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ANDREZA GARBELOTI PASSOS FECAROTTA Implantação e Desenvolvimento dos Centros de Atenção Psicossocial do município de São Paulo Dissertação apresentada ao Curso de Pós- Graduação da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo para obtenção do Título de Mestra em Saúde Coletiva. SÃO PAULO 2016

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ANDREZA GARBELOTI PASSOS FECAROTTA

Implantação e Desenvolvimento dos Centros de Atenção

Psicossocial do município de São Paulo

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-

Graduação da Faculdade de Ciências

Médicas da Santa Casa de São Paulo para

obtenção do Título de Mestra em Saúde

Coletiva.

SÃO PAULO

2016

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ANDREZA GARBELOTI PASSOS FECAROTTA

Implantação e Desenvolvimento dos Centros de Atenção

Psicossocial do município de São Paulo

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-

Graduação da Faculdade de Ciências

Médicas da Santa Casa de São Paulo para

obtenção do Título de Mestra em Saúde

Coletiva.

Área de Concentração: Condições de

vida e situação de saúde

Orientadora: Andréia de Fátima

Nascimento

SÃO PAULO

2016

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FICHA CATALOGRÁFICA

Preparada pela Biblioteca Central da

Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

Fecarotta, Andreza Garbeloti Passos Implantação e desenvolvimento dos Centros de Atenção Psicossocial

do município de São Paulo. / Andreza Garbeloti Passos Fecarotta. São Paulo, 2016.

Dissertação de Mestrado. Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo – Curso de Pós-Graduação em Saúde Coletiva.

Área de Concentração: Condições de Vida e Situação de Saúde Orientadora: Andréia de Fátima Nascimento 1. Serviços comunitários de saúde mental 2. Serviços de saúde

mental 3. Pesquisa qualitativa 4. Saúde mental 5. Assistência à saúde 6. Pesquisa sobre serviços de saúde

BC-FCMSCSP/64-16

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DEDICATÓRIA

Às minhas filhas, que são a razão da minha vida.

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AGRADECIMENTOS

À Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo à Irmandade da Santa Casa de

São Paulo.

Ao Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São

Paulo pela realização do mestrado acadêmico.

À CAPES pela bolsa de estudo que me possibilitou realizar o mestrado.

À Profª Drª Andréia de Fátima Nascimento, minha orientadora, por disponibilizar seu tempo,

seu conhecimento e sua experiência em todos os momentos do processo de construção deste

trabalho. Obrigada pela paciência e sensibilidade que sempre permearam esta nossa relação.

Aos professores que participaram da qualificação do meu projeto de pesquisa: Profª Drª Edith

Lauridsen Ribeiro, Profª Drª Patrícia Martins Montanari e Prof. Dr. Cassio Silveira, pelas

contribuições oferecidas.

A todos os envolvidos no estudo “Avaliação dos Centros de Atenção Psicossocial do

Município de São Paulo” que produziram o conteúdo utilizado neste trabalho.

Ao Centro de Saúde Escola Barra Funda, onde construí uma relação próxima com a Saúde

Coletiva.

À Profª Ms. Flavia Fusco Barbour, ex-chefe e amiga, imprescindível para o meu crescimento

profissional enquanto psicóloga na assistência e na orientação e supervisão dos alunos de pós-

graduação.

À minha família, especialmente meus pais, que me ensinaram a importância do estudo e do

trabalho com carinho e dedicação.

Ao meu marido Denis por estar sempre presente, por compreender minhas angústias durante a

construção deste trabalho e por me apoiar incondicionalmente.

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LISTA DE ABREVIATURAS

ASM: Ambulatório de Saúde Mental

CAPS: Centro de Atenção Psicossocial

CAPSad: Centro de Atenção Psicossocial para atendimentos de usuários de crack, álcool e

outras drogas

CAPSi: Centro de Atenção Psicossocial para atendimento de crianças e adolescentes

CECCO: Centro de Convivência e Cooperativa

CnR: Consultório na Rua

ESF: Estratégia Saúde da Família

HD: Hospital Dia

I CNSM: Primeira Conferência Nacional de Saúde Mental

II CNSM: Segunda Conferência Nacional de Saúde Mental

II CNSM: Terceira Conferência Nacional de Saúde Mental

IV CNSM-I: Quarta Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial

NAPS: Núcleo de Atenção Psicossocial

NASF: Núcleo de Apoio à Saúde da Família

PSF: Programa Saúde da Família

PTS: Projeto Terapêutico Singular

RAPS: Rede de Apoio Psicossocial

SUS: Sistema Único de Saúde

UBS: Unidade Básica de Saúde

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 1

1.1 História da Reforma Psiquiátrica ................................................................................ 3

1.2 História da Atenção Psicossocial no Estado de São Paulo ......................................... 6

1.2.1 Ambulatórios de Saúde Mental – Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo ........ 7

1.2.1.1 Projeto Zona Norte ............................................................................................ 9

1.2.2 CAPS Prof. Luiz da Rocha Cerqueira .................................................................... 10

1.2.3 Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) de Santos ............................................. 11

1.2.4 Modelo de Saúde Mental Paulistano de 1989 a 1992 ............................................ 13

1.3 Situação Atual da Atenção Psicossocial no Município de São Paulo ....................... 14

1.3.1 Atenção Básica ....................................................................................................... 15

1.3.2 Atenção Psicossocial Estratégica ........................................................................... 16

1.3.3 Atenção de Urgência e Emergência ....................................................................... 18

1.3.4 Atenção Hospitalar ................................................................................................. 18

1.3.5 Estratégias de Desinstitucionalização .................................................................... 18

1.3.6 Reabilitação Psicossocial ....................................................................................... 19

2 JUSTIFICATIVA ............................................................................................................ 20

3 OBJETIVOS .................................................................................................................... 21

4 MÉTODO ......................................................................................................................... 22

4.1 Desenho ..................................................................................................................... 22

4.2 Amostra ...................................................................................................................... 22

4.3 Fonte de Dados .......................................................................................................... 22

4.4 Análise ....................................................................................................................... 23

4.5 Aspectos Éticos .......................................................................................................... 24

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................................... 26

5.1 Perfil dos Entrevistados ............................................................................................. 26

5.2 Histórico de Implantação dos CAPS ......................................................................... 29

5.2.1 Ambulatório de Saúde Mental................................................................................ 30

5.2.2 Hospital Dia............................................................................................................ 31

5.2.3 Ambulatório de Saúde Mental: dividido em hospital dia e CECCO...................... 31

5.2.4 Ambulatório de Saúde Mental transformado em CAPS antes das portarias que

regulamentaram o funcionamento dos CAPS ................................................................... 32

5.2.5 Unificação de Hospital Dia e Ambulatório de Saúde Mental para formar o CAPS

32

5.2.6 Serviço com características de NAPS .................................................................... 33

5.2.7 CAPS ...................................................................................................................... 33

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5.3 Relacionamento dos CAPS com os Demais Serviços de Saúde Mental .................... 33

5.3.1 O conceito de CAPS e sua função na rede ............................................................. 33

5.3.2 Relações com outros serviços: níveis de atenção ................................................... 35

5.3.2.1 Atenção Básica ............................................................................................... 35

5.3.2.2 Serviços de Urgência e Emergência e Hospitais ............................................ 39

5.3.2.2.1 Serviços de urgência e emergência e enfermarias psiquiátricas em hospitais

gerais 39

5.3.2.2.2 Hospitais Psiquiátricos ............................................................................... 41

5.3.2.3 Reabilitação Psicossocial ................................................................................ 42

5.3.2.3.1 CAPS .......................................................................................................... 42

5.3.2.3.2 CECCOS .................................................................................................... 44

5.3.3 Relações com outros serviços: Coordenadorias Regionais de Saúde .................... 46

5.3.4 Limitações metodológicas: ..................................................................................... 51

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 52

7 CONCLUSÕES ............................................................................................................... 55

8 ANEXOS .......................................................................................................................... 56

8.1 Anexo 1 ...................................................................................................................... 56

8.2 Anexo 2 ...................................................................................................................... 58

8.3 Anexo 3 ...................................................................................................................... 60

9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 61

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho surgiu do meu interesse em estudar sobre os temas Saúde Mental e

Saúde Coletiva. Atuando na Atenção Básica no município de São Paulo, entrei em contato

com a complexidade do sistema de saúde em um grande centro urbano e me deparei com a

necessidade de conhecer melhor as suas origens para compreender o contexto em que eu

estava inserida.

Trabalhei por cinco anos (2010 a 2015) como psicóloga em uma Unidade Básica de

Saúde (UBS) da Coordenadoria Regional Oeste do município, o Centro de Saúde Escola da

Barra Funda, que contava com três equipes de Estratégia Saúde da Família (ESF), uma equipe

de Consultório na Rua (CnR), além de uma grande equipe multiprofissional que atendia os

programas de saúde da criança, saúde do adulto, saúde mental, saúde bucal e vigilância

epidemiológica. Como a saúde mental perpassa todas estas esferas de cuidado, acabei me

aproximando da assistência prestada pelas equipes na tentativa de proporcionar aos usuários o

cuidado integral previsto no Sistema Único de Saúde (SUS).

Além disso, atuei também como supervisora de campo dos alunos do curso de Pós-

Graduação em Psicologia na Rede Básica de Atenção à Saúde da Faculdade de Ciências

Médicas da Santa Casa de São Paulo que realizavam estágio neste Centro de Saúde, o que me

instigou a continuar estudando as possibilidades de atenção às pessoas com transtornos

mentais que passavam por este serviço. Percebi que, neste contexto, a aproximação com

outros serviços de saúde era inevitável.

Estive envolvida em ações em conjunto com outras UBS e Centros de Atenção

Psicossocial (CAPS), projetos de organizações não-governamentais (Ongs) e escolas.

Deparei-me com as dificuldades de manter as relações com estes serviços diante de tantos

desafios como agendas lotadas, falta de profissionais, pouco entendimento das equipes sobre

o cuidado integral e os serviços da rede, entre outros. Por outro lado, também pude observar o

progresso do tratamento dos usuários que estavam envolvidos nestas ações e a satisfação dos

profissionais, inclusive a minha, quando elas eram bem sucedidas.

Foi diante desta experiência que me interessei em estudar também a organização e o

funcionamento da rede de serviços de Saúde Mental. Percebia que, na prática, as relações

entre os serviços embasavam-se nos encaminhamentos de usuários de um serviço a outro. Em

Saúde Mental, havia a fantasia, por parte dos profissionais da Atenção Básica, de que os

CAPS deveriam assumir toda a demanda de pessoas com transtornos mentais. Os CAPS, por

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outro lado, tinham dificuldade em explicar que este não era o seu papel na rede e, ao mesmo

tempo, manter uma relação próxima com os serviços da Atenção Básica. Diante disso, a

relação dos CAPS com os demais serviços de saúde passou a ser o meu foco de interesse. Este

era, no entanto, apenas uma parte da ampla rede de cuidados proposta pela implantação

recente da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no município de São Paulo.

Os CAPS constituem a principal estratégia do processo de Reforma Psiquiátrica no

Brasil. São os serviços especializados para atendimento de pessoas com transtornos mentais

graves e persistentes no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Seus objetivos são acolher

as pessoas com transtornos mentais e estimular a integração social e familiar de seus usuários,

incentivando a busca pela autonomia através do atendimento especializado com equipes

multiprofissionais. Sua principal característica é a integração dos usuários no território onde

se desenvolve a vida cotidiana em comunidade, evitando a hospitalização e o isolamento

desnecessários (Brasil, 2004).

Para compreender a implantação e o desenvolvimento dos CAPS no município de São

Paulo, considero necessário conhecer as experiências pelas quais o município passou na

assistência em saúde mental e as possíveis influências destas vivências a partir do processo da

Reforma Psiquiátrica.

A expansão dos ambulatórios de saúde mental, vinculados à Secretaria Estadual da

Saúde, aconteceu nos anos 1980 e promoveu um espaço de discussão e experimentação de

práticas alternativas em saúde mental (Pitta-Hoisel, 1984). O Projeto Zona Norte ocorreu na

mesma época, tendo como característica principal a articulação de uma rede de serviços para

o cuidado das pessoas com transtorno mental, partindo de uma iniciativa que contou com a

participação dos governos estadual e municipal, além de um projeto docente-assistencial em

parceria com a Faculdade de Ciências Médias da Santa Casa de São Paulo (Cesarino, 1989).

Fora do município de São Paulo, uma das experiências mais influentes neste processo

de transformações da assistência em Saúde Mental foi a criação dos Núcleos de Atenção

Psicossocial (NAPS), em Santos, a partir da desarticulação da Casa de Saúde Anchieta,

principal hospital psiquiátrico do município, e acolhimento dos internos em uma rede de

serviços organizada pelos NAPS (Guljor, 2003).

O surgimento do primeiro CAPS do Brasil aconteceu em São Paulo em 1987, e foi

apontado como “marco inaugural” para a nova configuração de tratamento em saúde mental

extra-hospitalar (Pitta, 2011, p.4584). A partir de 1989, teve início o modelo paulistano de

assistência em Saúde Mental que contava com a implantação de novos serviços, como os

hospitais dia e os Centros de Convivência e Cooperativa (CECCOS), organizados em redes

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nos três níveis de complexidade que visavam assumir o cuidado integral dos usuários no

território (Scarcelli, 1998).

Atualmente, a assistência em Saúde Mental no país deve seguir as diretrizes da

portaria nº 3088/11, que instituiu a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Ela dispõe sobre a

criação, ampliação e articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou

transtorno mental, confirmando o CAPS como serviço de atenção psicossocial especializada,

articulador de uma rede composta por dispositivos da atenção básica, atenção de urgência e

emergência, atenção residencial de caráter transitório, atenção hospitalar, estratégias de

desinstitucionalização e reabilitação psicossocial (Brasil, 2011a; São Paulo, 2013).

Este estudo pretende descrever a implantação e o desenvolvimento dos CAPS no

município de São Paulo e apresentar as suas origens a partir das possíveis influências das

experiências anteriores em Saúde Mental vivenciadas neste município. Além disso, propõe-se

também a compreender as relações dos CAPS com os demais serviços de saúde na busca do

cuidado integral em saúde mental, como pressuposto da Reforma Psiquiátrica.

1.1 História da Reforma Psiquiátrica

O tratamento das pessoas com transtornos mentais graves é considerado prioritário

para o planejamento de uma política de saúde mental. Discussões acerca dos tratamentos às

pessoas com transtornos mentais graves e persistentes internadas nos hospitais psiquiátricos

eclodiram no período pós Segunda Guerra Mundial em várias partes do mundo.

Questionamentos sobre estes tratamentos tornaram-se frequentes perante às denúncias de

violência praticada nestes serviços contra os pacientes e à possibilidade de maior controle dos

sintomas fora do ambiente hospitalar a partir da descoberta dos psicotrópicos (Nascimento,

2000).

Vários movimentos sociais aconteceram em diversos países com propostas de

mudanças da visão que se tinha da doença mental, dos doentes mentais e, consequentemente,

do tratamento existente para os pacientes que viviam nos hospitais psiquiátricos (Scarcelli,

1998; Nascimento, 2000). O foco destes movimentos era a busca por alternativas à internação,

até então terapêutica exclusiva no tratamento destas pessoas.

Destacam-se as Comunidades Terapêuticas na Inglaterra, a Psiquiatria Comunitária

nos Estados Unidos, a Psiquiatria de Setor na França e a Psiquiatria Democrática Italiana

como modelos assistenciais bem-sucedidos que influenciaram a luta antimanicomial

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brasileira. Estas experiências citadas tinham em comum o objetivo de diminuir o número de

hospitais psiquiátricos e ampliar o tratamento ambulatorial, com a participação da família,

utilizando ações preventivas e estimulando a vida em comunidade (Nascimento, 2000;

Amarante, 2007).

A Reforma Psiquiátrica é definida por Amarante (1995) como um processo histórico

de elaboração crítica e prática com o objetivo de formular novas propostas de estratégias de

atuação para a psiquiatria no cuidado de pessoas com transtornos mentais graves e

persistentes. Uma das suas vertentes principais era a desinstitucionalização com consequente

desconstrução do hospital psiquiátrico e dos paradigmas que o sustentavam. Neste processo, a

substituição progressiva destes serviços e seus tratamentos por outras práticas terapêuticas e a

cidadania do doente mental eram objeto de discussão não só entre os profissionais de saúde,

mas também em toda a sociedade (Gonçalves e Sena, 2001; Amarante, 2007).

No Brasil, os movimentos da Reforma Psiquiátrica tiveram início no final da década

de 1970, em meio a várias frentes e segmentos sociais que lutavam contra o regime militar

(Scarcelli, 1998). A Divisão de Saúde Mental do Ministério da Saúde (DINSAM) estava em

crise devido à violência no cuidado dos pacientes e às condições precárias de trabalho dos

profissionais dos hospitais psiquiátricos, e o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental

(MTSM) passou a ser a principal via de denúncias destas situações e de construir

coletivamente propostas de reformulação do sistema assistencial em saúde mental,

contrapondo-se ao modelo hospitalocêntrico e, majoritariamente, privado, vigente (Scarcelli,

1998; Tenório, 2002).

No início da década de 1980, a realidade da saúde pública brasileira contrariava as

recomendações da Organização Mundial de Saúde de priorizar ações preventivas ao estimular

condutas assistenciais e privatizar os serviços médico-hospitalares. Nota-se que o número de

hospitais psiquiátricos privados era elevado e crescente, enquanto o preconizado atendimento

ambulatorial era reduzido (Scarcelli, 1998).

Neste mesmo período, acontecia também no Brasil a Reforma Sanitária, de modo que

o setor de Saúde estava sendo pensado e modificado em vários aspectos. A Reforma Sanitária

e a Reforma Psiquiátrica ocorriam paralelamente com princípios norteadores relacionados. A

8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, por exemplo, teve como um de seus

desdobramentos a 1ª Conferência Nacional de Saúde Mental (I CNSM), realizada em 1987.

Este foi o início, segundo Amarante (1995), da trajetória de desinstitucionalização da

Reforma Psiquiátrica, em que as recomendações da I CNSM começaram a ser testadas.

Algumas das principais recomendações foram: a ampliação da rede de serviços em saúde

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mental extra-hospitalar (hospital dia, hospital noite, leitos em hospitais gerais), a valorização

da equipe multiprofissional nestes serviços, e a proibição da abertura de novos hospitais

psiquiátricos (Brasil, 1988; Nascimento, 2000). Nota-se, ainda, que os usuários dos serviços

de saúde mental e seus familiares passaram a ter uma participação ativa no movimento,

debatendo e criticando a legislação e a assistência a eles prestada (Amarante, 1995;

Nascimento, 2000).

As discussões em torno das políticas públicas em saúde mental tomaram maiores

proporções a partir da apresentação, em 1989, do Projeto de Lei n° 3657/89 pelo Deputado

Paulo Delgado. Ele dispunha sobre a extinção progressiva dos hospitais psiquiátricos, sua

substituição por outros recursos assistenciais e regulamentava a internação psiquiátrica

compulsória (Brasil, 2001; Heidrich, 2007). Para Scarcelli (1998) este Projeto de Lei

representou um avanço na organização do Movimento da Luta Antimanicomial (MLA) e

fundamentou a instalação de diversos serviços com propostas de experiências inovadoras para

um modelo substitutivo ao tradicional modelo hospitalocêntrico.

O Projeto de Lei, no entanto, sofreu alterações em sua redação, dando lugar, 12 anos

mais tarde, à lei n°10216 de 2001, que ficou conhecida como a Lei da Reforma Psiquiátrica

brasileira (Brasil, 2001). De acordo com Amarante (2007), o texto da lei ignorou algumas das

aspirações mais fundamentais do projeto original, tais como a extinção progressiva dos

manicômios. Mesmo assim, significou um avanço considerável no modelo assistencial,

inclusive por revogar a arcaica legislação de 1934, que ainda estava em vigor. Enquanto a lei

federal era debatida, oito Estados aprovaram legislações locais entre os anos 1992 e 1996 que

promoveram o avanço do processo da Reforma Psiquiátrica no país: Rio Grande do Sul,

Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Paraná, Distrito Federal e Espírito

Santo (Amarante, 2007).

Em 1992, o Ministério da Saúde publicou a portaria n° 224 estabelecendo diretrizes e

normas para uma nova organização de assistência em saúde mental, incluindo os serviços de

atenção básica, ambulatórios, núcleos e centros de atenção psicossocial (NAPS e CAPS),

hospitais dia e leitos em hospitais gerais como possibilidades ao atendimento de pessoas com

transtornos mentais (Brasil, 1992). No mesmo ano aconteceu a 2ª Conferência Nacional de

Saúde Mental, marcando o início de uma nova fase da Reforma Psiquiátrica, com reais

mudanças práticas na visão que se tinha do sofrimento psíquico, nos âmbitos político,

cultural, jurídico e social (Amarante, 1995; Scarcelli, 1998).

Amarante (1995) afirma que, entre os anos de 1991 e 1995, os leitos psiquiátricos

caíram de 86 mil para 72 mil, 30 hospitais privados encerraram suas atividades e foram

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criados 2065 leitos psiquiátricos em hospitais gerais e mais de 100 centros e núcleos de

atenção psicossocial em todo o território nacional.

Em 2001 aconteceu a III Conferência Nacional de Saúde Mental, cujo tema foi ‘Por

uma sociedade sem manicômios’ vislumbrando a extinção de todos os leitos de hospitais

psiquiátricos do Brasil até 2004 através da estruturação de uma rede substitutiva de saúde

mental (Brasil, 2002c). Em seguida houve a publicação da Portaria nº336 de 2002 pelo

Ministério da Saúde, que estabeleceu os CAPS e as diretrizes para o funcionamento de suas

três modalidades: CAPS I, CAPS II e CAPS III. Esta Portaria atribui ao CAPS o atendimento

prioritário de pessoas com transtornos mentais severos e persistentes no âmbito do SUS e

responsabiliza-o pela organização da demanda e da rede de cuidados em saúde mental no

âmbito do seu território (Brasil, 2002a).

Depois de nove anos, a IV Conferência Nacional de Saúde Mental e Intersetorial (IV

CNSM-I) aconteceu em 2010 e contou, pela primeira vez, com a participação de outros

setores, direta ou indiretamente envolvidos com a Saúde Mental (Brasil, 2010). Desta forma, a

IV CNSM-I promoveu o redirecionamento da prática no campo da Saúde Mental,

incentivando o estabelecimento da intersetorialidade. No ano seguinte foi publicada a Portaria

nº 3088 de 2011 (republicada em 2013) que institui a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)

para pessoas com sofrimento ou transtorno mental (Brasil, 2011a).

1.2 História da Atenção Psicossocial no Estado de São Paulo

Nos anos 1980, os municípios do estado de São Paulo contavam com uma política de

saúde implementada pela Secretaria de Estado da Saúde baseada nos princípios da

“Reorientação da Assistência Psiquiátrica” proposta pelo CONASP/82 - Conselho Consultivo

da Administração de Saúde Previdenciária. Esta política de saúde, que esteve em vigor entre

1983 e 1986, visava a ampliação da rede ambulatorial, a implantação de equipes de saúde

mental nas unidades básicas, a criação de leitos em enfermarias nos hospitais gerais e a

diminuição dos leitos em hospitais psiquiátricos. Entre 1987 e 1990, houve a criação de

centrais de vagas e pretendia-se fortalecer a diminuição dos leitos em hospitais psiquiátricos

através da regulação do sistema. Neste período já começava a acontecer a municipalização

dos serviços de saúde (Campos, 2000). Serão apresentadas a seguir as principais experiências

inovadoras em saúde mental deste período (1980 a 2000) nos municípios de São Paulo e de

Santos.

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1.2.1 Ambulatórios de Saúde Mental – Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo

Os Ambulatórios de Saúde Mental foram serviços da Secretaria Estadual de Saúde do

Estado de São Paulo que fizeram parte de uma nova concepção de atenção em Saúde Mental e

funcionaram a partir de 1983 no município de São Paulo. Para Pitta-Hoisel (1984), havia a

expectativa de que o ambulatório se tornasse um local de discussão e experimentação de

práticas alternativas em saúde mental, visando à instalação de um espaço de continência para

situações mais críticas que anteriormente eram direcionadas à hospitalização.

De acordo com o documento “Proposta de Trabalho Para Equipes Multiprofissionais

em Unidades Básicas e em Ambulatórios de Saúde Mental” (São Paulo, 1983), os

ambulatórios contariam com uma equipe multiprofissional composta por 27 técnicos (entre

psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, equipe de enfermagem,

farmacêutico, fonoaudiólogo, visitadores domiciliares), além de funcionários administrativos

preparados para o acolhimento de pessoas em adoecimento psíquico e seus familiares.

O tratamento deveria ser constituído por programas terapêuticos organizados pela

equipe multiprofissional e baseados no comprometimento psíquico do usuário, conforme

seguem as explicações de cada programa (São Paulo, 1983):

Os Programas de Intensidade Máxima deveriam destinar-se aos usuários mais

comprometidos psiquicamente (em estado psicótico, crise aguda de ansiedade e/ou

depressão e dependentes químicos) que estariam envolvidos em atividades

terapêuticas de uma a cinco vezes por semana e teriam seus familiares como

participantes no tratamento.

Os Programas de Média Intensidade deveriam visar o acompanhamento semanal

do usuário (com exceções para os que tinham atendimentos duas vezes por semana

ou quinzenalmente) e as atividades oferecidas seriam variáveis de acordo com a

faixa etária, podendo ser individuais ou em grupo.

Os Programas de Menor Intensidade seriam compostos por atendimentos mais

espaçados em função da menor necessidade requerida pelo usuário, seja pela sua

condição psíquica estável ou pela sua indisponibilidade para tratamento de maior

frequência.

O documento orienta que os programas contariam com atividades terapêuticas

individuais e grupais e com equipe multiprofissional em maior ou em menor número e

variabilidade de acordo com a necessidade dos casos atendidos. Além disso, o acesso da

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população ao ambulatório deveria acontecer através da triagem, que poderia ser executada por

qualquer dos técnicos e durante a qual seria realizado um breve ato diagnóstico que

possibilitaria a inclusão do usuário em um dos programas oferecidos pelo serviço ou o seu

encaminhamento para outra unidade de saúde (São Paulo, 1983).

Observa-se que estas orientações remetem a uma proposta inovadora de compreensão

sobre o cuidado da pessoa com transtorno mental para aquela época, afastando-se uma práxis

predominantemente médica que priorizava o uso excessivo de medicamentos, produzia a

cronificação dos transtornos mentais e dificultava possibilidades de melhora da qualidade de

vida dos sujeitos. Diferentemente, as propostas que acompanhavam os ambulatórios

estimulavam uma terapêutica de valorização das experiências individuais a partir das

características singulares dos transtornos e dos usuários com a compreensão da saúde integral

do sujeito através do ponto de vista dos diversos saberes das equipes multiprofissionais. Neste

contexto, o número de ambulatórios no município cresceu de sete unidades em 1982 para 15

em 1985 (Cambraia, 1999).

Goldberg, em 1994, fez uma crítica à real situação dos atendimentos às pessoas com

transtornos mentais graves e persistentes nos ambulatórios de saúde mental. Conforme este

autor, as ações ocorriam generalizadamente, com a submissão dos pacientes a uma mesma

modalidade terapêutica, gerando um ciclo cronificado, sem levar em conta as individualidades

dos usuários e imprimindo, portanto, pouco impacto na vida dos pacientes e seus familiares.

O mesmo autor (1994) revela que o tratamento nos ambulatórios visava evitar a

internação através da remissão dos sintomas. Os usuários oscilavam entre o tratamento

ambulatorial quando estáveis e as internações diante dos sintomas agudos, porém, nenhum

destes serviços conseguia, com a terapêutica que dispunha, cumprir com a proposta de criar

condições para que as pessoas com transtornos mentais graves e persistentes pudessem ser

assistidas em um nível de menor complexidade.

Nesta mesma perspectiva, Cambraia (1999), em sua pesquisa de mestrado, também

identificou alguns desafios enfrentados nestes serviços, como a carência de recursos humanos

e a alta rotatividade dos profissionais. Observou que os três ambulatórios estudados no

município de São Paulo encontravam-se em áreas com número de habitantes para referência

em saúde mental cinco vezes superior ao preconizado pela Organização Mundial da Saúde

(150.000 hab/ambulatório de especialidades), ou seja, tinham uma demanda muito maior do

que poderiam assistir. Percebeu também que a assistência oferecida não respeitava as

demandas dos usuários (que tinham certas limitações características de seu estado psíquico), e

por isso muitos não tinham um acesso suficiente aos programas do serviço. Por fim, apontou

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9

que o isolamento dos ambulatórios de outros serviços que pudessem complementar a

assistência que os usuários necessitavam aliado à ausência de recursos terapêuticos suficientes

para maior continência e resolutividade dos casos proporcionaram o retorno crescente das

consultas médicas de curta duração como práticas predominantes nos ambulatórios de saúde

mental no final dos anos 1990.

1.2.1.1 Projeto Zona Norte

Teve início também em 1983 uma experiência realizada em conjunto entre as

secretarias municipal e estadual de saúde de São Paulo com seus recursos humanos e

materiais, e com o projeto docente-assistencial já em andamento em parceria com a Faculdade

de Ciências Médias da Santa Casa de São Paulo, denominado Projeto Zona Norte.

Os objetivos deste programa consistiam em construir uma rede assistencial em Saúde

Mental que compreendesse os níveis primário, secundário e terciário de atenção, que agisse

no sentido de prevenir internações psiquiátricas não necessárias e de desenvolver

procedimentos terapêuticos substitutivos às internações, além de criar espaços formadores de

profissionais dentro desta nova proposta de cuidado em Saúde Mental (Cesarino,1989).

O projeto teve início com da integração entre quatro unidades básicas de saúde, um

ambulatório de saúde mental e um hospital psiquiátrico em uma área com 585.000 habitantes,

que, de acordo com Cesarino (1989), cresceu em um ano e meio, atingindo uma área com

cerca de dois milhões de habitantes, com 12 unidades básicas de saúde, seis ambulatórios de

saúde mental, uma unidade de emergência psiquiátrica no pronto socorro de um hospital

geral, além do hospital psiquiátrico já bastante modificado em seu funcionamento. A Zona

Norte do município foi escolhida por apresentar as características estruturais necessárias ao

projeto (equipamentos, recursos humanos), tendo início no bairro da Freguesia do Ó e

expandindo para uma área com aproximadamente dois milhões de habitantes – “toda a Zona

Norte de São Paulo e algo mais” (Cesarino, 1989, p.11).

O mesmo autor aponta que os ambulatórios apresentavam uma estrutura rígida, antiga

e autoritária para o atendimento das pessoas com transtorno mental que acontecia,

predominantemente, através do atendimento médico e medicamentoso, sendo que

profissionais não médicos eram raros e a integração destes era inexistente. Como o projeto

visava concretizar as ideias advindas da luta antimanicomial (Cesarino, 1989), a observação e

a análise crítica das situações adversas que aconteciam no dia a dia dos ambulatórios

propiciaram mudanças nas práticas assistenciais.

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10

Para o início das atividades, novas categorias profissionais foram contratadas e

instaurou-se uma busca pelo aprendizado de um novo fazer que foi sendo construído pelos

próprios integrantes do programa, incluindo equipe técnica e administrativa, usuários e seus

familiares. Foram criados grupos de trabalho multidisciplinares e definidos programas

específicos de cuidados para psicóticos, neuróticos graves, crianças, epiléticos e alcoolistas,

definindo melhor o atendimento em nível secundário. Os casos que não se encaixavam nas

novas propostas dos ambulatórios eram encaminhados aos serviços de atenção primária ou

terciária, que também tiveram sua estrutura reorganizada (Cesarino, 1989).

Entretanto, Cesarino (1989) destaca que mudanças políticas prejudicaram a

continuidade das ações que aconteciam já com certa dificuldade nos equipamentos geridos

pela prefeitura e pelo estado: o apoio mais importante do projeto, que vinha da Secretaria de

Higiene e Saúde, foi reduzido; a região de abrangência foi dividida, de modo que as

referências e contra-referências se perderam e as equipes foram fragmentadas; os

investimentos destinados à Saúde Mental foram diminuindo e os serviços voltaram a oferecer,

em maior proporção, consulta e prescrição de medicamentos apenas. Assim, o projeto foi

desarticulado.

Como herança, o mesmo autor ressalta que restaram muitos ganhos. Houve, pela

primeira vez no município de São Paulo, uma experiência de funcionamento integrado e

regionalizado em saúde mental, com assistência nos três níveis de atenção, com profissionais

capacitados e engajados com os mesmos propósitos. Em consequência desta articulação, a

frequência de internações psiquiátricas diminuiu consideravelmente, assim como a prescrição

de medicamentos e os atendimentos em grupos terapêuticos tornaram-se constantes e

crescentes nos ambulatórios. Pode-se dizer que o Projeto Zona Norte foi responsável por

apresentar uma estrutura inovadora à assistência em saúde mental, assim como por inaugurar

uma ampla discussão a respeito das políticas públicas que embasou o modelo de saúde mental

vigente.

1.2.2 CAPS Prof. Luiz da Rocha Cerqueira

O CAPS Prof. Luiz da Rocha Cerqueira, também conhecido como CAPS Itapeva,

devido à sua localização em rua com este nome na região central da cidade de São Paulo, foi

inaugurado em 1987, vinculado à Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo. Iniciou-se, desta

forma, um projeto de atenção diferenciada em saúde mental aberto, abrangente e flexível, para

uma clientela específica de pessoas com graves transtornos mentais e suas famílias que não

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encontravam tratamento intensivo e satisfatório na rede pública (Meola, 2000; Nascimento,

2000, Guljor 2003). É apontado, de acordo com Pitta (2011, p.4584), “como ‘marco

inaugural’ de um modo de cuidar que considera o sujeito em sofrimento como estruturante de

uma ‘clínica ampliada’ que o articula no seu território e não o enclausura para tratá-lo”.

Pretendia-se, com este novo equipamento de saúde mental, estimular múltiplos

aspectos necessários ao exercício da vida em sociedade através da integração de práticas

ambulatoriais e oficinas de trabalho com a estrutura de hospital-dia (Guljor, 2003; Scarcelli,

1998). Para tanto, seu funcionamento abrangia ações multi e interprofissionais, uso de

psicofármacos e práticas de inclusão social (Pitta, 2011).

As atividades terapêuticas realizadas no CAPS eram individualizadas, pois

considerava-se a história de vida do usuário, sua subjetividade, sua família, sua moradia, sua

arte, seu trabalho, sua renda, entre outros aspectos, no território (Pitta, 2011). A equipe

técnica era composta por profissionais de várias áreas que analisavam clinicamente o usuário

e definia a frequência e intensidade do seu tratamento, que geralmente era por oito horas

diárias, de uma a cinco vezes por semana (Guljor 2003; Nascimento, 2000).

As estratégias utilizadas eram variadas com estimulação de expressões artísticas e

senso crítico, atividades produtivas, culturais, com o uso da ambiência e convivência

cotidiana com os usuários, além de modalidades psicoterápicas diversas (grupal, individual,

familiar etc.) e a tradicional farmacoterapia (Meola, 2000).

Este CAPS passou a ocupar posição de destaque na assistência extra-hospitalar,

influenciando a criação de novos serviços e a transformação daqueles já existentes.

Permanece vinculado à Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e sua gestão é realizada

por Organização Social de Saúde (OSS) privada (Vieira, Marcolan, 2016).

1.2.3 Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) de Santos

Os NAPS são os serviços de saúde mental extra-hospitalar criados pela prefeitura

municipal de Santos (SP), em 1989, para atenderem as pessoas com transtornos mentais

graves e persistentes da região onde estão localizados. (Nascimento, 2000). Diferentemente

das outras experiências de reestruturação da assistência em saúde mental até aquele momento,

no caso de Santos, tal iniciativa foi motivada pelo poder público municipal, que atuou de

forma incisiva diretamente na Casa de Saúde Anchieta (CSA), hospital psiquiátrico privado

conveniado com o governo federal para atendimento público, que funcionava há quarenta

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anos e absorvia praticamente toda a demanda de internação asilar da região (Tenório, 2002;

Guljor, 2003; Pitta, 2011).

Após denúncias e confirmação de mortes violentas e maus tratos contra internos neste

serviço, superlotação, uso indiscriminado de psicofármacos e eletroconvulsoterapia,

condições precárias de higiene e alimentação, entre outros complicadores, a prefeitura

municipal de Santos interveio através de uma equipe de trabalho composta por um interventor

e funcionários municipais fortemente comprometidos com a desinstitucionalização. Foi

iniciado, então, um processo de transformação da assistência, com restituição dos direitos

mínimos da população internada, afim de criar condições para a reinserção social destas e o

fechamento da CSA (Nascimento, 2000; Guljor 2003).

O primeiro NAPS foi inaugurado em 1989, como eixo de uma rede diversificada de

dispositivos em um sistema psiquiátrico substitutivo ao sistema manicomial. Escolheu-se a

Zona Noroeste da cidade para sua implantação devido à ampla necessidade de políticas

públicas e sociais nesta região, com grande número de egressos de internações psiquiátricas e

ao empenho da comunidade local nas discussões pró desinstitucionalização ocorridas ali

(Nascimento, 2000). Outros quatro NAPS foram implantados com localização estratégica na

cidade, até 1994, quando também foi fechada por completo a CSA (Guljor, 2003).

De acordo com Tenório (2002), o NAPS deveria assumir responsabilidade integral na

assistência em saúde mental no território onde estiver localizado, oferecendo cuidados 24

horas, todos os dias, inclusive internação, dispondo de, aproximadamente, seis leitos. Ainda

segundo o mesmo autor, seria composto por uma equipe multiprofissional, prestar-se-ia a

funcionar como hospital-dia, hospital-noite, aceitando frequências variadas ou irregulares ao

tratamento e oferecendo desde consultas médicas e psicológicas às mais variadas atividades

grupais, além de atender em regime de visita domiciliar se necessário.

Atualmente, a rede de serviços em saúde mental em Santos é composta pelos cinco

NAPS, que passaram a se constituir em CAPS III a partir da Portaria n° 336/GM, de 2002

(Brasil, 2002a). Segundo a portaria, os CAPS devem estar capacitados para atender,

prioritariamente, pessoas com transtornos mentais graves e persistentes em seu território. No

entanto, para Gonzaga e Nakamura (2015), a principal dificuldade dos NAPS é a demanda

excessiva de casos considerados de baixa complexidade absorvidos por estes serviços,

descaracterizando a assistência mais intensiva, próxima e constante necessária aos casos

graves e persistentes. Além dos NAPS, outros equipamentos constituem a assistência em

saúde mental em Santos: Centro de Referência Psicossocial do Adolescente, Centro de

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Prevenção ao Uso de Substâncias Psicoativas, Núcleo de Atenção ao Tóxico-dependente,

Seção de Reabilitação Psicossocial e Lar Abrigo (Gonzaga, Nakamura, 2015).

Pitta (2011) considera que a experiência de Santos foi a mais radical de um modelo

substitutivo aos hospitais psiquiátricos no país, influenciando outras experiências exitosas em

Campinas, Angra dos Reis, São Lourenço do Sul, Betim, Aracaju, Feira de Santana, Belo

Horizonte, Sobral, Fortaleza e muitas outras, no caminho da Luta Antimanicomial.

1.2.4 Modelo de Saúde Mental Paulistano de 1989 a 1992

Os hospitais dia foram os serviços responsáveis pela assistência das pessoas com

transtornos mentais graves e em situação de crise no modelo paulistano de atenção à saúde

mental de 1989 a 1992. Nesta época, uma nova política em saúde foi elaborada com base nos

princípios e diretrizes do SUS (universalidade, equidade, integralidade, regionalização e

hierarquização), na Declaração de Caracas (que define novos caminhos para a atenção

primária) e na Reforma Psiquiátrica, com a criação de uma rede integrada de atendimento

envolvendo vários equipamentos (Guljor, 2003; Carreiro et al, 2005; Luzio, 2006).

A proposta, portanto, era a construção de uma rede de serviços articulados nos três

níveis de complexidade que deveria assumir o cuidado integral dos usuários no território e ser

interligada com serviços de outros setores, como habitação, transporte, cultura, educação e

outros que se fizessem necessários. Esta rede de serviços era composta por UBSs, hospitais

dia, hospitais gerais e CECCOs, de modo que os hospitais dia funcionavam como retaguarda

às UBSs e CECCOs e referência aos hospitais gerais, considerando um sistema de referência e

contra referência entre os serviços de saúde (Scarcelli, 1998; Carreiro et al, 2005;).

Os hospitais dia ofereciam tratamento ambulatorial intensivo às pessoas com

transtorno mental grave e persistente, egressos de hospitais psiquiátricos ou sem histórico de

internação, apresentando situação de crise, sem excluí-las do convívio com a família e com a

sociedade. Para tanto, realizavam atividades terapêuticas específicas, como grupos de

psicoterapia, terapia ocupacional, atendimentos individuais, além de atividades socioculturais,

como dança, teatro, música, jardinagem, que garantiam um momento para convivência.

Outras atividades visavam o preparo para autonomia e convivência em sociedade, como

participação em assembleias com discussão sobre o funcionamento do serviço, grupo de

medicação, grupo de fim de semana, com preparação para a convivência familiar e

comunitária nos finais de semana e atividades esportivas e de rotina, como higiene e

alimentação (Scarcelli, 1998).

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14

As UBSs passaram a contar com equipe multiprofissional de saúde mental integrada à

equipe geral da unidade, composta por psicólogos, terapeutas ocupacionais e psiquiatras

(Scarcelli, 1998). Os hospitais gerais municipais incluíram a emergência psiquiátrica no

pronto socorro, leitos psiquiátricos e o Projeto Hospital Aberto, que tinha como principal

estratégia, garantir o direito a um acompanhante-participante (que compartilhava o cuidado ao

usuário) a toda pessoa atendida em saúde mental.

Para completar a rede, foram implantados os CECCOS, serviços que utilizavam

espaços públicos como parques e centros esportivos onde aconteciam oficinas monitoradas

por profissionais da Secretaria da Saúde para promover a interação e integração das pessoas

com transtornos mentais à sociedade. Havia ainda a proposta de implantação de lares

abrigados, como serviços de moradia aos pacientes crônicos sem estrutura familiar, mas este

projeto não foi concretizado (Scarcelli, 1998; Yasui, 1999). Desta forma, criou-se uma rede de

serviços em Saúde Mental preparada para oferecer uma terapêutica alternativa às pessoas com

transtornos mentais que, anteriormente, contavam apenas com internações em hospitais

psiquiátricos como forma de tratamento.

Durante os governos seguintes, de 1992 a 2000, esse projeto foi desmontado e

implantou-se o Plano de Assistência à Saúde (PAS), terceirizando-se toda a assistência em

saúde, inclusive em saúde mental. Cooperativas profissionais assumiram a administração dos

serviços de saúde e contrataram profissionais, que restringiram as suas ações a atendimentos

ambulatoriais, centradas no modelo médico-curativo tradicional. Na opinião de Luzio e

L’Abbate (2006, p.287) “o PAS produziu apenas desassistência e caos na saúde”. A partir de

2000, a nova gestão buscou reorganizar a saúde do município e implantar a política de saúde

mental vigente no país.

1.3 Situação Atual da Atenção Psicossocial no Município de São Paulo

Em 2016 a Atenção Psicossocial no município de São Paulo conta, no âmbito do SUS,

com uma rede de serviços articulados que segue as diretrizes do Ministério da Saúde contidas

na Política Nacional de Saúde Mental - Lei n°10216/2001 (Brasil, 2001), na Portaria nº336 de

2002 que estabeleceu os CAPS (Brasil, 2002a) e na Portaria nº3088 de 2011, republicada em

2013, que instituiu a Rede de Atenção Psicossocial - RAPS (Brasil, 2011a).

De acordo com Nóbrega et al (2016), a RAPS surge com a perspectiva de consolidar

um modelo de assistência amplo, aberto e de base comunitária que garanta a livre circulação

das pessoas com transtornos mentais pelos serviços, pela comunidade e pela cidade onde

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vivem. Neste sentido, a RAPS está organizada como uma rede de serviços de saúde mental

integrada, articulada e efetiva nos diferentes níveis de atenção à saúde para atendimento de

pessoas com sofrimento ou transtorno mental ou com demandas decorrentes do consumo de

álcool e drogas (Brasil, 2011a).

De acordo com a portaria da RAPS, os serviços que a constituem devem atuar na

perspectiva territorial, conhecendo suas características e estabelecendo ações intersetoriais

para garantir a integralidade do cuidado. Para tanto, está pautada em quatro eixos: ampliação

do acesso, qualificação da rede, ações intersetoriais para reinserção social, reabilitação,

prevenção e redução de danos. Os componentes da RAPS são:

Atenção Básica em Saúde;

Atenção Psicossocial;

Atenção de Urgência e Emergência;

Atenção Residencial de Caráter Transitório;

Atenção Hospitalar;

Estratégias de Desinstitucionalização; e

Estratégias de Reabilitação Psicossocial.

Em São Paulo, o processo de organização e estabelecimento da RAPS teve início em

2013, com a formação do Grupo Condutor Municipal da Rede de Atenção Psicossocial que

elaborou o documento intitulado “Rede de Atenção Psicossocial: proposta de adesão – Rede

Regional de Atenção à Saúde do município de São Paulo (RRAS06)”. Este documento

apresentou orientações importantes sobre serviços e equipamentos de saúde mental existentes

nas cinco Coordenadorias Regionais de Saúde (CRS – Norte, Sul, Leste, Centro-Oeste,

Sudeste) do município. Desta forma, a assistência em Saúde Mental no município de São

Paulo segue as diretrizes deste documento e da Portaria da RAPS (Brasil, 2011a; São Paulo,

2013).

1.3.1 Atenção Básica

Tem como principal serviço a Unidade Básica de Saúde (UBS). São 4981 UBS que

dispõem de equipes mínimas de saúde mental local ou referenciada que atuam para a

promoção, prevenção, assistência e reabilitação, coordenando o cuidado integral dos seus

usuários matriculados. A Estratégia Saúde da Família (ESF) está presente nas UBS em áreas

1 Fonte: Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES). Disponível em: http://cnes.datasus.gov.br.

Acessado em 30/10/2016.

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de maior vulnerabilidade social e assiste aproximadamente 40% da população de São Paulo.

A parcela populacional restante é atendida nas UBS através de ações programáticas.

As equipes de Consultório na Rua estão também inseridas na RAPS e são compostas

por profissionais capacitados para atuar no cuidado de usuários de álcool e drogas e pessoas

em sofrimento mental. São 16 as equipes de Consultório na Rua que atuam in loco abordando

as pessoas que estão nas ruas e nas casas de acolhida.

Completam a Atenção Básica no município os 222 Centros de Convivência e

Cooperativa (CECCOS)3 que são espaços que visam a inserção social de pessoas com

transtornos mentais, deficiências, idosos, crianças e adolescentes em situação de

vulnerabilidade e a população em geral através do convívio social e trabalho solidário.

1.3.2 Atenção Psicossocial Estratégica

É representada pelo CAPS, local de referência em saúde mental que tem o papel de

cuidar das pessoas com transtornos mentais graves e persistentes em seu território de

abrangência, organizando toda a rede de cuidados de saúde destas pessoas. Suas ações

envolvem as famílias e visam a inserção social dos usuários, a partir de projetos terapêuticos

individualizados elaborados por uma equipe multiprofissional com base na história de vida

dos sujeitos. Oferece assistência através de atendimentos individuais e em grupos, oficinas

terapêuticas, visitas domiciliares, atendimento às famílias e atividades comunitárias (Brasil,

2002a).

De acordo com a portaria 336 de 2002 do Ministério da Saúde, os CAPS estão

organizados em três modalidades definidas por ordem crescente de porte/complexidade e

abrangência populacional (Brasil, 2002a):

CAPS I: Serviço com capacidade operacional para atendimento em municípios

com população entre 20.000 e 70.000 habitantes, no período de 08 às 18 horas, em

dois turnos, durante os cinco dias úteis da semana. Realiza atendimento de 20

pacientes por turno, tendo como limite máximo 30 pacientes/dia, em regime de

atendimento intensivo.

2 Fonte: Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES). Disponível em: http://cnes.datasus.gov.br.

Acessado em 30/10/2016. 3 Os CECCOS são denominados Centros de Convivência na Portaria nº 3088/11, Centros de Convivência e

Cultura na republicação desta mesma portaria, em 2013, e de Centros de Convivência e Cooperativa no

documento Rede de Atenção Psicossocial: proposta de adesão – Rede Regional de Atenção à Saúde do

município de São Paulo (RRAS06).

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CAPS II: Possui capacidade operacional para atendimento em municípios com

população entre 70.000 e 200.000 habitantes e funciona de 8:00 às 18:00 horas,

em dois turnos, durante os cinco dias úteis da semana, podendo comportar um

terceiro turno funcionando até às 21:00 horas. Atende 30 pacientes por turno,

tendo como limite máximo 45 pacientes/dia, em regime intensivo.

CAPS III: Oferece capacidade operacional para atendimento em municípios com

população acima de 200.000 habitantes. Constitui-se em serviço ambulatorial de

atenção contínua, durante 24 horas diariamente, incluindo feriados e finais de

semana. Realiza acolhimento noturno, nos feriados e finais de semana, com no

máximo cinco leitos para eventual repouso e/ou observação. A permanência de

um mesmo paciente no acolhimento noturno é limitada a sete dias corridos ou dez

dias intercalados em um período de 30 dias. Atende de 40 pacientes por turno,

com limite máximo de 60 pacientes/dia, em regime intensivo.

O CAPS atende a população adulta. Para o atendimento de crianças e adolescentes, a

mesma portaria estabeleceu o CAPSi (infantojuvenil), que segue as diretrizes de

funcionamento do CAPS II ou do CAPS III. O CAPSi atende crianças e adolescentes com

transtornos mentais graves e persistentes e os que fazem uso de crack, álcool e outras drogas.

Da mesma forma, foi instituído o CAPSad (álcool e drogas), serviço para atendimento de

pacientes adultos com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias

psicoativas.

Os usuários dos CAPS podem ter tido uma longa história de internações psiquiátricas,

podem nunca ter sido internados ou podem já ter sido atendidos em outros serviços de saúde

(ambulatório, hospital-dia, consultórios etc.). Em todas essas situações, o CAPS deve fazer o

acolhimento do usuário independentemente de encaminhamentos externos, de agendamento

de consultas ou da intensidade do sofrimento que ele apresentar no momento (Brasil, 2004).

Os CAPS contam com equipe multiprofissional que atua de forma interdisciplinar

desenvolvendo atividades que são realizadas prioritariamente em espaços coletivos e

articuladas com os outros pontos de atenção da rede de saúde e das demais redes do território.

O tratamento dos usuários baseia-se no Projeto Terapêutico Singular (PTS), construído com a

participação da equipe, do usuário e de sua família, respeitando suas necessidades e

personalizando o atendimento de cada usuário na unidade e fora dela.

O PTS pode ser composto por vários recursos, como: atendimento individual

(prescrição de medicamentos, psicoterapia, orientação); atendimento em grupo (oficinas

terapêuticas, oficinas culturais, grupos terapêuticos, atividades esportivas, atividades de

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suporte social, atividades de ensino); atendimento para a família (individual, grupal, visitas

domiciliares, atividades de lazer); atividades comunitárias (festas, caminhadas com grupos da

comunidade, participação em eventos e grupos com outras instituições existentes na

comunidade); assembleias ou reuniões de organização do serviço.

Em 2016, estão em funcionamento 32 CAPS para atendimento de adultos (2 CAPS I,

23 CAPS II e 7 CAPS III), 26 CAPSi e 26 CAPSad no conjunto das Coordenadorias

Regionais de Saúde do município de São Paulo4.

1.3.3 Atenção de Urgência e Emergência

Atualmente está em processo de organização de fluxos, composta por serviços

municipais e estaduais que coexistem e devem se complementar. Conforme mostra o

documento da RAPS de São Paulo, é precária a oferta de acolhimento nos hospitais e pronto

socorros (PS) para urgência psiquiátrica e pretende-se pactuar as referências para atendimento

nas cinco Coordenadorias Regionais de Saúde entre os serviços de gestão municipal e

estadual com os demais serviços da rede. Dentre hospitais e PS municipais, dados de 2013

apontam um total de 90 leitos de observação psiquiátrica em todo o município (São Paulo,

2013).

1.3.4 Atenção Hospitalar

Com a consolidação da Reforma Psiquiátrica, estima-se atingir até 10% de leitos em

hospitais gerais habilitados como leitos de saúde mental, tanto nos hospitais municipais

quanto nos estaduais. O tempo de internação deve ser no máximo 15 dias. Em hospitais

especializados, a duração inicial da internação é de 30 dias com possibilidade de ampliação

para 60 dias. De acordo com o documento da RAPS, há 116 leitos para internações

psiquiátricas em hospitais gerais e 553 leitos nos hospitais psiquiátricos no município de São

Paulo (São Paulo, 2013).

1.3.5 Estratégias de Desinstitucionalização

4 Fonte: Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES). Disponível em: http://cnes.datasus.gov.br.

Acessado em 30/10/2016.

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As unidades de acolhimento (UA) e as residências terapêuticas (RT) são serviços

facilitadores da desisntitucionalização, principalmente nos casos de internação por longos

períodos, pois oferecem os cuidados necessários em saúde mental. Em 2013 havia 16

unidades de acolhimento UA no município de São Paulo, sendo 14 para adultos e duas para

crianças e adolescentes. As RT são em 24, divididas em nove femininas, 14 masculinas e uma

mista (São Paulo, 2013).

1.3.6 Reabilitação Psicossocial

Acontecem, principalmente, nos CECCOs e CAPS os projetos de geração de renda e

inclusão pelo trabalho, e visam a reintegração das pessoas em tratamento de saúde mental na

vida social e no mercado de trabalho.

Para dar conta da complexidade das demandas de cuidado e inclusão das pessoas com

transtornos mentais, a Portaria nº336/02 atribui aos CAPS a responsabilidade pela articulação

e tecimento de redes de serviços de saúde e de outras redes sociais, englobando o contato com

outros serviços, organização dos fluxos, tanto nas funções de assistência direta, quanto na

promoção da vida comunitária e da autonomia dos usuários que inclui outras esferas, como

sócio-sanitárias, jurídicas, cooperativas de trabalho, escolas, empresas, entre outras (Brasil,

2002a).

A Portaria da RAPS, diferentemente, atribui à Atenção Básica esta função de

regulação da rede, incluindo todos os seus componentes: equipes de atenção básica, equipes

de Consultório na Rua, equipes de apoio aos serviços de Atenção Residencial de Caráter

Transitório, Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) e Centros de Convivência e

Cultura (Brasil, 2011). No entanto, esta Portaria não isenta o CAPS de atuar em rede para

ampliar as suas possibilidades de cuidado.

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20

2 JUSTIFICATIVA

A história da atenção psicossocial do município de São Paulo é diferente da maioria

dos municípios do Brasil. A implementação do SUS no município aconteceu tardiamente

devido às mudanças político-administrativas que interromperam o processo de criação e

articulação de redes para a assistência em saúde (Scarcelli, 1998; Cambraia, 1999).

Experiências inovadoras como o CAPS Prof. Luiz da Rocha Cerqueira e os CECCOS

tornaram concretas as propostas da reforma psiquiátrica de proporcionar atendimento

humanizado aos doentes mentais, com atenção integral aos pacientes e participação da

família. Os ambulatórios de saúde mental e os hospitais-dia também fizeram parte deste

processo e assistiram pacientes egressos de hospitais psiquiátricos, além de novas demandas.

Observa-se, entretanto, que mesmo após a instituição das RAPS, alguns aspectos

almejados pela Reforma Psiquiátrica ainda não foram alcançados, vide a dificuldade de

continuidade do acompanhamento das pessoas com transtornos mentais graves e persistentes e

sua reabilitação para o convívio social.

O porte do município pode ser um destes dificultadores. Com mais de 11 milhões de

habitantes5, São Paulo apresenta em sua população diversidades e especificidades que geram

necessidades amplamente variadas na execução das políticas públicas em saúde. Conhecer o

desenvolvimento das políticas públicas em saúde mental no passado pode auxiliar na

compreensão dos fatos e na realização de novas ações.

Diante disso, o presente estudo pretende compreender o desenvolvimento da atenção

em saúde mental no município de São Paulo no contexto da municipalização da Saúde e da

criação dos CAPS e verificar como estavam articulados os serviços para atendimento de

pessoas com transtornos mentais neste município diante das transformações promovidas pela

Reforma Psiquiátrica, a partir dos relatos dos gerentes dos CAPS para atendimento de adultos

nos anos de 2007 e 2008. Neste momento, a assistência em Saúde Mental no município de

São Paulo embasava-se nas diretrizes das Portarias 224/92 e 336/02 no Ministério da Saúde

que estabeleceram o CAPS como principal dispositivo para o cuidado das pessoas com

transtorno mental.

5 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dado do senso de 2010. Acessado em 12/10/2016.

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21

3 OBJETIVOS

1. Descrever a implantação e desenvolvimento dos CAPS para atendimento de

adultos no contexto da municipalização da Saúde em São Paulo

2. Compreender a relação entre os CAPS e os demais serviços de saúde, sob a

perspectiva dos gerentes dos serviços, no período anterior à criação da RAPS.

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22

4 MÉTODO

4.1 Desenho

Esta pesquisa faz parte do estudo Avaliação dos Centros de Atenção Psicossocial do

Município de São Paulo que teve como objetivo avaliar os CAPS para atendimento de adultos

existentes no município de São Paulo e vinculados à Secretaria Municipal de Saúde de São

Paulo a partir das dimensões propostas por Donabedian: estrutura, processo e resultado

(Nascimento, Galvanese, 2009). Participaram do estudo original 21 dos 22 CAPS I e II que

funcionavam até dezembro de 2007 (houve recusa de um CAPS em participar da pesquisa).

Nenhum serviço funcionava como CAPS III naquele momento.

A coleta dos dados ocorreu entre abril de 2007 e abril de 2008. Foram realizadas

observações etnográficas e entrevistas semiestruturadas com profissionais dos serviços para a

investigação sobre os processos de cuidado. Além disso, a pesquisa envolveu um estudo de

coorte com os usuários intensivos dos serviços.

Neste estudo, foi realizada uma pesquisa qualitativa com a utilização do conteúdo das

entrevistas semiestruturadas conduzidas com os gerentes dos serviços.

4.2 Amostra

Foram analisadas as entrevistas de 21 gerentes de CAPS para atendimento de adultos

do estudo acima descrito.

4.3 Fonte de Dados

Foram utilizados os conteúdos obtidos através das entrevistas semiestruturadas

realizadas com o uso de roteiro orientador (roteiro de entrevista – anexo 1), gravadas e

transcritas.

O roteiro continha questões agrupadas em torno dos seguintes temas:

Identificação e a trajetória profissional do sujeito até o momento da entrevista;

Trabalho desenvolvido pelo entrevistado;

Relação entre o trabalho desenvolvido pelo entrevistado e os trabalhos

desenvolvidos pelos outros profissionais existentes no serviço;

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23

Conceito de CAPS;

Relação entre o CAPS e os outros serviços de saúde mental e de saúde em

geral existentes na região;

Relação entre o CAPS e a comunidade;

Estratégias usadas pelo CAPS visando a reabilitação psicossocial dos usuários;

Questões específicas do cargo de gerente.

Para a pesquisa atual, foram utilizados os dados coletados a partir das questões a

seguir:

Identificação do profissional, ano de formatura e especialidade profissional.

Trajetória profissional: cursos após a graduação e empregos anteriores ao atual,

e interpretação pessoal do percurso em termos de razões de ocorrência.

Processo de inserção no CAPS: Pedir ao profissional que defina o que é um

CAPS e qual a sua função (investigar a opinião do entrevistado).

Descrição das relações entre o CAPS e os outros serviços de saúde mental e de

saúde em geral existentes na região (Encaminhamentos: se recebe e

encaminha; se oferece supervisão ou retaguarda técnica; se desenvolve

atividades em conjunto.): UBS, PSF, outros CAPS, CECCO, hospitais

psiquiátricos, serviços de emergência, outros serviços.

4.4 Análise

O conteúdo das entrevistas foi analisado, inicialmente, com o processo de

impregnação. Este processo consistiu na leitura livre e repetitiva do material para que a

pesquisadora estabelecesse um contato direto e intenso com o conteúdo dos relatos. Esta etapa

foi importante para que a pesquisadora se apropriasse do conteúdo, já que ela não havia

participado das etapas anteriores do estudo original.

Após esta leitura vertical, que possibilitou identificar a singularidade de cada

entrevista, foram selecionados os conteúdos significativos utilizando as seguintes categorias

de análise:

A formação e o percurso profissional do entrevistado;

O conceito de CAPS formulado pelo gerente;

Implantação e desenvolvimento do CAPS;

Relações de cada CAPS com os demais equipamentos de saúde.

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24

A etapa seguinte foi a leitura horizontal do conjunto de relatos reduzidos às categorias

selecionadas, de todos os gerentes, o que permitiu estabelecer as relações entre os

depoimentos. Os dados de cada categoria foram identificados separadamente e depois em

conjunto e comparados com os relatos dos demais gerentes dentro da mesma categoria.

Para a apresentação do texto, o nome de cada serviço foi substituído por uma ou duas

letras seguidas de um número a fim de evitar a identificação e manter o sigilo. As letras

referem-se à Coordenadoria Regional de Saúde do município de São Paulo à qual os serviços

pertenciam (CO = Centro Oeste; L = Leste; N = Norte; SE = Sudeste; S = Sul) e os números

sinalizam a ordem alfabética dos nomes dos serviços (1; 2; 3; 4; 5). Desta forma, os quatro

CAPS da Coordenadoria Centro-Oeste do município são CO1, CO2, CO3 e CO4; os cinco

CAPS da Coordenadoria Regional Leste são L1, L2, L3, L4, L5; os cinco da Coordenadoria

Regional Norte são N1, N2, N3, N4, N5; os cinco da Coordenadoria Regional Sudeste são

SE1, SE2, SE3, SE4 E SE5; e os dois da Coordenadoria Regional Sul são S1 e S2,

completando os 21 serviços participantes.

Para a análise da implantação e desenvolvimento dos CAPS foram avaliados os relatos

dos gerentes quanto às diferentes formas de organização que os serviços tiveram desde seu

funcionamento e à participação dos gerentes ou de outros membros da equipe nas

experiências inovadoras de cuidado em saúde mental que ocorreram no bojo da Reforma

Psiquiátrica.

Para análise das relações entre os CAPS e os demais serviços de saúde, utilizou-se a

organização dos serviços conforme os níveis de atenção propostos pela RAPS: Atenção

Básica (UBS e PSF), serviços de urgência e emergência e hospitais (serviços de urgência e

emergência, enfermarias psiquiátricas em hospitais gerais, hospitais psiquiátricos) e

reabilitação psicossocial (CAPS e CECCOS). Além disso, as relações entre os CAPS e os

demais serviços foram também comparadas nas Coordenadorias Regionais de Saúde às quais

eles pertenciam.

Os dados foram analisados na perspectiva da análise de conteúdo, que tem por

objetivo, segundo Bardin (1977) ir além do discurso aparente do sujeito, buscando

significados que a superfície do texto não revela. Desta forma, a autora afirma que a análise

de conteúdo permite produzir inferências de forma prática e objetiva sobre o conteúdo da

comunicação de um texto replicáveis ao contexto social em que ele está sendo estudado.

4.5 Aspectos Éticos

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25

O estudo do qual esta pesquisa faz parte foi aprovado pelo Comitê de Ética em

Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo sob parecer nº 0306/06 - CEP/SMS

(anexo 2). Todas as entrevistas foram realizadas mediante assinatura do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Esta pesquisa foi aprovada pela comissão científica do Departamento de Saúde

Coletiva da FCMSCSP (Parecer 12/2015; Anexo 3).

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5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1 Perfil dos Entrevistados

A amostra foi composta pelos gerentes dos 21 CAPS estudados que exerciam este

cargo no momento da pesquisa (entre 2007 e 2008). Dez gerentes tinham formação em

Psicologia, quatro em Medicina com residência em Psiquiatria, quatro em Terapia

Ocupacional, dois em Serviço Social e um em Enfermagem.

A maioria dos entrevistados (nove) formou-se na década e 1980, mais especificamente

entre os anos 1980 e 1985, ou seja, tinham mais de 20 anos de formados no momento da

entrevista. Neste período acontecia em São Paulo a expansão dos Ambulatórios de Saúde

Mental (Quadro 1).

Alguns gerentes (oito) formaram-se entre 1986 e 1994, época de implantação e

desenvolvimento do modelo paulistano de Saúde Mental que tinha como principais serviços

os hospitais dia. Outros gerentes haviam se formado nos anos 1969, 1978 e 1979 e um gerente

não informou o ano de sua formatura. Nota-se, portanto, que a maioria vivenciou, enquanto

profissional, as experiências inovadoras em Saúde Mental que aconteceram no município de

São Paulo e que antecederam o estabelecimento dos CAPS.

O tempo de exercício no cargo de gerente variou de menos de um ano a dez anos. Três

gerentes exerciam o cargo há menos de um ano e demonstravam pouca experiência diante de

assuntos como conhecimento da rede de serviços, gestão de recursos físicos e humanos,

familiaridade com os usuários e entendimento da história do serviço (Quadro 1). Além disso,

nestes três casos (L4, N5 e SE4), a entrada na gerência foi conturbada, cada uma por motivos

particulares do momento em que se encontrava cada serviço. Os gerentes relataram que

percebiam dificuldades na aceitação, por parte dos funcionários, desta nova configuração de

gestão. Em um destes serviços (SE4), o gerente ficou no cargo por sete meses e saiu durante a

sua participação na pesquisa.

Dez gerentes estavam no cargo de um a quatro anos, seis gerentes apresentavam de

cinco a oito anos de exercício e dois tinham dez anos de experiência nesta mesma função.

Cabe salientar que a portaria ministerial nº336 (Brasil, 2002b), que trata das diretrizes para

criação dos CAPS, data de 2002 e, a partir deste ano, os serviços de saúde mental que

obedeciam tais diretrizes iniciaram o processo de cadastramento como CAPS no município de

São Paulo. Portanto, os gerentes que declararam estar no exercício da gerência em data

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anterior a 2002, atuavam nos serviços que funcionavam como ambulatório (L3) e hospital dia

(L5) e permaneceram no cargo após o cadastramento como CAPS. Os gerentes que entraram

nos serviços e assumiram a gerência entre 2001 e 2003 passaram pelo processo de

cadastramento dos CAPS e os que assumiram a gerência após 2004 já encontraram os

serviços cadastrados.

QUADRO 1. Informações sobre formação acadêmica, ano da formatura e ano de início no

cargo dos gerentes dos Centros de Atenção Psicossocial para atendimento de adultos,

São Paulo, 2007-2008 (n = 21)

CAPS Formação acadêmica Ano da formatura Ano de início no cargo de gerência

CO1 Psicologia 1978 2003

CO2 Terapia Ocupacional 1983 2001

CO3 Psicologia 1983 2005

CO4 Medicina 1980 2001

L1 Psicologia 1994 2005

L2 Enfermagem 1980 2004

L3 Psicologia 1986 1997

L4 Psicologia 1991 2008

L5 Medicina Não informou 1997

N1 Terapia Ocupacional 1991 2006

N2 Medicina 1993 2003

N3 Terapia Ocupacional 1988 2005

N4 Psicologia 1989 2005

N5 Medicina 1969 2006

SE1 Psicologia 1979 2004

SE2 Terapia Ocupacional 1980 2004

SE3 Serviço Social 1982 2005

SE4 Psicologia 1983 2007

SE5 Psicologia 1982 2002

S1 Psicologia 1988 2001

S2 Serviço Social 1984 2006

Nota: CAPS - Centro de Atenção Psicossocial.

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28

A maioria dos gerentes declarou ter vivenciado experiências anteriores inovadoras em

Saúde Mental ocorridas no município de São Paulo que embasaram o modelo assistencial em

vigor na época da pesquisa (Quadro 2). Oito gerentes informaram atuação nos ambulatórios

de saúde mental e 12 relataram trabalho nos hospitais dia ou em outros serviços que faziam

parte do modelo paulistano de Saúde Mental, como CECCO ou UBS. Um gerente referiu ter

atuado no CAPS Itapeva, um disse que esteve inserido em ambulatório de saúde mental no

município de Campinas (SP) e outro declarou ter acompanhado a transição de um serviço que

apresentava características de NAPS em seu funcionamento para CAPS em São Paulo.

Alguns gerentes mencionaram participação em mais de uma destas experiências, como é o

caso de CO2 (ambulatório de saúde mental, hospital dia e CAPS Itapeva), N3, N5, SE2 e SE5

(ambulatório de saúde mental e hospital dia). Quatro gerentes não mencionaram vivências em

experiências anteriores em Saúde Mental.

QUADRO 2. Participação dos gerentes dos Centros de Atenção Psicossocial

para atendimento de adultos em experiências inovadoras anteriores em

Saúde Mental, São Paulo, 2007-2008 (n=21)

ASM HD CAPS

Itapeva

Outras Não informou

CO2 CO1 CO2 CO4 – ASM Campinas L1

L3 CO2 SE3 – NAPS L2

N2 CO3 L4

N3 L5 S2

N4 N1

N5 N3

SE2 N5

SE5 SE1

SE2

SE4

SE5

S1

Notas: ASM - ambulatório de saúde mental; HD - hospital dia; NAPS – núcleo

de atenção psicossocial.

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29

Foram consideradas experiências inovadoras em Saúde Mental as propostas de

mudanças de paradigmas para assistência às pessoas com transtornos mentais surgidas a partir

das concepções advindas com as reformas sanitária e psiquiátrica. As experiências citadas

pelos gerentes têm em comum a organização de um modelo orientado pelos princípios do

SUS e pela Declaração de Caracas, com o fortalecimento de um sistema hierarquizado de

atenção que prioriza ações humanizadas nas relações entre os sujeitos, sociedade e

instituições.

A literatura afirma que as experiências citadas pelos gerentes contribuíram para os

avanços da reforma psiquiátrica brasileira, pois promoveram a criação de novos

equipamentos, transformaram as práticas dos serviços já existentes e modificaram as

concepções de cuidado em Saúde Mental não apenas em São Paulo, mas em todo o Brasil

(Guljor, 2003; Carreiro et al, 2005; Luzio, L’Abbate, 2006; Pitta, 2011).

5.2 Histórico de Implantação dos CAPS

A maioria dos serviços haviam sido hospitais dia antes de se tornarem CAPS (Quadro

3). As outras possibilidades citadas pelos gerentes foram o histórico de ambulatório de saúde

mental e posterior divisão do serviço em hospital dia e CECCO; ambulatório de saúde mental

e transformação para um modelo de CAPS com funcionamento específico em momento

anterior às propostas do Ministério da Saúde de implantação dos CAPS; unificação de

hospital dia e ambulatório de saúde mental para formar o CAPS; hospital dia com

atendimento ambulatorial; serviço com características de NAPS; e há também os que haviam

sido criados como CAPS a partir da demanda da região em momento posterior à

municipalização do setor da Saúde em São Paulo.

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30

QUADRO 3. Origem dos Centros de Atenção Psicossocial para atendimento

de adultos, São Paulo, 2007-2008 (n=21)

ASM

HD

ASM

HD+CECCO

ASM CAPS

ASM+HD

NAPS

CAPS

L3 CO2 N2 CO4 CO3 SE3 L2

N1 CO1 SE2 SE1

N3 L1 S2

N4 L4

SE4 L5

N5

SE5

S1

Nota: ASM – ambulatório de saúde mental; HD – hospital dia; CECCO – Centro

de Convivência e Cooperativa; NAPS – Núcleo de Atenção Psicossocial.

5.2.1 Ambulatório de Saúde Mental

Cinco gerentes informaram que os serviços onde atuavam tiveram origem como

ambulatório de saúde mental e tornam-se CAPS a partir da implementação das diretrizes

propostas pelo Ministério da Saúde em 2002 e da municipalização da Saúde em São Paulo.

Conforme fora mencionado anteriormente, os ambulatórios de saúde mental foram serviços

implementados no município de São Paulo pela Secretaria Estadual de Saúde, a partir de

1983, que concretizavam uma nova perspectiva de assistência às pessoas com transtorno

mental, como alternativa à hospitalização. Tinham como característica o tratamento integral

dos usuários através de programas estruturados de acordo com as necessidades individuais,

organizados por uma equipe multiprofissional, rompendo com as concepções anteriores de

tratamento exclusivamente médico e farmacológico.

Três destes cinco serviços localizavam-se na região do município em que ocorreu o

Projeto Zona Norte (Cezarino, 1989), iniciado também em 1983, e participaram deste projeto

que, além das características dos ambulatórios, dispunha de uma rede de serviços estruturada

no território para atender os usuários e evitar as internações desnecessárias em hospitais

psiquiátricos.

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31

5.2.2 Hospital Dia

Oito gerentes citaram o hospital dia como serviço que antecedeu a criação dos CAPS

em que trabalhavam e informaram que muitos funcionários que atuavam no serviço no

momento da entrevista haviam passado pela experiência de atuação no mesmo serviço

enquanto hospital dia. Os hospitais dia integraram o modelo paulistano de assistência em

saúde mental entre 1989 e 1992, composto também por UBSs, CECCOS e hospitais gerais. É

possível que a rede de integração dos serviços, amplamente incentivada por este modelo de

assistência em saúde mental que tinha os hospitais dia como referência, tenha influenciado e

facilitado a organização dos CAPS para que pudessem também realizar o cuidado dos

usuários integrados com outros serviços. O relacionamento dos CAPS com os demais serviços

será analisado posteriormente.

Um destes gerentes informou que o hospital dia que antecedeu a criação do CAPS

contou com atendimento ambulatorial em sua rotina (L1). Ele explicou que o serviço

funcionava como hospital dia e, diante da demanda da região, que não possuía profissionais

de saúde mental nos outros serviços da rede, foi necessário que o hospital dia absorvesse uma

população que necessitava de assistência ambulatorial. Deste modo, o serviço seguia as

propostas do modelo de hospital dia, com atividades terapêuticas e oficinas socioculturais que

garantiam o cuidado integral, mas assumiu também o atendimento ambulatorial para

determinados usuários.

5.2.3 Ambulatório de Saúde Mental: dividido em hospital dia e CECCO

Dentre as possibilidades de origem, um dos gerentes informou que o serviço onde

atuava fora criado como ambulatório de saúde mental pela Secretaria Estadual de Saúde do

Estado de São Paulo e posteriormente havia sido dividido em hospital dia e CECCO. De

acordo com este gerente, identificou-se a necessidade de separar as demandas daquela região

e a equipe foi dividida em dois serviços com objetivos terapêuticos distintos: no hospital dia

eram atendidos os usuários que necessitavam de acompanhamento intensivo em que a

ferramenta mais utilizada era o atendimento clínico; e no CECCO eram desenvolvidas

atividades que visavam a reabilitação para os usuários que apresentavam condições de saúde

favoráveis para esta conduta. A maior parte dos profissionais do ambulatório de saúde mental

destinou-se ao hospital dia, que posteriormente fora credenciado como CAPS. No entanto, o

gerente afirma que, mesmo enquanto CAPS, o serviço manteve, inicialmente, a lógica de

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32

funcionamento como hospital dia, demonstrando dificuldade para colocar em prática as

propostas para atuação da nova política para assistência em saúde mental do Ministério da

Saúde.

5.2.4 Ambulatório de Saúde Mental transformado em CAPS antes das portarias que

regulamentaram o funcionamento dos CAPS

Outra situação singular foi o desenvolvimento, a partir de um ambulatório de saúde

mental, para um modelo de CAPS anterior ao da proposta advinda da portaria nº336 do

Ministério da Saúde de 2002. Segundo o gerente, este CAPS foi criado nos anos 1990 pela

Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo e apresentava história e experiência distintas dos

outros serviços que passaram a atuar como CAPS nos anos 2000, pois suas práticas

baseavam-se em uma lógica ambulatorial. Diante da municipalização da Saúde, este serviço

foi credenciado pela prefeitura de São Paulo e passou a funcionar de acordo com as diretrizes

da Política Nacional de Saúde Mental.

5.2.5 Unificação de Hospital Dia e Ambulatório de Saúde Mental para formar o CAPS

Dois gerentes declararam que os CAPS em que atuavam tinham sido originados da

fusão entre dois serviços distintos: um hospital dia e um ambulatório de saúde mental. De

acordo com estes gerentes, havia, numa mesma região, um hospital dia, que era um

equipamento da prefeitura de São Paulo e um ambulatório de saúde mental, serviço

pertencente ao estado de São Paulo. Diante da municipalização do setor da Saúde, em 2002, o

ambulatório de saúde mental passou a ser gerido pela prefeitura e constatou-se que não

haveria a necessidade de se manter os dois serviços para um público semelhante. A Secretaria

Municipal de Saúde decidiu, portanto, unificar os serviços e formar o CAPS.

Nos dois casos, os gerentes apontaram como consequência deste processo, um período

de adaptação dos profissionais que, foram mantidos em sua maioria, mas apresentaram

resistência para aceitar as decisões impostas que refletiam para eles como adequação dos

cargos, mudanças de funções, trocas de chefias e transformação de paradigmas para se

adaptarem às propostas de atuação que seguiam parâmetros diferentes tanto dos hospitais dia

como dos ambulatórios.

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33

5.2.6 Serviço com características de NAPS

Um gerente informou que o CAPS em que trabalhava tinha em seu histórico o

funcionamento semelhante ao dos NAPS. Ele relatou que, o serviço contou com o auxílio de

pessoas que haviam participado da experiência de implantação dos NAPS de Santos e, diante

disso, o serviço assumira as características de um funcionamento bastante voltado ao território

e de atuação em rede devido a esta influência. Além disso, assim como no caso anterior, o

CAPS também realizava atendimento ambulatorial diante da escassez de profissionais de

saúde mental nos demais serviços de saúde.

5.2.7 CAPS

Três gerentes informaram que os serviços onde trabalhavam tiveram origem como

CAPS: foram criados após a Portaria nº336 de 2002 do Ministério da Saúde que estabelece os

CAPS nas Políticas Públicas de Saúde Mental e após a municipalização da saúde no

município de São Paulo que ocorreu em 2004. Estes serviços não tiveram, portanto, histórico

de funcionamento e organização de experiências anteriores diferentes daquelas encontradas

no momento da entrevista.

5.3 Relacionamento dos CAPS com os Demais Serviços de Saúde Mental

5.3.1 O conceito de CAPS e sua função na rede

O relacionamento do CAPS com outros serviços de saúde e, algumas vezes também

com serviços de outros setores, foi apontado por muitos gerentes como inerente ao conceito e

às funções que eles conferiram ao CAPS. Para alguns, um dos compromissos do CAPS era de

fazer parte de uma rede de serviços com os quais se poderia trabalhar em conjunto fazendo e

recebendo encaminhamentos, discutindo casos, realizando ações voltadas à saúde mental na

mesma proporção em que atuam os outros serviços, conforme se observa nas falas seguintes:

“Os serviços devem estar articulados para o funcionamento satisfatório da rede”

(SE4).

“Deve ser parte e contar com uma rede de serviços estruturada” (L1).

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34

Esta responsabilidade do CAPS está definida na portaria nº224/92 do Ministério da

Saúde (Brasil, 1992) como “estar integrado a uma rede descentralizada e hierarquizada de

cuidados em saúde mental”. Outros gerentes ressaltaram o papel de regulador que o CAPS

deveria exercer nesta rede, organizando a demanda e a rede de cuidados em saúde mental,

assim como determina a portaria ministerial nº 336 (Brasil, 2002a). As falas dos gerentes são

expressas abaixo:

“[a função do CAPS é] fazer uma peneira: fazer diagnóstico, encaminhar a outros

serviços se necessário” (L5).

“A função do CAPS também é organizar a rede” (N3).

“É o papel mesmo da teia da Ana Pitta, que ele tá aqui no centro” (N4).

A “teia da Ana Pitta” citada acima pelo gerente (N4) é apresentada no documento

oficial do Ministério da Saúde intitulado ‘Saúde Mental no SUS: os Centros de Atenção

Psicossocial’ e apelidado de ‘Manual do CAPS’ (Brasil, 2004). De acordo com este

documento, o CAPS deve ser o organizador de uma rede composta por recursos afetivos,

sanitários, sociais, econômicos, culturais, religiosos e de lazer que devem potencializar as

equipes de saúde no cuidado e na reabilitação psicossocial em Saúde Mental. Para tanto, deve

assumir o papel de articulador tecendo as redes de serviços de saúde que necessitam

permanentemente de outras redes sociais e de outros setores afins, além de cumprir suas

funções na assistência direta às pessoas com transtornos mentais.

Diante destes posicionamentos distintos dos gerentes, observou-se, ainda o parecer

crítico de alguns deles quanto à organização da saúde mental e ao funcionamento dos

serviços. Embora documentos oficiais atribuíssem como responsabilidade do CAPS organizar

a rede de serviços de saúde mental de seu território (Brasil, 2002a, 2004), os gerentes

avaliaram que, na prática, esta função poderia ser diferente. As falas abaixo exemplificam a

distinção sobre o entendimento do papel do CAPS na rede e o pensamento crítico de dois

gerentes a este respeito:

“O CAPS [deveria] ser mais um equipamento de saúde mental, e não ter esse papel de

centralizador do fluxo, porque ainda o CAPS tem esse papel de centralizar o fluxo, o que eu

acho que não tinha que ser, eu acho que tinha que ser a UBS, né, a UBS tem que receber

todos esses usuários e, se necessário, mandar ao CAPS, mandar ao CECCO” (CO4).

“Acho que fica um pouco complicado quando é colocado que o CAPS tem a função de

organizar o atendimento da rede (...) Não sei se isso seria a função do CAPS, acho que isso

merece uma discussão maior (risos)” (N2).

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35

Embora estas controvérsias pudessem presumir certa importância a este assunto por se

tratar de posições ideológicas a respeito da organização da assistência em Saúde Mental, oito

gerentes não mencionaram redes de serviços ao discorrerem sobre o conceito que eles

atribuíam ao CAPS (CO2, CO3, L3, L4, N5, SE1, SE3, S2). Observa-se que mesmo com as

definições de documentos oficiais atuais para o momento da pesquisa, as percepções e as

condutas declaradas pelos gerentes a respeito do relacionamento com outros serviços ainda se

mostravam pouco definidas e heterogêneas.

O entendimento que os gerentes apresentaram sobre as funções dos CAPS no

relacionamento com outros serviços esteve associado à origem do CAPS. Dentre os que

atribuíram ao CAPS o papel de articulador da rede, a maioria atuava em serviços com origem

ambulatorial, mais especificamente nos serviços que haviam feito parte do Projeto Zona Norte

na década de 1980, uma das primeiras experiências com tentativa de estabelecimento de uma

rede assistencial em Saúde Mental no município de São Paulo.

Os gerentes que apontaram os CAPS como parte de uma rede, porém, sem atribuir a

eles o papel de articulador, atuavam, na maioria, em serviços com histórico de hospital dia,

que também apresentava como uma das principais características o funcionamento em rede. A

origem de hospital dia foi igualmente a mais presente dentre os serviços cujos gerentes não

mencionaram o relacionamento em rede ao falarem do conceito e das funções atribuídos ao

CAPS. Pode-se dizer, portanto, que não apenas as informações dos documentos oficiais

orientam o entendimento dos gerentes sobre o conceito e as funções dos CAPS, mas também

as origens dos serviços podem ser relevantes para as opiniões dos gerentes quanto ao

posicionamento dos CAPS diante de uma rede de cuidados às pessoas com transtornos

mentais.

Um artigo publicado a partir da mesma pesquisa revelou que as atividades grupais

realizadas nestes CAPS como integrantes dos tratamentos oferecidos aos usuários eram

bastante diversificadas e estavam associadas com a organização de origem dos serviços.

Conforme mostrou o artigo, nos CAPS com origem ambulatorial havia o predomínio de

atividades artesanais e as atividades psicofísicas eram mais presentes nos serviços que

originalmente haviam sido hospitais dia (Nascimento, Galvanese, 2009).

5.3.2 Relações com outros serviços: níveis de atenção

5.3.2.1 Atenção Básica

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36

As relações com a Atenção Básica, mais especificamente com as UBS, foram as mais

citadas pelos gerentes dos CAPS e mais próximas se comparadas às relações com os demais

serviços de saúde. De acordo com os gerentes, havia a tentativa de estabelecer um

relacionamento ou de manter um relacionamento já estabelecido entre os CAPS e os serviços

de Atenção Básica. Essa relação, na concepção deles, apresentava aspectos positivos e

negativos.

“A UBS é com quem a gente mais se relaciona e com quem a gente pior se relaciona”

(N3).

As principais formas de relacionamento mencionadas foram os encaminhamentos, as

participações em fóruns e reuniões periódicas e o matriciamento. Os encaminhamentos de

usuários da Atenção Básica recebidos pelos CAPS foram bastante frequentes e encarados

pelos gerentes como uma relação simples e bem estabelecida, exemplificada na fala abaixo:

“Então, a unidade básica recebe um caso, identifica que é um caso mais grave, que

existe uma vulnerabilidade, uma questão de risco, que se não houver uma intervenção

imediata, existe uma gravidade aí, encaminha para o CAPS, ligando... Normalmente, ligam e

a gente marca um acolhimento” (L3).

Foram citados também os encaminhamentos realizados pelos CAPS e direcionados

para a Atenção Básica. Estes seriam casos de usuários que não necessitariam mais do cuidado

contínuo e receberiam alta do CAPS, diante da continuidade do tratamento na UBS/PSF.

“Recebemos muitas pessoas, encaminhamos também” (L3).

“A gente recebe e encaminha também” (N5).

“Quando a gente reencaminha, está lá justificado, está no encaminhamento, tudo. E se

eles não concordam, eles podem ligar, conversar, sem ter problema nenhum” (N1).

No entanto, alguns gerentes apontaram dificuldades quanto aos encaminhamentos

classificados por eles como inadequados, tanto no recebimento pelo CAPS de casos que

deveriam ser acolhidos por outros serviços, quanto no encaminhamento dos usuários para a

Atenção Básica que, na opinião deles, não tinha recursos e não estava estruturada para receber

casos de saúde mental.

“Tudo que passa pelo psiquiatra, eles encaminham para o CAPS” (N3).

“Mas ainda tem uma queixa, da UBS, porque eles não cuidam dos pacientes nossos

como a gente queria também sabe? A gente cuida tanto deles e aí eles ficam lá, meio

entregues a qualquer coisa...” (S1).

O matriciamento, também denominado de apoio matricial, foi mencionado pelos

gerentes como instrumento de operacionalização da rede. Conforme as informações dos

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37

gerentes, as equipes dos serviços interagiam, conheciam os casos, discutiam e

compartilhavam o cuidado dos usuários, como explicado nos exemplos:

“Eles tinham uma lista de espera de mais de 40 pacientes para a psiquiatria, nós

fizemos uma avaliação de todos esses casos, dividimos aqui, para estar tentando ver uma

necessidade ou não, se eram casos de paciente com perfil CAPS ou se era para UBS, teve

todo um retorno, encaminhamento” (N5).

“A própria UBS passava o caso e eu dizia ‘Não, esse manda pra nós lá no CAPS’, e aí

a gente recebia, dava um retorno, e outros casos que tavam com a gente e que muitos não

eram também nem agudizados e que teriam que voltar pra UBS, então a gente conseguiu com

que eles retornassem pra UBS, medicação com o psiquiatra do matriciamento, ele ensinava a

fazer a medicação e tal e o caso ficava na UBS, e aí eu dava todo o toque do quê que

precisava fazer. Uma terapia, CECCO, isso e aquilo, né. Então esses casos eu consegui

esvaziar um pouco no matriciamento, e ao mesmo tempo compartilhar casos agudizados”

(SE4).

“Então, e aí é essas visitas que a gente tá fazendo pras UBSs para eles conhecerem a

gente, conhecerem o trabalho que faz aqui e ter uma aproximação para essa função” (S1).

Todavia, o matriciamento, como foi apontado pelos gerentes, incluía uma lógica de

encaminhamentos em que os profissionais de diferentes serviços mantinham contato com o

objetivo de encaminhar um caso específico ou de receber um usuário e poder ter acesso a

informações deste e de seu tratamento. Autores defendem, por outro lado, que o apoio

matricial é uma estratégia que visa aumentar o poder resolutivo das equipes de saúde através

de apoio técnico de áreas de saberes específicos e que se configuram através do

compartilhamento ou da corresponsabilização dos usuários visando evitar o encaminhamento

desnecessário e fortalecer o vínculo com a equipe que o acompanha (Campos, 1992;

Vannucchi, Carneiro Jr 2012).

De acordo com uma pesquisa realizada em 2006 no município de Natal-RN (Bezerra,

Dimenstein, 2008), que investigou a proposta de matriciamento entre CAPS (CAPS II e

CAPSad) e PSF, o matriciamento foi apontado como uma estratégia utilizada pelas equipes

para melhorar o fluxo resolutivo da rede, possibilitando o relacionamento entre os serviços e

excluindo a lógica dos encaminhamentos, além de contribuir para a troca de saberes e

experiências entre os profissionais envolvidos dos CAPS e das unidades básicas.

As autoras consideram que o apoio matricial deve superar a lógica da especialização e

da fragmentação do trabalho da própria área de saúde mental, permitindo às equipes cuidar da

saúde de uma forma ampliada e integrada através desse saber mais generalista e

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38

interdisciplinar, possibilitando a responsabilização mútua pelos casos de saúde mental

(Bezerra, Dimenstein, 2008).

No presente estudo, o matriciamento foi citado como uma das principais ferramentas

na relação com a UBS e o PSF, porém com a utilização dos encaminhamentos como

principais ações realizadas pelos serviços. Foram citados também o acompanhamento de

casos em conjunto entre profissionais do CAPS e do PSF, a realização de visitas domiciliares

e a construção de projetos terapêuticos com a participação de equipes do CAPS e de PSF, mas

foram exceções.

As relações entre as equipes dos CAPS e dos PSF foram elogiadas pelos gerentes nas

poucas vezes em que foram citadas, especialmente pela própria característica do programa de

tratar os usuários de acordo com as suas singularidades, incluindo o cuidado integral e

humanizado. A cobertura do PSF foi apontada pela maioria dos gerentes como irrisória na

época da pesquisa (“menos de 1%” – N3). Porém, um gerente informou ampla cobertura do

programa no território de abrangência do CAPS (SE3).

Bonfim et al (2013) acreditam que a proximidade e o vínculo promovidos pela

Estratégia Saúde da Família - ESF (o Programa Saúde da Família passou a ser denominado

Estratégia Saúde da Família em 2011, Brasil, 2011b) entre os profissionais, os serviços de

saúde, as famílias e a comunidade podem facilitar as intervenções terapêuticas no cuidado

com as pessoas com transtorno mental. No entanto, os autores avaliam que comumente os

profissionais da ESF não possuem tecnologia para a resolução de algumas situações em saúde

mental e habilidades de comunicação e contato com estes usuários. Neste aspecto, o apoio

matricial mostra-se como uma ferramenta útil que pode aliar o conhecimento e a experiência

das equipes de saúde mental com a proximidade e o vínculo dos profissionais da Atenção

Básica no tratamento dos transtornos mentais (Delfini, Reis, 2012; Tófoli, Fortes, 2007).

O apoio matricial foi, portanto, a principal estratégia apontada pelos gerentes que

visava facilitar o acesso aos profissionais e aos usuários e ampliar as técnicas de cuidado em

Saúde Mental. No entanto, constatou-se que a maioria das relações entre os serviços não eram

institucionalizadas, o que dificultava a comunicação e distanciava os contatos. Desta forma,

percebeu-se que em todos os tipos de relações entre os CAPS e os serviços de Atenção

Básica, os contatos pessoais sobressaíam-se aos contatos institucionais. Os gerentes

informaram que, quanto mais os profissionais em uma determinada região se conheciam

pessoalmente, melhor era o estabelecimento e a manutenção de uma rede de relacionamentos

entre os serviços.

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39

“O que eu percebo é assim: quanto mais a gente conhece as pessoas que trabalham

nos outros serviços, mais efetiva é essa relação de cooperação” (CO2).

Esta integração pouco formalizada entre as redes de cuidados de saúde mental e a

Atenção Básica é similarmente apontada pela literatura como insuficiente, o que limita o

pressuposto do SUS como um sistema unificado e integral (Campos et al, 2011; Onocko-

Campos et al., 2012; Bonfim, 2013). Nota-se, no estudo atual, que todos os gerentes

afirmaram que havia contato entre o CAPS e a Atenção Básica, porém conforme já foi

mencionado, os relacionamentos eram pouco efetivos para a concretização de uma rede de

cuidados entre os serviços.

A proeminência das relações informais sobre as formalizadas foi citada com

frequência também no relacionamento dos CAPS com os CECCOS, com outros CAPS e com

os serviços de urgência e emergência e enfermarias de hospitais gerais que serão tratados a

diante.

5.3.2.2 Serviços de Urgência e Emergência e Hospitais

O relacionamento dos CAPS com os serviços de urgência e emergência e com os

hospitais foi mencionado por 17 dos 21 gerentes. Como nenhum dos serviços participantes da

pesquisa era CAPS III e, portanto, não dispunham de leitos em sua estrutura, fazia-se

necessário o encaminhamento para outros serviços diante desta demanda.

Houve dificuldade na distinção entre os serviços de urgência e emergência e

enfermarias psiquiátricas em hospitais gerais nas falas de muitos gerentes. Por esse motivo,

no geral, eles foram denominados aqui igualmente de serviços de urgência e emergência.

5.3.2.2.1 Serviços de urgência e emergência e enfermarias psiquiátricas em hospitais gerais

O relacionamento com estes serviços foi mencionado pela maioria dos gerentes,

porém, de forma bastante diversa. Alguns avaliaram a relação como satisfatória,

exclusivamente embasada em encaminhamentos, mas informal; outros apontaram dificuldades

na comunicação; um terceiro grupo declarou que não havia contato com os serviços de

urgência e emergência e houve ainda os que não mencionaram nenhum dos serviços durante a

entrevista. Um gerente relatou esperar que as relações fossem formalizadas para que o

relacionamento em rede se concretizasse.

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40

De acordo com os entrevistados, estes serviços eram acionados, na maioria das vezes,

diante da necessidade da utilização de leitos, visando evitar as internações em hospitais

psiquiátricos. Apenas um gerente mencionou a possibilidade de compartilhar o cuidado do

usuário que frequentaria o CAPS durante o dia e utilizaria o leito do serviço de urgência e

emergência durante a noite. Observa-se, portanto, pouco da articulação dos serviços na

tentativa de ampliar as perspectivas de tratamento aos usuários em crise.

“A gente tem o combinado com o hospital de leito noturno né e em algumas

circunstâncias o paciente fica aqui, de noite usa o leito lá, sem interromper o tratamento com

a gente ” (S1).

Segundo os gerentes, os encaminhamentos para os serviços de urgência e emergência

eram realizados em uma perspectiva de território: existia um fluxo já estabelecido para

encaminhamentos aos serviços de referência no território de abrangência do CAPS e da

residência do usuário. Este fluxo era determinado pelas relações formais e informais, assim

como acontecia também no relacionamento com os serviços de Atenção Básica, já discutido

anteriormente.

“E a gente conseguiu com uma médica de lá fazer contato, tal, então o fluxo já tava

começando a acontecer. (...) Então o paciente nem ficava internado, já vinha pra nós. Batia

lá no PS no sábado à noite e segunda já tava com a gente” (SE4).

“A gente não tem referência, retaguarda de internação, até hoje, formalizada” (SE1).

As relações informais entre os serviços eram bastante frequentes, segundo os

entrevistados, devido à possibilidade de facilitar os encaminhamentos às unidades e promover

uma assistência mais rápida e integral às pessoas com transtorno mental. Por outro lado, eles

mesmos informaram que, muitas vezes, os usuários eram encaminhados para serviços

geograficamente distantes de suas residências porque não havia contato com os serviços de

referência no território de abrangência, o que tornava a continuidade do tratamento

prejudicada.

“Eu era assessora, eu conheço o chefe dali, a outra trabalhou não sei onde, as duas

psicólogas conhecem ali, uma psiquiatra nossa trabalhou em tal hospital. A gente teceu uns

vínculos meio caseiros, meio pessoais, entendendo que eles deveriam ser formais, mas não

são” (SE1).

Além disso, os gerentes também apontaram a elevada rotatividade dos funcionários

dos serviços como dificultadora da manutenção do relacionamento informal, pois quando o

profissional com quem se fazia o contato ausentava-se, perdia-se o fluxo pessoal que havia

sido construído com ele.

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41

Documentos oficiais do Ministério da Saúde estabelecem que os CAPS devem estar

referenciados a um serviço de atendimento de urgência e emergência geral de sua região,

responsável pelo suporte de atenção médica (Brasil 2002a, 1992). Barros et al (2010) afirmam

que os serviços de emergência são pontos chave para programas de prevenção e de

aprimoramento terapêutico em psiquiatria, pois configuram a porta de entrada para a rede de

saúde mental, especialmente no caso de usuários em primeiro surto psicótico.

Constatou-se, portanto, que o relacionamento entre os CAPS e os serviços de urgência

e emergência e as enfermarias psiquiátricas de hospitais gerais encontrava-se insuficiente para

a manutenção de uma rede para o cuidado integral de pessoas com transtornos mentais. Esta

foi também a conclusão de um estudo sobre o relacionamento dos serviços de urgência e

emergência com os demais serviços de saúde mental em Natal – RN (Dimenstein el al, 2012).

Ele revelou dificuldades no funcionamento da rede associadas ao número limitado de serviços

que atendiam casos de urgência, à falta de comunicação entre equipes dos diferentes serviços

e à ausência de matriciamento.

5.3.2.2.2 Hospitais Psiquiátricos

O relacionamento entre CAPS e hospitais psiquiátricos foi mencionado por apenas

dois gerentes. Um deles informou que havia discussões dos casos encaminhados do hospital

psiquiátrico para o CAPS (N2) e o outro relatou manter contato com um dos hospitais

psiquiátricos da região que participava dos fóruns de saúde mental (N4). Sete gerentes

declararam que havia contato pontual entre os serviços diante do encaminhamento de egressos

de internações psiquiátricas. Segundo os gerentes, esta era uma das funções primordiais do

CAPS a partir da reforma psiquiátrica.

“Saiu de internação aí a gente já, o CAPS prioriza, por que ele foi criado pra

isso”(L1).

“O que a gente tem atendido muito é quando os caras saem da internação” (N3).

Outros sete entrevistados declararam que não havia contato entre os serviços, mas que

os CAPS acolhiam os casos de alta dos hospitais psiquiátricos. De acordo com os gerentes, os

egressos de internações psiquiátricas chegavam aos CAPS através de encaminhamentos dos

hospitais psiquiátricos, que aconteciam através de documentos entregues pelos usuários, por

contato telefônico entre os profissionais ou pela informação verbal aos usuários de que

deveriam procurar um CAPS. Os gerentes informaram ainda que não faziam o

encaminhamento de usuários para os hospitais psiquiátricos, porém, disseram que algumas

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42

internações eram realizadas pelos familiares, sem a participação do CAPS. Segundo os

gerentes, caberia aos serviços de urgência e emergência encaminhar os usuários aos hospitais

psiquiátricos quando necessário.

Diferentemente do que foi constatado no relacionamento dos CAPS com a Atenção

Básica, não foram encontradas, nas falas dos gerentes, tentativas de estabelecer um

relacionamento entre os serviços ou articulações para realizar o trabalho em conjunto. Os

contatos com os Hospitais Psiquiátricos foram mencionados como pontuais e diante da

necessidade.

Pode-se dizer, portanto, que o relacionamento entre estes serviços, quando ocorria,

limitava-se aos encaminhamentos de usuários dos hospitais psiquiátricos para os CAPS. A

portaria nº251 de 2002 do Ministério da Saúde (Brasil, 2002b) determina que o hospital

psiquiátrico deve articular-se com os demais serviços de saúde mental para garantir ao usuário

a continuidade do tratamento em serviço territorial com programa de atenção compatível com

sua necessidade. Observa-se que, no entanto, que as falas da maioria dos gerentes não

condizem com estas diretrizes. Além disso, nem a portaria prevê e nem os gerentes

mencionaram a participação dos hospitais psiquiátricos em uma rede ampliada de cuidados às

pessoas com transtornos mentais. Nesta pesquisa, cinco gerentes não mencionaram estes

serviços durante a entrevista.

5.3.2.3 Reabilitação Psicossocial

5.3.2.3.1 CAPS

O relacionamento entre os CAPS para atendimentos de adultos foi citado por 13 dos

21 gerentes, porém, de acordo com a maioria, este contato ocorria exclusivamente através da

participação em reuniões ou fóruns periódicos entre estes e demais serviços da rede de saúde

mental. Nestas reuniões ou fóruns realizavam-se discussões sobre os fluxos da rede,

organização interna dos serviços, encaminhamentos de usuários e elas eram consideradas

tentativas formalizadas de articular o contato entre os serviços. No entanto, alguns gerentes

declararam dificuldade para manter um vínculo fora destes encontros formalizados.

“Fizemos algumas reuniões, mas fora dessas reuniões, existe um distanciamento”

(N5).

Os contatos entre os CAPS que aconteciam pela afinidade entre os serviços ou entre as

pessoas que atuavam neles foram citados por três gerentes (CO1, CO2, S1). Nesta situação,

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43

encaixavam-se os serviços que tinham ações conjuntas, como eventos comemorativos,

atividades esportivas ou projetos de geração de renda.

A articulação entre os serviços para realizar atividades de geração de renda é a

principal ferramenta mencionada em documentos oficiais para promover a reabilitação

psicossocial (Brasil, 2001, 2004). De acordo com estes documentos, cabe ao CAPS buscar

recursos fora do serviço como parte da estratégia terapêutica de reabilitação psicossocial que

se realizará na comunidade, no trabalho e na vida social.

Alguns gerentes também apontaram a necessidade de manter o contato entre CAPS de

regiões distintas para referenciar os usuários que não faziam parte do território de abrangência

do CAPS onde eles chegavam. De acordo com os gerentes, este contato direto entre os CAPS

acontecia via telefone ou encaminhamento em papel e visava agilizar o cuidado ao usuário

que não precisaria buscar outros meios para se informar sobre o acesso ao CAPS de sua

referência.

“A gente tenta restringir a população dentro da área de abrangência, quando eles têm

casos para cá, eles encaminham, fazem contato por telefone, mas não existe assim uma

prática, não tem atividades em conjunto. O CAPS aqui (N4), que é da mesma região, também

tinha um distanciamento, esse ano eu estou propondo uma festa de confraternização junto

com o CAPS lá” (N5).

Outra forma de relacionamento entre CAPS mencionada pelos gerentes foi o suporte

de um CAPS já estabelecido e estruturado para outro mais recentemente implantado, com

apoio na organização interna de assuntos relativos à documentação e até mesmo na elaboração

de oficinas, fluxos e cronogramas. Observa-se, neste caso, que enquanto o serviço mais novo

passava pelo momento de estruturação interna, pouco ou nenhum relacionamento externo era

mencionado pelo gerente; por outro lado, o serviço mais antigo, já constituído e organizado,

buscava e utilizava a rede com maior eficiência.

“Acho que a gente tem uma proximidade maior com o CAPS (S2), porque... até

porque eles foram implantados e vieram aqui conheceram, a gente teve uma coisa assim de

fazer, a gente contava como é que fazia e eles aproveitarem algumas coisas pra fazer lá

também. Então tem uma coisa, uma relação gostosa” (S1).

Foi também apontado por alguns gerentes o distanciamento entre os CAPS, com

pouco ou nenhum compartilhamento das atividades realizadas, sem convivência entre eles e

com atuações distintas. Outros gerentes não falaram do relacionamento com outros CAPS

durante a entrevista. A relação com os CAPS para atendimento de crianças e adolescentes

(CAPSi) e com os CAPS para atendimentos de usuários de álcool e outras drogas (CAPSad)

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foi mencionada como necessária quando havia familiares dos usuários dos CAPS sendo

atendidos nestes serviços concomitantemente, visando a troca de informações entre as equipes

para o cuidado compartilhado da família.

Em resumo, constatou-se que o contato entre os CAPS acontecia majoritariamente em

reuniões ou fóruns de saúde mental, mas havia um distanciamento entre os serviços fora

destas situações. Poucos foram os casos de maior relacionamento com a realização de ações

conjuntas.

5.3.2.3.2 CECCOS

A partir das informações obtidas nas falas dos gerentes, constatou-se que havia

relacionamento entre a maioria dos CAPS e CECCOS e que alguns desenvolviam atividades

em conjunto. Porém, poucos declararam que os usuários participavam de atividades nos dois

serviços como forma de complementar o cuidado e concretizar o acompanhamento em rede.

O CECCO foi citado por alguns gerentes como o serviço com o qual a parceria era a mais

consolidada.

“A relação mais próxima que a gente tem é com o CECCO” (N1).

“Eu tenho um bom relacionamento, com os dois CECCOS. Encaminho muito pro

CECCO” (N4).

“Encaminha-se bastante para o CECCO (...) a gente tem um bom relacionamento e

encaminha bastante” (N5).

Foram também mencionados casos em que ocorria o encaminhamento dos usuários do

CAPS para o CECCO sem a informação de que houvesse um conhecimento ou

acompanhamento posterior por parte dos profissionais do CAPS sobre a inserção destes

usuários no CECCO. Nestas situações, havia apenas o encaminhamento de um para outro

serviço, sem o compartilhamento de informações sobre o usuário e seu tratamento. Não foram

mencionados encaminhamentos do CECCO para o CAPS.

Os gerentes informaram ainda a participação em reuniões de rede e/ou fóruns de saúde

mental como forma de relacionamento entre os serviços. Conforme mencionado

anteriormente, estes encontros aconteciam semanal, quinzenal ou mensalmente, com a

participação de representantes de outros CAPS, UBS e CECCOS e discutiam-se organização e

fluxos de rede e casos em comum.

Uma pesquisa realizada em um CECCO de São Paulo em 2006 (Caçapava et al, 2009),

em data próxima do presente estudo, constatou que havia uma parceria entre o serviço

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45

participante da pesquisa e um CAPS do território. Nesta pesquisa, os dois serviços utilizavam

os espaços de convivência, cultura, lazer e esporte da comunidade para desenvolver atividades

em conjunto e inserirem as pessoas com transtorno mental em tratamento ou em alta do CAPS

em oficinas promovidas pelos serviços. De acordo com os autores, experiências

interdisciplinares, como a parceria entre CECCO e CAPS permitem a superação do modelo

biomédico de terapêutica centrada na doença com intervenções essencialmente

farmacológicas e o desenvolvimento de práticas voltadas à promoção de saúde.

No entanto, diferentemente dos resultados apresentados na pesquisa acima, percebe-se,

neste estudo, pouca articulação entre os serviços visando manter ou ampliar o relacionamento

em rede, visto que as ações mais frequentes citadas nas entrevistas foram as participações em

reuniões ou fóruns formalizados e encaminhamentos dos CAPS para o CECCO, mas com

distanciamento entre os serviços. Um gerente relatou considerar que este trabalho está aquém

das necessidades dos usuários (CO3) e outro apontou a necessidade de melhorar a adesão dos

usuários do CAPS no CECCO (SE5).

Na Política Nacional de Saúde Mental, o CECCO é considerado como um dispositivo

de inclusão social, responsável por desenvolver tecnologias implicadas na redução das

situações de desigualdades e estimular ações intersetoriais, buscando o empoderamento

individual e comunitário das pessoas com transtornos mentais (Brasil, 2006). Pode-se dizer

que algumas as funções do CECCO e do CAPS se sobrepõem (reabilitação, inclusão,

empoderamento) constituindo um desafio às equipes e aos usuários manter uma relação e um

acompanhamento conjunto com os dois serviços.

Foram observados ainda outros desafios para o relacionamento satisfatório entre os

CAPS e os CECCOS, como localização distante e obstáculos com transporte público (tanto o

custo como insuficiência de meios de locomoção em determinada região), além de

dificuldades relacionais entre os profissionais dos serviços. Diferentemente do que foi

apresentado anteriormente, as relações informais entre os CAPS e os CECCOS foram citadas

por alguns gerentes como motivos de afastamento entre os serviços pelo fato de os

profissionais terem ideologias distintas sobre terapêutica e cuidados das pessoas com

transtornos mentais. Outra dificuldade relatada foi o isolamento do CECCO, que, segundo

alguns gerentes, não buscavam parcerias e não se mostravam abertos a compartilhar

experiências com outros serviços.

“CECCO é muito isolado, mas alguns [usuários] a gente tava mandando, né” (SE4).

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Por fim, alguns gerentes não citaram os CECCOS durante a entrevista, o que pode ser

consequência deste isolamento dos CECCOS em relação aos outros serviços de saúde e com a

comunidade em geral.

As reuniões periódicas (semanais, quinzenais ou mensais) e os fóruns de Saúde Mental

(mensais) foram apontados por alguns gerentes como tentativas de aproximação entre os

profissionais de diversos serviços de assistência em Saúde Mental para a efetivação de uma

rede de contatos com vista à promoção do cuidado mais integrado às pessoas com transtornos

mentais. Segundo os gerentes, eram convidados para estes eventos profissionais dos CAPS

para atendimentos de adultos, de crianças e adolescentes (CAPSi) e de usuários de álcool e

outras drogas (CAPSad), das UBS (incluindo PSF) e dos CECCOs de uma mesma região e

tratava-se dos casos em comum, dos fluxos de encaminhamentos e da organização da rede de

Saúde Mental.

“E agora está acontecendo os Fóruns da Saúde Mental, é uma coisa mais recente,

desse ano pra cá e tem essa participação, mas não tá muito concisa não” (N5).

“...eu tenho reuniões uma vez por mês, que é a reunião dos gerentes, dos

coordenadores de saúde da região com as UBS, PSF da região” (SE2).

Entretanto, alguns não falaram sobre reuniões ou fóruns de saúde mental durante a

entrevista. Outros declararam que a elevada demanda de trabalho tanto da gerência, quanto

das equipes aliada à carência de profissionais nos serviços dificultava a participação deles

nestas reuniões/fóruns periodicamente e que, portanto, pouco ou nenhum era a influência

delas no cuidado com os usuários.

5.3.3 Relações com outros serviços: Coordenadorias Regionais de Saúde

Os resultados desta pesquisa foram também analisados considerando-se a

Coordenadoria Regional de Saúde do município de São Paulo a que os CAPS pertenciam.

Observou-se que na Coordenadoria Regional Centro-Oeste os CAPS eram serviços mais

antigos, mais estruturados internamente e que desenvolviam mais ações no território que

visavam o compartilhamento do cuidado dos usuários. Os gerentes destes CAPS estavam no

cargo há bastante tempo, tinham formações mais antigas, com participações importantes em

movimentos pró Reforma Psiquiátrica e nas experiências inovadoras em saúde mental

apresentadas anteriormente. Além disso, nota-se um entendimento sobre matriciamento mais

afinado com a proposta da Política Nacional de Saúde Mental que exclui a lógica do

encaminhamento:

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47

“Em vez de dar supervisão, faz junto, vai lá, discute o caso, põe a mão na massa,

principalmente com o PSF, que tem que fazer visita domiciliar, eu vejo muitas equipes

ensinando o profissional do PSF a fazer, vai fazer junto, acho muito mais legal, acho que fica

muito mais... A prática como exercício de transmissão de conhecimento” (CO3).

De acordo com os depoimentos dos gerentes, a Coordenadoria Regional Leste

apresentava menor integração dos serviços de seu território, visto que os serviços

apresentavam pouca ou nenhuma comunicação entre si e demonstravam desconhecer as

possibilidades de atuação em rede. Nota-se que os problemas ficaram mais evidentes nas falas

dos gerentes desta Coordenadoria Regional do que os aspectos positivos dos relacionamentos

entre os serviços. Neste sentido, foram apontados problemas externos que interferiam na

organização do serviço e da rede, como a escassez de profissionais (ex: psiquiatras),

encaminhamentos incorretos, falta de recursos da região (como transporte e serviços) e grande

distância geográfica entre as unidades de saúde. Os gerentes dos CAPS desta Coordenadoria

Regional apresentavam formações em épocas e cursos diferentes, com tempo de gerência que

variou de um a dez anos. É provável que as dificuldades apontadas estivessem associadas às

peculiaridades do território, mas também às características pessoais dos gerentes.

Na Coordenadoria Regional Norte, quatro dos cinco gerentes informaram participar do

fórum de saúde mental, porém, declararam distanciamento fora destes encontros. O

matriciamento também foi mencionado como recurso de aproximação entre os serviços, mas

sob a lógica de encaminhamentos e não de compartilhamento e co-responabilização pelos

casos. Desta forma, pode-se dizer que o relacionamento entre os serviços não era bem

estabelecido do ponto de vista de rede de cuidados. Cabe lembrar que esta Coordenadoria

Regional estava localizada no território que passou pela experiência do Projeto Zona Norte,

na década de 1980, que foi a primeira tentativa de articulação de rede no município de São

Paulo, considerada como bem sucedida no período de seu desenvolvimento (Cesarino, 1989).

Estes CAPS eram fruto da expansão dos ambulatórios de saúde mental ocorrida

concomitantemente ao Projeto Zona Norte. No entanto, embora este território e seus serviços

tivessem vivenciado uma situação modelo naquela época, não se pode dizer que houve

influência da vivência de articulação em rede no mesmo território nos anos 2000.

A Coordenadoria Regional Sudeste foi apresentada pelos gerentes como bastante

heterogênea no que se refere à organização dos serviços e ao funcionamento da rede. Eles

informaram que, em alguns serviços os fluxos de encaminhamentos eram bem definidos,

porém outros aconteciam através de relações informais. Observou-se esforço de um dos

serviços de estabelecer ou melhorar a articulação da rede: propunha estratégias e buscava

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parceiros (SE2). Dois gerentes apresentaram queixas sobre a rede, com apontamentos das

dificuldades existentes e posicionamento passivo diante dos problemas (SE1, SE4). Outro, ao

contrário, elogiou o relacionamento com os demais serviços, principalmente com o PSF, que

cobria a maior parte do território (SE3). A justificativa dos gerentes para esta heterogeneidade

foi o fato de se tratar de um território com uma área grande e com características desiguais de

acesso aos recursos (transporte, serviços de saúde, cobertura de PSF).

Por fim, na Coordenadoria Regional Sul foram identificados dois extremos com

relação ao funcionamento dos serviços e da rede: um serviço mais antigo e articulado com a

rede, com contatos estabelecidos e utilização efetiva dos recursos do território (S1); e um

serviço novo, em fase de organização interna, com relações externas ainda em

desenvolvimento (S2). Ficou evidente, a partir da análise dos relatos dos gerentes destes

serviços, que era necessário que os equipamentos estivessem bem estabelecidos internamente

para que pudessem ampliar suas relações para outros serviços. O mesmo foi observado nas

outras Coordenadorias Regionais, em que os serviços cujos gerentes relataram problemas

internos como os de relacionamentos entre os profissionais, alta rotatividade das equipes, e

falta de recursos humanos e físicos (material para utilização nos atendimentos e oficinas,

estrutura física precária) mostraram-se pouco envolvidos em ações externas para

desenvolvimento da rede.

Luzio e L’Abbate (2006), em um artigo sobre a rede de assistência em saúde mental,

afirmam que a responsabilização pelo tratamento do usuário presume a organização de

serviços e pessoas de um determinado território, através da invenção, do planejamento, da

avaliação e da gestão de ações no coletivo. As autoras explicam que esta produção coletiva

não é natural e que deve ser construída no cotidiano do serviço, com a necessidade de que

todos os envolvidos estejam preparados com saberes e recursos favoráveis. Para tanto, elas

defendem maior intervenção dos gestores, com ampliação dos investimentos no suporte às

equipes de saúde mental nos diversos dispositivos (UBS, PSF, CAPS, pronto-socorros,

hospitais gerais e psiquiátricos, escolas, conselhos tutelares, promotoria pública, creches,

associações de bairro, entidades filantrópicas) visando garantir a integralidade e a

intersetorialidade das ações desenvolvidas e construir uma rede de cuidado e inclusão social.

É possível afirmar, também no presente estudo, que muitos dos problemas

identificados para o estabelecimento de uma rede articulada de serviços poderiam ser tratados

com políticas públicas mais específicas. Alguns dos obstáculos apontados pelos gerentes

estavam associados a problemas relacionais entre os serviços, como burocratização excessiva,

proeminência das relações pessoais sobre as institucionalizadas, comunicação fragmentada

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entre as equipes e concepções distintas acerca das funções do CAPS. Outros problemas

relacionavam-se ao acesso dos usuários aos serviços, como transporte insuficiente, falta de

recursos no território, distância geográfica, estrutura física pouco apropriada às práticas

necessárias e fluxos mal definidos.

Neste contexto, foi instituída, em 2011, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) com a

finalidade de criar, ampliar e articular a assistência em Saúde Mental. A RAPS propôs a

resolução de alguns dos problemas de funcionamento da rede elencados por este estudo, mas

ainda se apresentou falha em muitos aspectos. Cabe salientar que a data de instituição da

RAPS é posterior à realização das entrevistas que fazem parte deste estudo, que ocorreram em

2007-2008.

Em primeiro lugar, por ser uma portaria do Ministério da Saúde, a RAPS trouxe

parâmetros para a orientação dos serviços da Saúde, de modo que as dificuldades relacionadas

aos outros setores como Assistência Social, Educação, Transportes, entre outros, continuaram

sem políticas definidas. Com relação à quantidade insuficiente de recursos do setor da Saúde

no território que foi associada à dificuldade de acesso dos usuários à rede, a RAPS

especificou todos os componentes da rede, ampliando-a, e responsabilizou os municípios pela

implementação dos serviços, coordenação e avaliação dos mesmos. Desta forma, é possível

identificar quais são os serviços que fazem parte da rede e suas atribuições nas relações com

os demais serviços e com os usuários. É possível que estas informações tenham facilitado o

entendimento sobre funções de cada serviço e, consequentemente, os fluxos dentro do

território.

Quanto aos problemas com a articulação da rede, a RAPS determinou que a Atenção

Básica deve organizar a rede e regular o sistema de porta de entrada e de referência dos

serviços para atendimento das pessoas com transtornos mentais, visto que oferece o cuidado

integral e longitudinal à população. No entanto, a RAPS também responsabilizou os serviços

pela articulação da rede e propôs como uma das ferramentas a instituição do Fórum Rede de

Atenção Psicossocial que teria como finalidade a construção de espaços coletivos e

heterogêneos para a construção de um novo modelo de atenção às pessoas com sofrimento ou

transtorno mental (Brasil, 2011a). Porém, esta já era uma indicação de documentos anteriores,

como foi observado neste estudo, e não era efetiva, visto que a participação dos profissionais

era adotada como prática cotidiana em poucos dispositivos e mesmo entre os que

participavam, o distanciamento entre eles fora dos encontros era recorrente.

Outro ponto significativo apresentado pela RAPS foi a inclusão do NASF (criado em

2008, portanto, posterior à realização das entrevistas do presente estudo, ocorrida em 2007-

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2008) como importante articulador na Atenção Básica, atuando junto à Estratégia Saúde da

Família, e tendo como principal ferramenta o apoio matricial. Desta forma, o NASF poderia

preencher as lacunas de profissionais especializados na Atenção Básica a, auxiliar na

resolução de casos e evitar encaminhamentos desnecessários, promovendo melhora do fluxo

entre os serviços.

Também na Atenção Básica, a RAPS instituiu o Projeto Terapêutico Singular (PTS)

como instrumento para cogestão e acompanhamento longitudinal dos casos com o CAPS.

Mesmo a relação entre os CAPS e os serviços da Atenção Básica tendo sido apresentada neste

estudo como melhor articulada se comparada às relações com os serviços dos outros níveis de

atenção, a utilização do PTS poderia auxiliar na corresponsabilização dos casos e

formalizando e estreitando os relacionamentos na rede através da construção pelas próprias

equipes das condutas de cada projeto conjuntamente.

No que diz respeito aos serviços de urgência e emergência, que apresentaram relações

pouco formalizadas com distanciamento dos CAPS neste estudo, a RAPS especificou os

serviços que deveriam articular-se com o CAPS para o cuidado das pessoas em fase aguda do

transtorno mental: SAMU 192, Sala de Estabilização, UPA 24 horas, as portas hospitalares de

atenção à urgência/pronto socorro, UBS, entre outros. Desta forma, seria possível garantir

que as pessoas com transtorno mental em crise tivessem acesso aos serviços especializados de

acordo com a sua demanda e mantivessem o acompanhamento no CAPS.

O acesso dos usuários ao hospital psiquiátrico também foi apontado pela RAPS, que

deixa claro, entretanto, sua utilização exclusivamente durante o processo de implantação da

RAPS, na ausência de serviços substitutivos. Desta forma, nota-se que os hospitais

psiquiátricos mantiveram na RAPS o distanciamento dos demais serviços conforme

apontaram os resultados deste estudo, visto que os serviços de saúde só podem acioná-lo se

não houver outra alternativa. Portanto, mesmo sabendo da existência dos hospitais

psiquiátricos e reconhecendo a necessidade de sua eventual utilização, a RAPS persistiu

distanciando estes serviços dos demais.

Pode-se concluir que os elementos instituídos com a RAPS poderiam suprir algumas

das dificuldades encontradas neste estudo para a articulação de uma rede de serviços para o

cuidado das pessoas com transtornos mentais. No entanto, esta é uma hipótese baseada no

texto da portaria. Seriam necessárias pesquisas nesta área para verificar como a RAPS tem

sido praticada realmente.

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51

5.3.4 Limitações metodológicas:

No decorrer da análise dos conteúdos das entrevistas, foram observados alguns

aspectos que podem ser considerados limitações metodológicas da pesquisa. Um deles é o

fato de as entrevistas não terem sido realizadas pela pesquisadora, o que pode ter

comprometido a apreensão das informações coletadas no momento da entrevista, já que a

pesquisadora não teve acesso a elementos não verbais presentes.

A utilização dos depoimentos dos gerentes, sem a utilização de outras fontes de

informação permitiu a apreensão da origem dos CAPS e as relações destes com os demais

serviços a partir somente da perspectiva destes atores. Não se pode garantir que as falas sejam

a exata reprodução da realidade, pois elas refletem a percepção dos gerentes sobre os assuntos

abordados e podem ser acompanhadas de valores e julgamentos tanto do emissor quanto do

receptor. Todavia, resultados do mesmo estudo obtidos a partir da observação de tipo

etnográfico de uma semana típica de funcionamento destes serviços apontam seu isolamento,

com o pouco reconhecimento das atividades realizadas fora do CAPS (dentre as quais a

participação em fóruns e reuniões e o matriciamento) (Nascimento & Galvanese, 2009).

Finalmente, as entrevistas foram realizadas entre 2007 e 2008, anteriormente à criação

dos NASFs e o estabelecimento da RAPS (Brasil, 2008, 2011a). Assim, a proposta da

Atenção à Saúde Mental sofreu alterações significativas. No entanto, alguns desafios no

cuidado aos usuários dos serviços permanecem, independentemente dessas mudanças, tais

como a rotatividade de recursos humanos nas equipes dos diferentes serviços que compõem a

RAPS e a dificuldade para o estabelecimento de um cuidado integrado e em rede, dada a

grande extensão territorial do município, seu grande contingente populacional e a

desigualdade de oferta de serviços de saúde e de recursos comunitários entre as regiões do

município de São Paulo.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os CAPS são apontados como a principal estratégia do processo da reforma

psiquiátrica. Foram implementados como dispositivos de assistência às pessoas com

transtornos mentais graves e persistentes e tem se mostrado efetivos na substituição do

modelo hospitalocêntrico, como componente importante de cuidado aos usuários, integração

social e familiar e empoderamento de pessoas muitas vezes excluídas da sociedade.

Um dos maiores desafios da assistência em Saúde Mental é a consolidação desses

serviços e sua articulação efetiva com os diversos dispositivos da rede de Saúde e dos demais

setores que podem estar envolvidos no processo de cuidado e reabilitação das pessoas com

transtornos mentais.

A implantação dos CAPS no município de São Paulo aconteceu a partir de 2002, no

contexto de uma nova Política Nacional de Saúde Mental instituída pelo Ministério da Saúde

(Brasil, 1992, 2001, 2002a). No entanto, alguns aspectos anteriores a este período podem ter

influenciado a forma como os serviços se relacionavam com a rede no momento em que a

pesquisa foi realizada (2007-2008). As origens dos serviços e o perfil dos entrevistados

(gerentes) como formação acadêmica, participação em experiências inovadoras em Saúde

Mental anteriores e tempo no cargo de gerente foram associados à compreensão que eles

tinham sobre o papel do CAPS e a atuação destes serviços na rede.

O relacionamento dos CAPS com os demais serviços de saúde foi representado, em

grande parte, pelos encaminhamentos de usuários de um serviço a outro. Estes

encaminhamentos aconteciam, muitas vezes, de maneira informal pelos profissionais dos

serviços que mantinham contato pessoal e caracterizavam-se pela não corresponsabilização

dos casos, diferentemente da proposta da RAPS de construção conjunta e compartilhamento

do cuidado. A relação dos CAPS com a Atenção Básica foi mencionada de forma positiva

pelos gerentes, pois havia, segundo eles, uma tentativa de aproximação entre os serviços com

a utilização de ferramentas que facilitavam o contato e a comunicação entre eles, como o

matriciamento e os fóruns de saúde mental.

Os serviços de urgência e emergência, as enfermarias psiquiátricas em hospitais gerais

e os hospitais psiquiátricos, por outro lado, foram citados como pouco participativos na

construção de uma rede de serviços, visto que as poucas relações existentes não eram

formalizadas. Os relacionamentos dos CAPS com outros CAPS para atendimentos de adultos

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e com os CECCOS foram mencionados pelos gerentes, porém com a dificuldade de manter os

usuários sob o cuidado compartilhado.

A atuação dos CAPS em rede apresentou-se diversa nas diferentes Coordenadorias

Regionais de Saúde do município, em virtude das diferenças territoriais (como acesso a

serviços e transportes), dos perfis dos gerentes e das origens dos serviços. É possível

apreender que as diretrizes dos documentos oficiais são importantes para o estabelecimento

das condutas de organização e funcionamento dos serviços em rede, mas também, fatores

inerentes dos serviços e das pessoas que atuam neles são fundamentais para o entendimento

de como estes serviços se relacionam para o cuidado das pessoas com transtornos mentais.

A expansão da rede proposta pela RAPS em 2001 (posterior à pesquisa, datada de

2007-2008) preencheu algumas lacunas identificadas neste estudo. Na época da coleta dos

dados existiam no município 22 CAPS para atendimento de adultos, dos quais nenhum

funcionava como CAPS III, 13 CAPSad e 10 CAPSi6, em contraste com 32 CAPS para

atendimento de adultos (2 CAPS I, 23 CAPS II e 7 CAPS III), 26 CAPSi e 26 CAPSad

existentes em 20167. Houve a ampliação dos componentes da rede e a formalização do acesso

a estes componentes, que antes acontecia através de contatos pessoais, principalmente no que

se refere aos serviços de urgência e emergência e aos hospitais psiquiátricos. Foram

apresentados novos recursos para articulação da rede, como a utilização do Projeto

Terapêutico Singular (PTS) como base para o cuidado compartilhado e o Núcleo de Apoio à

Saúde da Família (NASF) como principal responsável pelo matriciamento na Atenção Básica.

No entanto, os CECCOS permaneceram sem uma estratégia mais específica e incisiva de

atuação junto ao CAPS.

Estudos recentes mostram, entretanto, que embora a RAPS tivesse buscado melhorar a

articulação entre os serviços, há ainda aspectos que dificultam o livre acesso de usuários e

profissionais no território (Bonfim et al, 2013; Nóbrega et al, 2016). Seriam necessárias

políticas que promovessem a aproximação dos serviços, tanto fisicamente (unidades mais

próximas geograficamente umas das outras, transportes suficientes e efetivos) quanto nas

relações (maior contato entre as equipes, compreensão melhor dos profissionais sobre as

6 Fonte: Relação das Unidades da Secretaria Municipal de Saúde por Coordenadoria Regional

de Saúde e Supervisão Técnica de Saúde do Município de São Paulo – julho de 2007,

elaborada pela Coordenação de Epidemiologia e Informação (CEInfo) da Secretaria

Municipal de Saúde de São Paulo. 7 Fonte: Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES). Disponível em:

http://cnes.datasus.gov.br. Acessado em 30/10/2016.

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necessidades dos usuários) que tornariam os vínculos mais permanentes. A capacitação dos

profissionais via fórum e sua participação nas diretrizes da RAPS poderiam fortalecer o

comprometimento, a comunicação e a articulação entre os serviços (Dimenstein el al, 2012;

Bonfim et al, 2013; Nóbrega et al, 2016).

Os obstáculos para a construção de espaços integrados que promovam o

compartilhamento do cuidado às pessoas com transtornos mentais precisam ser superados.

Além de políticas públicas, pesquisas na área podem contribuir para o melhor entendimento e

a continuidade das transformações promovidas pela Reforma Psiquiátrica na assistência em

Saúde Mental.

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7 CONCLUSÕES

A implantação dos CAPS no município de São Paulo aconteceu a partir da criação

destes serviços pelo Ministério da Saúde através da Portaria nº 336/02. A organização e o

funcionamento dos serviços, entretanto, no que diz respeito ao relacionamento com os demais

serviços de saúde, estavam associados às diferentes origens dos serviços e as experiências

pelas quais eles haviam passado antes de serem cadastrados como CAPS. As origens mais

comuns foram o ambulatório de saúde mental e o hospital dia.

A articulação dos CAPS em rede foi observada em poucos casos que realizavam ações

conjuntas e mantinham o cuidado compartilhado dos usuários, principalmente com a Atenção

Básica. As relações entre os serviços eram, frequentemente, apoiadas nos encaminhamentos

sem a responsabilização conjunta pelos usuários. O atendimento às situações de crise foi o

ponto crítico da rede, visto a inexistência de relações formalizadas com serviços preparados

para este tipo de atendimento (urgência e emergência, enfermarias psiquiátricas de hospitais

gerais e hospitais psiquiátricos). No geral, havia dificuldade em manter o acompanhamento

em rede das pessoas com transtornos mentais devido a problemas internos dos serviços

(recursos humanos e físicos, organização) e estruturais da rede (falta de ferramentas

formalizadas, acesso aos serviços).

É provável que a criação da RAPS tenha contribuído para a solução de alguns dos

desafios. Seriam necessárias pesquisas nesta área para verificar as possíveis consequências da

RAPS nas relações entre os serviços e no cuidado às pessoas com transtorno mental.

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8 ANEXOS

8.1 Anexo 1

Roteiro de entrevista do estudo Avaliação dos Centros de Atenção Psicossocial do

Município de São Paulo:

1) Identificação do profissional, ano de formatura e especialidade profissional.

Nome

Profissão

Ano de formatura

2) Descrever a trajetória profissional: cursos após a graduação e empregos anteriores ao

atual, e interpretação pessoal do percurso em termos de razões de ocorrência.

Fez cursos após concluir a graduação? Quais?

Quais foram seus empregos anteriores? (especifique o serviço e o período)

Como foi o processo de vir trabalhar no CAPS?

3) Processo de inserção no CAPS:

Data de admissão:

Mecanismos formais de entrada (concurso, transferência etc.)

4) Quando você chegou o que esperava fazer, quais eram suas expectativas em relação ao

trabalho aqui?

5) Capacitação e treinamento desde que começou a trabalhar no CAPS.

Você participou de algum processo de treinamento ou capacitação desde que começou a

trabalhar no CAPS?

6) Descrever as funções e atividades atuais, regulares e eventuais. (Se necessário, pedir

para descrever uma semana de trabalho.)

Quais as atividades que realiza rotineiramente? (coordenação de grupos, atendimentos,

acolhimento, visitas etc.)

Quais as atividades que realiza esporadicamente? (substituição de outros profissionais,

representação do CAPS em reuniões administrativas etc.)

7) Descrever a relação entre o trabalho desenvolvido pelo entrevistado e os trabalhos

desenvolvidos pelos outros profissionais existentes no serviço.

O que faz em conjunto com outros profissionais (técnicos, não técnicos e estagiários)?

Existe alguma dificuldade no trabalho com outros profissionais?

8) Pedir ao profissional que defina o que é um CAPS e qual a sua função (investigar a

opinião do entrevistado).

Como você definiria um CAPS?

Qual seria a função do CAPS?

9) Pedir ao profissional que defina o CAPS em que trabalha (investigar a opinião do

entrevistado).

Como você definiria o CAPS onde trabalha?

Qual a função que este serviço desempenha na atenção à saúde mental das pessoas da

região?

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10) Descrever as relações entre o CAPS e os outros serviços de saúde mental e de saúde

em geral existentes na região (Encaminhamentos: se recebe e encaminha; se oferece

supervisão ou retaguarda técnica; se desenvolve atividades em conjunto.)

UBS, PSF, Outros CAPS, CECCO, Hospitais psiquiátricos, Serviços de emergência,

Outros serviços.

11) Descrever as relações entre o CAPS e outros recursos existentes na comunidade

Instituições religiosas

Instituições culturais (bibliotecas, teatros, centros culturais, casas de cultura, museus etc.)

Instituições educacionais (escolas, faculdades, FUNDAP etc).

Outras instituições (clubes, SESC, SESI, SENAI, escolas esportivas, escolas de samba,

setor privado, etc.)

ONGs

12) Pedir ao profissional que conceitue reabilitação psicossocial. (Investigar a opinião do

entrevistado).

Como você definiria reabilitação psicossocial?

13) Pedir ao profissional que descreva as estratégias usadas pelo CAPS visando à

reabilitação psicossocial dos usuários.

Quais atividades ou estratégias em prol desta reabilitação psicossocial são utilizadas neste

CAPS?

14) Como o profissional avalia a qualidade de seu trabalho no CAPS. Qual seu grau de

satisfação com o trabalho.

Na sua opinião, o que funciona satisfatoriamente neste CAPS? O que não funciona

satisfatoriamente?

15) O que você considera como dificuldades no relacionamento com os usuários?

16) Poderia relatar um caso difícil que você acompanhou aqui no CAPS?

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8.2 Anexo 2

Parecer aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde

de São Paulo para a pesquisa Avaliação dos Centros de Atenção Psicossocial do município de

São Paulo.

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8.3 Anexo 3

Parecer da Comissão Científica do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de

Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

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RESUMO

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são os serviços responsáveis pelo cuidado

de pessoas com transtornos mentais graves e persistentes no âmbito do Sistema Único de

Saúde e constituem a principal estratégia do processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil. A

implantação dos CAPS no município de São Paulo ocorreu tardiamente após o

desenvolvimento de experiências inovadoras na atenção em saúde mental e mudanças

político-administrativas que interromperam o processo de criação e articulação de redes para a

assistência em saúde. Os objetivos deste estudo foram descrever a implantação e

desenvolvimento dos CAPS para atendimento de adultos no contexto da municipalização da

Saúde em São Paulo e analisar a relação entre os CAPS e os demais serviços de saúde, no

período anterior à criação da RAPS. O método utilizado foi a pesquisa qualitativa através da

análise do conteúdo de entrevistas realizadas com os gerentes de 21 CAPS do município entre

2007 e 2008. Os resultados revelaram que as origens dos serviços e o perfil dos gerentes,

como formação acadêmica, participação em experiências inovadoras em Saúde Mental

anteriores e tempo no cargo estavam associados à compreensão que eles tinham sobre o papel

do CAPS e a atuação destes serviços na rede. Quanto à relação dos CAPS com os demais

serviços da rede de Saúde Mental, as interações com os serviços de Atenção Básica foram

citadas pelos gerentes em maior frequência e avaliadas pela maioria deles de forma positiva,

porém sob uma ótica de encaminhamentos, diferentemente da proposta da RAPS de

construção conjunta e compartilhamento do cuidado. É possível apreender que as diretrizes

dos documentos oficiais são importantes para o estabelecimento das condutas de organização

e funcionamento dos serviços em rede, mas também, fatores inerentes aos serviços e às

pessoas que atuam neles são fundamentais para o entendimento de como estes serviços se

articulam para o cuidado das pessoas com transtornos mentais.

Palavras-chave: serviços comunitários de saúde mental, serviços de saúde mental, pesquisa

qualitativa, saúde mental, assistência à saúde, pesquisa sobre serviços de saúde.

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ABSTRACT

Psychosocial Care Centers (CAPS) are the services responsible for the care of people with

severe and persistent mental disorders in the Unified Health System (SUS) and constitute the

main strategy of the Psychiatric Reform in Brazil. The implementation of CAPS in the city of

São Paulo occurred late after the development of innovative experiences in mental health care

and political-administrative changes that interrupted the process of creating and articulating

networks for health care. The objectives of this study were to describe the implementation and

development of CAPS for adult care in the context of Health section municipalization in São

Paulo and analyze the relationship between CAPS and other health services in the period prior

to the creation of RAPS. The method used was qualitative research through documentary

analysis of interviews conducted with the 21 municipal CAPS managers between 2007 and

2008. The results revealed that the origins of services and profile of managers, as academic

training, participation in innovative experiences in mental health before and time as managers

were associated with the understanding that they had on the role of CAPS and the

performance of these services on the network. As regards the relationship of CAPS with the

other services of the Mental Health Network, the interactions with the Primary Care services

were mentioned by the managers in most frequency and evaluated by the majority of them in

a positive way, but from a perspective of referrals, differently of the proposal of the joint

construction RAPS and sharing of care. It is possible to understand that the guidelines of the

official documents are important for the establishment of organizational behavior and

operation of network services, but also inherent factors of the services and the people who

work in them are key to understanding how these services relate to care of people with mental

disorders.

Key words: community mental health services, mental health services, qualitative research,

mental health, delivery of health care, health services research

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