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FICHA PARA IDENTIFICAÇÃO DA PRODUÇÃO DIDÁTICO – PEDAGÓGICA TURMA - PDE/2012
Título: Contos de Terror: Você tem medo de quê?
Autor Elenise Bensi Valle
Disciplina/Área Língua Portuguesa
Escola de Implementação do
Projeto e sua localização
Colégio Estadual João Marques da Silveira – EFM
Praça Expedicionário Eurides Fernandes do Nascimento,
nº 214, Centro
Município da escola Quatiguá
Núcleo Regional de Educação Jacarezinho
Professor Orientador Vera Maria Ramos Pinto
Instituição de Ensino Superior Universidade Estadual do Norte do Paraná - UENP
Resumo
Esta Unidade Didática apresenta uma proposta de trabalho
baseada no gênero textual conto, como uma alternativa de
enriquecer a leitura e aperfeiçoar, por meio do uso da
Sequência Didática, as práticas de escrita e produção oral,
visto que um dos problemas abordados constantemente na
escola é com relação ao desinteresse dos alunos pela leitura,
o que ocasiona dificuldades de aprendizagem e baixo
desempenho na compreensão dos textos que leem. Diante
desta realidade, o principal objetivo deste trabalho é motivar
os alunos para a leitura de textos literários, com ênfase nos
contos, ampliando seu conhecimento de mundo para que se
torne um leitor crítico e proficiente, capaz de produzir e
compreender textos com maior competência. Sendo assim,
estão previstas atividades que irão compor uma Unidade
Didática cuja sistematização do trabalho de implementação
pedagógica acontecerá em forma de Sequência Didática (SD),
baseada no modelo elaborado por Dolz, Noverraz e
Schneuwly (2004), e terá a finalidade de ajudar os alunos a
dominarem melhor o gênero conto, levando-se em conta as
experiências do educando fora do espaço escolar.
Palavras-chave Conto; Sequência Didática; Leitura e Produção textual
Formato do Material Didático Unidade Didática
Público Alvo
Alunos do 8º ano do Colégio Estadual João Marques da
Silveira - EFM
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
CONTO
Nesta unidade didática trabalharemos o gênero conto como uma
alternativa de enriquecer a leitura e aperfeiçoar as práticas de escrita e
produção oral. Elegemos o conto por ser acessível aos alunos pelo estilo de
linguagem, por sua estrutura, por ser um texto curto, que conduz o leitor à
descoberta de um novo sentido, além das condições de produção e circulação
do referido gênero.
Para a realização desta proposta didático-pedagógica, sugerimos uma
sequência didática que, conforme Schneuwely, Noverraz & Dolz (2004), “é um
conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em
torno de um gênero textual oral ou escrito”. Ainda, segundo os autores, “esta
sequência permitirá aos alunos a apropriação das noções, técnicas e
instrumentos necessários ao desenvolvimento de suas capacidades de
expressão oral e escrita, em situações de comunicação”.
Sendo assim, estão previstas atividades que irão compor uma Unidade
Didática cuja sistematização do trabalho de implementação pedagógica
acontecerá em forma de Sequência Didática (SD), baseada no modelo
elaborado por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), e terá a finalidade de ajudar
os alunos a dominarem melhor o gênero conto, levando-se em conta as
experiências do educando fora do espaço escolar.
A estrutura de base da Sequência Didática que utilizaremos na aplicação
da Unidade Didática seguirá as seguintes etapas:
1ª ETAPA: Apresentação da situação e seleção do gênero textual
A primeira aula é fundamental para o desenvolvimento do projeto, pois é
nela que o professor precisa conquistar os alunos e fazer com que eles se
envolvam na atividade.
Na apresentação da proposta, o professor inicia apresentando o gênero
conto, ressaltando a importância de ler e produzir textos deste gênero. É a
oportunidade para verificar se os alunos sabem em que situações sociais esses
textos são produzidos, com que finalidade, para quem ler, e em que suportes
textuais (livros, revistas, jornais, internet) são encontrados. O professor
também apresenta o plano de estudo do gênero, o objetivo da proposta e cada
uma das etapas de trabalho.
Para tornar a aula mais dinâmica e estimular o interesse dos alunos para
o trabalho com o conto, a aula terá início com um jogo chamado “Jogo Dim-
Dom” que é um jogo de coragem. O aluno terá quatro caminhos possíveis para
seguir e cada um deles o levará a uma situação diferente.
O final do jogo dependerá das opções que o aluno fizer. Depois de
jogar, o aluno escreverá resumidamente as partes do enredo de sua aventura,
de acordo com o ponto de partida e os caminhos que escolheu.
Após este momento, o professor fará a leitura do texto O Conto se
apresenta, de Moacyr Scliar. Em seguida, o conto será relido junto com os
alunos que o terão em mãos.
Nota ao professor: O jogo citado, (Jogo Dim-Dom), encontra-se no livro
didático Novo Diálogo, de Eliana Santos Beltrão e Tereza Gordilho, 6º ano,
páginas 14 e 15. O texto O Conto se apresenta, de Moacyr Scliar está
disponível na revista “Na Ponta do Lápis”, ano V – número 12, dezembro de
2009.
GÊNERO CONTO: CONCEITO
Você conhece o gênero Conto?
Assim como a novela e o romance são do tipo narrativo, assim também
o conto literário o é. Em contraste com o romance, que geralmente é mais
longo, o conto é mais curto, isto é, de configuração material narrativa pouco
extensa, historicamente verificável.
Essa característica de síntese traz outras: número reduzido de
personagens ou tipos; esquema temporal e ambiente econômico, muitas vezes
restrito; uma ou poucas ações, concentrando os eventos e não permitindo
intrigas secundárias. A limitação de extensão e síntese do conto tem a ver com
suas origens socioculturais e circunstâncias pragmáticas. Ele tem origem nos
casos/causos populares que, com sua função lúdica e moralizante, tanto
seduziam e seduzem o auditório presencial dos contadores de casos das
comunidades. Associa-se ao desejo humano de compartilhar acontecimentos,
sentimentos e ideias. Socioculturalmente, portanto, o conto literário tem sua
origem na cultura oral, enquanto o romance é regido pela cultura da
escrita/leitura.
Para Raúl Castagnino (1977 apud GOTLIB 2008, p.12), “o conto não se
refere só ao acontecido. Não tem compromisso com o evento real. Nele,
realidade e ficção não têm limites precisos. Um relato, copia-se; um conto,
inventa-se”.
De acordo com Gotlib (2008, p.13)
A história do conto pode se esboçar a partir deste critério de invenção, que foi se desenvolvendo. Antes, a criação do conto e a sua transmissão oral, depois, seu registro escrito. E posteriormente, a criação por escrito de contos, quando o narrador assumiu esta função: de contador-criador-escritor de contos, afirmando, então, o seu caráter literário.
Tipos de conto
O professor deverá explicar aos alunos que existem vários tipos de
contos:
Contos populares;
Contos de terror;
Contos de fadas;
Contos modernos.
Observação: O foco para essa sequência didática será nos contos de terror.
Atividades
Solicitar aos alunos que façam uma pesquisa com seus amigos e
familiares a respeito de histórias de tradição oral (histórias de medo,
terror, assombração, fantasmas, lugar mal-assombrado), para que,
posteriormente, possam comparar com os contos de terror que serão
trabalhados uma vez que este resulta desta temática. É aconselhável
certa antecedência nesta atividade para que a programação seguinte
não seja prejudicada.
Pedir aos alunos que reproduzam para a classe as histórias que ouviram
com seus familiares e amigos, (trabalhar entonação, ritmo, respiração,
gestual e outros recursos utilizados nas narrativas orais), socializando
com o grupo e exercitando a oralidade.
Após este momento de contação de histórias, discutir o tema medo sob
vários aspectos: o que é medo? quem sente medo? de quê? e quem
provoca medo? Como as pessoas enfrentam esse sentimento e o medo
como uma forma de se proteger dos perigos. Estimular os alunos para
que cada um possa falar à vontade.
Em seguida, mostrar aos alunos o que diz o dicionário: O que é medo?
Medo: Sentimento de viva inquietação ante a noção de perigo real ou
imaginário, de ameaça; terror, susto, pavor, receio. (AURÉLIO, 1988).
Nota ao professor: Aqui estão algumas sugestões de vídeos e livro cuja
temática é o medo. Seria uma boa opção para este momento do trabalho.
Livro: Quem tem medo de quê?, de Ruth Rocha
Este livro conta uma história, rimada e em versos, que aborda diversos
aspectos do medo. Afinal, todo mundo, de alguma forma, sente medo. E então,
como é que devemos tratar o medo?
Neste site, http://www2.uol.com.br/ruthrocha, é possível acessar 19
histórias de Ruth Rocha, ouvir histórias, além de conter outras atividades como
cruzadinhas, charadas, forme palavras, palavras mutantes, fotos e biografia da
escritora. Acesso em 28/09/2012.
Vídeos:
Turma da Mônica em, O Vampiro
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=UnGIhN-6t6M, acesso em
28/09/2012.
Turma da Mônica em, O Plano Sangrento
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=8naf-09RTjo, acesso em
28/09/2012.
Atividade
Neste momento do trabalho, sugerimos a realização de uma palestra
com uma psicóloga para falar sobre os medos, anseios e dúvidas próprios
da adolescência.
Conceituando o gênero conto
O professor dividirá os alunos em pequenos grupos para ouvir um conto
de Cora Coralina. Antes, porém, o professor lerá para os alunos o título do
conto Medo e deverá propor aos grupos que prevejam fatos, acontecimentos,
ações e personagens da narrativa. O objetivo desta atividade é envolver os
alunos, trazendo o contexto da história a ser trabalhada e ajudando-os a
compreender seu sentido.
Lembrete: O conto Medo, de Cora Coralina, encontra-se no CD que é parte
integrante da revista Na Ponta do Lápis nº 12, dezembro de 2009.
Faz-se necessário conhecer um pouco sobre a autora do texto, a grande
poetisa e contista Cora Coralina (pseudônimo de Ana Lins dos
Guimarães Peixoto Bretas).
Biografia de Cora Coralina
Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas – Goiás (GO), 1889; Goiânia
(GO), 1985. Poeta, contista e cronista. Impedida de frequentar regularmente a
escola, descobriu a literatura lendo os almanaques encontrados em sua casa.
Publicou seus primeiros poemas no jornal O Paiz, em 1910, e adotou o
pseudônimo Cora Coralina. Mudou-se para Jaboticabal (SP), onde permaneceu
até meados da década de 1920, e depois se transferiu para a cidade de São
Paulo.
Nesse período publicou artigos no jornal O Democrata, no periódico
Notícia Goiana e colaborou no jornal O Estado de S. Paulo. No ano de 1936,
conheceu o editor José Olympio (1902-1990) e passou a trabalhar como
vendedora de livros da editora dele. Nessa mesma época foi para Penápolis
(SP) e trabalhou como colaboradora no jornal O Penapolense. Posteriormente
instalou-se na cidade de Andradina (SP) e publicou artigos e poesias no Jornal
da Região. Em 1954 mudou-se novamente para a cidade de Goiás e
apresentou seus poemas para Antônio Olavo Pereira (1913-1993),
representante da Editora José Olympio em São Paulo, que, em 1965, publicou
o livro de estreia de Cora, Poemas dos becos de Goiás e outras histórias mais.
Disponível na revista Na Ponta do Lápis, ano V- número 12 dezembro
de 2009 ou no site www.escrevendoofuturo.org.br, acesso em 20/11/2012.
Após ouvir o conto e conhecer a biografia da autora, este é o momento
de distribuir o texto aos alunos para a leitura em voz alta, realçando as vozes
do narrador da história e da personagem, ou seja, de praticar a oralidade.
Nota ao professor: O texto Medo, de Cora Coralina poderá ser encontrado na
revista Na Ponta do Lápis, ano V- número 12, dezembro de 2009; no site
www.escrevendoofuturo.org.br ou no livro O tesouro da casa velha / Cora
Coralina. 5 ed. – (Seleção Dalila Teles Veras). São Paulo: Global, 2002.
A partir da leitura, apresentar as características do conto dentro do texto:
- narrativa curta
- poucos personagens
- tempo e espaço limitados
Narrativa estruturada em:
- introdução (apresentação)
- desenvolvimento (clímax)
- conclusão (desfecho)
Dramatização do conto
Reconhecimento do gênero textual conto
Estudo do texto
a) O conto Medo, de Cora Coralina é narrado em primeira ou terceira pessoa?
Transcreva do texto palavras que justificam sua resposta.
b) Quem participa dessa narrativa?
c) Observe os verbos empregados no texto e responda: Em que pessoa estão
as formas verbais?
d) Onde e quando acontecem os fatos?
e) Que palavras a autora utiliza para descrever o ambiente onde se desenrola a
história?
f) Quais os recursos utilizados pela autora para criar um clima de temor e
suspense no leitor?
g) O enredo do conto tradicional estrutura-se com base nas seguintes partes:
Introdução
complicação (ou desenvolvimento)
clímax e
desfecho
Identifique, nesse conto, o clímax, isto é, o fato que causou maior tensão na
história.
h) Como é o desfecho do conto lido? Ocorre a solução do conflito ou o final é
aberto para que o leitor tire as suas conclusões?
i) Você já ouviu ou leu algum caso semelhante ao que é narrado nesse conto?
Como você reagiria se estivesse no lugar dos personagens?
j) Você já passou por alguma situação que tenha sentido muito medo?
Descreva as sensações que teve nessa circunstância e como você lidou com
elas.
Produção inicial
Os alunos escreverão uma história (estranha, de algum fato
sobrenatural, de terror, medo, assombração) que conheçam. As narrativas
orais colhidas pelos alunos com seus familiares serão passadas para o papel.
Esta primeira produção escrita aponta o que os alunos já sabem sobre o
gênero, é importante para que os alunos avaliem sua própria escrita, percebam
o que é preciso melhorar e dá dicas para que o professor possa intervir no
processo de aprendizagem.
Outra dica é dar o início de uma história para que eles possam criar um
novo final. O importante nessas modificações não é a coincidência entre
o fim original e o criado pelo aluno, mas a coerência entre o desenrolar
da história e o novo final. Uma sugestão para esta atividade seria o
conto A história de Tonhão, Miguelito e a Caveira, do livro Procurando
Assombração e outras histórias, de Márcia Batista.
Lembrete: É importante lembrar aos alunos que cada gênero tem suas
características próprias. Isso porque a situação de produção também varia:
quem escreve, para quem escreve (pais, professores, pessoas da
comunidade), com que finalidade escreve (divertir, informar, convencer), e,
finalmente, onde será publicado (livro, revista, jornal da cidade, mural da
escola).
Após a produção escrita realizada anteriormente, propomos uma quebra
na sequência. Vamos trabalhar com outro gênero: a pintura.
Edvard Munch (1863-1944). Pintor norueguês, um dos precursores do
Expressionismo. Em 1893 pintou “O Grito”, sua obra máxima, que retrata a
angústia do artista em relação ao amor e à amizade. O quadro se tornou
bastante popular, como símbolo do desespero humano.
Edvard Munch – O Grito, 1893
Disponível em:
http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/modules/mylinks/viewcat.php?cid=4&l
etter=E, acesso em 13/11/2012.
Atividade Interdisciplinar: Com ajuda do professor de Arte, os alunos podem
se dividir em grupos para realizar uma pesquisa, em livros ou na internet, sobre
o Expressionismo.
Atividades sobre a pintura O Grito, de Edvard Munch
a) Observe a pintura O Grito, de Munch. Podemos supor que o ser
representado sente medo?
b) Cada pessoa tem sensações diferentes diante de um quadro. Quais são as
suas sensações diante dessa obra?
c) Na sua opinião, essas sensações se devem principalmente a quê? Às
cores? Às figuras selecionadas para compor o assunto? Ou a outro motivo?
d) Olhe o quadro com atenção e descreva a cena representada.
Após a análise da pintura, vamos trabalhar com os aspectos descritivos.
O professor pedirá que os alunos façam, oralmente, a descrição de
imagens de espaços e personagens relacionadas ao contexto das
histórias de terror (casas assombradas, ambientes sombrios, pessoas
soturnas), a fim de perceberem o quanto é relevante a presença da
descrição nos contos. Estas imagens serão apresentadas utilizando a
TV Pendrive.
Pesquisa sobre o gênero
Organizar um horário para levar os alunos à biblioteca a fim de conhecer
o material existente sobre contos de terror.
Levar o material para a classe a fim de promover um momento de leitura
e seleção de contos de terror que caíram ao gosto dos alunos.
Lembrete: Antes da visita à biblioteca, deve-se ter o cuidado de selecionar os
materiais – livros de contos de terror – para que os alunos manuseiem, leiam,
divirtam-se e percebam, ainda que intuitivamente, as características dos contos
de terror. E também o professor deve estar atento e observar qual livro de
conto os alunos mais gostaram.
Neste momento será apresentado um novo conto de terror para leitura:
O Retrato Oval, de Edgar Allan Poe, escritor norte-americano do século
XIX, que é considerado o mestre do fantástico e sobrenatural.
O RETRATO OVAL
O castelo em que meu criado ousara entrar à força, para não permitir
que eu, nas condições de ferido desesperado, transcorresse a noite ao relento,
era um daqueles aglomerados de melancolia e grandeza que há longo tempo
franzem as sobrancelhas entre os Apeninos, tanto, realmente, quanto na
imaginação da Sra. Radcliffe. Sem dúvida, fora abandonado por algum tempo e
havia pouco. Entramos num dos aposentos menores e menos suntuosamente
mobiliados, situado numa das torres. Tinha decorações luxuosas, mas
dilaceradas, velhas. As paredes exibiam tapetes e numerosos e multiformes
troféus de armas, ao lado de extraordinária quantidade de interessantes
pinturas modernas em molduras de valioso arabesco de ouro. Naquelas
pinturas, que não pendiam apenas da superfície principal das paredes, senão
também de inúmeros nichos inevitáveis em virtude da estranha arquitetura do
castelo, naquelas pinturas o meu incipiente delírio me levara a absorver-me
com profundo interesse, tanto que roguei a Pedro que fechasse os pesados
postigos do aposento – já era noite -, acendesse as velas de um candelabro
posto à cabeceira do meu leito, e escancarasse as pesadas cortinas franjadas,
de veludo negro, que o envolviam. Assim mandara para resignar-me, se não a
dormir, pelo menos a alternadamente contemplar as pinturas e folhear um
volumezinho encontrado sobre o travesseiro, e cujo objetivo era criticá-las e
descrevê-las.
Durante longo tempo li, e devotamente contemplei. As horas passavam
depressa e maravilhosamente. Aproximava-se a sombria meia-noite. De súbito,
desagradando-me a posição do candelabro, estirei o braço com dificuldade,
para não importunar o criado quase adormecido, e coloquei-o de tal forma que
os raios de luz incidissem mais diretamente sobre o livro.
O gesto produziu um efeito totalmente inesperado. Os raios das
numerosas velas (eram muitas) caíram num nicho até então imerso na mais
densa treva por uma das colunas do leito. Vi, assim, em plena luz um quadro, o
retrato de uma jovem que desabrochava na feminilidade. Olhei para ele
rapidamente, e fechei os olhos. À minha própria percepção não se patenteou o
motivo pelo qual procedi daquela maneira. De pálpebras cerradas, examinei a
razão que tinha me levado a cerrá-las. Fora um movimento impulsivo destinado
a me dar tempo de pensar, de certificar-me de me não haver iludido aquela
visão, de me acalmar, e restringir a fantasia a uma contemplação mais sóbria e
segura. Ao cabo de alguns momentos, examinei novamente a pintura.
Não podia nem queria duvidar do que estava vendo bem, pois o primeiro
embate da luz das velas na tela parecera dissipar a modorra que me ia
dominando os sentidos e projetar-me novo em plena vida desperta.
Como já disse, o retrato era o de uma jovem mulher, e apresentava
apenas a cabeça e os ombros, no estilo chamado tecnicamente vignette, quase
nos moldes das cabeças favoritas de Sully. Os braços, o seio, e até as pontas
dos formosos cabelos se desfaziam imperceptivelmente na sombra vaga, e
entretanto profunda, que constituía o fundo do quadro. A moldura era oval,
ricamente dourada e de filigrana mourisca. Como obra de arte, nada podia ser
mais admirável que aquela pintura, mas o que tão súbita e veementemente me
impelira não era a execução do trabalho, nem a imortal formosura do porte.
Menos ainda podia a minha imaginação, sacudida da sonolência, confundir a
cabeça com a de uma pessoa viva. Percebi logo que as peculiaridades do
desenho, da vignette e da estrutura, deveriam ter instantaneamente afastado
aquela ideia, deveriam até ter evitado a sua momentânea duração. Refletindo
seriamente em tais pontos, fiquei, por meia hora talvez, quase sentado, quase
reclinado, de olhos fitos no retrato. Por fim, satisfeito com o verdadeiro segredo
do seu efeito, deitei-me. Descobrira que o encanto da pintura estava numa
absoluta naturalidade de expressão a qual, a princípio surpreendente, acabara
por me confundir, vencer e assustar. Com profundo e reverente assombro,
recoloquei o candelabro na posição primitiva. Eliminada a causa da minha
grande agitação, peguei ansiosamente o volume que discutia as pinturas e os
fatos a elas referentes e, voltando-me para o número que designava o retrato
oval, li estas vagas e estranhas palavras:
“Era uma criatura da mais rara beleza, amável e alegre. Fatídica a hora
em que viu, amou e desposou o pintor. Ele, apaixonado, estudioso, severo, já
com uma noiva na Arte, ela jovem da mais rara beleza, amável e alegre, toda
luminosidade e sorriso, e inquieta como a corça, amante e apreciadora de
todas as coisas, odiando apenas a Arte, que lhe era rival, temendo apenas a
paleta e os pincéis, e as tintas que lhe roubavam o olhar do homem querido.
Foi-lhe terrível ouvir um dia o pintor exprimir o desejo de retratá-la. Mas,
humilde e submissa, sentou-se por inúmeras semanas na sala da sombria torre
onde a luz só do alto é que incidia na tela branca. Quanto a ele, o pintor,
entusiasmava-se de hora para hora, de dia para dia, com o constante trabalho.
Homem apaixonado, estranho, taciturno, perdia-se em devaneios; não queria
ver que a luz que tão fantasticamente penetrava a torre isolada ia minando a
saúde e a vivacidade da noiva, a qual definhava visivelmente para todos,
menos para ele. Apesar disso, ela continuava a sorrir, sem uma queixa, vendo
que o pintor (que gozava de grande reputação) demonstrava ardente satisfação
no trabalho, lidando dia e noite para pintar a mulher que tanto o amava, e que
todos os dias perdia mais a vivacidade e as forças. Realmente, alguns, ao
contemplarem o retrato, falavam baixinho da portentosa semelhança, prova do
vigor do artista e do seu profundo amor à criatura por ele tão insuperavelmente
bem pintada. Por fim, quando a obra se aproximou do término, ninguém mais
foi admitido à torre; o pintor, fora de si de entusiasmo, só raramente tirava da
tela os olhos, mesmo para contemplar o aspecto da esposa. E não queria ver
que as tintas espalhadas na tela saíam das faces da criatura. Ao cabo de
várias semanas, faltando pouco para o fim, uma pincelada na boca e um
retoque num dos olhos, o espírito da jovem bruxuleou mais uma vez, como
chama de vela. Acabaram-se pincelada e retoque; por um momento, o pintor
deteve-se, extasiado, diante do trabalho; no momento seguinte, estando ainda
a contemplá-lo, estremeceu, empalideceu mortalmente, e, horrorizado, bradou:
“- Isto é a própria Vida!”
Voltou-se, então, para a criatura adorada: Ela estava morta!”
Extraído do livro Assassinatos na Rua Morgue e outras histórias /Edgar
Allan Poe; tradução Aldo Della Nina. – São Paulo: Saraiva, 2006.
Conhecendo o autor
Edgar Allan Poe
Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Edgar_Allan_Poe, acesso em
20/11/2012.
O escritor e poeta americano Edgar Allan Poe (1809-1849) ficou famoso
por suas histórias de terror e de mistério, como “O Gato Preto”. Ele também
escreveu poemas e histórias policiais que fizeram muito sucesso.
Poe influenciou muitos autores e até hoje ainda é uma referência para
escritores de terror e diretores de filmes do gênero. Seu conto “A queda da
casa de Usher” e seu poema “O corvo”, por exemplo, foram adaptados e se
tornaram filmes de cinema e de TV.
2ª ETAPA – Desenvolvimento de módulos com atividade de leitura e
análise linguística
a) Neste texto, existem duas histórias. Quais são elas?
b) O narrador ou narradores dessas histórias só observa(m) os fatos ou
também participa(m) deles? Justifique sua resposta.
c) Onde acontecem os fatos narrados? Como se caracteriza esse lugar?
d) Transcreva trechos do texto em que a descrição se faz presente.
e) Você acha que a descrição é importante neste conto? Por quê?
f) Na narrativa que você acabou de ler, há elementos que são característicos
de histórias de terror.
Quanto às personagens, identifique uma delas e justifique sua escolha.
No que diz respeito ao espaço em que a história se passa, identifique-o
e explique por que ele foi escolhido pelo autor para essa narrativa.
g) Como o autor descreve a moça do retrato oval?
h) De acordo com o narrador, em que consistia a mágica da pintura?
i) Que sentimentos a expressão da moça despertou no narrador?
j) Qual era, afinal, o segredo do retrato oval?
k) Há no conto uma indicação do momento (tempo) em que se passa a ação?
l) Em que suporte de circulação (veículo) o conto costuma ser publicado?
m) Observe a linguagem do conto lido.
Que tipo de variedade linguística foi empregada?
Que tempo verbal predomina nesse conto?
n) Gradação: Consiste no emprego de palavras que intensificam (gradação
crescente) ou reduzem (gradação decrescente) a significação do que
queremos exprimir:
Ex: Pedi, implorei, solucei a seus pés; ele nada cedeu.
Observe esta sequência de verbos do texto:
“... acabara por me confundir, vencer e assustar”.
Os verbos destacados, que expressam sentimentos, estão em ordem
crescente ou decrescente?
Escreva uma frase onde apareça um exemplo de gradação.
o) Copie do texto O retrato oval palavras que você desconhece, em seguida
procure no dicionário o seu significado.
p) Reúna-se com um colega e juntos concluam: Quais são as características do
conto? Respondam observando os seguintes critérios: finalidade do gênero,
perfil dos interlocutores, suporte ou veículo, tema, estrutura e linguagem.
q) Qual das narrativas lida (O Medo, de Cora Coralina e O Retrato Oval, de
Edgard Allan Poe) prendeu de maneira mais intensa a sua atenção?
r) Que aspectos do texto você destacaria como decisivos para sua escolha?
Observação: Outras atividades de análise linguística serão acrescentadas
após a correção da produção inicial dos alunos.
Ampliando leituras
Para ampliar suas leituras, aqui estão algumas sugestões de contos:
O gato preto, de Edgar Allan Poe
O escaravelho de ouro, de Edgar Allan Poe
O barril de Amontillado, de Edgar Allan Poe
A queda da Casa de Usher, de Edgar Allan Poe
Os crimes da rua Morgue, de Edgar Allan Poe
Vovó Maria, de Heloísa Prieto
Devolva minha aliança, de Rosa Amanda Strausz
A caçada, de Lygia Fagundes Telles
3ª ETAPA – Produção final: reescrita dos textos
Nesta etapa, os alunos já realizaram atividades diversificadas que lhes
permitiram refletir a respeito das características próprias dos contos de terror.
Nesta aula, eles farão a releitura e a reescrita de seus próprios textos, tendo
em vista enriquecê-los a partir desse novo repertório.
Esta atividade é importante para que se possa verificar através de uma
análise linguística como se encontra a escrita dos alunos e também a
capacidade de organização das ideias e a noção textual do gênero conto.
Cada aluno fará a revisão do seu texto. Para ajudar nesta tarefa, deverá
seguir o roteiro abaixo:
1- Personagem
Na sua história existe um personagem inquietante?
2- Descrição de personagem
As personagens foram bem caracterizadas?
3- Tema
O assunto da história é aterrorizante?
4- Tempo
O texto traz palavras ou expressões que situam o leitor no tempo?
5- Espaço
A descrição do espaço cria uma atmosfera apropriada à história?
6- Narrador
O emprego da primeira ou terceira pessoa se mantém ao longo da
narrativa?
7- Sequência narrativa
Há uma situação inicial, um conflito e uma resolução final?
Nota ao professor: Depois do trabalho de revisão, seria interessante que os
alunos sentassem em duplas e, antes das alterações finais, trocassem os
textos, possibilitando sugestões.
Divididos em grupos pequenos, cada aluno deverá fazer a leitura do seu
texto para os colegas. O grupo escolherá o melhor para ser lido para a
classe. Após a escolha, deverão ser definidas estratégias para a leitura,
como, a adequação do tom de voz a um determinado trecho da história,
representando medo, pavor, susto, ansiedade, etc.
Após a produção escrita dos alunos, o professor poderá escolher o
melhor conto e pedir para que o aluno escritor convide alguns de seus
colegas para dramatizar seu texto e socializar com o grupo de alunos na
sala de aula.
CIRCULAÇÃO DO GÊNERO
Os trabalhos produzidos pelos alunos serão apresentados em evento
realizado na escola e com a possibilidade da divulgação no jornal e rádio
locais.
REFERÊNCIAS
BATISTA, Márcia. Procurando Assombração e outras histórias – São Paulo:
Livraria Saraiva, 2007.
BELTRÃO, Eliana Santos. Novo Diálogo / Eliana Santos Beltrão, Tereza
Gordilho. – 1 Ed. – São Paulo: FTD, 2006. – (Coleção novo diálogo: língua
portuguesa).
COSTA, Sérgio Roberto. Dicionário de gêneros textuais. 2 ed. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2009.
DOLZ, Joaquim; NOVERRAZ, Michele; SCHNEUWLY, Bernard. Sequências
didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In:
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