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CAPITULO ~ AN ...C (_ p - r )1 A razdo de ser da arte nunca permanece inteiramente a mesma. A fU11fao da arte, numa sociedade em que a luta de classes se agur;a, difere, em muitos aspectos, da fU11fao ori inal da arte. No entanto, a despeito das situadies sociais diferentes, h a al uma coisa na arte que expressa uma verdade permanente. E e essa coisa que nos possibilita - nos, que vivemos no seculo X X - 0 comovermo-nos com as pinturas pre-historicas das cavernas e com antiqiilssimas candies. Ernst Fischer Introdu~ao As obras de arte, desde a Antiguidade ate hoje, ;em semEre tiveram a mesma fun<;:ao. Ora serviram para contar uma hist6ria, ora para re- memorar urn acontecimento illlQortante, QliL,. para despertar 0 sentimento religioso ou civico. Foi s6 no seculo x x que a obra de arte j2assou a ser considerada urn objeto desvinculado des- S;;-interesses nao-arti ticos, urn objeto propici- aaor de uma experiencia estetiea por seus valo- res intrinsecos. ~do, portanto do 12rop6sito e do tipo'~m se j2roxima e r e uma obra de arte, odemos distin@ir tres. func,:oes principais para a arte: 12rag~ ou utilitaria, naturalista e formal is ta. , " ~ 1. Fun~ao pragmatica ou ut ilitar ia Dentro desta visao, a arte serve ou e util para'se alcan.;;ar urn fim ~ao-artistico, isto e, ela~ nao e valoriza a Ror si mesma, mas s {; comQ, Iii'"eiode se alcan<;:aruma outr a finalidade. 9~ fins nao-artisticos variam muito no curso da his- t6ria. Na Idade Media, or exemplo, na medida em que a maior parte da populacao dos feudos era analfabeta; a arte serviu para ensinar os prin- cipais preceitos da religiao cat6lica e para relatar as ist6rias biblicas. Esta e uma finalidade peda- g6gica da arte. Na epoca da Contra-Reforma, a arte bar- roea foi muito utilizada para emocionar os fieis, mostrando-lhes a grandeza e a riqueza do reino do ceu, numa tentativa de segura-los dentro da religiao cat6lica, arneacada pela Reforma pro- testante. Na medida em que os argumentos ra- cionais nao conseguiam se manter de pe diante das criticas dos protestantes, a via que restava para a Igreja cat6lica era a emocional. Esse e urn exemplo da arte sendo usada para finalidades religiosas. No 'inicio do seculo XX, por ocasiao da im- plantacao das republic as sovieticas, 0 "realismo socialista" teve por finalidade retratar a melhoria das condicoes de vida do trabalhador e as princi- paisfiguras da revolucao socialistacomo um meio para desper tar 0 sentimento civico e manter a lealdade da populacao. A pr6pria arte engajada, que floresceu entre n6s no final de 1950 e inicio da decada de 1960, pretendia conscientizar a po- pulacao sobre sua situacao socioeconomica. Vela a Figura 5, a poqir o 403. Hoje, ainda, mesmo que educadores este- jam convencidos da importancia da arte na vida de todos os cidadaos, tanto por seu poder de nos fazer compreender imediata e intuitivamente certas questoes colocadas ao ser humano em cada epoca como pelo prazer derivado do contato

Filosofando 07

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A func;:aonaturalista refere-seaos interesses,

p~conteudo da obra, ou seja,_F,1eloue a obr~

retrata, em detrim ento da sua forma ou modo

aeapresenta<;ao. Finalmente, 0 interesse formahsta, c0trl0 0,A bbra e encarada como urn espelho, gue proprio nome indica, preocupa-se com a forma

reflete a realidade enos remete diretamente a Cleapresenta<;aoda obra. Como ja vimos no 'CapI:""

~la. Em outras palavras, a obra tern funyao ref~ tu 030 - Arte como forma de pensamento, ~

rencial de nos enviar pari fora do mundo artis-, forma contribui decisivamente Rara0significado

tico, Rara 0 munclo dos objetos retratados. Por c i a obra de arte e,portanto, eo unico dos interesses

isso, uma escultura de D. Pedro I, por exemplo, que se ocupa da arte enquanto tal e por motivos

serviria, dentro dessa perspectiva, para nos re- que nao sao estranhos ao ambito artistico,

meter ao homem e ao politico, ao que ele re- ~.sse l2onto de vista buscamos, em cada obra, ,

presentou num deterrninado momenta histori- os principios que regem sua organiza<;ao interna:

co brasileiro. Deixariamos em segundo plano a os elementos <;J~ram em sua comRosi<;aoeleitura propriamente dita da escultura, isto e, ,~c6es entre eles.Nao importa 0 tipo de Q Q r i l .

valores como qualidade tecnica, expressividade, .analisado: 12ictorico, escultorico, arguitetonifQ,

criatividade etc., pois 0 nosso interesse estaria musical, teatral, cinematografico etc.:rodos com-

voltado somente para 0assunto tratado. portam uma estruturas;ao interna de sigDoSsel~-

Essa atitude perante a arte surge bastante 'cionados a partir de urn c§digo eS12ecifico.

cedo. Como veremos no Capitulo 33 - Con- f : : I i . nessa fun<;ao,uma valoriza<;ao da expe-cepcoes esteticas, ela aparece na Grecia, no se- riencia estetica como urn momenta em que, pela

culo V a.c., nas esculturas e pinturas que "imi- '~cep¥ao e pela intui<;ao, temos uma ccins=

tam" ou "copiam" a realidade. Essa tendencia 'ciencia intensificada do mundo: Embora a ex-

caracterizou a arte ocidental ate meados do se- periencia estetica propicie 0 conhecimento do

culo XIX, quando surgiu a fotografia. A partir que nos rodeia, este conhecimento nao pode

de entao, a funcao da arte, especialmente da pin-ser formulado em termos teoricos porque ele e1tura, teve de ser repensada e houve uma ruptura imediato, concreto e sensivel (ver Capitulo 30

r: do naturalismo. - Arte como forma de ).

. ,'(/ , , l '~"l </" ,c.e\t.{~, d<..-/Ll.-M o.A - A- (0vllV\.A.5l o U , ~ ~ <-i,.<.J? ! ~Ml/~K

.Y.>, - r - . : . . o.« )' , ", 'C-"~' ~q- ;vbV\..F-Vi/It'.:zIViI, c-: • '.Nv l j

o , / I I \ T ' " ~ . .

'-r"com obras de arte que nos encantam, permane-

cern os argumentos de que a arte e rneio de

ocupar 0 tempo de criancas carentes para que

se afastem da crirninalidade, ou que 0 trabalho

com arte desenvolve habilidades manuais que

mais tarde poderao ser aproveitadas na vida util,

ou seja,profissional. Estes continuam sendo usosda arte para outros fins.

Portanto, as finalidades a service das gu~

arte pode estar 'podem ser pecfagoglcas, religio-

sas, p olitic a s ou sociais. ;.~~;

. Nessa perspectiva, quais seriam oscriterios para

se avaharuma obra de arte? Essescriterios tambe~

sao exteriores a obra: 0priterio morddo"'" 'VaiOt d; }

firl]iaaae-~e a lllia1i~e for boa,a ob~

e boa); e oj::riterio de e{iauia da obra em rela<;ao~

f~§ildaatlse 0 fim for atingido, a obra e boa).Como vemos, em nenhum nlomento, con-

forme esse tipo de interesse, a oora e encarada

do ponto de vista estetico,

2. Fun~aonaturalista

),~, Yt4c-- 6.lh~J..9'"UNIDADE VI - ESTETICA

1 kJJ-

.~ tU Y\,f~ ul< -t~~ A _ ~ n ~ f T ( C

~ J . ~ ~ : .u~CL:J((y{.;; ~ ~.I2.,J,-=Y~~P.~)

vejo a Figura 6,

a pcqino 403.

Os criterios de avaliayao de uma obra de

arte do ponto de vista da funs:ao naturalista sao:

a corre{ao da representacao (se e 0 assunto que

nos interessa, deve ser representado corretamente

p~ra que possamos identifica-lo); a~nte irezaJou

sa qualidade de ser inteiro, integ~o (0 assun-

t? deve ·ser representado por inteiro); e 0 (vigo!;\,

que confere urn poder de persuasao (especial-

_ . - - - - - - - ------.,.._..,;..

mente se a situa<;ao representada for imagina-. ! E h Urn exemplo deste ultimo e a figura do

E.T., no filme de mesmo nome de Spielberg.

Ele foi representado com tamanho vigor que

ficamos convencidos da possibilidade de sua

existencia, enternecemo-nos com suas aventu-

ras e torcemos por ele ate 0 final.

3. Fun~aoformalista

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FILOSOFANDO

ocriterio pelo qual wna obra de arte seraava-liadi, na perspectiva formalista, e sua capacidade de

sustentar a contemplayao estetica de wn ublico

cuja sensi 'dade sejaeducada e madura, i~, ~

co eya varios codlgos e esteja dis orrivel~ara_en-

'Entrar na propria obra suasreg!:asde orgarnzayao.

Como exemplo, para ilustrar essafuncao, va-mos analisar urn samba da bossa nova, Sam ba d e

um a nota 5 6 , de Antonio Carlos Jobim e Newton

Mendonca, gravado por joao Gilberto.

Samba de uma nota s6

1 Eis aqui este sambinha

2 Feito numa nota s6

3 Outras notas VaG entrar

4 Mas a base e uma s65 Esta outra e consequencia6 Do que acabo de dizer

7 Como eu sou a consequencia

8 Inevitavel de voce.

9 Muita gente existe por a f

10 Que fala, fala e nao diznada, ou quase nada

11 Ja me utilizei de toda a escala

12 E no final nao sobrou nada, nao deu em nada

13 E voltei pra minha nota

14 Como eu volto pra voce

15 Vou mostrar com a minha nota

16 Como eu gosto de voce17Quemquisertodasasnotas- re,mi,fa,sol,la,si,d6

18 Ficasempre semnenhuma. Fiquenuma nota s6.

Em primeiro lugar, precisamos estabelecer

o quadro de referencias a partir do qual vamos

proceder a analise, quadro este que e dado pela

propria obra.

E uma cancao, com musica e letra. E uma

composicao musical popular, portanto urbana, de

ficil entendimento, inserida no processo de co-

municacao de massa. E music a da classe media

do Rio de Janeiro, com ideologia pequeno-bur-

guesa, individualista, sem preocupacao social.Per-

tence a bossa nova, cujas propostas principais sao:• fazer uma renovacao na MPB a partir da

incorporacao de elementos do jazz, como a

improvisacao, os acordes dissonantes;

• ser rnusica cameristica(aocontrario do mode-

1 0 operistico), intimista, para pequenos ambientes;

• usaruma batida diferentedo sambatradicional;

• integrar harmonia-ritrno-melodia e contra-

ponto (a melodia nao e conduzida pelo ritmo);

• integrar voz,instrumento e arranjo, de for-

ma que urn complete 0 outro, enriquecendo 0

resultado final.

oprimeiro aspecto que notarnos no Samba d e

um a nota 5 0 e que letra e musica estao estreitamente

ligadas,uma comentando ou ilustrando os procedi-

mentos daoutra, Paraentender isso,e precisoouvi-lo.

Durante osprimeiros quatro versos,a rnusica acom-

panha a ideiade serfeitasobreuma nota so.Os versos

5 e 6 sao acompanhados de uma mudanca, e os ver-sos 7 e 8 voltam para a nota base, relacionando a

complementaridade dasnotas com a complementa-

ridade dos participantes de uma relacaoamorosa (eu

e voce) e introduzindo 0 aspecto individualista.

A melodia que acompanha os quatro ver-

sos seguintes (9, 10, 11 e 12) utiliza toda a escala

musical, fazendo um contraponto ao resto da

composicao, ao mesmo tempo que ilustra a le-

tra. Nao e a variedade de notas utilizadas em

uma cornposicao que the confere valor estetico.Em seguida, como dizem os versos 13,14,

15 e 16, volta-se a nota base, introduzindo-se

outra vez 0 terna amoroso.

Por meio da analogia entre as notas e os

amores, os versos finais e 0 fim da melodia vol-

tam a repetir os mesmos procedimentos ja mos-

trados.O segundo aspecto que esta analise evi-

dencia e que, ao comentar e ilustrar os procedi-

mentos desta criacao musical, a composicao es-

clarece alguns dos proprios principios da bossanova que, na epoca, vinham sendo criticados por

fugirem dos padroes de samba aceitos ate entao,

A interpretacao dejoao Gilberto e perfeita:af i-

nada,contida,clara,transmitindo asnuances emocio-

nais sem exageros.0proprio amor ai cantado e de-

clarado de forma simples,sem osarroubos caracteris-

ticos do samba-cancao, Podemos, por essasrazoes,

perceber que a obra apresentauma unidade orginica

(entre forma musical e letra) perceptivel ao ouvido

treinado,que se encanta ao deparar com ela.

Conclusao

E apenas do ponto de vista didatico Q.l!L,

p.2_demosseRarar as fun~oes da arte~Na verdade

ylas podem se apresentar junt~. As vezes, para

que uma obra tenha finaligade pedagogica, por

exemplo, ela precisa ter funyao naturalista. Q ! : !: : _

tras vezes e 0estetico gue se sobrepoe as outras

funcoes. Por essas razoes, e 0 modo como nos

'aproxima~r obra de arte gue vai Mcieterrninar afunyao da obra riaquele momento.'

Em_si, tod~brasgue sao verdadeiramente

~ustentar a contemplado

'estetica de urn obse~ador sensivel e treinado.

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Q uestao de compreensao " " · " ' ' ' T j '

Os t6picos listados abaixo visam verificar a compreensao dos temas abordados neste capitulo.

a) De que depende a funcao que a obra de arte tem em cada epoca ou sociedade?

b) Como a arte e encarada do ponto de vista da funcao pragmatica? (

c) De exemplos dos tipos de fins a que a arte pode servir.

d) Explique quais sao os criterios de avaliacao da obra de arte na perspectiva pragmatica.

e) Qual e 0 tipo de interesse pela arte na funcao naturalista?

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FILOSOFANDO

f) Explique quais sao os criterios de avaliacao da obra de arte na perspectiva naturalista.

g) Como a arte e encarada do ponto de vista da funcao formalista?

h) Explique quais sao os criterios de avaliacao da obra de arte na perspectiva formalista.

Questoes de lnterpretacao e problematlzacao _ ..... ~"

Identifique a funcao da arte em cada urn dos itens e justifique.

a) "Ser-me-ei multiplo como os sonhos

ambtguo como as vidas

reticente como os plurais

Ser-so-nao-me-ei (jamais) um poeta pronto:

Urn poeta dos finais." (Renato Gonda)

b) A foto de uma pessoa querida.

c) Um filme como Cidade de Deus , usado na aula de Hist6ria para subsidiar a discussaodos prcblcraas

sociais no Brasil contemporaneo,

d) "Nem s6 de economia e financas vive 0World Economic Forum de Davos. [... [houve concomitantemente

um encontro de representantes do mundo artfstico de varies pafses]. [... 0 encontro, intitulado Arte e D i p / o . -

r n a c i a em Tempos d e Crise, discutiu 0papel da cultura edas artes nas relacoes internacionais, partindo-se do

princfpio de que 0trabalho dos artistas atravessa fronteiras, construindo pontes entre ~ varias culturas. [ . ; . J Os

artistas servem como quebra-gelo na diplomacia ... 0 consenso entre os participantes pareceu confluir para

um ponto: a arte merece um papel mais importante na polftica e na diplomacia;~a Ra;;y."Arte -;;c~lti.rra

. em Davos." In 0 E s t a d o d e S. P a u l o , 25-01-2003.Cadem:o B (Economia), p. 2"- _._.

e) "As pinturas faziam parte da tecnica deste processo de magia: eram a 'r\!tQf:~m g~ £3,.<,:allY!.?de

cair, ou a ratoeira com 0 animal ja capturado. E que os desenhos constitufam simultaneamente a

representacao e a coisa representada, eram simultaneamente 0 desejo e a rcalizacao do desejo. 0

cacador e 0 pintor da era paleolftica supunham encontrar-se na posse do pr6prio objeto desde que

possuissern a sua imagem; julgavam adquirir poder sobre 0objeto por interrnedio da representacao."

(A. Hauser)

Explique, com suas palavras, a epfgrafe de E. Fisher que da infcio a este capitulo.

Questoes sobre as leituras complementares ..... ..............M 2 C C " : c

Leia 0 texto complementar I e responda as questoes de 4 a 6.

~t~De acordo com Leger, pintor da vanguarda frances a, a batalha entre 0 tema e 0 objeto refere-se a que

funcoes da arte?

Qual e a diferenca entre pintura abstrata e figurativa?

_ Qual e 0papel da realidade na criacao artfstica?

'i'BiA A partir da leitura complementar II (texto de Fischer), explique qual funcao da rmisica esta sendo discu-

tida e justifique sua resposta.

~ Tema: Discuta as funcoes da musica nas telenovelas, dando exemplos de novelas da atualidade.

Pesquisa e semlnarlo ~""E:;'·:

~ Faca uma pesquisa hist6rica sobre 0 uso da musica nas diversas religioes. Alern da religiao catolica, com

o cantochao, 0 canto gregoriano, os divers os hinos, ate as rmisicas contemporaneas: 0uso da rmisica em

casamentos e funerais: examine tambern 0uso da musica nas igrejas protestantes, das batistas as evange-

licas, enos rituais das religioes afro-brasileiras.

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CAPITULO

Ii neste sentido de aparecimento a nossa percepfao que uma ohra de arte

constitui uma forma. Pode ser uma forma permanente como a de um edificio ou de

um vasa ou de urn quadro, ou uma forma transiente, dinamica, como a de uma

melodia ou de uma danca, ou ainda uma forma sugerida a imaginafao, como a, passagem de eventos puramente imaginarios, aparentes, que constitui uma ohra

literaria. Mas e sempre um todo perceptivel, com tdentidade propriC!_iomo um ser

natural, tem U ; ; ; [arater de unidade organi[a, auto-suficiencia, realidade individual...

Suzanne Langer

lntroducao

Como ficou claro na Unidade I,? ser hu-

mano est! continuamente atribuindo significa-

dos ao mundo. A essa atividade damos 0 nome

generico de leitura.Portanto, nao lemos apenas

os textos escritos, mas lemos igualmente outros

tipos de textos, nao-verbais, aos quais tambematribuimos significados. Ja vimos Q.uea arte se

constitui em um texto muito especial, pois a

atribui ao de si nificados esta resa a sua forma

s~nsivel de apresentac;ao e e inseparave e a.

A divisao que vamos fazer a seguir em ter-

mo('Cfe forma··e co--;;'teudoe apenas didatica e

6pera um corte na unidade da obra de arte, como

um bisturi que disseca corpos viventes e oss e r a = -ra em partes para que se possa conhecer cada uma

e, depois, apreender a relacao entre elas.Ao fazeriS3_ estamos destruindo, em primeiro 'Yugar, a

experi&ia estetica e, em segundo lugar, a Ges-

t;;'Itda obra, ou seja, a apreensao do conjunto,E£.

to do, dentro do qual as partes tomam sentido.

1. A especificidade da

informa~ao estetlea

Teixeira Coelho Netto, ao discutir a infor-

macae estetica, comparando-a a semantica, le-vanta aspectos muito interessantes.'

A informacao estetica, ao contrario da infor-

ma~ao semantica, nao e necessariamente 16gica.

Ela pode ou nao ter uma 16gica semelhante a

do senso comum ou da ciencia, Ela tambem nao

precisa ter ampla circula<;ao,isto e, nao ha ne-

cessidade de que um publico numeroso tenha

acesso a ela. A informac;ao estetica continua a

existir mesmo dentro de urn sistema de comu-

~ao restrito, ate interpessoal, ou mesmo

quando nao ha neiihum receptor apto a aco-lne-la. Sabemos que isso aconteceu inumeras

~ Por exemplo, a informacao estetica con-

tuEl'numa tela de Van Gogh permaneceu la,

embora em sua epoca ninguern pudesse enten-

de-la. Outra caractenstica da informayao esteti-

ca que a diferencia da inforrnacao semantica e 0

fitOCre-nro7e;:tr;;'duzivel em outras linguagens.

Quando dizemos "0 tempo hoje esta ruim",

podemos traduzir a inforrnacao semantica con-

tida nessa frase para qualquer outra lingua, semperda da informacao original. Quando vernos,

no entanto, num filme, uma cena com tempo

ruirn, vemos a qualidade da cor, a forca do ven-

to, da chuva ou da neve, a vegetacao, os ruidos

ou 0silencio, a nevoa, a qualidade da luz e inu-

meros outros detalhes que nos sao mostrados

pelas cameras e que nos causam um determina-

do sentimento. Essa informac;ao estetica nao

pode ser traduzidanem para a linguagem verbal

nem para qualquer outra sem ser mutilada,jgQ_

e:semperder parte de sua significac;ao.

- A informayao estetica apresenta, ainda, urn

~tro aspecto distintivo, que e 0 fato de nao ser

1.COELHO NETTO. Jose Teixeira. Iniroducao a teoria da inJorT1la9t'io estetica. Petropolis, Vozes, 1973. p. 9-16.

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\ 9 - " - " D ~ ~ £ IM A < } o d> ~~!L"- ..",,,~, ) ; " ~ W " N D o lc, ~ t_ c : . t c . ~&>._( ~ JL V\A.t..,(,v',C &::~ k " M . . - . ~ C ( - 1 . J 9 t : : l t " C c : . - -esgotavel numa unica leit~. Por exernplo, a na, nao chama a nossa atencao. Para que isso

inforrnacao sobre o tempo ruim so me conta aconteya, e necessario sair do habitual, daquilo

algo de novo na primeira vez em que for dada. a que estamos acostumados e que, por isso mes-

Ela se esgota.A informacao estetica contida em mo, nem percebemos mais. Em outras palavras,

uma obra de arte, no entanto, pode ser lida de sair do esperado, 0 que implica transgredir 0

varias maneiras por pessoas diferentes ou por c6digo consagrado.

uma mesma pessoa. Na primeira vez que lemos c

urn livro ou ouvimos uma musica, recebemos

uma certa quanti dade de informacoes; numa

segunda leitura ou audicao, podemos receber

outras inforrnacoes; anos mais tarde, ainda ou-

tras. Essa caracteristica de inesgotabilidade per-

mite que as obras de art;; nao envelhec,:am nem

se tornem ultrapassada~A obra de arte e aberta,

no sentido de que ela pr6pria instaura urn uni-

~ bastante amplo de significa oes que vaG

sendo captadas, depen endo da disponibilidade

dos receptores.~

2. A forma

Roman Jakobson, conhecido lingiiista, de-

finiu aJ.gulnas-~teristicas d~ funyao poetica

da linguagem e ampliou muito a noyao do po-

etico. Com ele, a £un\ao poetica ganha uma di-:

mensao estetica, podendo, assim, ser aplicada a

todas as outras formas artisticas alem da poesia.3

I ! ! I i I I A fun~ao poetica: a transgressao

do c6digo

A funyao poetica da linguagem, segundo

Jakobson, caracteriza-se por estar centrada so-

b;-e a pr6pria mensagem, isto e, por chamar ~

atencao sobre a forma de estrutura£ao e de com-

posiyao da mensagem. A funyao poetica pode

estar presente tanto numa propaganda, num out-

door, quanta numa poesia, numa music a ou em

~qu;;-r outro tipo de obra de arte.

Mas como e que se chama a atenc,:aopara a

pr6pria mensagem? Como vimos, no interesse

~turalista pela arte, a aten\ao do espectador nao

s e detern na obra, na mensagem, mas e remetida

~a 0 contexto fora da o~. Na classificacao

~n, afunyao presente scria a relerencTiJ. ,

centrada exatamente no contexto externo a obra.

P i. estrutura\ao da obra, a sua organizayao inter-

«

Vejo a Figura 7, apoqino 404.

9uando 0 c6digo e usado de maneira inco-

mum, a forma de apresenta\ao da mensagemchama a nossa atenyao pela sua forya poetica. Isso

E9 bastante claro em poesia. As palavras de que

nos utilizamos para escrever urn poema ou para

nos comunicarmos no dia-a-dia sao fundamen-

talmente as mesmas. N a fala diaria, no entanto,

nao prestamos atencao a forma das palavras, por-

que 0que nos interessa para que a comunicacao

se efetive e 0 seu conteudo semantico, A poesia,

ao contrario, chama a nossa atencao para essafor-

ma. Ha um poema de Carlos Drummond deAndrade intitulado "Ao Deus Kom UnikAssao".41

Sem duvida, chama a atencao. Primeiro, pela for-

rna de escrever comunicacdo: com a letra K , de uso

restrito na lingua portuguesa; com a substiruicao

do f por dois 5 ; com a divisao da palavra em tres

outras. Em seguida, notamos que deus e substan-

tivo masculino, enquanto comun i audo e substanti--

vo feminino. Portanto, varias rransgressoes do

c6digo num unico titulo.

o que precisa ficar claro, no entanto, e que

essas iuova<;oes e subversoes do c6digo nao s a o

gratuitas, nao sao feitas s6 para ser engracadas.

Elas contribuem para 0 significado da obra, nesre

caso 0 poema. Assim, vejamos: quanto a tram-

formacao do feminino em masculino, sabemos

que nossa sociedade da mais valor ao homem

do que a mulher; uma deusa nunca e levam.

muito a serio. 0 poder de deus e muito mas

forte tarnbem porque asreligiocs ocidentais nic

cedem nenhum lugar a deusas. Quanto ao Il5iD

2. ECO, Umberto. Obra aberta. Sao Paulo. Perspectiva, 2000.

3. JAKOBSON, Roman. Essois de linguistique qenerole. Paris, Minuit, 1963. p. 209-248.

4. ANDRADE, Carlos Drummond de. As impurezas do branco. Rio de Janeiro, Jose Olympio, 1976. p. 3.

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~ , ' ' \ ; I . - U ~ . ~ s : t£)

da le~~Kd~s dois sea divisao da palavra, cau-

sam urn estranhamento, urn distanciamenta,re-

metendo a codigos e culturas estran eiros. Em

se tratan 0 e eus, remetem tambem a deuses

e fara6s (Tutancamon etc.).A divisao da palavra

comun i ca cdo reflete uma divisao nas discussoes

sobre 0 pr6prio assunto.

A partir dessa discussao sobre a fiincao poe-

tica, que leva necessariamente a transgressao dos

codigos habituais e consagrados, podemos justi-

ficar por que, no Capitulo 2 - Pensamento e

linguagem, incluimos aslinguagens artisticas en-

t r e asque sao estruturadas de forma mais flexivel.

Se romper 0 codigo e uma caracteristica propria

da arte, nenhum c6di 0 artistico pode ser infle-

xivel (como, or exem 10 os co . os maternati-~~nem exercer fon;:a coercitiva sobre a prod~-

~ dos artistas.~u estes nao seriam artistas.

• 0 papel das vanguardas artfsticas

fi enfase dada a forma da obra de arte e as

transgressoes do c6digo nos leva a examinar 0

p~pel das vanguardas artisticas. Avan t -gayde , em

{rances, e urn termo militar que designa 0~ru-

po de soldados que avanya a frente da uarda oubatalhao. rans enn 00 termo para a area artis-

ti~tural, tambern designa os desbravado-

res, os que fazem 0 "reconhecimento do ter~

I2: os que ampliam 0 espa<{oda lin~uagem

artistica por meio de experimentas:oes. E a van-

guarda que rompe os estilos, que propotn-~

UsOsdo c6digo. Atras dela vern os batalhoes,.o.lJ

seja, os autros arti~tas, considerados segU:idorese

~ formam as escolas. Neste momento, 0 que

era novo, 0 que constituia uma transgressao doc6digo, passa a ser, outra vez, 0 habitual, 0 codi-

go consagrado.

Veia a Figura 8, a poqino 404.

~or essas razoes, a linguagem da vanguarda.

cultural e artistica esempre dificil de entender.

E I29risso que temos certa di£lculdade em com-

preender as obras expostas nas bienais, os filmes

~c~~"VI..- " ' ' V I A , , ' • UNIDADEVI - ESTETICA

de arte, 0 teatro experimental, a musica do~-

caf6nica e assim pordiante. Todas essas obras

i~stituem urn novo repert6rio de signos e novas

regras de combinayao e de uso. Leva algum tem-

po, e muita convivencia com 0muncio artistico,

para dominarmos, ou seja, com reendermos os

novos co 19O5 e as novas linguagens.

A existencia das vanguardas, no entanto, e

impiescmciivel a manutenyao cia fermentayao

cultural. No campo das artes nao podemos falar

em prog~so. 0 conceito de progresso envolve

ldbiasde melhoria e ultrapassagem, absolutamente

estranhas ao mundo artistico. A arte do seculo

XX ou XXI nao e melhor nem pior que a arte

grega ou renascentista. E apenas diferente, t . < ? ! :

gue responde a questoes colocadas pelo ser hu-mana e pela cultura atuais. Os artistas de van-

guarda sao exatamente aqueles que levantam es-

sasquestoes antes que a maior parte da socieda.sk

astenha percebido e respondem-nas trabalhando

a linguagem e a forma sensivel de suas obras.

3. 0 conteudo

A interpretayao da obra de arte, ou seja,a atri-

buiy~o_de significados peIo espectador, como vi-mos nos capitulos 30 e 31, se c i a em varios niveis.0

rimeiro niveI e 0 do sentimento, ue ja foi discu-

ti o. enor em unissono com a obra, deixar que ela

;msleve e enleve,seguir seu ritrno mterno, e0modo

proprio de decodiliCa0io que se c ia na experi2ncia

esteoca. Esse sentimento apresenta-se como um_a.

~e nao dissociavelda experienc_ia.istoe,ele so

pode acontecer na presenCiada obra.

'--0segundo nivel, de interpretayao se ciapor

meio do pensar e envolve analisecuiaadosa da obra.

Veia a Figura 9,

a pcqino 405.

Como se pode fazer essa analise?Sem querer fornecer urn receituario, e pas-

sivel tracar algumas balizas para uma analise que

r~~ite a individualidade de cada obra.

Em primeiro lugar, preClsamos fazer urn le-

vantamento da forma, em termos desrnrn-os...

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.,:) - FILOSOFANDOm - - - - - - - - - _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _a Para isso, no entanto, e necessario conhecer al-

""' .....guns aspectos fundamentais das linguagens ar-

~ tisticas. Por exernplo, a linguagem teatral difere

~ da linguagem cinematografica, Se formos anali-~sar, portanto, urn espetaculo teatral, precisamos,

~ antes de mais nada, saber 0que caracteriza a

k -linguagem especifica do teatro.

i G Em seguida, descrevemos a obra do ponto de

l,~ vista"denotativo, isto e, a partir do que realmente

, ' l ( vemos ou ouvimos. Por exemplo, antes de perce-~ bermos que se trata do afresco U L tim a ce ia , de Leo-

nardo daVinci, nos vernos, representados na pare-

de, treze homens atras de uma mesa, de frente para

nos, agrupados tres a tres.exceto a figura central,

com tal tipo de indumentaria, fazendo tais gestos

etc. Essa descric;:ao dos signos que aparecem na obra

e decomo se combinam e muito importante,pois'

vai nos fomecer dados para estabelecermos ~

c;:oesque nao estao tao.apa,rente_i, mas que se en-

Cantram implicitas na obra. Por issoe1mprescin-

diVel que fac;:amos uma descncao deta1bada cuj-

\ \ 9 dadosa, a mais completa ];2Qssivel.

'-' '- Finalmente, como na leitura de urn livro, va-

mos -levantar os significados conotativos de c~

J

. Signo e dos signos combinados entre si. ~

mento em que se coloca uma figura sobre urna cieterminado fundo, em que se combinam deter-

minadas cores ou son's ou formas, em que se asso-

~ cia uma musica a uma imagem, os significadosae

cada-signo VaG sendo alterados pelos significados

dos outros signos, formando urn espesso tecido de

significacoes que se cruzam e entrecruzam.

-No levantamento dessas conotac;:oes,preci-

s_amos sempre levar em conta a epoca e 0 lugar

~ em que a obra foi criada. Por exemplo, no Re-

nascimento 0 unicornio simbolizava a virgin-

f dade. Se desconhecermos esse fato, a interpre-

tacao de uma obra do periodo em que aparec;:a

esse simbolo sera deficiente. Por outro lado alemif'

-....__ desse significado conotativo cristalizado, pode-

~ , . 9 mos encontrar outros significados a partir da

, perspectiva da nossa epoca, Por isso, para poder-

_ \}. mos penetrar a significacao mais profunda de

( qualquer obra de arte, sao necessaries conheci-

' . - mentos de historia geral, de historia da arte e

~ dos estilos, da historia dos valores e da filosofia

"t da epoca em que a obra foi criada, a fim de

, - . : 1 ; 5. Augusto de Campos,1957. In SIMON, Iumna M. e DANTAS, Vinicius de A. (org.). Poesia concreta. Sao-q Paulo, Abril Educacao, 1982. p. 28. (Colecao Literatura comentada)

podermos situa-la no seu contexto. Precisamos,

tarnbern, estar engajados no nosso tempo para

podermos perceber 0 que a obra nos diz hoje.

E por isso que dissernos, no Capitulo 29 -

Estetica, introducao conceitual e no Capitulo

30 - Arte como forma de pensamento, que a

arte nos traz 0 conhecimento de urn mundo~nao somente 0 conhecimento de uma obra. A

arte instaura urn universo de si nifica oes ue

jamais e esgota 0 e gue ultrapassa em muito a

intens:ao do autor. Esquematicamente, podemos

representar esse processo da seguinte forma:

universo de significacoes possiveis

de uma obra

x: intencionalidade do autorx

y , h, w, n etc.: significados que

podemos atribuir it obra, sem

desrespeitar sua proposta

0: significado arbitrario; que nao

/

pertence ao universo ciaobra e que

o nao podemos impor a ela

Para terminar, vamos dar do is exemplos de

como fazer leituras analiticas possiveis de urn

poema de Augusto de Campos e de uma obra

de arte visual de Nelson Leimer.

Ulna vez

Ulna fala

Ulna foz

Ulna vez

Ulna fala

Ulna bala

Ulna voz

Ulna valalna foz

Ulna bala Ulna vez

Ulna voz

Ulna vala

Ulna vez>

Trata-se de um poema concreto, portanto sua

forma visual tem tanta importancia quanto a for-

ma sonora. 0que vemos? Palavras dispostas na

folha formando dois angulos agudos; 0 primeiro

voltado para a direita e 0 segundo, para a esquerda,

o eixo direita/ esquerda e dado pela centralidade

das palavras "uma vez" que se repetern, dando ini-

cio e fechamento as figuras dos angulos.

Esse texto faz parte da segunda fase do

movimento concretista na qual 0 desejo era

compor urn poema que, usando a fragmentacao

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de palavras, ideias ou frases, esgotasse aspossibi-

lidades combinat6rias das palavras ou temas usa-

dos, do modo mais sintetico possivel.

No poema, alern da repeticao do pronome

"uma",o poeta usa dois outros grupos de pala-

vras que man tern sernelhancas sonoras entre si:

vez, voz, foz; e fala, bala, vala. Se considerarmos

cada angulo separadamente, a sequencia das pa-

Iavras e exatamente a mesma. Entretanto, a sua

sobreposicao que acontece entre a quarta e a

setima linhas, nos leva a ler linear mente as duas

metades, complementando 0 sentido: uma vez

uma bala, uma fala uma voz, uma foz uma vala,

uma bala uma vez.

Do ponto de vista conotativo, a expressao

"urna vez" nos remete a narrativa de hist6rias,

unindo, neste caso, uma fala, uma voz, uma bala,

uma vala, uma foz. Ou seja, a vida de alguem -

a fala e a voz - e a bala que corta essa vida,

levando-a para a vala, 0fim, A visualidade do

poema sugere dois movimentos antagonicos,

embora complementares: 0 da vida e oda morte.

Agora, uma leitura possivel de V oc eJ az p ar te

I, de Nelson Leirner.

Veja a Figura 10,

o pagina 405.

o que vemos?

Urn objeto construido de madeira, aglome-

rado de madeira, ac;o cromado e espelho, qua-

drado, medindo 111,3 cm de lade e 10,2 em deprofundidade. A pec;a e dividida em dezesseis

quadrados identicos, de aco cromado, quinze dos

quais apresentam buracos de fechadura pretos,

com uma chave igualmente preta. Urn unico

deles, 0 que ocupa 0 terceiro lugar, na segunda

fileira, esta pintado de pre to, nao tern a chave e

mostra urn espelho no fundo da fechadura.

As chavessaom6veis,podendo ser giradaspelo

publico para ficar em qualquer posicao desejada.

o titulo deste trabalho artistico apresentadois sentidos denotativos: voce faz parte porque

pode mexer na obra, alterando sua aparencia, e

porque se ve refletido no espelho, passando a

fazer parte integrante da obra.

UNIDADE VI - ESTETICA

Para chegarmos aos sentidos conotativos,

vamos, em primeiro lugar, analisar as funcoes

das fechaduras e das chaves: manter algo guar-

dado, nao disponivel a quem nao detem a posse

da chave; urn outro sentido e 0 do segredo/se-

creto, ambas as palavras derivadas da mesma raiz

latina. Mantem-se segredos guardados a sete

chaves, como no dito popular. Urn outro aspec-

to que precisamos considerar e 0 de olhar pelo

buraco da fechadura, para descobrir 0 segredo

ou 0 secreto, habito bastante difundido entre as

criancas, mas nao s6 entre elas. A fechadura, a

chave representam interdicoes, proibicoes. Se-

param, tambem, 0 publico do privado.

Estes sentidos colorem 0 fato de eu me ver

refletido(a) no fundo da fechadura que me convi-

da a olhar para mim mesmo. Nao olhar a pura

aparencia, como faria em qualquer outro espelho,

mas para 0 segredo, olhar para as facetas que nao

sao publicas e que, talvez, eu nao queira reconhe-

cer nem na privacidade da minha consciencia,

Devemos considerar, agora;0 contexto den-

tro do qual foi criada a obra: Brasil de 1964,

epoca do golpe militar em que 0 pais passa para

o regime de ditadura, que era cheio de segredos

e arquivos secretos sobre a vida politica e priva-

da de inumeros cidadaos, Epoca em que se ini-ciam as torturas e as prisoes politicas, em que

pessoas desaparecem nos poroes do Departa-

mento de Ordem Politica e Social (Dops).

Diante dessa informacao, V oceJaz parte I, ad-

quire outros sentidos: querendo ou nao, todos n6s,

brasileiros, fizernos e fazemos parte da hist6ria

do pais, seja por acao ou por ornissao. Seja por-

que assumimos 0 nosso papel de atores dessa his-

t6ria ou porque nos escondemos dela, pensando

que nao e assunto nosso, mas de politicos.Se consideramos a mesma obra no contex-

to atual, perceberemos que ela tambem pode

levar a reflexao de como tern se tornado urn

habito expor a vida privada na rnidia, por meio

de entrevistas na teve ou em revistas, de progra-

mas como 0 B ig B rother ou ainda nos sites da

internet, que mostram 0 dia-a-dia das pessoas

ou eventos especiais, como urn parto. Isso s6 e

possivel porque ha urn numero grande de pes-

soas interessadas em "olhar pelo buraco da fe-chadura" da vida dos outros, principalmente das

pessoas famosas. B quase uma compensacao d a

existencia anonima que levamos: ao partilhar a

vida privada dos outros, temos a ilusao de parri-

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FILOSOFANDO

Ihar a sua intimidade, de termos um maior nu-

mero de "arnigos".

Desse modo, a obra, que inicialmente pare-

cia uma brincaderra,'se enche de sentido. Tor-

na'--sebela. Ou, talvez, um grande "barato":"E

nos emociona, enche-nos de alegria. de satisfa-

~ . E 0 sentimento de completude.

contexto de producao da obra e de disponibili-

dade interna para entender a arte a partir de

suas propostas -, que e inesgotavel em uma

unica leitura e que nao pode ser traduzida para

outra linguagem sem perder parte de seu con-

teudo, a atribuicao de significados as obras de

arte e uma tarefa que necessita de aprendizado

especifico.

E preciso separar, por razoes didaticas, for-

ma e conteudo para a seguir analisar as particu-

laridades de cada um, notando as transgressoes

do c6digo e como a significacao vai surgindo

da observacao cuidadosa dos elementos deno-

Cenclusae

r

Uma vez que a inforrnacao estetica existe

'i\ dentro de um sistema de cornunicacao mais res-

trito - por exigir 0 conhecimento especifico

de linguagens artisticas, de hist6ria da arte, do tativos e conotativos.

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UNIDADE VI - ESTETICA

minorias culturais nad~ao importantes. Dizemos

que a melhor arte ea,€juela feita por homens de

uma determinada -etnia, Entretanto, hlstorias da

arte poderiarp, ao in r • so, nos inforrnar sabre

culturas e gruposet ue nao 0 domin .

Por exernplo, quais's storias de arte eob]e-tos,de arteentre as s de imigrantes e

populacae aboiigeiil, I dos indios arne

nos)? Quais funC;6es e m .suas tradi~6es artis-

ticas na preservacao e uma identidade etnko,

cultural? Como estas '. (;'oes foram atacadas por

aqueles que queriamassimilar ou subordinar estas

culturas? Estas sao perguntas que podem ser colo-

cadas quando abordamos a hist6ria da arte den-

tro de certos contei

Questao de cornpreensao ..... ~,._.Ji!f&;;;;;,

E :h Faca 0 fichamento do texto, apresentando as seguintes ideias:

a) caracterizacao da informacao estetica:

b) a funcao poetica:

c) funcao das vanguardas artlsticas;

d) interpretacao da obra no nivel do sentimento;

e) a analise da obra de arte.

Questoes de lnterpretacao e problernatlzacao a .._'",_"iG;;;CC···

B:"4 j Por que a arte nos traz 0 conhecimento de um mundo!

r 3 . : ! l Explique 0texto de Suzanne Langer, que inicia este capitulo, discutindo a importancia da forma em arte.

r : ; ; . 4 ] Co mente 0 texto de Ferreira Gullar a seguir, a partir da discussao sobre conteiido e significacao da obra

de arte.

"Nao resta duvida que 0caminho percorrido pela arte nos ulrimos cem anos tendeu preponderantemente a

eliminacao do tema, a come<,:arpelo tema literario: as cenas mitologicas, aleg6ricas ou hist6ricas foram

banidas da pintura pelo impressionismo. 0 artista se voltou para a realidade objetiva: as paisagens e as cenas

da vida modema. Esse defrontar-se com 0presente e um defrontar-se com 0deven i r : Degas capta os gestos

das bailarinas que dancam, Monet capta a luz cambiante da paisagem. E uma pintura onde nao ha her6is,

nao ha hist6ria, nao ha mitos: 0artista elabora as sensacoes que the chegam do mundo que ele ve."

r : : ; T IQualquer obra de arte pode servir para exercfcios de interprctacao. Sempre que houver oportunidade

(visitas a museus, acesso a reproducoes ou livros de arte, alern de filmes, teatro etc.), procure cultivar essa

pratica, individualmente ou em grupo (por exemplo, programando atividades desse tipo e organizando,

depois, debates sobre as impress6es de cada urn).

Questoes sobre as leituras complementares .........._ ............. ...........' '' , . , . , . _ ' '' '' '@ 1 f i ! l ! l i . ' · 2 i ' . . . . .

A partir da leitura complementar I (Ferreira Gullar), responda as questoes 6 e 7.

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FILOSOFANDO

s;:ti~Explique a afirmacao: "Mondrian almoca de costas para a paisagem".

m] A que necessidade responde aobra de Kandinsky?

Utilizando os conceitos do Capitulo 2 - Linguagem e pensamento e 0 texto complementar II deste capitulo,

discuta os temas propostos nas questoes 8 e 9.

A producao artfstica, a construcao da linguagem e 0processo hist6rico e social.

rg ,~~ Se uma linguagem s6 se desenvolve em funcao de um projeto (como afirma Jean-Claude Bernardet, no

texto complementar do Capftulo 2), qual 0projeto que se revela no texto complementar II, apresentado

neste capitulo?

Pesquisa e semlnarlo __ ........... w·_-pc"c, .,.

i~)J Qual 0projeto artistico da Renascenca e como se desenvolve a linguagem pict6rica a partir dele?

Qual 0 projeto artfstico da modernidade e como se desenvolvem as linguagens pict6ricas na prime ira

metade do scculo XX?

~jtlQual 0 projeto artfstico da pos-modernidade e como estao se desenvolvendo as linguagens artfsticas na

contemporaneidade?