verdadeiros ficavam visivelmente incomodados com a dor que o senhor Wallace parecia sentir. O cientista dizia ao professor que ele poderia desistir, mas pedia a ele que continuasse, usando uma série de argumentos que mostravam a importância de continuar o experimento.

O estudo era supostamente um experimento sobre memória e aprendiza­gem, mas Milgram estava, de fato, interessado em verificar se os participantes continuariam a obedecer ao experimentador, administrando inclusive choques de níveis elevados no aluno. O que aconteceu? Aproximadamente 65% dos par­ticipantes continuaram a aplicar choques até 450 volts. O estudo de Milgram ganhou notoriedade e os resultados obtidos por ele contribuíram para mudar muitas de nossas crenças sobre nossa capacidade de resistir à autoridade. Trata- se de um estudo importante, cujos resultados têm implicações para compreen­der a obediência em situações da vida real, tais como a Alemanha nazista e o suicídio em massa de Jonestown (Miller, 1986). Mas o que dizer sobre a ética do estudo de Milgram? Como podemos tomar decisões sobre os aspectos éticos des­se estudo ou de qualquer outro?

Suponhamos que você esteja realizando sua própria pesquisa ou que esteja avaliando pesquisas realizadas por outras pessoas. Como saber, em última aná­lise, se a pesquisa é ou não aceitável eticamente? Como na maioria das questões da vida, devem-se considerar os custos e os benefícios envolvidos na decisão (análise de custo-benefício). Nas decisões sobre ética na pesquisa, devemos calcu-i lar implícita ou explicitamente os custos e os benefícios obtidos com os prováveis resultados. Estes incluem fatores como dano físico ou psicológico e quebra de sigilo. Iremos discutir esses fatores detalhadamente. O custo de não realizar o experimento também deve ser avaliado (Christensen, 1988), no caso de o proce­dimento proposto ser o único modo possível para coletar dados potencialmente úteis. Os benefícios incluem ganhos diretos para os participantes, tais como aqui­sição de um ganho educacional, aquisição de uma nova habilidade ou trata­mento para um problema médico ou psicológico. Outros benefícios incluem a contribuição científica da investigação, o benefício potencial da aplicação das descobertas da pesquisa e os benefícios educacionais para pesquisadores em for­mação. Lendo sobre ética da pesquisa, considere como avaliar o custo e o bene­fício; retomaremos a essas questões ao final do capítulo.

CUSTOS E BENEFÍCIOS DA PESQUISA

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PRINCIPAIS QUESTÕES ÉTICAS NA PESQUISA

Estresse e Dano Psicológico

A primeira questão que pode ser colocada a respeito do experimento de Milgram refere-se ao estresse pelo qual os participantes passaram enquanto apli­cavam choques intensos a um aluno obviamente relutante. Um filme, feito por Milgram, mostra os participantes protestando, transpirando e mesmo rindo ner­vosamente enquanto aplicavam os choques. Você pode questionar se é justificá­vel submeter pessoas a um experimento estressante, como esse, e se a experiên­cia teve conseqüências a longo prazo para os voluntários. Por exemplo, tendo obedecido ao experimentador, é possível que os participantes sintam remorsos contínuos ou passem a ver-se como cruéis e desumanos? Uma defesa do estudo de Milgram será feita, mas antes vamos considerar alguns procedimentos de pesquisa potencialmente estressantes.

Procedimentos que presumivelmente causam algum prejuízo físico aos par­ticipantes são raros, mas essa possibilidade deve ser considerada. Muitos proce­dimentos médicos podem cair nessa categoria - por exemplo, administrar dro­gas, tais como cafeína ou álcool, ou privar pessoas de dormir por um período extenso de tempo. Os riscos de tais procedimentos requerem que se tome muito cuidado para que sejam eticamente defensáveis.

O estresse psicológico é mais comum que o estresse físico. Por exemplo, pode-se dizer aos participantes que eles receberão choques elétricos de alta in­tensidade. Eles nunca receberão os choques realmente - a variável de interesse é o medo ou a ansiedade durante o período de espera. Pesquisas de Schachter (1959) que empregaram um procedimento desse tipo mostraram que a ansieda­de produziu desejo de aproximar-se dos outros durante o período de espera.

Outro procedimento que produz estresse psicológico consiste em dar aos par­ticipantes feedback negativo sobre sua personalidade ou capacidade. Pesquisado­res interessados em auto-estima tipicamente aplicam aos sujeitos um teste de per­sonalidade ou capacidade simulado. O teste é seguido por uma avaliação que reduz ou aumenta a auto-estima. No primeiro caso, indica que o participante tem traços de personalidade desfavoráveis ou um baixo escore na capacidade medida.

Como você pode ver, alguns procedimentos de pesquisa envolvem estresse físico ou psicológico. Decidir se tais pesquisas devem ser realizadas é uma ques­tão difícil, à qual voltaremos mais tarde.

Engodo

O experimento de Milgram também ilustra o uso de engodo. Os partici­pantes desse experimento concordaram em fazer parte de um estudo sobre me-

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mória e aprendizagem, mas não sabiam que de fato iriam fazer parte de um estudo sobre obediência. Quem poderia imaginar que um experimento sobre memória e aprendizagem (um título aparentemente inofensivo) envolveria apli­cação de choques elétricos de alta intensidade e dolorosos em outra pessoa? Os participantes do estudo de Milgram não sabiam em que consistia o experimento na realidade. O procedimento careceu do que é chamado consentimento infor­mado: não foram dadas informações precisas aos participantes sobre os propó­sitos da pesquisa e os riscos envolvidos antes de eles consentirem em fazer parte do experimento.

O problema do engodo não se limita à pesquisa de laboratório. Procedi­mentos em que os observadores ocultam seus objetivos, ou em que ocultam sua presença ou identidade, também envolvem engodo. Por exemplo, Humphreys (1970) estudou o comportamento de homossexuais do sexo masculino que fre qüentavam banheiros públicos (chamados “salões de chá”). Ele não participou de qualquer atividade homossexual, mas serviu como olheiro, tendo como fun­ção avisar sobre a aproximação de possíveis intrusos. Além de observar as ativi­dades dentro do local, anotou os números das placas dos carros dos visitantes. Mais tarde, obteve o endereço dos homens, disfarçou-se e visitou-os em suas casas, para entrevistá-los. Seu procedimento certamente é uma maneira de des­cobrir algo sobre homossexualismo, mas emprega considerável engodo.

O estudo de Milgram sobre obediência é um exemplo de engodo elaborado: os participantes foram enganados quanto ao propósito do estudo, um cúmplice do experimentador reuniu-se aos demais participantes do estudo e um cenário complexo foi criado para justificar a aplicação de choques. Esse tipo de engodo tem sido muito utilizado em pesquisas de Psicologia Social, mas muito menos utilizado na área de Psicologia Experimental, em estudos de percepção humana, aprendizagem, memória e desempenho motor. Mesmo nessas áreas, no entanto, o experimentador raramente conta aos participantes tudo o que irá acontecer no experimento. Além disso, o experimentador pode criar um enredo, para tor­nar o experimento plausível e interessante (por exemplo, pedir aos participantes para que leiam uma história real no jornal, com o objetivo de estudar habilida­des de leitura, quando o verdadeiro propósito do estudo é examinar erros de memória ou esquemas de organização).

Há muitos anos, psicólogos como Kelman (1967), Ring (1967), Rubin (1970, 1985), Ortmann e Hertwig (1997) vêm criticando o uso de engodo, Kelman, Ortmann e Hertwig acreditam que qualquer tipo de engodo é moralmente ina­ceitável; é simplesmente errado enganar pessoas, qualquer que seja a razão. Outra objeção ao uso de engodo é a de que ele prejudica a reputação da área. Rubin e Ring também argumentam que pesquisadores algumas vezes inventam engodos elaborados, em função da notoriedade obtida - Rubin descreve-os como “trocistas do laboratório”. Rubin lembra um procedimentcr no qual Tim estudan­

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te graduado experiente leva os participantes a acreditar que quebraram uma peça valiosa do equipamento. Como outro exemplo, Ortmann e Hertwig descre­vem um estudo no qual o cúmplice choca-se contra um participante do sexo masculino e o insulta com um palavrão, na tentativa de provocar raiva.

No entanto, essas opiniões dificilmente são unânimes (Broder, 1998; Kimmel, 1998; Kom, 1998; Smith; Richardson, 1985). Brõder argumenta que esses exem­plos extremos do uso de engodo, apresentados pelos críticos, não são represen­tativos do tipo mais comum de engodo, no qual algumas informações são omiti­das para preservar a integridade científica da pesquisa. Além disso, há evidên­cias de que universitários participantes de pesquisas não se incomodam com o engodo utilizado e até mesmo gostam de experimentos com engodo (Christensen, 1988). Retornaremos a essas questões após examinar outras formas de lidar com os problemas de dano e engodo na pesquisa: consentimento informado, entrevista de esclarecimento e estratégias de pesquisa alternativas que não en­volvem engodo.

Consentimento Informado

Idealmente, toda pesquisa deveria trabalhar com participantes plenamente informados. Como já vimos anteriormente, consentimento informado significa que os participantes da pesquisa são informados sobre os propósitos do estudo, os riscos associados aos procedimentos e seu direito de recusar ou interromper sua participação no estudo. Em outras palavras, são dadas todas as informações que poderão influenciar a decisão de participar antes de o participante tomar tal decisão.

Também, como já vimos anteriormente, o uso de engodo priva os participan­tes de consentimento informado pleno. Se tivesse havido consentimento informa­do pleno no experimento de Milgram, os pesquisadores, antes do início do experi­mento, deveriam ter dito aos participantes que estavam estudando obediência e que os participantes deveriam aplicar choques dolorosos em outras pessoas. Tam­bém deveriam ter dito que os participantes poderiam desistir a qualquer momen­to. Você pode constatar facilmente que o consentimento informado pleno não é uma solução satisfatória para o problema do engodo. Primeiro, saber que a pes­quisa foi planejada para estudar obediência pode alterar o comportamento dos participantes. Poucas pessoas gostam de considerar-se obedientes e provavelmen­te mudariam seu comportamento para provar que não o são. Há pesquisas que mostram que a obtenção de consentimento informado pode, de fato, viesar as respostas dos participantes, pelo menos, em algumas áreas de pesquisa. Por exem­plo, pesquisas sobre estressores, como barulho ou multidão, têm mostrado que o sentimento de “controle” reduz o impacto negativo de um estressor. Se a pessoa sabe que pode interromper um ruído alto e irritante, ele irá produzir menos estres­

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se do que um ruído incontrolável. Estudos de Gardner (1978) e Dill, Gilden, Hill e Hanslka (1982) demonstraram que procedimentos que utilizam consentimento informado aumentam a percepção do controle em experimentos sobre estresse e, portanto, podem afetar as conclusões da pesquisa.

Um segundo problema com o uso do consentimento informado é a possibili­dade de viesar a amostra. No experimento de Milgram, se os participantes tives­sem tido conhecimento prévio de que deveriam aplicar choques severos em outras pessoas, poderiam ter-se recusado a participar. Portanto, nossa capacidade de ge­neralizar os resultados pode ficar restrita aos “tipos” de pessoas que concordaram em participar. Se isso for verdade, podemos concluir que o comportamento obe­diente, observado no experimento de Milgram, ocorreu simplesmente porque as pessoas que concordaram em participar eram sádicas, de partida!

Essa discussão pressupõe que o consentimento informado pleno é a única alternativa em relação ao consentimento sem nenhuma informação. O consen­timento informado pleno é absolutamente necessário quando há riscos essen­ciais associados à participação numa pesquisa. No entanto, freqüentemente, há boas razões para negar informação quanto à hipótese do estudo ou à condição em que um indivíduo está participando (Sieber, 1992). Os pesquisadores em ge­ral fornecem uma descrição geral do tema do estudo e asseguram aos partici­pantes que eles podem desistir a qualquer momento, sem penalidade. Muitas pessoas que se dispõem a participar voluntariamente de experimentos não espe­ram toda revelação sobre o estudo antes da participação. Esperam, no entanto, que haja uma entrevista de esclarecimento minuciosa após terem completado o estudo.

Entrevista de Esclarecimento

A solução tradicionalmente utilizada para solucionar o problema do engo­do é a realização de uma entrevista de esclarecimento minuciosa após o expe­rimento. Se os participantes foram enganados de alguma maneira, os pesquisa­dores precisam explicar por que o engodo foi necessário. Se a pesquisa alterou o estado físico ou psicológico dos participantes de algum modo - como num expe­rimento sobre os efeitos do estresse o pesquisador deve ter a garantia de que eles voltaram “ao normal” e de que se sentem confortáveis em relação a sua participação. Eles devem deixar o experimento sem qualquer sentimento negati­vo em relação ao campo da Psicologia e devem, até mesmo, sair com alguma compreensão nova a respeito de seu comportamento ou de sua personalidade.

Mesmo que não tenham sido enganados, os participantes devem ser infor­mados quanto aos objetivos do estudo e ao tipo de resultado esperado. Implica­ções práticas dos resultados obtidos também devem ser discutidas. Em alguns

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casos, os pesquisadores podem voltar a entrar em contato com os participantes mais tarde, para relatar os resultados realmente obtidos. Assim, a entrevista de esclarecimento tem propósitos educativos e éticos.

A entrevista de esclarecimento é suficiente para eliminar qualquer efeito negativo quando estão envolvidos estresse e engodo? Vamos voltar ao experi­mento de Milgram. Esse pesquisador fez todo o possível para fornecer aos parti­cipantes uma entrevista de esclarecimento minuciosa. Informou aos obedientes que seu comportamento era normal e que eles não agiram diferentemente dos demais. Procurou conscientizá-los sobre a forte pressão que a situação exerceu sobre eles e esforçou-se para reduzir qualquer tensão sentida. Assegurou-lhes que nenhum choque foi realmente aplicado e promoveu uma reconciliação amis­tosa com o aliado, o senhor Wallace. Milgram também enviou um relatório so­bre suas descobertas aos participantes e, ao mesmo tempo, perguntou sobre suas reações ao experimento. As respostas mostraram que 84% estavam satis­feitos por ter participado e 74% disseram que se beneficiaram com o experimen­to. Somente 1% mostrou ressentimento por ter participado. Quando os partici­pantes foram entrevistados por um psiquiatra, um ano depois, nenhum efeito doentio da participação pode ser detectado. Podemos concluir que a entrevista de esclarecimento atingiu seus objetivos. Outros pesquisadores que realizaram trabalhos adicionais sobre a ética dos estudos de Milgram chegaram às mesmas conclusões (Ring; Wallston; Corey, 1970).

Outras pesquisas sobre a entrevista de esclarecimento também têm levado à conclusão de que essa entrevista é um caminho efetivo para lidar com o engo­do utilizado em experimentos (Smith; 1983; Smith; Richardson, 1983). No en­tanto, o engodo permanece uma questão controversa. Você pode estar apreensi­vo, então, para saber se há ou não alternativa para o engodo.

Alternativas ao Engodo

Depois de criticar o uso do engodo na pesquisa, Kelman (1967) chamou a atenção para a necessidade de serem desenvolvidos procedimentos alternativos. Um procedimento sugerido por ele é o desempenho de papéis; outra opção inclui estudos de simulação (uma variação do desempenho de papéis) e experimentos “honestos".

Representação de Papéis. Num procedimento de representação de pa­péis, o experimentador descreve uma situação aos participantes e, então, per­gunta como responderiam à situação. Algumas vezes, solicita que digam como se comportariam nessa situação; outras vezes, que imaginem como participan­tes reais se comportariam na situação. Não está claro se essas duas instruções produzem qualquer diferença nos resultados.

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A representação de papéis não é geralmente considerada uma alternativa satisfatória ao engodo (Freedman, 1969; Miller, 1972). Um problema é a falta de envolvimento decorrente do fato de os participantes não fazerem realmente par­te da situação - a simples leitura da descrição de uma situação não é suficiente para envolver os participantes muito profundamente. Além disso, como o experimentador fornece aos participantes uma descrição completa da situação, suas hipóteses tomam-se transparentes para eles. Quando as pessoas imaginam qual é a hipótese, podem tentar comportar-se de maneira consistente com ela Características de um experimento informativas sobre as hipóteses testadas são denominadas “características de demanda”. O problema das características de demanda será descrito detalhadamente no Capítulo 9.

O defeito mais sério da representação de papéis é que, não importa que resultados sejam obtidos, os críticos sempre poderão dizer que resultados dife­rentes seriam obtidos se os participantes estivessem numa situação real. Essas críticas baseiam-se na suposição de que as pessoas nem sempre são capazes de predizer acuradamente seu próprio comportamento ou o comportamento de outros. Isso pode ser especialmente verdadeiro quando estão envolvidos com­portamentos indesejáveis - tais como conformidade, desobediência ou agressão. Por exemplo, se Milgram tivesse usado o procedimento de representação de pa­péis, quantas pessoas teriam predito que seriam completamente obedientes? De fato, ele pediu a um grupo de psiquiatras para predizer os resultados de seu estudo e constatou que mesmo esses especialistas não conseguiram prever acuradamente o que aconteceu. Um problema semelhante pode aparecer se pe­dirmos a pessoas para dizer se ajudariam alguém em dificuldade. Muitos de nós provavelmente superestimaríamos nossas tendências altruístas.

Estudos que envolvem simulação. Um tipo diferente de representação de papéis envolve a simulação de uma situação do mundo real. Kelman (1967) ficou impressionado com um estudo de Simulação da Relação Entre Nações no qual os participantes desempenharam o papel de líderes de nações e os pesquisa­dores observaram processos de negociação, solução de problemas e assim por diante. Tais simulações podem criar níveis elevados de envolvimento, como bem podem avaliar os leitores que já passaram uma noite inteira jogando Banco Imobiliário ou que ficaram inteiramente absortos num jogo de computador.

Mesmo no caso de estudos que envolvem simulação, pode haver problemas éticos. Um exemplo dramático é o Experimento da Prisão de Stanford, realizado por Zimbardo, 1973; Haney; Zimbardo, 1998. Zimbardo simulou uma prisão, no subsolo do prédio da Psicologia da Universidade Stanford. Recrutou estudan tes universitários, que receberam 15 dólares por dia para representar o papel de prisioneiro ou de guarda, durante um período de duas semanas. Os guardas receberam uniformes, óculos de sol e cacetetes. Os prisioneiros receberam nú­meros e gorros de náilon, para simular o corte de cabelo dos prisioneiros e para

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reduzir o sentimento de individualidade. Os participantes ficaram profundamente envolvidos em seus papéis, a tal ponto que Zimbardo teve que interromper a simulação depois de seis dias, em razão do comportamento cruel dos “guardas” e das reações de estresse dos “prisioneiros”. Essa foi apenas uma simulação - os participantes sabiam que não eram realmente prisioneiros ou guardas. No en­tanto, envolveram-se tanto em seus papéis que o experimento produziu níveis de estresse mais elevados do que seriam produzidos em qualquer outro experimen­to que se pudesse imaginar. Felizmente, o experimento de Zimbardo é um caso raro - muitos estudos que envolvem simulação não levantam as questões éticas colocadas por esse estudo particular.

Experimentos honestos. Rubin (1973) descreveu o que denominou estra­tégias experimentais “honestas”. Nenhuma delas envolve representação de pa­péis. A primeira estratégia consiste em conscientizar totalmente os participantes em relação aos objetivos da pesquisa. Num estudo realizado por Byrne, Ervin e Lamberth (1970), os pesquisadores disseram a estudantes universitários que es­tavam interessados em verificar a eficácia do estabelecimento de casais por meio de computador. Usaram um programa de computador para reunir casais com atitudes semelhantes ou com atitudes diferentes. Cada casal teve um encontro rápido no campus e, em seguida, os pesquisadores avaliaram quanto cada rapaz gostou da garota e vice-versa. Nos casais com atitudes semelhantes, o grau de atração foi maior que nos casais com atitudes diferentes. O estudo não envolveu engodo nem deturpação dos objetivos da pesquisa.

Uma segunda estratégia honesta é usada em situações em que se aplicam programas com o objetivo explícito de mudar o comportamento das pessoas. Rubin cita como exemplo a aplicação de programas educacionais, campanhas de saúde, campanhas de caridade, campanhas políticas e solicitação de voluntá­rios. Em situações desse tipo as pessoas sabem que alguém está tentando mudar seu comportamento. Por exemplo, as pessoas podem expor-se voluntariamente a um apelo para deixar de fumar. Os pesquisadores podem então investigar a efetividade de um apelo desse tipo enquanto manipulam variáveis tais como a quantidade de medo provocado (Leventhal, 1970).

Segundo Rubin, muitos experimentos de campo envolvem procedimentos honestos. Em contraste com experimentos de laboratório, como o de Milgram, em que o comportamento é estudado em ambiente de laboratório, experimentos de campo introduzem a manipulação experimental num contexto natural. Rubin cita um estudo em que um experimentador encarava motoristas de carro en­quanto eles estavam esperando a luz vermelha do farol mudar (Ellsworth; Carlsmith; Henson, 1972). Os motoristas encarados deram partida mais rápido que os motoristas do grupo de controle, que não eram observados por um experimentador. Esse experimento em especial não parece particularmente antiético. Todos nós já passamos pela experiência de sermos observados fixa­

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mente. Os pesquisadores apenas aplicaram métodos experimentais para estudar sistematicamente essa situação. Muitas pesquisas de campo são realmente ho­nestas. Os pesquisadores observam o comportamento de pessoas em lugares públicos e em situações cotidianas. No entanto, o fato de um experimento ser realizado em campo não garante que ele esteja isento de problemas éticos. Por exemplo, quais são as implicações éticas (e legais) de um procedimento em que o pesquisador, interessado em estudar diferentes tipos de preços oferecidos, faz- se passar por cliente, levando vendedores de carro a perder seu tempo, ou de um procedimento que expõe usuários de metrô a pessoas que desmaiam entre as estações (Silverman, 1975)?

Uma última estratégia honesta discutida por Rubin envolve situações em que ocorrências naturais apresentam oportunidade para fazer pesquisa: “A na­tureza, o destino, os governantes e outras forças freqüentemente impõem sua vontade sobre as pessoas de forma aleatória e não sistemática.” Por exemplo, pesquisadores estudaram os efeitos da aglomeração, num período de escassez de; vagas em alojamentos estudantis, obrigando a Universidade Rutgers a desig­nar estudantes solteiros aleatoriamente para dormitórios lotados ou não (Aiello; Baum; Gormley, 1981). Baum, Gachtel e Schaeffer (1983) estudaram os efeitos do estresse associado com desastres de uma usina nuclear, comparando pessoas que viviam perto da usina de Three Mile Island com outras que viviam perto de usinas nucleares que não sofreram desastre ou de uma usina convencional, que utiliza energia gerada por carvão. Esses experimentos naturais ocorrem com freqüência suficiente para se tomar fontes valiosas de dados.

O Engodo ainda Constitui um Problema?

Os psicólogos obviamente têm pensado muito sobre os problemas do engo do, desde o experimento de Milgram, na década de 1960. E razoável questionar se o engodo ainda constitui um problema na pesquisa. Como a maioria das preocupações com engodo diz respeito a pesquisas de Psicologia Social, as tenta­tivas para examinar essas questões têm-se voltado para a Psicologia Social. Gross e Fleming (1982) revisaram 691 estudos de Psicologia Social publicados nas dé­cadas de 1960 e 1970. Embora muitas pesquisas nos anos 70 ainda utilizassem engodo, tratava-se basicamente da criação de estórias.

Essa tendência para utilizar menos engodo prosseguiu? Sieber, Iannuzzo e Rodriguez (1995) examinaram os estudos publicados no Journal of Personality and Social Psychology em 1969, 1978, 1986 e 1992. O número de estudos que utilizou alguma forma de engodo diminuiu de 66%, em 1969, para 47%, em 1978, e para 32%, em 1986, mas aumentou novamente para 47%, em 1992. A grande queda em 1986 pode ser devida a um aumento, nesse ano, de estudos sobre personalidade, que não requerem engodo para sua realizaçaõ. Alem dissõ;

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o uso de consentimento informado tendeu a ser mais explicitamente descrito em 1992 do que nos anos anteriores, e a entrevista de esclarecimento tendeu a ser mais mencionada após 1969. No entanto, a utilização de estórias para camuflar os reais objetivos de uma pesquisa ainda é freqüente. Korn (1997) concluiu que o uso de engodo em Psicologia Social está diminuindo.

Há três razões principais para essa mudança. Primeiro, aumentou o núme­ro de pesquisadores interessados no estudo de variáveis cognitivas em lugar de variáveis emocionais, passando, então, a usar métodos semelhantes aos usados em pesquisas sobre memória e Psicologia Cognitiva. Segundo, o nível geral de consciência em relação a questões éticas, tais como as descritas neste capítulo, tem levado os pesquisadores a realizar seus estudos de outras maneiras. Tercei­ro, comitês de ética nas universidades agora analisam mais cuidadosamente os projetos de pesquisa (os comitês de ética serão descritos adiante neste capítulo).

OUTRAS QUESTÕES ÉTICAS NA PESQUISA

Estresse e engodo são as duas maiores fontes de preocupação ética em rela­ção a pesquisa. No entanto, muitas outras questões éticas também podem ser consideradas.

Anonimato e Sigilo

Os pesquisadores precisam tomar cuidado para garantir o anonimato dos indivíduos. Ao estudar assuntos como comportamento sexual, divórcio, violên­cia familiar ou abuso de drogas, precisam, algumas vezes, fazer às pessoas per­guntas delicadas sobre sua vida particular. É extremamente importante que a resposta a essas perguntas seja confidencial. Na maioria dos casos, as respostas são totalmente anônimas - não é possível relacionar a identidade de uma pessoa com os dados. Isso ocorre, por exemplo, quando se aplicam questionários a gru pos de pessoas sem solicitar qualquer informação que possa identificar um indi­víduo (como seu nome, número da carteira de identidade ou número de telefo­ne). Em outros casos, como o de uma entrevista pessoal em que a identidade da pessoa poderia ser conhecida, o pesquisador deve planejar cuidadosamente for­mas de codificar os questionários e deve explicar os procedimentos aos partici­pantes, de forma a não deixar dúvidas quanto ao anonimato das respostas.

Em algumas pesquisas há necessidade real de identificar os participantes individualmente, quando eles passam por múltiplos procedimentos em ocasiões diferentes ou quando é preciso fornecer informações sobre os resultados obtidos num teste. Nesses casos, deve haver alguma forma de identificar os indivíduos, mas ao mesmo tempo separar dos dados reais as informações sobre sua identi-

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Ética na. P esquisa 6 3

dade. Os pesquisadores estão muito preocupados em garantir o anonimato dos participantes em pesquisas que envolvem levantamentos de opinião e uso de questionários.

A observação do comportamento de uma pessoa sem que ela saiba coloca uma questão mais problemática em relação ao anonimato. Em alguns estudos, os pesquisadores fazem observação do comportamento em lugares públicos. Ob­servar pessoas em centros comerciais ou dentro de seus carros não parece trazer maiores problemas éticos. Mas o que dizer se um pesquisador deseja observar comportamento em um ambiente de maior privacidade ou de um modo que possa violar a privacidade de uma pessoa (Wilson; Donnerstein, 1976)? Por exem­plo, seria ético examinar o lixo de alguém ou observar pessoas em banheiros públicos? Em um estudo, Middlemist, Knowles e Matter (1977) mediram o tem­po que homens levam para começar a urinar e a duração da micção em banhei­ros universitários. O objetivo da pesquisa foi estudar o efeito do espaço pessoal sobre uma medida de ativação fisiológica (tempos de micção). Os estudantes foram observados sozinhos ou com um aliado do experimentador, que estava no mictório ao lado ou no mictório mais distante do banheiro. A presença e proxi­midade do aliado teve o efeito de atrasar a micção e de encurtar a duração do ato. Esse é um estudo interessante sob muitos aspectos; além disso, trata-se de uma situação freqüentemente vivida por homens. No entanto, alguém pode ques­tionar se a invasão da privacidade foi justificada (Koocher, 1977). Os pesquisa­dores, por sua vez, podem argumentar que por meio de estudos piloto e de dis­cussões com participantes potenciais determinaram que os problemas éticos se­riam muito reduzidos (Middlemist et al., 1977). Middlemist e seus colaboradores empregaram um método, inicialmente proposto por Berscheid, Baron, Demer e Líbman (1973), para determinar se um procedimento é eticamente aceitável. A representação de papéis c usada para obter informações sobre a percepção dos participantes de um experimento potencial. Se na representação de papéis os participantes indicam que aceitariam participar do experimento, pelo menos uma objeção ao engodo foi examinada.

Populações Especiais de Participantes de Pesquisa

Outra questão ética refere-se ao grau de participação voluntária. Muitos de nós acreditamos que estudantes universitários são capazes de escolher livremente entre participar de um estudo e abandoná-lo, caso considerem a pesquisa antiética. Mas o que dizer sobre populações especiais, tais como crianças, pacientes psiquiá­tricos ou prisioneiros? Com certeza, os pesquisadores devem tomar precauções especiais quando lidam com grupos como estes; obter consentimento informado apropriado toma-se especialmente importante nesses casos. Quando menores são convidados a participar de um experimento, por exemplo, os pais ou responsáveis

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devem assinar um formulário de consentimento. A Divisão de Psicologia do De­senvolvimento da Associação Psicológica Americana (APA) e a Sociedade de Pes­quisa do Desenvolvimento Infantil estabeleceram suas próprias orientações de éti­ca em pesquisas com crianças.

Obrigações dos Experimentadores

Os pesquisadores estabelecem muitos “contratos” implícitos com os partici­pantes no decorrer de um estudo. Por exemplo, o pesquisador deve comparecer pontualmente no horário combinado com os participantes. A questão da pon­tualidade nunca é mencionada por pesquisadores, mas é referida por partici­pantes, quando questionados a respeito das obrigações do pesquisador (Epstein; Suedfeld; Silverstein, 1973). Se os pesquisadores prometerem fornecer um su­mário dos resultados aos participantes, precisam fazê-lo. Se os participantes re­ceberem créditos por sua participação, os pesquisadores devem informar ime­diatamente aos instrutores os nomes daqueles que fizeram parte da pesquisa. Esses são “pequenos detalhes”, mas que são muito importantes para manter a confiança entre os participantes e os pesquisadores.

FORMULAÇÃO DE PRINCÍPIOS ÉTICOS

Os psicólogos reconhecem as questões éticas que discutimos aqui e a Asso­ciação Psicológica Americana (APA) exerceu papel de liderança na formulação de princípios e padrões éticos. Os Princípios Éticos em Psicologia e o Código de Conduta - também chamado Código de Ética (APA, 1993) - e os Princípios Éti­cos na Realização de Pesquisas com Participantes Humanos (APA, 1982) são fontes básicas de referência. O prefácio do Código de Ética estabelece:

Os psicólogos trabalham para desenvolver um corpo válido e confiável de conhecimento científico baseado em pesquisa. Esse conhecimento pode ser aplicado ao comportamento humano em diferentes contextos... Seu objetivo é ampliar o conhecimento do comportamento e, se for apropriado, aplicá-lo praticamente para melhorar a condição tanto dos indivíduos como da sociedade. Os psicólogos defendem a liberdade de investigação e de ex­pressão na pesquisa, no ensino e na publicação. Também estão empenha­dos em ajudar o público a desenvolver julgamentos informados a respeito do comportamento humano... Cada psicólogo individualmente é responsá­vel por aspirar ao padrão de conduta mais elevado possível. Os psicólogos respeitam e protegem os direitos humanos e civis. Não participam de práti­cas discriminatórias injustas de que tenham conhecimento e as condenam.

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É tica na P esquisa 6 5

Os psicólogos estão comprometidos com seis princípios gerais: competên­cia, integridade, responsabilidade profissional e científica, respeito aos direitos humanos e à dignidade das pessoas, preocupação com o bem-estar do próximo e responsabilidade social. Oito padrões éticos referem-se a questões específi­cas, relativas ao comportamento dos psicólogos no ensino, na pesquisa* na terapia e em outros papéis profissionais. Enfatizaremos aqui o Artigo 6 do Código de Ética, que trata do ensino, da supervisão de Treinamento, da Pesqui­sa e da Publicação.

PESQUISA COM PARTICIPANTES HUMANOS1

Os itens do artigo 6 do Código de Ética que tratam mais diretamente da pesquisa com participantes humanos são:

6 .0 6 P lanejam ento de Pesquisa

a) O delineamento, a realização e o relatório de pesquisas em Psicologia devem estar de acordo com padrões reconhecidos de competência e éti­ca da pesquisa científica.

b) Os psicólogos planejam suas pesquisas de forma a minimizar a possibi­lidade de que seus resultados sejam enganosos.

c) No planejamento de suas pesquisas, os psicólogos levam em conta o Código de Ética. Se uma questão ética não estiver clara, os psicólogos buscam resolvê-la por meio de consulta a comitês de ética institucio­nais, comitês de bem-estar animal, consultores ad hoc e outros meca­nismos adequados.

d) Os psicólogos esforçam-se para tomar medidas que garantam a prote­ção apropriada dos direitos e do bem-estar dos participantes humanos e de outras pessoas afetadas pela pesquisa, assim como do bem-estar de animais utilizados como sujeitos.

W W W . cja-1 _̂5 1/ . _t) r j l h e ! rt 5o j I 36

1 A Resolução do Conselho Nacional de Saúde na 196, de 10 de outubro de 1996, pode ser encontrada em http://www.usp.br/ip/pesquisa/resl96.html (NT).

Há dois livros que discutem esse tema:VIEIRA, S.; HOSSNE, W. S. Experimentação com seres humanos. São Paulo: Moderna, 1987. VIEIRA, S.; HOSSNE, W. S. Pesquisa médica: a ética e a metodologia. São Paulo: Pioneira, 1998.

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6 .0 7 R esponsabilidade

a) Os psicólogos realizam pesquisas de forma competente, levando em conta a dignidade e o bem-estar dos participantes.

b) Os psicólogos são responsáveis por garantir a obediência de princípios éticos na pesquisa realizada por eles próprios e por pessoas que estejam sob sua supervisão ou controle.

c) Psicólogos e assistentes só podem desempenhar as tarefas para as quais estejam adequadamente treinados e preparados.

d) Como parte do processo de desenvolvimento e implantação de projetos de pesquisa, os psicólogos consultam especialistas quando investigam uma população especial ou especialmente vulnerável.

6 .08 O bediência à Lei e às N orm as

Os psicólogos planejam e realizam suas pesquisas de maneira consistente com as leis e normas federais e estaduais, bem como de acordo com os padrões profissionais que governam a realização de pesquisas e, particularmente, com os padrões que governam a pesquisa com participantes humanos e sujeitos ani­mais.

6 .0 9 A provação Institucional

Os psicólogos obtêm das instituições ou organizações em que realizam suas pesquisas aprovação prévia para realizá-las e comprometem-se a fornecer infor­mações adequadas sobre seus objetivos. Realizam a pesquisa de acordo com o protocolo de pesquisa aprovado.

6 .1 0 R espon sabilidade p e la Pesquisa

Antes de realizar uma pesquisa (exceto quando esta envolve apenas levan­tamento anônimo de opinião, observação naturalística ou pesquisa similar), os psicólogos entram em contato com os participantes, para esclarecer a natureza da pesquisa e as responsabilidades envolvidas.

6.11 C onsentim en to In form ado p a ra P articipação em Pesquisa

a) Os psicólogos usam uma linguagem razoavelmente compreensível, para obter dos participantes de uma pesquisa o consentimento apropriado (exceto

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É tica na P esquisa 6 7

quando se tratar do Artigo 6.12 - Dispensa de Consentimento Informado). O consentimento informado é adequadamente documentado.

b) Por meio de linguagem razoavelmente compreensível, os psicólogos in­formam os participantes quanto à natureza da pesquisa; informam tam­bém que os participantes têm liberdade para participar ou não e para desistir no decorrer de um estudo; explicam as conseqüências previsí­veis da recusa ou da desistência; dão informações a respeito de fatores que podem afetar a disposição para participar (tais como riscos, des­conforto, efeitos adversos ou restrições à confidencialidade, exceto quan­do se tratar do disposto no Artigo 6.15 - Engodo na Pesquisa); e dão explicação sobre outros aspectos a respeito dos quais os futuros partici pantes tenham dúvidas.

c) Quando os participantes são estudantes ou subordinados, os psicólogos devem tomar especial cuidado para proteger os possíveis participantes de conseqüências adversas da recusa em participar ou da desistência.

d) Quando a participação numa pesquisa é requisito de uma disciplina ou representa a possibilidade de obtenção de créditos adicionais, é preciso dar aos possíveis participantes a opção de realizarem outras atividades equivalentes.

e) Quando se trata de pessoas que estão legalmente incapacitadas de dar consentimento informado, os psicólogos, mesmo assim, (1) fornecem uma explicação apropriada, (2) obtêm a anuência dos participantes e (3) obtêm permissão apropriada de uma pessoa legalmente autorizada, se esse consentimento substitutivo for permitido por lei.

6 .12 D ispensa de C onsentim ento Inform ado

Antes de determinar que a pesquisa planejada (como no caso de pesquisas que envolvem somente questionários anônimos, observações naturalísticas ou certos tipos de pesquisa de arquivos) não requer o uso do consentimento infor­mado dos participantes da pesquisa, os psicólogos consideram os regulamentos em vigor e as exigências das comissões de pesquisa institucionais, além de con­sultar colegas, no caso de isso ser apropriado.

6 .1 3 C onsen tim en to In form ado p a ra a R ealização de Film agens ou Gravações

Os psicólogos obtêm consentimento dos participantes de suas pesquisas antes de realizar qualquer forma de filmagem ou gravação, a menos que a pes-

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6 8 M étodos df. P esqutsa em C iências do C omportamento

f quisa envolva simples observação naturalística em lugares públicos e que não seanteveja a possibilidade de o registro vir a possibilitar identificação pessoal ou causar prejuízo ao participante.

f 6 .1 4 O ferta de Incentivos aos P articipan tes de Pesquisa

a) Ao oferecer serviços profissionais como um incentivo para a participa-( ção numa pesquisa, os psicólogos esclarecem a natureza dos serviços,r assim como os riscos, as obrigações e as limitações (veja também o

Artigo 1.18, Barter [Com Pacientes ou Clientes]).b) Os psicólogos não oferecem incentivos financeiros excessivos ou

' inapropriados, para obter participantes em suas pesquisas, particular-, mente quando a oferta desses incentivos pode funcionar como uma

forma de coação.

6 .1 5 E ngodo na Pesquisa

( a) Os psicólogos somente realizam um estudo que envolve engodo quandoo uso de tais técnicas se justifica pelos propósitos científicos, educacio­nais, ou pela aplicação potencial dos resultados do estudo e desde que

( não se disponha de procedimentos alternativos efetivos que dispensemo uso de engodo.

b) Os psicólogos nunca enganam os participantes de suas pesquisas no que diz respeito a aspectos significativos que poderiam afetar sua dispo-

( sição em participar, tais como riscos físicos, desconforto ou experiên­cias emocionais desagradáveis.

c) Qualquer outro engodo, que faça parte do delineamento e da realiza­ção de um experimento, precisa ser explicitado aos participantes tão cedo quanto possível, e de preferência ao encerrar sua participação, ou

, no máximo ao concluir a pesquisa (veja também Artigo 6.18 - Infor­mações Fornecidas aos Participantes Sobre o Estudo).

6 .1 6 C om partilham ento e U tilização de D ados

( Os psicólogos fornecem aos participantes de suas pesquisas informaçõessobre o compartilhamento antecipado com outros profissionais, ou sobre outros usos de dados de pesquisa pessoalmente identificados, e fornecem informações sobre a possibilidade de usos futuros não previstos dos dados.

i

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É t ic a n a P e s q u isa 6 9

6 .1 7 U tilização M ínim a de P rocedim entos Invasivos

Ao realizar suas pesquisas, os psicólogos restringem sua interferência com os participantes ou com o meio em que os dados são coletados ao que é justifica do por um delineamento de pesquisa apropriado, e comportam-se de forma con­sistente com o papel de investigadores científicos em psicologia.

6 .18 Inform ações Fornecidas aos P articipan tes sobre o Estudo

a) Os psicólogos criam oportunidades para fornecer aos participantes in­formações apropriadas sobre a natureza, os resultados e as conclusões da pesquisa e, também, tentam corrigir qualquer compreensão distorcida que os participantes possam ter.

b) Se valores científicos ou humanos justificarem o atraso no fornecimen­to dessas informações ou sua omissão, os psicólogos tomam medidas razoáveis para reduzir os riscos de dano.

6 .19 C om prom isso de H onra

Psicólogos procuram tomar medidas razoáveis para honrar todos os com­promissos assumidos com os participantes de suas pesquisas.

Esses artigos enfatizam a importância do consentimento informado como uma parte fundamental da prática ética. No entanto, nem sempre é possível fornecer toda a informação e o engodo algumas vezes pode ser necessário. Em tais casos, as responsabilidades do pesquisador junto aos participantes aumen­tam. Obviamente, decisões sobre o que é considerado ético ou não são comple­xas; não há regras rigorosas. Mais adiante neste capítulo discutiremos a análise custo-benefício para tomar decisões éticas.

Além do Código de Ética da APA, o Departamento de Saúde e Vigilância dos Estados Unidos (HHS) estabeleceu normas para proteger pessoas que partici­pam de pesquisas (Departamento de Saúde e Vigilância, 1981). De acordo com essas normas, toda instituição que recebe fundos do HHS deve ter uma Comis­são de Etica(IRB),2 que decide se a pesquisa proposta pode ser realizada (note que essa comissão é mencionada no Código de Ética). A comissão de ética é composta tanto por cientistas quanto por não cientistas, membros da comuni­dade e juristas. Nos Estados Unidos, praticamente toda universidade e faculdade

2 Em inglês, Institutional Review Board (IRB) (NT).

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tem uma comissão de ética. Além disso, a maioria dos departamentos de Psicolo­gia tem seus próprios comitês de pesquisa (Chastain e Landrum, 1999). A regu­lamentação do HHS de 1981 categorizou as pesquisas de acordo com o grau de risco imposto aos participantes, para facilitar a avaliação ética das pesquisas. O Código de Ética da APA incorporou esse conceito de risco.

Pesquisas que "não envolvem riscos” são excluídas da avaliação. Assim, pesquisas que envolvem apenas questionários anônimos, levantamentos de opi­nião e testes educacionais são excluídas da avaliação, assim como aquelas que envolvem observações naturalísticas realizadas em lugares públicos, quando há garantia de anonimato. Pesquisas de arquivo, em que os dados estão disponíveis para consulta pública, ou em que os participantes não podem ser identificados, também são excluídas da avaliação.

Um segundo tipo de atividade de pesquisa é chamado de “risco mínimo”. Risco mínimo significa que os riscos de dano para os participantes não são maio­res do que os encontrados em sua vida diária ou em testes físicos ou psicológicos rotineiros. Quando pesquisas de risco mínimo estão sendo realizadas, a preocu­pação com a segurança do participante diminui e a aprovação pelo IRB é auto­mática. Algumas das atividades de pesquisa consideradas de risco mínimo são: (1) registro de dados fisiológicos de rotina que envolvem participantes adultos (por exemplo, pesagem, testes de acuidade sensoriai, eletrocardiograma, eletroencefalograma, ecografia diagnostica e registro de voz) - note que não estão incluídos registros ínvasivos; (2) exercício moderado por voluntários sau­dáveis; e (3) pesquisa sobre comportamento de indivíduos ou de grupos ou ca­racterísticas individuais, tais como estudos de percepção, cognição, teoria de jogos ou desenvolvimento de testes, nos quais o pesquisador não manipula o comportamento dos participantes e a pesquisa não submete os participantes a estresse.

Qualquer procedimento de pesquisa que submeta o participante a um nível de risco um pouco superior ao mínimo está sujeito a avaliação minuciosa pelo IRB. Consentimento informado pleno e outras garantias podem ser exigidos para que a aprovação seja dada.

Podemos concluir que, com os princípios éticos da Associação Psicológica Americana (APA), os regulamentos do Departamento de Saúde e Vigilância (HHS) e a Análise pelos Comitês de Ética (IRB), os direitos e a segurança dos partici­pantes humanos estão protegidos. Você poderá observar, nesse ponto, que os pesquisadores e os membros dos comitês de avaliação tendem a ser muito caute­losos em relação ao que é considerado ético. De fato, muitos estudos têm mos­trado que, depois de participar de pesquisas, os estudantes tendem a ser mais lenientes em seus julgamentos sobre os aspectos éticos de experimentos do que os próprios pesquisadores ou membros dos comitês de avaliação (Epstein et al-,

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Ética na P esquisa 7 1

1973, Smith, 1983; Sullivan; Deiker, 1973). Além disso, indivíduos que partici­pam de pesquisas que envolvem engodo relatam que não se importaram com o engodo e avaliaram a experiência de forma positiva (Christensen, 1988).

ÉTICA E PESQUISA ANIMAL

Embora este capítulo tenha tratado até aqui de questões éticas relativas à pesquisa com seres humanos, você deve certamente saber que os psicólogos al­gumas vezes realizam pesquisas com animais. Utilizam animais por várias ra­zões. O pesquisador pode controlar cuidadosamente as condições ambientais a que submete os animais, estudar os mesmos animais durante períodos longos de tempo e monitorar seu comportamento 24 horas por dia, caso seja necessário. Também é possível usar animais para testar os efeitos de drogas e para estudar mecanismos fisiológicos e genéticos subjacentes ao comportamento. Em 1979, aproximadamente 7% dos artigos referidos no Psychological Abstracts estuda­ram animais (Gallup; Suarez, 1985), e os dados indicam que as pesquisas com animais vêm diminuindo constantemente (Thomas; Blackman, 1992). Em ge­ral, os psicólogos trabalham com ratos e camundongos e, menos freqüentemen­te, com aves; de acordo com um levantamento de pesquisas realizadas com ani­mais em psicologia, cerca de 95% dos animais de pesquisa eram ratos, camun­dongos e aves (veja Gallup; Suarez, 1985).

Nos últimos anos, grupos que se opõem à realização de pesquisas com animais em medicina, psicologia, biologia e outras ciências tornaram-se mais barulhentos e militantes. Por exemplo, grupos de defesa dos direitos dos ani­mais organizaram protestos durante reuniões da Associação Psicológica Ame­ricana e, em numerosas cidades, ocorreram roubos de animais em laborató­rios de pesquisa animal atribuídos a membros desses grupos. Os grupos tam­bém fazem campanha para que o legislativo proíba qualquer tipo de pesquisa com animais.

Os cientistas argumentam que a pesquisa com animais beneficia os seres humanos e mostram muitas descobertas que não seriam possíveis sem a pesqui sa com animais (Miller, 1985). Além disso, os grupos que defendem os direitos dos animais freqüentemente superestimam a quantidade de pesquisas que en­volvem dor ou sofrimento (Coile; Miller, 1984).

Plous (1966a, 1966b) realizou um levantamento nacional de atitudes entre psicólogos e estudantes de psicologia, em relação ao uso de animais na pesquisa e no ensino. As atitudes dos psicólogos e dos estudantes foram similares. Em geral, 72% dos estudantes apoiaram tais pesquisas com animais, 18% se opuse­ram a elas e 10% ficaram indecisos (no entanto, os psicólogos apoiaram mais “fortemente” a pesquisa com animais do que os estudantes). Além disso, 68%

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acreditavam na necessidade da pesquisa com animais para o progresso da Psico­logia. Ainda houve alguma ambivalência e incerteza em relação ao uso de ani­mais; quando questionados quanto ao tratamento dado aos animais em pesqui­sas psicológicas, 12% dos estudantes disseram que eles “não” são tratados de forma humana e 44% ficaram “em dúvida”. Além disso, as pesquisas que envol­viam ratos e pombos foram vistas mais positivamente que as pesquisas com cães ou primatas, exceto quando apenas envolviam observação. Finalmente, mulhe­res tinham uma visão menos positiva em relação à pesquisa com animais do que homens. Plous concluiu que a pesquisa com animais em Psicologia continuará sendo importante para a área, mas provavelmente continuará diminuindo pro­porcionalmente à quantidade total da pesquisa realizada.

A pesquisa com animais de fato ainda é muito importante e continuará sendo necessária para estudar muitos tipos de questões. E crucial reconhecer que leis rigorosas e diretrizes éticas norteiam tanto a pesquisa com animais, quanto seu uso para fins de ensino. Tais regulamentos tratam de necessidades de alojamento, alimentação, limpeza e cuidados de saúde adequados. Especifi­cam que a pesquisa deve evitar qualquer crueldade e imposição de dor desneces­sária ao animal. Além disso, as instituições em que são realizadas pesquisas com animais têm um Comitê de Uso e Cuidado com Animais (IACUC) composto por pelo menos um cientista, um veterinário e um membro da comunidade. O 1ACUC é responsável pela revisão dos procedimentos das pesquisas com animais e deve garantir que todas as regras sejam seguidas (veja Holden, 1987). Essa seção do Código de Ética é particularmente importante a esse respeito:

6 .2 0 Cuidado e Uso de A nim ais em Pesquisas

a) Os psicólogos que realizam pesquisas com animais devem tratá-los de forma humana.

b) Psicólogos adquirem, cuidam, usam e descartam todos os animais de acordo com a legislação federal, estadual e local e também de acordo com padrões profissionais.

c) Psicólogos treinados em métodos de pesquisa e com experiência no cuidado em relação a animais de laboratório supervisionam rigorosa­mente todos os procedimentos que envolvem animais e são responsá­veis por assegurar condições apropriadas de conforto, saúde e trata­mento humano.

d) Os psicólogos asseguram que todos os indivíduos que tenham animais sob sua supervisão recebam instruções explícitas, no que diz respeito a métodos de pesquisa e no que diz respeito a cuidado, manutenção e

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Etica na P esquisa 7 3

manejo da espécie que está sendo usada, de forma apropriada para exercer sua função.

e) As responsabilidades e atividades dos indivíduos que auxiliam a execu­ção de um projeto de pesquisa são consistentes com suas respectivas competências.

f) Os psicólogos esforçam-se para reduzir ao mínimo a ocorrência de des­conforto, doença e dor para os animais.

g) Um procedimento que submeta animais a dor, estresse ou privação so­mente é usado quando não existe um procedimento alternativo dispo­nível e quando os objetivos são justificados pelo valor científico, educa­cional, ou pela possibilidade de aplicação dos resultados.

h) Procedimentos cirúrgicos são realizados sob anestesia apropriada; téc­nicas para evitar infeção e para minimizar a dor são aplicadas durante e após a cirurgia.

i) Havendo necessidade de sacrificar um animal, isso é feito rapidamente, procurando minimizar a dor e de acordo com procedimentos aceitos.

Um conjunto mais completo de orientações detalhadas para pesquisadores que estudam animais também foi desenvolvido (American Psychological Association, 1986). Naturalmente, os psicólogos estão preocupados com o bem- estar dos animais usados em pesquisas. No entanto, é provável que essa conti­nue sendo uma questão controversa.

CUSTOS E BENEFÍCIOS REVISITADOS

O leitor agora conhece as questões éticas que preocupam os pesquisadores que estudam o comportamento humano e animal. Ao tomar decisões sobre ética na pesquisa, é preciso considerar muitos fatores associados com o risco existen­te para os participantes. Existem riscos de dano psicológico ou de quebra de sigilo? Quem são os participantes da pesquisa? Que tipo de engodo, se existe algum, está sendo usado no procedimento? Como o consentimento informado será obtido? Que procedimentos estão sendo usados na entrevista de esclareci­mento? Também é necessário ponderar os benefícios diretos da pesquisa para os participantes, além da importância científica da pesquisa e dos benefícios edu­cacionais para os estudantes, que podem estar cumprindo os requisitos de uma disciplina ou de obtenção de um título,

Essas não são decisões fáceis. Considere o estudo descrito anteriormente, em que um homem, aliado do experimentador, insulta homens que estão partici­pando de uma pesquisa. Esse estudo, realizado por Cohen, Nisbet^-Bôwéle-e

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Schwarz (1996), comparou as reações de estudantes universitários, do norte e do sul dos Estados Unidos. O objetivo foi investigar se os homens do sul têm um “código de honra” que os obriga a responder agressivamente quando insultados. Realmente, os estudantes do norte apresentaram pouca reação aos insultos, en­quanto os sulistas responderam com indicadores fisiológicos e cognitivos mais elevados de raiva. O fato de tanta violência ser cometida por homens, que mui­tas vezes estão vingando algum insulto percebido a sua honra, toma esse assun­to particularmente relevante. A seu ver, os benefícios potenciais do estudo para a sociedade e para a ciência superam os riscos envolvidos no procedimento?

Evidentemente, um revisor do comitê de ética que analisou esse estudo con­cluiu que os pesquisadores minimizaram os riscos para os participantes, de tal forma que os benefícios superaram os custos. Se o leitor decidir que, em última análise, os custos superam os benefícios, deve concluir que o estudo não deve ser realizado da forma como foi proposto. Os procedimentos devem ser alterados para tomar-se aceitáveis. Se os benefícios superarem os custos, provavelmente você decidirá que a pesquisa deve ser realizada. Sua ponderação pode diferir da de outras pessoas e é exatamente por isso que a existência de um comitê de ética é uma boa idéia. Uma revisão bem feita de projetos de pesquisa toma altamente improvável que uma pesquisa antiética seja aprovada.

FRAUDE

Fraude é um último problema ético a ser mencionado. Quando uma desco­berta de pesquisa é publicada, é preciso que tenhamos confiança quanto a sua efetiva realização, descrição acurada dos procedimentos e efetiva obtenção dos resultados relatados. Dois artigos do Código de Etica referem-se a esse assunto:

A rtigo 6 .21 R elato dos R esu ltados

a) Os psicólogos não fabricam dados nem falsificam resultados em suas publicações.

b) Se descobrirem erros significativos em seus dados publicados, os psicó­logos buscam corrigir tais erros, por meio de erratas, correções, retrata­ções ou outras formas de publicação apropriadas.

A rtigo 6 .2 2 Plágio

Os psicólogos não apresentam partes substanciais do trabalho ou dos da­dos de outras pessoas como seus, mesmo que citem o trabalho.

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É preciso que possamos acreditar nos resultados de pesquisa relatados; caso contrário, toda a base do método científico, como meio de conhecimento, fica ameaçada. De fato, embora possa haver fraude em muitos campos, sua ocorrên­cia provavelmente é mais séria em duas áreas: ciência e jornalismo, Isso porque ciência e jornalismo são campos em que se supõe que os relatos escritos sejam descrições acuradas dos eventos reais. Não existem agências independentes de auditoria para examinar as atividades de cientistas e jornalistas.

Casos de fraude no campo da psicologia são considerados muito sérios (Hostetler, 1987; Riordan; Marlin, 1987), mas felizmente têm sido raros. Talvez o caso mais famoso seja o de Sir Cyril Burt, responsável por relatar que os esco­res de QI de gêmeos idênticos criados separados eram muito semelhantes. Os dados foram usados para apoiar o argumento de que a determinação genética do QI é extremamente importante. No entanto, Kamin (1974) notou algumas irregularidades nos dados de Burt. Várias correlações para diferentes pares de gêmeos eram idênticas até a terceira casa decimai, virtualmente uma impossibi­lidade matemática. Essa observação levou à descoberta de que alguns dos su­postos colaboradores de Burt de fato não trabalharam com ele ou foram sim­plesmente fabricados. Ironicamente, no entanto, os “dados" de Burt estavam de acordo com o que havia sido relatado por outros investigadores que estudaram escores de QI em gêmeos.

Os dados fraudulentos de Burt não foram facilmente detectados. Foi neces­sário o olhar cuidadoso de um cientista experiente para notar o padrão não usual dos resultados e suspeitar de um problema com os dados. Um colega de trabalho de um pesquisador também pode detectar a ocorrência de fraude. Num caso mais recente de fraude em psicologia, Stephen Breuning foi considerado culpado de copiar dados simulados, mostrando que estimulantes podem reduzir comportamento hiperativo ou agressivo de crianças com retardo severo (Byme, 1988). Neste caso, outro pesquisador que havia trabalhado em estreita proximi­dade com Breuning suspeitou de seus dados; informou então a agência federal responsável pelo financiamento da pesquisa.

Comumente se suspeita de fraude quando é impossível replicar uma desco­berta importante ou incomum. Fraude não é o maior problema da ciência, por­que os pesquisadores sabem que outros irão ler seus relatos e realizar estudos adicionais, inclusive replicações. Eles sabem que sua reputação e sua carreira estarão seriamente prejudicadas se outros cientistas concluírem que os resulta­dos são fraudulentos.

Por que, então, os pesquisadores algumas vezes cometem fraude? Um mo­tivo poderia ser o de que cientistas ocasionalmente encontram-se sob extrema pressão para produzir resultados impressionantes. No entanto, essa não é uma explicação suficiente, porque muitos pesquisadores mantêm padrões éticos ele­vados sob tais pressões. Outra razão é a de que os pesquisadores que sentem

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7 6 M é t o d o s d e P e s q u i s a e m C iên cias d o C o m p o rta m e n to

necessidade de produzir dados fraudulentos têm medo exagerado do fracasso e, ao mesmo tempo, uma grande necessidade de sucesso e admiração. Se você desejar saber mais sobre a dinâmica da fraude e sobre as controvérsias que ain­da existem em torno do caso Burt, pode começar com o livro de Heamshaw (1979) sobre Sir Cyril Burt e com a análise de Green (1992).

Devemos destacar ainda um último ponto: alegações de fraude não podem ser feitas levianamente. Se uma pessoa discordar dos resultados de outra pessoa por motivos filosóficos, políticos, religiosos ou outros, isso não significa que eles sejam fraudulentos. Mesmo que não consiga replicar os resultados, a razão pode estar em aspectos metodológicos do estudo e não numa fraude deliberada. No entanto, o fato de que a fraude possa ser uma possível explicação dos resultados aumenta a importância de se manter registros cuidadosos e de se manter uma boa documentação dos procedimentos utilizados e dos resultados obtidos.

Esses pontos são ilustrados por um caso de suspeita não comprovada de fraude (Marlatt, 1983). Nos anos 70, dois psicólogos (Sobell; Sobell, 1973) rela­taram um estudo mostrando a eficácia do “beber com controle” como tratamen­to para alcoólatras. Beber controlado é um procedimento delineado para produ­zir consumo moderado de álcool em situações sociais, em contraste com o trata­mento mais tradicional, que tenta produzir abstinência. A descoberta de Sobell é controversa, especialmente entre grupos contrários ao consumo de álcool.

Dez anos depois, outro grupo de pesquisadores (Pendery; Maltzman; West, 1982) relatou que os participantes do estudo de Sobell não apresentaram melho­ra real. Dois dos autores fizeram declarações à imprensa dizendo que as desco­bertas apresentavam “graves dúvidas sobre a integridade científica da pesquisa original” e “sem sombra de dúvida trata-se de fraude” (Marlatt, 1983). Como resultado dessas alegações, um “comitê de elite”, formado por pesquisadores e juristas, investigou a pesquisa original. Felizmente, os Sobell haviam mantido extensos registros de suas atividades de pesquisa, incluindo fitas gravadas com as entrevistas dos pacientes num estudo de acompanhamento. O comitê con­cluiu que “não havia razão para duvidar da integridade científica ou pessoal” dos Sobell. Nesse caso, registros cuidadosamente guardados e um exame cientí­fico racional da pesquisa original impediram a confirmação de uma séria alega­ção de fraude.

Concluindo, podemos notar que as diretrizes éticas e os regulamentos evo­luem constantemente. O Código de Ética da APA e os regulamentos federais, estaduais e locais podem ser revistos periodicamente. Os pesquisadores preci­sam estar sempre cientes da maioria das políticas e procedimentos vigentes. Nos capítulos subseqüentes, discutiremos muitos procedimentos específicos para es­tudar comportamento. Ao ler sobre esses procedimentos e aplicá-los a suas pes­quisas de interesse, lembre que considerações éticas sempre têm primazia.

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É t i c a n a P t s y u s s A 7 7

Termos Estudados ____________________________________________

Análise do Custo Benefício Código de ÉticaComitê Institucional de Uso e Cuidado com Animais (IACUC)Comissão dc Ética (IRB)Consentimento Informado EngodoEntrevista de EsclarecimentoEstudos que Envolvem SimulaçãoExperimento HonestoFraudePlágioPopulação EspecialRepresentação de PapéisResponsabilidadeRiscoSigilo

Questões de Revisão ............................ ......... ............ ..................................

1. Discuta as principais questões éticas na pesquisa comportamental: dano físico e psicológico, engodo, entrevista de esclarecimento e consentimento informado. Como podem os pesquisadores ponderar a necessidade de reali­zar pesquisas e a necessidade de seguir procedimentos éticos?

2. Por que o consentimento informado é um princípio ético? Que problemas existem em relação ao consentimento informado pleno?

3. Que alternativas ao engodo são descritas no texto?4. Resuma os princípios referentes à pesquisa com participantes humanos no

Código de Ética da APA.5. Quais as diferenças em atividade de pesquisa “sem risco” e “com risco mínimo”?6. Em que consiste uma Comissão de Ética Institucional?7. Resuma os procedimentos éticos da pesquisa com animais.8. O que constitui fraude, quais as razões para isso ocorrer e por que não

ocorre com maior freqüência?

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7 8 M étodos de P esquisa em C iências dü C omportamento

Atividades------------------------------------------------------------------------------

1. Considere o seguinte experimento, semelhante ao realizado por Smith, Lingle e Brock (1978). Os participantes interagiram durante uma hora com outra pessoa que, de fato, era um aliado do experimentador. Após essa interação, ambos concordaram em retornar juntos, para outra sessão, uma semana depois. Quando os verdadeiros participantes retornaram, foram informa­dos de que a pessoa que haviam encontrado na semana anterior havia morrido. Os pesquisadores então mediram as reações à morte da pessoa.a) Discuta as questões éticas suscitadas pelo experimento.b) O experimento viola as diretrizes apresentadas no Artigo 6 do Código de

Ética da APA, que se refere à pesquisa com participantes humanos? De que maneira?

c) Que métodos alternativos poderiam ser sugeridos para estudar esse pro­blema (reações à morte)?

d) As reações a esse estudo seriam diferentes se os participantes tivessem brincado com uma criança e mais tarde soubessem que a criança havia morrido?

2. No procedimento descrito neste capítulo, os participantes receberam uma avaliação falsa sobre um traço desfavorável de sua personalidade ou sobre um baixo nível de habilidade. Quais são as questões éticas suscitadas por esse procedimento? Compare suas reações a esse procedimento com outro análogo, em que pessoas recebem uma avaliação falsa sobre um traço muito favorável de sua personalidade ou um nível de habilidade muito alto.

3. Um psicólogo social realizou um experimento de campo num bar local muito popular entre estudantes universitários. Interessado em observar técnicas de flerte, o pesquisador instruiu homens e mulheres aliados a sorrir e a estabelecer contato de olhar com pessoas que estavam no bar, variando os tempos (por exemplo, dois segundos, cinco segundos) e a freqüência (por exemplo, uma vez, duas vezes). Ele observou a reação das pessoas que fo­ram alvo de olhar. Que considerações éticas podem ser feitas (se puderem) a respeito desse experimento? Há algum engodo envolvido?

4. Poderia ser feita uma entrevista de esclarecimento com as pessoas que fo­ram observadas no experimento de campo? Escreva um parágrafo com argumentos favoráveis e contrários à realização de uma entrevista de es­clarecimento nessa situação.

5. Dr. Alucard realizou um estudo para examinar vários aspectos do compor­tamento sexual de estudantes universitários. Os estudantes preencheram um questionário numa sala de aula do campus. Cerca de 50 estudantes

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foram testados de uma vez. O questionário continha perguntas sobre a primeira experiência com várias práticas sexuais. Em caso de resposta afir­mativa a uma pergunta, várias outras perguntas detalhadas deveriam ser respondidas. Em caso negativo, essas perguntas não deveriam ser respon­didas, passando o respondente a uma questão geral sobre uma experiência sexual. Que questões éticas são suscitadas por uma pesquisa desse tipo? Que tipo de problema específico pode surgir em função do procedimento de “saltar questões” usado nesse estudo?

6. Resultados de pesquisa nem sempre são populares, particularmente quando tratam de questões controversas. Neste capítulo, foi descrito um estudo sobre terapia para alcoólatras que não agradou aos defensores da abstinência como único tratamento válido. Suponhamos que o leitor seja a favor do desarma­mento, mas encontre um estudo afirmando que estados com leis que permi­tem o porte de armas registradas apresentam maior queda nos índices de criminalidade em comparação com Estados sem essas leis. Ou suponhamos que acredite que crianças vítimas de abuso sexual (definido como contato sexual entre um adulto e uma criança) inevitavelmente desenvolvem distúr­bios psicológicos. Você então encontra um estudo sobre universitários que relataram ter sido vítimas deste tipo de abuso; o estudo conclui que o impac­to psicológico nessa população foi relativamente pequeno. Como exemplo final, suponha que você seja favorável ou contrário ao aborto; em ambos os casos, é contrário à atividade criminal associada com roubo e violência. Len­do um estudo, fica sabendo que o direito ao aborto garantido pela decisão Roe v. Wade da Suprema Corte, em 1972, é em parte responsável pela dramá­tica queda nas taxas de criminalidade nos Estados Unidos desde 1990. Como reagir a tais descobertas? Você decidiria imediatamente que as pesquisas que se opõem a seu ponto de vista estão erradas e possivelmente fraudulentas? Deveria considerar as políticas das agências de fomento? O que faria se não pudesse encontrar qualquer coisa errada com um estudo que não apoiasse seus pontos de vista? (Nota: Os exemplos baseiam-se em descobertas reais de pesquisas. As referências não foram incluídas; se desejar obter detalhes sobre essas pesquisas, poderá fazer uma busca nas bases cletrônicas de dados exis­tentes em sua biblioteca.)