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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Laura Vianna Vasconcellos Alberto Pasqualini e o trabalhismo no Brasil Rio de Janeiro 2009

Laura vianna vasconcelos alberto pasqualini e o trabalhismo no brasil

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Laura Vianna Vasconcellos

Alberto Pasqualini e o trabalhismo no Brasil

Rio de Janeiro

2009

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Laura Vianna Vasconcellos

Alberto Pasqualini e o trabalhismo no Brasil

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: História Política

Orientador: Francisco Carlos Palomanes Martinho

Rio de Janeiro

2009

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CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/ CCS/A

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação. _____________________________________ ___________________________ Assinatura Data

P284 Vasconcellos, Laura Vianna. Alberto Pasqualini e o trabalhismo no Brasil/ Laura Vianna

Vasconcellos. – 2009. 120 f. Orientador: Francisco Carlos Palomanes Martinho. Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Bibliografia. 1. Pasqualini, Alberto, 1901-1960. 2. Trabalhismo – Brasil - História

– Teses. 3. Partidos políticos - Brasil - Teses. I. Martinho, Francisco Carlos Palomanes. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

CDU 329:331(81)

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Laura Vianna Vasconcellos

Alberto Pasqualini e o trabalhismo no Brasil

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: História Política

Aprovada em: 10 de setembro de 2009. Banca Examinadora: ____________________________________________

Francisco Carlos Palomanes Martinho Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ ____________________________________________ Maria Letícia Corrêa Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ ____________________________________________ Alexandre Fortes Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRRJ

Rio de Janeiro

2009

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao professor Francisco Palomanes, pela paciência, dedicação e carinho que teve comigo durante todo esse período difícil. Meu agradecimento especial à Maria Letícia, pelas críticas e dicas valiosas. Aos meus pais, pelo incentivo, afeto e compreensão. O gosto pela história devo a eles. A todo mundo lá de casa: tia Cris, Delfina, ao meu irmão, Chico, à D. Dulce. Aos amigos de Petrópolis e de outros cantos, companheiros na minha já tão madura e conhecida meninice: Ágata, Nafisa, Monalisa, Rodolfo, e Roberta. Às amigas da música, pelo universo novo: Sílvia, Mônica e Anna Teresa. Agradeço ao Sérgio, amigo de toda hora, e ao Sandor, pelo carinho. À Rosane, pela paciência, teimosia e profissionalismo. Meu agradecimento especial à minha irmã, Dora, companheirinha de sempre. A todos que passaram na minha vida durante esses dois anos.

Setembro de 2009

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RESUMO

VASCONCELLOS, Laura Vianna. Alberto Pasqualini e o trabalhismo no Brasil, 2009. 120f. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. Este trabalho é uma análise do pensamento político de Alberto Pasqualini e de seu papel na elaboração e feitura do trabalhismo no Brasil. Além de suas principais ideias, foram analisadas também o papel de Pasqualini no PTB, as relações políticas com Getúlio Vargas e com o getulismo. É um estudo sobre Alberto Pasqualini e sua inserção no trabalhismo, compreendido aqui como fenômeno complexo e de longa duração. Palavras-chave: Pasqualini. Trabalhismo. Getulismo.

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ABSTRACT The basic intent of this work was to analyse the political concept of Alberto Pasqualini and his role in the foundation and development of laborism in Brazil, his fundamental concepts, his importance as member Brazilian Labour Party (Partido Trabalhista Brasileiro – PTB) and his political connections with getulism. This analysis includes also a research on Alberto Pasqualini and his insertion in labourism as a complex and long lasting phenomenon. Keywords: Pasqualini. Labourism. Getulism

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................8

1 A TRAJETÓRIA POLÍTICA DE ALBERTO PASQUIALINI: ENTRE A MEMÓRIA E OS JORNAIS...........................................................25

1.2 O trabalhismo nas páginas dos jornais: o Diário de Notícias e o Correio do Povo..................................................................................................................40

2 O PENSADOR E O HOMEM POLÍTICO: PRINCIPAIS IDÉIAS E

ATUAÇÃO PARLAMENTAR..........................................................................53 2.1 Socialismo, capitalismo e trabalhismo...............................................................54

2.2 Sociedade e Estado..............................................................................................56

2.3 Partido e mentalidade social..............................................................................60

2.4 Personalismo político..........................................................................................61

2.5 Ditadura...............................................................................................................63

2.6 Nacionalismo.......................................................................................................64

2.7 Os debates sobre o Petróleo e a criação da Petrobrás.....................................73

2.8 O Plano Lafer .....................................................................................................77

3 OS TRABALHISMOS GETULISTA E PASQUALINISTA NAS INTERPRETAÇÕES HISTORIOGRÁFICAS................................................80

4 ALBERTO PASQUALINI E O TRABALHISMO..........................................88

4.1 O positivismo em longa duração - as origens do trabalhismo gaúcho (Ou as raízes do trabalhismo pasqualinista).....................................................88

4.2 A componente getulista do pensamento político de Alberto

Pasqualini...........................................................................................................100

4.3 Pós escrito...........................................................................................................111

5 CONCLUSÃO...................................................................................................116 REFERÊNCIAS ...............................................................................................120

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INTRODUÇÃO

O TRABALHISMO NA HISTORIOGRAFIA

Como a pesquisa se dedica ao trabalhismo de Alberto Pasqualini, sobre suas principais

influências e contribuições, é necessário que se faça uma retrospectiva histórica das

interpretações que analisam não só o trabalhismo, mas também o período de 1945-1964. As

interpretações se polarizam entre entendê-lo inserido no ciclo populista ou simplesmente

como trabalhista. A produção acerca do assunto é bem vasta, tendo sido iniciada ainda na

década de 1950, com o grupo Itatiaia. Mas, por razões objetivas – sendo o limite de páginas

uma delas –, e por motivos de posicionamento, foram escolhidas as obras produzidas mais

recentemente, todas originárias de fins da década de 1980 pra cá. Explica-se: por ser o

conceito de trabalhismo essencial na pesquisa, consideramos fazer mais sentido revisitar

autores que discutem o trabalhismo em si do que relembrar o já clássico debate entre

populismo versus trabalhismo. Não que ele deva ser desdenhado, esquecido no tempo, mas a

curiosidade, aqui, se direciona mais à definição do trabalhismo na historiografia, já que

consideramos que as idéias de Pasqualini podem lhe ser uma contribuição diferente, ainda que

muito pouco estudada.

A referência paradigmática inicial para a produção sobre o trabalhismo é o livro A

invenção do trabalhismo,1 de Angela de Castro Gomes. Com essa obra, Angela Gomes deu o

ponta-pé inicial para uma série de críticas e questões sobre um velho e importante conceito

das ciências sociais do Brasil, o populismo. É importante ressaltar que o livro não rompe com

todos os preceitos deste conceito, mas, com sua abordagem inovadora sobre o tema, a obra

abriu brechas para que se iniciasse uma série de críticas mais contundentes a esse conceito.

Portanto, depois desta obra, – houve algumas produções antes, mas seu livro

permanece como referência básica para o assunto – começaram a ser sistematizadas

interpretações que, inspiradas não somente nas abordagens culturais e antropológicas e pelas

inovações proporcionadas pela renovação da História Política, mas também pelas idéias de

1 GOMES, Angela de Castro Gomes. A invenção do trabalhismo. 2. ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.

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Thompson, de Roger Chartier, e de Carlos Guinsburg,2 acabaram por questionar, algumas a

até repudiar, o uso da palavra “populismo” como conceito.

Os alvos principais eram aquelas interpretações que, grosso modo, consideravam o

populismo o herdeiro do “clientelismo” da Primeira República, ou seja, como responsável

pela perpetuação de uma relação desigual entre Estado e sociedade. Eram interpretações que

ressaltavam a cooptação da classe trabalhadora em relação ao Estado, submissão esta

proporcionada seja pela propaganda política do Estado, pela sua política repressiva ou mesmo

pela redenção interessada das massas populares aos agrados do ditador Getúlio Vargas. A

chamada teoria da modernização dava as bases para essas interpretações. Segundo essa teoria,

a classe trabalhadora, por ser originária do meio rural, era ingênua, incapaz de estruturar laços

sólidos de solidariedade e de tradição de luta. Era uma população sem consciência de classe,

submissa e manipulada facilmente pelo braço forte do Estado.3

Conceitos e expressões como “Estado de compromisso”, “bloco de poder”,

“cooptação”, “manipulação”, dão a voga das interpretações mais clássicas sobre o ciclo

populista, sobre a relação entre Estado e sociedade do período entre 1945 e 1964.

Excetuando-se Francisco Weffort que, mesmo sublinhando os aspectos autoritários,

manipuladores e fascistas do Estado populista, admitiu algum grau de satisfação e de

expressão política para as massas populares daquela época, os demais estudiosos do período

procuravam ressaltar apenas o aspecto manipulador do Estado. Foi Angela de Castro Gomes

quem sistematizou, ainda na década de 1980, a idéia de que o que unia o Estado desse período

e a sociedade, as massas populares e trabalhadoras em especial, era um pacto político entre

esses dois atores. Para ela, esse pacto traduzia algum nível de reciprocidade, de troca entre

esses dois pólos, ainda que de maneira desproporcional. Ao criticar as bases teóricas e

conceituais do populismo, a autora propõe, em seu livro, a utilização de um outro conceito

para compreender a relação entre Estado e sociedade do período getulista: o trabalhismo.

Adepto desta mesma revisão, Jorge Ferreira é o segundo autor analisado neste

pequeno balanço bibliográfico. Com uma abordagem diferente sobre o assunto, o autor é,

hoje, um dos principais questionadores do conceito de populismo. Estudioso do trabalhismo,

Jorge Ferreira é por muitos criticados por levar os argumentos de Angela de Castro Gomes ao

extremo, supervalorizando a idéia de pacto e de identificação entre massas populares e

Estado.

2 Sobre esse assunto ver o artigo de Jorge Ferreira em seu livro O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 3 Idem.

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Outro autor importante, mas pouco citado, é Miguel Bodea. Mineiro de nascimento,

mas gaúcho como historiador, seu trabalho apresenta uma abordagem diferenciada sobre o

tema. Bodea é o único, dentre os autores citados, que estuda o trabalhismo como um

fenômeno anterior à década de 1930. Seus esforços tentam dar conta do que foi a origem

histórica trabalhista, destinando-se, em função disso, a analisar especificamente o caso do Rio

Grande do Sul. Ele é também crítico ao conceito de populismo.

O quarto e último autor analisado é Marcelo Badaró. Pesquisador dos movimentos

grevistas e sindicais do Rio de Janeiro, Badaró é crítico das formulações estruturais do

populismo, mas é também bastante cauteloso com as interpretações que defendem o uso do

conceito de trabalhismo para entender o período. O autor considera e conclui que as

interpretações de Angela de Castro Gomes e de Jorge Ferreira acabaram por idealizar o

Estado trabalhista. Para ele, se antes, nas interpretações que se utilizavam do conceito de

populismo, o Estado era demonizado e as classes trabalhadoras vitimadas e manipuladas,

agora, numa perspectiva inversa, mas tão radical quanto, o Estado e os líderes do período

seriam superestimados. O autor acredita que a sua visão é a mais critica ao tema, uma vez que

questiona as noções estruturais do populismo, mas, nem por isso, é provocadora de um efeito

inverso; o da ideologização do Estado e das lideranças do período.

* * *

Iniciemos com A invenção do trabalhismo, de Angela de Castro Gomes.

O livro é a tese de doutoramento da autora, apresentada ao Instituto Universitário de

Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) em junho de 1987. Ele é dividido em duas partes; a

primeira, intitulada “A hora e a vez dos trabalhadores”, abrange os anos que vão desde a

Proclamação da República, em 1889, até 1934, ano em que Agamenon Magalhães foi

designado para ocupar o Ministério do Trabalho Indústria e Comércio. Nela, a autora aborda a

participação e ação política dos trabalhadores neste período. Segundo Angela de Castro, esta

seria a parte em que a voz estaria com os trabalhadores, sendo eles os responsáveis pela

formulação de suas demandas, reagindo e desafiando ao contexto da época.

A outra metade do livro, intitulada “Trabalhadores do Brasil”, é dedicada ao período

1942-45. Segundo a autora, a partir do ano de 1942, ano em que Alexandre Marcondes Filho

assumiu o Ministério do Trabalho Indústria e Comércio, teria se iniciado um período de

transformações profundas, sobretudo no que diz respeito à participação política dos

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trabalhadores e a sua relação com o Estado.4 Angela de Castro Gomes acredita que, a partir

desta data, teria havido um esforço por parte dos homens do governo5, sobretudo por parte de

Marcondes Filho, para a elaboração de uma nova ideologia política; o trabalhismo. É nesse

complexo processo de “invenção” que a autora se detém. Ela faz isso através da análise

minuciosa e eficaz de fontes históricas do período, como a revista Cultura Política, onde os

mais importantes ideólogos do regime escreveram, e do programa de rádio “A Hora do

Brasil”, dando atenção especial aos discursos proferidos pelo próprio ministro Marcondes

Filho.

Angela de Castro Gomes inicia sua argumentação questionando a lógica da

interpretação que até então explicava a natureza do pacto político do Estado Novo: por meio

de legislações sociais que regulamentavam as leis de mercado de trabalho o Estado teria

conseguido a adesão das massas trabalhadoras. Ou seja, o pacto político era explicado

basicamente pela lógica material; os ganhos obtidos com as leis sociais eram trocados por

obediência política. A autora complexifica essa explicação afirmando que, na realidade, tal

mecanismo só teria começado a surtir efeitos no pós-1940, quando associado a esta lógica

material – essencial para a construção do pacto social, ela não nega – elaborou-se um discurso

trabalhista que resgatava o discurso operário da Primeira República, porém, de uma forma

repaginada.

Para a autora, portanto, não haveria mera submissão e perda de identidade por parte

das massas trabalhadoras, mas antes elas faziam parte de um pacto político que combinava

ganhos materiais com ganhos simbólicos da reciprocidade; ou seja, para ela, mais do que a

legislação social, era a dimensão simbólica que garantia a unidade e o funcionamento do

pacto. É à elaboração desse discurso simbólico – o trabalhismo – que a autora dá atenção.

Com as pressões pela democratização, o Estado varguista deu início ao processo de

transição, tentando manter as orientações e bases de seu governo. Para tanto, investiu em três

frentes; na montagem de uma complexa e bem-sucedida política de propaganda; no incentivo

à sindicalização, a fim de estreitar e manter certo controle sobre o movimento operário; e na

formação de um novo partido, o PTB. Desta maneira, o governo pretendia obter maior base

política junto às classes populares, essencial para um processo de transição “seguro”. No

4 A relação entre estes dois atores se modificou estruturalmente a partir deste período. Se antes havia mecanismos de reivindicação autônomos mediando a relação entre essas duas esferas, agora, a partir desta data, graças à montagem de maquinário institucional e propagandístico, o Estado passava a se relacionar com a sociedade sem intermediários; Getúlio, segundo o mito criado em torno dele, auscultava diretamente os anseios das massas populares e os sindicatos passariam a atuar atrelados ao Estado e com o perfil coorporativo. 5 A autora faz referência ao período de 1932 a 1937 como “O Estado Novo em primeiro movimento”. São desse período as primeiras leis de regulamentação do trabalho.

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livro, cada uma destas esferas de atuação é analisada, sendo a cada uma delas dedicada um

capítulo especial. A autora acredita que, com esse esforço e objetivo, o Estado Novo teria

montado as bases de uma ideologia política não só capaz de manter a ordem, mas também

responsável por um sólido pacto político.

Angela de Castro Gomes explica a natureza desse pacto político pela lógica da dádiva,

de Marcel Mauss. Segundo a autora, o sentimento de “estar em falta” dos trabalhadores em

relação ao Estado e a Getúlio Vargas, apresentado como doador dos benefícios sociais, teria

gerado um elo entre esses dois atores, o Estado e a sociedade. Para ela, “a lógica da [...]

dádiva pode ser considerada como um mecanismo criador de hierarquias sociais, ou seja,

criador de novas lideranças porque criador de seus seguidores e da lealdade que une esses dois

termos”.6

Em um item intitulado “dar, receber e retribuir – a política brasileira fora do

mercado”, a autora explica com mais detalhes o funcionamento da lógica da dádiva. Segundo

ela, haveria uma dupla obrigação; a responsabilidade do Estado de doar a legislação social,

assegurando, assim, o bem–comum, e a obrigação das massas trabalhadoras em receber tal

dádiva, afinal, era o sentimento de “estar em falta”, para a autora, que selava o pacto político.

Para ela, “toda a dádiva só se cumpre com a aceitação do que é dado. Sua lógica é bilateral, e

assim como aquele que dá o faz por “necessidade”, aquele que recebe precisa “aceitar” o

benefício. A recusa de uma dádiva é o descumprimento de uma obrigação social”. E assim o

é, ainda segundo Angela de Castro Gomes, porque, ao fazer isso – a recusa de uma dádiva –,

o que sucede é a ruptura de uma articulação mutuamente definidora. Se receber benefícios é

um direito, é também um dever, segundo essa lógica. Assim, caberia ao Estado criar a

obrigação de receber, mais do que somente doar. E ele o fez quando identificou o exercício da

cidadania ao trabalhador.

Para Angela de Castro Gomes, ao contrário de significar uma submissão, esta relação

entre Estado e sociedade, mesmo que desigual, teria algum nível de reciprocidade; enquanto o

Estado se beneficiava do sentimento de retribuição gerado pela elaboração e efetivação dos

benefícios sociais, as massas trabalhadoras, por sua vez, sentiam-se, de alguma forma,

identificadas e realizadas com os valores e o discurso do Estado varguista, já que muitas deles

eram demandas de lutas antigas.

O empenho do governo varguista na elaboração de uma ideologia política fora tão

bem-sucedido, segundo a autora, que se teria inaugurado uma nova cultura política. Angela de

6 GOMES, Angela de Castro Gomes, op.cit.

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Castro Gomes mostra, ao longo de boa parte do livro, como o Estado varguista, por meio de

programas de rádio, de comemorações especiais – como o aniversário de Getúlio Vargas e o

próprio dia da Revolução de 1930 –, por meio da repressão e censura com o DIP, e,

sobretudo, pela ressignificação de antigos conceitos, conseguiu estabelecer um elo de

identificação entre as massas trabalhadoras e o Estado. Ao redefinir conceitos como liberdade,

democracia, ao criticar o liberalismo atomizador da Primeira República, e ao definir Getúlio

Vargas como o chefe-guia, o pai com capacidade de antever os desejos da sociedade e único

capaz de entender os anseios do povo, foram criando-se as bases de uma ideologia política

que ainda hoje deita raízes em nossa sociedade.7

O que Angela de Castro Gomes parece ressaltar em seu livro é a complexa montagem

desta ideologia política, o trabalhismo, que mesclava antigos anseios da classe trabalhadora e

atribuía ao governo a sua capacidade de realização e iniciativa; ao chefe de Estado, pelos seus

atributos pessoais de antevisão e generosidade, a sua responsabilidade. Um discurso que

possuía bases sociais sólidas porque resgatava antigas demandas sociais e reinterpretava a

história do Brasil de modo a manter o projeto político do Estado Novo. Ou seja, uma

ideologia que, apesar de autoritária, possuía legitimidade na cultura política8 da classe

trabalhadora, satisfazendo algumas de suas reivindicações.

A autora, com esta tese, confrontou a interpretação que analisava a relação entre o

Estado e a sociedade desse período com um único sentido, a do Estado manipulando a classe

trabalhadora. Fez isso, no entanto, sem esquecer o aspecto autoritário de todo esse processo,

afinal, deixa claro que toda a invenção e formulação do trabalhismo foram feitas a partir da

iniciativa do Estado, seja elaborando órgãos, departamentos e partidos, seja através de intensa

propaganda política. Portanto, apesar de dar destaque à lógica material da relação, segundo

ela, fundamental para o pacto político, a autora também chamou a atenção para a sua

dimensão simbólica, responsável, esta sim, pela solidificação do pacto político trabalhista. Por

não concordar com as interpretações que viam na relação entre Estado e sociedade do período

apenas o seu aspecto manipulador e de cooptação, estruturado apenas pela lógica material e

7 A autora demonstra também que, ao redefinir tais conceitos, o que se estava formulando era uma nova interpretação de nossa própria história nacional. O exemplo máximo desta bem-sucedida elaboração é a referencia da Revolução de 1930 como marco histórico de um regime político novo, distante da República Velha. 8 Angela de Castro Gomes, assim como Pierre Rosanvallon, reforça a perspectiva da história política que avalia o político como um espaço de negociação, de auto-representação das relações sociais de um determinado período. Para ambos, a política deve ser entendida em seu sentido mais amplo – a cultura política –, e compreendida como historicamente construída, como produto de uma dada época histórica; de seus valores culturais e políticos. GOMES, Angela de Castro Gomes. “Política: história, ciência, cultura etc”. Estudos Históricos, n. 17. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1996.

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pela repressão do Estado, a autora acaba por rejeitar o conceito de populismo, adotando, em

seu lugar, mas com outras bases, o de trabalhismo.

Angela de Castro Gomes reiterou sua interpretação mais recentemente no livro de

Jorge Ferreira, O populismo e sua história. No artigo que escreveu para a coletânea, “O

populismo e as ciências sociais no Brasil”, a autora se posiciona mais nitidamente ao

reafirmar que, ao escrever A invenção do Trabalhismo, na década de 1980, sua intenção foi de

rejeitar não apenas a palavra “populismo”, mas o seu conteúdo básico, qual seja; uma classe

trabalhadora e passiva e sem consciência, sendo manipulada por políticos inescrupulosos.

Assim, a autora refuta o conceito como explicação para as relações entre massa trabalhadora e

Estado.

[...] o que eu pretendia demarcar era justamente que não aceitava esta concepção, nem de classe trabalhadora, nem de pacto político. O uso da “palavra” populismo, assim, me pareceu algo extremamente danoso para enunciar o que eu desejava defender, e a “palavra” trabalhismo, cuja invenção eu acompanhava em minha análise histórica, surgia como muito mais adequada para a proposta da então tese.9

E explica melhor o que entende por trabalhismo também, quando afirma que este

seria

[...] como uma categoria, passando a se referir a um certo conjunto de idéias e práticas políticas, partidárias e sindicais, o que poderia ser identificado para ara além de seu contexto de origem histórica: o Estado Novo. Como todas as “palavras”, trabalhismo não estava desprovida de significados sociais, estando ligada a alguns partidos e lideranças, especialmente e não casualmente, do pós-45.10

Portanto, na interpretação da autora, o trabalhismo seria uma ideologia política

construída em um período específico, por iniciativa dos homens do governo, e que, de uma

forma ou de outra, representava as aspirações e desejos da classe trabalhadora. Esta ideologia

política, segundo ela, faria parte de uma cultura política que não se restringiu somente ao

período do Estado Novo, mas a toda uma época.

É com o auxílio da metodologia adotada por Pierre Rosanvallon, em seu “Por uma

história conceitual do político”, que o trabalhismo de Angela Gomes pode ser mais bem

anunciado. Neste artigo, o autor faz críticas à história das idéias em sua concepção clássica, e

defende a formação progressiva de uma história conceitual do político. Com essa abordagem,

9 Populismo e sua história, p. 55. 10 Idem.

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o político seria tratado não como “uma instância ou um domínio da realidade”, mas como um

lugar em que “se articulam o social e sua representação, onde a experiência coletiva se enraíza

e se reflete ao mesmo tempo”.11 Ou seja, nessa perspectiva, as representações seriam

entendidas não como algo externo aos atores políticos, mas como um trabalho permanente de

reflexão da sociedade sobre ela mesma.

O político, para ele, deve ser visto como o espaço da articulação do social e de sua

representação, por isso a preocupação de se incorporar como objeto de estudo os elementos

que formam o que se poderia chamar de cultura política. O historiador, para Rosanvallon,

deve analisar o objeto de estudo não como algo externo ao seu tempo, mas, ao contrário,

como produto dele. Ou seja, acreditamos que é com essa perspectiva que o trabalhismo foi

considerado pela autora; como expressão de uma época, por isso legítima.

Com o mesmo esforço de Angela de Castro Gomes, qual seja, o de repudiar o conceito

de populismo, Jorge Ferreira escreve boa parte de sua obra. No entanto, se a intenção dos dois

estudiosos é a mesma, a abordagem e o foco de análise de cada um são bastantes distintos um

do outro. Enquanto Angela de Castro Gomes analisa a relação entre o Estado e a sociedade a

partir do foco do Estado – a partir de fontes oficiais e estatais, como programas de rádio,

discursos ministeriais e revistas –, Jorge Ferreira dá mais atenção à esfera da sociedade – suas

fontes são, essencialmente, cartas de populares e jornais da época. O autor preocupa-se mais

com a recepção e participação popular no pacto, por isso em A invenção do trabalhismo o

conceito norteador da obra é a noção de cultura política, enquanto nos trabalhos de Jorge

Ferreira o que se sobressai e a noção de cultura política popular.12 Mudança de perspectiva

muito importante e pouco comentada.

Apesar de fazer menção ao caráter autoritário do governo varguista, o autor se dedica

mais a demonstrar o grau de reelaboração exercido pelas classes populares e a sua relativa

autonomia frente ao discurso varguista.13 Boa parte de sua produção é destinada a comprovar

o caráter de apoio popular ao regime vargista; é com essa perspectiva que o autor analisa o

11 ROSANVALLON, Pierre. “Por uma história conceitual do político”. Revista Brasileira de História, n. 30. São Paulo, 1995, p. 12. 12 Este assunto está na introdução de seu livro, Getulismo, PTB, e cultura política popular1945-1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. O autor fala em recuperar, ainda que parcialmente, as vivências e experiências políticas dos trabalhadores, populares e eleitores do PTB; em compreender as atitudes, as motivações e a maneira como os quadros do PTB, entre 1945-1964, deram significados e interpretaram a realidade social em que viveram. Sabendo da dificuldade de recuperar a atuação política desses populares, já que faltam registros concretos, o autor se utiliza do conceito de cultura, entendendo-o como conjunto de atitudes, representações sociais e códigos de comportamento que forma as crenças, idéias e valores reconhecidos por um certo grupo social. Ao analisar as manifestações políticas das camadas populares adeptas do trabalhismo com o conceito de cultura, o autor acredita estar reconstruindo um aparato simbólico que, de alguma maneira, teve existência real para os trabalhadores; é como se a cultura, sob este ponto de vista, organizasse a realidade na consciência social dessas pessoas. O que se sobressai, portanto, é a preocupação do autor em entender de que maneira o trabalhismo foi interpretado e percebido por essas camadas populares, p 14. 13 O autor faz isso em seu livro Trabalhadores do Brasil.

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queremismo – segundo ele, um movimento popular tão importante quanto a Aliança Nacional

Libertadora e a campanha pelas “diretas já”. A mesma abordagem se faz presente em sua

análise do período ministerial de João Goulart. O título do capítulo a ele dedicado já o

expressa bem: “O ministro que conversava: João Goulart no ministério”,14 demonstrando o

caráter dialógico do trabalhismo, sobretudo a partir desta fase.

Sobre o conceito de populismo em si, a produção mais importante é o artigo “O nome

e a coisa: o populismo na política brasileira”, no livro, já citado aqui, O populismo e sua

história. Nele, Jorge Ferreira faz uma retrospectiva histórica do conceito de populismo no

Brasil, dividindo a sua elaboração em três gerações; a primeira, dos anos 1950-1960, que pode

ser simbolizada pelo grupo de Itatiaia, marcadamente influenciada pela teoria da

modernização; a segunda, dos anos 1970/80, bastante tocada por um certo tipo de marxismo e

pelo conceito de hegemonia gramsciano, – segundo ele, esta seria a mais radical de todas as

gerações, exaltando ao máximo o binômio repressão-propaganda do Estado Novo; e a terceira

e última, a qual o autor se filia, seria a dos anos 1980/1990, já de crítica e relativização do

conceito.

Ao contrário de Angela de Castro Gomes, Jorge Ferreira é bem mais explícito em seu

repúdio ao populismo como conceito explicativo. Quando o autor afirma não compreender a

expressão (populismo) “como um fenômeno que tenha regido as relações entre Estado e

sociedade durante o período de 1930 a 1964 ou como uma característica peculiar da política

brasileira naquela temporalidade”, deixa isso bem claro. E o evidencia ainda mais quando

afirma, poucas frases depois, que “o populismo foi uma categoria que, ao longo do tempo, foi

imaginada, e, portanto construída, para explicar essa mesma política”.15 Ou seja, populismo,

para ele, seria uma categoria forjada, com um objetivo pré-determinado e um conteúdo de

pouca eficiência teórica.

O autor não nega nem subestima o caráter repressivo e policial do governo varguista,

mas acredita que as interpretações tendem a supervalorizá-lo de tal modo a retirar qualquer

autonomia de consciência e de ação aos trabalhadores. Assim, Jorge Ferreira não concorda,

por exemplo, que o “mito” Vargas tenha sido resultado somente de uma campanha bem-

sucedida de propaganda política e ideológica, mas sim conseqüência de alguns benefícios

reais que esses trabalhadores conquistaram ao longo de seu regime. Ele argumenta não haver

propaganda política e ideológica, por mais elaborada que seja, capaz de sustentar, durantes

tantos anos, a mesma autoridade política no poder. Assim, para ele, “o mito Vargas

14 FERREIRA, Jorge. O imaginário trabalhista ..., op.cit. 15 FERREIRA, Jorge. O populismo e sua história, op.cit., p. 64.

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17

expressava um conjunto de experiências que, longe de se basear em promessas irrealizáveis,

fundamentadas tão somente em imagens e discursos vazios, alterou a vida dos

trabalhadores”.16

O autor rechaça ainda as opiniões que, inspiradas em Focault ou nos pensadores da

Escola de Frankfurt, como Habermas, explicam a legitimidade do regime varguista tão

somente pelas políticas de controle social operadas por aquele governo. Segundo estas

interpretações, o Estado teria controlado e esmiuçado todos os aspectos da vida do

trabalhador, seu lazer, seus hábitos, a tal ponto que teria retirado qualquer indício de

autonomia desses homens. De acordo com Jorge Ferreira, esta seria uma interpretação

totalizadora e vitimizadora da sociedade, uma vez que retiraria dela qualquer voz ativa, seja

de participação ou apoio ao regime.

Ferreira ressalta ainda as contribuições da História Cultural para o tema, sobretudo de

autores com Guinzburg, Chartier e Peter Burke. O autor utiliza-se bastante das diretrizes

teóricas de cada um deles em sua produção. Os três, cada um a seu modo, deram

contribuições importantes para a relativização da formulação, antes amplamente aceita, de que

as classes dominantes teriam o monopólio exclusivo da produção das idéias. A partir da

década de 1980, por influência desse trio, – não só deles, mas principalmente – passou-se a

adotar a idéia de que as idéias circulam, que os trabalhadores não são somente receptivos, mas

produtores eles mesmos de sua própria cultura. E que, longe de receberem passivamente as

idéias, eles as reinterpretariam com base em sua própria cultura, transformando o discurso

original em um outro que é imprevisível. É o que Jorge Ferreira tentou demonstrar em seu

outro livro, Trabalhadores do Brasil17. Por meio de cartas escritas por “pessoas comuns”, o

autor argumenta que o discurso varguista foi utilizado segundo os interesses dessas pessoas e

que, muitas vezes, eles extrapolavam os limites pré-estabelecidos pelo próprio governo,

transformando-se em algo inesperado. Para o autor, portanto, “os mecanismos de ‘controle

operário’ foram implementados, mas sua atuação e eficácia eram limitados pela própria

cultura da classe trabalhadora”.18

Sobre a relação entre o Estado e a sociedade, em particular as massas trabalhadoras, o

autor é bem enfático; ele concorda com a opinião de Angela de Castro Gomes sobre a maior

intervenção estatal a partir do ano de 1942, por conta da necessidade de abertura do regime e

da manutenção do projeto varguista, e que tal investimento teria sido fundamental para

16 Idem, p. 88. 17 FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil: o imaginário popular. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 1997. 18 O populismo e sua história, op.cit., p. 90.

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18

configurar a identidade da classe trabalhadora brasileira19. Ainda defende que a relação entre

os trabalhadores e o Estado do período não pode ser considerada como de mão única, assim

como o fez Angela de Castro Gomes, porém a ênfase com que o autor argumenta aparece com

maior dosagem de certeza. Jorge Ferreira acredita que havia, entre as duas partes, Estado e

classe trabalhadora, interesses comuns. Além disso, no trabalhismo, ainda segundo ele,

haveria idéias, crenças e valores que já vinham sendo formuladas e reivindicadas desde antes

de 1930, e que, por esta razão, ele teria expressado “uma consciência de classe, legítima

porque histórica”.20

Ou seja, para o autor, o projeto trabalhista, para ser aceito e compreendido, precisava

ter bases e sustentação no patrimônio simbólico e na cultura popular, caso contrário não se

manteria, nem serviria como orientação ideológica para um dos mais bem-sucedidos partidos

de nossa história, o PTB – basta lembrar que ele foi o partido que mais cresceu no período

1945-1964. Considerar o trabalhismo como uma ideologia imposta por parte do Estado, para

Ferreira, é ter uma opinião elitista, já que isto seria uma maneira de se analisar a relação

Estado-sociedade a partir de cima, dando ao aparato estatal, ou mesmo às classes dominantes,

um poder demasiadamente grande.

Jorge Ferreira ainda faz a genealogia da palavra populismo, afirmando que,

inicialmente sinônimo de “popular”, este era um adjetivo até positivo, uma qualidade. Depois,

lentamente foi sendo adotada pela direita como meio de desqualificar o apoio popular a

Vargas e a política trabalhista, sendo logo consagrado pela academia e por jornalistas neste

mau sentido.

O autor ainda destaca que, para ele, a palavra populismo acabou por ser utilizada como

um indício de estranhamento, revelando que, quando utilizada para se referir a alguém ou a

alguma tendência política, o que se está por trás dela é a referência e a identificação do Outro.

De acordo com ele, o populismo é uma maneira de nos relacionarmos com alguém ou algo

que nos incomoda, de maneira a desqualificá-lo; populista, para ele, é o desafeto, o

adversário. Portanto, para o autor, a palavra “populismo” nasceu situada politicamente, sendo

formulada pela direita como meio de tentar explicar, de maneira pejorativa, o que não

entendia.

19 Esta é uma referência à Invenção do trabalhismo. Segundo ela, a partir desta data teria havido um maior empenho por parte do governo, sobretudo pelo ministro do trabalho, Marcondes Filho, pela sindicalização dos trabalhadores. O modelo de sindicato defendido era o corporativo. 20 O populismo e sua história, op. cit., p. 103.

Page 20: Laura vianna vasconcelos   alberto pasqualini e o trabalhismo no brasil

19

Um outro trabalho igualmente interessante, porém com bem menor divulgação, foi o

Trabalhismo e populismo no Rio Grande do Sul, de Miguel Bodea.21 Nele, o autor rebate um

dos pilares de sustentação da teoria do populismo; a idéia de que os líderes “populistas”, em

especial Getúlio Vargas, teriam ascendido politicamente acima de suas agremiações

partidárias. Ou seja, que Getúlio Vargas, assim como Leonel Brizola e João Goulart, nutriria

um verdadeiro desprezo por esse tipo de representação, utilizando-as somente como

trampolim político.

O autor demonstra, por meio de um estudo minucioso da formação do PTB no Rio

Grande do Sul, que tal idéia não procede; Getúlio Vargas e os demais “populistas” teriam,

segundo ele, firmando suas lideranças em uma estrutura política regional e somente depois se

projetaram como figuras nacionais. Ou seja, segundo ele, suas trajetórias políticas teriam

começado de baixo, na disputa de pleitos e debates, para depois somente se destacarem como

líderes políticos nacionalmente reconhecidos. Com isso, Bodea também repudia a idéia

consagrada de que a legitimidade desses “populistas” estaria fundamentada somente em seu

carisma. Para ele, mesmo que carismáticos, esses políticos só se consagraram como líderes

das massas, como representantes populares, depois de uma carreira política já encaminhada.

Ou seja, segundo o autor, o carisma foi uma conseqüência da vida partidária e do sucesso

político de cada um e não o contrário; o sucesso político como resultado de seu carisma

pessoal.

Fazendo a crítica da crítica, sem, contudo, fazer uma apologia dos alicerces da teoria

populista, está Marcelo Badaró. O autor é questionador desses dois pólos de interpretação, dos

adeptos do conceito de populista e dos que militam pelo trabalhismo, embora considere com

estima o esforço revisionista de Angela de Castro Gomes e Jorge Ferreira.

Assim como Ferreira e Angela de Castro Gomes, Badaró revisita antigas certezas,

tentando desconstruí-las. O autor destaca que, ao contrário do que os teóricos do populismo

pensavam, as greves e sindicatos do “período populista” possuíam, sim, certa autonomia em

suas ações, apesar da forte presença estatal. Segundo Marcelo Badaró Mattos, havia sindicatos

que conseguiam escapar das determinações e limites impostos pelo sindicalismo oficial, –

seriam exemplares os casos das representações sindicais nas empresas e aqueles estruturados

de acordo com o local de trabalho. Do mesmo modo, as greves, antes tidas como tuteladas

21 BODEA, Miguel. Trabalhismo e populismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1992. Este livro é um dos mais importantes na minha pesquisa, sobre o trabalhismo de Alberto Pasqualini. Nele, o autor analisa com detalhes o trabalhismo gaúcho, esmiuçando jornais de Porto Alegre, e fazendo entrevistas com personalidades importantes do PTB do Rio Grande do Sul.

Page 21: Laura vianna vasconcelos   alberto pasqualini e o trabalhismo no brasil

20

pelo estado e por uma liderança sem pouca relação com as bases, devem ser consideradas

como importantes manifestações dos trabalhadores do período. Da análise que fez do

sindicalismo carioca, o autor identifica muitos casos de greves participativas e combativas,

organizadas a partir do local de trabalho e com integração entre demandas políticas gerais,

mas também com reivindicações econômicas particulares.

Apesar de fazer revisões e questionar as bases da interpretação do “sindicalismo

populista”, Badaró não deixa de elaborar críticas aos dois principais autores questionadores do

conceito de populismo. Suas críticas dirigem-se mais a Jorge Ferreira, mas não isentam,

contudo, sua antiga orientadora, Angela de Castro Gomes.

Em relação a Angela, as críticas não se direcionam tanto à Invenção do trabalhismo,

mas às mudanças sofridas na argumentação da autora. Segundo Badaró, no artigo que Angela

de Castro Gomes fez sobre a análise histórica do populismo, intitulado “O populismo e as

ciências sociais no Brasil”,22 existe uma radicalização perigosa nas suas colocações. Para o

autor, se antes, em A invenção do trabalhismo, as críticas ao conceito de populismo eram

veladas e indiretas, – de fato, a autora não formula abertamente essa crítica em momento

algum23 –, depois, no seu artigo, Angela Gomes pecaria pelo exagero ao substituir a idéia de

“pacto trabalhista” por “trabalhismo”. Esta substituição de populismo por trabalhismo, e não

mais por pacto trabalhista, expressaria, na verdade, ainda segundo Badaró, a troca de um

reducionismo por outro; “sai a classe trabalhadora inconsciente e manipulada pelo Estado

representado nas lideranças carismáticas, para entrarem em cena trabalhadores conscientes e

satisfeitos com a política trabalhista empreendida por políticos efetivamente populares e de

esquerda”.24

O mesmo se aplicaria a Jorge Ferreira. Para Badaró, o autor vai adiante nesse

reducionismo e isso se expressaria pela omissão da idéia de pacto entre atores desiguais,

argumento presente e central em A invenção do trabalhismo. Na opinião de Marcelo Badaró,

Jorge Ferreira não só ignora a noção de pacto, como considera esta uma relação “em que as

partes, Estado e classe trabalhadora, identificaram interesses comuns” (trecho citado pelo

próprio Badaró),25 transmitindo, em sua opinião, a idéia de relação entre iguais.

O autor ainda cometeria um outro excesso, segundo Marcelo Badaró; a tomada do

trabalhismo não mais como pacto político ou como categoria explicativa crítica à noção de

22 FERREIRA, Jorge. O populismo e sua história, op cit. 23 Ela defende a necessidade de se rever alguns pilares da teoria populista, e ela o faz, mas não deixa bem clara a substituição de um conceito pelo outro. Talvez a substituição dos conceitos fique só evidente mesmo na escolha do título do livro. 24 MATTOS, Marcelo Badaró. Greves e repressão ao sindicalismo carioca 1945-1964. Rio de Janeiro: Aperj/Faperj, 2003. 25 FERREIRA, Jorge. O populismo e sua história, op. cit., p. 103.

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21

populismo, mas como “expressão histórica da consciência operária”.26 Por conta dessas

afirmações, tidas como exageradas por Marcelo Badaró, o autor acusa Jorge Ferreira de ser

um apologético do PTB. Se a palavra “populismo” teria origem política bem definida, na

UDN, como sustenta Ferreira,27 a sua crítica também o teria, de acordo com Badaró, só que

no pólo oposto, no trabalhismo.

Marcelo Badaró ainda aponta fragilidades teóricas e empíricas nessa “visão positivada

do trabalhismo”.28 Para ele, quando Jorge Ferreira compara o trabalhismo ao Estado do bem-

estar social europeu, e, quando, Daniel Aarão Reis29 considera ser a legislação social uma

cornucópia, eles o fazem sem considerar o fato de que a aplicabilidade dessas leis era bem

distinta do que estava escrito no papel. Assim, numa citação que faz a John French, Badaró

destaca o desrespeito das empresas à legislação, a parcialidade da Justiça do Trabalho e os

obstáculos criados pelo governo para a sindicalização; todos seriam exemplos, segundo o

autor, da discrepância entre o ideal expresso na lei e a realidade de sua efetivação.30 Cita

ainda as conclusões de French, embora as considerando um tanto quanto exageradas. Para este

autor, a CLT não seria uma conquista efetivada pela classe trabalhadora, mas sim um

referencial para lutar por direitos sonegados; “meus argumentos é que a legislação trabalhista

nunca foi realmente concebida para ser real, e, no entanto, havia uma classe trabalhadora que

estava apta a se apropriar dessa legislação social”.31 Marcelo Badaró admite haver certo

exagero nisso tudo.

O autor até admite haver semelhanças entre o Estado de bem-estar social europeu e a

nossa experiência trabalhista, afinal, ambos seriam exemplos de regimes conciliadores de

classes, baseados em espaços corporativistas de mediação de interesses entre capital e

trabalho, no qual o Estado atuaria com forte presença. No entanto, segundo o autor, o paralelo

se encerraria aí. Haveria, segundo ele, uma diferença de origem histórica entre a social-

democracia européia e o nosso trabalhismo; enquanto a primeira se originaria de um

corporativismo societal – onde os espaços de mediação são conquistados pela organização dos

atores, o que garantiria a este modelo um caráter bifronte, com o controle estatal sobre as

organizações de classe, mas, ao mesmo tempo, com espaços decisórios no Estado para a

26 A citação escolhida por Badaró é uma já citada aqui: “Compreendido como um conjunto de experiências políticas, econômicas, sociais, ideológicas e culturais, o trabalhismo expressou uma consciência de classe, legítima porque histórica”. FERREIRA, Jorge. O populismo e sua história, op. cit., p. 103. 27 FERREIRA, Jorge. O populismo e sua história, op cit. 28 MATTOS, Marcelo Badaró. Greves e repressão policial ao sindicalismo carioca, op. cit., p. 29. 29 Ambas as colocações se encontram em O populismo e sua história, op. cit. 30 Estas colocações são de Jonh French, autor citado por Badaró. Marcelo Mattos Badaró ainda 31 FRENCH, Jonh D. Afogados em leis. A CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros. São Paulo: Perseu Abramo, 2001. Em nota de rodapé, Badaró admite que a caracterização feita por French da legislação trabalhista como apenas uma jogada cínica é um bocado radical. Está na nota 45, do primeiro capítulo de seu Greves e repressão..., op. cit.

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22

participação das organizações. Ao contrário, na experiência trabalhista brasileira, o Estado

seria o garantidor desses espaços por meio de sindicatos tutelados e através do poder

normativo da Justiça de Trabalho. Na opinião de Badaró, isso caracterizaria o regime como

corporativista estatal, já que, nele, a atuação do Estado teria muito mais peso. Além disso, o

autor ainda destaca que a dimensão participativa no trabalhismo fora muito mais aberta aos

órgãos de classe do empresariado do que aos da classe trabalhadora de fato.

Se haveria erros conceituais na comparação do trabalhismo com a social-democracia

européia, o autor acredita haver erros também teóricos nas leituras de Angela de Castro

Gomes e Jorge Ferreira. Aqui, mais uma vez, as críticas mais enfáticas de Marcelo Badaró são

dirigidas a Ferreira. Para ele, Jorge Ferreira e também Angela de Castro Gomes, embora em

menor medida, apresentam uma leitura simplista e até preconceituosa, ao que parece, da obra

de Gramsci. Na opinião de Badaró, os autores reduzem e associam as leituras simpatizantes

da linha teórica gramsciniana com o arsenal argumentativo das teorias que defendem o

conceito de populismo. Mais do que isso, e aí quem o faz de maneira mais evidente, na

interpretação do autor, seria Ferreira, haveria uma tendência de polarizar, por parte de ambos

os revisionistas, as diretrizes teóricas de Gramsci a Thompson, como se houvesse entre os

dois argumentos diametralmente opostos. Para Badaró, tal leitura seria errônea, já que mesmo

Thompson, em sua análise sobre a classe operária inglesa, utiliza-se de conceitos

gramscinianos para entender o mesmo problema abordado pelo intelectual italiano; a

dominação de classe – e elas a explicam sem apelar para reducionismos economicistas, mas

adotando também mecanismos culturais como fonte de argumentação.

Por fim, por analisar o trabalhismo como relação entre atores, o Estado e a classe

trabalhadora, Badaró acredita que essas leituras perdem de vista o que, de alguma forma,

estava presente nas interpretações adeptas do conceito de populismo; a contradição entre a

proposta de incorporação controlada das massas à política e a existência de espaços de

mobilização autônoma. Para Marcelo Badaró, os estudos de Ferreira e Angela de Castro

Gomes tenderiam a enfatizar a isonomia nas relações entre Estado e trabalhadores, portanto.

O autor confessa, também, que o intuito de sua pesquisa sobre as greves é, ao mesmo

tempo, o de demonstrar a existência efetiva de espaços e de reivindicações da classe

trabalhadora no período entre 1945 e 1964, contestando um dos pilares da teoria do

sindicalismo populista, mas, sem, no entanto, apagar as contradições entre o Estado e a classe

trabalhadora, como o fazem Angela de Castro Gomes e Jorge Ferreira. Para Badaró, a própria

existência de greves combativas durante esse período é demonstrativa de uma relação não tão

harmônica assim entre esses dois atores.

Page 24: Laura vianna vasconcelos   alberto pasqualini e o trabalhismo no brasil

23

Mais um indício da relação complexa entre a classe trabalhadora e o Estado do

período, seria, além das greves, a existência do “setor trabalhista”. Este era um ramo da

polícia política especializado na vigilância e repressão aos sindicatos e movimentos grevistas,

dissolvendo piquetes e prendendo trabalhadores. Este uso da palavra trabalhismo, segundo

Badaró, seria curiosamente ignorado pelos adeptos da teoria da isonomia.

Em nossa opinião, as críticas que Marcelo Badaró faz a Angela de Castro Gomes e a

Jorge Ferreira são relevantes, embora algumas delas tenham que ser relativizadas. De fato,

observam-se, nos escritos desses dois autores revisionistas, uma definição problemática de

Estado e uma certa fluidez no que se define como trabalhismo. Além disso, alguns conceitos

parecem confusos e às vezes misturados, sobretudo em A invenção do trabalhismo; caso dos

conceitos de ideologia e cultura política.

No entanto, há que se ressaltar e enobrecer as investidas que os dois estudiosos

desenvolveram na tentativa de relativizar noções antes consagradas, como: manipulação,

cooptação, massa de manobra, etc. Esta não é tarefa fácil de desempenhar já que, na tentativa

de desconstruir uma interpretação consagrada e um conceito tão enraizado na academia e no

linguajar cotidiano, como o de populismo, os dois arriscaram-se a cometer o risco contrário;

elaborar um conceito com a mesma amplitude teórica, mas de maneira desconstrutiva. Assim,

o trabalhismo de Angela de Castro Gomes e de Jorge Ferreira tenta dar conta daquilo que a

noção de populismo abarcava, mas sempre com um esforço de negação. Deste esforço surgiria

então este trabalhismo inventado, espécie de conceito historiográfico que tenta explicar as

relações entre Estado e sociedade no período 1945-1964, embora ele mesmo tenha sido

inventado no ano de 1942, segundo Angela de Castro Gomes.

Não se quer dizer com isso, num reducionismo preguiçoso, que este conceito de

trabalhismo deva ser ignorado, ou desvalorizado. As formulações desenvolvidas por ambos os

autores trouxeram contribuições valiosíssimas para o estudo do período; a percepção de que

havia sim algum nível de reciprocidade entre os anseios dos trabalhadores e o esforço

propagandístico e ideológico desenvolvido pelo governo; a identificação e representação deste

mesmo governo na classe trabalhadora não devem ser menosprezadas e a noção de troca entre

atores desiguais, muito importante nos trabalhos de Angela de Castro Gomes, substituindo a

idéia unilateral de cooptação e manipulação.

No entanto, na tentativa de se criticar e revisar as bases da teoria do populismo,

elaborou-se um conceito tão amplo quanto aquele; o de trabalhismo. E, no afã de substituir a

noção de populismo, nossos autores deram pouca atenção à dimensão doutrinária do

trabalhismo, à sua definição conceitual. Trabalhismo aparece como ideologia política, como

Page 25: Laura vianna vasconcelos   alberto pasqualini e o trabalhismo no brasil

24

cultura política, como projeto político, mas raramente se vê o trabalhismo como doutrina.

Evidentemente, pela forma como o PTB foi fundado, pela ação direta de Vargas e como um

mecanismo de reforço do getulismo32 – entendido como opinião política e pública favorável a

Vargas –, tornou-se difícil observar com maior zelo esta dimensão teórica-doutrinária do

trabalhismo, que ficou desvalorizada.

Porém, este trabalho pretende cobrir esta lacuna, e, como ambição ainda maior,

pretende verificar de que maneira o maior teórico do trabalhismo o definiu; consideramos que

só assim, este poderá ser entendido da maneira como os seus formuladores o quiseram

delimitar. Já se discutiu sobre o caráter autoritário do trabalhismo, sobre o seu teor de

manipulação, fato que o debate populismo versus trabalhismo vem dando conta há algumas

décadas; já se argumentou ainda, numa perspectiva que privilegia a ação do Estado, que este

trabalhismo teria sido inventado, fruto da ação consciente e organizada dos homens de base

do governo Vargas; há ainda os que se dedicam a analisá-lo pela ótica das camadas populares,

a sua receptividade a essa “construção”, a sua participação na “montagem” desse trabalhismo.

Alguns o analisam através da história do partido, dividindo-o em fases, de getulismo a

trabalhismo. No entanto, os estudos especialmente voltados à doutrina trabalhista são

pouquíssimos.

Um dos objetivos desta pesquisa é verificar de que maneira o pensamento de

Pasqualini, apesar de todo o seu processo de mudança e de incorporação lenta de Getúlio

como símbolo-líder do trabalhismo, pode ser uma outra forma de definir o próprio

trabalhismo, desta vez não como uma ideologia política, mas como uma doutrina.

O maior cuidado será não reproduzir a oposição entre o trabalhismo doutrinário e o

trabalhismo getulista.

32 Esta interpretação é consagrada por Angela de Castro Gomes, Jorge Ferreira e Maria Celina D`Araújo. Os três falam do PTB como um partido carismático. Haverá maior dedicação a este assunto mais à frente, no item especialmente voltado para a relação de Pasqualini com o getulismo. As referências bibliográficas estarão neste item.

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52

2 O PENSADOR E O HOMEM POLÍTICO: PRINCIPAIS IDÉIAS E ATUAÇÃO

PARLAMENTAR

Por ser bastante fragmentada e não linear, já que boa parte de sua obra foi publicada

em artigos de jornais e depois reorganizada em livro, as formulações de Pasqualini são

difíceis de sintetizar. Assim, fez-se, neste capítulo, um pequeno roteiro de suas principais

idéias. A intenção é destacar os pontos centrais do que seria sua visão particular do

trabalhismo por meio de um glossário, sem, no entanto, qualquer pretensão de esgotar a

complexidade de seu pensamento. Na segunda parte do capítulo, há uma rápida narrativa de suas principais realizações

como parlamentar e também sobre as grandes questões que debateu. Se, no primeiro capítulo,

nos interessaram a biografia e a entrada no PTB, aqui é a atuação como político que merece

atenção.

Nunca é demais ressaltar que Pasqualini sempre foi muito mais lembrado como

teórico e pensador do que como político. A dificuldade de encontrar fontes que detalhem sua

atuação como parlamentar é mesmo evidente; até nos jornais de época, Alberto Pasqualini era

exaltado como intelectual e como pensador. Essa imagem sua não foi construída depois de sua

morte, mas foi algo que o acompanhou desde muito cedo. Seus adversários políticos nunca

cansaram de dizê-lo; no interior do partido era esta também sua identidade. As manifestações

em época de sua morte também relembraram este perfil intelectual de Pasqualini. No entanto,

o presente capítulo tentará dar conta, em alguma medida, do homem político Alberto

Pasqualini – tão preterido.

A divisão entre pensamento e política em momento algum significa qualquer

dualidade estanque entre estas duas feições de nosso teórico. O propósito é justamente

mesclar tudo isso nesta destacada personalidade do trabalhismo que foi Alberto Pasqualini.

Às principais idéias, primeiro.

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53

2.1 Socialismo, capitalismo e trabalhismo

Indagaram-se, algumas vezes, a direita política e católicos fervorosos, se não seria o

nosso teórico gaúcho um comunista. Num mundo repartido entre capitalismo e socialismo, era

mesmo normal que se esperasse tal tipo de definição. Perguntavam-lhe se era e acusaram-no

também muitas vezes de ser ateu, fato que sua formação religiosa e as constantes referências a

Deus e às encíclicas papais negam com facilidade. Porém, a primeira questão, sem dúvida,

tomou-lhe mais tempo; não foram poucas as páginas em que tentava situar seu pensamento

entre esses dois pólos político-ideológicos.

O primeiro esclarecimento:

Não poderíamos dizer pura e simplesmente que pertencemos a um desses dois mundos; que

somos capitalistas ou socialistas, pela simples razão de que diversificam as concepções a

respeito, existindo uma pluralidade de formas de capitalismo e de socialismo.93

Pasqualini diferia o capitalismo do socialismo pela característica da propriedade, pela

iniciativa particular de empreendimento de um, e pela estatal de outra, e também pelas

relações sociais; estas talvez denunciem mais sua própria concepção de Estado e o motivo de

sua opção pelo trabalhismo como modelo de política para o Brasil.

Explicava ele que: “No regime capitalista há, pois, três figuras: o patrão ou o

capitalista, o trabalhador ou o empregado e o Estado. No regime comunista, pelo menos tal

como hoje existe, há só duas figuras: o Estado e o trabalhador.”

E prosseguia, afirmando:

No regime capitalista, quem regula as relações jurídicas entre patrões e empregados, quem fixa as normas de trabalho, quem resolve as questões que surgem entre as duas partes, é o Estado. No regime comunista, o árbitro dessas questões é o próprio patrão, isto é, a autoridade, donde há o perigo de perder o trabalhador e sua liberdade.94

Por essa passagem, pode-se notar que Pasqualini distinguia entre Estado e autoridade,

acabando por conceber o Estado como uma esfera de representação plena para os

93 Trecho do discurso de Pasqualini como candidato ao governo do Estado, em 1947. Este pronunciamento depois fez parte do livro Bases e sugestões para uma política social, compondo o segundo capítulo. SIMON, op cit., p. 128. 94 Idem, p.128.

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54

trabalhadores (o interessante é que o contraste é feito entre Estado versus autoridade, não

havendo qualquer referência a órgãos representativos de classe, como sindicatos e partidos).

O modelo real de socialismo, em sua visão, seria um exemplo de autoridade, já que

usaria de métodos coercitivos e violentos para garantir a justiça social. Ainda segundo ele,

“no regime socialista” existiriam duas classes: “uma, dos que mandam e estão de cima, e a

outra dos que obedecem e estão debaixo”.95

O mundo socialista poderia, pois, do ponto de vista jurídico da propriedade, eliminar as classes, mas não poderia eliminar a hierarquia e a polícia. O proletário continuará sendo sempre proletário, ao passo que o patrão será apenas substituído pelo burocrata ou pelo agente da autoridade pública.96

Pasqualini temia o regime comunista no Brasil porque acreditava que, por ser um país

com baixo nível de desenvolvimento econômico, a socialização dos meios de produção

pareceria um entrave para o nosso crescimento econômico e até uma irresponsabilidade para o

país:

Se, no Brasil, coletivizássemos os meios de produção, se passassem eles às mãos do Estado, acabaríamos todos morrendo à míngua. Como dizem os próprios comunistas, no Brasil não há condições objetivas ou materiais, nem condições subjetivas ou psicológicas, para a instituição entre nós do regime socialismo. Precisamente por sermos um país ainda em fase de pré-capitalização, precisamos de iniciativa privada, e de muita iniciativa privada. Estejam, pois, tranqüilos os nossos capitalistas, que terão ainda, entre nós, vida muito longa se souberem realmente compreender a verdadeira função do capital, isto é, se souberem fazer o uso devido dos meios de produção.97

Se o temor pelo comunismo marcava as formulações de nosso teórico, as críticas ao

capitalismo liberal também não eram amenas. Como vimos, desde suas primeiras publicações,

tanto nas “Sugestões” como no “Manifesto-programa da USB”, elas já estavam presentes.

Mas, agora, em seu discurso em Caxias, durante a campanha para o governo do Estado,

Pasqualini explicava melhor o que queria dizer:

Capitalismo egoísta é o que tem como elemento psicológico o egoísmo. É o que pretende tudo pra si, isto é, para os detentores dos meios de produção. Os métodos do individualismo, como já tive ocasião de observar, são os de luta, luta pela dominação, luta pelo sujeitamento do indivíduo a outro indivíduo, luta pelo ganho sem limites, sem consideração, sem escrúpulos.98

95 Idem ibidem. 96 Idem ibidem. 97 Idem, p.129. 98 Idem, p. 129.

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55

Previa que este capitalismo egoísta, também denominado por ele individualista,

tenderia, nas suas últimas conseqüências, ao “monopólio”, à ”hegemonia econômica”; à

“exploração do povo”.99

Em contraposição ao capitalismo individualista, Pasqualini situava o que ele

acreditava ser a melhor opção para o nosso país; o “capitalismo humanizado”, “cristão” e

“solidarista”.100 Segundo ele, este tipo capitalismo não deitava suas raízes no egoísmo, mas

antes se “inspirava nos princípios da cooperação e da solidariedade social”.101 Defendia que

este “capitalismo humanizado” teria como princípio básico a satisfação humana, e que, por

essa razão, deveria haver uma relação de solidariedade entre os detentores dos meios de

produção e os trabalhadores, responsáveis por seu acionamento.102

No decorrer de sua fala, Pasqualini ainda igualaria este “capitalismo solidarista103” ao

trabalhismo, situando-o num posicionamento distante dos dois extremos; o capitalismo

egoísta e o comunismo.

A essa forma de capitalismo humanizado, que não desconhece os princípios da solidariedade social, mas antes neles se assenta, damos o nome de capitalismo solidarista. Ele exclui, de um lado, o capitalismo individualista e, de outro, a socialização dos meios de produção ou o comunismo. Sua concepção fundamental é de que o capital não deve ser apenas um instrumento produtor de lucro, mas, principalmente, um meio de expansão econômica e de bem-estar coletivo. Esta é também, senhores, a idéia substancial do nosso programa. Para nós, trabalhismo e capitalismo solidarista são expressões equivalentes.104

2.2 Sociedade e Estado

O ideal de sociedade de Pasqualini e do seu trabalhismo era aquela sociedade onde

reinasse, não a luta de classes, mas sim o equilíbrio harmônico entre elas. A sociedade ideal

em seu pensamento aparece como um todo social harmonioso. A luta de classe seria mais

característica, para ele, daquele capitalismo liberal, egoísta e desumanizado que do

capitalismo como um todo. Seria, portanto, conseqüência de uma mentalidade social egoísta,

e não uma característica do regime capitalista em si. Para Pasqualini, essa desigualdade

99 Idem ibidem. 100 Idem ibidem. 101 Idem ibidem. 102 Idem ibidem. 103 Expressão do próprio Pasqualini. 104 Idem ibidem.

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56

classista deveria ser combatida não pelo comunismo, que acentuaria ainda mais a polaridade,

mas pela ação do Estado, que garantiria o equilíbrio entre trabalhadores, assegurando-lhes

seus direitos básicos e impedindo o acúmulo de riquezas nas mãos das classes mais abastadas.

Assim, o capitalismo deveria ser mantido, mas um capitalismo humanizado, trabalhista, onde

a relação das classes não fosse de luta, mas de integração solidária.

A idéia de harmonia entre as classes, presente não só nos escritos e discursos de

Pasqualini, mas também nas diretrizes e práticas do próprio trabalhismo getulista – sua atitude

conciliatória durante seu governo o comprova, quando tentava harmonizar os interesses das

diferentes frações da elite gaúcha105 –, estava já em Augusto Comte quando este definia o que

era, para ele, a idéia de progresso. Progresso, segundo ele, estava associado à noção de

equilíbrio; assim, longe de combater o que estava em excesso, o que se devia fazer era

contrabalançar os elementos do conjunto social de modo a deixá-los em harmonia. Afirmava

Pasqualini: para reorganizar o todo social, “a sã política, filha da moral e da razão, não destrói

o órgão que cresceu em excesso, mas vai conservá-lo retificando as suas dimensões e

integrando-o em uma nova ordem superior”.106

2.3 Partido e mentalidade social

A concepção de partido político de Pasqualini destoava um pouco da de seus

adversários políticos e também de seus companheiros de partido. Longe de considerar o

partido somente como uma agremiação cujos fins se voltavam única e exclusivamente para

resultados eleitorais, – pelo menos era assim que aparecia em seus escritos – Pasqualini

acreditava que a verdadeira função das agremiações políticas era a de promover a mobilização

social, difundir ideias e ser um instrumento de educação do povo – atuava na construção de

uma ordem. O contraste com a concepção pragmática que Getúlio apresentava do PTB era

marcante: Vargas flertava abertamente com o PSD, com vistas a garantir a vitória nas urnas,

seu fim último e maior. Se, para Pasqualini, o instrumento difusor do trabalhismo era o

partido, para Vargas, o mais importante era assegurar o domínio da máquina do Estado, para,

105 BOSI, Alfredo, op cit, p. 288. BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992

106 Idem ibidem.

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57

lá, promover as mudanças e medidas que julgasse necessárias. Na prática, os dois acabaram

por se complementar na construção e fortalecimento do PTB, pouco importando as diferenças

de argumentação, embora elas existissem.

Pasqualini tinha esta interpretação sobre o papel dos partidos políticos porque não via

no Brasil a existência de uma opinião pública organizada. Pensava que a função das

agremiações políticas era despertar o interesse do povo para as questões sociais fundamentais

do Brasil.107 Portanto, os partidos apresentavam, segundo ele, uma função quase didática e,

por consequência, propagandística dessa consciência, dessa opinião pública. Os partidos não

eram somente representativos dos anseios populares, mas também atuantes nesta função

maior de construção de uma mentalidade social.

Dizia ele: “Nosso problema não é apenas vencer uma eleição e controlar o governo;

nosso problema é criar uma mentalidade social que facilite o uso dos meios que o poder

oferece para realizar o programa que defendemos.108

Em entrevista que concedeu ao Diário de Notícias do dia 13 de junho de 1948,

Pasqualini explicaria sua percepção particular sobre política, partido político e ideologia. Na

ocasião, declarara a Décio Freitas, jornalista do Diário, que todo partido político digno deste

nome deveria ser portador de uma concepção social, de uma ideologia; um conjunto de

objetivos definidos, de soluções concretas e de diretrizes que poriam em prática tais soluções

e objetivos. A isso, Pasqualini também chamava “ideal partidário”; ideal que não se realizaria

por si só, esclarecia o teórico, mas que necessitaria de uma organização responsável por sua

veiculação, impulsão e prática. Sintetizava explicando que “[...] um partido político é assim a

conjunção de dois elementos: da ideologia, que é a alma, e da organização, que é o corpo ou

seu instrumento de ação”.109

A ideologia de Pasqualini seria, então, este conjunto de objetivos e de soluções,

propostas por um partido para tentar superar uma determinada situação política, econômica e

social; a sua maneira de, diante dela, lidar e enxergar saídas. Em muitas vezes ela aparece, nos

seus textos e entrevistas, como sinônimo de concepção social, que seria, segundo suas

próprias palavras:

[...] é a sua posição [do partido político] em face dos problemas econômicos e sociais e a natureza das soluções que propõe para esses problemas. É unicamente a aceitação dessa concepção e dessas soluções que devem, por outro lado, constituir o motivo para que qualquer

107 Correio do Povo, 23 de setembro de 1945, p. 11. 108 Correio do Povo, 17 de dezembro de 1946, p. 7 e 8. 109 Diário de Notícias, 1948, p. 4 e 24.

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cidadão se filie a determinado partido. A vinculação partidária deve resultar, portanto, de uma “convicção” e de uma “adesão” à ideologia do partido.110

É precisamente a “adesão” a essa ideologia partidária que caracterizaria, segundo o

pensador gaúcho, uma agremiação de homens livres em torno de um ideal, ao contrário de um

partido organizado em torno de uma pessoa. Era hábito de Pasqualini comentar sua

insatisfação com a falta de ideologia dos partidos políticos de sua época, crítica a que o

próprio PTB não escapava. Sobre os partidos, de uma maneira geral, afirmava:

Há ainda nos partidos muito individualismo, muito personalismo, muita ausência de convicção partidária. Seria necessário que os homens agissem em função de idéias e soluções. Em política, no Brasil, estamos ainda na fase da antropolatria mais grosseira. Temos um longo caminho a percorrer. Se considerarmos a política como a arte de investigar e realizar o bem comum, os homens deveriam estar a serviço da política. Em geral, porém, se procura fazer da política um instrumento a serviço de pessoas. Política deveria significar renúncia, desprendimento, ação em benefício da coletividade. No entanto, só significa, às vezes, ambições e interesse.111

A temática do personalismo volta e meia aparecia em seus pronunciamentos, o que

justifica que a ela se dedique um item específico. Bastou-nos, até o momento, dar ênfase à sua

insatisfação com o perfil personalista das agremiações políticas, com o pragmatismo eleitoral

dos partidos e com a ausência do que seria, ou deveria ser, o motor de toda política: a

preocupação com o bem comum. Esses três pilares são as diretrizes da concepção de política

do pensador, entendida em seu sentido restrito, e traduzem o que seria, para ele, o ideal de

partido e o que almejava para o seu PTB: maior independência da figura de Getúlio Vargas

como eixo organizacional da agremiação; cautela nas alianças políticas; e a consciência das

eleições como uma etapa necessária para uma realização ainda maior, a satisfação das

necessidades básicas dos trabalhadores e da população de um modo geral, e, no sentido

amplo, a transformação da sociedade em um todo social harmonioso. Eram esses os ideais da

política, segundo ele.

É bom lembrar que essas três idéias aparecem como o ideal de política para o

nosso pensador. Na prática, Pasqualini talvez tenha sido o mais fervoroso dos petebistas.

Apesar de suas críticas e de suas formulações ideais para o trabalhismo – muitas delas se

distanciavam muito da atuação política e do discurso de Vargas e do PTB, como vimos –,

Pasqualini de fato acreditava que o PTB e Vargas seriam o caminho único para construção

110 Idem ibidem. 111 SIMON, Pedro, op.cit., apud “Discurso no Diretório Municipal do PTB”, Correio do povo, 6 de abril de 1949, p. 14.

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59

daquela sociedade. Ou seja: ainda que na retórica o PTB e o trabalhismo de Pasqualini

parecessem bastante distintos do de Vargas, e suas diferenças não devem ser minimizadas, na

prática, mesmo com suas críticas, Pasqualini optou por continuar e servir ao PTB como única

agremiação capaz de pôr em prática seus planos e anseios.

2.4 Personalismo político

Boa parte dos estudos sobre Pasqualini centraliza-se na crítica que o teórico fazia ao

personalismo político do PTB. No entanto, é preciso fazer certa ressalva. Pasqualini era um

crítico ao personalismo político, certamente o era, mas fazia e condenava o personalismo de

todos os partidos. Considerava que as agremiações e as figuras políticas eram pouco

ideológicas, pensavam antes em si mesmas do que na política, cujo ideal maior era, segundo

ele, realizar e assegurar o bem comum.

O personalismo, portanto, não era um mal exclusivo do PTB, mas sim um fenômeno

da política brasileira. A censura que fazia ao centralismo dos partidos e da política em geral

não se iniciara com sua entrada no PTB; vinha de antes. Depois que se filiou ao Partido,

atuava realmente como um político preocupado em elaborar um arcabouço doutrinário para o

trabalhismo, fazendo isso por meio de suas idéias e formulações. Quando se examina sua

atuação no PTB, logo se percebe esse perfil nas atuações que teve; criticou o apoio de Getúlio

e do Partido à candidatura de Eurico Gaspar Dutra, por julgar que este tinha pouco em comum

com os ideais do PTB; suas campanhas tiveram sempre um cunho altamente teórico,

deixando, por muitas vezes, a disputa eleitoral em segundo plano; no PTB, fez parte da

Revista Trabalhista, como integrante do Departamento de Estudos Planificados do Partido,

departamento responsável pela organização doutrinária do trabalhismo e por fornecer as

diretrizes das medidas a serem tomadas pelos trabalhistas no Parlamento; já na década de

1950, juntou-se a uma dissidência partidária, integrada por Danton Coelho, a Frente

Trabalhista Brasileira, cujo objetivo maior era conferir ao partido maior teor doutrinário.112

112 Sobre a Frente Trabalhista Brasileira, ver o livro de Maria Celina D´Araújo, Sindicatos, crisma e poder. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1996. A autora acredita que, a partir da década de 1950, teria se iniciado uma série de mudanças no PTB. O Partido, que até então se concentrara nas orientações de Getúlio Vargas, começara a presenciar o surgimento de novas lideranças internas, combatendo ou pondo em xeque as ambições de poder de seus integrantes. A partir desse período, Maria Celina D`Araújo observa o florescimento de lideranças que procuravam dar ao Partido um perfil mais programático; a Frente teria sido um dos indícios desses esforços.

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60

Suas críticas ao personalismo político, portanto, não se resumiam ao PTB, mas

também se dirigiam aos demais partidos. No entanto, suas ressalvas ao uso

descompromissado do termo trabalhismo, muitas vezes confundido com a admiração política

a Getúlio Vagas, era uma característica do PTB que lhe incomodava. Mas isso é assunto que

merece ser tratado com maior cuidado, razão pela qual lhe dedicaremos algumas páginas

especiais, logo ao final deste trabalho.

2.5 Ditadura

Em um dos seus artigos mais importantes, Pasqualini esclareceria qual sua posição

sobre as ditaduras e líderes políticos. Ele não é do livro Bases e sugestões para uma política

social,113 mas é um bom exemplo sobre como o nosso teórico avaliava o Estado Novo e a

figura de Vargas.

Pasqualini reconhecia que a democracia representativa era o sistema político natural

das coletividades humanas mais evoluídas, com o poder cada vez mais despersonalizado. No

entanto, situações conjunturais poderiam, segundo ele, justificar regimes ditatoriais:

A inadaptabilidade ocasional do sistema democrático, o desgaste das suas energias em luta e competições estéreis, a decomposição dos órgãos de governo, a sua falta de coordenação, a sua ineficiência e impotência ante os mais graves problemas sociais e nacionais podem favorecer e propiciar, até nas sociedades mais civilizadas, surto de primitivismo caracterizados pela regressão do poder ao indivíduo e pela centralização da autoridade.114

Ou seja, em momentos de crise generalizada, Pasqualini considerava a tendência à

concentração do poder, num retrocesso às formas mais primitivas de regime político. Em

momentos como esses, a concepção mística do chefe político – que seria, segundo ele, a

forma intelectualizada e estilizada da percepção mítica do chefe quase divino – afloraria.

Para Pasqualini, nos povos de certo nível cultural, a ditadura postularia uma base

ideológica mais complexa, e fundamentar-se-ia num ideal ou programa político e social. Em

povos assim, explica o nosso teórico, o regime ditatorial se apoiaria na ação de um partido, o

113 Correio do Povo, 11 de julho de 1943 114 Idem.

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61

que pressuporia o reconhecimento de que o povo seria a origem do poder, e não o líder.

Apesar disso, a figura do chefe político, ou ditador, seria muito proeminente, e, sua queda, em

muitas das vezes, poderia significar o fim do partido, advertia. Em sociedades de baixo nível

cultural, a ditadura não se basearia em premissas ideológicas e na ação do partido, se

sustentaria, segundo Pasqualini, na ação golpista do ditador.

Assim, Pasqualini concluiria: “Mas se a personalização do poder é sempre uma

ditadura, nem sempre a ditadura envolve, necessariamente, a personalização do poder”.115

Para ele, haveria dois tipos de ditaduras: as regressivas, de caráter puramente

personalista, míticas e caudilhescas, e as “técnicas”, ocorridas em momento de crise e de

perigo nacional. As ditaduras técnicas ocorreriam, portanto, em momentos de circunstâncias

excepcionais. Elas não visariam a abolição do regime democrático, e teria objetivos definidos

claros: a segurança nacional, uma necessidade de reorganizar o país, a “higienização” da

administração, com o restabelecimento da “harmonia e o sintonismo entre os povos e os

órgãos governamentais”. 116

Alberto Pasqualini explicava que, nas ditaduras técnicas, o ditador não possui aura de

um ser iluminado, um semi-divino ou um “caudilho que se apossou do Estado”. É apenas um

cidadão, um magistrado, “um estadista em quem a nação confia e reconhece [...] os atributos

morais e intelectuais”.117

Do ponto de vista sociológico, Pasqualini reconhecia que havia entre nós fatores que

poderiam estimular a adoção de um regime ditatorial regressivo. Dentre eles, citava o

cicliotismo latino (diversos regimes latino-americanos tinham esse perfil) e o misticismo

africano. Mas o contato com países anglo-saxões, a nossa rápida industrialização, a

conseqüente elevação do padrão cultural de nosso país e a organização de nossa administração

em bases técnicas parecem ter afastado aquela nossa tendência natural.

Na sua avaliação, o golpe de Estado de 1937 teria preservado entre nós a democracia,

por mais paradoxal que isso parecesse. “A concentração de poder foi a vacina antógena

polivalente contra o surto epidêmico das formas regressivas do poder”.118

Vê-se, pois, que nosso teórico reconhecia e avaliava o golpe de 1937 como um

episódio positivo para a nossa história. Afastando as forças regressivas, Vargas foi o homem

intelectualmente capaz de conduzir esse processo que afastaria o Brasil de um regime

115 Idem. 116 Idem. 117 Idem. 118 Idem.

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62

ditatorial regressivo e personalista. Mas, com ele a frente, o país parece ter sido salvaguardado

de um futuro antidemocrático e primitivo.

A ditadura “técnica” varguista parece obedecer às premissas daquela famosa filosofia

do mal necessário, que Pasqualini não parecia ou conseguia condenar.

2.6 Sobre Vargas e o processo histórico brasileiro

A particularidade desta entrevista, que foi concedida ao Diário de Notícias do dia 10

de dezembro de 1949, é que nela Alberto Pasqualini expõe sua interpretação mais clara sobre

o papel de Vargas e sua influência no processo histórico brasileiro. Chama a atenção a

similaridade de sua interpretação com a de Paulo Schilling, intelectual que teve atuação

política marcante no governo de Leonel Brizola no Rio Grande do Sul.

Pasqualini escrevia em 1949 que estaríamos entrando na segunda etapa do

trabalhismo. Segundo ele, a legislação social do governo Vargas teria outorgado as garantias

jurídicas do trabalhador; ela seria a sua carta de alforria – expressão usada pelo próprio

Pasqualini.

A peculiaridade e os méritos de Vargas teria sido a realização desta outorga sem

derramar lágrimas ou sangue. “A sabedoria de um governo antecipou-se às próprias

reivindicações do proletariado. Só isso seria o bastante para redimi-lo de todos os seus

possíveis enganos”119.

A segunda etapa do trabalhismo seria dar maior amplitude à legislação social,

estendendo seus benefícios a todos os trabalhadores – falava especialmente da previdência

social.

Em relação a Vargas, dizia assim.

É necessário que os nossos homens públicos e que todos os homens de responsabilidade, aqueles que possuem a visão panorâmica das coisas e não o estreito diafragma dos políticos de aldeia, compreendam esse fenômeno e compreendam quanto é útil à coletividade e à ordem social que exista no seio das massas esta força de polarização, de liderança e de contensão que as guie, às conduza às suas legítimas conquistas, suavemente, sem os atropelo, os estravazamento e os excessos das agitações sociais.120

119 Diário de Notícias, 10 de dezembro de 1949. 120 Idem.

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63

Prosseguia, exaltando que as medidas de proteção ao trabalho no Brasil não teriam custado

uma ameaça, um tiro, uma gota de sangue sequer, “porque a sabedoria do seu governo

(Getúlio Vargas) se antecipou às próprias reivindicações das classes proletárias”.121

Não é surpresa que Pasqualini exaltasse a “paz” e a “tranqüilidade” que conduziram

todo este processo de conquistas de direitos. Como bom positivista que era, nosso teórico

jamais nutriu grandes simpatias por processos revolucionários. Por sua inspiração comteana,

Pasqualini acreditava que progresso estava estreitamente ligado à noção de ordem, e

acreditava ainda que caberia a uma elite de ilustrados a condução das transformações sociais. 122

2.7 Nacionalismo

A ausência de uma preocupação maior por parte de Pasqualini com relação às

bandeiras nacionalistas chama a atenção. O fato é ainda mais curioso porque o PTB e Vargas,

pessoalmente, foram sempre referências importantes para o levantamento de tais questões no

Brasil. No entanto, Pasqualini poucas palavras dedicou ao assunto, manifestando um quase

total desapego por esse debate, se comparado a Getúlio Vargas.

A identificação entre nacionalismo e trabalhismo foi intensa, sobretudo na década de

1950, quando Vargas fazia pronunciamentos exaltados sobre o assunto.123 Lucília de Almeida

Neves fala do nacionalismo como uma febre nacional, que permaneceu no PTB depois da

morte de Vargas, mas que superou seus limites, contagiando também outras legendas,

organizações da sociedade civil e população em geral. Era época de intenso debate tendo em

vista os projetos governamentais de implantação de empresas estatais, como a Vale do Rio

Doce, a Petrobras, a Eletrobrás e a Fábrica Nacional de Motores (FNM). No PTB, o

nacionalismo foi característica marcante, sobretudo a partir daqueles anos.

121 Idem. 122 Sobre a influencia do positivismo no republicanismo gaúcho ver: LOVE. Joseph L. O regionalismo gaúcho. São Paulo,Editora perspectiva.nele, Love explica a influência de Comte nos líders republicanos, particularmente em Castilho e Vargas. “a filosofia social de Comte forneceu a Castilhos e sua geração uma versão paternalista e altamente racionalista do liberalismo do século XIX”. As principais idéias que absorveram de Comte: a defesa das liberdades individuais, a condenação da escravidão, separação entre Igreja e Estado, educação primária universal e o intervencionismo estatal para proteger os operários industriais. P. 39. 123 A citação é de Paulo Schilling, no seu livro Como se coloca a direita no poder. São Paulo: Global, 1979, e reproduzida pela autora: “Criminosa multiplicação do capital estrangeiro, em detrimento do trabalho de milhões de brasileiros”. DELGADO, Lucília de Almeida Neves. “Trabalhismo, nacionalismo e desenvolvimentismo”. In ___. O populismo e sua história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

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64

A ausência de referências maiores de Pasqualini às bandeiras nacionalistas faz alguns

estudiosos duvidarem de seu papel como teórico do trabalhismo. Maria Vitória Benevides é

uma das que destacam de tal forma a relação entre trabalhismo e nacionalismo que atribui a

San Tiago Dantas o papel que muitos indicam para Pasqualini na elaboração doutrinária do

trabalhismo.

Sant Tiago Dantas [...] participou intensamente da formulação de importantes aspectos do trabalhismo, principalmente em relação ao sindicalismo (praticamente ignorado por Pasqualini) e ao nacionalismo. [...] as contribuições de San Tiago são, a nosso ver, o que de mais concreto se escreveu sobre a doutrina [trabalhista].124

Trabalhismo e nacionalismo, de fato, eram ideologias que andavam juntas, numa

identificação que permaneceria no conteúdo programático do trabalhismo tempos depois. No

entanto, é preciso dar conta da complexidade do que foi o nacionalismo no Brasil.

Na interpretação de Vânia Maria Losada,125 o nacionalismo teria nascido como uma

ideologia estatal. Só depois, já na campanha do “Petróleo é nosso”, a partir de 1943, é que

ganharia conotação popular. Adepta da teoria do populismo de Francisco Weffort126 – que

entende o Estado emergente da crise de 1929 como um Estado sem hegemonia de classe, e

que, na busca por legitimidade, teria suas bases de sustentação ampliadas – a autora acredita

que o nacionalismo teria se originado a partir da ação do Estado populista de Vargas,127 para

perdurar no desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek e no social-reformismo de João

Goulart.128

O nacionalismo surgia na década de 1950 como uma ideologia indispensável à

construção de uma nação autônoma e independente. A elite política e intelectual da época

vociferava em torno da necessidade de industrialização brasileira, única maneira de o país

seguir um caminho próprio e independente. A burguesia nacional era a classe escolhida para

conduzir este processo, numa forma de combate à elite agrária atrasada e dependente. O

objetivo era superar o nosso subdesenvolvimento, modernizar nossa sociedade e economia,

para, com isso, construir uma nação brasileira.

124 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. O PTB e o trabalhismo: partido e sindicato em São Paulo 1945-1964. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 96. 125 MOREIRA, Vânia M. Losada. “Nacionalismo e reforma agrária nos anos 50”. Revista Brasileira de História, v. 18, n. 35, São Paulo, 1998. 126 Sobretudo WEFFORT, Francisco, O populismo na política brasileira. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. 127 Na interpretação de Weffort, o nacionalismo teria sido fundamental para a sustentação do Estado populista. 128 MOREIRA, Vânia M. Losada, op. cit., p. 3.

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65

Bandeiras como o “anti-imperialismo”, visto como uma ameaça externa ao nosso

desenvolvimento, eram alardeadas; no plano interno, o inimigo eram as elites agrárias

exportadoras; no plano internacional, o imperialismo, sobretudo o norte-americano, era a

ameaça de dominação. Todavia, mesmo possuindo um discurso mais ou menos homogêneo,

os nacionalistas discordavam quanto ao papel do capital externo no desenvolvimento

industrial do país.

Os nacionalistas liberais, liderados pelo grupo do ISEB (Instituto Superior de Estudos

Brasileiros), consideravam que éramos um país não só atrasado economicamente, mas

também culturalmente. O papel do ISEB, segundo eles, era, então, operar a necessária

“tomada de consciência” de nossa condição de subdesenvolvimento ou semicolonialismo,

para superá-la por meio de uma “ideologia do desenvolvimento nacional”, que estimulasse a

industrialização brasileira em bases capitalistas.129

Os isebianos tiveram ligação estreita com o governo de Juscelino Kubitschek, em

particular com seus “planos de metas”; o vínculo fora tão estreito que, em muitas ocasiões –

explica Vânia Losada –, o nacionalismo dos intelectuais do ISEB se confundiu com o

desenvolvimentismo daquele período.

Os nacionalistas econômicos, de tendência mais esquerdista, liderados por intelectuais

variados e por partidos de esquerda, como o PTB e o PCB, não se contentavam com o

desenvolvimentismo dos anos de Juscelino. Para Lousada, os nacionalistas econômicos não

formavam um bloco monolítico em termos político-partidários, com diferenças ideológicas

bastante acentuadas, mas adotavam perspectivas mais reformistas, o que lhes rendeu a

alcunha de vermelhos.130

Esses nacionalistas que se reuniram na Frente Parlamentar Nacionalista (FPN)

originavam-se de setores da “ala moça” do PSD, do PTB e até mesmo da UDN, representada

pela ala “Bossa-Nova”. Todos defendiam reformas estruturais, como a incorporação da

população ao sistema econômico, por meio de uma industrialização planejada que elevasse

seu padrão de vida. O combate ao imperialismo era tema constante, bem como a defesa de

reformas nas estruturas sociais, econômicas e políticas. Nesse conjunto, ganhava destaque a

reforma agrária.

Uma das bandeiras mais destacadas era mesmo a questão do capital estrangeiro. Para

os nacionalistas econômicos, havia necessidade de disciplinar a remessa de lucros, royalties e

129 Idem, p. 6. Citação feita a CORBISIER, Roland. Brasília e o desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: ISEB/MEC, 1960, p. 23. 130 MOREIRA, Vânia M. Losada, op. Cit., p. 7.

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66

dividendos. Além disso, defendiam a intervenção do Estado em empresas estrangeiras que

estivessem ferindo os interesses nacionais. Argumentavam que os setores básicos da

economia, como indústria pesada e energia, deveriam ser desenvolvidos a partir de iniciativa

estatal e controlados pelo Estado. Só assim seria possível o desenvolvimento do país sem

perda de autonomia.

Ao contrário dos nacionalistas liberais, os econômicos não creditavam ao

desenvolvimento econômico a solução para superar os problemas socioeconômicos do país.

Para isso, militavam também pela reforma agrária, contra a participação indiscriminada do

capital estrangeiro na economia nacional e a presença de interesses imperialistas no

desenvolvimento nacional.131

Por essa posição, muitos nacionalistas de esquerda não aderiram ao

desenvolvimentismo de JK e tomaram atitude dúbia em relação ao presidente, nutrindo certo

entusiasmo pelo impulso econômico daquele período, de um lado, mas, ao mesmo tempo,

mostrando-se bastante desconfiados com os rumos que a administração de Juscelino assumia.

Vânia Losada destaca que foi na Revista Brasiliense onde os nacionalistas econômicos

conseguiram sua maior expressão. Ali, Chaves Neto esclareceria a confusão entre

nacionalismo e desenvolvimentismo, tão umbilicalmente ligados, sobretudo para os

nacionalistas liberais:

O elemento essencial para distinguir o nacionalismo do desenvolvimentismo era a orientação econômica no sentido de permitir ou não a internacionalização econômica. Em resumo, ele não considerava o desenvolvimentismo uma política nacionalista, pois estava favorecendo a integração do Brasil no sistema imperialista.132

Anos mais tarde, já no governo de João Goulart, o nacionalismo ganharia um maior

conteúdo de massas, por conta das mobilizações a favor das reformas de base, nos anos 1960.

Só aí, afirma a autora, pode-se falar em nacionalismo e desenvolvimentismo como duas idéia

absolutamente distintas.133

Portanto, o nacionalismo de esquerda assumia uma posição mais cautelosa em relação

ao capital estrangeiro – aceitando somente os empréstimos feitos de governo para governo,

por exemplo – e sempre se manifestou mais criticamente em relação ao desenvolvimentismo.

131 Idem, p. 8. 132 Idem, p. 8. 133 Idem, p. 9.

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67

Suas lutas sempre foram em prol de mudanças mais estruturais na sociedade, sendo a reforma

agrária uma das principais.

Nacionalismo e trabalhismo se misturaram no PTB dos anos 1950. A análise militante

e apaixonada de Paulo Schilling, em seu Como se coloca a direita no poder,134 dá destaque a

essa complexa relação e difere bastante da interpretação de Vânia Lousada.

No item específico sobre o nacionalismo varguista, Schilling indica o nascimento da

ideologia nacionalista na atuação dos homens de 1930 e destaca sua posterior transformação,

de movimento policlassista e agregador – assim como teria sido a própria revolução –, em

nacionalismo revolucionário e anti-imperialista.

A revolução de 30 teria sido a origem de nosso nacionalismo, já que ela, segundo o

autor, teria sido fundamental para revolução industrial brasileira. No entanto, longe de

concordar com as interpretações que atribuem àquele movimento um caráter eminentemente

burguês, Schilling acredita que a Revolução de 30 foi um movimento orientado por

latifundiários, com caráter popular, responsável pela criação e o fortalecimento de nossa

burguesia: “Não foi a burguesia nacional quem fez a Revolução de 30. Poder-se-ia dizer: foi

esta quem ‘fez’ a burguesia nacional”.135

Por não ter sido conduzida pela nossa burguesia nacional, e sim pelo Estado

paternalista,136 a Revolução de 30 teria facilitado o avanço do proletariado brasileiro, num

processo bem diferente do ocorrido na Europa. O que os trabalhadores europeus conseguiram

com anos de lutas, ao longo de um século ou mais, os trabalhadores brasileiros obtiveram em

pouquíssimos anos, graças à atuação deste “paternalismo estatal”. A consequência disso tudo,

segundo o autor, seria um processo de acumulação de capital não tão brutal como o inglês.

Além de um processo de acumulação de capital mais ameno, a falta de protagonismo

burguês no processo político da Revolução de 30 teria permitido que outras classes fossem

beneficiadas com os seus desdobramentos: as classes médias se tornariam mais atuantes, a

pequena-burguesia assumiria um papel destacado nas decisões políticas e a própria classe

trabalhadora teria boa parte de suas demandas atendidas.

134 SCHILLING, Paulo. Como se coloca a direita no poder. São Paulo: Global Editora, 1979. 135 SCHILLING. Paulo, op. cit., p. 24. 136 Paulo Schilling explica que, entre as expressões “paternalista” e “bonapartista”, prefere a última para definir o Estado emergente da Revolução de 30. Segundo ele, a nossa burguesia mais forte estava associada ao mercado externo, deixando pouco espaço para que se desenvolvesse uma burguesia nacional, com interesses direcionados para o mercado interno. Diante dessa deficiência, caberia ao Estado dar-lhe o estímulo e as bases necessárias. Para o autor, a burguesia nacional só se consolidou como classe no Brasil, então, pela ação estatal (p. 23). Sem capital necessário e caracterizada por uma artificialidade como classe, à burguesia caberia apenas desenvolver papel importante nas indústrias leves, e, mesmo assim, com o auxílio financeiro estatal. Só com a emergência de um Estado paternalista, assegurador das condições necessárias para a burguesia atuar no processo de industrialização, é que teve início a nossa revolução industrial (p. 25).

Page 42: Laura vianna vasconcelos   alberto pasqualini e o trabalhismo no brasil

68

Por necessitarem do apoio das classes trabalhadoras para aplicar seu ideário político –

dentre todos, o autor dá destaque ao nacionalismo econômico –, os revolucionários de 1930

atenderam muitas das demandas históricas dos trabalhadores. Desta forma, vinculava-se a

questão nacional à social, resultando num regime que, na avaliação de Paulo Schilling, teve

saldo positivo – excetuando-se a questão fundiária, que Getúlio Vargas deixou intocada.

Schilling destaca ainda que haveria dois tipos de nacionalismos: o das superpotências,

imperialista, racista e colonial; e o dos países subdesenvolvidos, que buscava a igualdade

racial, a superação do subdesenvolvimento e da miséria, e o estabelecimento de alguma

justiça social.

Num regime nacionalista, como Schilling pensa ser o inaugurado pela Revolução de

30, era natural que a principal classe beneficiada pelo movimento assumisse uma posição

também nacionalista. Assim foi com a burguesia nativa. No entanto, o nacionalismo burguês

jamais foi estrutural, sendo logo dissipado com o passar dos anos. Por sua efemeridade, o

autor recusa a expressão “nacionalismo burguês” para definir a ideologia nacionalista daquele

período; prefere que defini-lo como “nacionalismo de massas”:137

Os homens de 30 tentaram um tipo diferente de nacionalismo, um nacionalismo que fosse aceito por todas as classes sociais, um nacionalismo policlassista. Um nacionalismo “amálgama” que refletia, aliás, a política paternalista, “bonapartista” adotada pelo governo revolucionário (que se havia instituído como árbitro, por cima das classes sociais).138

Segundo Schilling, esse nacionalismo funcionaria razoavelmente até o momento da

traição da burguesia nacional, em 1954. Na carta-testamento de Vargas, o nacionalismo não

mais se apresentava como uma ideologia de comunhão, perdendo sua feição bonapartista e

unificadora. A burguesia traidora agora representava o papel de testa-de-ferro dos monopólios

imperialistas – e era intensamente denunciada por Getúlio Vargas em sua mensagem de

morte. A partir de então, o nacionalismo ganhava contornos de uma ideologia revolucionária e

popular: era o nacionalismo popular-revolucionário.139 A adesão às diretrizes da carta-

testamento estaria, a partir daquele momento, intensamente associada aos interesses da nação,

sendo constantemente lembrada pelos líderes trabalhistas, particularmente, Leonel Brizola.

A união desse nacionalismo aos trabalhistas seria tão umbilical que João Goulart é

considerado por Schilling um traidor dos interesses nacionais, já que não teria resistido ao

137 Idem, p. 30. 138 Idem, p. 30. 139 Idem, p. 34.

Page 43: Laura vianna vasconcelos   alberto pasqualini e o trabalhismo no brasil

69

golpe de 1964. Naquela ocasião, Jango teria manifestado uma ligação maior com sua origem

classista latifundiária do que com o nacionalismo revolucionário idealizado por Vargas e

proclamado por Brizola. Poder-se-ia afirmar que o trabalhismo é pouco citado na obra de

Schilling, sendo substituído amplamente pela expressão “nacionalismo revolucionário”. A

linha ideológica do Partido e do trabalhismo, para ele, parece estar muito mais associada às

diretrizes desse nacionalismo da carta-testamento de Vargas do que ao trabalhismo que até

então se elaborava.

Em seu “O difícil caminho do meio: Estado, burguesia e industrialização no segundo

governo Vargas”,140 Maria Antonieta P. Leopoldi mostra outra componente do que foi o

nacionalismo naqueles anos. A autora afirma e explica que o nacionalismo de Vargas e de

seus homens de governo sempre foi muito mais pragmático do que parecia. No projeto de

industrialização que planejou e pôs em prática, Getúlio nunca descartou o apoio e a aliança

com os Estados Unidos, por exemplo. A intenção era obter empréstimos públicos e a

colaboração técnica para a industrialização brasileira, além de fornecimento externo de

petróleo para implementar a produção interna de derivados, de equipamentos e créditos para

os projetos de infraestrutura. Vargas mostrava-se aberto à vinda de empresas estrangeiras

interessadas em instalar empreendimentos locais nas áreas priorizadas por seu governo,

contando, inclusive, com os países europeus, para obter deles crédito, assistência técnica e

trocas comerciais.

Apesar de todos os recursos oratórios anti-imperialistas, Vargas nunca fez do projeto

de industrialização nacional um projeto autárquico, anti-Estados Unidos, afirma a autora. Sua

política era diversificar as relações econômicas e comerciais com Europa e EUA. Um dos

principais órgãos do governo que conduziu esse processo foi a Assessoria Econômica,

composta por técnicos especializados em planejamento, política industrial, energia elétrica e

política mineral. A orientação desses técnicos era marcadamente nacionalista não-ortodoxa,

pois, segundo Leopoldi, não se mostrava restrita à participação controlada do capital

estrangeiro, sobretudo em empreendimentos como a Petrobrás e a Eletrobrás.

A autora também encontra sinais desse nacionalismo não-ortodoxo na atuação da

Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, que foi criada pela atuação do Ministério da Fazenda,

num acordo entre Dutra e Truman, em 1950. Ela visava, do lado brasileiro, à obtenção de

assistência técnica a projetos que trariam recursos para o reequipamento econômico brasileiro;

e, do lado norte-americano, à obtenção de matérias-primas estratégicas brasileiras. A

140 GOMES, Ângela de Castro (Org.). Vargas e a crise dos anos 50. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.

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70

manutenção desta Comissão no Governo Vargas contou com desdobramentos importantes,

como o financiamento do Banco Mundial e do Eximbank. Para dar conta da contrapartida

brasileira do “acordo”, o ministro da Fazenda. Horácio Lafer, entre outras medidas, propôs a

criação do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico, o BNDE.141

A mesma posição de diálogo com os Estados Unidos estava presente na outra

comissão organizada pelo Ministério da Fazenda: a Comissão de Desenvolvimento Industrial

(CDI). Formada em 1951 para planejar uma política de desenvolvimento industrial e de

projetos mais específicos, como a criação e expansão de setores industriais, a filosofia de

atuação dessa comissão era adotar uma política protecionista para atrair indústrias, fossem

elas locais ou estrangeiras. A ideia era oferecer isenção nas tarifas de importação sobre

insumos e bens de capital, subsídio cambial, e estabelecer prioridade para a remessa de lucros

e a reserva de mercado. A CDI formulou um Plano Geral de Industrialização, apontando áreas

prioritárias a serem atendidas pelo governo: energia, metalurgia, indústrias químicas, indústria

da borracha e indústria de alimentos.

Vê-se, pois, pelas diversas interpretações cotejadas até o momento, que o

nacionalismo não era o mesmo para os diversos segmentos da sociedade brasileira, nem para

os autores que dele se ocupam: no plano da sociedade civil, de acordo com Vânia Losada,

havia o nacionalismo de cunho liberal e o de feição econômica; na interpretação militante –

mas nem por isso menos valiosa – de Paulo Shilling, o nacionalismo transmutara-se de

ideologia agregadora policlassista, dos revolucionários de 1930, para o nacionalismo popular

revolucionário da carta-testamento de Vargas; e, por fim, para Maria Antonieta Leopoldi, o

nacionalismo governamental de Getúlio não foi nem o revolucionário de Schilling nem o das

esquerdas, que Losada destaca, mas um nacionalismo não-ortodoxo e pragmático, que sabia

bem se aproveitar do capital e dos investimentos externos.

De uma maneira ou de outra, os estudiosos do pensamento de Pasqualini notam e

sublinham a ausência de referência de nosso teórico àquele nacionalismo que fez parte dos

discursos de Vargas. Dele, nosso teórico nunca fez apelo.

A altivez e paixão que esse nacionalismo adquirira jamais encontraram proporção no

pensamento de Pasqualini. Muito embora fosse militante da ideia de um Estado atuante,

Pasqualini jamais fez do nacionalismo o centro ideológico de suas idéias. Ele emergia quando

141 O BNDE foi um banco independente que elaborava projetos para obtenção de financiamentos, recebimento e a administração de recursos provenientes do exterior e de um Fundo de Reaparelhamento Econômico. Atuava principalmente em setores prioritários, como reequipamento de portos, ferrovias, projetos de expansão de energia hidrelétrica e siderurgia. GOMES, Ângela de Castro (org.). Vargas e a crise dos anos 50. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p. 168.

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71

o teórico do trabalhismo defendia a atuação do Estado na questão das riquezas naturais. Mas

Pasqualini nunca radicalizou a defesa desse ponto de vista numa luta anti-imperialista.

As palavras de Alberto Pasqualini em relação ao assunto eram, de fato, tímidas e raras:

“Relativamente ao capital estrangeiro, a atitude do Partido Trabalhista não deverá ser

jacobinista. Quando o capital é explorador, tanto faz, para o trabalhador, qual seja, estrangeiro

ou nacional”.142

Pasqualini pensava que, uma vez aceita a liberdade de iniciativa, seria um

contrassenso hostilizar a iniciativa estrangeira. Se o seu fim fosse o desenvolvimento

econômico do país, e não apenas o lucro, então não haveria razões objetivas para recusá-la.

Sabendo ser o Brasil um país de escassez, Pasqualini temia recusar investimentos, mesmo

aqueles praticados por outros países.

O que cumpre, em cada caso, é examinar a forma de aplicação do capital e seus objetivos. O capital de mera especulação será, por exemplo, desinteressante, como também o que for aplicado em atividades de simples intermediação. Trata-se de questões que devem ser examinadas em cada caso e as restrições que se possam estabelecer não serão propriamente uma atitude contra o capital estrangeiro (grifos do autor), mas contra a forma de capital em geral.143(grifos do autor)

Sobre a questão do subsolo e das fontes de energia, particularmente, pensava e

defendia que a estatização era o caminho a seguir. No entanto, argumentava que este deveria

ser um caminho percorrido aos poucos, sendo mais uma questão de conveniência e de

oportunidade que caberia aos governos examinar. Afirmava ele: “A socialização [estatização]

das riquezas do subsolo e das fontes naturais de energia representa, pois, uma tendência do

trabalhismo, ou, digamos, um problema que se coloca em princípio”.144

* * *

Como parlamentar, Alberto Pasqualini participou de alguns debates importantes,

principalmente em época de Senado Federal. Ali debateu a questão da exploração do petróleo

e da criação da Petrobrás, opinou sobre o Plano Lafer e outros tantos assuntos. Antes disso,

nos limites impostos pelos cargos que ocupava, Pasqualini se limitou a debater questões mais

142 PASQUALINI, Alberto, Bases e sugestões..., p. 96. 143 Idem, p.96. 144 Idem, p. 94.

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72

pontuais, mas nem por isso menos importantes. Foi assim quando vereador e quando ocupou

o cargo no Departamento Administrativo.

Em nenhum desses momentos, no entanto, nosso teórico deixou de confabular e de

tentar dar o que achava ser a melhor forma para o trabalhismo brasileiro. Sua carreira política

nunca foi somente política, mas também doutrinária. O homem político e o intelectual jamais

viveram qualquer segregação na pessoa de Pasqualini; encontraram nela uma comunhão bem

elaborada, que traduziu com fidelidade a concepção que nosso teórico tinha da política.

Assim foi a sua atuação nos grandes debates da época.

2.8 Os debates sobre o Petróleo e a criação da Petrobrás

As divergências políticas relativas à criação da Petrobrás não foram pequenas. Os

debates foram travados não só entre os políticos, mas também no interior da sociedade como

um todo. A intensa mobilização em torno da campanha do “Petróleo é nosso” ofereceu bem a

medida de como estavam os ânimos diante do polêmico projeto de criação da empresa.

No projeto original, a Petrobrás seria uma empresa de economia mista, com controle

majoritário da União, mas sem estabelecimento do monopólio estatal do petróleo. Os setores

nacionalistas queixavam-se, descontentes, travando uma batalha que duraria 23 meses para

tentar dar ao projeto maior participação do Estado.145

Em maio de 1952, o projeto da Petrobrás foi levado à Câmara dos Deputados, onde foi

intensamente examinado por seis comissões. Dessas, apenas uma, a de Constituição e Justiça,

lhe deu parecer favorável, mas só depois de propor um total de 23 emendas.

Em meio aos debates na Câmara, a União Nacional dos Estudantes e outros órgãos

lançavam a palavra de ordem que ganharia as ruas: “O petróleo é nosso”. A campanha

representou uma intensa mobilização da opinião pública em favor do monopólio estatal e

acabou por ganhar feições de contestação ao governo Vargas. Diante da intensa pressão, não

só de políticos oriundos de todos os partidos, inclusive de alguns setores da UDN, mas

também da sociedade civil, Vargas cedeu, acatando a emenda proposta por seu companheiro

145 Os detalhes sobre o projeto e a efetiva criação da Petrobrás foram encontrados na página da Fundação Getúlio Vargas, CPDOC. Estão nos verbetes sobre o projeto da Petrobras, a criação da empresa e sobre o nacionalismo. Eis o endereço: www.cpdoc.fgv.br.

Page 47: Laura vianna vasconcelos   alberto pasqualini e o trabalhismo no brasil

73

de partido, Lúcio Bittencourt, que vedava a participação de acionistas estrangeiros na

Petrobrás.

Feitas as alterações – com mais de 150 emendas –, o projeto foi então aprovado na

Câmara, sendo depois levado ao Senado, onde também seria intensamente debatido.

No Senado, as vozes contrárias à proposta elaborada na Câmara foram mais fortes, e o

debate prolongou-se por mais de ano. Na defesa do projeto da Petrobrás aprovado pelos

deputados, que estabelecia o tão falado monopólio estatal, se alinharam prontamente os

seguintes senadores: Landulfo Alves, do PTB da Bahia; Kerginaldo Cavalcanti, do PSP do

Rio Grande do Norte; Domingos Velasco, do PSB de Goiás; e o nosso já conhecido senador

Alberto Pasqualini, do PTB.

O papel do eminente senador gaúcho na criação da empresa seria primordial, segundo

relatório de Jesus Soares Pereira:

O presidente, relatou Soares, recomendou-me procurasse catequizar o senador Pasqualini. Queria que fosse ele o relator do projeto na Comissão de Economia. E a propósito fez as seguintes observações: “Estamos em divergências políticas em questões específicas do partido no Rio Grande do Sul. Mas trata-se de um homem de primeiríssima ordem. Sua adesão ao projeto seria muito valiosa. Procure-o, mas trate-o com cuidado, pois é um italiano muito desconfiado”.146

Diante da investida, Pasqualini de fato aderiu ao projeto e aceitou ser o relator da

Comissão de Economia.

Em 3 de outubro, foi criada a Petrobrás, empresa de propriedade e controle totalmente

nacionais, com participação majoritária da União, que detinha o monopólio de explorar

diretamente ou por suas subsidiárias todas as etapas da indústria petrolífera, exceto a

distribuição. A empresa assumiu o importante símbolo do nacionalismo econômico e político

tão em voga naqueles tempos e constituiu uma vitória e tanto para os segmentos nacionalistas

da sociedade.

As intervenções de Pasqualini como relator da Comissão foram de suma importância,

e o senador acabou sendo responsável pelo dispositivo que versava a respeito da distribuição

dos lucros oriundos da exploração do petróleo.

146 Idem.

Page 48: Laura vianna vasconcelos   alberto pasqualini e o trabalhismo no brasil

74

Em 1953, o Correio do Povo publicava uma reportagem sobre os debates travados a

respeito da questão.147 Quem chegou a um acordo sobre a controvertida lei foi Pasqualini, que

se esforçava para não fazer a distribuição dos lucros de maneira desigual entre os estados.

Seguindo a determinação da lei, as receitas deveriam ser distribuídas de acordo com

três elementos: superfície, população e consumo. O critério “produção”, como sese pode

observar, era esquecido. Além disso, não ficava claro se a distribuição dos lucros advindos do

petróleo seria feita a partir da exploração do óleo cru ou baseada no refino; de uma forma ou

de outra, a preocupação era não deixar esses ganhos muito desnivelados entre os vários

estados da federação.

Diante de todas essas incertezas, Pasqualini propôs e redigiu uma emenda sugerindo

que o refino fosse excluído do elemento “produção”, sendo considerado apenas, segundo esse

critério, o óleo cru. Esclarecia também que estavam afastados dele os lubrificantes e

combustíveis ou refinados de óleo cru importados. Só os refinados de óleo brasileiros seriam,

portanto, levados em conta na tributação “produção”. Os importados também seriam

tributados, mas na categoria “lubrificantes importados” ou de refinados de “óleo cru

importado”, e a receita com eles obtida seria fundamental deveria tornar justa a distribuição

dos ganhos.

Estipulou ainda as proporções de cada um daqueles critérios determinantes para a

taxação, dando peso vinte para o “elemento” superfície, a fim de não prejudicar os estados de

grande extensão territorial. Pasqualini também se ocupou de dar maior complexidade ao

critério de taxação “consumo”, considerando os estados em três níveis de desenvoltura: os

desenvolvidos, onde o consumo era maior que o número de habitantes, com o consumo maior

que a população (estados do Sul); os que tinham esses percentuais equilibrados (Rio Grande

do Sul, Santa Catarina, Paraná e Rio de Janeiro); e os subdesenvolvidos, onde esta proporção

era invertida, com a população maior que o consumo. Pasqualini propunha que a receita

obtida sobre os refinos importados e do óleo cru importado deveria levar em consideração

todos esses “senões”.

Assim eram resolvidas as categorias “superfície” e “consumo”; em relação ao

território, Pasqualini considerava que a existência de petróleo neste ou naquele estado era

questão de acidente geológico, e que a exploração, esta, por si mesma, já atraía muitos

recursos vindos dos mais variados locais; por essa razão, os territórios ricos em petróleo

147 Entrevista ao Correio do Povo, 6 de março de 1953. Todos os argumentos de Pasqualini sobre a lei da Petrobrás foram retiradas desta entrevista.

Page 49: Laura vianna vasconcelos   alberto pasqualini e o trabalhismo no brasil

75

deveriam receber uma taxa com peso 10; o restante dos benefícios viria de maneira indireta,

na forma de mão-de-obra, vias de comunicação etc.

Alberto Pasqualini calculava que a distribuição da receita originária da produção

nacional deveria, então, obedecer à seguinte proporção: 36% em relação à população; a

mesma taxação para o consumo; 18% para a superfície e 10 % referente à produção. Com essa

proposta, 26 estados sairiam beneficiados, razão pela qual o projeto logo foi aceito.

A estatização da exploração das fontes naturais era uma bandeira defendida por

Pasqualini, que excluía desse montante não só o capital estrangeiro, mas também o capital

privado de origem nacional. Alberto Pasqualini admitia o nacionalismo da Petrobrás, porque

ele rejeitava a participação do capital estrangeiro. Mas não via nisso uma negação do sistema

capitalista em si. A premissa era excluir o capital externo, mas não o privado nativo. Assim,

nosso teórico ia além, defendendo não só a nacionalidade do aproveitamento de nossas fontes

naturais, mas também sua estatização. Além de brasileiro, o aproveitamento deveria ser um

empreendimento estatal.148

O uso da palavra socialismo nos discursos de Pasqualini nem sempre era bem

delimitado. Ao mesmo tempo que defendia essa “solução socialista” para a questão do

petróleo, como afirmava, o ilustre trabalhista se defendia daqueles que o tratavam como

socialista:

Acredito que temos recursos e capacidade para explorar as nossas fontes de energia. As críticas daqueles que observam ser a solução estatal no sentido socialista [expressão que o próprio teórico usara, como destacamos na nota 25], podemos responder com as palavras de Trumam quando se referia aos empreendimentos do governo americano em matéria de exploração dos potenciais hidráulicos: muitos deles não querem que a energia de nossos rios seja utilizada como força vendida ao povo pelo preço de custo. Os benefícios públicos devem ser passados adiante do povo, cujas contribuições tributárias estão sendo usadas pelo governo. Esses benefícios não devem ser desviados para o proveito particular. Continuamos a luta por esses princípios e venceremos.149

De todo modo, Alberto Pasqualini, como vimos, aderiu organicamente ao projeto

monopolista da Petrobrás e foi personagem importante na criação da empresa. No entanto, sua

adesão de forma alguma contrariava sua integridade ideológica, pelo contrário. Como

ressaltamos na primeira parte do capítulo, Pasqualini não era contrário ao capital estrangeiro,

desde que este não tivesse fins exploradores. Mas, em se tratando do subsolo e das riquezas

naturais brasileiras, considerava que estas deveriam ser exploradas por iniciativa do Estado.

148 Diário de Notícias, 13 de maio de 1952. Sobre essa questão, Pasqualini dizia assim: “Não se trata, pois, de um tema nacionalista, mas uma solução no sentido socialista, em oposição às soluções de caráter capitalista”. 149 Idem.

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76

2.9 O Plano Lafer150

A política econômica que Vargas preconizava para o Brasil dos anos 1950 era uma

política de desenvolvimento econômico associada à expansão industrial do país. A diretriz era

estimular a produção de bens de consumo, o mercado interno, estimular a renda nacional e

promover a maior intervenção do Estado na economia, como meio de garantir a expansão

industrial.

Com isso em mente, em setembro de 1951 o governo brasileiro concluiu, em

Washington, um acordo de cooperação financeira com o Eximbank e o BIRD para o

financiamento do Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico, também conhecido como

Plano Lafer – sobrenome do ministro da Fazenda, Horácio Lafer. Nesse acordo, os bancos

concordavam com o programa de obras apresentado pelo governo brasileiro, mas davam

condição de liberar os fundos apenas mediante a aprovação dos projetos por parte da

Comissão Mista.

Em novembro o Plano Lafer entrou em vigor. Os financiamentos internos seriam

obtidos com a instituição de um empréstimo compulsório, feito a partir do pagamento de

adicional ao imposto de renda. Os objetivos do programa eram o reaparelhamento de portos e

ferrovias, o aumento da capacidade de armazenamento, assim como de frigoríficos e

matadouros, o aumento da produção de energia elétrica e o desenvolvimento das indústrias

básicas e da agricultura.

Pasqualini se manifestou a respeito do Plano Lafer e fez a ele algumas críticas. De

acordo com a determinação do plano, seria estabelecida uma taxação de 15 % sobre o

montante de imposto de renda (a partir de 10 mil cruzeiros para as pessoas físicas) e 3% sobre

as reservas ou lucros em suspensão, em poder das pessoas jurídicas. A taxa seria cobrada nos

anos de 1952-56, para constituir um fundo destinado a custear um programa de

reaparelhamento de portos e ferrovias. Passados seis anos, a importância seria restituída, com

uma bonificação de 25%, em títulos da dívida pública federal.

Para Pasqualini, a medida causaria uma sobrecarga nos orçamentos futuros, por causa

do serviço de juros e amortização. Ele reivindicava que as finalidades do programa deveriam

ser mais amplas, voltadas não somente para obras de infraestrutura, mas para a correção dos

150 Todas as citações foram lidas na entrevista publicada pelo Correio do Povo, do dia 31 de outubro.

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77

malefícios e inconvenientes do capitalismo. Dizia que “as inversões deveriam ser as que o

governo determinava, mas também poderiam abarcar financiamento de caráter social”

(aquisição de casa própria, cooperativa de consumo, indústria básica de produção agrícola,

das cooperativas de produção). Tudo isso, para ele, seria uma forma de obrigar a aplicação de

renda em atividades produtivas e, por isso, antiinflacionárias.

Pasqualini argumentava que, depois dos cinco anos, o governo teria de pagar uma

enorme quantia como reembolso ao que foi arrecadado, e que, inevitavelmente, essa

importância sairia do bolso dos trabalhadores. O “resgate deste empréstimo” só poderia ser

feito de duas maneiras, pensava; ou por meio da taxação dos trabalhadores ou por meio de

emissões, o que aumentaria ainda mais a inflação. Pasqualini temia a segunda opção, por

saber que a classe trabalhadora seria a mais atingida.

Como contrapartida, propunha que a taxação dos lucros seria a melhor forma de tornar

a arrecadação obrigatória e disciplinar a aplicação de parcela desses lucros nas devidas

finalidades – propunha que os que ganhassem mais de 4.150 cruzeiros deveriam ser taxados.

“É preciso não esquecer que o imposto é um dos meios de corrigir as injustiças sociais”,

afirmava, especialmente em relação à taxação de consumo de artigos de luxo e produtos

supérfluos.

Com a quantia obtida com essa política, Pasqualini defendia a criação de um fundo

social, pois pensava ser esta a única forma de haver algum financiamento e sistema de crédito

sem cobrança de juros para a população.

Como vemos, Alberto Pasqualini endossava o desenvolvimentismo posto em prática

no segundo governo Vargas. Mas, sem concordar com as medidas econômicas que lhe davam

sustentação, ele propunha uma solução que prestasse crédito às empresas que para cá viessem,

mas de maneira a não produzir efeitos sobre a população brasileira.

Como já destacamos, um dos objetivos maiores de nosso teórico era promover um

crescimento nacional planejado para o país. Assim como Vargas, pensava que só o

desenvolvimento de nossa indústria poderia permitir ao Brasil libertar-se do sistema de

economia semicolonial. Os meios para fazer isso nem sempre eram os mesmos, no entanto.

* * *

As conclusões elaboradas neste capítulo reforçam o que já dissemos sobre a

dificuldade de se escrever e estudar o pensamento político de um homem público que se

tornou mito e símbolo de um trabalhismo “diferente”. Na realidade, sua memória e seu

Page 52: Laura vianna vasconcelos   alberto pasqualini e o trabalhismo no brasil

78

discurso de homem puro e idealista contrastam com uma prática política que em muito pouco

destoavam da maneira como Vargas concebia a política e a história do Brasil. Vimos, ao

longo deste capítulo, que Pasqualini, ao longo de seus escritos, acabou por elaborar

argumentações que justificaram teoricamente os feitos e as escolhas do governo Vargas, ainda

que os criticasse teoricamente e que propusesse soluções e métodos por vezes distintos, caso

do Plano Lafer.

Pasqualini teve papel primordial na criação da Petrobras. Suas idéias sobre o Estado

Novo, os regimes ditatoriais e mesmo sobre Vargas acabaram por reforçar e sustentar as

diretrizes da prática e do governo varguista, dando-lhes maior sofisticação teórica e

ideológica. Criou argumentação elaborada e adaptou as realizações e características do

governo de Getúlio Vargas às suas mais sinceras aspirações, tornando-as palatáveis pra si

próprio e para todos que com elas simpatizavam. As críticas e os anseios eram sinceros; os

embates no interior do PTB também, assim como sua relativa independência argumentativa.

Mas nada disso deve minimizar o alto grau de adaptação que nosso teórico demonstrou ao

regime, nem sua organicidade com o que de fato o trabalhismo foi.

Pasqualini foi pensador de um trabalhismo mais abstrato, menos personalista, mais

independente em relação a alianças eleitorais, mas, ao mesmo tempo, com a defesa de

algumas de suas teses, elaborou muitos argumentos que sustentaram e legitimaram as bases

daquilo que sempre criticou no PTB e em Vargas.

Page 53: Laura vianna vasconcelos   alberto pasqualini e o trabalhismo no brasil

87

4 ALBERTO PASQUALINI E O TRABALHISMO

4.1 O positivismo em longa duração – as origens do trabalhismo gaúcho

(Ou as raízes do trabalhismo pasqualinista)

Assim como Vargas, Pasqualini foi fortemente influenciado pelo positivismo de Júlio

de Castilhos. Ambos defendiam um Estado forte e interventor, e acreditavam que a revolução

brasileira deveria ser feita de cima para baixo, realizada pela ação de uma elite que

incorporasse no pacto social a classe trabalhadora. A diferença fundamental entre eles é que,

em Pasqualini, ao contrário do getulismo, era o Estado o agente das transformações, e não o

líder. O trabalhismo pasqualinista, por essa característica de não centralizar suas referencias

ideológicas e políticas na figura de um líder, representou, no interior do PTB, uma relativa

alternativa ao personalismo de Getúlio Vargas. Como se viu, o personalismo de Vargas e dos

getulistas foi incômodo para Pasqualini, que direcionava seus esforços para tentar fazer do

PTB um partido muito mais doutrinário e menos eleitoreiro.

O pensamento de Alberto Pasqualini foi fortemente influenciado pelas idéias

positivistas de August Comte. Delas emergiram as noções de Estado provedor, economia

planejada, solidariedade social, de incorporação dos trabalhadores ao cenário político e,

sobretudo, a noção de desenvolvimento como uma associação entre progresso material e

social. No contexto específico do Rio Grande do Sul, foram as práticas e medidas políticas de

Júlio de Castilhos e de Borges de Medeiros que lhe marcaram a maneira de pensar.

A intenção, já anunciada de antemão, é apontar traços hereditários não só entre

positivismo e trabalhismo, mas também estabelecer entre Vargas e Pasqualini uma origem

ideológica comum. Do positivismo sairiam os pilares e os embasamentos teóricos para os

escritos de Pasqualini, para o que ele considerava o ideal de Estado, de sociedade, de modelo

político e de relação social. As investidas que o governo Borges de Medeiros fizera junto aos

trabalhadores já davam sinais do que se tornaria depois, durante os anos 1930, uma tradição

política; o atendimento das demandas dos trabalhadores, produzindo entre eles algum grau de

contentamento, combinada com uma prática política paternalista.

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88

Sobre o assunto, duas obras foram de crucial importância: A greve de 1917: as origens

do trabalhismo gaúcho, de Miguel Bodea,162 e “A arqueologia do Estado-providência: sobre

um enxerto de idéias de longa duração”, capítulo 9 do livro de Alfredo Bosi, Dialética da

colonização.163

* * *

Alfredo Bosi relembra que o positivismo não teria sido uma especificidade gaúcha,

mas antes uma característica da região platina: uruguaios e argentinos o compartilharam.

Segundo ele, as três regiões apresentavam formações socioeconômicas semelhantes, muito

voltadas para a atividade pecuária e exportadora. No entanto, a diversificação das atividades

econômicas fez surgir um embate entre interesses diversos; de um lado, os pecuaristas, que

almejavam as regalias obtidas com o laissez-faire, e, de outro, representantes de uma

emergente policultura voltada para o mercado interno, e também das atividades urbanas de

indústria e serviços, que reivindicavam um Estado mais participativo. O positivismo, ainda de

acordo com o autor, teria surgido como uma alternativa ao capitalismo liberal, uma espécie de

retificação deste modelo, e seria expressão dos interesses de setores econômicos emergentes,

cujos objetivos contrariavam as expectativas pecuaristas.164

O autor apresenta uma abordagem que, até a época em que o texto foi escrito, era

inovadora; tomando o positivismo como uma ideologia de longa duração,165 Bosi vai ao

período do abolicionismo para apontar não só as raízes desta ideologia, mas também seus

matizes regionais. O positivismo gaúcho e carioca, segundo ele, ao contrário do que ocorria

com o paulista, apresentava uma postura de defesa da atuação do Estado diante da questão da

abolição. Para os paulistas, a melhor opção, em se tratando do fim da escravidão, seria

esperar que tudo ocorresse naturalmente, sem interferência estatal.166

162 BODEA, Miguel. A greve de 1917: as origens do trabalhismo gaúcho. Porto Alegre: Editora L&PM, 1979. 163 BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. 164 Bosi, op cit, p. 282. 165 Na ocasião, o autor contestava a historiografia que estabelecia como marco final do positivismo brasileiro os primeiros anos do século XX, quando ascenderam ao poder os representantes dos interesses paulistas. Segundo esta historiografia, o fato teria provocado a marginalização dos militantes comtianos, jacobinos, discípulos militares de Benjamim Constant, e, paralelamente a isso, o fim do ideal positivista no Brasil. No texto, Bosi apresenta argumentos que sustentam a tese de uma sobrevida deste esquema de pensamento até o momento em que escrevia o texto, marcando não só o perfil de nosso Estado, mas também o nosso modelo de capitalismo. 166 BOSI, op. cit. p. 278-280.

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89

O positivismo, segundo o autor, teria sido a primeira vertente ideológica voltada para

retificar o capitalismo em seus problemas;167 uma espécie de reformismo, cuja grande

proposta era promover a integração das classes, cumprida graças à atuação vigilante da

administração pública. Ainda de acordo com ele, o que diferenciava o positivismo gaúcho dos

setores burgueses e progressistas era justamente o papel e a dimensão do poder público, que

atuaria como um promotor e controlador do desenvolvimento econômico e do pacto social.

Bosi ainda chama a atenção para o fato de que a inspiração de Saint-Simon e também de

Comte para tal modelo fora marcadamente ética, donde se explicaria o teor distributivista de

seu ideal de sociedade.

Vê-se com fartura muitos desses desejos e planos nas elaborações de Alberto

Pasqualini. Ao ler seus escritos percebe-se, logo à primeira leitura, que foi também a

justificativa ética que mais o inspirou, sendo muitas vezes elaborada por meio de citações

religiosas ou por sua obstinação em enaltecer a solidariedade como elo social entre os

homens.

Os positivistas gaúchos faziam ainda a defesa do sufrágio universal (incluindo os

votos de analfabetos, mulheres e religiosos), com voto a descoberto, e a defesa do regime

republicano. Mais uma vez, foi Júlio de Castilhos quem converteu os ensinamentos de Comte

em lei, garantindo também o funcionamento de uma Assembléia de Representantes,

idealizada pelo próprio Comte, a qual seria eleita por voto direto, e cuja função seria a de

votar e discutir o orçamento proposto pelo Executivo.

Esses princípios positivistas, lembra Bosi, serviram como guia norteador da atuação

política do PRR (Partido Republicano Rio-Grandense) e se traduziram em certas medidas que

mais tarde se veriam reproduzir no período getulista e no seu trabalhismo. Assim, destacam-

se o imposto territorial, ou seja, a taxação da propriedade da terra (a terra sendo um bem

público, explorado por um único indivíduo, devia ser taxada, justificavam os positivistas), o

incentivo às manufaturas por meio da isenção fiscal (o objetivo era fazer o Rio Grande do Sul

entrar na era industrial, por isso a preocupação com o desenvolvimento econômico das

indústrias incipientes, e nisso Bosi vê traços de protecionismo); a política de socialização dos

serviços públicos (Bosi lembra que Borges de Medeiros chegou a promover a encampação do

porto da capital gaúcha e da via férrea, alegando razões de utilidade pública, e que estas

estatizações contrastavam com a política privatizante implementada pelo governo federal168).

167 BOSI, Op cit p282. 168 O autor ainda argumenta que estas medidas estatizantes podem ser consideradas parte de uma doutrina cujo objetivo era coibir os abusos do mercado e que tinha a política de prover para prover, por isso, a intervenção. O autor ainda lembra que,

Page 56: Laura vianna vasconcelos   alberto pasqualini e o trabalhismo no brasil

90

Ao lado dessas medidas, consideradas pelo autor progressistas, este mesmo

positivismo atuaria de maneira também conservadora na chamada questão social. Segundo

Bosi, o governo atendia e buscava demonstrar uma prática política de conciliação e abertura

para as demandas dos trabalhadores, de modo a promover a sua incorporação no pacto

político, mas sempre de uma maneira paternalista, cooptando-os por meio da máquina do

Estado.169 O autor cita como exemplo a atuação do governo Borges de Medeiros na época da

greve geral, em 1917. Na sua interpretação, ao mesmo tempo em que buscava atender os

reclamos dos operários, Borges de Medeiros mandava coibir as manifestações que julgava

mais violentas. Para o autor, este registro dual, a um só tempo progressista e regressista, se

converteria em instituição quando Lindolfo Collor e Vargas criaram o Ministério do Trabalho,

anos mais tarde.170

O autor ainda considera que, já nesta época, forjava-se uma relação entre Borges e os

trabalhadores que demonstrava a tendência paternalista tão característica do período de

Vargas. Já aí, o chefe político aparecia como líder benfeitor. Borges de Medeiros era

mencionado pelos sindicatos gaúchos como político protetor, já que, numa postura ainda

inédita, teria acatado algumas das reivindicações dos trabalhadores, tabelando os preços de

gêneros de necessidade básica, e também por ter atendido a outras de suas demandas, como o

aumento salarial.171

Para Alfredo Bosi, pode-se afirmar que a Abolição fora o ponta-pé inicial para se

formar, entre nossos comtianos, ideias pré-trabalhistas. Num texto que toma emprestado de

Castilhos, sobre a situação dos ex-escravos, Bosi conclui que haveria, por parte do político

gaúcho, o reconhecimento lúcido de que, se abandonado às leis do mercado, o proletariado

liberto sofreria uma opressão ainda maior. Como solução, Castilhos atribuía ao legislador a

tarefa de pré-formar as condições em que se estabeleceria o trabalho livre e, mais ainda,

regular como ficaria a situação dos libertos: falava-se em regime de oito horas de trabalho,

regime de férias, proteção aos menores, mulheres e idosos, direito de greve e até em

aposentadoria. Para Bosi, essa postura de Castilhos já demonstrava um esboço mínimo do

Estado-providência.172

Por Estado-providência o autor entende aquele Estado previsor, que não deixa a cargo

do capital decidir sobre as condições de vida e trabalho dos trabalhadores. No ideal de Comte

por questão de hábito, situamos o nacionalismo estatizante entre os anos 1930-1950, mas que estas medidas, por si só, já teriam sido um indício de um dos principais componentes do trabalhismo getulista; o nacionalismo. BOSI, op. cit., p. 289. 169 Idem, p. 300. 170 Idem, p. 295. 171 Idem, p. 296. 172 Idem, p. 297.

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91

e Saint-Simon, o Estado-providência seria, pois, o maestro de um pacto estabelecido entre

governo e industriais, todos dispostos a integrar a classe trabalhadora harmonicamente num

pacto, concedendo-lhe alguma “assistência benévola”, no qual prevaleceria o ideal reformista

de um aparelho público vasto, responsável não só pelo estímulo à produção, mas também pela

correção das desigualdades do mercado.173

No entanto, apesar de atender a algumas das demandas dos trabalhadores, o que, para

época, constituía uma distinção frente à postura política do governo federal – o autor chega a

ressaltar certa antítese entre o protecionismo positivista e o livre-cambismo liberal, sobretudo

na questão da socialização dos serviços públicos –, esse mesmo positivismo apresentava um

perfil autoritário na maneira de incorporar o operariado ao pacto político, num dualismo que,

segundo Bosi, seria a tônica do trabalhismo brasileiro até 1964.

Corporativismo, paternalismo, autoritarismo e progressismo são todas expressões

largamente utilizadas por Bosi para traçar o perfil do modelo de Estado idealizado por nossos

comtianos, que seria também, numa perspectiva mais ampla, – e esta é a conclusão do autor –

o traço do capitalismo brasileiro. O positivismo teria dado ao nosso desenvolvimento

capitalista um perfil peculiar, sendo a um só tempo moderno e arcaico.

Em Miguel Bodea há uma análise mais pormenorizada do positivismo de Borges de

Medeiros, uma vez que seu livro se dedica mais especificamente à greve de 1917 e à relação

do governo com os grevistas. A ligação entre o PRR (Partido Republicano Rio-Grandense) e

o trabalhismo do PTB e de Vargas é também ali traçada. Assim como Bosi, Bodea acredita

que o positivismo teria fornecido a origem doutrinária do que foi o trabalhismo do PTB; de

Vargas, Pasqualini, Leonel Brizola e João Goulart.

É também sua opinião que o modo como Borges de Medeiros enfrentara a greve de

1917 já demonstrava os primeiros sinais do que seria a relação dos líderes trabalhistas com os

trabalhadores anos mais tarde – fato que, como vimos, também aparece nos escritos de

Alfredo Bosi. No entanto, ao contrário do que ocorre na análise de Bosi, que sempre relembra

a contradição mal resolvida entre progressivismo e autoritarismo, muito presente no

positivismo e no trabalhismo (aí estaria, então, para ele, a grande ligação entre os dois), em

Bodea, esta contradição não é destacada; a relação entre trabalhismo e positivismo seria

reduzida ao ineditismo do atendimento do governo às reivindicações dos grevistas (todas

embasadas pelo ideal comtiano de harmonia social e Estado previdente) e à particularidade

173 Idem, p. 274.

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92

gaúcha de ter se estabelecido no estado uma aliança entre diferentes classes e frações de

classes, o que teria permitido ao PRR esta prática política peculiar.

Como afirma Brochado da Rocha, no prefácio ao livro de Miguel Bodea, a análise do

autor não se restringe apenas a situar filosoficamente o trabalhismo no manancial ideológico

do PRR, mas realiza também um estudo sociológico do Rio Grande do Sul, apontando a sua

singularidade classista em relação ao Brasil como um todo. Ali, teria havido um rearranjo de

poder, no qual uma fração da classe dominante, não tão associada ao mercado externo, estava

disposta a incorporar no pacto político o proletariado. O cimento para essa aliança, ainda

segundo Brochado, teria sido o sentimento de espoliação frente ao domínio do empresariado

estrangeiro.

Nas análises que faz dos movimentos paradistas de 1917, Bodea observa certo

desenvolvimento na feição dos fatos. Se, nas primeiras organizações de greve, no mês de

julho, as reivindicações se voltavam para melhorar as condições de vida dos trabalhadores –

com redução da jornada de trabalho, diminuição dos preços dos alimentos e outros direitos

mais, como férias e proteção às crianças e mulheres, na evolução do movimento –, agora, em

outubro, desta vez envolvendo o setor ferroviário, ocorre uma mudança substancial no

discurso do operariado. No oratório grevista não mais se falava somente em nome dos

trabalhadores, fato corriqueiro no primeiro mês do movimento; agora o discurso fazia menção

ao “povo” rio-grandense como sujeito, unindo nesta “categoria” o operariado e o

empresariado gaúcho. Essa mudança é percebida com especial dedicação por Bodea, que aí

observa um embrião do que foi o nacionalismo para o trabalhismo, mais tarde.

Durante o mês de julho de 1917, os movimentos grevistas gaúchos eram organizados

basicamente por trabalhadores do comércio, do transporte e da indústria. Na ocasião, o Rio

Grande do Sul era o terceiro estado em termos de produto industrial, posição bastante

significativa, construída à base da industrialização da carne e de couros para a exportação.

Bodea destaca que a composição de trabalhadores estrangeiros no Sul, particularmente

em Porto Alegre, era relativamente baixa, se comparados à de São Paulo, somando apenas a

metade da população migrante paulista.174 No Rio Grande do Sul, a maior parte da população

estrangeira se instalou no campo, deixando o operariado gaúcho com uma marca bem

brasileira, fato que, segundo o autor, teria facilitado o surgimento de uma “aliança para

baixo”, conceito-chave em seu livro.

174 BODEA, op. cit. P. 27.

Page 59: Laura vianna vasconcelos   alberto pasqualini e o trabalhismo no brasil

93

O autor usa o jornal A Federação, órgão do Partido Republicano e porta-voz do

governo, como fonte primária. Ao se debruçar sobre a relação de Borges de Medeiros com a

organização dos trabalhadores em greve, Bodea destaca três aspectos: o governo, ao contrário

do que ocorria nos outros estados, não reprimiu violentamente as greves, acatando as que se

mantiveram dentro da ordem e com motivações que considerava justas –“[...] a greve, a

suspensão temporária do trabalho, é sempre um recurso legítimo [...] quando tem um fim

razoável e proporcionado às condições gerais do meio e do movimento”175; destaca não só o

atendimento de algumas das demandas dos operários, mas a rapidez com que elas foram

atendidas – apenas dois dias depois de feitas as mobilizações; impressionou-lhe ainda a

linguagem acessível com que os decretos foram redigidos, fato bastante incomum para época.

Mesmo assumindo que as medidas tomadas pelo governo não atendiam a todas as

categorias envolvidas no movimento – afinal, o aumento salarial foi concedido apenas aos

funcionários do Estado –, o autor destaca que a posição adotada pelo governo fora muito

importante, não só pelos decretos emitidos, mas por seu potencial “efeito-demonstração”,

servindo, ao mesmo tempo, como um exemplo a ser seguido pelos setores privados e como

aprovação aos reclames dos grevistas, já que alguns foram atendidos, e portanto

legitimados.176

Nas páginas de A Federação, os positivistas faziam a defesa do direito de greve (“[...]

deve ser a ação refletida de um espírito de organização”) e argumentavam pela noção de pacto

classista, cabendo ao bem público a tarefa de garantir o bom funcionamento deste pacto,

assegurando a harmonia entre as classes: “O estado tem que proteger não só os direitos do

operariado e dos patrões, do trabalho e capital, mas também o bem comum da sociedade”.177

Em outra citação do jornal A Federação, Bodea conclui que o editorial pode ser

considerado a fundamentação teórica do republicanismo positivista de Júlio de Castilho, e

também um “[...] ‘pré-ensaio’ do fenômeno populista e do trabalhismo, principalmente na sua

variante gaúcha”.178 No jornal, falava-se, por exemplo, da incorporação do operariado à

sociedade, manifestada, praticamente, pela materialização de alguns dos anseios dos

175 A citação é do jornal A federação, do dia 2 de agosto de 1917, e está na página 39 do livro de Bodea (op.cit.). 176 Idem, p. 39. 177 Idem, p. 40, A Federação, 2 de agosto de 1917. 178 Idem, p. 45. Não há muito esclarecimento sobre os termos “populismo” e “trabalhismo” nesta obra. Sobre o assunto, há apenas uma pequenina nota de rodapé. Nela, Bodea até cita o esforço de negar o caráter populista ao trabalhismo, sobretudo nos trabalhos de Moniz Bandeira (o livro citado é O governo de João Goulart, de 1978), mas não há qualquer esclarecimento mais cuidadoso. Bodea explica que seu propósito na obra se resume apenas a tentar desvendar as origens do próprio trabalhismo e do getulismo, ambas a partir da especificidade de formação político-social do Rio Grande do Sul, mas sem ter qualquer pretensão maior sobre aquele assunto. Ainda na mesma nota, o autor faz uma periodização do trabalhismo, afirmando ser o getulismo sua primeira fase. Cabe destacar apenas que, já aí, getulismo e trabalhismo aparecem como etapas diferentes, embora complementares. Em Pasqualini, a periodização parece ter ocorrido ao contrário; o getulismo foi incorporado ao seu pensamento já em fase madura, assunto que será mais bem exposto logo ao final do capítulo.

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94

trabalhadores em decretos. O periódico ainda gabava-se de ver na sociedade gaúcha uma

lógica social diferenciada, em que o espírito coletivo prevalecia sobre os interesses

individuais, daí – julgavam os republicanos –, a obrigação do bem público em satisfazer

interesses não só do proletariado, mas também dos capitalistas. Saltava aos olhos, portanto, a

ideia de um Estado interventor, de uma sociedade harmonizada, na qual os interesses

coletivos deveriam preponderar por sobre os interesses classistas e individuais. E também a

noção de que o proletariado deveria ser agrupado à sociedade por meio de direitos básicos

assegurados. Estas são três ideias muito presentes nos escritos de Alberto Pasqualini, e

bastante frequentes também no que se constituiu como discurso estado-novista.

Como já mencionamos, é também por meio da análise dos acontecimentos grevistas de

1917 que Miguel Bodea nota outra componente do que será o trabalhismo: o nacionalismo. A

especificidade gaúcha de ter a maior parte das indústrias em mãos estrangeiras, na opinião do

autor, teria unido operários e burguesia numa comunhão contra a má administração dessas

empresas. Daí ter surgido, no Rio Grande do Sul, o embrião do que seria o nacionalismo da

década de 1950. A presença desse patriotismo no desenrolar do movimento teria promovido

uma importante transformação no discurso dos grevistas; de “trabalhadores” a “povo”, todos

os segmentos sociais uniam-se numa mesma palavra. O movimento perdia, com isso, toda sua

identidade de classe, e, no mais tardar dos fatos, o governo já não representaria o papel de

patronato, de adversário a ser convencido. Na união das classes, Borges de Medeiros passaria

a ser o grande interlocutor dos interesses gaúchos frente à dominação estrangeira. O governo

passava, então, de oponente a interlocutor, a aliado.

O objetivo de toda essa retrospectiva histórica do trabalhismo, feita a partir dos

trabalhos de Alfredo Bosi e Miguel Bodea, é tentar apontar uma gênese política-ideológica

comum a Vargas e a Pasqualini. No positivismo republicano gaúcho está boa parcela dos

preceitos da concepção de política dos dois trabalhistas, muito embora cada um tenha dado,

na leitura que fizeram daquela experiência, sua própria contribuição. Em comum, estava a

ideia de Estado condutor das transformações sociais, numa perspectiva antiliberal e

interventora, e, mais ainda, a ideia de pacto entre classes, materializada, segundo Bodea, na

greve de 1917; o desejo de fazer do operariado parte integrante da sociedade, garantindo-lhe

alguns direitos que mais tarde fariam parte da própria legislação trabalhista (em ambos os

textos, estes esforços por direitos de regulamentação do trabalho, ainda que incipientes,

formulados por Júlio de Castilhos e por Borges de Medeiros, aparecem como sinais de um

pré-trabalhismo); e certa dose de autoritarismo, expresso na defesa de que caberia à elite

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95

conduzir todo o processo, esclarecendo e até redigindo uma opinião política/consciência do

trabalhador que se encontraria em estado de latência.

É com base nessa origem doutrinária comum que não se pretende negar as distinções

entre o trabalhismo getulista e o de Pasqualini, mas enfatizar a origem positivista de ambos.

Em nossa opinião, o berço doutrinário positivista é preterido nas análises que estudam o tema,

já que boa parte delas prioriza as diferenças entre os dois, falando em trabalhismo getulista e

pasqualinista, mas esquecendo-se da origem ideológica comum.

Embora tenha feito críticas a Vargas durante o Estado Novo, e mesmo tendo sido ele

um questionador do personalismo de Getúlio, lutando sempre por um partido que tivesse

maior densidade doutrinária, e tendo enfrentado por várias vezes a reticência de Vargas no

jogo eleitoral, ainda assim, Pasqualini manteve-se fiel ao PTB, aos seus princípios e à sua

origem positivista. Aliás, o trabalhismo de Pasqualini foi resultado de uma miscelânea de

elementos, sendo o positivismo talvez o mais importante.

Sempre pareceu inquietante o fato de as análises que julgam o trabalhismo de

Pasqualini como alternativo ao de Getúlio não darem conta da permanência do teórico no

Partido. Na história do PTB, aconteceram algumas dissidências, particularmente no PTB

gaúcho, mas Pasqualini sempre atuou como um fiel trabalhista, lutando pela sobrevida da

agremiação, que respeitou profundamente, inclusive respeitando suas mazelas e jogadas

eleitorais. Ainda assim, sua peleja sempre foi a de tentar dar ao Partido um perfil mais

ideológico, questionando as alianças puramente pragmáticas que fazia, ou ainda criticando os

rumos que o PTB tomava no plano do governo federal (isso aconteceu particularmente nos

primeiros anos do segundo governo Vargas).

A tradição política republicana gaúcha parece ter sido o elo entre os dois,

consolidando, tanto em Vargas quanto em Pasqualini, aspectos compartilhados de ideal

político, de conduta estatal e de relação com o operariado, numa tentativa de incorporá-lo ao

pacto social – sempre pensado de maneira a que o Estado conduzisse o processo. As

diferenças entre os dois existiram, e seria negligência omiti-las. A ausência de um líder

político centralizador, o desapego pelas bandeiras nacionalistas e a postura mais idealista de

política e de partido fizeram de Pasqualini não um opositor a Vargas e ao getulismo, mas

permitiram-lhe exercer uma função no Partido que só alguém com o seu perfil desempenharia;

um teórico capaz de formular o trabalhismo como doutrina.

Assim, mesmo que com elementos diferenciados, o trabalhismo que Pasqualini

formulou parece ter se encaixado naquilo que o Partido carecia, já que lhe dava a faceta e o

cabedal ideológico necessários para a preservação da legenda a longo prazo. Nisso, mais do

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96

que qualquer peculiaridade, fora fundamental a identificação tanto de Vargas quanto de

Pasqualini com o positivismo gaúcho. Mais do que diferenças entre os dois, havia, entre

Vargas e Pasqualini, um intenso diálogo. Os dois se sustentaram ideologicamente, o primeiro

atuando na esfera da vida política, e outro dando sustentação ideológica ao que o trabalhismo

representou em sua prática. Essa linguagem comum aos dois foi dada pela experiência do

positivismo gaúcho.

* * *

A influência do positivismo, assim, teria dado a Borges de Medeiros uma ótica

diferenciada para lidar com a situação grevista. No entanto, para Miguel Bodea, só o

positivismo não seria suficiente para explicar a especificidade gaúcha diante dos

acontecimentos. O Rio Grande do Sul apresentava particularidades ainda mais estruturais, que

teriam ajudado e permitido tal conduta. Uma delas teria sido o rearranjo político ocorrido no

estado.

Ali, teria havido um deslocando de liderança política da antiga elite de estancieiros,

dominantes nos partidos do Império, para o novo núcleo de lideranças republicanas radicais.

Bodea explica que este grupo dissidente era chamado por Joseph Love de “quase elite”,179

conceito que, admite, teria contornos teóricos pouco nítidos, mas seria bastante útil para a

análise dos acontecimentos políticos da época.

Segundo Miguel Bodea, essa cisão oligárquica teria possibilitado a Borges de

Medeiros fazer aquelas concessões aos anseios grevistas, já que essas medidas, na verdade,

teriam sido arcadas pelos grandes produtores agrícolas, que tiveram de dar conta do aumento

do imposto territorial rural, tributo idealizado por Júlio de Castilhos mas posto em prática por

Borges. Assim, o aumento salarial concedido pelo governo teria sido obtido graças a esse

imposto, pago pela oligarquia estancieira.

A política fiscal marcadamente progressista em relação ao resto do país, os ensaios pioneiros de intervencionismo e fomento econômico, a predisposição de tentar “integrar” o proletariado politicamente visando estabelecer o “equilíbrio social” eram medidas perfeitamente coerentes com o ideário positivista.180

179 O conceito está no capítulo de Love, “O Rio grande do Sul como fator de instabilidade na República Velha”, no livro organizado por FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília A. N. O Brasil republicano, vol 1, Estrutura de poder e economia (1889-1930): São Paulo: Difel, 2003, p.111. 180 Bodea, op. cit., p. 77.

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97

Tentando dar maior consistência a isso que Love chamaria de “quase-elite”, Bodea

discorre sobre o perfil econômico diferenciado do Rio Grande do Sul e também sobre a

situação peculiar da elite política gaúcha. Além de possuir características diferenciadas com

relação à oligarquia cafeeira paulista – ligada organicamente aos interesses agroexportadores,

enquanto a elite gaúcha nutria interesses mais direcionados para o mercado interno –, o Rio

Grande do Sul ainda apresentaria, assim, outra peculiaridade: sua oligarquia estava

dicotomizada entre maragatos e chimangos, entre federalistas e republicanos castilhistas.

Essas duas particularidades explicariam os reclamos desta elite por maior intervenção estatal

na economia, com medidas protecionistas, e a postura mais aberta do governo de Borges de

Medeiros frente às reivindicações dos trabalhadores por ocasião da greve de 1917. O perfil

mais ligado ao mercado interno justificava o desejo por um Estado protetor e atuante,

enquanto a cisão oligárquica dava ao governo a possibilidade financeira de permitir maiores

concessões ao movimento grevista. Ao positivismo coube a função de dar o cimento

ideológico disso tudo.

É, no entanto, com o auxílio de Boris Fausto que Bodea complementa sua análise.

Utilizando-se do conceito de trabalhismo daquele autor, Miguel Bodea acredita conseguir

explicar não só os acontecimentos da greve de 1917, mas também o desenrolar da Revolução

de 1930, alguns anos mais tarde.

Boris Fausto utiliza o termo trabalhismo para designar a disposição existente no

interior do movimento operário de um núcleo disposto à colaboração de classes e a aceitar a

dependência em relação ao Estado; e, ao mesmo tempo, a existência de setores sociais no

Estado propensos a algum tipo de aliança com os trabalhadores. O autor observa este

fenômeno no Rio de Janeiro, onde, segundo ele, a existência de uma parcela da classe média,

oriunda dos setores nascentes da indústria, comércio e setores urbanos, não tão dependente de

setores ligados à burguesia cafeeira, teria viabilizado a realização disto que o autor chama de

“aliança para baixo”.

Para Boris Fauto, então, o perfil moderado dos setores trabalhistas cariocas – setores

dispostos a se integrarem ao projeto de outras classes – só poderia frutificar se combinado a

dois outros fatores: a existência de uma classe média com autonomia suficiente para buscar

alianças com outras classes, e a presença de segmentos no Estado interessados em cumprir o

papel de mediadores da colaboração de classes.181

181 BODEA, op. cit., p. 80.

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98

É com essas orientações e diretrizes que Bodea considera ter sido o Rio Grande do Sul

o local ideal para um acontecimento desta natureza. Lá, o predomínio de trabalhadores

nacionais nas fábricas e serviços, associado a uma classe intermediária não tão vinculada às

vontades do mercado externo, e a formação de um Estado composto por segmentos

interessados em incorporar o proletariado no pacto social teriam permitido uma aliança

interclassista:

A nossa hipótese é de que a existência de uma “oligarquia dissidente”, autônoma em relação ao complexo cafeeiro, voltada para o mercado interno, e, ao mesmo, tempo atormentada pela profunda luta intestina entre chimangos e maragatos, possibilitou o ensaio pioneiro de uma aliança para baixo entre setores das classes médias urbanas, acoplados ao segmento da oligarquia dissidente, representado pelo PRR e as nascentes forças populares que invadem o cenário, com a greve de 1917.182

O curioso disso tudo é o significado que Bodea atribui ao termo trabalhismo, ainda

que por meio da leitura de Boris Fausto; trabalhismo aparece em seu pensamento como

palavra que designa um pacto estabelecido entre diferentes classes, e a idéia de que caberia ao

Estado fazer a mediação entre os interesses dessas diferentes classes; noções que, como

vimos, foram preciosas para as formulações de Pasqualini, e que estiveram, mal ou bem,

presentes no modelo de política implementado por Vargas.

Parece apressado fazer conjecturas a respeito de uma interpretação sobre a greve de

1917, sobre a gênese do trabalhismo gaúcho e o próprio pensamento de Pasqualini. Afinal, o

nosso teórico não parece ter se ocupado muito com as origens históricas trabalhistas. No

entanto, ainda assim, arriscamo-nos a afirmar que essas interpretações que lêem o fenômeno

trabalhista numa perspectiva de longa duração, indo desde Júlio de Castilhos até os nossos

anos mais recentes,183 permitem a desmistificação do trabalhismo como uma ideologia

“inventada”, estritamente ligada ao surgimento do mito político Getúlio Vargas.

Entretanto, a construção deste mito, este sim estimulado por ação de política de

Estado, teve papel primordial nas idéias de Pasqualini.

182 Idem, p. 81, grifos do autor. 183 É Bosi quem adota esta perspectiva; Miguel Bodea também observa as origens do trabalhismo no positivismo gaúcho, como demonstramos. No entanto, o autor não chega a estender o fenômeno até mais recentemente, finalizando sua incursão pelo trabalhismo em 1964, época do Golpe Civil e Militar.

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99

4.2 A componente getulista do pensamento político de Alberto Pasqualini

As relações que Pasqualini manteve com Getúlio nunca foram de total concordância.

Ele foi de crítico de Vargas durante o período do Estado Novo, e seu companheiro de partido,

sempre lhe dando apoio, mas de maneira a não perder sua capacidade crítica. No PTB,

pasqualinistas e getulistas debatiam intensamente, utilizando as páginas dos jornais gaúchos

como tribuna. No entanto, como Miguel Bodea, acreditamos que, mesmo na fase de opositor

ao Estado Novo, Alberto Pasqualini jamais pode ser considerado um antivarguista, pois suas

colocações sempre se embasaram mais em críticas conjunturais, de apelo por um regime mais

democrático, de descontentamento com os rumos dos partidos, do que em questões de

divergência de programa. No entanto, não se deve deixar de admitir que Alberto Pasqualini

relutou em acatar em seus discursos a figura de Getúlio Vargas como símbolo do trabalhismo.

De fato, o getulismo foi difícil de ser incorporado às suas idéias, o que só ocorreu mais

abertamente, como já se falou, somente nos idos da década de 1950.

Há certa confusão em se definir trabalhismo no Brasil; fala-se em getulismo, em

trabalhismo brasileiro ou simplesmente em trabalhismo. Definir getulismo é primordial para

entender a sua relação com o que Pasqualini elaborou como trabalhismo. Como vimos, na

década de 1950, Getúlio foi se tornando cada vez mais freqüente nas falações de Alberto

Pasqualini, enunciando, por trás disso, uma mudança conceitual muito importante na sua

leitura sobre Vargas e o trabalhismo; a passagem do personalismo para a personificação.

No livro Getulismo e Trabalhismo, Angela de Castro Gomes e Maria Celina

D´Araújo.184 dão a exata medida da confusão dos termos quando se preocupam em elaborar

um pequeno glossário, explicando, à sua maneira, o que cada uma das palavras expressam;

Trabalhismo: seria um termo mundialmente utilizado, que expressaria uma maneira de

conceituar a trajetória de trabalhadores em busca de seus direitos econômicos, políticos e

sociais. Datado do século XIX, ele incluía a luta pelo reconhecimento dos sindicatos como

interlocutores legítimos dos trabalhadores, a defesa de representação política plena para os

trabalhadores, com partidos especificamente voltados para eles.

No Brasil, no entanto, as autoras observam que “o trabalhismo esteve sempre muito

mais associado a uma política estatal do que a uma intervenção autônoma dos

184 Gomes, Angela de Castro Gomes e D`ARAÚJO, Maria Celina. Getulismo e trabalhismo. São Paulo, Editora Ática, 1989. O glossário com a s colocações estão na página 80 do livro.

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100

trabalhadores”.185 Nota-se, com isso, que mais uma vez trabalhismo aparece como ideologia

política originária da ação do Estado, assim como acontece em A invenção do trabalhismo.

No entanto, ao conceituar trabalhismo getulista, o que se sobressai, ao que parece, é a

leitura que o associa às leis sociais postas em prática durante o governo Vargas.

Numa leitura oficial, que se tornou oficial, o Estado teria liderado o processo de criação e concessão das leis sociais antecipando-se às demandas dos trabalhadores e controlando as condições objetivas de implementação de uma política trabalhista. O termo remete também à idéia de que é possível uma política harmônica entre capital e trabalho.186

É interessante que a má delimitação entre getulismo e trabalhismo é lembrada pelas

autoras, comentando que, no processo de industrialização brasileira, a confusão entre estes

dois termos foi muito comum, não sendo raro a associação entre o antitrabalhismo e

antigetulismo. No entanto, as duas condenam a confusão, afirmando não ser possível reduzir

um termo ao outro.

Getulismo: por ter sido um movimento estruturado em torno de uma pessoa, as autoras

admitem não haver idéias muito precisas o definindo. De uma maneira geral, no entanto, as

duas afirmam que o getulismo pode ser definido como um conjunto de correntes de opiniões

favoráveis à política e ao estilo de Getúlio Vargas. Ele teria se originado por iniciativa do

Estado, que, com um esforço sistemático de propaganda e de elaboração doutrinária, e

também de atendimento a algumas demandas dos trabalhadores, cultivava o papel de Vargas

como líder e responsável pelas conquistas sociais até então obtidas.

Para não haver confusão: trabalhismo e getulismo teriam sido resultado desse

esforço estatal. No entanto, getulismo deve ser entendido como uma opinião pública de apoio

a Vargas, enquanto trabalhismo, para elas, seria a ideologia oficial do Estado Novo (as autoras

utilizam-se fartamente da expressão ideologia política para definir o trabalhismo, mas não a

explicam suficientemente). “A pregação Estado-novista fundará, como sua ideologia, o

trabalhismo e criará um movimento de opinião pública favorável, até mítico, à figura de

Getúlio Vargas: o getulismo”.187

Ou ainda:

O que importa ressaltar é que o trabalhismo, como ideologia política centralizadora na figura de Vargas, em sua obra social e no tipo de relação – direta e emocional – que ele propõe manter com a massa trabalhadora vinha sendo construída dentro do Ministério do Trabalho

185 Idem, p. 80. 186 Ibidem. 187 Idem, p. 8.

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101

desde 1942. Assim, sem o suporte ideológico do trabalhismo, o queremismo teria sido praticamente impossível.188

Os dois termos, getulismo e trabalhismo, teriam se complementado ainda durante a

ditadura varguista. No entanto, o getulismo teria alcançado sua expressão máxima no

movimento queremista, corrente popular de apoio à candidatura e ao retorno de Getúlio

Vargas ao poder, nas eleições de 1945. O curioso é que as viradas getulistas que o partido

sofria – particularmente a ocorrida em 1948, época de organização da agremiação para as

eleições de 1950, quando o esforço por uma maior independência com relação a Vargas logo

seria abandonado em função da candidatura de Vargas para presidente – também são

denominadas pelas autoras “viradas queremistas”.

Na opinião de Jorge Ferreira, o getulismo foi uma expressão cunhada na década de

1940, que traduzia a defesa e as conquistas do trabalho, sempre de maneira associada a

Vargas, e que representou também um estilo político que privilegiava uma relação entre líder

e governo sem qualquer mediação. Para Ferreira, nos idos de 1950, esta relação ficaria

desgastada, graças a uma geração que se manifestava politicamente, e que viu suas

necessidades políticas não mais condizerem com aquele tipo de relacionamento.

Paralelamente a isso, o autor observa uma mudança estrutural no PTB e no trabalhismo: “Da

personalização da política, o getulismo institucionalizou-se em um partido político, o PTB,

transformando-se em um projeto para o país, nomeado de trabalhismo”. Nota-se que, assim

como Lucília de Almeida Neves, Jorge Ferreira acredita ter havido uma periodização do

trabalhismo, de getulismo para trabalhismo, de um projeto personalista de afagos ao líder

político a um projeto político para o Brasil. O trabalhismo seria, assim, a evolução do

getulismo numa versão despersonalizada e institucionalizada.189

O PTB viu essas duas idéias se confundirem em sua formação; o partido se resumia a

Getúlio Vargas, e o trabalhismo, “eleitoralmente, espelhava a sua face ideológica”.190

Trabalhismo e getulismo se entrelaçavam, porque as duas idéias foram inventadas nesses

termos, ambas muito associadas a Vargas, explicam as autoras. Elas ainda revelam que o

sucesso eleitoral do PTB nas urnas de 1945 e 1947 deveu-se à figura de Getulio no partido, e

também ao esforço de constituir um alicerce sólido, não só em meio às camadas populares,

mas também junto às bases sindicais. Aliás, trabalhismo, getulismo, sindicalismo e o próprio

PTB teriam sido, cada um deles, esforços diferenciados para manutenção das bases de apoio 188 Idem, p. 19. 189 FERREIRA, Jorge. O imaginário..., op. cit., p. 12. 190 GOMES, Angela de Castro Gomes; D`ARAÚJO, Maria Celina, op. cit., p. 35.

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102

inauguradas pelo Estado Novo. Nessa empreitada, o PTB teria ganhado destaque, já que,

ainda segundo Angela de Castro Gomes e Maria Celina D`Araújo, ele pode ser considerado o

lado mais modernamente organizado desta política trabalhista (entendida como forma de

angariar apoio ao projeto implementado por Vargas).191

Em outra obra, desta vez só de Maria Celina D`Araújo, Sindicatos Carisma e poder, a

autora reforça o diagnóstico de que o PTB e o próprio trabalhismo nasceram muito ligados ao

getulismo. A tese da autora é que o PTB pode ser considerado um partido de origem

carismática,192 caracterizado por fissuras entre lideranças secundárias, que se limitavam a

disputar o legado político e ideológico de Vargas e o comando do partido, sempre em moldes

personalistas, mas sem grandes questionamentos a este domínio do líder político. Assim, as

lutas internas nunca se voltavam contra o líder ou contra a quem as lealdades eram prestadas,

mas sempre se limitavam a definir quem seria o herdeiro do grande líder, que, no caso do

PTB, era Getúlio Vargas. Disso decorreria uma outra característica: um processo lento de

institucionalização, já que nem o líder, nem seus seguidores estariam dispostos a correr o

risco de, ao sofrer a institucionalização, perder o controle sobre o partido.

Outras características ainda definiriam este tipo de partido: pouco respeito às regras

internas da agremiação; poder de decisão mais centralizado nas mãos do líder; e, por

decorrência, a organização partidária absolutamente associada à delegação pessoal. Isso

levaria a uma disputa interna entre as sublideranças, que dependeriam de boas relações com o

líder para ganhar destaque no partido. Em suma, um partido com este tipo de origem, isto é,

associado à figura de um líder político, apresentaria o carisma como base de sua organização.

Este fato seria facilmente percebido em caso da morte do líder, já que, a partir de então, o que

se observa é a utilização da memória do líder como cimento ideológico para a agremiação,

apelo fundamental para a manutenção da unidade e continuidade do partido.193

A autora ainda adverte que o grande dilema deste tipo de agremiação política

consistiria na resolução da seguinte questão: como tornar o carisma pessoal do líder em

oficial, e, junto com ele, todo o mecanismo de lealdade prestada – se antes este tipo de

sentimento se relacionava a esta figura, agora, a lealdade se vincularia muito mais ao

partido.194

191 Idem, p. 37. 192 D`ARAÚJO, Maria Celina. Sindicatos, carisma e poder. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 1996, p. 17-18. 193 Idem, p. 19. 194 Idem ibidem.

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103

Como um partido de origem carismática, ainda segundo Maria Celina D`Araújo, o

PTB passaria, ao longo de sua história, por constantes disputas internas entre os seguidores de

Getúlio Vargas, sendo boa parte das frações perdedoras expulsas do partido. No entanto, o

livro retrata as diversas tentativas do que a autora chama de rotinização do carisma – que é a

citada transformação do carisma pessoal em oficial, ou simplesmente, institucionalização do

partido. Mesmo tendo esta origem associada a Vargas, o PTB sofreu com este processo, e viu

várias das suas lideranças tentarem ganhar papel mais significativo nas suas fileiras (o

ministro Danton Coelho seria um caso, assim como João Goulart), o que, numa perspectiva

mais ampla, significava esse processo lento de institucionalização.

Alberto Pasqualini, com todas as suas críticas ao personalismo na política e ao

autoritarismo do Estado Novo, ingressaria no PTB. As conseqüências disso, aqui já reveladas,

foram várias, tanto para o partido, que se viu dividido em duas correntes, quanto para

Pasqualini, que enfrentou a resistência política de Vargas.

Getulismo, trabalhismo, personalismo, todos esses são conceitos cruciais para se

entender a maneira como o nosso teórico conseguiu conciliar as críticas que fazia ao PTB com

os seus ideais de partido e de política. A forma como isso tudo se compôs no seu pensamento

e no trabalhismo que formulou pode ser o modo mais adequado para entender a relação entre

o que se convencionou chamar de trabalhismo doutrinário e trabalhismo getulista. Para isso, é

necessário verificar de que modo Pasqualini definiu e analisou cada um desses termos.

Já sabemos que Pasqualini lamentava a forma como os partidos políticos tinham sido

fundados no Brasil. Segundo ele, as agremiações haviam sido criadas à base do improviso,

sem qualquer concepção política e social sólida que os orientasse. E mesmo quando isso se

esboçou, ainda assim, Pasqualini considerava que em nenhum deles esta concepção social e

política teria sido determinante, sendo, na verdade, preteridas pelos interesses políticos

pessoais em jogo. Importava aos partidos muito mais os candidatos do que a doutrina social,

argumentava.

Sobre o PTB, em especial, Alberto Pasqualini tinha muito claro o que era necessário

fazer:

Nosso trabalho deveria agora consistir em corrigir o processo histórico de formação partidária, processo que, na realidade, não existiu. O Partido Trabalhista, por exemplo, ainda não possui uma doutrina social definida, e, consequentemente, um conjunto de soluções maduramente estudadas. [...]

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104

Se perguntar, por exemplo, se o Partido Trabalhista é socialista ou capitalista, ninguém saberá responder com certeza. Alguns dirão que visa “harmonizar o capital com o trabalho” [...] Mas todos os outros partidos afirmam a mesma coisa.195

Inquietava-lhe a falta de definição e a imaturidade doutrinárias do partido, ainda muito

associado a Vargas. O PTB foi fundado com finalidades eleitorais claras, mas sem qualquer

definição ideológica mais nítida. Assim, existiam o PTB, o trabalhismo e o getulismo,

entendido como opinião favorável a Vargas, mas não havia ainda uma definição do

trabalhismo como ideologia partidária mais elaborada. Trabalhismo e getulismo, como vimos

nas definições acima, se confundiam. Vargas permanecia como um marco para as conquistas

sociais obtidas, e trabalhismo, como afirmam Angela de Castro Gomes e Maria Celina

D´Araújo, ainda aparecia muito associado a esse processo.

Pasqualini admitia as confusões entre os termos, reivindicava o uso mais sério da

palavra trabalhismo e reclamava para o PTB uma postura ideológica mais madura:

É necessário que o “trabalhismo” não seja apenas uma palavra, um rótulo para fins eleitorais, mas que lhe corresponda uma substância ideológica, isto é, um sistema de soluções que tenham sua origem em uma determinada concepção social. A verdade é que até agora tem havido a utilização do termo sem grande preocupação pelo conteúdo. Esse é um dos erros de nosso trabalhismo. 196

Sobre o queremismo e o trabalhismo, afirmava:

Trabalhismo deve ser idéia, doutrina, concepção social e um sistema de soluções para os problemas correntes. Queremismo é afeição, é querer bem ao Sr.Getúlio Vargas pelo que ele fez e pelo que ainda poderá fazer. (...) As duas coisas não se incluem e nem se excluem necessariamente. A tese que sustentamos é que o trabalhismo só pode ser construído e existir sobre uma concepção social que, aos poucos, terá que ir se definindo, caracterizando e concretizando, ela independente de pessoas.197

È oportuno notar que, neste caso, queremismo aparece com o significado que nossos

autores anteriormente citados atribuem ao getulismo; isto é, como afeição.

No processo de formação do pensamento de Pasqualini, o trabalhismo getulista, isto é,

aquele que atribui a Vargas a responsabilidade pelas conquistas sociais e que tem nele o seu

pólo de organização ideológica, foi incorporado muito paulatinamente. Pode-se mesmo dizer

195 Entrevista concedida por Pasqualini ao Diário de Notíticias, do dia 13 de junho de 1945, reproduzida in Simon, op.cit., 196 Ibidem. 197 Ibidem.

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105

que, em Pasqualini, ao contrário do que aconteceu com o PTB e com o trabalhismo que

Angela de Castro Gomes define, o trabalhismo não nasceu personificadamente idealizado; ele

não nasceu getulista. Isso só ocorreu de maneira mais sistemática quando Pasqualini

diferenciou personalismo de personificação; a partir daí, acreditamos poder afirmar ter havido

uma incorporação às suas idéias do que se definiu como trabalhismo getulista. Porém, mesmo

aí, o perfil doutrinário de suas idéias parece ter superado o getulismo, já que o teórico via

Vargas como uma ferramenta para o trabalhismo, e não o contrário.

Se trabalhismo e getulismo se confundiam no linguajar político da época, no

pensamento de Pasqualini estes dois conceitos apareceram bem delimitados. E embora o

teórico só tenha utilizado a expressão trabalhismo depois de sua entrada no partido, e depois

de toda a iniciativa estatal para a formulação do que Angela de Castro Gomes chama de

trabalhismo, já havia, tanto na sua USB, quanto nas suas Sugestões para um programa de

governo, as diretrizes do que pode ser considerado um pré-trabalhismo. Como se viu, tanto

Bosi como Bodea sustentam a tese de que tanto o positivismo de Júlio de Castilhos, quanto a

relação de Borges de Medeiros com o movimento grevista, em 1917, podem ser apontados

como raízes históricas do trabalhismo, sendo, portanto, considerados uma espécie de pré-

trabalhismo. Assim, ainda que não nomeando suas idéias como trabalhistas, ou mesmo

depois, quando isso já ocorria, Pasqualini manteve-se fiel às suas convicções de não reduzir o

trabalhismo ao getulismo ou ao trabalhismo getulista.

No entanto, isso não significou que houvesse entre os dois, getulismo e trabalhismo

pasqualinista, uma oposição ideológica ou uma cisão; reduzir esta relação a isso seria uma

simplificação, cuja maior conseqüência seria o empobrecimento da própria história de

formação do trabalhismo como um todo. Como vimos e argumentamos, a entrada de

Pasqualini no PTB aconteceu como um esforço do próprio partido em elaborar mais a fundo

sua ideologia partidária, papel que Pasqualini exerceu com uma consciência e dedicação

elogiáveis. Só alguém com o seu perfil, muito mais de doutrinador e de teórico do que

político, poderia desempenhar tal papel. Os conflitos eram decorrentes deste processo

doloroso; tornar o trabalhismo do PTB, originalmente getulista, num trabalhismo mais

independente, embora ainda muito referente a Vargas.

Assim, muito mais do que trabalhismos opostos, os dois líderes faziam parte de um

mesmo processo: tornar o PTB um partido mais forte não só eleitoralmente, mas também

ideologicamente, e garantir um modelo de política que mais se aproximasse daquele

idealizado pelos positivistas gaúchos.

Page 72: Laura vianna vasconcelos   alberto pasqualini e o trabalhismo no brasil

106

Em termos conceituais, assim como Miguel Bodea, acreditamos que o referencial

teórico que mais dá conta da relação dos dois trabalhismos é o gramsciano. Alguns conceitos

podem ser utilizados para isso: “intelectual orgânico”, “sociedade civil”, “sociedade política”

e “partido político”. Esses conceitos permitem expressar a ambigüidade e complexidade da

relação entre Getúlio e Pasqualini, e também, numa perspectiva mais ampla, dar ao

trabalhismo a longevidade histórica que Angela de Castro Gomes e Jorge Ferreira não

destacam.

Em Gramsci, o partido político atuaria como um corpo intermediário entre duas

esferas superestruturais; a sociedade civil e a sociedade política.

Por enquanto, podem-se fixar dois grandes planos superestruturais: o que se pode chamar de “sociedade civil’ (isto é, o conjunto de organismos chamados comumente de “privados”) e o da “sociedade política ou Estado”, que corresponde à função de “hegemonia” que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de “domínio direto” ou de comando, que se expressa no Estado ou no governo jurídico. Essas funções são precisamente organizativas e comunicativas.198

Gestado no plano da sociedade civil, o partido atuaria na elaboração do que Gramsci

chama de “consenso”. O partido não é necessariamente o partido político em sentido restrito,

cuja forma de atuação se encerraria na ação política, mas se apresenta como um organismo ou

um complexo que atuaria na conformação e elaboração de uma visão de mundo, construindo o

que ele chama de “vontade coletiva”. Essa “vontade coletiva” tanto pode ter objetivos de

manutenção de uma dada ordem como ser revolucionária, original, tendo, assim, uma ação

transformadora (caso do Moderno Príncipe, que seria o partido revolucionário).

Só pode [o partido] ser um organismo, um elemento complexo de sociedade no qual já tenha se iniciado a concretização de uma vontade coletiva reconhecida e fundamentada parcialmente na ação. Este organismo já é determinado pelo desenvolvimento histórico, é o partido político: a primeira célula na qual se aglomeram germes de vontade coletiva que tendem a se tornar universais e totais.199

Assim, seriam partidos, frações de partido ou exerceriam funções de um partido as

revistas, jornais, igrejas e todos os complexos que tentam formular a visão de um grupo social

– seja ela uma classe ou uma fração de classe – como legítimas, hegemônicas. Gramsci

justifica seu conceito de partido quando explica que, em sua forma moderna, os partidos

198 GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968, p.10. 199 GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968, p. 5.

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107

orgânicos se apresentam fracionados, por motivos de luta ou qualquer outra razão. Por isso

não se poder reduzir os partidos políticos àquelas organizações orgânicas e tradicionais.

O teórico italiano esclarece que a função do partido é elaborar uma verdadeira reforma

moral e intelectual, reforma que de maneira alguma pode ser desassociada das mudanças

econômicas. É o que se lê nas citações:

Uma parte importante do moderno príncipe deverá ser dedicada à questão da reforma intelectual e moral, isto é, à questão moral e religiosa ou de uma concepção de mundo [....] deve ser o propagandista e o organizador de uma reforma intelectual e moral, o que significa criar o terreno para um desenvolvimento ulterior de uma vontade coletiva nacional-popular no sentido de alcançar uma forma superior e total de civilização moderna.200 Uma reforma intelectual e moral não pode deixar de estar ligada a um programa de reforma econômica. E mais, o programa de reforma econômica é exatamente o modelo concreto através do qual se apresenta toda reforma intelectual e moral.201

Assim, um partido político teria uma dupla função: atuar na formação de uma vontade

coletiva e também promover uma reforma intelectual e moral, representando, ao mesmo

tempo, mudanças na estrutura econômica. O partido aparece, em Gramsci, como expressão e

organizador dessas funções, num movimento complexo de atuação e de representação.

Nascido nessa esfera de atuação, que Gramsci denomina de sociedade civil, o partido

político atuaria na construção de uma visão de mundo. A partir daí, e subseqüente a isso,

buscaria exercer seu domínio em outra esfera: na sociedade política. Ali, as formas de atuar

apresentar-se-iam de maneira mais coercitiva, porque disporiam das ferramentas oferecidas

pelo domínio do aparelho de Estado. Se na sociedade civil o que se tem é a busca pelo

consenso, na sociedade política é a coerção a maneira de exercer a hegemonia.

O “intelectual orgânico” seria a figura principal em todo esse esquema teórico.

Gramsci sugere medir o nível de organicidade dos intelectuais com relação aos diferentes

estratos sociais pela maneira como eles se situam entre os dois planos superestruturais, a

sociedade civil e a política.

É assim que ele os define.

Os intelectuais são os comissários do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político, isto é: 1) do consenso espontâneo dado pelas grandes massas da população À orientação impressa pelo grupo fundamental dominante À vida social, consenso que nasce historicamente do prestígio que o grupo dominante obtém, por causa de sua posição e função no mundo da produção.202

200 Idem, p. 8. 201 Idem, p. 9. 202 GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura, op.cit., p. 11.

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108

As duas esferas atuariam, portanto, numa relação de complementariedade; na

sociedade civil, buscar-se-ia o apoio e a construção de uma concepção de mundo que desse

sustentação ao domínio de um determinado grupo social, enquanto na sociedade política as

ferramentas de atuação seriam muito mais coercitivas, com a utilização dos instrumentos

oferecidas pela máquina do Estado. Os partidos seriam originários da experiência histórica de

certo grupo social, sendo determinante para isso o espaço que esse grupo ocupa no mundo da

produção. Os intelectuais seriam fundamentais para a fundamentação do consenso no plano da

sociedade política, sendo importantíssimos, portanto, para a elaboração daquela visão de

mundo, função que caberia também aos partidos políticos.

Ao considerar o trabalhismo como “partido político”, englobando tanto a atuação de

seus dirigentes políticos, no plano da sociedade política, como também o nível da

cristalização do “senso comum”, já no âmbito das massas, amplia-se a concepção de

trabalhismo. Só assim, considerando-o tanto uma corrente doutrinária como um movimento

social – a um só tempo como resultado de uma ação política, pela atuação pública dos

dirigentes, mas também como expressão de uma visão de mundo –, não se reduz o

trabalhismo à esfera do Estado. Numa abordagem como esta, o trabalhismo não pode ter

início no ano de 1942, como defende Angela de Castro Gomes. Nem pode ser reduzida única

e exclusivamente a uma ideologia inventada, cujo fim último seria a sustentação de um

regime político. Esta seria apenas a expressão de um dos níveis desse trabalhismo: a sua

esfera de atuação na sociedade política, no plano da coerção, quando o trabalhismo emergia

como força política, exercendo o domínio da máquina estatal. Com Bodea e sua abordagem

gramisciana203 do trabalhismo – com a qual tendemos a concordar –, este conceito ganha

maior amplitude temporal, indo desde os positivistas gaúchos, na fase de elaboração do

trabalhismo como “visão de mundo”, passando pelos anos 1930-1945, momento em que o

trabalhismo se expressava como força política, até o ano de 1964, época de sua crise política.

Como vimos, Bodea não foi o único a argumentar em favor da longevidade do

conceito; Alfredo Bosi e Boris Fausto também o fizeram, embora de maneira diferenciada.

Assim, concordamos aqui com a defesa de que o trabalhismo deve ser considerado numa

perspectiva de longa duração. Pasqualini nos ajuda nisso porque a formação de seu

pensamento e do que ele elaborou como trabalhismo obedeceu à cronologia do que aqui se

vem demonstrando: as raízes históricas e formadoras do trabalhismo, entendido como

203 A tese é defendida no seu livro já fartamente citado aqui, Trabalhismo e populismo no Rio Grande do Sul.

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109

corrente doutrinária, não foram necessariamente getulistas. Não o foram porque elas não se

limitam ao Estado Novo, mas têm origem arraigada no positivismo gaúcho. O trabalhismo

ganhou dimensão nacional na sua expressão getulista. Aí sim, como obra da atuação de um

Estado, porque visava a manter e conquistar o poder e a direção política. Assim ficou

conhecido e ocupou lugar de destaque na política nacional.

Ao considerar Pasqualini como o intelectual orgânico do trabalhismo, Miguel Bodea,

como vimos, argumenta que suas diferenças em relação a Vargas seriam muito mais

decorrentes de uma divisão interna no PTB, que traduziriam, numa linguagem gramsciana,

duas formas diferentes de atuar. Pasqualini, empenhado na elaboração do consenso, no plano

da sociedade civil; e Vargas, atuando na sociedade política. Mas ambos determinados a

estabelecer uma mesma ordem trabalhista, apesar das diferenças entre os dois. Em Pasqualini,

isso aparecia como visão de mundo. Em Vargas, como projeto de nação.

Como se procurou demonstrar, Pasqualini possuía uma concepção de partido que

traduzia muito bem o que esses conceitos teóricos procuram definir: a luta pela construção de

uma mentalidade social transformadora, pela ordem trabalhista, o esforço para elaborar um

trabalhismo mais bem definido teórica e ideologicamente, todas essas foram preocupações do

nosso teórico. E, de alguma maneira, mesmo com a desconfiança de Vargas e dos getulistas, o

papel que coube a Pasqualini no PTB – conquistado por ele graças ao seu empenho, mas

também concedido pelo partido, que lhe delegou esta função – respeitava muito sua

concepção particular de política, de partido e do próprio trabalhismo. Suas funções no PTB

sempre se voltaram para isso, ao mesmo tempo que alimentavam suas concepções. Este fato

pode ser facilmente observável no relevo e na função que a Revista Trabalhista lhe atribuiu,

como integrante-chefe de uma comissão de estudos planificados do PTB. Nas páginas da

revista, sua foto era estampada ao lado da de Vargas e Jango, porém com uma função bastante

específica: explicar e formular o trabalhismo nos seus próprios termos.

* * *

Apesar de ressaltar toda a elaboração doutrinária e teórica de Pasqualini, e de destacar

a sua peleja em transformar o PTB num partido com maior densidade teórica, não podemos

deixar de esclarecer também, como já o dissemos no capítulo sobre sua biografia, que

Pasqualini, apesar de todo o discurso e querelas com Vargas, foi homem de confiança de

Getúlio e do PTB. Grande parte de suas colocações e questionamentos jamais deixou de ser

meramente figura de retórica, sem jamais se traduzir numa prática política efetiva.

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110

Ao sustentar o seu perfil diferenciado, como teórico e intelectual que era, jamais

queremos dizer, com isso, que Pasqualini teve dedicação menos fervorosa ao trabalhismo do

que qualquer outro militante. Como intelectual orgânico, Alberto Pasqualini foi fundamental

na formulação teórica do trabalhismo; e o trabalhismo, em sua feição teórica, jamais deve ser

separado de sua prática política. Desta maneira, ao sustentar o argumento de que Pasqualini

defendia um trabalhismo mais complexo, menos centralizado na figura de Vargas e mais

autônomo, não está se querendo afirmar ou reforçar, com essa ideia, a imagem pública que

dele ficou: um homem puro, íntegro nas suas idéias e não contaminado pelo getulismo e suas

mazelas – personalismo, pragmatismo político e autoritarismo. Tudo isso apareceu em suas

idéias, está no seu modelo de Estado, está na sua relação com Vargas, e está na defesa que fez

da ditadura.

No entanto, ainda que todos esses traços apareçam em seu pensamento, Pasqualini

deve ser analisado na sua íntegra. Não se pode negar que o trabalhismo que o nosso teórico

idealizou, apesar de ter uma função política decisiva na sustentação do trabalhismo,

apresentava diferenças em relação ao varguismo. Havia um discurso mais sofisticado – já que

trazia mais elementos -, um ideal cujo objetivo nem sempre se traduzia na conquista do

Estado – embora, na prática, tenha sempre contribuído para isso, e uma elaboração teórica que

sempre se esforçou por tornar o PTB mais impessoal e dinâmico. Tudo isso deve ser

destacado, como o fizemos ao longo de todo o trabalho. Mas de maneira alguma se deve

duvidar e minimizar a sua consciência e adesão à prática política trabalhista e ao PTB.

4.3 Pós-escrito: notas sobre o artigo “Positivismo, trabalhismo, populismo: a ideologia

das elites gaúchas”204

Neste artigo do professor de economia da UFRS, Pedro Cézar Fonseca, muitos dos

argumentos defendidos ao longo desta dissertação são colocados em xeque. A leitura de seu

trabalho foi bastante estimulante, embora algumas das interrogações feitas pelo autor não

possam ser respondidas de imediato. No entanto, a despeito disso, mesmo assim ele aparece

204 Fonseca, P. 2008 Jul 28. Positivismo, trabalhismo, populismo: a ideologia das elites gaúchas. Ensaios FEE [Online] 14:2. Disponível: http://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/view/1619/1987

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aqui, pois foi lendo as suas críticas que desdobramos ainda mais as conclusões até então

formuladas.

A produção é do ano de 1993, sendo anterior, portanto, a esta pesquisa que agora se lê.

Nele, o autor dialoga com os estudiosos que argumentam por uma hereditariedade

histórica do trabalhismo nos preceitos do positivismo gaúcho. Miguel Bodea é seu

interlocutor e o artigo é mesmo todo estruturado na negação dos argumentos que Bodea

formulara anos antes, no início dos anos 1980.

Em linhas gerais, Pedro Cézar discorda da teoria de Bodea, que vê na ação política de

Borges de Medeiros durante a greve de 1917 traços e indícios que mais tarde também

caracterizariam o modelo trabalhista de política.

As concessões e negociações feitas por Borges, na opinião de Pedro Cézar Fonseca,

não foram mais do que uma reação episódica, e não devem ser interpretados com maior

profundidade do que isso. Segundo ele, antecipar o trabalhismo naquele contexto,

interpretando o governo gaúcho como um governo mais aberto às reivindicações dos

trabalhadores, - capaz de realizar a chamada “aliança para baixo”-, sendo mais disposto ao

diálogo do que à repressão, na verdade, seria reproduzir uma representação que a própria elite

gaúcha faria de si mesma: “esse tipo de explicação, ao recorrer a uma inversão do ocorrido

através da generalização de um evento específico, faz forte apelo à imaginação e aos

símbolos, configurando a representação que as elites dirigentes fazem delas mesmas”.205

Além disso, ao alegar e reivindicar para o Rio Grande do Sul esta diferenciação,

Bodea, segundo Pedro Fonseca, estaria buscando legitimar o positivismo e, por conseqüência,

o próprio trabalhismo: “Ao recorrer à especificidade local nesses termos, busca-se a

legitimação pela diferenciação, e não só do positivismo como do próprio trabalhismo”.206

Desta maneira, a interpretação de Miguel Bodea, segundo o autor, seria tendenciosa,

pois estaria fundamentada em uma simbologia produzida pela própria elite gaúcha, numa

crença na capacidade de satisfação e de diálogo do governo diante das reivindicações dos

trabalhadores. Além de dar sustentação e legitimidade ao positivismo e ao próprio

trabalhismo, Bodea, na interpretação de Pedro Fonseca, privilegiaria, com essa abordagem,

uma ótica que dava pouco relevo à ação dos próprios trabalhadores. Segundo ele, as

explicações para o atendimento de algumas das demandas dos grevistas e a não-repressão de

Borges de Medeiros ao movimento devem ser encontradas na dimensão do que foi a greve de

1917, e não na disposição e capacidade peculiar do governo gaúcho.

205 Idem, página 412. 206 Idem.

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Nem mesmo a encampação da Viação Férrea do Rio Grande do Sul deve ser indício

do que foi o nacionalismo para o trabalhismo, segundo o autor. Como vimos, Miguel Bodea

faz mesmo esse esforço, ao destacar certo descontentamento dos gaúchos com a

administração dos frigoríficos, feita, em grande parte, por mãos estrangeiras. Pedro Fonseca

alega que a iniciativa da encampação jamais fez parte das reivindicações grevista e só foi

adotada pelo governo como último recurso. O autor destaca ainda que mesmo o nacionalismo

varguista, anos mais tarde, deve ser relativizado, pois sempre adotou postura pragmática em

relação aos investimentos e capitais estrangeiros.

Se há urna semelhança entre esse nacionalismo episódico de Borges de Medeiros e o de Vargas após 1930, e com todas as qualificações lústóricas que se fazem necessárias, esta deveria dar-se em razão oposta à pretendida pela literatura; nem o líder chimango nem Vargas eram hostis ao capital estrangeiro, e o nacionalismo do último sempre conviveu, a não ser nos anos finais de seu último governo (1951 -54), com apelos recorrentes á presença do capital estrangeiro para ajudar no desenvolvimento econômico do País207.

A conclusão de Pedro Fonseca é, desta maneira, diametralmente oposto à de Miguel

Bodea, pois rechaça qualquer vínculo de origem do trabalhismo no positivismo. Pedro

Fonseca nos explica que o positivismo não deve ser considerado o berço histórico do

trabalhismo – este só “nasceu” como fenômeno de massa, e quando as classes sociais se

definiram no país. Na República Velha, os conflitos não eram classistas, mas entre Estados,

continua Pedro Fonseca208. Assim, embora não use a expressão, ver no positivismo alguns

traços do que foi o trabalhismo seria um anacronismo. Da mesma maneira, prorrogar o

positivismo no pós-30 seria dar elasticidade demais ao fenômeno, uma vez que Vargas,

segundo o autor, apresentaria uma influência cada vez mais branda dos preceitos positivistas

de Borges e de Castilhos.

Como um fenômeno datado, o positivismo, nesta perspectiva, deve ser entendido

inserido somente naquele contexto da geração de Castilhos e de Borges de Medeiros. Atribuir

ao governo de Getúlio Vargas influências em demasia positivistas, seria, além de tudo,

confundir o governo com o líder político. Naquele guisado que foi o governo varguista,

atribuir peso demais ao positivismo seria simplificar a heterogeneidade ideológica do

governo, explica o autor.

A única exceção feita por Pedro Fonseca seria o caso do desenvolvimentismo. Para

ele, a postura mais intervencionista do governo gaúcho deve, sim, ser considerada um

embrião do fenômeno desenvolvimentista, já que, ao se opor ao liberalismo clássico, o Estado 207 Idem, pag. 413. 208 Idem, pag. 414.

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atuaria como o ator responsável pelo “progresso”, em aliança com a iniciativa privada.

Progresso e ordem seriam a dobradinha positivista, sempre indissociável uma da outra.

Progresso, referente ao desenvolvimento das forças capitalistas brasileiras, e ordem,

garantindo este desenvolvimento com um caráter excludente, se pensado do ponto de vista

dos trabalhadores.

* * *

Como não poderia deixar de ser, os efeitos deste artigo foram bombásticos.

No entanto, apesar de ter razão em alguns aspectos, Pedro Fonseca, em nossa opinião, possui

uma interpretação simplificadora da argumentação de Miguel Bodea. Se o erro de Bodea,

segundo ele, seria dar legitimidade ao positivismo e também ao trabalhismo, numa

reprodução daquela mítica elitista gaúcha, a dele seria reduzir a idéia de continuidade à noção

de reprodução.

Tentar estabelecer familiaridades entre positivismo e trabalhismo não significa

desrespeitar as diferenças entre os dois fenômenos e entre os dois contextos. Mesmo que a

interpretação de Bodea privilegie muito mais a postura do governo diante da greve de 1917 do

que a posição e a luta dos trabalhadores, seu estudo não pode ser reduzido a um endosso ao

que ele chama de ideologia das elites gaúchas.

De fato, ao traçar as continuidades entre os dois fenômenos, Miguel Bodea não atribui

tanto relevo à dupla faceta do trabalhismo e do positivismo, como o faz Alfredo Bosi, por

exemplo, que sempre nos lembra a complexa relação entre progresso e conservadorismo

presente no modelo de relação entre Estado e sociedade de ambos. No entanto, em nossa

interpretação, ao utilizar os conceitos teóricos de Gramsci, Bodea une os dois momentos,

respeitando as singularidades de cada um deles. Foi isso que tentamos explicar ao longo

desse trabalho.

Mesmo que Pedro Fonseca tenha razão em situar o trabalhismo como um fenômeno de

massas, sendo corretamente relacionado à ampliação da participação política popular,

acreditamos que, tanto Bosi como Bodea têm razão em ver no positivismo traços que

constituíram o que os dois chamam de pré-trabalhismo. Tentar apontar as continuidades nem

sempre significa esquecer as rupturas, e o prefixo “pré” talvez indique zelo com toda essa

dinâmica complexa.

É o autor que parece reduzir trabalhismo a positivismo, como se as duas palavras

aparecessem na obra de Bodea como sinônimos. Não há dúvidas que a interpretação de

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Miguel Bodea apresenta lacunas. Nela, há mesmo uma interpretação muito governamental do

movimento grevista de 1917, e a escolha das fontes deixam isso bem claro: o livro é todo

baseado na leitura do jornal A federação, do PRR. No entanto, mesmo privilegiando muito

mais o papel do governo do que o dos trabalhadores, seus argumentos parecem revelar uma

similaridade de concepção de Estado e de incorporação dos trabalhadores ao pacto político

que perpassou os dois contextos e fenômenos. Lógico: nada disso quer dizer que o

trabalhismo seja o positivismo em nível nacional.

Cada um dos fenômenos apresenta uma multiplicidade de leituras. Como vimos,

Pasqualini e Vargas concebiam o trabalhismo cada qual à sua maneira, por exemplo. Se as

duas palavras, isoladamente, apresentam suas variações interpretativas, é de se imaginar a

dificuldade de correlacionar um fenômeno a outro.

No entanto, numa abordagem de longa duração, como é a de Bodea, o trabalhismo e o

pré-trabalhismo - que não é o positivismo, mas determinadas características que

permaneceram nos dois modelos -, são interligados muito mais por suas continuidades do que

separadas por suas rupturas, embora estas sejam evidentes e muito importantes.

As reações do governo de Borges de Medeiros podem ter sido episódicas, como

argumenta Pedro Fonseca, tanto no seu atendimento às demandas dos trabalhadores, como no

seu nacionalismo, mas, ainda assim, num contexto em que muito pouco se fazia em relação às

demandas sociais, as reações do governo gaúcho não poderiam ter a força de um modelo

político, como esperava o autor, e sim a brevidade de um episódio mesmo. Além disso, ainda

que tenha siso uma reação momentânea, motivada por pressões dos trabalhadores - que devem

ser creditados na sua luta e organização, sem dúvidas -, o governo e o PRR parecem ter

embasado sua reação num complexo discurso e ideologia, que não parecem ter se originado

naqueles meses de mobilização.

Ainda assim, é preciso que se esclareça que nenhum desses argumentos aqui

apresentados deve ser considerado como uma legitimação do trabalhismo ou do positivismo.

Como Bosi, acreditamos que o trabalhismo e o positivismo apresentavam a dualidade de ser

progressista e conservador a um só tempo, estabelecendo um modelo paternalista de relações

entre Estado e sociedade. Eram conservadores porque viam na ação política de uma elite

ilustrada a chave para a incorporação controlada dos trabalhadores, mas progressistas

porque, apesar disso, avançaram no atendimento de algumas de suas demandas. O resultado

disso seria a dificuldade de ação dos trabalhadores como grupo organizado e consciente,

dificuldade esta que em nada legitima o trabalhismo ou o positivismo.

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