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Fundamentos Teóricos 95 Atividade de estudo como guia do desenvolvimento da criança em idade escolar: contribuições ao currículo de Ensino Fundamental Flávia da Silva Ferreira Asbahr 1 ara pensarmos e colocarmos em prática um currículo, no nosso caso o Currículo Comum para o Ensino Fundamental Municipal de Bauru, é necessário entender a quem estamos ensinando, quem são as pessoas que irão aprender aquilo que está sistematizado na forma de conteúdo curricular. Defendemos que a compreensão sobre o conteúdo e a estrutura da atividade guia em cada período de desenvolvimento é fundamental para pensarmos a organização e a metodologia do ensino, o que abarca a organização do conteúdo a ser ensinado. O foco específico deste capítulo será a compreensão acerca da atividade de estudo, a qual deve emergir como a atividade específica das crianças que estão matriculadas no ensino fundamental. No caso do ensino fundamental a compreensão sobre a atividade de estudo se faz urgente, pois temos poucas pesquisas e sistematizações sobre este período, seu conteúdo e estrutura. Como ensinar se pouco conhecemos a quem ensinamos em termos de 1 Psicóloga. Doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Docente do departamento de Psicologia, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Bauru. P 1 3

Fundamentos Teóricos 13 Atividade de estudo como guia do ...ead.bauru.sp.gov.br/efront/www/content/lessons/72/Atividade de... · Fundamentos Teóricos 97 O estudo, isto é, aquela

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Fundamentos Teóricos

95

Atividade de estudo como guia

do desenvolvimento da criança

em idade escolar: contribuições

ao currículo de Ensino

Fundamental

Flávia da Silva Ferreira Asbahr1

ara pensarmos e

colocarmos em prática um

currículo, no nosso caso o

Currículo Comum para o Ensino

Fundamental Municipal de

Bauru, é necessário entender a

quem estamos ensinando, quem

são as pessoas que irão

aprender aquilo que está

sistematizado na forma de

conteúdo curricular.

Defendemos que a

compreensão sobre o conteúdo

e a estrutura da atividade guia

em cada período de

desenvolvimento é fundamental

para pensarmos a organização e

a metodologia do ensino, o que

abarca a organização do

conteúdo a ser ensinado. O foco

específico deste capítulo será a

compreensão acerca da

atividade de estudo, a qual deve

emergir como a atividade

específica das crianças que

estão matriculadas no ensino

fundamental.

No caso do ensino

fundamental a compreensão

sobre a atividade de estudo se

faz urgente, pois temos poucas

pesquisas e sistematizações

sobre este período, seu

conteúdo e estrutura. Como

ensinar se pouco conhecemos a

quem ensinamos em termos de

1 Psicóloga. Doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Docente do departamento de Psicologia, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Bauru.

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Fundamentos Teóricos

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desenvolvimento psicológico?

Como organizar um ensino que

produza desenvolvimento se

pouco sabemos como se

desenvolve a atividade de

estudo? Como organizar o

ensino dos conteúdos

curriculares de maneira a

produzir desenvolvimento

psicológico em nossos

alunos(as)?

Primeiramente é importante

conceituar a atividade de estudo.

Vale destacar que quando

estamos falando sobre a

atividade de estudo não

podemos tomá-la como

sinônimo das ações realizadas

cotidianamente pelas crianças

na escola e fora dela, tais como

leitura de textos, realização de

exercícios para fixação de

conteúdos, avaliações, cópias,

lição de casa etc. A atividade de

estudo refere-se à atividade guia

do desenvolvimento na idade

escolar, cuja característica é

produzir a constituição de uma

neoformação psicológica

essencial ao processo de

humanização, a formação do

pensamento teórico. As ações

mencionadas podem compor a

atividade de estudo se seus fins

forem condizentes com os

motivos desta atividade no

sentido da formação do

pensamento teórico, mas

podem, por outro lado, serem

meras operações que pouco

contribuem à sua formação.

Segundo Tolstij (1989), o

sentido principal do estudo é a

mudança da contemplação

sensorial ao pensamento

abstrato. A criança passa a

poder dominar os

conhecimentos científicos,

filosóficos e artísticos, bem

como amplia suas idéias sobre o

mundo e “prepara-se

teoricamente para a ação futura

no mundo das relações e dos

objetos humanos” (p.165).

O termo “atividade de estudo”

refere-se especialmente à

atividade de aprendizagem que

ocorre na escola, instituição cuja

particularidade é a transmissão

da cultura humana elaborada.

Entende-se, na perspectiva

teórica adotada, o estudante

como sujeito, como

personalidade integral e não

como a soma de capacidades

isoladas e fragmentadas.

Elkonin sintetiza o que é a

atividade de estudo:

Fundamentos Teóricos

97

O estudo, isto é, aquela atividade em cujo processo transcorre

a assimilação de novos conhecimentos e cuja direção

constitui o objetivo fundamental do ensino é a atividade

dominante nesse período. Durante este, tem lugar uma

intensa formação das forças intelectuais e cognitivas da

criança. A importância primordial da atividade de estudo está

determinada, ademais, porque por meio dela se mediatiza

todo o sistema de relações da criança com os adultos que a

circundam, incluindo a comunicação pessoal na família

(ELKONIN, 1987, p.119).

Neste texto traremos duas discussões que entendemos ser

centrais à organização do ensino, especialmente nas séries iniciais

do ensino fundamental (1o ao 5o ano). Discutiremos, primeiramente,

como se forma e se estrutura a atividade de estudo. Em um

segundo momento, abordaremos a formação do pensamento

produzida pela atividade de estudo, ou seja, a formação do

pensamento teórico e sua relação com a organização do ensino.

1 FORMAÇÃO E ESTRUTURA DA ATIVIDADE DE ESTUDO

A entrada na escola, especificamente no primeiro ano do ensino

fundamental, representa um marco importante no desenvolvimento

da criança, que pode modificar de forma radical sua personalidade

(VYGOTSKY, 1988). Modifica-se substancialmente a situação da

criança perante a sociedade, que começa a realizar uma atividade

valorizada socialmente, considerada “importante e séria”, ou seja,

ocorre uma mudança em sua posição social.

A atividade de estudo, se bem conduzida pela escola e pela

família, produz uma nova situação social de desenvolvimento2 da

personalidade da criança. A partir desse momento precisa fazer os

deveres escolares, não pode ser interrompida quando está

estudando, não pode faltar às aulas, passa a ter novas obrigações

etc. E, desta maneira, a escola produz o trânsito da família para a

2 Na concepção vigotskiana, o conceito de situação social de desenvolvimento é fundamental. Segundo o autor, para entendermos a relação da criança com o meio, não é suficiente considerar apenas seu entorno como algo externo à criança, a partir de uma concepção ambientalista de desenvolvimento. Deve-se ter em consideração que a relação da criança com o meio social é uma relação dinâmica e ativa e que a realidade social é muito mais complexa do que o entorno do sujeito. Vigotski postula, inclusive, que as mudanças produzidas no curso do desenvolvimento modificam sua própria situação social.

Fundamentos Teóricos

98

sociedade civil (TOLSTIJ, 1989). Disto podemos depreender uma

implicação pedagógica: a criança precisa ser introduzida à atividade

de estudo de forma intencional pela escola e pela família, o que

significa criar um contexto de valorização das ações de estudo.

O papel da família na formação da atividade de estudo foge aos limites deste texto. No

entanto é importante frisar que, de forma geral, as famílias têm muitas dúvidas sobre

como ajudar suas crianças no processo de escolarização e, dessa forma, a escola não

pode se redimir de orientar os pais neste sentido. Um exemplo importante é a formação

de conselheiros escolares em curso no sistema municipal de Bauru, pois não basta exigir

a participação das famílias se não as ensinamos a participar. Sobre a participação da

família na vida escolar recomendo a leitura de dois textos que compõe a Proposta

Pedagógica para a educação infantil deste município: “Relações entre escola e família:

reflexões e indicativos para a ação de docentes e gestores educacionais” e “Conselhos

Escolares e Democracia Participativa: Aspectos legais e políticos da gestão democrática”,

disponíveis em:

<http://www.bauru.sp.gov.br/arquivos2/arquivos_site/sec_educacao/proposta_pedagogica

_educacao_infantil.pdf>.

Segundo Tolstij (1989), como resultado da mudança da posição

social da criança e de sua situação social de desenvolvimento,

nasce em torno dos seis anos ou sete anos, o desejo de estar na

escola e aprender o que pessoas adultas sabem. O jogo, atividade

guia do desenvolvimento no período anterior, paulatinamente cede

lugar a uma nova forma de atividade, o estudo, e surge uma

motivação social mais ampla por meio da formação da capacidade

de estudo: a escola torna-se potencialmente o centro da vida das

crianças.

Bozhovich (1985) sintetiza estas transformações:

Resumindo a caracterização das mudanças que ocorrem na

vida da criança ao ingressar na escola, podemos assinalar

uma mudança decisiva do lugar da criança no sistema de

relações sociais acessíveis a ela, e de toda sua forma de vida.

Destaca-se que a posição do escolar, devido ao ensino geral

Fundamentos Teóricos

99

obrigatório e ao sentido ideológico que em nossa

sociedade se concede ao trabalho3, incluindo ao

escolar, cria uma tendência moral especial da

personalidade da criança. O estudo não é para ela

simplesmente uma atividade de assimilação de

conhecimentos nem um meio para preparar-se para o

futuro, e sim a criança o compreende e o sente

também como sua própria obrigação de trabalhar,

como sua participação na vida laboral cotidiana de

todos (p. 169).

Além disso, segundo Vygotsky (1988), o aprendizado

escolar produz desenvolvimento psicológico na medida em

que atua na Zona de Desenvolvimento Iminente e, dessa

maneira, produz novas formações psicológicas. Ocorre uma

intensa formação das capacidades intelectuais e cognitivas

da criança e todas as suas relações, inclusive as relações

familiares, passam a estar mediadas pela atividade de

estudo. (ELKONIN, 1987).

O conteúdo fundamental da atividade de estudo são os

conhecimentos teóricos:

[...] é a assimilação dos procedimentos

generalizados de ação na esfera dos conceitos

científicos e as mudanças qualitativas no

desenvolvimento psíquico da criança que ocorre

sobre esta base (DAVIDOV; MARKOVA, 1987,

p.324).

A finalidade da educação escolar é, portanto, a formação

do pensamento teórico, tendo em vista a constituição da

personalidade integral dos(as) estudantes.

3 A autora refere-se à educação na ex-URSS, em situação de socialismo desenvolvido. Defendemos que a atividade de estudo é também característica das crianças que estudam na escola primária burguesa, pois o desenvolvimento infantil deve ser entendido na perspectiva do gênero humano, ou seja, tendo como meta as máximas possibilidades de desenvolvimento em cada momento histórico

Fundamentos Teóricos

100

Segundo Davidov e Markova

(1987), além do conteúdo desta

atividade, é importante destacar

sua unidade de análise4, a

tarefa de estudo, que expressa a

unidade entre forma e conteúdo

no ensino e é organizada a partir

de um problema de

aprendizagem. O termo

“problema de aprendizagem”

não se refere a problemas

práticos ou cotidianos da criança

ou de sua realidade imediata e

empírica, mas sim a problemas

concretos, colocados pela

história humana em sua

dimensão genérica. Trata-se de

um problema que, para ser

solucionado, demanda a

reprodução do movimento

lógico-histórico do conceito e o

domínio de um modo geral de

ação de estudo pelo(a)

estudante.

Podemos ver um exemplo de tarefa de estudo que busca reproduzir o movimento lógico-histórico do conceito no artigo “Relações entre educação infantil e conhecimento matemático”, disponível em:

<http://www.infoteca.inf.br/endipe/smarty/templates/arquivos_template/upload_arq

uivos/acervo/docs/1964p.pdf. O texto traz a estória de “Verdim e seus amigos”, que tem como objetivo estabelecer relações entre as significações aritméticas, algébricas e geométricas dos conceitos matemáticos.

4 Segundo Vigotski (2000), a unidade de análise refere-

se àquele produto da análise que possui todas as

propriedades inerentes ao todo, ou seja, a parte

indecomponível, que revela, em sua forma primária e

simples, as propriedades do todo.

A organização do ensino

tendo como referência a tarefa

de estudo busca superar o

intelectualismo e verbalismo tão

presente no ensino de conceitos.

Assim não se trata de garantir

que a criança aprenda apenas a

verbalizar um conceito, mas que

se aproprie do processo lógico e

histórico que produziu a

necessidade e a elaboração

daquele conceito, e isto só

ocorre se ela estiver em

atividade de estudo.

Tendo a tarefa de estudo

como unidade da atividade de

estudo, Davidov e Markova

(1987) apresentam os elementos

que compõem sua estrutura

como atividade. Primeiramente,

a compreensão pelo (a)

estudante das tarefas de estudo,

que (a) o leve a generalizar os

conteúdos estudados e a

Fundamentos Teóricos

101

dominar novos procedimentos

de ação. Essa compreensão

relaciona-se intimamente com a

motivação para o estudo, com a

transformação da criança em

sujeito da atividade de estudo. A

segunda é a realização de ações

de estudo, que com uma

orientação correta do processo

de ações de estudo, permita a

identificação das relações entre

as generalizações conceituais. E

por fim, a realização das ações

de controle e de avaliação da

aprendizagem feita pelo(a)

próprio(a) aluno(a).

No processo de formação da

atividade de estudo, o papel

do(a) professor(a) é central, pois

é ele(a) que organiza as tarefas

de estudo e ajuda os(as)

estudantes a compreender e a

realizar as ações de estudo,

controle e avaliação. Dessa

maneira, o(a) professor(a)

paulatinamente cria situações

que proporcionam aos(às)

estudantes a autonomia na

resolução das tarefas de estudo

e a formação da capacidade de

estudar.

Compreender estes

elementos é fundamental para

pensarmos e produzirmos um

ensino na perspectiva

vigotskiana, ou seja, que

promova o desenvolvimento e,

neste caso, o desenvolvimento

do pensamento teórico, o que

requer pensarmos quais serão

as tarefas de estudo, como o

conteúdo curricular está

presente nestas tarefas e como

serão organizadas as ações de

autoavaliação. Ao organizar o

ensino tendo como referência a

estrutura da atividade de estudo

o(a) professor(a) pode fomentar

o desenvolvimento da

capacidade de estudar, no

sentido da auto-organização

do(a) estudante, o que envolve o

desenvolvimento da autonomia e

do controle voluntário da

conduta. Paulatinamente a

criança transforma-se em sujeito

da atividade de estudo.

É importante ressaltar que a

atividade de estudo não se

forma de maneira natural. É

preciso preparar a criança para

a organização de sua atividade

cognoscitiva e este é um dos

papéis da escola nos anos

iniciais, formar uma postura de

estudante. Bozhovich (1985)

traz algumas contribuições para

entendermos o processo de

formação da atividade de

estudo.

Fundamentos Teóricos

102

Segundo Bozhovich, no início

do processo de escolarização,

as crianças chegam

interessadas na escola e

querem fazer as coisas que o

professor solicita. Quando

observamos crianças pequenas,

ao final da pré-escola ou nos

anos iniciais do ensino

fundamental (1o e 2o anos),

facilmente percebemos seu

interesse inicial pelo estudo e

pela escola. Ingressam com a

expectativa de aprender a ler e a

escrever, de forma geral gostam

das tarefas propostas e

estabelecem com o(a)

professor(a) uma relação de

autoridade. Sua motivação está

ligada à figura do(a) professor(a)

e, ainda na transição do jogo

para o estudo, as atividades

escolares aproximam-se do

jogo: a criança imita o que a

pessoa adulta faz ou pede, quer

fazer coisas sérias, quer fazer

“coisas de escola” ou “coisas de

adulto”.

Em torno do 3o ano,

aproximadamente, nota-se que o

interesse pela escola e pelo

estudo começam a decair e

iniciam-se os problemas de

indisciplina. Bozhovich (1985)

chama a atenção para o

paradoxo deste fenômeno: as

funções psicológicas superiores

tornam-se mais complexas, as

crianças têm condições (e

querem) saber sobre a

explicação dos fatos mas, ao

mesmo tempo, há uma

diminuição do interesse pelo

estudo. Segundo a autora, as

causas deste fenômeno

encontram-se nas falhas da

organização do ensino que

rompem com a lógica do

desenvolvimento psíquico

infantil.

Um desses erros refere-se à

própria organização dos

conteúdos baseada na

compreensão empírica dos

fenômenos, o que não satisfaz

as necessidades cognitivas das

crianças. (BOZHOVICH, 1985;

DAVIDOV, 1988). Como nosso

ensino ainda é

predominantemente verbalista,

baseado na memorização,

pouco se exige da criança em

termos da capacidade de formar

nexos conceituais, da

capacidade de entender e

operar com conceitos, ao invés

de sua simples reprodução

formal (de forma oral ou escrita).

Fundamentos Teóricos

103

Outro equívoco deve ser atribuído à questão da organização dos

grupos e das atividades coletivas na escola. A motivação social

advinda do(a) professor(a) diminui no decorrer da escolarização,

mas aumenta o papel do grupo de amigos(as) no processo de

desenvolvimento e formação dos motivos.

O fato de que as crianças ocupem-se na escola de uma

atividade comum, extraordinariamente importante – o estudo –

conduz ao surgimento de determinadas relações: nas crianças

origina-se o desejo de estarem juntas, de brincar juntas, de

trabalhar, de cumprir as tarefas sociais encomendadas; nelas

surge o interesse pela opinião dos colegas, querem gozar de

sua simpatia e que reconheçam seus méritos. [...] Assim, a

valorização dos companheiros, a opinião do coletivo infantil,

converte-se paulatinamente em motivos fundamentais da

conduta do escolar (BOZHOVICH, 1985, p.211).

Vale lembrar que no processo de desenvolvimento começa a

constituir-se a próxima atividade guia, a comunicação íntima

pessoal, objeto do capítulo a seguir. O objeto desta atividade são,

justamente, as relações entre os(as) adolescentes. No entanto, via

de regra, organiza-se o ensino de maneira individualista,

desconsiderando o papel do outro no processo de aprendizagem,

especialmente o papel dos(as) colegas de classe no

desenvolvimento da motivação para o estudo.

Ressalta-se que uma característica fundamental da atividade de

estudo diz respeito à sua configuração como atividade conjunta,

coletiva, tanto por estar mediada pela atividade do(a) professor(a),

como por se desenvolver entre os(as) estudantes. Inclusive um dos

papéis do(a) professor(a) na organização do ensino é organizar as

ações de estudo de forma coletiva.

No caso da educação escolar, a atividade de estudo

desenvolvida a partir da interação entre as crianças tem

demonstrado melhores resultados no que diz respeito ao processo

Fundamentos Teóricos

104

de assimilação do

conhecimento, por exemplo, em

situações de discussão sobre a

origem de determinado conceito

(RUBTSOV, 1996).

Ressalta-se aqui o papel

do(a) professor(a) na

organização de atividades

coletivas a partir da

compreensão do caráter coletivo

da aprendizagem humana. Não

é o que se valoriza na grande

maioria de nossas escolas, em

que as atividades grupais são

desvalorizadas ou

desencorajadas e prevalecem

práticas que estimulam a

competição entre os(as)

alunos(as) (e até mesmo entre

os(as) docentes), favorecendo o

individualismo tão típico de

nossa sociedade. Bozhovich

(1985) destaca que a correta

organização do grupo poderia

criar as condições para a plena

formação das particularidades

psíquico-morais da

personalidade da criança.

No nosso caso, trabalhar com

a organização dos coletivos

infantis não significa apenas

encontrar formas mais eficazes

de organizar o ensino, mas sim

fundamentalmente trabalhar no

sentido de produzir de forma

intencional uma ética do coletivo

e da solidariedade tão

necessária aos dias de hoje.

Lazaretti (2011), sistematizando

as idéias e pesquisas de Elkonin

sobre a atividade de estudo,

sintetiza o papel e a importância

da formação dos coletivos

infantis:

Formar para a coletividade pressupõe educar a criança a sentir-

se como membro de um conjunto, vinculando-se ao todo social,

para viver uma vida comum. O papel da coletividade na vida

pessoal das crianças é formar tanto para se tornar membro

quanto tomar consciência de suas obrigações perante o coletivo,

tomando consciência de seu pertencimento à coletividade. Essa

coletividade pode ser expressa no cumprimento das obrigações

da classe pela criança e submeter sua conduta às exigências

desse coletivo. Isso fomenta qualidades volitivas da

personalidade do escolar como o empenho, a decisão, o domínio

de si mesmo, a disciplina etc. (p.247).

Fundamentos Teóricos

105

A organização dos coletivos infantis5 traz, assim, um elemento

importante ao “como ensinar”, que ressalta a dimensão política da

educação escolar e articula o conteúdo teórico com uma forma de

ensinar que supere o intelectualismo. Na dialética entre forma e

conteúdo do ensino, a forma também é um conteúdo que traz

finalidade àquilo que a criança aprende para além de uma

perspectiva utilitarista de conhecimento. Ou seja, não basta

aprender para ficar mais inteligente, para passar no vestibular, para

ter um bom emprego no futuro. É necessário aprender como uma

necessidade humana, como uma necessidade do coletivo.

Apresentei algumas características da atividade de estudo e de

sua formação. Em síntese, há dois elementos centrais a serem

destacados para que possamos dar continuidade à nossa discussão

sobre esta atividade guia: 1) um bom ensino, que promova o

desenvolvimento de nossos(as) estudantes, deve ser organizado

tendo a atividade de estudo como referência, e especialmente

pautar-se na ideia de que esta atividade não se desenvolve

naturalmente, sendo preciso fomentar o desenvolvimento da

capacidade de estudar; 2) uma característica fundamental da

atividade de estudo diz respeito à sua configuração como atividade

conjunta, coletiva, o que traz implicações importantes à organização

do ensino.

Feita esta síntese, vamos à discussão do próximo item deste

capítulo: como se forma o pensamento teórico e sua relação com a

maneira como o ensino é organizado.

2 FORMAÇÃO DO PENSAMENTO TEÓRICO E ORGANIZAÇÃO

DO ENSINO

Como tenho frisado, no ensino escolar, a apropriação da

experiência socialmente elaborada realiza-se na atividade de

estudo, o que nos coloca algumas questões pedagógicas: como

organizar a atividade da criança de modo que ela reproduza e se

5 Em Bauru, destaca-se o

projeto intitulado “Formação

de grêmios estudantis em

escolas públicas municipais

de Bauru”, parceria entre a

Secretaria Municipal de

Educação de Bauru e o

departamento de Psicologia

da UNESP, desenvolvido

com recursos do núcleo de

ensino (PROGRAD-

UNESP) . O projeto,

coordenado por mim, por

Larissa Figueiredo Bulhões

(UNESP-Bauru) e por Rita

Regina da Silva Santos

(SME-Bauru) iniciou-se em

2012 e tem como objetivo

contribuir para a efetiva

organização dos alunos das

escolas de ensino

fundamental, por meio da

implementação de grêmios

estudantis, tendo em vista a

construção de uma gestão

escolar democrática e

participativa. No capítulo

sobre gestão democrática

deste currículo o projeto é

apresentado de forma

breve.

Fundamentos Teóricos

106

aproprie da experiência socialmente elaborada cristalizada na forma

de conhecimento escolar (expresso no currículo)? Como organizar o

ensino de maneira que este possa produzir o pensamento teórico

em nossos(as) estudantes?

Antes de nos debruçarmos sobre estas questões é importante ter

clareza sobre o que é o pensamento teórico. Este se desenvolve

quando se mostra às crianças a necessidade de estruturar e

assimilar o procedimento geral de orientação em determinada

área de conhecimento (DAVIDOV; MARKOVA, 1987).

Segundo Davidov (1988), o conteúdo do pensamento teórico é a

existência mediatizada, refletida, essencial, que reproduz as formas

universais das coisas. A pessoa que pensa teoricamente opera com

conceitos e não apenas com representações imediatas da

realidade. Para o autor, expressar o objeto por meio do conceito

significa compreender sua essência:

O conceito aparece aqui como a forma de atividade mental por meio da qual se reproduz o objeto idealizado e o sistema de suas relações, que, em sua unidade, refletem a universalidade ou a essência do movimento do objeto material. O conceito atua, simultaneamente, como forma de reflexo do objeto material e como meio de sua reprodução mental, de sua estruturação, isto é, como ação mental especial (DAVIDOV, 1988, p. 126).

Diferentemente do pensamento empírico, que apreende a

realidade pela via sensorial, a essência do pensamento teórico está

nas dependências internas, que não podem ser observadas

diretamente, mas apenas de forma mediada. Nesta perspectiva, o

objeto só pode ser compreendido como totalidade, e não como

somatória de partes. Torna-se necessário descobrir as inter-

relações dos objetos isolados dentro de um sistema. A tarefa do

pensamento teórico é elaborar os dados da contemplação por meio

de conceitos, de abstrações iniciais, que revelam as conexões

simples e essenciais do objeto em questão. Na análise de um

Fundamentos Teóricos

107

fenômeno, deve-se separar os elementos que possuem caráter de

universalidade, aquilo que é essencial na determinação universal

do objeto6.

Segundo Davidov (1988), o pensamento teórico provê as

pessoas dos meios universais, historicamente constituídos, de

compreensão da essência das mais diversas esferas da realidade.

É um pensamento baseado na lógica dialética, que permite

conhecer a realidade em movimento e por contradição. É importante

destacar que a formação dessa qualidade de pensamento é

essencial ao desenvolvimento de todas as outras funções

psicológicas e permite ao sujeito certa autonomia na apropriação e

produção de novos conhecimentos (SFORNI; MOURA, 2002).

No entanto, o tipo de ensino que vigora na maioria de nossas

escolas leva apenas à formação do pensamento empírico

(DAVIDOV, 1988). Os métodos de ensino, nesta perspectiva,

restringem-se à generalização empírica, expressa por conceitos

empíricos e cotidianos. Ou seja, os estudantes são levados a

analisar, comparar e classificar diferentes objetos, buscando neles o

que há de comum, as propriedades repetidas, estáveis, que

parecem constituir-se como o essencial na definição dos objetos em

análise. Tais procedimentos são organizados levando em conta o

caráter visual direto, a percepção dos objetos. Palangana, Galuch e

Sforni (2002) sintetizam tal proposta didática:

É priorizada uma forma de ensino em que a introdução de

novos conceitos segue sempre a mesma estrutura: um

pequeno texto, às vezes, com apenas uma frase,

acompanhado de vários exemplos. Após a apresentação do

conceito, surgem os exercícios que, normalmente, exigem a

reprodução das mesmas palavras e exemplos citados. Na

sequência, um novo texto apresenta um novo conceito e a

dinâmica se repete. Pode-se constatar que, apesar do ensino

centrar-se em conceitos, não há preocupação com a

aquisição ou formação destes, isto é, com a elaboração de

6 Na epistemologia

marxiana o concreto é um

problema para o

pensamento e não um dado

obtido pela percepção. Isto

significa que o pensamento

teórico realiza o movimento

de ascensão do abstrato ao

concreto, discussão que

foge aos limites deste texto.

Em Asbahr (2016) explico

melhor este movimento.

Fundamentos Teóricos

108

7 Ao mencionar o conhecimento para a vida,

não me refiro a uma concepção utilitarista de

conhecimento, mas sim à compreensão de que os

conhecimentos podem fazer parte da personalidade viva

dos estudantes, como aponta Leontiev (1983).

novos significados. Os textos, exemplos, histórias levam, tão

somente, à identificação de conceitos. Solicita-se a

classificação de objetos em determinadas categorias e não a

formação de categorias. Um exemplo disso está, inclusive,

explícito nos objetivos propostos por muitos planejamentos:

identificar, reconhecer, nomear, classificar, citar... Ao aluno

resta a tarefa de “fixar” ou reconhecer atributos dentro de um

âmbito previamente definido (PALANGANA, GALUCH;

SFORNI, 2002, p.115-116).

O pensamento, dessa forma, limita-se à comparação de dados

sensoriais, separação das características gerais, classificação e

inclusão em classes, e, no máximo, aprende-se a reproduzir

formalmente o que foi aprendido, mas não se aprende a operar, a

pensar com os conceitos. Configura-se uma aprendizagem

encapsulada, que pouco responde a questões do cotidiano das

crianças e pouco transforma os conteúdos escolares em

conhecimentos para a vida7. Engeström (1996), tendo como fonte

a abordagem de Davidov, analisa o que chama de “encapsulação

da aprendizagem” e explica a gênese desse fenômeno:

Em termos gerais, a teoria de Davydov sugere que a

encapsulação da aprendizagem se deve a um viés

empiricista, descritivo e classificatório no ensino tradicional e

na elaboração de currículos. O conhecimento adquirido na

escola é em geral de uma qualidade tal que não consegue se

tornar uma instrumentalidade viva para dar conta da multidão

espantosa de fenômenos naturais e sociais encontrados pelos

alunos fora da escola. Em outras palavras, o conhecimento

escolar se torna e permanece inerte porque não é ensinado

geneticamente, porque seus “germes” nunca são descobertos

pelos estudantes, e consequentemente porque os estudantes

não têm a chance de usar esses “germes” para deduzir,

explicar, predizer e controlar na prática fenômenos e

problemas concretos em seu ambiente. Assim, a

Fundamentos Teóricos

109

encapsulação pode ser rompida organizando-se um processo

de aprendizagem que leve a um tipo de conceito radicalmente

diferente daqueles produzidos em formas anteriores de

escolarização (ENGESTRÖM, 1996, p. 186).

Feitas estas diferenciações

entre o pensamento teórico e o

empírico, destacam-se os

principais componentes do

pensamento teórico: a reflexão,

a análise e o plano interno das

ações (DAVIDOV; MARKOVA,

1987). Sforni e Moura (2002)

apresentam uma síntese desses

componentes. A reflexão

representa a tomada de

consciência, pelo sujeito, das

razões de suas ações e de sua

correspondência com o

problema apresentado, ou seja,

significa que o estudante

desenvolve a consciência dos

critérios e das ações que utiliza

na resolução de uma tarefa de

estudo. A análise tem como

objetivo apreender o princípio

geral para a resolução de

determinada tarefa de estudo, o

que implica o desenvolvimento

da capacidade de generalização,

de encontrar as condições

essenciais em meio às

particularidades. Por fim, a

capacidade de operar com o

conceito expressa-se na

realização do plano interno das

ações, ou seja, o

desenvolvimento da capacidade

de antecipar ações. E, neste

momento, o conceito efetiva-se

como instrumento do

pensamento, o sujeito passa a

operar com os conceitos para

além de situações particulares

ou das ações solicitadas na

escola.

Apresentados estes

elementos, surgem questões

centrais à prática pedagógica:

como organizar o ensino de

maneira a formar as

capacidades de refletir, analisar

e realizar o plano interno das

ações em nossos(as)

estudantes? Como os conceitos

podem ser trabalhados pela(o)

professor(a) de maneira a

favorecer o desenvolvimento do

pensamento teórico de nossas

crianças?

Fundamentos Teóricos

110

8 Lazaretti (2011) e Núñez (2009), respectivamente, apresentam uma síntese

das proposições de Elkonin e Galperin.

9 Entendo que a Atividade Orientadora de Ensino

aproxima-se da tarefa de estudo analisada por

Davidov & Markova (1987) como unidade da atividade

de estudo.

Há inúmeras pesquisas em

formato de experimento didático

que tem como objetivo investigar

justamente como se desenvolve

o pensamento teórico.

Recorrendo aos autores

soviéticos clássicos podemos

citar Davidov (1988), que

apresenta elementos

importantes para pensarmos

como devem estruturar-se

algumas disciplinas escolares, a

saber, o idioma russo (sua

língua natal), a matemática e as

artes plásticas. Elkonin e

Galperin8 também se dedicaram

a estudar como se forma o

pensamento por etapas, focando

as ações com os conceitos.

Entendo que se quisermos

propor uma organização de

ensino que tenha como

finalidade o desenvolvimento do

pensamento teórico o estudo

desses autores será

fundamental na formação

docente.

No Brasil, também temos

várias investigações, focando

conceitos ensinados nas

disciplinas escolares, que

procuram apreender o modo

como crianças e adolescentes

desenvolvem o pensamento

conceitual. Por exemplo,

Nascimento (2010) apresenta

uma investigação didática

trazendo conteúdos circenses

que podem ser trabalhados em

educação física, artes e em

outras disciplinas; Bernardes

(2006) e Sforni (2003) discutem

a formação conceitual em

experimento com ensino de

geometria; Sforni e Galuch

(2006) analisam situações de

ensino e aprendizagem sobre o

tema alimentos; entre outros

muitos trabalhos.

Apresentarei aqui um desses

experimentos formativos

realizado por Lopes et. al. (2010)

na área de matemática, com o

conteúdo “correspondência um-

a-um”, em uma turma de

segundo ano. O experimento

está organizado tendo como

base a Atividade Orientadora

de Ensino (AOE), proposta por

Moura (1996, 2001).

A AOE9 consiste em uma

proposta de organização do

ensino e da aprendizagem

baseada na teoria histórico-

cultural, constituída de acordo

com a estrutura da atividade

Fundamentos Teóricos

111

proposta por Leontiev (1983). Na AOE, a atividade dos estudantes é

mobilizada a partir de um problema de aprendizagem, que pode ser

materializada por meio de diferentes recursos metodológicos, entre

eles o jogo, as situações emergentes do cotidiano e a história virtual

do conceito.

Na atividade apresentada aqui utiliza-se uma história virtual, ou

seja, uma narrativa que recria as condições essenciais de

elaboração histórica do conceito a ser ensinado. A partir desta

história, coloca-se o estudante em uma situação-problema que

revela o processo histórico de necessidade e produção do conceito.

A história apresentada intitula-se “João Johann, o pastor de

ovelhas”10:

Existia um pastor de ovelhas, que amava cuidar de seus

animais. Todos os dias pela manhã ele levava as ovelhas

para passear pela fazenda, onde podiam se alimentar, correr

e sossegar. Quando anoitecia o pastor reunia todas as

ovelhas, e as colocava de novo no cercado. Mas havia um

problema: Às vezes algumas delas iam para muito longe do

grupo e o pastor não as via, e na hora de entrar ele não

percebia que estavam faltando ovelhas (LOPES et.al., 2010,

p.5).

A história virtual é contada pela professora da turma com um

cenário representando o pastor e as ovelhas, permitindo que as

crianças possam manipular as personagens e envolver-se

ludicamente com a história. Ao final, a professora apresenta um

problema: o pastor às vezes perde algumas de suas ovelhas e não

percebe sua falta. Como podemos ajudá-lo? Como o pastor poderia

saber se todas as ovelhas estariam dentro do cercado? A reação

imediata dos alunos foi dizer que o pastor deveria contá-las.

10 Pode ser consultada na íntegra em: <http://www.gente.eti.br/lematec/CDS/ENEM10/artigos/RE/T3_RE1315.pdf>.

Fundamentos Teóricos

112

Surge, então, efetivamente o problema desencadeador:

“Porém, existe um grande problema, o pastor não sabe

contar, como poderíamos ajudá-lo a controlar o número

de ovelhas que ele tinha? Que outra forma ele pode usar

para saber se todas as suas ovelhas estão no cercado?”

(p.5).

As primeiras respostas das crianças circunscrevem-se às suas

experiências cotidianas e elas recorrem a conceitos empíricos:

colocar coleiras nas ovelhas; colocar fitas de cores diferentes no

pescoço dos animais; colocar um objeto para cada ovelha. A

professora coordena as resposta e as direciona para o conteúdo

que quer trabalhar e que seja matematicamente correto: uma forma

eficiente de contar. As crianças são incentivadas a testar suas

hipóteses usando o cenário e chegam conjuntamente a seguinte

solução: usar uma pedrinha para representar cada ovelha. Ao final,

elaboram uma síntese da solução do problema:

“O pastor, ele não foi na escola, por isso não sabia contar

e nem ler, então ele teve uma idéia, de colocar pedras e

soltar ovelhas, por exemplo, ele colocava duas pedras e

soltava duas ovelhas, assim ele podia saber se elas não

voltavam”. (p.7).

Na continuidade do experimento, os estudantes são convidados

a registrarem, por meio de desenho, a solução do problema

desencadeador e representam diferentes situações de controle de

quantidades. Analisando, posteriormente, as produções, verificou-

se a necessidade de propor e criar estratégias para um registro

mais sintético, com o uso de representações abstratas de

quantidades.

Fundamentos Teóricos

113

Na terceira etapa do experimento, utilizou-se, assim, outras

estratégias para o registro da solução do problema de maneira que

as crianças pudessem chegar de fato à correspondência um-a-um:

A terceira etapa que desenvolvemos com os alunos foi um

trabalho onde eles deveriam recortar e colar ovelhas e

crianças correspondendo-as, ou seja, para cada ovelha

deveria ter uma criança. Distribuímos aleatoriamente o

número de ovelhas e crianças. Com isso, alguns receberam a

mesma quantidade de cada tipo de desenho, outras

receberam mais ovelhas, outras mais crianças (LOPES et. al.,

2010, p.8).

Segundo os autores do trabalho, o momento mais delicado, do

ponto de vista docente, foi o da síntese coletiva da solução do

problema, uma vez que todos queriam explorar a sua opinião e era

necessário chegar a um consenso de modo a que não houvesse

desmotivação pelo conflito de opiniões:

“O encaminhamento de todo o processo de forma

compartilhada contribuiu de forma significativa para isso,

na medida em que todos foram discutindo e trabalhando

juntos” (p. 10).

Vamos à análise desta atividade: a professora organiza uma

situação problema que busca reconstruir a necessidade histórica do

conceito que está ensinando, a correspondência um-a-um. Destaca-

se, aqui, como a situação é organizada na forma de problema de

aprendizagem, que mobiliza os(as) estudantes e confere sentido ao

que estão aprendendo. Ou seja, a docente vai produzindo de

maneira intencional a formação da atividade de estudo, o que inclui

fundamentalmente a formação de motivos para esta atividade.

Fundamentos Teóricos

114

Isto é bem diferente das

ações corriqueiramente usadas

em nossas escolas para

trabalhar o mesmo conteúdo, em

que é solicitado às crianças que

liguem objetos correspondentes

(por exemplo, ligue cada

cenoura com seu coelho).

Neste caso, as

crianças até operam com as

situações, mas não com

conceitos e rapidamente

desinteressam-se pelo exercício,

pois, via de regra, não sabem

porquê o estão realizando.

Outro aspecto a ser

destacado da atividade “João

Johann” é que as ações de

orientação da professora têm

como objetivo fazer com que

elas cheguem a um modo geral

de ação para além da situação

particular do pastor. A resolução

do problema não se encerra na

“descoberta” de um modo de

ajudar o pastor, o que levaria às

crianças apenas a uma

generalização empírica. Na

sequência elas são convidadas

a registrar a solução encontrada,

o que leva a uma relação

concreta entre os juízos

implicados no objeto de estudo

trabalhado. Depois, o trabalho

de recorte e colagem permitiu

identificar se as crianças

alçaram uma categorização

estável dos conceitos

trabalhados, se chegaram a uma

generalização teórica.

No movimento da atividade,

os(as) estudantes são levados a

refletir, analisar e a constituir o

plano interno das ações,

componentes centrais do

pensamento teórico. A atividade

prevê, ainda, ações de

compreensão da tarefa, ações

de realização da tarefa de

estudo propriamente dita e, por

último, em conjunto com a

professora, os(as) estudantes

devem avaliar se chegaram aos

conceitos pretendidos. A

estrutura da atividade de estudo

é produzida pela atividade

intencional da professora. E,

neste sentido, a máxima

vigotskiana de que o “bom

ensino produz desenvolvimento”

materializa-se.

Ressalta-se, ainda, que toda

a condução da Atividade

Orientadora de Ensino é

realizada de maneira coletiva,

valorizando-se o grupo como

fonte de aprendizagem e

desenvolvimento. As crianças

Fundamentos Teóricos

115

aprendem, dessa forma, não só os conceitos teóricos, mas

fundamentalmente uma ética do coletivo, tão necessária aos nossos

tempos.

Apresentei o experimento em foco com o objetivo de trazer um

exemplo didático de como podemos trabalhar os conteúdos

curriculares aproveitando a atividade de estudo de nossos(as)

alunos(as) que está em processo de formação. Cabe agora

pensarmos e planejarmos como desenvolver este modo geral de

ensino levando em conta os conteúdos previstos no currículo. Ou

seja, como organizar atividades que reproduzam o movimento

lógico e histórico dos conceitos que ensinamos? Como planejar o

ensino de cada disciplina escolar levando em conta a estrutura e os

componentes da atividade de estudo de forma a potencializar o

desenvolvimento de nossas crianças e adolescentes?

E, assim, finalizo o texto convidando as(os) docentes do sistema

municipal de educação de Bauru para esta jornada na construção

de uma proposta pedagógica, articulação entre conteúdos

curriculares e metodologias de ensino, que possa de fato promover

o desenvolvimento de nossos(as) estudantes.

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