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Diário de Keira O diário é um caderno de capa de linho. Há algumas folhas soltas e anotações em pequenos pedaços de papéis, e um recorte de jornal, dobrados e guardados no meio dele. 4 de maio de 1848 Estou tão feliz! Decidi começar um diário novo, porque agora estou de vida nova! Enfim estou casada com um homem bom e que me ama. Temos uma casa modesta, perto de West London... 2 de julho de 1848 Eu e Doug já estamos casados há dois meses e eu não entendo porque ele não quer consumar nossa noite de núpcias. Sei que nosso casamento foi arranjado, sei que eu estou velha demais, afinal já tenho vinte e seis anos, e sei que ele estava à procura de uma boa esposa. Mas não entendo... Sempre com uma desculpa... Achei que ele estivesse um pouco doente, como tinha dito, mas agora não acredito que seja verdade, ele está me evitando. E por que? Será que sou feia demais? Será que ele me desprez a? O que eu fiz de errado? Então, por que ele me escolheu? Por que prometeu ser um bom marido? Eu contei toda a verdade a ele, contei que eu tinha sido desonrada por aquele miserável... Ele me disse que não tinha importância, que não ia contar isso a ninguém! Então, por que isso agora? Meu Deus, o que eu faço? Daqui a pouco as pessoas vão começar a notar que eu ainda não espero por nosso primeiro filho...

Fase 1 - Capítulo 21 - Diário de Keira

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Texto complementar da F1 - Cap 21.

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Diário de Keira

O diário é um caderno de capa de linho. Há algumas folhas soltas e anotações em pequenos pedaços de papéis, e um recorte de jornal, dobrados e guardados no meio dele.

4 de maio de 1848

Estou tão feliz! Decidi começar um diário novo, porque agora estou de

vida nova! Enfim estou casada com um homem bom e que me ama.

Temos uma casa modesta, perto de West London...

2 de julho de 1848

Eu e Doug já estamos casados há dois meses e eu não entendo porque ele

não quer consumar nossa noite de núpcias. Sei que nosso casamento foi

arranjado, sei que eu estou velha demais, afinal já tenho vinte e seis

anos, e sei que ele estava à procura de uma boa esposa. Mas não entendo...

Sempre com uma desculpa... Achei que ele estivesse um pouco doente,

como tinha dito, mas agora não acredito que seja verdade, ele está me

evitando. E por que? Será que sou feia demais? Será que ele me despreza?

O que eu fiz de errado? Então, por que ele me escolheu? Por que prometeu

ser um bom marido? Eu contei toda a verdade a ele, contei que eu tinha

sido desonrada por aquele miserável... Ele me disse que não tinha

importância, que não ia contar isso a ninguém! Então, por que isso

agora? Meu Deus, o que eu faço? Daqui a pouco as pessoas vão começar a

notar que eu ainda não espero por nosso primeiro filho...

17 de novembro 1848

Hoje eu e Doug fomos à igreja pela manhã. Encontramos toda a

vizinhança lá, e cumprimentamos muita gente. Reparei em todos,

principalmente em Lucy e em seu bebê recém-nascido. E Catharine?

Aquela velha fofoqueira, argh! Não tinha nada que vir comentar na

minha frente e na frente de todos que achava que Lucy já estava

grávida, porque nos casamos quase na mesma época! Ela só veio falar

isso para apontar para minha barriga murcha, sei que foi só para isso!

Ela me paga! Doug acha que eu dou muita importância para aquilo que

os outros acham. Acabamos brigando porque eu estava tão irritada e me

sentindo atingida que falei que tudo isso era culpa dele mesmo! Ele se

ofendeu e não está falando comigo... Não sei mais o que fazer com

nossos problemas conjugais... Doug não quer me tocar, só quer desfilar

comigo para cima e para baixo, me levar a festas e a encontros sociais.

Isso está me fazendo muito infeliz...

22 de novembro de 1848

A noite passada foi frustrante. Doug passou mal e se trancou no

banheiro depois de tentar mais uma vez... Disse que teve uma

indisposição repentina. Mais uma desculpa, mais uma mentira... Acho

que minha amiga Emilie tem razão. Sei que Doug não me ama. Mas

não quero pensar que ele tenha se casado só por uma conveniência. Tenho

medo só de pensar nisso...

25 de novembro de 1848

Tem um homem me seguindo. Eu tinha saído para comprar alguns

grisântemos cor de rosas, e percebi quando ele começou a me seguir.

Fiquei com medo e entrei na Igreja. Eu já o tinha visto atrás de mim

umas duas vezes. Depois que me escondi, ele sumiu. Voltei para casa, e

não saí mais. Não sei se devo comentar isto com Doug. Talvez seja

apenas imaginação minha...

27 de novembro de 1848

Hoje aconteceu uma coisa estranha. Mandaram entregar em casa, pela

manhã, três dúzias de crisântemos cor de rosa! Junto, veio um pequeno

cartão que pensei em queimar por medo de que Doug o veja, mas ainda

não tive coragem. Acho que foi o homem estranho... ele me viu

comprando as flores. Diz ser um admirador secreto! Ah, que coisa, um

homem apaixonado por mim!

Para a moça mais bela de Londres; a mulher que me encantou. D.

29 de novembro de 1848

Hoje o homem estranho me parou na rua. Segurou-me pelo braço,

educadamente, e me disse, sem rodeios, que me amava. Que estava a

procura de uma mulher como eu, que estava me observando há tempos.

Assumiu que me enviara as flores. Disse que eu era linda! Como gostei

de ouvir isso... Doug me fala que sou bonita, mas não vejo desejo nos

olhos dele. Deus, me sinto culpada por ter visto desejo nos olhos do

estranho, e de ter gostado disso... Olhos tão engraçados e diferentes! Mas

não o quero ver de novo. Não vou mais sair sozinha e dar chance a ele de

se aproximar...

5 de dezembro de 1848

O estranho é muito abusado! Logo que Doug saiu para o trabalho, bateu

na minha porta e pediu por um copo d´água. Disse que ia buscar e pedi

que esperasse do lado de fora. Mas ele não esperou. Entrou em casa, e me

agarrou na cozinha. Fiquei com muito medo, mas ele falava no meu

ouvido: Eu te quero, eu quero, e sei que você também quer, por que

resistir? Ele fez amor comigo ali mesmo. Depois me levou para o quarto, e

me amou na cama. Na nossa cama... minha e do Doug! Sou uma

vagabunda, uma prostituta! Estou me sentindo tão envergonhada... Tão

envergonhada de lembrar as coisas que fiz com ele... Coisas que eu nem

sabia... Eu não devia, não devia! Mas eu fui vencida, vencida por toda a

situação que venho passando desde o meu casamento. Doug não me trata

como sua mulher... O estranho me tratou! Deus, espero que os vizinhos

não tenham visto o estranho entrar e sair pela minha porta! Eu me

mataria, me mataria se alguém dissesse alguma coisa para o Doug. Ele é

um homem tão bom para mim, não merece essa traição!

6 de dezembro de 1848

Ele voltou hoje. Foi mais discreto. Nos amamos de novo, foi tão

prazeroso... Fiquei esperando por ele. Me disse que se chama David. Ele

não tem nem a metade da beleza do Doug, e nem é tão jovem quanto o

meu marido, mas tem uma coisa... e que coisa! Mas não posso comparar

com Doug, nunca nem vi para fazer algum comentário justo!

Acho o estranho tão diferente... A pele dele é mais fria que o normal e ele

nunca tira a camisa, mas é tão amável... Fiquei preocupada, mas ele me

disse que eu não me preocupasse. Disse que era estéril, por causa de

algum problema que tinha, que não ia me causar problemas, que

ninguém ia saber... Gosta de me amar de formas diferentes, quer ver

meu corpo, me beija em lugares que até me envergonham e me põe em

posições estranhas para um casal... Mas faz tudo ser tão bom! Estou me

sentindo muito, MUITO culpada! Preciso me confessar, mas nem tenho

coragem de dizer isso ao padre...

15 de dezembro de 1848

Achei que David estava desatento hoje. Notei algo de errado no olhar dele,

como se não conseguisse me enxergar mais... Perguntei, mas ele

desconversou. Me disse que acha que temos que tomar mais cuidado, que

alguma hora alguém pode vê-lo e contar ao meu marido. Acho que o amo,

o que vou fazer?

25 de dezembro de 1848

Noite passado eu e Doug fomos à festa da véspera na casa de Catharine.

Coisa de gente rica e fofoqueira. Sei que ela dá essas fes tas só para ter o

que comentar no dia seguinte. Eu não queria aceitar o convite, mas

Doug achou que seria deseducado não comparecermos. Disse-me que só

iríamos dar um ‘passadinha rápida’, e que logo íamos embora. Então fui.

E para minha surpresa, David estava lá... E foi a própria Catahrine quem

nos apresentou. Foi constrangedor! Mas acho que Doug não desconfiou

de nada. Mas e Catharine? Era muita coincidência, será que ela suspeita

de algo? Não quero nem pensar... David estava acompanhado de uma

mulher loira e alta. Acho que o nome dela era Aline, Alice... alguma coisa

assim... Não sei o que são um do outro, talvez seja a esposa dele... Como

me doeu vê-la! Mas o momento mais difícil foi quando Doug apertou a

mão dele. David ficou algum tempo olhando para o rosto do meu marido,

percebi que ele se sentiu um tanto mal, alguma coisa em Doug chamou-

lhe a atenção. Ele olhou para a mulher, e ela e ele ficaram se olhando, e

olhando para o Doug... Depois se foram... Eu pedi para ir embora. Doug

também ficou um tanto estranho depois desse encontro...

Ao Sr. e Sra Jones, Convido-os para nossa ceia natalina. Espero pela vossa presença,

Atenciosamente, Catharine.

29 de dezembro de 1848

Não vi mais o David, ele sumiu. Não consigo parar de pensar nele. Doug

nem repara minha desatenção, ele não se importa muito comigo...

1 de janeiro de 1849

Tinha esperança de ver David na festa de Reveillon na casa de Catahrine,

mas ele não estava lá. Acho que ele mentiu pra mim, ele só queria me

usar. Me sinto tão culpada por Doug! Preciso esquecê-lo...

3 de janeiro de 1849

David veio me procurar hoje. Fiquei feliz por um momento, embora eu não

aceite essa minha reação. Mas minha felicidade não durou muito. Ele

veio se desculpar comigo. Disse que tinha sido sincero e que sentia muito,

mas que havia cometido um engano, um grave engano! Achou que eu

era uma outra pessoa, uma pessoa a quem ele tinha muita estima. Que

tinha vindo de muito longe só para encontrá-la... Disse que tinha me

confundido! Eu me senti péssima! Como um homem se aproveita de mim

como ele fez e depois me diz que estava enganado? Que me confundiu

com outra? Aquilo foi o fim pra mim... Eu tinha posto tudo a perder por

causa dele, tinha me colocado em uma situação na qual eu jamais pensei

em me colocar! E ele vinha me dizer isso? O expulsei a socos da minha

casa, não quero mais vê-lo, e nunca mais vou fazer isto de novo. Me

sinto castigada pela infidelidade que cometi...

10 de janeiro de 1849

Doug anda diferente. Às vezes parece mais alegre, às vezes está quieto e

contemplativo. Ás vezes me abraça, e sinto nisso um tanto de culpa...

25 de janeiro de 1849

Emilie e eu conversamos bastante hoje. Preciso fazer mais visitas a ela,

isto me faz bem! Também precisava desabafar. Contei a ela tudo sobre

David. Ela até se espantou, disse que esperava isso de qualquer uma,

menos de mim. Mas não me criticou. Disse-me que fiz bem. Eu não acho.

Estou arrependida, eu disse. Emilie acha que Doug não me ama. Ela fica

insinuando que meu marido tem algum tipo de problema com as

mulheres, acha que Doug é ‘delicado’ demais, não acha que ele possa ter

uma amante. Eu já não tenho tanta certeza assim...

6 de fevereiro de 1849

Doug anda chegando mais tarde do trabalho. Agora deu de ficar no pub

com os amigos. Ando desconfiada, e ai dele se eu pegá-lo com alguma

vagabunda!

12 de fevereiro de 1849

Doug fez amor comigo ontem pela primeira vez. Foi inesperado; ele

chegou em casa e me puxou para o quarto, como se o mundo fosse acabar

dali cinco minutos. Estava apressado e tenso; veio da rua desse jeito. Foi

tudo muito rápido. Ele não conseguiu despertar o meu desejo como David

fez. Acho que também não o agradei. Isso me doeu muito... Depois que

acabou, ele se levantou e pediu friamente que eu preparasse o seu banho...

Eu fiz. Ainda não sei o que sentir a respeito disso...

16 de fevereiro de 1894

Achei um bilhete estranho no bolso de Doug, quando fui lavar as roupas

dele. Era um convite a um encontro no pub. Não foi o convite que me

incomodou. Foi a letra do bilhete, a letra de David! O que ele quer com

meu marido? Será que ele contou ao Doug sobre a minha traição? Meu

marido não disse nada, apenas permanece quieto e contemplativo. Acho

que um pouco deprimido também... Será que ele sabe?

21 de fevereiro de 1849

Descobri que meu marido e David estão se correspondendo por bilhetes! E

que andam se encontrando ora no pub, ora em um endereço a poucos

quarteirões de casa... Encontrei todos os bilhetes no meio de um dos

livros que Doug sempre pega, mas que nunca lê! O que ele anda

fazendo? Não gosto do tom dos bilhetes... Talvez eu devo ter entendido

errado, é um absurdo pensar uma coisa dessas! Amanhã vou segui -lo...

Preciso saber o que David quer com meu marido, mesmo que isso me

custe a honra!

O diário acaba nesta última página. Os próximos documentos estão soltos e dobrados no meio do caderno: Recorte de Jornal

THE TIMES 23 de fevereiro de 1849

a noite de ontem o

corpo de Douglas Gray

Jones, operário e

casado com Keira Mitchell

Jones, foi encontrado em

uma casa no bairro de West

London. O operário levou um

tiro no coração, a queima

roupa. Acreditasse que

existe um segundo corpo,

dado as características do

local do crime; subtraído

misteriosamente antes da

chegada da polícia. A

principal suspeita e

provável assassina é a

esposa, encontrada ao lado

do corpo, em estado de

desequilíbrio mental

profundo, e com a arma do

crime nas mãos. A polícia

não tem dúvidas com relação

ao ocorrido, ainda só não

sabe a motivação do

assassinato, mas acredita

que trata-se de crime

passional. A polícia ainda

investiga a possibilidade

do envolvimento de um

cúmplice ou ajudante, como

também de uma segunda

vítima.

N

Bilhete 1

Se quiser tomar uma cerveja e conversar, estarei no pub pelas seis. Gosto da sua amizade.

Bilhete 2

Gostaria de ver você mais uma vez. Prometo que será a última. Acho que as coisas ficaram mal resolvidas entre a gente, e gostaria de resolver-las antes de partir de Londres. Estarei esperando na rua Denmark 174. Por favor, espero vê-lo.

D.