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coordenação
Alfredo Saramago
textos
Alfredo SaramagoJoaquim MadeiraClara Roque Vale
Manuel Fialho
GASTRONOMIA E
VINHOS DO ALENTEJO
fotografias
António Cunha
Inês Gonçalves
Rita Lynce
Manuel Ribeiro
A S S Í R I O & A L V I M
R.L
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Tentar historiar a alimentação no Alentejo circunscrevendo o tempo de estudoao que se inicia com a Reconquista e com a época da nossa formação como Reino,pareceu-nos limitar as possibilidades de informar sobre as raízes da alimentação alen-tejana. Alimentação que é significativamente tributária dos povos e das civilizaçõesque habitaram a terra que hoje é Alentejo desde os primeiros tempos do homem.
Existem influências directas e importantes dos comportamentos alimentaresdos povos que viveram nas terras ao sul do Tejo na actual alimentação transtaganae, algumas receitas ainda em plena execução, encontram-se fixadas há vários sécu-los na sua forma e na sua interpretação. Cite-se, como exemplo, o ensopado deborrego que é cozinhado nos nossos dias em Serpa: da mesma forma como eracozinhado um ensopado árabe segundo uma receita do século XI.
Não seria prudente deixar de fora deste texto o tempo durante o qual se cons-tituiu a matriz de grande parte daquilo que hoje se considera como o receituáriotradicional da cozinha alentejana. Os alentejanos e os seus antepassados forjaram--se através de uma luta multissecular com a natureza.
A interacção do alentejano com o seu ambiente foi determinado pela «esco-lha» e pela «intenção». Aplicou modificações artificiais ao ambiente, aceitou umahereditariedade, mas nunca teve medo de ficar vinculado ao que aconteceu antes.Produziu continuamente novas combinações de elementos do passado para produ-zir novos tipos de adequação e de vida. Teve habilidades intencionais, inovadoras ecriativas.
Em relação ao passado da cozinha alentejana, constatemos mas não julgue-mos. Não são necessárias grandes considerações formais. Evitemos projectarmo--nos no passado, com os nossos sentimentos, as nossas ideias, os nossos juízos inte-lectuais e morais. Basta que se registe, que se anote e aponte a informação.
Vamos, então, à procura da cozinha do Alentejo, ou desta região que agora éAlentejo, lembrando-nos de Levi-Strauss1 quando dizia que «a cozinha de umaregião é uma linguagem na qual ela traduz inconscientemente as suas estruturas».
E é das estruturas e das cozinhas que iremos tratar.
1 Claud Levy-Strauss, Mythologies,
I Le Cru et le Cuit, Paris, Plon, 1964.
17
A pesquisa, tendo em vista a determinação das épocas presumíveis da introdu-ção da vinha e da evolução das técnicas de fabrico de vinho em qualquer regiãomediterrânica, torna-se extremamente difícil, na medida em que a bibliografia dis-ponível, sendo muito vasta, é frequentemente contraditória.
De facto, muitos são os investigadores que têm estudado exaustivamente a ori-gem da vinha e a arte de fazer o vinho; perdendo-se, no entanto, nos obscuros temposda Pré-História, não podem concretizar com rigor o objectivo da sua investigação.
A descoberta do vinho é atribuída a Osíris pela tradição mitológica egípcia.Os Gregos, por sua vez, louvam Dyonisos. Além de Deus da embriaguez e do delí-rio orgíaco, é-lhe também atribuído o símbolo da renovação da natureza, propor-cionador de fartas colheitas e origem de fontes de alegrias.
Após a conquista da Grécia pelos Romanos, o culto de Dyonisos é preteridopelo culto de Bachus, possivelmente por esta designação ser derivada da palavra«baca» designativo da uva. A espiritualidade de Dyonisos, em cujo culto está sem-pre presente o «eterno regresso», é substituída por uma postura mais humanizada,Bachus, que se torna num deus folgazão da vida, amante do vinho e das mulheres.Aliás a palavra «bacanal» tem origem em Bachu e nas mulheres que o veneram epretende traduzir toda e espécie de orgias.
Não será relevante o rigor das diversas pesquisas ou a determinação da frontei-ra entre o místico e a realidade. Acima de tudo será importante reter uma opiniãogeneralizada dos investigadores – o grande significado que os povos mediterrânicossempre atribuíram ao vinho, envolvendo-o nos seus hábitos, na sua poesia e na suareligiosidade.
Ao abordarmos a vinha e o vinho de uma forma mais profunda e procurandocom objectividade a sua origem e a sua introdução no território que hoje é ocupa-do pela nação portuguesa, somos confrontados com um conjunto de questões paraas quais não existem respostas consistentes. Pergunta-se: – Quem introduziu avinha e o vinho neste território? Em que região do país terá sido difundida primei-ramente a vinha: no Norte ou no Sul? Ou será que se pode admitir que a vinha ouos seus antecedentes vegetais sempre existiram neste território e os povos quesucessivamente habitaram a região vieram através dos séculos, primeiramente aaproveitar os frutos silvestres e posteriormente, pela prática da agricultura, a«domesticar» a planta, dando-se, assim, a evolução natural do conhecimento?
As respostas são diversas conforme os autores; porém, parece existir unanimi-dade sobre a disseminação da videira e da utilização das uvas na alimentação dospovos primitivos. 135
P r i m ó r d i o s
A maioria dos autores refere o Médio Oriente, nomeadamente os territórioscorrespondentes actualmente à Geórgia e à Arménia, localizados na costa oriental doMar Negro, como refúgio mais provável da floresta, base ecológica de diversas espé-cies de «vitis» que resistiram às glaciações ocorridas há mais de duzentos mil anos.
Outros autores defendem a tese de que a videira, ou os seus antecedentesbotânicos, permaneceu em alguns refúgios do Mediterrâneo, sendo no entantomais consistente a tese de que o refúgio localizado entre os Mares Negro e Cáspiofoi local onde a glaciação não provocou a destruição da floresta.
Independentemente de localizar com rigor a origem da videira, reunindo oconhecimento existente sobre esta matéria, podemos afirmar que é na Bacia doMediterrâneo que se assinala a sua permanência.
Quanto ao vinho, supõe-se ter sido feito pela primeira vez por um mero acaso.Guardado o sumo em condições de fermentação, esta aconteceu naturalmenteresultando daí essa bebida.
Coloca-se ainda uma outra questão que se reputa do maior interesse: – Terásido o vinho a primeira bebida fermentada a ser utilizada pelo homem?
Mortillet admite que, com base nos dados arqueológicos a partir da época dapedra polida, se fizeram bebidas fermentadas. Este investigador fundamenta-se emachados arqueológicos consistentes e que provam a acumulação de sementes deframboesa (Rubus idacus) e de amora (Rubus fruticosus) nos locais onde poderá tersido o início da mais velha bebida alcoólica do nosso conhecimento.
Na Idade do Bronze, segunda parte do período lacustre, conforme refere oquímico-enólogo Victor Sebastian, nas Palafitas de Míncio fabricava-se um licorfermentado a partir das sementes do sanguinho (Cornus mascula).
Outras bebidas fermentadas, como a cerveja são igualmente referenciadascomo tendo origem nos primórdios da humanidade. De facto, é sabido que o seuconsumo era vulgar no Egipto, na Grécia, na Germânia e na Gália. A mitologiaGrega refere que Osíris inventou a cerveja para saciar os povos onde a vinha nãoexistia. O hidromel, obtido a partir da fermentação de uma solução de mel, é tam-bém uma das bebidas mais referenciadas como bebida consumida pelos povos pri-mitivos. Os Gregos e os Romanos, além do vinho, também consumiam bebidasfermentadas a partir da maçã e da pêra; por sua vez os Hebreus consumiam a«sichar» que, seguramente, é a precursora da cidra.
O vinho, independentemente da evolução técnica do seu fabrico e das prefe-rências de quem o consome, mantém-se desde os primórdios da Humanidade inti-mamente ligado à história dos povos, à sua religiosidade e à sua cultura, sendoutilizado nas mais diversas circunstâncias da vida. De facto, além de ser um com-plemento da alimentação no dia a dia, ele é fundamental nos rituais religiosos emarca presença certa em todos os momentos especiais da vida: na celebração devitórias, no refúgio das derrotas, no culto do amor, na festa da vida e na tristeza damorte. Os povos cultivam-no segundo métodos tradicionais que vão passando degeração em geração, com a inovação tecnológica mais ou menos ousada que cadaum introduz.136
Dadas as características edafoclimáticas – solos favoráveis ao cultivo da vinha eclima mediterrânico – Portugal é naturalmente um país onde a vinha sempre teveum papel de relevo nos hábitos e na economia das populações.
Essas condições ganham grande relevo no Alentejo, onde, devido aos solosessencialmente de origem granítica e xistosa e ao clima mediterrânico continental,a vinha sempre foi uma cultura de eleição. Apesar das decisões que a nível políticosempre limitaram a expansão da vinha nessa região, o vinho está profundamenteligado à sua história e entranhado na cultura do povo Alentejano.
O Eng.º Duarte Amaral, na sua obra notável editada em 1994, sob o títuloO Grande Livro do Vinho indica-nos que o povo «Tartésio» se instalou no sul daPenínsula Ibérica e que desenvolveu o comércio dos vinhos aqui produzidos.
Posteriormente, os Fenícios chegaram à região com o objectivo de procurarmetais e iniciar a comercialização de outros produtos com os povos estabelecidosna bacia do Mediterrâneo. Assim, criaram pontos de comercialização – «feitorias»presumindo-se que tenham navegado pelos rios Guadiana, Sado e Tejo, apoderan-do-se gradualmente do comércio dos Tartésios e naturalmente do vinho.
137A.C
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A.C
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C.V
.R.A
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Quando nos referimos à situação recente do Alentejo, do ponto de vista vití-cola, temos de referenciá-la à data de fundação das Adegas Cooperativas na região,as quais foram sem dúvida marco fundamental e ponto de viragem do sector naregião, ou seja, ponto de partida para a situação actual.
Nos finais da década de 40 a área ocupada com vinha em Portugal representavaapenas cerca de 2,8% da área total do País, ainda que o rendimento bruto da cultu-ra correspondesse aproximadamente a 20% da totalidade dos rendimentos brutosdas diferentes modalidades de exploração da terra; além do lugar de destaque que aviticultura ocupava na economia de Portugal tinha ainda uma função social impor-tantíssima, atendendo que absorvia cerca de 16% da população agrícola activa.
Conscientes desta realidade e conhecedores também de alguns êxitos obtidosnoutros países vitícolas, nomeadamente em França, onde acções de cooperaçãoentre viticultores estavam a dar excelentes resultados quer no domínio da culturada vinha, quer na melhoria da qualidade do vinho, determinaram os então respon-sáveis pela Junta Nacional do Vinho, organismo coordenador do sector emPortugal (excluídas as áreas correspondentes às Regiões Demarcadas dos VinhosVerdes, Douro, Dão, Bucelas, Carcavelos, Colares e Moscatel de Setúbal) que serealizasse um trabalho sobre a «Planificação de uma rede de Adegas Cooperativaspara a área da jurisdição da Junta Nacional do Vinho», o qual veio a ser efectuadopelos engenheiros agrónomos Américo Miguel e Rogério de Oliveira.
Os resultados deste estudo foram publicados em 1952 e, no que se refere aoAlentejo, apontavam para a possibilidade e necessidade de se instalarem quatroadegas, ainda que no dizer dos autores «esta zona, sob todos os aspectos vitiviní-colas, assuma interesse muito restrito para o País».
Os locais escolhidos para a instalação das adegas foram Borba, Redondo,Reguengos de Monsaraz e Vidigueira, os quais coincidiam, à excepção daVidigueira, com as sedes de concelho. Este facto justificava-se sobretudo pela con-centração das principais manchas de vinha em redor das povoações, povoaçõesestas que também eram os principais centros de consumo.
No que se refere à «Adega Cooperativa de Vidigueira-Cuba» deveria localizar--se, segundo os autores, na sede da freguesia de Vila de Frades porque além de ser afreguesia de maior produção em toda a área de influência constituía também oponto de encontro das estradas que passavam pelas freguesias com expressão vití-cola. De referir que em data anterior a 1952 já havia sido solicitado à JuntaNacional do Vinho (JNV) a instalação de uma Adega Cooperativa neste local,situação reveladora do interesse que o cooperativismo já merecia nessa altura 177
A F u n d a ç ã o d a s A d e g a s C o o p e r a t i v a s
naquela região, factor que deveria ser tido em consideração quando da determina-ção das prioridades de construção das adegas no Alentejo.
Referiam também os autores que Portalegre não dispunha naquela altura depotencial vitícola para ser considerado de início na rede de adegas, mas que nofuturo deveria comportar a instalação de uma adega.
A Junta Nacional do Vinho foi portanto o organismo impulsionador dasAdegas Cooperativas não só no Alentejo como em todo o País, permitindo orecurso a crédito altamente bonificado e com prazos de reembolso dilatados.
Uma outra situação altamente favorável foi a possibilidade de todas as adegasbeneficiarem de assistência técnica gratuita, por parte dos técnicos da JuntaNacional do Vinho.
As Adegas Cooperativas do Alentejo começaram então a surgir em 1958, anoem que foi inaugurada a Adega Cooperativa de Borba. Em 1960 foi inaugurada aAdega Cooperativa de Redondo e nos anos de 1962, 1963, 1965 e 1972 foraminauguradas, respectivamente, as adegas de Portalegre, Vidigueira, Cuba e Alvito,Granja e Reguengos de Monsaraz.
Quando do aparecimento das Adegas Cooperativas as vinhas encontravam-secom uma idade média muito avançada e em franca decadência. A quase totalidadedas áreas vitícolas eram consociadas sobretudo com olival, ainda que nalgumaszonas fosse predominante a consociação com figueiras, situação mais característicados concelhos de Moura e Mourão. Em muitas vinhas a plantação era dispersa, semcontinuidade e sem alinhamento; em algumas vinhas em que as plantações eramalinhadas, os compassos eram tão estreitos que não permitiam a mecanização, ape-nas a tracção animal era possível. A cultura da vinha estava restringida aos terrenosmais pobres, as produções eram muito baixas e os trabalhos culturais praticamentenão se efectuavam, porque a cultura não era rentável. As castas em cultura eram asregionais, os vinhos eram feitos na sua grande maioria em talhas de barro e destina-vam-se sobretudo ao autoconsumo ou para abastecimento do mercado local.
Com as Adegas Cooperativas os vinhos passaram a ser elaborados com outrascondições técnicas e de higiene, passaram a ser conhecidos e apreciados em váriosmercados, obtiveram diversos prémios em concursos nacionais e internacionais ecomo consequência desta nova realidade passaram a ser melhor valorizados.
Em resultado desta valorização, o viticultor passou a dedicar mais atenção aostrabalhos culturais, donde resultou melhor qualidade da matéria-prima e aumentode produções unitárias.
178
Açorda de poejos (p. 229)
I.G
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Açorda de poejos
De acordo com análises de datações recentes, sabe-
-se que a açorda se come nesta terra que hoje é Alen-
tejo, desde os tempos pré-romanos. A sua origem mais
recente vem da harissa árabe, sopa onde se migava o
pão e que se comia com qualquer alimento que estives-
se disponível. No Alentejo, hoje, faz-se com poejos ou
coentros e, em algumas regiões, com pimentos encar-
nados ou verdes, pisados com a outra erva aromática.
Recentemente fez-se um inquérito, em todo o Alen-
tejo, sobre os alimentos que se comiam com a açorda.
Recensearam-se perto de trinta, entre sardinhas assadas
e fritas, bacalhau, ovos cozidos ou escalfados, toucinho
frito, azeitonas, abrunhos, ameixas, figos, etc., etc. É a
sopa mais emblemática de todo o Alentejo e sustento
quotidiano durante muitas décadas. (Foto p. 228)
Para quatro pessoas pise num almofariz três den-
tes de alhos com um molho de poejos ou coentros e
sal grosso. Numa terrina coloque o piso e junto duas
colheres de sopa de azeite. Ferva uma quantidade de
água suficiente para o caldo e quando estiver a ferver
deite na terrina mexendo com uma colher para mistu-
rar os ingredientes. Prove de sal. Faça sopas de pão
caseiro, partidas à mão em forma de cubos e junte ao
caldo. Sirva em pratos fundos.
Gaspacho
Quase que podíamos dizer que o gaspacho é a
açorda de verão, no Alentejo. Feito com água fresca e
com a junção de pão e vários alimentos, consoante a
fartura ou a escassez, quando é feito de forma mais
rigorosa pode ser considerado uma receita rica e com-
pleta. Era esta a opinião do célebre médico Gregório
Maranõn, que durante uma das suas várias digressões
pelo Alentejo, comeu gaspacho todos os dias. Dizia
que se fosse possível beber um copo de vinho com o
gaspacho teria uma refeição não só completa como
perfeita. O pão a água, os temperos, entre os quais o
azeite, os vários legumes frescos, como o tomate, o
pepino, as carnes como o toucinho e o chouriço fazem
desta receita uma refeição equilibrada.
Para um almofariz deitam-se uns dentes de alhos
cortados e uma quantidade de sal grosso e de seguida
pisam-se até se obter uma massa. Arranja-se o tomate,
que deve estar maduro, e cortam-se aos cubos peque-
nos assim como o pepino – retirando-se as sementes
do meio – e o pimento verde cortado da mesma forma.
Numa tigela ou terrina deita-se a massa do alho
obtida do piso, junta-se o azeite necessário, o vinagre e
água fresca. Com uma colher misturam-se os produ-
tos e prova-se de sal. De seguida deitam-se no caldo o 229
tomate, o pepino, o pimento verde e um pouco de
orégãos misturando novamente com a colher. Faz-se
com pão caseiro duro umas sopas em cubos, um pouco
maiores do que os cubos dos legumes e juntam-se ao
caldo. O gaspacho pode ser acompanhado com paio e
presunto cortado em pequenos pedaços, que normal-
mente entram no caldo juntamente com as sopas de
pão ou com carapaus fritos, petingas fritas ou sardi-
nhas assadas.
Sopa de cação
O cação, agora tão em moda, há ainda relativa-
mente pouco anos era apenas consumido no Alentejo.
Os pescadores deitavam-no borda fora, quando vinha
às redes, ou então, ofereciam-no aos almocreves que
do Alentejo iam até à costa à procura de peixe fresco,
seco e de sal. Era um peixe de preço muito reduzido e,
por essa razão, entrou na dieta alimentar das classes
mais pobres. Para enriquecer o seu paladar, os alente-
janos lembraram-se de o cozinhar com ervas aromáti-
cas, principalmente os coentros, e assim nasceu a sopa
de cação que, tal como as outras, leva invariavelmente
a sua ração de pão de trigo. O golpe de vinagre é outra
astúcia para realçar o gosto do peixe e das ervas que o
acompanham.
Tira-se a pele ao cação e corta-se às postas salpican-
do-o de sal por algum tempo. Entretanto, arranjam-se
os coentros e utilizam-se só as folhas que irão para um
almofariz com alguns dentes de alho e sal grosso para
se pisarem. Num tacho coloca-se uma quantidade de
azeite e mistura-se o piso obtido, umas folhas de louro
e um pouco de colorau dissolvido num pouco de água.
Deixa-se refogar muito pouco, para os coentros fica-
rem verdes e acrescenta-se de água e as postas do cação.
Deixa-se cozer o peixe e, um pouco antes da cozedura,
deita-se um pome feito com um pouco de água, fari-
nha e vinagre para engrossar um pouco o caldo. Prova-
-se de sal. Numa terrina coloca-se o caldo sobre umas
fatias de pão caseiro que esteja duro e come-se em
prato fundo, juntamente com a posta do cação.
Ensopado de borrego à modado Baixo Alente jo
Quase que se pode dizer que há tantos ensopados
de borrego no Alentejo quantas as famílias que os
confeccionam. As receitas são múltiplas e têm variado
conforme o tempo e as circunstâncias. No entanto,
existem duas grandes divisões que executam o ensopa-
do de forma diversa: o Alentejo Norte e Centro e o
Baixo Alentejo. Se o ensopado tem a sua matriz na
cozinha árabe, e disso não temos nenhumas dúvidas, o
que mais se ajusta a essa matriz é aquele que é execu-
tado no Baixo Alentejo e que é igual a várias receitas
que são mencionadas em tratados de alimentação
árabe dos séculos X e XI. São feitos de azeite, apenas
com a carne de borrego, sem qualquer refogado e sem
batatas e comido com sopas de pão.
O ensopado do resto do Alentejo pode ser feito
tanto com azeite como com banha. Normalmente é
confeccionado na base de um refogado e são-lhe juntas
as batatas. O pão, feito em sopas está presente. Como
sabemos que as batatas são de introdução recente na
nossa dieta alimentar, teremos que aceitar a fixação do
ensopado do Baixo Alentejo como a mais antiga.
Num tacho com água e sal coze-se o borrego, de
preferência novo, que será partido aos bocados.
Quando a carne começa a ferver aparece uma espuma
que deverá ser retirada do tacho. Esta operação é
importante para a confecção do prato, pelo que será
necessário retirar toda a espuma da carne. De seguida
misturam-se os temperos que são o azeite, rodelas de
alhos, algumas folhas de louro e um pouco de colorau.
Reduz-se o lume deixa-se cozer até ficar apurado.
Serve-se com salada de alface cortada em juliana. 230
Migas gatas com peixe frito (p. 233)
I.G
.
A A l i m e n t a ç ã o n o A l e n t e j o , A l f r e d o S a r a m a g o .......................... 11
Fenícios: O Fundamento da Alimentação Civilizada ...................................................... 19
Celtas, a Alimentação Bárbara ..................................................................................... 23
Tempo da Ocupação Romana ...................................................................................... 25
– Alimentação civilizada: alimentação romana .............................................. 28
– Convivialidade ....................................................................................... 29
– Géneros de alimentos .............................................................................. 30
– Estrutura da cozinha ............................................................................... 31
– Norma alimentar romana ......................................................................... 32
– Cozinha romana no Alentejo .................................................................... 33
– Pão ........................................................................................................ 35
– Azeite .................................................................................................... 36
– Vinho .................................................................................................... 37
Os Visigodos ............................................................................................................. 41
Tempo da Ocupação Mulçumana ................................................................................. 45
– Enquadramento das estruturas ................................................................. 46
– Os alimentos e a cozinha ......................................................................... 48
– Carnes ................................................................................................... 50
– Peixes .................................................................................................... 52
– Legumes ................................................................................................. 53
– Cereais: pão, massas, arroz ...................................................................... 55
– Frutos .................................................................................................... 55
– Doces .................................................................................................... 56
– Bebidas .................................................................................................. 56
– Dietética na alimentação mulçumana ........................................................ 58
– Alentejo: herdeiro da cultura alimentar muçulmana ................................... 59
Tempo Medieval ........................................................................................................ 63
– Circulação dos produtos alimentares – o papel dos almocreves .................... 71
– Pão ........................................................................................................ 73
– Azeite .................................................................................................... 75
– Vinho .................................................................................................... 76
– Porco ..................................................................................................... 77
– Caça ...................................................................................................... 79 251
A Alimentação dos Conventos – Influências ................................................................. 83
Da Expansão ao Fim do Antigo Regime ....................................................................... 87
– Pão ........................................................................................................ 87
– Vinha .................................................................................................... 91
– Olival .................................................................................................... 93
– Gado ..................................................................................................... 93
– Horta .................................................................................................... 95
– Mel ....................................................................................................... 98
– Aves ....................................................................................................... 99
– Especiarias ............................................................................................. 100
– Novos Alimentos .................................................................................... 101
• Tomate .............................................................................................. 102
• Pimento ............................................................................................ 103
• Batata ............................................................................................... 103
• Peru .................................................................................................. 104
• Feijão ................................................................................................ 104
• Milho maïs ou milho-graúdo ............................................................... 105
• Açúcar ............................................................................................... 106
– Bebidas Coloniais ................................................................................... 107
• Café .................................................................................................. 107
• Chocolate .......................................................................................... 109
• Chá ................................................................................................... 109
Influência da Cozinha Conventual na Cozinha Alentejana (Séculos XVII e XVIII) .......... 111
Do Fim do Antigo Regime à Época Actual ................................................................... 115
Bibliografia ................................................................................................................ 123
A V i t i v i n i c u l t u r a n o A l e n t e j o a t r a v é sd o s Te m p o s , J o a q u i m M a d e i r a ............................................................. 133
Primórdios ................................................................................................................ 135
A Influência da Romanização ...................................................................................... 139
A Islamização ............................................................................................................. 143
Da Idade Média ao Século XIX ................................................................................... 145
Da Segunda Metade do Século XIX aos Anos 40 ........................................................... 153
As Castas do Alentejo – dos Finais do Século XIX aos Nossos Dias ................................. 167
V i n h o s d o A l e n t e j o – S i t u a ç ã o d o s N o s s o s D i a s , C l a r a R o q u e Va l e ........................................................... 173
A Fundação das Adegas Cooperativas ........................................................................... 177
– Adega Cooperativa de Borba .................................................................... 179252
– Adega Cooperativa de Redondo ................................................................ 180
– Adega Cooperativa de Portalegre .............................................................. 181
– Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito ....................................... 182
– Cooperativa Agrícola da Granja ............................................................... 183
– Cooperativa Agrícola de Reguengos de Monsaraz – CARM ......................... 185
A Evolução das Áreas Vitícolas .................................................................................... 187
– Produção de vinho por distrito ................................................................. 187
A Modernização Tecnológica ....................................................................................... 195
As Denominações de Origem ...................................................................................... 199
Os Produtores e os Vinhos .......................................................................................... 205
O Mercado dos Vinhos do Alentejo ............................................................................. 219
Bibliografia ............................................................................................................... 222
R e c e i t a s , M a n u e l F i a l h o .......................................................................... 223
Açorda de poejos ........................................................................................................ 229
Gaspacho .................................................................................................................. 229
Sopa de cação ............................................................................................................ 230
Ensopado de borrego à moda do Baixo Alentejo ............................................................ 230
Migas gatas com peixe frito ......................................................................................... 233
Migas com carne de porco .......................................................................................... 233
Caldeireta de peixe do rio ........................................................................................... 233
Caldeirada do mar....................................................................................................... 234
Feijoada com cabeça de porco ..................................................................................... 234
Cozido de grão .......................................................................................................... 237
Borrego assado ........................................................................................................... 237
Galinha corada .......................................................................................................... 237
Pintadas .................................................................................................................... 238
Peru de bolota ........................................................................................................... 238
Perdiz ....................................................................................................................... 238
Lebre à D. Carlos ....................................................................................................... 241
Coelho à São Cristovão .............................................................................................. 241
Bolo de mel ............................................................................................................... 242
Sericaia ..................................................................................................................... 242
Queijadas de requeijão ................................................................................................ 242
Pão de rala ................................................................................................................ 245
Bolo de torresmos ...................................................................................................... 245
253