Filosofia - Iniciação ao Estudo do Pensamento Clássico

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FILOSOFIAiniciao ao estudo do pensamento clssico

Reitora Ndina Aparecida Moreno Vice-Reitora Berenice Quinzani Jordo

Conselho Consultivo Arlei de Espndola UEL/PR (Presidente) Leoni Maria Padilha Henning UEL/PR Antonio Sidekum UNOESC/SC Luiz Gilberto Kronbauer UFSM/RS Manoel Dionzio Neto UFCG/PB Tarclio Ciotta UNIOESTE/PR

Arlei de Espndola Claudia da Silva Kryszczun Helder Linhares Teixeira Silvana Alves Barroso (Organizadores)

FILOSOFIAiniciao ao estudo do pensamento clssico

Londrina 2011

Editoraao ElEtrnica Maria de Lourdes Monteiro capa Marcos da Mata rEviso Vernica Merlin Viana Rosa

F488

Filosofia : iniciao ao estudo do pensamento clssico / Arlei de Espndola (org)...[et al.]. - Londrina : UEL, 2011. 290 p. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7846-119-5 1. Filosofia Histria. 2. Filosofia Estudo e ensino. 3. Filosofia Ensino mdio. 4. Filosofia Ensino superior. 5. Teoria do conhecimento. 6. Filosofia. I. Espndola, Arlei de. CDU 1(091)

Ao Francisco Prado Rosa in memoriam

sUMrio

Prefcio ...................................................................................... Introduo .................................................................................

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ANTIGUIDADEA crtica de Aristteles a Plato na sua teoria do conhecimento. ............................................................................ Alessandro Rodrigues dos Santos Consideraes sobre o conceito de causa e substncia em Aristteles ................................................................................. Carlos Eduardo Teixeira 21 39

MEDIEVOA estrutura do agir tico no pensamento de Santo Toms de Aquino .................................................................................... Paulo Roberto da Rocha Santo Agostinho: do maniquesmo ao livre arbtrio ........... Igor Diniz Pereira 61 83

MODERNIDADEO ceticismo em montaigne........................................................ Francisco Prado Rosa Hobbes e a liberdade civil........................................................ Jasiel Silva Nascimento Hume e sua investigao sobre os princpios das regras morais.......................................................................................... Guilherme Jacobino da Silva Belo e sublime em edmund burke ............................................. Thais Cristine Nascimento de Almeida Educao moral em Kant ......................................................... Carlos Augusto Pires Schroeder 97 111 127 143 161

CONTEMPORANEIDADENietzsche: ressentimento e moral do Senhor e do escravo Cassiano Clemente Russo do Amaral Trabalho e estranhamento em Marx ...................................... Andr Luiz Silva Ferreira Habermas: direito e democracia ............................................. Fernanda Martins de Oliveira a definio de homem em ernst cassirer: homem, um animal simblico .................................................................................... Caroline Santos Umezu Michel Foucault e a verdade produzida pela histria........ Rodrigo Lima de Oliveira O cinema pensado por meio do movimento em Giles Deleuze ....................................................................................... Adriano Borges Anomalia, Crise e revoluo cientfica em Thomas Kuhn ... Caio Cesar Malassise Luiz 181 193 211 225 239 259 275 287

Sobre os autores. .............................................................

prEFcioO presente livro est composto por uma srie de temas filosficos tratados a partir de autores clssicos, que, do ponto de vista da Histria da Filosofia, estende-se desde a Filosofia Antiga at a Filosofia Contempornea. Contudo, este no um trabalho de Histria da Filosofia, apesar de seus temas e seus contedos estarem distribudos e abarcarem o percurso do pensamento filosfico ocidental em sua extenso. Tambm no um livro temtico, voltado para um determinado contedo, tratado, por exemplo, pelas disciplinas clssicas nos cursos de Graduao em Filosofia, como a Ontologia, a Metafsica, a Teoria do Conhecimento, a Filosofia Poltica, a Esttica, a tica, entre outras. Estas disciplinas pretendem dar uma viso panormica do seu objeto especfico, apresentando-o e analisando-o, discutindo, com isso, as diversas perspectivas tericas por meio das quais o tema foi abordado ao longo da Histria da Filosofia. Certamente, esta no uma obra voltada para o interesse dos iniciados nos estudos filosficos e que pretendem se aprofundar no assunto, discutindo diferentes interpretaes, comparando-as entre si, para contrap-las e, ao mesmo tempo, cotej-la com o texto original na tentativa de lanar novas perspectivas interpretativas a respeito do texto original. At aqui nos limitamos a dizer ou delimitar negativamente o campo e o teor do presente trabalho. O objetivo desta incurso para demarcar, positivamente, por contraposio, os objetivos que deram origem a esta coletnea e a que pblico dirigida. Do ponto de sua origem, o texto o resultado da aplicao de um plano de trabalho do projeto PIBID, financiado com recursos do governo federal. O projeto foi implementado a partir do curso de Graduao em Filosofia da Universidade Estadual de Londrina (UEL), em parceria com duas escolas da Rede Pblica de Ensino, envolvendo professores e alunos das duas esferas de ensino. Do ponto de vista filosfico e acadmico, ele uma amostra do esforo

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na tentativa de aproximar e integrar ensino, pesquisa e extenso. O escrito, em certa medida, contempla os trs momentos no processo formativo dos acadmicos, e os estimula a pesquisarem e aprofundarem os contedos na medida em que fazem o contato com as diferentes realidades do processo de ensino e aprendizagem, que lhe lanam sempre novos desafios, os quais ultrapassam os limites corriqueiros da sala aula aulas, provas e trabalhos. Esta experincia exercita o pensamento crtico por parte do acadmico, porque o obriga a sair de si mesmo, na medida em que ele precisa comunicar a outros o que ele compreendeu e interpretou daquele texto filosfico, pondo, assim, prova o grau de domnio que ele alcanou no uso daqueles conceitos. O ato de dizer, porm, por escrito, ou seja, de materializar num texto, o processo dessa aprendizagem, exige um grau de clareza e de reflexo ainda mais apurados. Por isso que a ideia de concluir o projeto com a edio de um texto que envolve professores do ensino superior e do ensino mdio, bem como alunos de ambas as esferas, mostra no s o esforo de produzir um trabalho coletivo, mas indica o grau de entendimento que se tem da indissociabilidade no processo de formao acadmica, entre a esfera do ensino, da pesquisa e da extenso. O texto que ora vem a pblico o resultado material da reflexo filosfica conjunta realizada entre o pblico e os profissionais do ensino superior e do ensino mdio, da inter-relao de acadmicos do Curso de Graduao em Filosofia com os alunos do Ensino Mdio, experincia esta que, certamente, contribuiu no processo de formao acadmica e, ao mesmo tempo, viabilizou uma maior integrao entre os dois nveis de ensino. A ideia de materializar esta experincia filosfica, na forma de texto, tem a inteno de poder contribuir, ainda que de forma parcial, com o ensino da Filosofia no Ensino Mdio. A variedade de autores e dos temas, aqui tratados, e a forma como so apresentados, possibilita o uso do presente livro como um novo recurso didtico. O livro, porm, no deve ser interpretado como um manual de ensino da Filosofia, nem mesmo como uma histria

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da Filosofia, porque esta no sua finalidade. Sua contribuio reside no fato de apresentar diversos autores distribudos ao longo da histria da Filosofia, os quais so abordados, a partir de um tema especfico, tendo como ponto de partida um comentrio, seguido de textos do prprio Filsofo, e de uma srie de questes que tenta problematizar o texto e que podem servir de guia para a sua compreenso e interpretao. A presente obra destinase aos principiantes do estudo da filosofia e aos professores que trabalham com o ensino da Filosofia no Ensino Mdio, podendo servir-se desta como um novo recurso didtico complementar. Acreditamos ser um texto que estimula o interesse pela Filosofia, dada a diversidade de autores (filsofos), dos temas e dos problemas filosficos a abordados, oferecendo vrias portas de entrada ao estudo da Filosofia a partir do interesse de cada um. Do ponto de vista terico, o livro aborda temas e problemas relacionados s diferentes reas da filosofia, tais como a Metafisica, a tica, a Teoria do Conhecimento, a Filosofia Poltica, a Filosofia do Direito, a Filosofia da Cincia, entre outras. As reflexes aqui desenvolvidas so acompanhadas de extratos de textos do prprio filsofo, o que fornece indicaes teis e podem servir de estmulo ao leitor, despertando-lhe a curiosidade a respeito de determinado tema. As sugestes de leituras e referncias bibliogrficas que aparecem ao final de cada texto so um instrumento til para aqueles que desejam iniciar uma pesquisa mais abrangente e aprofundada sobre o pensamento dos determinados filsofos. Enfim, as ideias filosficas aqui postas em evidncia, mediante diferentes textos e de seus respectivos autores, so a demonstrao de que possvel aprender filosofia fazendo filosofia. Neste sentido, os textos clssicos se constituem matria-prima indispensvel, a partir da qual aprendemos a disciplina e o rigor do ato de pensar, porm, no como um mero exerccio do raciocnio lgico indiferente ao mundo, mas, ao contrrio, fazendo do pensamento crtico a luz que suprime a indiferena e as trevas da ignorncia. Se assim for, a filosofia continuar tendo sentido, no s para os

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que se dedicam pesquisa, mas para todos aqueles que querem exercitar a autonomia do pensamento.Prof. Dr. Tarclio Ciotta

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introdUo

A universidade precisa ter como meta maior o estabelecimento do trinmio pesquisa-ensino-extenso para justificar, frente sociedade, a razo de sua existncia. Entretanto, essa conexo, em nosso meio social, nem sempre alcanada e termina colocandose como um ideal a ser atingido, no bastando que muitos profissionais que a atuam, focalizando, sobretudo, o campo da pesquisa, compreendam o alto valor de consumar-se essa realidade almejada. Essa desconecxo referida, que gera um grave abismo, constituindo precisamente dois mundos distintos, traz a existncia, de um lado, da universidade, do mundo acadmico, e dos tericos que o edificam; de outro lado, aparece a prpria sociedade, a realidade concreta da escola, o corpo de profissionais do ensino que o compem, juntamente com os problemas inerentes a esse universo, que ultrapassam o mbito do que ns podemos imaginar. A chegada do PIBID Programa Institucional de Bolsa de Iniciao Docncia projeto criado pelo governo federal, no governo Lula, e dirigido tcnica e financeiramente pelas CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal do Ensino Superior representa a oportunidade de comearmos a contornar o referido problema. Cientes quanto ao valor, importncia e utilidade deste referido programa, aproveitamos o espao e a possibilidade concedida, por meio do edital publicado em 2009, extensivo, pela primeira vez na histria, s universidades estaduais brasileiras, para integrarmo-nos a ele por meio de um subprojeto, inserindo a filosofia neste quadro.

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Como parte do PIBID/UEL, devidamente aprovado pela CAPES, o subprojeto da rea de filosofia integra o rol das seis licenciaturas que estabelecem o plano maior de trabalho da universidade nesta edio inaugural e pioneira, contando com uma concepo e uma estrutura prpria. Coordenado pelo Prof. Dr. Arlei de Espndola, sua mecnica de trabalho, que est implcita no presente livro, contempla as esferas tericas e prticas dando a mesma ateno para esses dois mbitos distintos, mesmo agora que j nos encaminhamos para o estgio de fechamento das atividades. Para a etapa terica, reunimo-nos na UEL, no CLCH, todas as quartas-feiras desde maro de 2010, contando com a presena de todo o grupo de trabalho. Esse tem, alm do referido coordenador geral do subprojeto, 14 estagirios e mais 2 professores/ supervisores. O grupo de estagirios se divide em duas equipes de 7 quando parte para a esfera do ensino, estritamente, no interior das escolas. O grupo do Colgio de Aplicao recebe a superviso da Prof Claudia da Silva Kryszczun e o grupo do Colgio Vicente Rijo foi supervisionado, em 2010, pela Prof Silvana Alves Barroso e agora, em 2011, conduzido pelo Prof. Helder Linhares Teixeira. Dinamizando a atividade no meio acadmico, cada estagirio/ bolsista conta com um plano individual de estudos que se associa a um filsofo especfico da tradio. Seguindo um cronograma preestabelecido, os 14 estagirios possuem o compromisso de divulgar os resultados preliminares de suas pesquisas, valendo-se de um espao em cada um dos encontros das quartas-feiras. Dos encontros na universidade, apoiados nos estudos e reflexes individuais que cada um dos bolsistas desenvolve, florescem os subsdios para as aulas semanais que so ministradas no contraturno nas escolas; saem os contedos para os textos das comunicaes que devem apresentar em congressos; acumulam-se

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os materiais com vistas produo do trabalho de concluso de curso; resultam os contedos que terminam de se converterem no presente livro. Muitos so os ganhos dessa experincia para todos que terminam se relacionando com o presente subprojeto do PIBID/ UEL. A comunidade escolar dos 2 colgios envolvidos, que desempenham o papel de maior campo de trabalho que temos, dele extraem uma fonte de estmulo para se envolver com o estudo da filosofia. Muitos jovens estudantes que no sabiam o que era filosofia descobrem que esta disciplina est muito prxima de ns. Os professores/supervisores, afastados da pesquisa por fora da contingncia de terem uma carga de trabalho grande, com muitas aulas para ministrarem em sua rotina profissional, encontram a uma bela oportunidade para se atualizarem e se capacitarem. Os benefcios dos alunos/bolsistas so muitos: eles exercitamse na prtica da pesquisa e da docncia j na prpria universidade, sofisticando seu processo de formao; seguem trabalhando no campo terico e prtico quando escrevem seus textos para apresentarem nos congressos. Cada um deles, alis, proferiu duas comunicaes em eventos cientficos durante o ano de 2010, devendo repetir este feito nos meses finais de 2011, participando de mais uma atividade acadmica. Todos participaram: 1) VII SEPECH Seminrio de Pesquisa em Cincias Humanas, promovido pelo CLCH/UEL, entre 10 e 13 de agosto de 2010; 2) II Encontro de Egressos e Estudantes de Filosofia da UEL, ocorrido tambm na UEL entre os dias 01 e 04 de setembro de 2010. Grande parte dos estagirios no havia tido, at o presente, um trabalho aprovado para um congresso e escrito um texto para proferir como uma comunicao.

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Os estagirios, contribuindo diretamente na destituio do abismo entre a universidade e a educao bsica, obtiveram proveito estando em permanente contato com as escolas que compem nosso campo mais prtico de trabalho, devendo manter esse ritmo at o perodo de fechamento do projeto. A eles ministraram aulas de modo constante, acompanhados pelos professores/supervisores, aos estudantes do ensino mdio, cumprindo o propsito de se exercitarem na docncia. Aqui, como nos momentos anteriores, tiveram de bolar recursos didticos e metodolgicos, alm de escreverem seus textos, para cumprirem com suas tarefas. Isso que se passou regularmente no primeiro ano do projeto continuar sendo feito neste momento em que visamos dar o arremate final e concluir o trabalho, executando a segunda parte da atividade. Tudo isso que precede est sendo consolidado com a escrita deste livro a ser amplamente difundido na rede pblica de ensino, intitulado Filosofia: iniciao ao estudo do pensamento clssico, que representa a documentao de todo esse nosso esforo coletivo. O material recebeu o auxlio, em sua composio, do mundo da experincia; ele no foi construdo por especialistas que desconhecem o endereo da escola e os problemas concretos, em partes, enfrentados na rea de filosofia. Sua organizao no est reduzida ao empenho isolado e solitrio do coordenador geral do subprojeto. Essa envolve os professores/supervisores que conhecem bem a realidade escolar, pois fazem parte do quadro de docentes em plena atividade na educao bsica. E os textos, abrigando toda a histria da filosofia, marcados por seu carter didtico, trazendo extratos das obras clssicas, aps os artigos, juntamente com um rol de questes e, depois, uma listagem de livros para o aprofundamento dos estudos, beneficia-se, por sua vez, dos subsdios trazidos pelas reflexes dos estudantes/estagirios.

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A presente produo, introdutria reconhecidamente aos estudos filosficos, vem registrar o que desenvolvemos de forma mais palpvel no PIBID/UEL, verso 2010/2011, coordenado, no seu mbito geral, pelo Prof. Dr. Srgio de Mello Arruda do Departamento de Fsica da UEL. Ele representa, considerando o subprojeto da rea de filosofia, nossa experincia singular e bastante profcua, concessora de forte estmulo para seguirmos trabalhando. Podemos garantir que o dilogo permanente estabelecido entre todos ns, num trnsito do campo terico ao campo prtico e vice-versa, serviu-nos para mostrar o quanto a filosofia, apesar de exigir um esforo solitrio nos comeos, clama sempre pelo debate. E foi da que surgiram todas essas propostas de leitura, verificadas por meio de cada um dos textos que aparecem nas pginas seguintes, voltadas ao anseio de tocarem de alguma maneira aos alunos do ensino mdio. Aqui, o leitor atento e o estudante, em fase inicial de formao, tero acesso a estudos que vale repetir cobrem todos os perodos da histria da filosofia, sendo seguido de: extratos de textos, questes para reflexo, e sugestes de leituras. Oriundo dos projetos dos alunos/estagirios, o livro apresenta uma nfase que recai, entretanto, sobre alguns problemas que se difundem no interior da filosofia moderna e contempornea, pois os planos de pesquisa, em sua maior parte, estavam conectados a essa esfera. Guardamos a expectativa de que os estudantes do ensino mdio, juntamente com a comunidade escolar desse plano do ensino, possam encontrar no livro que se conduz agora ao pblico uma fonte de estmulo para se aproximarem da filosofia, e apreendam subsdios suficientes para lhes impulsionarem em suas reflexes pessoais.

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Alm de reconhecermos o apoio da Universidade Estadual de Londrina e da CAPES para a realizao do trabalho e para o estabelecimento da publicao deste volume, fica aqui expresso nossos agradecimentos especiais Cristina Duarte Ruiz, Assessora da Pr-Reitoria de Planejamento de Nossa Universidade, e Lourdes Maria Monteiro, da parte de editorao e diagramao. Ambas se caracterizam por manterem grande entrega ao trabalho e serem bastante prestativas sempre que so acionadas.

Os Organizadores

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a crtica dE aristtElEs a plato na sUa tEoria do conHEciMEntoAlessandro Rodrigues dos Santos

i- coMEntrio1 as BasEs da tEoria do conHEciMEnto EM platoA questo da teoria do conhecimento em Plato tem suas bases na imortalidade da alma, que fundamenta outras caractersticas importantes. Por meio dela Plato apresenta o conhecimento como recordao, ou anamnese, pois a alma teria tido um contato anterior com as ideias. A questo da forma com a qual o homem tem acesso ao mundo inteligvel que far Plato dar origem teoria do conhecimento: a anamnese. O que o conhecimento e o processo pelo qual ele acontece, qual a distino entre conhecimento sensvel e conhecimento inteligvel so os desdobramentos dessa teoria. para dar resposta aos ersticos que Plato, contra a aporia gerada por estes ltimos, constri seu caminho inteiramente novo at ento, para aquisio do conhecimento. Segundo o historiador Giovanni Reale (2002), os ersticos aparecem no Menon e, segundo seu princpio, no se pode aprender nem o que se sabe, nem o que no se sabe, visto que ningum procura saber o que se sabe e nem pode procurar saber se no sabe o que procurar. O que os ersticos tentaram foi bloquear a questo de forma capciosa, afirmando que a pesquisa e o conhecimento so impossveis.

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E de que modo procurars, Scrates, aquilo que no sabes absolutamente o que ? Pois procurars propondote que tipo de coisa, entre as coisas que no conheces? Ou, ainda que, no melhor dos casos, a encontres, como sabers que isso aquilo que no conhecias? (PLATO, 2001, p. 49).

Plato apresenta nestes termos o mito da anamnese, ou seja, ao recordar o que antes j tomara contato, seja no hades ou neste mundo, a alma configura-se imortal, tendo j nascido outas vezes. Por isso, ao confrontar-se com algo, ela se lembra e consequentemente ocorre o mesmo com as demais informaes das quais j tivera contato. Como Plato equipara a reminiscncia ao ato de pesquisar, infere ento o adjetivo de preguiosos aos sofistas, por estes terem se afastado desta investigao. O conceito de anamnese est diretamente vinculado condio de unicidade da natureza humana com o mundo e com a alma. Isto porque esta igualdade permite que tendo uma vez recordado um fato, o homem possa naturalmente recordar de tudo o que viu por si mesmo, seja neste mundo ou no hades. Segundo Nicola Abbagnano, Plato exemplifica sua doutrina da anamnese com o mito do escravo que aprende recordando o Teorema de Pitgoras, sendo habilmente interrogado por Scrates.Sendo ento a alma imortal e tendo nascido muitas vezes, e tendo visto tanto as coisas aqui quanto as no Hades, enfim todas as coisas, no h o que no tenha aprendido; de modo que no nada de admirar, tanto com respeito virtude quanto ao demais, ser possvel a ela rememorar aquelas coisas justamente que j antes conhecia. Pois, sendo a natureza toda congnere e tendo a alma aprendido todas as coisas, nada impede que, tendo rememorado uma s coisa fato esse precisamente que os

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homens chamam aprendizado-, essa pessoa descubra todas as outras coisas, se for corajosa e no se cansar de procurar. Pois, pelo visto, o procurar e o aprender so, no seu total, uma rememorao. No preciso ento convencer-se daquele argumento erstico; pois ele nos tornaria preguiosos, e aos homens indolentes que ele agradvel de ouvir, ao passo que este faz-nos diligentes e inquisidores Confiando nesse como sendo o verdadeiro, estou disposto a procurar contigo o que a virtude (PLATO, 2001, p. 53).

Uma vez provada a verdade que j estava presente na alma do escravo, Plato tambm conclui que esta ltima eterna. Alm da influncia rfico-pitagrica, os estudiosos tambm apontam que, no caso da gnese da anamnese platnica, a maiutica socrtica teve igual importncia, pois para que o processo maiutico ocorresse e a verdade surgisse da alma, esta (a verdade) j deveria subsistir no interior da alma. Assim, a doutrina da anamnese apresenta no s a metempsicose rfico-pitagrica, mas tambm a justificao e a comprovao da possibilidade da maiutica socrtica. no Fedon tambm que Plato apresenta uma comprovao da doutrina da anamnese referindo-se aos conhecimentos matemticos. Aqui o filsofo argumenta que, por meio dos sentidos, possvel identificar a existncia de coisas iguais e de outras anlogas, na realidade sensvel, porm, jamais encontramos correspondncia com tais dados, pois no existe coisa sensvel perfeitamente quadrada ou circular. Da concluir que h um desnvel entre os dados da realidade sensvel e as noes e conhecimentos que possumos. Tendo feito tal anlise, no difcil concluir que se os dados advindos da experincia sensvel so imperfeitos, as noes que de algum modo se possui esto presentes no interior do prprio homem, que as encontra e as descobre. Por meio da matemtica

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esta questo fica clara, visto que tais noes so conhecimentos perfeitos e esto neste caso em posse de nossa alma. Tais raciocnios so aplicados por Plato tambm s questes estticas e ticas de bom, belo, justo, santo etc. Estes problemas na prpria teoria e a necessidade de respostas levaram Plato a trabalhar em vista de solucion-los, o que gerou a teoria das ideias, contudo, no no Fdon que esta teoria encontrara uma explanao detalhada. De qualquer forma a teoria das ideias est no centro das teorias platnicas. possvel, no entanto, apontar mesmo no Fdon algumas caractersticas desse pensamento: as ideias so os objetos especficos do conhecimento racional; as ideias so critrios ou princpios de juzo acerca das coisas naturais; as ideias so causas das coisas naturais.Assim, depois de haver tomado como base, em cada caso, a idia, que , a meu juzo, a mais slida, tudo aquilo que lhe seja consoante, eu o considero como sendo verdadeiro, quer se trate de uma causa ou de outra qualquer coisa, e aquilo que no lhe consoante, eu o rejeito como erro (PLATO, 2001, p. 140).

As ideias so critrios para avaliar as coisas sensveis; o caso do princpio de igualdade: duas coisas so ou no idnticas e para afirm-lo possvel utilizar-se deste princpio. Da mesma forma, para julgar outras coisas como belo, justo, bom ou santo, o critrio fornecido pela ideia correspondente. As ideias so, no Fdon, critrios de avaliao e valores. Segundo Plato, as ideias esto na base das coisas naturais, ou seja, so causa de tais coisas. Neste caso ele sofre influncia de Anaxgoras, no sentido de que Plato encara as ideias como causas da natureza sensveis como consequncia desta teoria de Anaxgoras que diz: o intelecto causa e agente ordenador.

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2 a postUra dE plato EM rElao aos EscritosA proposta desta pesquisa encontrar os caminhos de interpretao da obra de Plato no que tange teoria do conhecimento proposta por ele. Nesta linha de pensamento, interessante que observemos o que ele mesmo aponta como meios para isto na carta VII e no Fedro, o que se denomina autotestemunhos.Sobre essas coisas (i.: as maiores) no existe um texto por mim escrito nem existir jamais. De nenhuma maneira o conhecimento dessas coisas comunicvel como os outros conhecimentos, mas, depois de muitas discusses sobre elas e depois de uma comunidade de vida, subitamente, como luz que se acende de uma fasca, ele nasce na alma e alimenta-se de si mesmo. [...] no h perigo de que algum esquea

essas coisas, uma vez que tenham sido bem impressas na alma, pois que se reduzem a proposies extremamente breves (PLATO apud REALE, 1997. p. XI). Plato orientava observar os escritos como referncias queles que j sabiam o que antes ele havia dito no Fedro. Sua inteno no era seno a de indicar tal leitura, de qualquer que fosse a abordagem dos textos escritos, aos membros da Academia, uma vez que para ele tais indivduos deveriam compreender em sua alma o contedo abordado, no havendo necessidade de registr-lo. Ou mesmo, se registrados, de interpret-los, mas somente de relembrar o que anteriormente j se havia discutido ou apreendido. Tambm na carta VII, Plato aponta para uma insuficincia de contedo da verdade em qualquer escrito e para uma observao mais apurada da oralidade em detrimento dos escritos. Isto para dizer que os primeiros escritos no so

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contedos para serem materializados pela letra e que aquele que o pretende o faz por m inteno. As doutrinas no escritas de Plato foram registradas por alguns discpulos, como Herclides, Estieu, dentre outros. Tais doutrinas foram designadas pelos estudiosos de esotrico. Isto para distanciar do Plato exotrico. O termo exotrico tem o objetivo de alcanar aqueles que se encontram fora da escola, e esotrico dentro dela. Ao que parece no era incomum que filsofos tivessem o hbito de manter duas doutrinas como no exemplo de Plato: esotrica e exotrica. Aristteles tambm possua sua Doutrina das Formas, que era destinada aos seus discpulos mais prximos; e assim capazes de compreender seu pensamento. no exerccio de anlise da teoria de Anaxgoras, contudo, que Plato encontra uma possibilidade de avano mesmo que ainda com mtodos naturalistas, mas que permitiu a ele postular sua segunda navegao. Anaxgoras afirmara que a inteligncia a causa de tudo, porm no conseguiu fundamentar esta proposta por ainda utilizar o mtodo naturalista. O que ocorre com Anaxgoras que ele mostra a necessidade de uma inteligncia ordenadora para os fenmenos fsicos, porm isto no explica a causa verdadeira, ou seja, o Bem. A proposta platnica de soluo para esta questo dos fsicos a mudana do mtodo, mudana que ele chamar de segunda navegao, como metfora que ele apresentar no Fedon 99b-d. No Fedro, Plato afirma no serem suficientes para a compreenso de um filsofo apenas seus escritos, visto que eles (os escritos) no contemplam as coisas de maior valor que so justamente as que o tornam um homem filsofo.

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Ao analisar o Fedro 274a possvel admitir a inteno platnica em termos de demonstrar como um texto deve ser apresentado para ser bom, a saber: deve ser no mximo grau possvel, verdadeiro e persuasivo ao mesmo tempo. Exatamente por isto que Plato mostra que a comunicao oral estruturalmente superior escrita. Scrates utiliza-se da teoria do mito de Tamos e Theuth para argumentar que a escrita somente d a iluso do aprendizado, de modo que quem se entregar a uma cincia transmitida, em forma escrita, mostrar ser muito ingnuo: porque considera que os discursos escritos so algo mais do que um apelo mnemnico para quem possui de antemo tal conhecimento, concernente queles argumentos sobre que versam os escritos mesmos (PLATO apud TABATTONI, 2003, p. 166). Na carta VII, ao escrever aos familiares e amigos de Dion, Plato tem a preocupao de indicar que seus comentrios e anlises no escritas tinham tanto quanto ou at mais valor do que as escritas. No me opus a explicar-lhe tudo: nem ele o havia me pedido; ele se dava ares, de fato, de conhecer bem muitas e fundamentais doutrinas e de possu-las o suficiente, baseado no que ouvira dizer (PLATO apud TABATTONI, 2003, p. 165). O que nos interessa neste caso o fato de que Plato aponta para uma sabedoria que lhe interessa onde nem todos tm acesso.No existe um escrito meu a respeito disso e nunca existir. No , de fato, de modo nenhum exprimvel como os outros conhecimentos, mas somente aps longa freqentao e convivncia com a coisa mesma, inesperadamente, como a luz que subitamente se acende por uma centelha de fogo, ele nasce na alma e depois se nutre de si mesmo (PLATO apud TABATTONI, 2003, p. 165).

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Nas palavras de Franco Tabbattoni voc pode ter os gravetos no bolso e isso no significa que possui o fogo (TABATTONI, 2003, p. 165). De fato, o que deve ser compreendido que Plato no nega seus escritos, contudo, demonstra nas cartas que tais escritos no possuem o conhecimento verdadeiro, pois quem teve contato com o conhecimento no precisa dos escritos para compreender em que o conhecimento consiste. O prprio Aristteles, discpulo de Plato, aponta para estes ensinamentos feitos por meio da oralidade e que so chamados doutrinas no escritas. Se Plato recusou consignar por escrito tais doutrinas, por outro lado no o fez em termos de torn-las pblicas aos seus seguidores em um ciclo de lies orais que gerou discusses e incompreenses importantes para sua anlise. A postura de Plato, em relao a tornar pblica de forma escrita tais doutrinas, configura-se como sendo no impossvel, mas apenas intil, uma vez que aqueles que poderiam tomar contato com ela no as compreenderiam; da somente permanecer na oralidade, direcionadas aos seus discpulos na Academia.

3 aristtElEs E sUa crtica a platoA postura de Aristteles em relao ao mestre no de completo afastamento, mas partindo de suas aporias, ou seja, de construes duvidosas da teoria do mestre. No entanto, Aristteles ao iniciar suas reflexes tem ainda grande influncia do mestre. Aristteles era discpulo de Plato e mesmo em seus primeiros escritos no abandona as doutrinas do mestre, somente aps um longo tempo de estadia na Academia platnica que ele comea

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a formular suas prprias teorias e resgatar, em face s teorias de Plato, o lugar da sensibilidade e dos fsicos na filosofia para ento assumir uma postura crtica. Mais especificamente, a crtica de Aristteles a Plato tem como objeto as ideias transcendentes para se chegar a uma posio metafsica centrada no interesse pelas formas e s intelquias imanentes. Isto para direcionar seu interesse nas cincias empricas, sua verificao e classificao.De fato, o contrrio que se d, pois se assim fosse no seria consentneo com a razo. Da matria, com efeito, (os nmeros) fazem sair uma multiplicidade de coisas, ao passo que a idia s gera uma vez. Assim, de uma s matria, s se aparelha uma mesa; mas quem aplica uma idia, se bem que esta uma, produz vrias (mesas). O mesmo sucede com o macho em relao fmea: esta fecundada por uma nica cpula, mas isto imitao daqueles princpios. Tal , pois, a concluso de Plato sobre as questes que indagamos. evidente, pelo que precede, que ele somente se serviu de duas causas: da do que e da que segundo a matria, sendo as idias a causa do que para os sensveis, e o uno para as idias (ARISTOTELES, 1973, p. 224).

Estes esclarecimentos, contudo, no so suficientes uma vez que, na obra aristotlica, a expresso do momento platnico no se apresenta somente nas obras exotricas; elas tomaram sua forma e publicao quando Aristteles ainda estava na Academia, como tambm nas obras esotricas, posteriores ao perodo transcorrido em Assos. Isto quer dizer que Aristteles continuou a construir e reconstruir seu pensamento a partir de reflexes feitas anteriormente, porm ele sentiu a necessidade de acrescentar outros pensamentos. Segue-se, portanto, uma ausncia de homogeneidade pela distncia dos escritos no que tange ao tempo (momento histrico) em que foram escritos e at

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a prpria inspirao teortica chegando mesmo a contradies internas. A leitura de Aristteles das teorias do platonismo passa por sua viso incisiva no que tange forma que estes ltimos consideram as espcies como substncias separadas, reais, independentemente dos seres individuais de que so forma ou substncia. Em Aristteles a substancialidade da espcie a mesma do indivduo. No caso de Plato, as espcies tm uma realidade em si que no se dissolve nos indivduos existentes, da a separao. Na anlise de Aristteles, as espcies devem ser comum a muitos, portanto universais, e como a substncia individual, no podem ser substncias (reais). Vivente e homem, por exemplo, seriam mltiplas substncias e isso configuraria impossibilidade para o estagirita. Grande parte dos historiadores da filosofia iniciou sua exposio sobre Aristteles pela crtica dele teoria das ideias, postura que pode acarretar alguns erros, pois no somente teoria das ideias que Aristteles dirige suas crticas, mas s duas etapas da segunda navegao. Em relao ao ataque que Aristteles dirige realidade das ideias de Plato, o que Aristteles prope na Metafsica abrange quatro pontos: as ideias devem existir em maior nmero do que os prprios objetos sensveis, por conta de dever existir no s a ideia de cada substncia, mas tambm a de todos os seus modos e caracteres que podem ser concentrados em seus conceitos. Neste caso, deve-se explicar no s as primeiras, mas tambm as ltimas, o que se resolveria se fossem vinculadas somente na realidade sensvel. A realidade das ideias platnicas condicionaria a necessidade de admitir tambm outras tantas, como as ideias de negao ou as de coisas transitrias, pois delas tambm temos conceitos. Isto fica claro conforme uma ideia de homem e uma

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ideia de homem individual requerer um terceiro; e uma ideia de homem individual e outro homem individual, outro conceito, assim sucessivamente. A inutilidade da existncia das ideias das quais as coisas participam significa que, com as ideias, no se quer dizer o que quer que haja, pois elas no so princpios de ao que possam determinar a natureza das coisas. Por ltimo, a substncia no pode existir separadamente daquilo que substncia. A afirmao do Fdon de que as idias so causas das coisas segundo Aristteles incompreensvel, pois ainda que supondo a existncia de ideias, delas no derivariam as coisas se no interviesse para cri-las um princpio ativo (ABBAGNANO, 1985, p. 214). Estes argumentos so simplesmente indicativos e no configuram a separao entre os dois filsofos, tendo em vista que esto fundados na separao total entre o mundo sensvel e inteligvel, coisa que no est na raiz do pensamento platnico, pois para Plato a ideia uma referncia para o homem de perfeio e exemplo do que de fato deve ser e no o que todas as coisas so efetivamente. O que para Aristteles configura contradio com o conceito de individualidade, por conta de existir uma validade intrnseca no ser como tal e no apenas um valor. Segundo David Ross a aquisio do conhecimento, em toda sua extenso e com todas as suas implicaes, sobretudo o conhecimento que merece em maior grau a designao de sabedoria, que motiva toda a Metafsica de Aristteles, uma vez que para Aristteles o desejo de conhecer inerente ao homem. Este conhecimento tambm se configura em certos graus de forma evolutiva: o primeiro leva em conta a sua aproximao aos sentidos; o segundo, como estgio intermedirio, est vinculado ao uso da memria; diferenciando-os dos outros animais considerados inferiores; o terceiro grau somente pode ser atingindo pelo

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homem e est vinculado experincia e ao de aglutinao ou coalescncia de vrias recordaes da mesma espcie de objetos; num estgio superior temos a arte, e esta ltima configura-se no conhecimento das regras prticas, repousando sobre princpios gerais. Acima de todos estes est a cincia, considerada o puro conhecimento das causas. O que diferencia a cincia da arte no seno o fato de ela no estar sujeita a qualquer fim ulterior, mas antes procurar o conhecimento pelo conhecimento, o que o torna o produto mais elevado da civilizao. A divergncia entre Plato e Aristteles versa sobre a doutrina das formas uma vez que o objeto do saber no aristotelismo totalmente outro, com o universo fsico e o cu tendo ocupado o lugar deixado vago pelas ideias em que at ento se acreditava. No se pode, todavia, menosprezar o interesse de Plato pela matemtica, pois ocupa lugar privilegiado na educao dos soldados e sua funo a de elevar a parte mais nobre da alma contemplao do mais excelente dos seres. Somente a homens nela versados pode revelar-se a faculdade da dialtica. Para Plato, s a dialtica realmente cincia, porque s ela capaz de ir ao princpio. O que vemos em Aristteles no seno uma revalorizao radical do conhecimento matemtico.

ii- EXtratosAs filosofias de que acabamos de falar sucedeu a doutrina de Plato, a maior parte das vezes conforme com elas, mas tambm com elementos prprios alheios filosofia dos itlicos. Tendo-se familiarizado, desde a sua juventude, com Crtilo e com as opinies de Herclito, segundo as quais todos os sensveis esto em perptuo fluir, e no pode deles haver cincia, tambm mais tarde no

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deixou de pensar assim. Por outro lado, havendo Scrates tratado as coisas morais, e de nenhum modo do conjunto da natureza, nelas procurando o universal e, pela primeira vez, aplicando o pensamento s definies. Plato, na esteira de Scrates, foi tambm levado a supor que (o universal) existisse noutras realidades e no nalguns sensveis. No seria, pois, possvel, julgava, uma definio comum de algum dos sensveis, que sempre mudam. A tais realidades deu ento o nome de idias, existindo os sensveis fora delas, e todos denominados segundo elas. , com efeito, por participao que existe a pluralidade dos sinnimos, em relao as idias. Quanto a esta participao, no mudou seno o nome: os pitagricos, com efeito, dizem que os seres existem imitao dos nmeros, Plato, por participao mudando o nome; mas, o que esta participao ou imitao das idias afinal ser? esqueceram todos de o dizer. Demais, alm dos sensveis e das idias diz que existem, entre aqueles e estas, entidades matemticas intermdias, as quais diferem dos sensveis por serem eternas e imveis, e das idias por serem mltiplas e semelhantes, enquanto cada idia , por si, singular. Sendo as idias as causas dos outros seres, julgou por isso os seus elementos fossem os elementos de todos os seres; e, como matria, so princpios o grande e o pequeno, como forma o uno; visto ser a partir deles, e pela sua participao no uno, que as idias so nmeros. Ora, que o uno seja substncia, e no outra coisa, da qual se diz que uma. Plato afirma-o, de acordo com os pitagricos e, do mesmo modo, que os nmeros sejam as causas da substncia dos outros seres. Mas admitir, em lugar do infinito concebido como uno, uma dada, e constituir o infinito com o grande e o pequeno, eis uma concepo que lhe prpria como ainda pr os nmeros fora dos sensveis: (os pitagricos) pelo contrrio, pretendem que os nmeros so as prprias coisas, se bem que no ponham, entre estas, as entidades matemticas. Se Plato separou assim o uno e os nmeros do mundo sensvel, contrariamente aos pitagricos, e introduziu as idias, foi por considerao das noes lgicas (os seus predecessores nada sabiam de dialtica); por outro lado, se ele fez da dada uma segunda natureza, porque os nmeros, a exceo dos mpares, FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

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dela facilmente derivam, como de uma matria plstica. De fato, o contrrio que se d, pois se assim fosse no seria consentneo com a razo. Da matria, com efeito, (os nmeros) fazem sair uma multiplicidade de coisas, ao passo que a ideia s gera uma vez. Assim, de uma s matria, s se aparelha uma mesa; mas quem aplica uma idia, se bem que esta uma, produz vrias (mesas). O mesmo sucede com o macho em relao fmea: esta fecundada por uma nica cpula, mas isto imitao daqueles princpios. Tal , pois, a concluso de Plato sobre as questes que indagamos. evidente, pelo que precede, que ele somente se serviu de duas causas: da do que e da que segundo a matria, sendo as idias a causa do que para os sensveis, e o uno para as idias. E qual a matria subjacente, segundo a qual as idias so predicadas nos sensveis e o uno nas idias? a dada, o grande e o pequeno. Demais, ele ps num destes dois elementos a causa do bem e no outro, a do mal, o que, como dissemos, j havia sido objeto de discusso de alguns dos filsofos anteriores, como Empdocles e Anaxgoras (ARISTOTELES, 1973, p. 224). Sendo ento a alma imortal e tendo nascido muitas vezes, e tendo visto tanto as coisas aqui quanto as no Hades, enfim todas as coisas, no h o que no tenha aprendido; de modo que no nada de admirar, tanto com respeito virtude quanto ao demais, ser possvel a ela rememorar aquelas coisas justamente que j antes conhecia. Pois, sendo a natureza toda congnere e tendo a alma aprendido todas as coisas, nada impede que, tendo rememorado uma s coisa fato esse precisamente que os homens chamam aprendizado-, essa pessoa descubra todas as outras coisas, se for corajosa e no se cansar de procurar. Pois, pelo visto, o procurar e o aprender so, no seu total, uma rememorao. No preciso ento convencer-se daquele argumento erstico; pois ele nos tornaria preguiosos, e aos homens indolentes que ele agradvel de ouvir, ao passo que este faz-nos diligentes e inquisidores. Confiando nesse como sendo o verdadeiro, estou disposto a procurar contigo o que a virtude (PLATO, 1970, p. 53).

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Mas tambm estamos de acordo sobre o seguinte: uma tal reflexo, e a possibilidade mesma de faz-la, provem unicamente do ato de ver, de tocar, ou de qualquer outra sensao; pois o mesmo podemos dizer a respeito de todas. - De fato, o mesmo, Scrates, pelo menos em relao ao fim visado pelo argumento. - Como quer que seja, seguramente so as nossas sensaes que devem dar-nos tanto o pensamento de que todas as coisas iguais aspiram realidade prpria do igual, como o de que elas so deficientes relativamente a este. Que dizer, seno isto? - Isso mesmo! - Assim, pois, antes de comear a ver, a ouvir, a sentir de qualquer modo que seja, preciso que tenhamos adquirido o conhecimento do igual em si, para que nos seja possvel comparar com essa realidade as coisas iguais que as sensaes nos mostram, percebendo que h em todas elas o desejo de serem tal qual essa realidade, e que no entanto lhes so inferiores (PLATO, 1970, p. 105). Creio que tu crs que cada forma uma pelo seguinte: quando algumas coisas, mltiplas, te parecem ser grandes, talvez te parea a ti que as olhas todas; donde acreditas o grande ser um. Dizes a verdade, disse ele. Mas...e quanto ao grande mesmo e as outras coisas grandes? Se olhares da mesma maneira, com a alma para todos esses, no aparecer, de novo, um grande, um, em virtude do qual necessrio todas aquelas coisas aparecem como grandes? Parece que sim. Logo, uma outra forma da grandeza aparecera, surgindo ao lado da grandeza mesma e das coisas que desta participam. E, sobre todas essas, de novo uma outra, de modo a, em virtude dela, todas essas parecerem grandes. E no mais ser uma cada uma das tuas formas, mas ilimitadas em quantidade (PLATO, 1961. p. 37). Sobre essas coisas (i.: as maiores) no existe um texto por mim escrito nem existir jamais. De nenhuma maneira o conhecimento dessas coisas comunicvel como os outros conhecimentos, mas,

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depois de muitas discusses sobre elas e depois de uma comunidade de vida, subitamente, como luz que se acende de uma fasca, ele nasce na alma e alimenta-se de si mesmo. [...] no h perigo de que algum esquea essas coisas, uma vez que tenham sido bem impressas na alma, pois que se reduzem a proposies extremamente breves (REALE, 1997, p. XI). Terminada a leitura, Scrates pediu-lhe que lesse novamente a primeira hiptese do primeiro argumento e, tendo sido lida, disse: - O que afirmas tu a, Zeno? Que, se os entes so mltiplos, ento tem de ser semelhantes e dissemelhantes, o que impossvel? Porque as coisas dissemelhantes no podem ser semelhantes, nem as semelhantes dissemelhantes? isso que queres dizer? - isso disse Zeno. - Ento, se impossvel que as coisas dissemelhantes sejam semelhantes, e que as coisas semelhantes sejam dissemelhantes, impossvel que haja muitas coisas; pois, se houvesse muitas coisas, encontrar-se-iam numa situao impossvel. Ser isso que pretendem os teus argumentos, no mais do que sustentar energicamente, contra todas as afirmaes, que no h muitas coisas? E supe que cada um dos teus argumentos uma prova disso, tal como pensas que todos os argumentos que escreveste fornecem outras tantas provas de que no h muitas coisas? isso que dizes ou fui eu que no percebi bem? (127d-130a) (REALE, 1997, p. 33).

III- QuESTES pARA REFLExO1) Qual a definio de teoria do conhecimento defendida por Plato? Cite suas principais caractersticas. 2) Qual a posio defendida por Plato em relao s doutrinas escritas e s doutrinas no escritas?

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3) Em que consiste a crtica de Aristteles a teoria do conhecimento de Plato e qual a sua postura? 4) Qual a diferena entre sensvel e inteligvel para Plato e como apresentada por ele cada uma delas? 5) Qual a diferena entre sensvel e inteligvel para Aristoteles e como ele apresenta cada uma delas?

iv- sUGEstEs dE lEitUraABBAGNANO Nicola. Historia da Filosofia. Traduo de Antonio Borges Coelho, Franco de Sousa e Manuel Patrcio. v. 1. 3. ed., Lisboa: Editorial Presena, 1985. ARISTOTELES. Metafsica. Livro 1, capitulo IX. Traduo Eudoro de Souza. 1.ed., So Paulo: Abril Cultural, 1973. (Coleo Os Pensadores). MORAIS, NETO, Joaquim Jos de. Aristteles. Londrina: Editora UEL, 1999. PLATAO. Dilogos. Traduo de Maria Lacerda de Moura, 8.ed., So Paulo: Bliblioteca Clssica, 1961. ______. Dilogos, Fdon, Sofista, Poltico. Trad. de Jorge Paleikat, Joo Cruz Costa e Albert Rivaud. Rio de Janeiro: Edies de Ouro, 1970. ______. Dilogos. Trad de Marcio Pugliesi e Edson Bini. So Paulo: Hemus, 1981. ______. Menon. texto estabelecido e anotado por John Burnet; traduo de Maura Iglesias. Rio de Janeiro: Edies Loyola, 2001. ______. Parmnides. Texto estabelecido e anotado por John Burnet; traduo de Maura Iglesias. Rio de Janeiro: Edies Loyola, 2003. FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

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______. Dilogos I: Teeteto (ou do conhecimento), Sofista (ou do ser), Protgoras (ou sofistas). Traduo, textos complementares e notas Edson Bini, Bauru, SP: EDIPRO, 2007. REALE, Giovanni. Para uma nova interpretao de Plato. 2 ed. So Paulo: Edies Loyola, 1997. ______. Histria da filosofia. So Paulo: Paulus, 1990, 3v. ______. Metafsica. So Paulo: Edies Loyola, 2002, 3v. ROSS, David. Aristteles. Traduo de Luiz Felipe Bragana S.S. Teixeira. Lisboa: Publicaes Dom Quixote, 1987. TABATTONI, Franco. Oralidade e escrita em Plato. Traduo de Roberto Bolzani Filho, Fernando Eduardo de Barros Rey Punte, So Paulo / Ilhus: Editus, 2003.

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considEraEs soBrE o concEito dE caUsa E sUBstncia EM aristtElEsCarlos Eduardo Teixeira

i- coMEntrioAristteles comea a sua obra Metafsica, chamando a ateno para o teor natural do saber: todo ser humano naturalmente deseja o conhecimento (ARISTTELES, 2006, p. 980a 22). Na sequncia, querendo demonstrar que todos os homens entendem por sapincia (ou sabedoria) a forma mais elevada de saber e que esta o conhecimento das causas e dos princpios, Aristteles traa uma rpida descrio das vrias formas de conhecimento, indica como se desenvolve uma das outras e mostra que todos, concordemente, consideram como sapincia s a arte e a cincia. A experincia, assim como a sensao, refere-se sempre ao particular, e a arte e a cincia, atributos especificamente humanos, referem-se ao universal, ao porqu e causa das coisas. Do ponto de vista da utilidade prtica, a experincia pode ter mais sucesso do que a cincia, mas do ponto de vista do saber, ela muito inferior: a experincia, assim como a sensao, limita-se aos dados de fato, enquanto que a arte e a cincia alcanam o conhecimento do porqu e da causa dos fatos. Enfim, o sbio considerado assim, enquanto e na medida em que se eleva a um saber que est acima das necessidades prticas - e s o conhecimento puro das causas assim. Conclui-se, portanto, que a sapincia, ou sabedoria, conhecimento de certas causas e de certos princpios, sendo esta uma das definies que o prprio Aristteles apresenta da metafsica

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Assim, fica claro que a sabedoria (metafsica) conhecimento de certos princpios e causas (ARISTTELES, 2006, p. 982a 1). Na sequncia, de acordo o livro II da Metafsica, o trabalho gira em torno de apresentar os argumentos que mostram a necessidade do teor finito das causas (com o nmero de quatro) e para concluir se v importante uma abordagem da teoria da substncia (usiologia), pelo fato de ser a substncia, como primeira categoria, o ser fundamental, existente por si, segundo a qual buscamos as causas e princpios.

1 os qUatro sEntidos dE caUsaEstabelecido que a sapincia, ou sabedoria, conhecimento das causas e princpios, Aristteles quer agora investigar esse conceito de causa, e precisar quais so as causas envolvidas na constituio de toda a realidade sensvel. Nesse intuito, o filsofo percebe que h no termo causa uma variedade de sentidos e procede a uma determinao destes, indicando que causa se entende de quatro maneiras diferentes, e que todos esses significados cooperam entre si para o advento de todos os entes que tm ser, ou seja, que passam a existir concretamente numa dimenso esttica e dinmica. Os quatros sentidos que se entende causa so esses:causa formal (o que ) essncia do ente; causa material (do que feito); causa motora ou causa eficiente (causa do movimento); causa final (para o que feito) fim do movimento.

Duas destas causas, se olharmos bem, so fceis de discernir: a causa material e a causa eficiente. A causa material aquela de

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que feita uma coisa, a causa eficiente aquela com que feita uma coisa. Os exemplos que ocorrem imediatamente mente so sempre exemplos tomados das oficinas dos artfices: o barro e o mrmore so a matria da esttua, so aquilo de que feita a esttua, so a causa material da esttua. Os palitos, os dedos do escultor, os movimentos que o escultor imprime ao barro, os golpes que d com o cinzel e o martelo sobre o mrmore so a causa eficiente, aquilo com que, o instrumento com que feita a coisa. Mas no to fcil de discernir as outras duas causas: a formal e a final. O prprio Aristteles, s vezes, no as discerne muito bem. A causa final, dir-se-, bem claro: o propsito que o artfice tem. Mas o propsito que o artfice tem qual ? Se o propsito que o artfice tem criar um objeto, o qual, por sua vez, sirva para algo, qual o seu propsito? A criao do objeto ou aquilo para qual o objeto serve? Se for este ltimo, poderemos recolocar a pergunta e dizer: aquilo para o que o objeto serve , por sua vez, o ltimo fim que teve o artfice? Ou no ser um meio para outro fim ulterior? E teremos aqui uma progresso infinita. Mas podemos deter-nos e dizer: o propsito do artfice a criao do objeto. Assim acontece, por exemplo, nas obras de arte, que no tem outra finalidade, seno a de ser o que so. E ento nesse caso, a causa final se confundiria com a causa formal. Por que: o que causa formal? a ideia da coisa, a ideia da essncia da coisa, a ideia daquilo que a coisa daquilo que antes que a coisa seja j est na mente do artfice, e o artfice, antes que a matria receba essa essncia e se torne substncia concreta individual, tem a essncia previamente pensada. Neste caso, a causa final coincidiria com a causa formal. Cabe aqui salientarmos outras caractersticas da causa final que foram descritas por Santo Toms de Aquino em seu comentrio Metafsica de Aristteles, na qual explica:

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A) a causa final trmino do movimento, e por isso se ope ao princpio do movimento; B) a primeira na inteno e a ltima na realizao, por essa razo tida causa da coisa; C) apetecvel por si, esta a razo pela qual dita bem. Podemos observar tambm que numa dimenso esttica da realidade a causa formal e material suficiente para explic-la, porm, numa dimenso dinmica, levando em considerao a gerao, a corrupo, o movimento, o devir, so necessrias as outras duas causas, eficiente e final. Aristteles j estudou essas causas na fsica, todavia, ele pretende aqui no livro primeiro da Metafsica, a partir do captulo 3, por meio de uma metodologia muito usada por ele em todas as suas obras, que a doxologia (considerar as opinies dos especialistas da sua poca e da poca passada), retomar a questo em outras bases, para determinar que as causas so justamente estas, e no outras:Isto foi por ns investigado suficientemente em nossa obra sobre a natureza, entretanto, recorramos evidncia daqueles que antes de ns empreenderam a investigao da realidade e filosofaram acerca da verdade, pois claramente eles tambm reconhecem certos princpios e causas, de modo que representar alguma ajuda para a nossa presente investigao estudarmos seus ensinamentos, na medida em que ou descobriremos algum outro tipo de causa, ou ficaremos mais convictos quanto aos que acabamos de descrever (ARISTTELES, 2006, p.983b 1).

Essa determinao, como j foi dito acima, desenvolvese com base no exame crtico das doutrinas dos predecessores. Aqueles, diz Aristteles, tratavam de certas causas e certos princpios, que, em ltima anlise, no so mais do que as quatro causas acima descritas, embora captadas e expressas de maneira mais ou menos obscuras e inadequadas. Os antigos pensadores centravam a ateno principalmente sobre a causa material

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(por isso serem chamados de naturalistas) e no chegaram a um consenso quanto ao nmero dessas causas. Tales de Mileto afirma como princpio a gua. Segundo Aristteles presumvel que Tales chegou a essa hiptese a partir da observao de que o nutriente de tudo mido, e de que o prprio calor gerado da umidade e sua existncia depende dela, e tambm do fato de as sementes de tudo apresentarem uma natureza mida e a gua seria o princpio da natureza de coisas midas. Anaxmenes tambm da escola de Mitelo e Digenes de Apolnia afirmaram que o ar anterior gua, e , de todos os corpos simples, o mais primordial. Hipaso de Metaponto e Herclito de feso afirmam isso em relao ao fogo, Empdocles inclui a terra entre os elementos j mencionados, e afirma os quatro elementos (gua, ar, fogo e terra). Todavia, com base nos dados investigados por esses filsofos, conclumos que estes s se deram conta dos princpios de ordem material, insuficiente para explicar a realidade na sua dimenso dinmica, levando em considerao o devir das coisas. Segundo Aristteles, se realmente correto que toda a gerao e destruio procedem de um elemento, ou mesmo de mais de um, assim como os filsofos pr-socrticos afirmavam, por que sucede assim e qual a sua causa? E conclui: no certamente o prprio substrato que produz sua prpria mudana:Quero dizer, por exemplo, que nem a madeira nem o bronze so responsveis pela transformao de si mesmo: a madeira no fabrica um leito, nem o bronze uma esttua, mas alguma coisa mais, que a causa da transformao. Ora, investigar isso significa investigar o outro tipo de causa: o princpio do movimento (causa eficiente), como deveramos dizer (ARISTTELES, 2006, p.984a 20).

Ao investigar os pr-socrticos, como j foi mencionado, nessa perspectiva de verificar se foi mencionada alguma outra

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causa alm daquelas que Aristteles identificou na fsica (material, formal, eficiente, final), o filsofo conclui que no foram identificadas outras causas para alm dessas quatros, e que, de maneira obscura e incerta, foram trabalhadas pelos pr-socrticos:Fizemos apenas um conciso e breve exame dos filsofos que expressaram opinies acerca das causas e da realidade e de suas doutrinas. Todavia, ficamos sabendo o suficiente sobre eles, ou seja, que nem um dos que discorrem sobre princpio ou causa mencionou qualquer outro tipo alm dos que distinguimos no tratado sobre a natureza (ARISTTELES, 2006, p.988a 20).

Conclui-se que o termo causa tem uma amplitude semntica mais vasta do que aquela identificada pelos pr-socrticos. Para esses causa abrangia apenas o significado de causa material, apenas a origem material dos entes. Na medida em que para se conhecer totalmente um determinado ente, precisamos invocar, alm do que ele feito, causa material, tambm quem o fez, causa eficiente, e em funo do que foi feito, causa final, e de que foi feito, que a causa formal, percebemos que o termo causa se amplia em sua carga semntica, obtendo assim uma totalidade de quatro significados. De uma maneira ou de outra, um separado do outro, de forma intuitiva e no sistemtica, os quatros sentidos do termo causa foram investigados pelos filsofos predecessores, sendo Aristteles o primeiro filsofo a identificar essa amplitude semntica do conceito de causa e sistematiz-la.

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2 o tEor Finito das caUsasAps identificar que conhecer a verdade equivale conhecer as causas, e que se entende causa de quatro maneiras diferentes (formal, material, eficiente e final), Aristteles pretende agora, de acordo com livro II e captulo dois da Metafsica, demonstrar alguns argumentos que implicam o teor finito dessas causas. Segundo o filsofo, de acordo com os argumentos que apresentarei logo mais: 1) As causas no constituem uma srie infinita no mbito das espcies individuais de causas, ou seja, a finitude pertencente a todos os quatro sentidos de causa. 2) E tambm no constituem uma srie infinita de espcie, ou seja, existem apenas quatro espcie de causas. Ademais, evidente que h algum primeiro princpio e que as causas das coisas no so nem uma seqncia infinita, nem infinitamente mltiplas quanto ao tipo [...] (ARISTTELES, 2006, p. 994a 1). Segundo o filsofo um regresso ao infinito no possvel no mbito de nenhuma espcie de causas: nem na material, nem na motora, nem na formal, nem na final. Os motivos pelos quais no possvel dar-se uma srie infinita de causas so os seguintes: a) Em todas as sries de causas, os termos que esto entre o primeiro e ltimo so termos intermedirios, e cada um desses causa dos sucessivos, mas , por sua vez, causado, de modo que deve, necessariamente, haver uma causa primeira. Numa suposta srie infinita de causas, o ltimo termo o presente, todos os outros termos (por mais numerosos que sejam) so do tipo intermedirios. Portanto, nessa situao faltaria um termo primeiro, e faltando este no haveria absolutamente uma causa e, portanto, nem mesmo uma srie de causas.

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b) Um processo ao infinito no mbito da causa final absurdo, porque, se todo fim existisse em funo de um fim ulterior, no existiria nenhum fim, j que o fim aquilo que no em vista de outro, portanto que termo ltimo.aqueles que insistem na introduo da infinitude deixam de compreender que esto aniquilando a natureza do bem (ainda que ningum tentaria fazer qualquer coisa se no fosse provvel que viesse a atingir algum limite), nem haveria qualquer inteligncia no mundo, porque o indivduo inteligente age sempre visando alguma coisa, o que constitui um limite, porque o fim um limite (ARISTTELES, 2006, p. 994b 14)

c) Tampouco no mbito da causa formal possvel uma srie infinita de definies, que remetem uma a outra, porque isso destruiria a prpria possibilidade de pensar e de conhecer. Para Aristteles, tanto o saber cientfico como o conhecimento em geral implicam que se alcance algo primeiro e determinado. No que se refere aos tipos de causas, Aristteles chama a ateno para o absurdo que resultaria se as considerassem infinitas da seguinte forma: pressupor que o nmero dos tipos de causas fosse infinito, resultaria na impossibilidade de obter conhecimento;ademais, se o nmero dos tipos de causas fosse infinito, continuaria sendo impossvel obter conhecimento, uma vez que somente quando ficamos familiarizados com as causas, que supomos conhecer uma coisa, e no seria possvel, num tempo finito, examinar completamente o que infinito por adio (ARISTTELES, 2006, p. 994b 30).

Assim sendo, segundo Aristteles, a sabedoria, ou seja, o conhecimento metafsico, o conhecimento de causas e princpios, sbio aquele que conhece as causas do fato e no apenas o fato,

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e que h quatro significados para o termo causa, que cooperam entre si para o advento e conhecimento de qualquer ente real possuidor de substncia sensvel, a causa material, formal, eficiente e final, sendo que essas causas, necessariamente, so finitas quanto s espcies individuais e aos tipos.

3 a sUBstncia coMo sEr FUndaMEntal: sEGUndo a qUalBUscaMos as caUsas E princpios

At o presente momento chegamos ao entendimento, a partir da definio de metafsica, do prprio Aristteles, como cincia das causas e princpios, de que na estrutura da realizao, ou seja, para o vir-a-ser de qualquer ente (constitudo de matria sensvel) necessrio a cooperao de quatro causas que interagem entre si. E para o conhecimento desse mesmo ente necessrio que se conhea todas essas causas. E que o nmero destas tem que ser necessariamente finitas, por motivos anteriormente explicitados. No poderia terminar este texto sem fazer meno teoria da substncia (ousiologia) de Aristteles. A metafsica de Aristteles tem que necessariamente fazer meno substncia, e todos os outros conceitos esto numa relao meio que de dependncia da substncia pelos motivos que apresentarei a partir de agora. Aristteles definiu a metafsica como cincia das causas e princpios e tambm cincia do ser enquanto ser, e todas essas definies fazem uma referncia direta substncia. De que maneira isso ocorre? De acordo com o filsofo, o ser possui quatro significados, melhor dizendo, quatro grupos de significados: a) o ser como verdadeiro (ser mental); b) o ser como acidente (casual, fortuito); c) o ser como ato e potncia; d) e o ser segundo as diferentes figuras das categorias: FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

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Mas o termo simples (no qualificado) ser empregado em vrios sentidos, entre os quais vimos que um era acidental, e um outro verdadeiro (no ser sendo empregado como falso), e alm desses h tambm as figuras de predicao, isto , as categorias, por exemplo o que, ou seja, a substncia, a qualidade, a quantidade, o lugar, o tempo, e outros significados similares, e alm de todos esses o que em potncia ou em ato (ARISTTELES, 2006, 1026a 33). O que nos interessa no momento o ser segundo as categorias. De acordo com o significado do ser segundo as diversas figuras das categorias, existem oito categorias que exprimem diferentes sentidos do ser. So elas: substncia ou essncia (homem); qualidade (branco); quantidade (dois metros); relao (maior); ao ou agir (fazer aquilo); paixo ou padecer (sofrer alguma coisa); onde ou lugar (cidade); quando ou tempo (ontem). O ser que expresso em cada figura de categoria constitui um significado diverso do significado de cada uma das outras. Consequentemente, a expresso o ser segundo as figuras das categorias designa tantos significados diferente de ser, quantas so as categorias. O que nos interessa destacar aqui que h uma prioridade da categoria da substncia em relao s outras, a substncia aqui entendida como substrato, ou como sujeito. de ser vista como o sujeito primeiro do qual dependem todos os demais, sujeito primeiro que autnomo e independente, ao mesmo tempo em que princpio e substrato para a sustentao daquilo que dele se predica, a substncia tem mais ser, ou seja, o ser das outras categorias depende diretamente do ser da substncia, s posso falar da qualidade, quantidade e das outras categorias se existir anteriormente o ser substancial do qual so as qualidades, e as outras predicaes. Na predicao: Scrates branco a qualidade branca um atributo que se fala de uma substncia. Percebe-se que as outras

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categorias no tm existncia independente, e, nesse sentido, podemos concluir a superioridade ontolgica da substncia; dessa forma que uma investigao metafsica implica necessariamente uma investigao acerca da substncia (ousia). A partir da importncia que a temtica da substncia possui na metafsica aristotlica, convm fazer algumas consideraes sobre esse conceito: o que seja a substncia? Seria a forma? A matria ou o snolo (composto de matria e forma)? Sobre esse conceito, para uma determinao mais precisa, Aristteles estabelece alguns parmetros, que permitem distinguir o que substncia do que no . Por conseguinte, o filsofo elabora as caractersticas definidoras da substncia, embora de maneira pouco ordenada, as destaca em nmero de cinco: 1) aquilo que no inere a outro, e, portanto, no se predica de outro, mas substrato de inerncia e predicao de outros modos de ser; 2) aquilo que capaz de subsistir separadamente do resto, de modo autnomo, em si e por si; 3) algo determinado, portanto, no pode ser substncia um atributo universal ou um ente de razo; 4) algo que possui uma intrnseca unidade, no pode ser substncia um agregado de partes, uma multiplicidade no organizada de maneira unitria; 5) e por ltimo, caracterstica da substncia o ato e a atualidade, s ser substncia o que ato ou implica essencialmente ato, e no o que mera potencialidade. a partir destes parmetros que Aristteles pretende identificar o que seja a substncia, ou melhor dizendo, aquilo que

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pode ser maximamente chamado de substncia. O que nos convm fazer confrontarmos os trs candidatos a ttulos de substncia por excelncia, (a matria, a forma, e o sinolo) com as cinco notas definidoras da substncia identificadas acima. Comeamos com a matria. Esta possui apenas uma das caractersticas indicadas, a matria no inere a outro, e, portanto, no se predica de outro, mas substrato de inerncia e predicao de outros modos de ser. Em certo sentido, a prpria forma inerente a ela, porm, no atende ao critrio das outras quatro caractersticas, no pode subsistir por si separada da forma, no algo determinado (pois a determinao deriva da forma). No ato, mas potncia e potencialidade, pois a matria est como que a espera da forma que a atualiza, portanto, apenas num sentido muito fraco a matria substncia. Na anlise da forma, Aristteles chega concluso de que esta sim, como tambm o snolo (composto de matria e forma), possui todas as exigncias requeridas para ser a substncia em sentido prprio. Vejamos: a forma no deve sua existncia, ou melhor, seu ser a outro. Possui existncia separada, pode-se separar da matria em trs sentidos diferentes: 1) pelo pensamento; 2) a forma condio da matria, e como tal possui mais ser, de modo que tem mais autonomia do que a matria; 3) existem substncias que se esgotam inteiramente na forma e no possuem qualquer matria. Nesses casos, a forma em sentido absoluto, separado. A forma algo determinado, e determinante tambm. a forma que faz tal ente ser o que ele , e no outro; uma unidade, e d unidade a matria que informa, e por ltimo a forma ato, princpio que atualiza a matria. Ao que se refere ao snolo (composto de matria e forma), podemos dizer que por fora da sua constituio, que ele tambm

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possui, assim como a forma, todas as caractersticas que se busca em algo para ser chamado, por excelncia, substncia. Agora s nos resta investigar se entre a forma e o snolo h diferena de grau de substancialidade, quem substncia em sentido mais forte? Em diversas passagens, Aristteles usa os dois termos para indicar a substncia, em algumas ele parece considerar o snolo e o indivduo concreto como substncia no mais alto grau, noutras, ao invs, ele parece considerar a forma. Como podemos entender que no h uma contradio nisso? Com efeito, dependendo do ponto de vista no qual nos situemos, devemos necessariamente responder de um ou de outro modo, do ponto de vista emprico, e da constatao. claro que o snolo ou o indivduo parece ser a substncia por excelncia, porm, do ponto de vista ontolgico e metafsico, j que a forma princpio, causa e razo de ser, quer dizer, fundamento; e, relativamente a ela, o snolo principiado, causado e fundado. Pois bem, fica evidente que, deste segundo ponto de vista, no o snolo, mas a forma substncia, no mais alto grau, justamente enquanto fundamento, causa e princpio. Percebe-se que no so noes que se contradizem, podendo ser consideradas como duas faces de uma mesma moeda. Como j foi dito, uma investigao acerca da causa do ente requer necessariamente, e no em segundo plano, profundas meditaes acerca da substncia (usiologia). Percebe-se que todas as definies de metafsica do prprio Aristteles levam substncia, e, nesse sentido, investigar as causas e princpios primeiros e supremos investigar as causas da substncia, o que seria investigar o ser enquanto ser, seno investigar a substncia, o ser por excelncia, segundo o qual os outros modos de ser dependem.

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ii- EXtratosTodos os seres humanos naturalmente desejam o conhecimento. Isso indicado pelo apreo que experimentamos pelos sentidos, pois independentemente do uso destes, ns os estimamos por si mesmos, e mais do que todos os outros, o sentido da viso. No somente objetivando a ao, mas mesmo quando no se visa nenhuma ao, preferimos a viso no geral a todos os demais sentidos, isto porque, de todos os sentidos, a viso o que melhor contribui para o nosso conhecimento das coisas e o que revela uma multiplicidade de distines (ARISTTELES, 2006, p. 980a 22). A razo da presente discusso deve-se ao fato de supor-se geralmente que aquilo que chamado de sabedoria diz respeito s causas primeiras e aos princpios, de maneira que, conforme j foi indicado, julga-se o homem da experincia mais sbio do que os meros detentores de qualquer faculdade sensorial, o artista mais do que o homem da experincia, o mestre mais do que o arteso, e as cincias especulativas mais ligadas ao saber do que as produtivas. Assim, fica claro que a sabedoria conhecimento de certos princpios e causas (ARISTTELES, 2006, p. 981b 26) Que no se trata de uma cincia produtiva fica claro com base no exame dos primeiros filsofos. por fora de seu maravilhamento que os seres humanos comeam agora a filosofar e, originalmente, comearam a filosofar, maravilhando-se primeiramente ante perplexidades bvias e, em seguida, por um progresso gradual, levantando questes tambm acerca das grandes matrias, por exemplo, a respeito das mutaes da lua e do sol, a respeito dos astros e a respeito da origem do universo. Ora, aquele que se maravilha e est perplexo sente que ignorante (de modo que, num certo sentido, o amante dos mitos so compostos de maravilhas); portanto, se foi para escapar ignorncia que se estudou filosofia, evidente que se buscou a cincia por amor ao conhecimento, e no visando qualquer utilidade prtica (ARISTTELES, 2006, 982b 11)

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Esta claro que precisamos obter conhecimento das causas primeiras porque quando pensamos compreender sua causa primeira que reivindicamos conhecer cada coisa particular. Ora h quatro tipos reconhecidos de causa. Destes, afirmamos que um deles a essncia ou natureza essencial da coisa (uma vez que o porqu de uma coisa , em ltima instncia, reduzvel sua frmula, e o porqu em ltima instncia uma causa e princpio); um outro a matria ou substrato; o terceiro [tipo de causa] o princpio do movimento, o quarto causa que se ope a isso, nomeadamente a finalidade ou bem (ARISTTELES, 2006, p. 983a 23) A maioria dos primeiros filsofos concebeu apenas princpios materiais para todas as coisas. Aquilo de que todas as coisas consistem, de que procedem primordialmente e para o que, por ocasio de sua destruio, so dissolvidas em ltima estncia (ARISTTELES, 2006, 983b 7) Ademais, evidente que h algum primeiro princpio e que as causas no so nem uma seqncia infinita, nem infinitamente mltiplas quanto ao tipo, pois a gerao material de uma coisa a partir de outra no pode prosseguir numa progresso infinita (por exemplo, a carne a partir da terra, a terra do ar, o ar do fogo e assim por diante, indefinidamente, sem uma interrupo); nem pode a origem do movimento (por exemplo, o homem ser movido pelo ar, o ar pelo sol, o sol pela discrdia, numa srie ilimitada). Da mesma maneira, no pode a causa final ser ad infinitum, o caminhar tendo como fim a sade, a sade a felicidade e a felicidade alguma coisa mais uma coisa sempre sendo por uma outra. E ocorre precisamente o mesmo com a causa formal (ARISTTELES, 2006, p.994a 1). O termo ser utilizado em vrios sentidos, mas com referncia a uma idia central e uma caracterstica definida, e no meramente como um epteto ordinrio. Assim, como o termo saudvel relaciona-se sempre como sade (no sentido de a preservar, ou no de a produzir, ou naquele de ser um sintoma dela, ou naquele de ser receptivo a ela ) e como mdico relaciona-se com a arte da medicina (no sentido de a possuir, ou naquele de estar naturalmente

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adaptado a ela, ou naquele de que uma funo da medicina)- e descobriremos outros termos empregados de maneira semelhante a esses- do mesmo modo ser usado em diversos sentidos, mas sempre com referncia a um nico princpio. Com efeito, diz-se de algumas coisas que so porque so substncias, outras porque so modificaes da substncia; outras porque constituem um processo para a substncia, ou destruies, ou privaes, ou qualidades da substncia, ou porque so produtivas ou geradoras da substncia ou de termos relativos substncia, ou ainda negaes de alguns desses termos ou da substncia (assim, chegamos a dizer at que no-ser no-ser). Desta maneira, tal como h um cincia de todas as coisas saudveis, o mesmo aplica-se verdadeiramente a tudo o mais, pois no somente no caso de termos que expressam uma noo comum que a investigao diz respeito a uma cincia, como tambm no caso de termos que se relacionam a uma caracterstica particular, posto que estes ltimos tambm, num certo sentido, expressam uma noo comum. Fica claro, portanto, que a investigao das coisas que so, enquanto so, tambm diz respeito a uma cincia. Ora, em todos os casos o conhecimento sobretudo tange quilo que primrio, isto , aquilo de que todas as outras coisas dependem e do que extraem seus nomes. Se, ento, a substncia essa coisa primria, das substncias que o filsofo deve apreender os primeiros princpios e causas (ARISTTELES, 2006, p.1003a 33). A palavra ser apresenta vrios sentidos que foram por ns classificados em nossa exposio dos diversos sentidos em que os termos so empregados. Primeiramente denota o o que de uma coisa, isto , a individualidade; e em seguida a qualidade, ou a quantidade ou qualquer outra das demais categorias. Ora, de todos esses sentidos contemplados por ser, o primordial claramente o o que, o qual denota a substncia; com efeito, quando descrevemos a qualidade de uma coisa particular, dizemos que boa ou m, e no de trs cbitos ou um homem; mas quando descrevemos o que ela , no dizemos que branca ou quente ou de trs cbitos, mas que um homem ou um deus; e diz-se que todas as demais coisas so

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porque so quantidades ou qualidades, ou paixes, ou qualquer outra categoria do ser no primeiro sentido [isto , do o que , da substncia] (ARISTTELES, 2006, p. 1028a 10). Conseqentemente, poderamos levantar a questo de se caminhar, estar saudvel e sentar significam em cada caso alguma coisa que , ou no; analogamente, no que respeita a quaisquer outros termos desse tipo, pois nenhum deles, por natureza, possui uma existncia independente ou pode ser dissociado de sua substncia pelo contrrio, se alguma coisa, aquilo que caminha, est sentado ou est saudvel. Ora, o que torna essas coisas mais verdadeiramente existente haver algo definido subjacente a elas, isto , a substncia ou o individual, o que j est implcito numa predicao desse tipo, uma vez que independentemente dela, no podemos falar do bom ou do sentar. Fica claro, portanto, que em funo da substncia que cada uma dessas categorias existe. Por conseguinte, a substncia necessariamente aquilo que primariamente, no num sentido qualificado, mas simples e absolutamente (ARISTTELES, 2006, p. 1028a 20). A palavra substncia empregada, se no em mais do que isso, ao menos em quatro casos principais, pois se julga que tanto a essncia, quanto o universal e o gnero so substncia do particular, e em quarto lugar o substrato. O substrato aquilo do que as demais coisas so predicadas, ao passo que ele mesmo no predicado de qualquer coisa mais. Da devemos comear por determinar sua natureza, pois considera-se que o substrato primrio de uma coisa , no sentido mais verdadeiro, a sua substncia. Ora, num certo sentido entendemos que a matria a natureza do substrato, ao passo que num outro entendemos que a forma, enquanto num terceiro, a combinao de ambas. Por matria quero dizer, por exemplo, o bronze; por forma, o delineamento em que o bronze configurado, e por combinao de ambas entendo a coisa concreta, isto , a esttua. Assim, se a forma anterior matria e mais verdadeiramente mais existente, por fora do mesmo argumento ela tambm ser anterior combinao (ARISTTELES, 2006, p. 1028b 34)

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Uma vez que distinguimos no incio o nmero de casos nos quais definida a substncia e visto que um desses julga-se ser a essncia, necessrio que a investiguemos. Comecemos por tecer abstratamente alguns comentrios sobre a essncia. A essncia de cada coisa aquilo que se diz em virtude de si mesma. Com efeito, ser tu no ser instrudo, pois no s instrudo em funo de ti prprio. Tua essncia , portanto, aquilo que se diz que s em virtude de ti prprio. Mas nem sequer tudo isso a essncia, pois esta no o que se diz ser em funo de si no sentido em que se diz que a brancura pertence a uma superfcie, porque ser uma superfcie no ser branca. Tampouco a essncia a combinao de ambas, ou seja, ser uma superfcie branca. Por qu? Porque a prpria palavra repetida. Conseqentemente a frmula da essncia de cada coisa aquilo que define a palavra mas no a contm. Assim, se ser uma superfcie branca o mesmo que ser uma superfcie lisa, branca e lisa so uma e a mesma coisa (ARISTTELES, 2006, p. 1029b 14).

iii- qUEstEs para rEFlEXo1) De acordo com o texto, e o pensamento de Aristteles, quando se pode dizer que uma pessoa realmente conhece? 2) Quais so as causas envolvidas na constituio do toda da realidade sensvel? 3) Por que na metafsica aristotlica a substncia tem prioridade em relao s outras categorias? 4) Como podemos entender a substncia como forma? 5) Como podemos entender a substncia como snolo (composto de matria e forma)?

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iv- sUGEstEs dE lEitUraARISTOTELES. Metafsica. So Paulo: Edipro, 2006. BITTAR, Eduardo C. B. Curso de filosofia aristotlica: leitura e interpretao do pensamento aristotlico. Barueri, SP: Ed. Manole, 2003. CASSIN, Barbara. Aristteles e o lgos. So Paulo: Loyola, 1999. ENRICO, Berti. As razes de Aristteles. So Paulo: Loyola, 1998 MORAES NETO, Joaquim Jos de. Aristteles. Londrina: Editora da UEL, 1999. PEREIRA, Otaviano. Aristteles: o equilbrio do ser. So Paulo: Editora FTD, 1991. REALE, Giovanni. Historia da filosofia antiga. So Paulo: Loyola, 1994. ______. Aristteles metafsica. So Paulo: Loyola, 2001. ROSS, David. Aristteles. Lisboa: Dom Quixote, 1987. STRATHERN, Paul. Aristteles em 90 minutos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

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a EstrUtUra do aGir tico no pEnsaMEnto dE santo toMs dE aqUinoPaulo Roberto da Rocha

i- coMEntrio1 introdUoO incio da idade mdia foi marcado por um intenso estudo da tica aristotlica, o que exerceu grande influncia no conceito eticoteolgico, principalmente a partir do sculo XIII, onde, portanto, a tica comeou a tomar duas direes bem distintas: uma teolgica, dando prioridade aos problemas de compatibilizao da tica aristotlica com a tradio tica crist procedente de Santo Agostinho, e uma filosfica, que tentava recuperar a tradio aristotlica da eudaimonia, coroada pela contemplao filosfica. As discusses no campo da moral no perodo medieval so marcadas principalmente pelo papel da razo1 no exerccio do ato moral, opondo entre si as duas tendncias; intelectualista, marcada por Santo Alberto Magno,

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O telogo no procura provar, atravs da razo, as verdades reveladas s quais adere pela f. Tal adeso perderia todo o valor se assentasse numa prova fornecida pela razo. Segundo Toms, a f no est ligada a uma pesquisa da razo natural para demonstrar aquilo em que se acredita. O telogo apela para a razo natural no para provar este ou aquele artigo de f, por exemplo, a criao temporal do mundo ou o mistrio de um Deus em trs pessoas, mas para explicitar o contedo desses artigos e captar a ordem dos argumentos pelos quais se passa de um para outro. O papel da razo humana no ensino sagrado no provar as verdades da f, pois a f perderia nessa altura todo o mrito, mas explicitar o contedo desse ensino (RASSAM, 1969, p. 20).

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maior intrprete de Aristteles do sculo XIII e voluntarista por Santo Anselmo, a partir do sculo XI. A plena integrao ao sistema moral cristo do humanismo grego da tica a Nicmaco confere uma importncia decisiva na histria do humanismo cristo na tica de Toms de Aquino, abordada em uma de suas principais obras, a Suma Teolgica. Na tica de Toms de Aquino, o fim ltimo do homem identificado como a bem-aventurana, que em sua essncia consiste em ato da inteligncia. Mas no possvel ao homem possuir a bem-aventurana perfeita nesta vida presente, e sim somente uma bem-aventurana imperfeita, sendo que o bem perfeito e suficiente exclui todo mal e satisfaz todo desejo. No entanto, esta vida est submetida a muitos males, que no podem ser evitados e o desejo de bem no pode ser saciado. Toms afirma que o homem se distingue das criaturas irracionais pela possibilidade de poder dominar seus atos por meio da razo e da vontade, ou o que ele denomina de livre-arbtrio. As aes humanas procedem segundo ele de uma vontade deliberada ou esclarecida pela inteligncia. Sendo assim, este ato voluntrio realizado tendo em vista um fim, sendo este, portanto, o objeto da vontade. E como este fim se apresenta inteligncia como verdade ou algo desejvel, mostra-se como um bem, exercendo sobre a vontade uma espcie de atrao, suscitando o desejo e colocando a vontade em movimento. Influenciado tanto pelo voluntarismo agostiniano que afirmava que as paixes podem ser moralmente elevadas, como pelo intelectualismo aristotlico quando este elabora a tica humanista, razo e vontade tero um papel fundamental na tica tomsica, muito mais de colaborao do que de disputa. Mas o homem no livre a ponto de no querer a sua felicidade, ou seja, alcanar a bem-aventurana, o que ocorre

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que ele pode errar nas escolhas concretas pelas quais, em sua vida, o tornar apto ou no em possuir a bem-aventurana prometida por Deus. Santo Toms no faz citaes de Plato, mas os grandes temas platnicos j estavam presentes no pensamento ocidental cristo, principalmente por intermdio de Santo Agostinho. Para Plato a felicidade consiste na contemplao da vida imortal da ideia do bem, ou ideia suprema, origem de tudo o que belo e bom no mundo. Mas isso somente seria possvel mediante ao desapego dos bens sensveis e pela busca incessante pela justia. Para Santo Toms, Deus essa ideia de bem ou ideia suprema e origem de tudo. Mas ele se refere mais explicitamente a Aristteles, a quem ele chama de o filsofo por excelncia, sendo que este localiza a bem-aventurana na vida contemplativa. Portanto, os nossos atos direcionados a esse fim so mediante a lei natural, ou seja, uma espcie de luz de Deus, que nos ajuda a discernir o que bom do que mau. Com o tratado sobre a lei, Santo Toms de Aquino traa o horizonte objetivo da existncia tica, restandolhe enumerar sistematicamente as virtudes segundo sua ordem, a unidade orgnica que entre elas vigora e as modalidades de seu exerccio concreto na vida do sujeito tico. Toms faz uma distino entre duas concepes de razo: razo especulativa ou terica e razo prtica, pois, segundo ele, prprio do homem que se incline a agir segundo a razo. Enquanto a razo especulativa trata das coisas necessrias em busca de verdades universais, cabe a razo prtica tratar das coisas contingentes, nas quais se compreendem as operaes humanas, com o intuito de conhecer as realidades singulares, propondo tais bens particulares ao querer da vontade. E como o homem deve agir em vista do fim, sendo ele racional, poder ter, portanto, domnio sobre os seus atos pela razo prtica e pela vontade, e como o bem

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definido como algo que toda coisa deseja, este se apresenta ao intelecto como verdadeiro e, portanto, algo desejvel vontade. O papel da razo prtica de suma importncia, pois, por meio dela, o homem tem a possibilidade de conhecer as realidades contingentes, e estas ficam a merc da vontade. A faculdade da inteligncia tem o primado sobre as outras faculdades e o conhecimento intelectual humano ilimitado. O conhecimento se d na alma, a partir de sua inteligncia. Mas ela no conhece o corpo pela sua essncia, como Deus, mas, de acordo com a adaptao feita por Agostinho nas concepes de Plato, Santo Toms afirma que nosso conhecimento se d a partir de nossa participao no que ele denomina de luz incriada que Deus, na qual esto contidas as razes eternas. Como existem dois gneros de potncias de conhecer, os sentidos e a inteligncia, conclui-se que h tambm dois gneros de potncias apetitivas: as potncias apetitivas sensveis que se seguem ao conhecimento sensvel, e a vontade, que se segue ao conhecimento intelectual. Inteligncia e vontade so duas potncias unidas e agem, portanto, uma sobre a outra igualmente e so denominada