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TEMAS DE REUMATOLOGIA CLÍNICA - VOL. 7 - Nº 3 - JUNHO DE 2006 78 O reumatologista revisita a: Hidroterapia: técnicas e aplicabilidades nas disfunções reumatológicas INTRODUÇÃO A hidroterapia vem sendo indicada e utilizada por médicos e fisioterapeutas em programas de reabilitação multidisciplinares, principalmente na área reumatológi- ca. Com o seu ressurgimento na década passada, hou- ve um grande crescimento e desenvolvimento das técni- cas e tratamentos utilizados no meio aquático. É perti- nente a este artigo o esclarecimento e a conscientiza- ção dos profissionais que utilizam as atividades aquáti- cas como parte do processo de reabilitação, quanto aos seguintes tópicos: o histórico, os efeitos fisiológicos e terapêuticos da água, as técnicas hidroterapêuticas, as adaptações da piscina e equipamento e a aplicabilidade da hidroterapia nas diversas disfunções e clínicas. Es- peramos que este texto traga novas idéias e variações no uso de técnicas que venham incrementar a utilização do meio aquático dentro da reabilitação de pacientes reumatológicos. DEFINIÇÃO O conceito do uso da água para fins terapêuticos na reabilitação teve vários nomes como: hidrologia, hidrática, hidroterapia, hidroginástica, terapia pela água e exercí- cios na água. Atualmente, o termo mais utilizado é reabi- litação aquática ou hidroterapia (do grego: “hydor”, “hyda- tos” = água / “therapeia” = tratamento). Existem diversas formas de se usar a água como ele- mento terapêutico. O termo hidroterapia engloba todas elas, mas podem ser diferenciadas algumas formas dis- tintas de utilização da água em processos profiláticos ou terapêuticos, tais como: 1. A hidroterapia por via oral; 2. A balneoterapia; 3. As duchas quentes; frias ou mornas; 4. As compressas úmidas; 5. A crioterapia; 6. A talassoterapia; 7. A fangoterapia; 8. A crenoterapia; 9. Saunas; 10. Turbilhão; 11. Hidromassagem; 12. Hidrocinesioterapia ou fisioterapia aquática (1) . HISTÓRICO Através de nossa história a utilização da água como meio de cura vem sendo descrita desde a civilização gre- ga (por volta de 500 a.C.). Escolas de medicina foram criadas próximas as estações de banho e fontes, desen- volvendo, assim, as técnicas aquáticas e suas utilizações no tratamento físico específico. Hipócrates já utilizava a hidroterapia para pacientes com doenças reumáticas, neurológicas, icterícia, assim como tratamento de imersão para espasmos musculares e doenças articulares (460- 375 a.C.). Já os romanos utilizavam os banhos para higiene e prevenção de lesões nos atletas. Esses banhos de tem- peratura variada evoluíam desde muito quentes (cal- darium) a mornos (tepidarium) até mais frios (frigidarium). Com o tempo, esses banhos deixaram de ser de uso exclusivo dos atletas e se tornaram centros para a saú- de, higiene, repouso e atividades intelectuais, recreati- vas e de exercícios, de acesso a coletividade. Em mea- dos de 330 d.C., a finalidade principal dos banhos roma- Maria Cristina Biasoli Fisioterapeuta pela FMUSP. Cursos de Especialização em Fisioterapia Respiratória, em Reeducação Postural Global, em Osteopatia, em Ginástica Holística e em Hidroterapia. Colaboradora do Serviço de Reumatologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo “Francisco Morato de Oliveira” (HSPE-“FMO”). Christiane Márcia Cassiano Machado Fisioterapeuta, especializada em Neurologia e Neurofisiologia pela FMUSP. Mestra em Reabilitação pela UNIFESP/ EPM. Professora da Central TValle - Assessoria e Treinamento em Educação. Coordenadora do Curso de Pós-graduação em Neurologia TVALLE / Universidade Ítalo- Brasileira.

Hidroterapia técnicas e aplicabilidades nas disfunções reumatológicas

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TEMAS DE REUMATOLOGIA CLÍNICA - VOL. 7 - Nº 3 - JUNHO DE 200678

O reumatologista revisita a:

Hidroterapia:técnicas e aplicabilidades nas disfunções reumatológicas

INTRODUÇÃO

A hidroterapia vem sendo indicada e utilizada pormédicos e fisioterapeutas em programas de reabilitaçãomultidisciplinares, principalmente na área reumatológi-ca. Com o seu ressurgimento na década passada, hou-ve um grande crescimento e desenvolvimento das técni-cas e tratamentos utilizados no meio aquático. É perti-nente a este artigo o esclarecimento e a conscientiza-ção dos profissionais que utilizam as atividades aquáti-cas como parte do processo de reabilitação, quanto aosseguintes tópicos: o histórico, os efeitos fisiológicos eterapêuticos da água, as técnicas hidroterapêuticas, asadaptações da piscina e equipamento e a aplicabilidadeda hidroterapia nas diversas disfunções e clínicas. Es-peramos que este texto traga novas idéias e variaçõesno uso de técnicas que venham incrementar a utilizaçãodo meio aquático dentro da reabilitação de pacientesreumatológicos.

DEFINIÇÃO

O conceito do uso da água para fins terapêuticos nareabilitação teve vários nomes como: hidrologia, hidrática,hidroterapia, hidroginástica, terapia pela água e exercí-cios na água. Atualmente, o termo mais utilizado é reabi-litação aquática ou hidroterapia (do grego: “hydor”, “hyda-tos” = água / “therapeia” = tratamento).

Existem diversas formas de se usar a água como ele-mento terapêutico. O termo hidroterapia engloba todaselas, mas podem ser diferenciadas algumas formas dis-tintas de utilização da água em processos profiláticos outerapêuticos, tais como:1. A hidroterapia por via oral;2. A balneoterapia;3. As duchas quentes; frias ou mornas;4. As compressas úmidas;5. A crioterapia;6. A talassoterapia;7. A fangoterapia;

8. A crenoterapia;9. Saunas;10. Turbilhão;11. Hidromassagem;12. Hidrocinesioterapia ou fisioterapia aquática(1).

HISTÓRICO

Através de nossa história a utilização da água comomeio de cura vem sendo descrita desde a civilização gre-ga (por volta de 500 a.C.). Escolas de medicina foramcriadas próximas as estações de banho e fontes, desen-volvendo, assim, as técnicas aquáticas e suas utilizaçõesno tratamento físico específico. Hipócrates já utilizava ahidroterapia para pacientes com doenças reumáticas,neurológicas, icterícia, assim como tratamento de imersãopara espasmos musculares e doenças articulares (460-375 a.C.).

Já os romanos utilizavam os banhos para higiene eprevenção de lesões nos atletas. Esses banhos de tem-peratura variada evoluíam desde muito quentes (cal-darium) a mornos (tepidarium) até mais frios (frigidarium).Com o tempo, esses banhos deixaram de ser de usoexclusivo dos atletas e se tornaram centros para a saú-de, higiene, repouso e atividades intelectuais, recreati-vas e de exercícios, de acesso a coletividade. Em mea-dos de 330 d.C., a finalidade principal dos banhos roma-

Maria Cristina BiasoliFisioterapeuta pela FMUSP. Cursos de Especialização em FisioterapiaRespiratória, em Reeducação Postural Global, em Osteopatia, emGinástica Holística e em Hidroterapia. Colaboradora do Serviço deReumatologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo“Francisco Morato de Oliveira” (HSPE-“FMO”).

Christiane Márcia Cassiano MachadoFisioterapeuta, especializada em Neurologia e Neurofisiologia pelaFMUSP. Mestra em Reabilitação pela UNIFESP/ EPM. Professora daCentral TValle - Assessoria e Treinamento em Educação. Coordenadorado Curso de Pós-graduação em Neurologia TVALLE / Universidade Ítalo-Brasileira.

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nos era curar e tratar doenças reumáticas, paralisias elesões.

Com o declínio do Império Romano, o uso do célebresistema de banhos caíram em ruína ao longo de déca-das e por volta do ano 500 d.C. foram extintos. Na idademédia, com a influência da religião que considerava ouso das forças físicas e os banhos de água um ato pa-gão, teve um declínio ainda maior, persistindo até o sé-culo XV, quando houve um ligeiro ressurgimento.

O uso terapêutico da água, no entanto, começou aaumentar gradualmente no início dos anos de 1700,quando um médico alemão Sigmund Hahn e seus filhosdefenderam a utilização da água para tratamento de úl-ceras de pernas e outros problemas médicos. Essa novaconduta médica passa a chamar-se hidroterapia que,conforme a definição de Wyman e Glazer, consiste naaplicação de água sob qualquer forma para o tratamen-to de doenças.

Baruch cita a Grã-Bretanha como o lugar de nasci-mento da hidroterapia científica, com a publicação dosprimeiros trabalhos em 1697 por Sir John Floyer (“AnInquiry into the right use and abuse of hot, cold andtemperate buths” – Uma investigação sobre o uso corre-to e o abuso dos banhos quentes, frios e temperados).Baruch acreditava que o tratamento de Floyer tenha in-fluenciado os ensinamentos da “Heidelberg University”,através do professor Fridrich Hoffmann, que incluía asdoutrinas de Floyer nos seus ensinamentos. Essesensinamentos foram levados para o França e Inglaterrapelo professor Currie, que elaborou vários trabalhos ci-entíficos sobre a hidroterapia. Embora o trabalho deCurrie tenha sido pouco aceito na Inglaterra, o inversoaconteceu na Alemanha. John Wesley, o fundador dometodismo, escreveu um livro em 1747, enfocando a águacomo um meio curativo (“An easy and natural way ofcuring most diseases” – Uma maneira fácil e natural decurar a maioria das doenças). Os banhos de vapor quen-te, seguidos por banhos frios foram popularizados e setornaram tradição, na cultura escandinava e na russa,durante muitas gerações.

Em meados do século XIX o professor austríacoWinterwitz (1834-1912) fundou uma escola de hidrotera-pia e um centro de pesquisa em Viena, onde realizavaestudos científicos que estabeleceram uma base fisioló-gica aceitável para a hidroterapia naquela época. Seusdiscípulos, particularmente Kelogg, Brixbaum e Strasser,trouxeram contribuições importantes para o estudo dosefeitos fisiológicos do calor e frio e sobre os termorregu-ladores do corpo na aplicação da hidroterapia clínica.Tais pesquisas serviram de impulso na instalação dosbanhos de turbilhão e exercícios subaquáticos que en-traram em uso regular só no começo do século XX.

Um dos primeiros norte-americanos a dedicarem seusestudos a hidroterapia foi o dr. Simon Baruch. Realizouseus trabalhos a partir de estudos que fez com o dr.Wintirwitz, na Europa. Publicou livros como “O uso daágua na medicina moderna” e “Princípios e prática dahidroterapia”. Foi o primeiro professor na ColumbiaUniversity a ensinar a hidroterapia.

A partir desta época, a água deixa de ser utilizada deuma forma passiva, através de banhos de imersão, ecomeça a ser utilizada de uma forma mais ativa, empre-gando a propriedade de flutuação para a realização deexercícios. Em 1898 o conceito de hidroginástica, queimplica o uso de exercícios dentro da água, foi recomen-dado por von Reyden e Goldwater. Em 1928, o médicoWalter Blount descreveu o uso de um tanque com turbi-lhão ativado por motor que ficou conhecido como “tan-que de Hubbard”. Tal invenção foi criada para a execu-ção de exercícios pelos pacientes na água e, por suavez, trouxe para a Europa grande desenvolvimento detécnicas de tratamentos aquáticos, como o método dosanéis de Bad Ragaz e o método Halliwick(2). No Brasil ahidroterapia científica teve início na Santa Casa do Riode Janeiro com banhos de água doce e salgada. Na épo-ca, a entrada principal da Santa Casa era banhada pelomar (em meados de 1922)(3).

Atualmente, o conteúdo de instrução em fisioterapiaaquática nos programas acadêmicos de fisioterapia éuma prática cada vez mais freqüente, com um índice de62% de inclusão no currículo de nível básico.

Embora a reabilitação aquática venha realizandograndes avanços desde o começo do século XX, é pre-ciso intensificar ainda mais a utilização dessa práticaterapêutica pelos profissionais da saúde que acreditamnos seus benefícios, estimulando a incorporação da re-abilitação aquática nos programas de tratamento tera-pêutico.

EFEITOS FISIOLÓGICOS E TERAPÊUTICOS DA ÁGUA

Os efeitos fisiológicos na água aquecidaSão resultantes do exercício executado e variam de

acordo com as temperaturas da água, a pressão hidros-tática, a duração do tratamento e a intensidade dos exer-cícios. Outro fator importante é que as reações fisiológi-cas podem ser modificadas pelas condições da doençade cada paciente.

Muitos efeitos terapêuticos benéficos obtidos com aimersão na água aquecida (como o relaxamento, a anal-gesia, a redução do impacto e da agressão sobre as ar-ticulações) são associados aos efeitos possíveis de seobter com os exercícios realizados quando se exploramas diferentes propriedades físicas da água, tais como:

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• Densidade relativa - determina a capacidade de flu-tuar de um objeto ou corpo. A densidade da água éigual a 1, já a de um corpo humano é de 0,93, por issoele flutua(4);

• Força de empuxo ou de flutuação - é a força desentido oposto ao da gravidade. Ou seja, ao inspirar,o indivíduo bóia e ao expirar ele afunda, pois com 5%da estrutura corporal acima da água, o corpo huma-no flutua(5). Essa propriedade é utilizada como resis-tência ao movimento, sobrecarga natural, estímulo àcirculação periférica, fortalecimento da musculaturarespiratória, facilitação do retorno venoso e participan-te do efeito massageador da água;

• Tensão superficial - atua como resistência ao movi-mento. Possui valor apenas quando o músculo é pe-queno ou fraco(4);

• Pressão hidrostática - a água, como qualquer líquido,exerce pressão no objeto nela imerso. Se o objeto esti-ver em repouso (relaxamento), a pressão exercida emtodos os planos será igual. Se o objeto estiver em mo-vimento e a água também, ver-se-à a pressão reduzi-da bem como o empuxo, provocando certo afundamen-to que, se controlado, é parcial. Segundo a lei de Pascal,cada tipo de massa (corpo, líquido, gasoso ou sólido)recebe e transmite uma pressão determinada, depen-dendo da profundidade de imersão. Quanto maior aprofundidade em que o corpo de encontra, maior seráa pressão exercida sobre ele. Isto significa que um indi-víduo em pé na água sofrerá maior pressão nos pés. Apressão hidrostática possui efeitos terapêuticos, pro-movendo aumento do débito cardíaco, aumento dapressão pleural e aumento da diurese(4);

• Impacto - ao contrário dos exercícios no solo, os aqu-áticos são executados em baixa velocidade, diminu-indo o impacto, o que faz diminuir também os proble-mas advindos de tal formação, quando em solo(4).Nos diferentes sistemas, os efeitos encontrados são:

• Sistema termorregulador: a manutenção do calor daágua durante a terapia diminui a sensibilidade da fi-bra nervosa com rapidez (tato) e a exposição prolon-gada diminui a dor, através da sensibilidade da fibranervosa lenta(4). Então, na temperatura de 33°C e36,5°C haverá:1. A dilatação dos vasos sangüíneos, levando ao au-

mento do suprimento sangüíneo periférico e ele-vação da temperatura muscular, que leva ao au-mento do metabolismo da pele e dos músculos e,conseqüentemente, ao aumento do metabolismogeral e da freqüência respiratória;

2. O aumento da atividade das glândulas sudorípa-ras e sebáceas à medida que a temperatura inter-na elevar-se(6);

• Sistema cardiorrespiratório: haverá mudanças,como:1. Melhora da capacidade aeróbica;2. Melhora nas trocas gasosas;3. Reeducação respiratória;4. Aumento no consumo de energia;5. Auxílio no retorno venoso;6. Melhoria da irrigação sangüínea, resultando na

estabilidade da pressão arterial e no retardo do apa-recimento de varizes(5,6);

• Sistema nervoso: o calor relativamente brando re-duz a sensibilidade das terminações sensitivas e, àmedida que os músculos são aquecidos pelo sangueque os atravessa, seu tônus diminui levando ao rela-xamento muscular(6);

• Sistema renal: com a variação do pH e da profundi-dade na qual o corpo está submerso, há aumento dosfluidos corporais, levando ao aumento da diurese pro-funda. Isso porque o sangue, ao ser bem distribuído,melhora a circulação venosa e, conseqüentemente, aresposta renal e o estímulo ao processo de micção,devendo-se tomar cuidado com pacientes com incon-tinência(5);

• Sistema imunológico: alguns estudos comprovamque a aplicação intensa e prolongada de calor úmidopenetra até 3,4 cm, atingindo inclusive camadas su-perficiais dos músculos. Promove também o aumentodo número de leucócitos, além da melhora das condi-ções tróficas, levando a um quadro geral mais saudá-vel do paciente(5);

• Sistema músculo-esquelético: os exercícios físicospodem começar nas primeiras fases do tratamento,de modo que os músculos podem ser relaxados e ometabolismo estimulado, ocorrendo:1. Redução do espasmo muscular e das dores;2. Diminuição da fadiga muscular;3. Melhora da performance geral (trabalho de ago-

nistas e antagonistas igualmente);4. Recuperação de lesões;5. Melhora do condicionamento físico;6. Auxílio no alongamento muscular;7. Aumento ou manutenção das ADMs;8. Melhora da resistência e da força muscular (traba-

lho equilibrado)(5).

EFEITOS TERAPÊUTICOS DA ÁGUA AQUECIDA

Preventivo:1. Previne deformidades e atrofias;2. Previne piora do quadro do paciente;3. Diminui o impacto e a descarga de peso sobre as ar-

ticulações (5).

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Motor:1. melhora da flexibilidade;2. Trabalho de coordenação motora global, da agilidade

e do ritmo;3. Diminuição do tônus (diminuindo as referências fusais);4. Reeducação dos músculos paralisados;5. Facilitação do ortostatismo e da marcha;6. Fortalecimento dos músculos(4,6).

Sensorial:1. Estimula o equilíbrio, a noção de esquema corporal,

a propriocepção e a noção espacial, já que a água éum meio instável;

2. Facilita as reações de endireitamento e equilíbrio, vistoque não existe pontos de apoio e o paciente é obriga-do a promover alterações posturais (flutuação e tur-bulência);

3. Diminui os estímulos proprioceptivos à medida que au-menta a profundidade, diminuindo a descarga de peso(5).

OS EFEITOS PSICOLÓGICOS DA ÁGUA AQUECIDA

Bates e Hanson (1998) e Degani (1998) concordamque, como em todo programa de saúde, a hidroterapiaobjetiva o bem-estar social do indivíduo. Quando passa-mos por dificuldades, o organismo tende a se desorga-nizar e essa desarmonia pode trazer sérias conseqüên-cias físicas e/ou psíquicas.

O bem-estar, segundo esses autores, não consisteapenas em respostas do corpo, da estrutura física, mas,sobretudo, de uma integração do corpo e da mente paraa obtenção de resultados ideais, levando a uma perfeitacondição de exercício da cidadania.

O tratamento do indivíduo através da hidroterapia vaimuito além de progressos físicos. Permite, ainda, a re-constituição da autoconfiança e da auto-estima; a valori-zação do corpo no comportamento social; a integraçãodo homem com o meio; promove descarga de tensãoemocional (relaxamento); equilíbrio emocional e auto-controle; e age como facilitador da demonstração de suacriatividade (por meio da autoconfiança)(4,5).

TÉCNICAS UTILIZADAS NA HIDROTERAPIA

Método HalliwickO método Halliwick foi desenvolvido, em 1949, na

Halliwick School for Girls, em Southgate, Londres. MCMillian, que foi o criador da técnica, desenvolveu inicial-mente uma atividade recreativa que visava dar indepen-dência individual na água, para pacientes com incapaci-dade e treiná-los a nadar. Com o passar dos anos, ele foiaperfeiçoando seu método original e adotou técnicas

adicionais que foram estabelecidas a partir dos seguin-tes princípios:• Adaptação ambiental: envolve o reconhecimento de

duas forças, gravidade e empuxo que, combinados,levam ao movimento rotacional;

• Restauração do equilíbrio: enfatiza a utilização degrandes padrões de movimento, principalmente comos braços, para mover o corpo em diferentes postu-ras e ao mesmo tempo, manter o equilíbrio;

• Inibição: é a capacidade de criar e manter uma posi-ção ou postura desejada, através da inibição de pa-drões posturais patológicos;

• Facilitação: é a capacidade de criar um movimentoque desejamos mentalmente e, controlá-lo fisicamen-te, por outros meios sem utilizar a flutuação. Tal apren-dizado é graduado através de um “programa de dezpontos”, que utiliza a seqüência do desenvolvimentodo movimento físico pelo córtex cerebral.Essas técnicas têm sido utilizadas para tratar tera-

peuticamente pacientes pediátricos ou adultos com dife-rentes alterações de desenvolvimento e disfunções neu-rológicas, na Europa e nos Estados Unidos da Américado Norte.

Bad RagazBad Ragaz é uma cidade Suíça construída em torno

de um spa de água morna natural, com três modernaspiscinas cobertas. Em 1930 teve início a utilização destespa para exercícios aquáticos. Tal técnica de exercícios seoriginou na Alemanha pelo dr. Knupfer Ipsen, cujo objeti-vo era promover a estabilização do tronco e das extremi-dades através de padrões de movimentos básicos e àsvezes resistidos, realizados segundo os planos anatômi-cos. O paciente é posicionado em decúbito dorsal, comauxílio de flutuadores ou “anéis” no pescoço, pelve e tor-nozelos, é por isso que a técnica também é designada de“método dos anéis”. Em 1967, Bridgt Davis incorporou ométodo de facilitação neuromuscular proprioceptiva ao“método dos anéis”. Beatice Egger desenvolveu ainda maisesta técnica, publicando-a em Alemão.

Atualmente, o método Bad Raggaz é constituído detécnicas de movimentos com padrões em planos anatô-micos e diagonais, com resistência e estabilização for-necidos pelo terapeuta. O posicionamento do pacienteem decúbito dorsal é mantido através de flutuadores nosseguimentos anatômicos já mencionados anteriormen-te. A técnica pode ser utilizada passiva ou ativamenteem pacientes ortopédicos, reumáticos ou neurológicos.

Os objetivos terapêuticos incluem redução de tônusmuscular, pré-treinamento de marcha, estabilização detronco, fortalecimento muscular e melhora da amplitu-de articular.

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Método WatsuO Watsu, também conhecido como “Water Shiatsu”,

aquashiatsu ou hidroshiatsu, foi criado por Harold Dull,em 1980. Tal técnica aplica os alongamentos e movimen-tos do shiatsu zen na água, incluindo alongamentos pas-sivos, mobilização de articulações e “hara-trabalho”, bemcomo pressão sobre “tsubos” (acupontos) para equilibrarfluxos de energia através dos meridianos (caminhos deenergia). Há dois tipos de posições no watsu: as posi-ções simples e as complexas. As simples incluem osmovimentos básicos e de livre flutuação. As posiçõescomplexas são chamadas berços. O fluxo de transiçãodo watsu consiste em: uma abertura, os movimentosbásicos e três sessões: 1ª) berço de cabeça; 2ª) embai-xo da perna distante, ombro e quadril; 3ª) berço da per-na próxima e uma conclusão.

Através da organização “Worldwide Aquatic BobyWork Association” (Associação Mundial de Trabalho Cor-poral Aquático), na Escola de Shiatsu e Massagem, lo-calizada em Harbin Hot Springs, Middletown California -EUA, o autor da técnica, Harold Dull ministra e orientacursos de watsu e outras técnicas de trabalho corporal(9).

A hidrocinesioterapiaA hidrocinesioterapia constitui um conjunto de técni-

cas terapêuticas fundamentadas no movimento huma-no. É a fisioterapia na água ou a prática de exercíciosterapêuticos em piscinas, associada ou não aos manu-seios, manipulações, hidromassagem e massoterapia,configurada em programas de tratamento específicospara cada paciente.

Os métodos terapêuticos específicos para a fisiote-rapia aquática que surgiram na Europa e EUA vêm auxi-liar a recuperação do paciente, como Halliwick (Inglater-ra), Bad Ragaz (Suíça), Watsu (EUA), Burdenko (Rússia),Osteopatia Aquática (França e Canadá), entre outros.

Dessa forma, um programa de hidrocinesioterapiaadequado a cada paciente pode representar um grandeincremento no seu tratamento, obtendo-se os efeitos demelhora em tempo abreviado e com menor risco de in-tercorrências, como dor muscular tardia e microlesõesarticulares decorrentes do impacto.

Uma avaliação criteriosa do paciente é realizada,acrescida de informações sobre a experiência do paci-ente com a água, imersão e domínio ou não de nados. Oexame físico, a análise dos exames complementares e aavaliação dos movimentos funcionais são indispensáveispara se estabelecer os objetivos do tratamento e prog-nóstico idealizado, para então serem determinados osprocedimentos hidrocinesioterapêuticos em escala pro-gressiva. A primeira sessão do paciente na água visacomplementar a avaliação convencional, a fim de se ob-

servar sua adaptação e habilidades no meio líquido, den-sidade corporal e flutuabilidade, bem como o seu com-portamento na piscina.

As entradas e saídas do paciente na piscina são dife-renciadas entre pacientes que deambulam e os que nãodeambulam, bem como os procedimentos utilizados paraa adaptação do indivíduo ao meio líquido. Cabe salientarque todo o programa e execução do tratamento são per-sonalizados, específicos para cada paciente(3).

ADAPTAÇÕES DA PISCINA E EQUIPAMENTOS PARA AHIDROTERAPIA

A piscinaAs piscinas podem ser planejadas para “multiuso”,

sendo maiores (22,3 m de comprimento e 13,5 m de lar-gura) ou para atendimento individualizado, que seria umapiscina tipo “tanque” (até 3 por 3 m). A temperatura idealpara a piscina maior oscila entre 27º e 29ºC e para amenor entre 33º e 34ºC.

A rampa que dá acesso à cadeira de rodas é neces-sária, assim como escadas internas com os degrausbaixos e corrimões bilaterais para a segurança do usuá-rio. O banco longo localizado ao lado da escada comhidrojatos posicionados em alturas variadas paramassagear os diversos seguimentos corporais (coluna,ombros, joelhos) são utilizados. Os corrimões tambémsão colocados ao longo das áreas delimitadas pela pa-rede da piscina. Os tipos de elevadores são: hidráulico,elétrico, mecânico e pneumático e podem ser utilizadospara facilitar o acesso do paciente à piscina.

A profundidade da piscina varia entre 1,05 m e 1,35 me é ideal para grande parte dos tipos de terapia (piscina tipo“tanque”). Entretanto, a profundidade de 2,10 m pode serutilizada em piscinas maiores (tipo “multiuso”) que apresen-tam um fundo graduado, indo paulatinamente de uma pro-fundidade menor (1,05 m) para uma maior (2,10 m)(10).

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O vestiárioUma instalação bem planejada concede até 1,8 m² de

vestiário por pessoa. Pia, toalete, tomadas para secado-res de cabelo, balcões, bancos e armários são considera-dos comodidades mínimas. O piso indicado para estasáreas é o texturizado e ou antiderrapante. Tapetes de ná-ilon de alta densidade também podem ser colocados(10).

Sala mecânica e química da piscinaTal sala contém a bomba de circulação de água, fil-

tros, controladores químicos, sistema de vácuo, sistemadesinfetante, aquecedor de água e substâncias quími-cas, assim como sistema de ventilação adequado.

A água morna da piscina ou spa exige um controledo equilíbrio químico correto. Os níveis de coloração,assim como a coloração mineral, os “pontos de quebra”e a espumação devem ser monitorados e registrados porum operador de piscina constantemente(10).

O piso ao redor da piscina ou dequeO piso ao redor da piscina ou deque é construído de

material antiderrapante (coeficiente de atrito úmido aci-ma de 0,70 cm em referência aos pés descalços), de-vendo ser livre de obstáculos para prática e procedimen-to de evacuação de emergência(10).

Considerações de segurança para a piscinaAs marcas de segurança interna na piscina, assim

como ao redor devem ser colocadas para comunicar osriscos aos usuários. Há quatro tipos de aviso de risco: 1)riscos comportamentais: não comer, não utilizar a piscinaalém do horário permitido, não mergulhar ou saltar; 2)perigos físicos: água turva, superfície do deque molhadaou escorregadia, profundidade maior etc.; 3) perigos quí-micos: como armazenar produtos químicos de limpeza; 4)riscos ambientais: como fios elétricos ou de energia, equi-pamento de comunicação, rádio ou outros elementos.

A iluminação no deque da piscina também faz partedas considerações de segurança e deve ter uma intensi-dade mínima de 100 pés-vela(10).

Equipamentos de exercício para hidroterapiaOs equipamentos utilizados para a hidroterapia ofe-

recem suporte para a flutuação ou aumentam a intensi-dade de um exercício ou adicionam variedade a um pro-grama tornando-o mais agradável e diversificado.

Os equipamentos de auxílio à flutuação geram umambiente aquático mais confortável e seguro para o pa-ciente. Eles são utilizados para obter posição correta docorpo, fornecer estabilidade, promover meio de tração,graduar forças compressivas, assistir movimentos e au-mentar a resistência do movimento.

Os equipamentos para exercícios aquáticos que in-tensificam a resistência normalmente são elaboradosem cima de um aumento da área de superfície que épuxada ou empurrada através da água. A quantidadede resistência é determinada por três fatores: o tama-nho da peça e o espaço na água que a peça ocupa,proporcionando um arrasto maior ou menor; a formaque o objeto apresenta na água, variando a respectivaaerodinâmica; e a velocidade do movimento da peçana água.

Os equipamentos mais utilizados de uma forma ge-ral são: esteiras rolantes, equipamentos de acesso à pis-cina, equipamentos de flutuação, pesos, equipamentosde resistência baseado em arrasto, aquatoner, hidrotone,sistemas de amarração, estações de exercíciossubmersas, brinquedos e equipamentos recreativos, equi-pamentos de segurança, vestuário aquático e aparelhosde medição(11).

APLICAÇÕES GERAIS DA HIDROTERAPIA

IndicaçõesOs efeitos terapêuticos gerais são:

1. Alívio de dor;2. Alívio do espasmo muscular;3. Relaxamento;4. Aumento da circulação sangüínea;5. Melhora das condições da pele;6. Manutenção e/ou aumento das amplitudes de movi-

mento (ADMs);7. Reeducação dos músculos paralisados;8. Melhora da força muscular (desenvolvimento de for-

ça e resistência muscular);9. Melhora da atividade funcional da marcha;10. Melhora das condições psicológicas do paciente; e11. Máxima independência funcional(6).

Dentre os resultados de pesquisas publicadas há efei-tos terapêuticos da hidroterapia já comprovados por evi-dência científica, dentre os quais se destacam os bene-fícios como aumento da amplitude de movimento, dimi-nuição da tensão muscular, relaxamento, analgesia,melhora na circulação, absorção do exudato inflamató-rio e debridamento de lesões, bem como incremento naforça e resistência muscular, além de equilíbrio epropriocepção. Afirmam que o espasmo muscular podeser reduzido pelo calor da água, auxiliando na reduçãoda espasticidade. Os autores sustentam ainda que aimersão na água provoca redução do tônus muscular,enquanto que a dor pode ser reduzida por ambos osestímulos térmicos. Além disso, a imersão na água faci-lita a mobilidade articular, relacionada à redução do pesocorporal (3).

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Contra-indicaçõesHá algumas contra-indicações absolutas, como feri-

das infectadas, infecções de pele e gastrointestinais, sin-tomas agudos de trombose venosa profunda, doençasistêmica e tratamento radioterápico em andamento. Al-guns processos micóticos e fúngicos graves também re-querem afastamento do paciente de ambientes úmidos.Processos infecciosos e inflamatórios agudos da regiãoda face e pescoço, como inflamações dentárias, amig-dalites, faringites, otites, sinusites e rinites, costumamapresentar piora com a imersão, por isso devem repre-sentar contra-indicação(3).

Alguns cuidados são importantes tais como: ao en-trar na piscina, os vasos cutâneos se constringem mo-mentaneamente, causando um aumento da resistênciaperiférica e aumento momentâneo da pressão arterial.Mas durante a imersão, as arteríolas se dilatam, ocor-rendo uma diminuição da resistência periférica e, por essarazão, queda da pressão arterial. Logo, quanto maior atemperatura da água, menor deve ser o tempo de expo-sição(5,6).

Já os problemas cardíacos graves, além de hipo ouhipertensão descontrolada, devem ser acompanhadoscom cuidado, bem como insuficiências respiratórias eepilepsia ou uso de válvulas intracranianas. Além dis-so, incontinências urinária e fecal merecem atenção es-pecial. Problemas como náuseas, vertigem, doençasrenais, hemofilia, diabetes, diminuição importante da ca-pacidade vital e deficiência tireoidéia, além de tratamen-to radioterápico recente, devem ser discutidos com omédico, para estudar a indicação. Pacientes com fobiaà água devem ter um acompanhamento criterioso, en-quanto que pacientes com aparelhos de surdez nãodevem utilizá-lo na piscina. Nem mesmo pacientes comHIV positivo não são excluídos, mas devem ser trata-dos no final do expediente da piscina, para que a águacircule o suficiente antes que outros pacientes sejamtratados(3).

Existem as contra-indicações gerais, como:• Febre;• Ferida aberta;• Erupção cutânea contagiosa;• Doença infecciosa;• Doença cardiovascular grave;• História de convulsões não controladas;• Uso de bolsa ou cateter de colostomia;• Menstruação sem proteção interna;• Tubos de traqueostomia, gastrostomia e/ou nasogás-

tricos;• Controle orofacial diminuído;• Hipotensão ou hipertensão grave;• Resistência gravemente limitada(12).

APLICAÇÃO DA HIDROTERAPIA NAS DISFUNÇÕES REU-MATOLÓGICAS

A fisioterapia aquática oferece uma gama de benefí-cios e resultados adicionais aos fornecidos pelos exercí-cios e técnicas terrestres, tanto a curto quanto a longoprazo. Por combinar componentes e vantagens de nu-merosas teorias e técnicas de exercícios, vem sendoamplamente utilizada no meio médico. A expansão e acei-tação dessa técnica de reabilitação resultam da respostapositiva dos pacientes e da alta taxa de sucesso quanto aresultados e, às vezes, o único meio que permite a movi-mentação do paciente com doença reumática.

Normalmente, a equipe médica avalia o paciente e es-tabelece programas e diretrizes com procedimentos varia-dos para acomodar as necessidades individuais e modifi-car as rotinas estruturadas do paciente. O médico realizauma avaliação física e encaminha para o fisioterapeuta queirá completar esta avaliação e projetar um programa de exer-cícios que se adeque às necessidades individuais e, aomesmo tempo, monitorar a cada sessão os níveis de fadigae dor, entusiasmo, motivação e ganhos funcionais do paci-ente. Reavaliações são realizadas periodicamente paradeterminar e graduar o nível de recuperação e traçar novosobjetivos para evoluir as habilidades do meio aquático parao uso de tais habilidades também ao sol.

OBJETIVOS DA HIDROTERAPIA NOS PACIENTES REU-MÁTICOS EM GERAL

Nas doenças reumatológicas grande parte das com-plicações ocorrem nas articulações. As lesões articula-res primárias específicas da doença ou a disfunção orto-pédica secundária ao esforço anormal sobre estruturasfrágeis do corpo podem resultar em disfunções do tronco,extremidades superiores e inferiores, alterando a biome-cânica da postura, marcha e amplitude de movimento ati-vo (p. ex.: deformidades articulares, fraqueza muscular,tendinite, capsulite adesiva, subluxação, busite etc.)(6).

A dor nas articulações afetadas conduz à tensão eao espasmo em certos grupos musculares que atuamsobre elas direta ou indiretamente. Na piscina, o calor daágua que circunda a articulação alivia a dor e relaxa amusculatura periarticular. A flutuação também proporci-ona a diminuição da tensão sobre articulações. A limita-ção da movimentação, assim como a rigidez articular sãoreduzidas devido ao alívio da dor e a sustentação dasarticulações pela flutuação, durante a movimentação(6).

A fraqueza da musculatura periarticular de uma oumais articulações afetadas, assim como outros pro-blemas como a frouxidão ligamentar, alterações do fun-cionamento biomecânico e/ou manifestações extra-ar-

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ticulares são trabalhadas através de exercícios(6).A princípio, a flutuação pode ser utilizada como auxi-

lio do exercício e gradualmente ser reduzida para darmaior resistência ao movimento(6).

Tanto a deformidade articular quanto a alteração pos-tural podem ser corrigidas ou reduzidas devido a tepidezda água que auxilia os músculos a se relaxarem(6).

A capacidade funcional é restabelecida gradativamen-te com a melhora da atividade muscular e articular dopaciente, edificando a sua confiança e capacidade derealizar movimentos também fora da água(6).

Os objetivos do tratamento hidroterapêutico dos pa-cientes reumáticos estão na Tabela 1.

A rotina terapêutica dos pacientes pode incluir ahidrocinesioterapia que é constituída de:1. Exercícios isolados de membros superiores, membros

inferiores e tronco para fortalecimento e ganho deamplitude de movimento;

2. Exercícios de alongamento para aumentar a flexibili-dade;

3. Treinamento deambulativo para reeducação da mar-cha, propriocepção e iniciação de sustentação dopeso;

4. Técnicas de posicionamento usadas para diminuir ador;

5. Trabalho de condicionamento geral;6. Padrões complexos de movimentos para coordena-

ção, equilíbrio, agilidade e simulação de habilidadesatléticas ou de trabalho(12).Existem também técnicas específicas de exercícios usa-

das em combinação e adaptadas aos pacientes individual-mente. Cada técnica contribui de alguma maneira para aestabilização apropriada das articulações, recuperando ospadrões de movimentos sinérgicos normais. Podemos utili-zar a técnica de “Bad Ragaz” ou “método dos anéis”, a téc-nica de Watsu e outras já explicadas anteriormente.

PATOLOGIAS REUMÁTICAS MAIS FREQÜENTES E SEUSRESPECTIVOS TRATAMENTOS HIDROTERAPÊUTICOS

Disfunções da coluna vertebralOs tratamentos e disfunções da coluna vertebral se-

cundários às doenças reumáticas em geral são causa-

das por subluxações das facetas articulares, prolapsosdiscais e alterações posturais. Todos os processosdesgenerativos levam a modificação da descarga de pesosobre a coluna e, conseqüentemente, deformação dasuperfície óssea e o aparecimento de osteófitos. Nessescasos, a reabilitação aquática minimiza os efeitos da gra-vidade, proporcionando a diminuição da dor durante osexercícios ativos, aumenta a mobilidade e a força mus-cular do tronco, com menor potencial de lesão do anelfibroso discal e sobrecargas vertebrais(12).

Osteoartrite/osteoartroseA osteoartrite é um processo induzido nas articula-

ções por influências mecânicas, metabólicas e genéti-cas, causando perda de cartilagem e hipertrofia óssea.A perda progressiva da cartilagem articular e a recupe-ração inadequada levam a formação de osteófitos du-rante a remodelação óssea subcondral. Com a instala-ção lenta e progressiva da doença os sintomas de dorarticular, rigidez, limitação de movimento, crepitação,edema e graus variáveis de inflamação surgem de ma-neira insindiosa(13). Os pacientes com alterações dege-nerativas das articulações das mãos, pés, coluna, qua-dril e/ou joelhos freqüente são encaminhados à hidrote-rapia devido aos benefícios da flutuação como: auxilioao movimento, sustentação da articulação para possibi-litar o movimento livre e, finalmente, a resistência aomovimento. Na osteoartrite também ocorrem deformida-des articulares que levam a desequilíbrios compensa-tórios em outras articulações e músculos (p.ex:. o encur-tamento aparente de uma perna causada por uma de-formidade da articulação coxofemoral em flexão, aduçãoe rotação lateral pode levar à uma alteração escolióticalombar compensatória). Portanto, o objetivo no tratamentoda osteoartrite visa o alívio da dor e espasmos muscula-res, o fortalecimento dos músculos periarticulares, amobilização de outras articulações envolvidas, o aumentoda amplitude de movimento da articulação afetada emelhora do padrão da marcha(6).

OsteoporoseA osteoporose é uma enfermidade crônica, multifato-

rial, relacionada à perda progressiva de massa óssea,

Tabela 1 - Objetivos do tratamento hidroterapêutico dos pacientes reumáticos(6)

Alívio da dor e do espasmo muscular.

Manutenção ou restauração da força muscular em torno das articulações dolorosas.

Redução da deformidade e aumento da amplitude de movimentação em todas as articulações afetadas.

Manutenção da amplitude de movimentação e força muscular das articulações não afetadas.

Restauração da confiança e reeducação da função.

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geralmente de progressão assintomática até a ocorrên-cia de fraturas. É um estado de insuficiência ou de falên-cia óssea que surge com o envelhecimento, principal-mente em mulheres a partir da sexta década.

Os principais fatores de risco são história familiar, hi-poestrogenismo, nuliparidade, sedentarismo, imobiliza-ção prolongada, baixa massa muscular em mulheresbrancas ou asiáticas, dieta pobre em cálcio, tabagismo,uso crônico de costicoteróides, anticonvulsivantes,heparina e outros(14).

Na vigência de uma osteoporose mais grave commúltiplas fraturas e dor óssea, a reabilitação aquáticaoferece métodos com técnicas mais suaves, destinadasa aliviar a dor, aumentar a amplitude de movimento eproporcionar eventual fortalecimento. Após a fase agudado quadro, ou seja, quando os locais de fraturas ou trin-cas estiverem bem consolidados, os movimentos maisvigorosos e exercícios mais intensos gerados pela resis-tência da água podem ser iniciados, assim como umacombinação de exercícios de sustentação parcial e com-pleta de peso que provêm esforços mecânicos necessá-rios para estimular a formação de massa óssea e mini-mizar a progressão da doença(12).

FibromialgiaÉ uma síndrome dolorosa caracterizada por dor difu-

sa, com envolvimento crônico de múltiplos músculos. Ospacientes apresentam vários sintomas como dor mus-cular difusa, pontos dolorosos, dor articular, rigidez ma-tinal, cefáleia, parestesia, formigamento, ansiedade, cãi-bras, depressão, irritação, alterações de memória, alte-ração da concentração, fadiga, insônia, sono não res-taurador, nistagmo, sensação de edema e intolerânciaao calor e frio(13). De difícil tratamento, a fibromialgia temsido um desafio profissional para muitos pesquisadorese clínicos. Poucas modalidades de tratamento tiveramsucesso para controlar os sintomas(12).

Os pacientes necessitam de múltiplas abordagensterapêuticas, como associação de farmacoterápicos(analgésicos, antidepressivos etc.), fisioterapia, hidrote-rapia, acupuntura, psicoterapia e mudança do estilo devida, para que haja a recuperação da atividade funcionale de trabalho, melhora da saúde mental, do distúrbio dosono, das alterações de humor e da fadiga.

A reabilitação aquática oferece tratamento para me-lhorar o condicionamento físico geral, alívio da dor, me-lhora dos padrões do sono através de esforço físico, re-laxamento e melhora postural. O relaxamento obtido apartir do exercício e o suporte fornecido pela água me-lhoram os sintomas de dor e rigidez. Tal tratamento exi-ge um compromisso a longo prazo, supervisionado den-tro de um programa de reabilitação(12).

Síndromes espondilíticasAs síndromes espondilíticas ou espondiloartropati-

as soronegativas correspondem a um grupo de enfer-midades que compartilham desordens multissistêmicas.Além de envolvimentos osteoartículo-musculares, comoo processo inflamatório da coluna vertebral, das articu-lações periféricas e dos tecidos periarticulares (em es-pecial as ênteses), ainda ocorrem manifestações ex-tra-articulares como a uveíte anterior, lesões mucocu-tâneas, fibrose pulmonar, anormalidades do arco aórticoe distúrbios de condução. São consideradas espondi-loatropatias: a espondilite anquilosante, a síndrome deReiter e outras artrites reativas como a artropatia psoriá-tica, a enteroartropatia, a síndrome SAPHO (sinovite,acne, pustulose, hiperostose e osteomielite), entre ou-tras(15).

O processo de tais doenças desencadeiam desviosposturais (flexão de tronco), fibrose e ossificação dascápsulas articulares e tecidos moles periarticulares e,também, diminuição da capacidade pulmonar (doençasrestritivas). A hidroterapia pode atuar na correção postu-ral e coordenação da respiração diafragmática, assimcomo a redução da dor, do espasmo muscular e manu-tenção da mobilidade das articulações da cinturaescapular, coluna cervical, torácica, lombar e quadris(12).

Artrite reumatóideA artrite reumatóide (AR) é uma doença auto-imune

de etiologia desconhecida, caracterizada por poliartritesimétrica, que leva à deformidade e à destruição das ar-ticulações em virtude da erosão óssea e da cartilagem.Em geral a AR acomete duas vezes mais as mulheresque os homens, atingindo grandes e pequenas articula-ções em associação com manifestações sistêmicascomo: rigidez matinal, fadiga, perda de peso e incapaci-dade para a realização de suas atividades tanto na vidadiária como profissionais(16).

Os objetivos da hidroterapia nesta doença seriam:alívio da dor e do espasmo muscular, manutenção ourestauração da força muscular em torno das articulaçõesdolorosas, redução de deformidades e aumento da am-plitude de movimentação em todas as articulações afe-tadas, restauração da confiança e reeducação da fun-ção perdida(6).

INDICAÇÕES DA HIDROTERAPIA PARA PACIENTES REU-MÁTICOS EM GERAL

A fisioterapia aquática pode oferecer grandes bene-fícios através de um programa de exercício a quase to-das as pessoas que queiram participar. A Tabela 2 mos-tra as indicações específicas para o paciente reumático.

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RESUMO

A hidroterapia vem sendo indicada e utilizada por mé-dicos e fisioterapeutas em programas multidisciplinaresde reabilitação, principalmente na área reumatológica. Como seu ressurgimento na década passada, houve um gran-de desenvolvimento científico das técnicas e tratamentosaquáticos, permitindo uma ampla abordagem e atuaçãocom os pacientes neste meio. Os princípios básicos paraa utilização da hidroterapia nas diversas disfunções e clí-nicas serão abordados neste artigo, assim como os efei-tos fisiológicos e terapêuticos da água, as técnicashidroterapêuticas, as adaptações da piscina e equipamen-tos, com o intuito de incrementar a utilização do meio aqu-ático dentro da reabilitação de pacientes reumatológicos.

Tabela 2 - Indicação da hidroterapia para pacientes reu-máticos(12)

Auto nível de dor

Desvios de marcha

Mobilidade diminuída

Contraturas musculares

Fraqueza muscular

Coordenação limitada

Transferência de peso inadequada

Diminuição de resistência muscular

Flexibilidade diminuída

Disfunções posturais

Propriocepção deficiente

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