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B CPOOC GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido "Trabalhista Brasileiro Angela Maria de Castro Gomes Maria Celina Soares D'Araújo FUNOIÇAO GETULIO YlRGIS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAçAO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL RIO DE JANEIRO 1987

GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

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Page 1: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

PTB

CPOOC

GETULISMO E TRABALHISMO:

tensões e dimensões do Partido "Trabalhista Brasileiro

Angela Maria de Castro Gomes

Maria Celina Soares D'Araújo

FUNOIÇAO GETULIO YlRGIS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENT AçAO DE

HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL

RIO DE JANEIRO

1987

Page 2: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

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FUNOAÇAO G. I ULtO VARGAS L INDIPO I CPOOC

CPDOC

GETULISMO E TRABALHISMO:

tensões e dimensões do Partido Trabalhista Brasileiro

Ângela Maria de Castro Gomes

Maria Celina Soares O'Araújo

FUNDICão GETULIO VIRGIS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENT AçAO DE

HISTÓRIA CONTEMPORANEA DO BRASIL

RJO DE JANEIRO

1987

Page 3: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

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Page 4: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

Supervisão edito r ial: Cristina Mary Paes da Cunha

Revisão d e texto: El izabeth Xavier de Araújo

Datilografia: Diva Léa Ribe iro Sylvio

Nota :

Este texto foi concluído em 198 5 e faz parte da l inha d e

pesquisa "Partic ipação po l ít ica e Movimentos Soc ia i s " desen

volvida no Cpdoc .

Ficha cata lográfica

G 6 3 3g

GOMES , Âng e l a Maria de Castro .

Getulismo e trabalhismo : tensões e d imen sões

do Partido Trabalhista B ra s i l eiro/Ânge la Maria de

Castro Gomes , Maria C e l ina Soare s D'Araú j o . Rio de

Janeiro : Centro d e Pesquisa e Documentação d e HistQ

ria Contemporânea do Bra s i l , 1987.

73p.

1. Bras i l -História-Getúl i o Varga s , 1930-1945.

2. Bra s il-História-Getúlio Vargas , 1 9 5 1-19 54. 3. G�

tul i smo . 4 . Traba lhismo . 5 . Bra s i l -História-Gaspa r

Dutra, 1946-1 9 5 1. 6. Partido Traba lhista Bra s i leiro.

I. D'Araúj o , Maria Celina Soare s . 11. Centro de Pe�

quisa e Documentação de·História Contemporânea do

Bra s i l . 111. Título.

CDU 98 1.082

CDD 981.062

Page 5: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

SUMÁRIO

Introduçã o / l

A criação d o PTB/ 7

Trabalhismo e queremismo / 14

O PTB e a s e l e ições d e 1 9 4 5 / 2 5

O PTB d e 1 9 4 5 até a volta d e Vargas / 34

O PTB e o Min i s tério do Trabalho/4l

O PTB e a propaganda do trabalhismo / 4 7

O " queremos " volta às rua s / 5 2

O trabalhismo volta a o poder?/ 5 7

O trabalhismo sem Vargas / 6 9

Page 6: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

Introdução

No período que vai de 1 9 4 5 a 1964 três grandes parti

dos marcam a cena da pO l í t ica bras i l e ira: o Partido

crático ( PSD ) ; a União Democrá t ica Nacion a l (UDN ) e

Social DemQ

o Partido

Trahalh ista Bra s i l e iro ( PTB ) . Convivendo com outras organ iz§.

ções part idárias de menor porte e de importância e l e itoral mais

reg iona l izada , não há dúvida que PSD , UDN e PTB foram as organi

zações que dominaram o sistema partidár io d o país . Sobre os dois

primeiros já existem alguns excel entes trabalhos publ icados , o

que nao acontece em relação ao PTB .

Este texto pretende ser uma incursão inicial sobre t�

ma a inda tão desconhecido e para tanto , d e l imita claramente dois

e ixos de aná l ise . D e um lado , estuda o PTB em um momento h i s tQ

rico preciso que vai d e suas origens em 1 9 4 5 até o suicídio de

Vargas em 19 54. De outro, e l ege como seu foco um dos temas bási

cos do partido , isto é , as relações do traba lhismo com O getuli§

mo neste período . Esta abordagem enfatiza uma questão marcante

para o desenvolvimento deste partido . A importância da figura

e do carisma de Getúl io Vargas para a con f iguração ideológica

e organizat iva do PTB . Fica claro que outros pontos igua lmen

te relevantes nao serao incluídos aqui , como por exemplo a atu§.

ção parlamentar do partido e sua doutrina concebida por vários

Page 7: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

2

ideó logos do traba lhismo .

Liderando o movimento revolucionário de 1 9 3 0 Vargas a�

cende ao poder , para n e l e permanecer por 1 5 anos consecutivos .

No decorrer desse período foi chefe do Governo Provisório ( 1 9 3 0-

1 934 ) ; presidente constituc ional e le ito por via indireta ( 1 9 34-

1 9 37 ) e a inda di tador de uma ordem autoritária conhec ida como

Estado Novo ( 1 937- 1 945 ) . Após um interregno de quatro anos r�

tornará ao poder em jane i ro d e 1 9 5 1 , a través do voto popular di

reto, para nele permanecer até agosto de 1 9 54 quando , a exemplo

de 1 94 5 , rec ebe o veto m i l i tar e opta então pelo suicídio .

Desde o iníc io de sua carreira Vargas se mostrou um

líder in conteste e hábi l . Sua imagem popular , entretanto , sera

f irmada gradat ivamente , só vindo a se conso l idar em definiti

vo a partir do Estado Novo . Ou se ja , o poder nao foi decorrên

cia de sua popular idade e carisma mas , ao contrário , , e no exe!:

cíc io do poder que esses atributos são construídos através de

uma e f ic iente campanha política e ideológica .

A ascensão de Vargas ao pode r em 1 9 3 0 será acompanhada

pela preocupação em definir um novo pacto político , que sanasse

as mazelas da República Ve lha . Inovar po l i ticamente era o gran

de desa f io para a facção vitoriosa dos revoluc ionários . Para

tanto era necessário a busca de apoios d iversif icados que inclui

am forças mil itares , setores da burguesia e também ant igas oli

garquias regionais . As d i ficuldades para t a is composições

marcarao exatamente o c l ima d e tensão pOlítica que o país enfren

tará no pós-30 , particularmente até 1 9 3 7 , período no qua l se

detecta perfe itamente o a c irrado embate entre correntes c en trali

zadoras e autoritárias e outras proponentes de uma rede f in ição

do federa l ismo e da l ibera l-democrac ia , sem que isso impl icasse

a negação desses princípios .

Page 8: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

3

Com o golpe de 1 9 3 7 que instaura o Estado Novo consª

gra-se a proposta autoritária e e l imina- s e po liticamente os de

fensores remane scente s do l ibera lismo -- a exemplo do que j á se

fizera com os comunistas , que desde 1935 foram submet idos aos ri

gores da Lei de Segurança Nacion a l e do Tribun a l de Segurança

Naciona l . Margina liza-se e persegue-se também a extrema-d ireita

organizada na Ação I ntegra lista Bra s i l e ira que , apesar de apoiar

ideologicamente a nova ordem , constituía uma organização autônQ

ma e disciplinada que poderia trans formar - s e em força pOlítica

para lela com forte pode r deses tabi l izador . Com o E s tado Novo

e stará também f irmada uma s ó l ida a l iança de Vargas com a corpo

raçao militar e e stabelecido o compromis so por parte do governo

de promover o desenvolvimento econômico do país , o que lhe ga rag

tirá o crescente apoio de s etores da burguesia .

A estabi l idade do E s tado Novo e stava fundamentada ne.§.

ses compromissos e , principa lmente , no uso intens ivo da

repre s siva e da propaganda ideológ ica . Mas seu suces s o

força

depeg

deria também de uma ampla base de legitimação que foi buscada

e f icientemente j unto à c l a s s e traba lhadora . O grande trunfo de

Varga s foi a insistente d e f e sa de que o E stado Novo represeg

tava o momento ótimo para a implementação no país de uma demQ

cracia socia l , para a valorização do trabalho e para o reencog

tro do Es tado com a nação , a travé s da l iderança pessoal do pr�

s idente .

A pregaçao e s tadonovista fundará , como sua ideologia ,

o trabalhismo e criará um movimento de opinião pública favorá

ve l , até mítico , à f igura de Getúlio Vargas: o getul ismo . Trª

ba lhismo e getulismo são t e rmos que se complementam durante a

ditadura , à medida que a defesa e a s conquistas do trabalho sao

diretamente a s sociadas a imagem do che fe do governo .

Page 9: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

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Findo o Estado Novo e restabe l ecida várias prerrogati

vas democrá t icas , o getul ismo será , sem dúvid a , um marco divi

sor na pOl í t ica brasile ira . Vargas h avia se convertido de fato

na l iderança mais expressiva da pol í t ica nacional , nao obstante

a oposição que se acentuava contra a sua permanência no poder .

o processo d e redemocrat ização de 1945 será expressivo d e sua

inf luência. Basta l embrar que o s istema partidário surgido ne§.

sa época , foi concebido dentro do l imitado circuito dos arredQ

res do presidente. Se tomarmos os três principais part idos err

tão criados UDN , PSD e PTB fica claro que uma de suas d i ferenças

mais marcantes se referia ao julgamento que faz iam a respe i to

da influência do getul ismo na pol í t ica naciona l . Resguardando-

se as divergências internas , a UDN representaria a oposição mais

cabal a corrente que trazia em si o v ício de origem do d i tatoriª

l ismo -- a negação d e uma ordem democrát ica , l iberal e plurª

l ista . o PSD e o PTB se caracterizariam como agremiações d e cg

nho getulist a . Seus adeptos viam Vargas sob uma dupla ótica .

Quer como o grande estad ista e moderno administrador , que soube

apreender as reais necessidades do pa í s , quer como o "pai dos PQ

bres " e criador da legislação soci a l . Posto isto , , e importante

sal ientar que o person a lismo po l í t ico oriundo da f igura de Va�

gas foi fundamental na conf iguração d a nova ordem democrát ica .

Enquanto o PSD reunia interventores estaduais que corr

trolavam importantes aparatos administrativos e clientel ísti

cos , o PTB t inha uma proposta mais diretamente dirigida às e l a§.

ses traba lhadoras . o prime iro , de cunho eminentemente conservª

dor , teria por missão precípua garant ir uma transição polít ica

contro lada , que evitasse mudanças abruptas nos rumos pol ít icos

do país; o segundo , estava encarregado de ve icu lar a proposta

traha lhista de Vargas em termos partidários . Ambos traz iam a

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marca da herança getulista , e i sto o s cont rapunha à UDN .

Não obs tante estas trans formações ao f im do Estado NQ

vo, e importante registrar que a trad ição po l í t ica nacional de

pouca legit imação do s i stema partidário não é substancia lmen te

alterada . Vargas sera n e s s e processo o exemplo maior de apaK

t idarismo e de um e s t i l o pol í t ico que continuava

uma relação sem med iações entre líder e ma s s a s .

priv i legiando

Embora tive s s e

enviado e s forços para o fortalecimento d o PTB e d o PSD , o que

se pode perceber é que acaba ape l ando com mui to mais ênfase pª

ra seu próprio carisma pes s oa l . E s s e e s t i lo de l idar com a

po l í t ica inaugurado por Varga s , f icará profundamente a s sentado ,

fará escola e se trans formará no que veio a ser uma das princi

pais característ icas do popu l i smo bra s i l e iro .

S e o getu l i smo tem a marca inde léve l da person a l i zª

ç a o , o traba lhismo acabou por ganhar novas l ideranças e , por vg

z e s , perfis mais independentes em relação ao seu marco de ori

gem o Sem s e apres entar como um corpo doutrinário suficientg

mente estruturado , o traba lh ismo foi s endo apropriado de d iveK

sas formas e inf luenciou a criação de vários partido s , como , por

exemplo , o Partido Social Trabalhista ( PST ) ; o Partido Trabalhi�

ta Nacional ( PTN) ; o Partido Repub l icano Traba lhista ( PRT) ; o

Partido Orientador Traba lh i s ta ( POT ) ; o Movimento Traba lhista Rg

novador ( MTR ) , a l ém do PTB , sem dúvida o mai s s igni f icativo de

todos e l e s .

Há que reconhecer que a s d i f iculdad e s para a e s t ruty

raçao do PTB foram grande s , principa lmente porque representava

a agremiação que , em princípio , deveria herdar o carisma do ex-

pres idente , o que e s t imulava intermináveis d i s putas internas .

Por todas essas razões o PTB , até o f im da década de 1 9 5 0 , nao

obstante seu cre scimento e l ei tora l , não conseguia se trans foK

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mar numa organização partidária forte , proporciona lmente ao pre�

tígio de seu chefe . Esse fato , por sua vez , dava a Vargas um

grande espaço de manobra que , se foi por e l e habi lmente explorª

do , também lhe trouxe o incômodo de não proporcionar uma força

suficien temente institucion a l izaoa para garantir o apoio nece�

sário ao seu segundo governo ( 1 9 5 1 - 1 9 5 4 ) .

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A criação do PTB

Em 3 1 de dezembro de 1 9 4 4 , no tradicional banquete d e

passagem de ano o ferecido pelas forças armadas , Getúlio anun

ciava oficialmente à nação a breve execução da reforma constitg

ciona l , necessária para a igualmente breve real ização das e l ei

çoes que reconduziram o país à norma l idade democrática.

Sua decisã o , tomada nos meses f inais deste ano , rev�

l a os novos problemas que passsar iam a ser enfrentados a partir

daque le momento. A indicação básica de que a pOlítica nacional

iria rea lmente sofrer transformações é dada pelo convite d i ri

gido a Agamenon Maga lhães -- então inte rventor em Pernambuco--

para ocupar a pasta da Justiça . Esta escolha deve ser bem en

tendida, assim como o momento em que foi feita. Agamenon era um

político com inegável experiência e prestígio . Era um interven

tor de ind iscutível l iderança nos meios civis que d ispunha , ta!!!

bém , de fortes con tatos nos me ios m i l itares . Conhecia e manti

nha re lações amistosas com o já conhecido candidato da opos ição

, a sucessao d e Vargas , o brigade i ro Eduardo Gomes.

Agamenon fora dos primeiros a perceber que Getúlio nao

tinha outra solução , senão caminhar para a democracia , e o con

vite para que ocupasse a pasta da Justiça foi-lhe d ir igido a inda

em fins de 1 9 4 4. Contudo , Agamenon só assumiria o cargo em 12

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de março de 1 9 4 5 , imed iatamente após a promulgação da Lei Consti

tuc iona l n 2 9 ( 28 / 2 / 1 94 5 ) , que f ixava o prazo de noventa dias Pª

ra que fossem marcadas as e l e ições e determinava

de urna lei e leitora l .

Até esse momento o processo pO l ít ico

a

fora

por Al exandre Marconde s F i lho , ministro do Traba lho ,

elaboração

conduzido

Indústria

e Comérc io que acumulava a pasta da Just iça e pos tu lava posi

ções d i ferente s das d e Agamenon Magalhã e s . Marcondes entendi a

que a mudança d o regime deveria t e r início com a s e l e ições pr�

s idenc iais e que a Carta d e 1 9 3 7 -- devidamente reformada

poderia ser submet ida a um plebi sc i to , não havendo nec e s s idade

d e se cogitar sobre urna As sembléia Nac ional Constituinte . SU2

tentava a inda o a l i s tamento ex-officio e natura lmente a pos s ível

candidatura d e Vargas . ( O a l i s tamento ex-officio era um prQ

cedimento que po s s ib i l itava a inscrição e l e i toral em bloco d e

pes soas que per.t:en c e s s em: a organizações corno ,

t itutos previdenc iários e outras a s soc iaçõ e s .

s indicatos , in2

Esse t ipo de a l i2

tamento tornaria mais ágil o proce s so e l ei toral e

incrive lmente o contingente d e e l e i tores . Foi usado

ções de 1 9 4 5 e em seguida revogado . )

aumentaria

nas e lei

Agamenon , por sua vez , propunha que o processo t ive2

se início com a convocação de urna Con s t ituinte que , e stabelecen

do um regime consti tuciona l , pos s ibilitasse a convocação d e e lei

çoes . O e squema sugerido era seme lhante ao d e 1 9 3 4 , nao preven

do qualquer procedimento que consagra s s e a ine l eg ibilidade de

Varga s . Nesse sent ido , o choque entre Marcondes e

não se devia a urna pos iç ão pró ou contra a candidatura

Agamenon

Varga s .

Paral e lamente à d i scus são sobre a hipótese desta candidatura , cQ

locava - s e o problema d a l eg i s lação e l e itora l . Era ponto pac í fi

co que esta seria urna a t r ibuição de Vargas e que sua condução e ra

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abso lutamente decis iva para o resultado das urna s . A e l aboração

do novo código e leitora l acaba ficando a cargo de Agamenon que ,

a s sumindo o ministério no dia 1 2 de março , j á no dia 9 instala

urna comis são com este ob j etivo .

Quando e s t a s e reuniu pela primeira vez , Agamenon tran.§.

mitiu- lhe urna orientação básica conformada em c inco pontos , en

tre os quai s e stava a adoção do a l i s tamento s imple s e ex-offi-

c io . Os demais eram : o voto secreto ; j u s t iça e l e itoral

ma ; apuração rápida e imediata e partidos nacionais . Este

mo ponto é particularmente significat ivo , porque indica

autônQ

últi

que ,

quando Agamenon a s sume o ministério , a d iscussão sobre a nova

e strutura partidária havia chegado a termos d e finidos . Dada a

tradição regionalista da pOlítica bra s i leira, a s decisões sobre

a que s tão partidária certamente tinham que passar pelo exame

da nece s s idade de se constituírem partidos nac iona i s . Neste a.§.

pecto , apenas Fernando Costa , interventor pau l i s ta e Benedito

Valadares , interventor mineiro , d efenderam a idéia dos partidos

regiona i s . Porém, não era e s ta a única d i f iculdade existente Pª

ra a montagem de novos instrumentos part idários . Certamente hª

via que se decidir sobre o " tipo " d e partido " situacionista'"' que

iria ser formado , ou s e j a , em que bas e s se estruturaria sua fo�

ç a .

Embora s e j a difícil acompanhar o curso dos acontecimen

tos , fica c laro que , quando Agamenon a s sumiu o comando da polí

tica de redemocratização , e stava decid ido nao só que o s parti

dos seriam nacionai s , corno igualmente que e l e a l iado e speci

a lment e aos interventores dos e stados do R io , Minas, são Paulo e

Paraná - partiria para a montagem d e um partido d e interventQ

res . Assim , a natureza do futuro PSD e stava dada desde o s primei

ros mes e s d e 194 5 . t possível s i tuar t ambém que , pelo menos de.§.

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de març o , e s tava dedic ido que este partido apoiaria o nome do mi

nis tro da guerra general Eurico Gaspar Dutra como candidato , a

pres idência da República .

o mês d e abril é bem ind icativo do avanço das artic.!!

lações e l e itora i s . Dutra fa lara pela primeira vez como candidato

no dia 3 e no dia 5 era organizada a comi ssão que e laboraria o

programa do PSD . Estes preparativos ocorrem simultaneamente ao

lançamento oficial da UDN ( 7/ 5 / 194 5 ) . Portanto , o quadro partidª

rio e sua vinculação com as duas c andidaturas e stava de lineado .

o que não fica imediatamente explicitado é a solução

encontrada para a mobil izaç ão partidária d a s chamadas c la s s e s

trabalhadoras , c laramente identificadas como bases fundamentais

do E s tado Novo . A rigor , pod e - se verificar que o d e s e j o inic ial

do regime era reunir e m um único e grande partido todas a s fo!:

ças pOlíticas " do " presidente . Mas , torna- s e difícil sustentar

que este d e s e j o fosse naque l e momento uma real possibilidad e .

Um dos indicadores desta s ituaç ã o , é a ausência d e Marcondes F i

lho d e todo o con j unto d e reuniões que formulou o PSD . t preciso

nao e squecer que uma série de reflexões e propostas haviam s ido

desenvo lvidas ao longo dos anos d e 1942-44 , apontando todas para

as d i ficuldes concretas de articular, em um mesmo partido , como

se pretendia , a s tradic ionai s e l i t e s do país e a s novas l ideran

ças sindicais .

Certamente Getúlio e o s demais "plane j adores " do proce.§.

so de transição não optariam por uma s olução partidária que pr�

teri s s e , ou minimizasse , a s tão cuidadosamente acalentadas. ba

ses s indicais . O investimento que Varga s real izara , ao longo dos

anos da administração Marcondes F i lho , na formação d e uma ampla

base pol ítica no s e io d a s mas s a s trabalhadora s , quer via �

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1 1

d e s indicalização, quer via e s forço doutrinário, é evidência

mais que suficiente para a conc lusão do quanto s e apostava neste

filão pOl ítico . t certo que tal fato nao implicava diretamente na

criação de um partido " trabalh i s ta " , mas a atuação de Marcondes

apontava para a articulação de um grande partido de massas com

bases s indicais .

o exame desse momento permite duas importantes concl11

soes . Primeiramente , o d e senho final dos traba lhos s ituacioni-ª.

tas foi feito sob a evidente pres são d a s oposições , articulad a s em

torno da candidatura do brigadeiro Eduardo Gome s . Em segundo 111

gar , só em inícios de 1 9 4 5 f ica estabe lecido que as forças ligª

das a Vargas se mobilizariam em duas ( PS D e PTB ) e nao apenas em

uma organização partidária . Mais complexo é prec i sa r o tipo de

encaminhamento que esta questão recebeu .

Em relaç ão ao PSD o problema é mais simples . Os inter

ventores estadua i s , representando o que d e mais s ignificativo �

xistia em termos de novas e l ites pOl í t ic a s , reúnem- s e para impl�

mentar o seu partido. Com i s s o , e stavam vetando definitivamente

a idé ia de um grande partido de mas s a s do qual fizessem part e . E-ª.

tabeleciam, igualmente , a c r iação de um partido nacional da cúpu

l a governamenta l e stadonovista gerido em termos de colegiado e

com bases pOlíticas n i t idamente regionai s . Aliás , é esta combinª

tória que provavelmente superou a ques tão do partido nacional /

regiona l . A de f inição d o formato d o PSD praticamente estabelecia

o s contornos do outro part ido " s ituacion i s t a " • Ele deveria re11

nir as novas lideranças s indicai s , que, por sua vez , t ambém vinham

resistindo ao pro j eto de uma só org��o. Rartidária . O PTB , ne-ª. -1-.,

te sentido , "nasce" ao mesmo t empo que o PSD , j á que ambos resul

tam da frustração do pro j eto de " partido único de massa s " , que vi

nha sendo acalentado no seio do E stado Novo . Es t a interpretação ,

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1 2

vale registrar , di fere substancia lmente do que vem sendo d ito na

l iteratura sobre o a s sunto . A criação desses dois partidos poli

ticos não resulta de um c á lculo maquiavé lico que buscava distin

guir bases diferenciadas de apoio pOlítico . Ao contrário , o PSD

e o PTB emergem como a s o lução pragmática possível num contex

to em que as presenças de um s ignific3tivo partido de opo s ição

( UDN ) e de uma forte esquerda organizada ( PC ) forçavam a tomada

imediata de decisões pOlític a s . Pode-se descartar , portant o ,

com segurança , a versão corrente d e que a concepçao d o PTB tenha

s ido uma "invenção de última hora " . Não foi concebido exc lus iva

mente para funcionar como um contrapeso à força crescente-- e �

preendente --do Partido Comunista , nem foi imaginado à posterio­

ri como a lternativa popular face ao e l it ismo do PSD .

Certamente o PTB foi criado como a melhor opçao parti

dária para o trabalhador bra s i le iro . Nesse sent ido era uma c�

nha entre as mas s a s trabalhadoras e o comunismo , mas nao um pa�

tido cujo móvel e sentido fosse o anticomunismo . Esta

çao, contudo , não implica em minimizar a i,mportância r ea l do Par

tido Comunista na con j untura de 1 9 4 5 - 4 6 . Basta lembrar que Luís

Carlos Prestes era a única personalidade política que podia rivª

lizar com Vargas em carisma e pro j eção nacion a l . Além do mai s

o sucesso e leitoral d o PC nesse período , principalmente nas

grandes capita i s , explic itam bastante que o comunismo era de lon

ge muito mais do que um argumento de retórica pOlític a .

o PTB não deve ser entendido como mera força reativa do c o

munismo . Por i s s o , pode habilmente realizar amplas a l ianças po

l íticas . De um lado , conseguia o apoio de setores conservadQ

res , a lertando para o perigo comunista , e , de outro , podia s e

aproximar d o PC , util izando a força d e seu apelo popular . Seu

destino deveria ser o de um grande partido de mas s a s bra s i l e i

Page 18: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

ro. Sua ambiva l ência dentro do espectro de posições

13

pOl ít icas

pos s íveis , nao era um s inal de indef inição . Ao contrário , ela

indicava jus tamente o t ipo de opção que estava sendo ofereci

da.

Page 19: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

14

Trabalhismo e queremismo

• A formação de uma Comissão Executiva Nacional para

dar organização ao PTB data de 15 de maio de 1 94 5 , portanto ce�

ca de um mês após o anúncio oficial da criação da UDN e do PSD .

( A comissão era composta por Luís Augusto Franç a , Manuel Fons�

ca , Paulo Baeta Neve s , Ca lixto Ribeiro Duarte, Antônio Franci�

co Carva lhal e Romeu José Fior i . Vale observar que tanto a

UDN , quanto o PTB se organizam a partir de uma comi s são naciQ

na l ; e o PSD foi sendo fundado em cada estado para em seguida

real izar uma convençao nac iona l. ) O provável modelo inspirador

do PTB foi o Partido Trabalhista Ingl ê s , e suas bases foram �

fetivamente montadas a partir da .e s trutura do Ministério do

Trabalho , ou s e j a , com a utilização das l iderança s s indicais e

dos organismos previdenciários .

O PTB nascia sob chancel a governamenta l , mas é int�

res sante observar o tipo de encargo que acabou por a ssumir e , a

partir d a í , o tipo de relação que se construiria entre o PTB e

Vargas . Ela é n i tidamente distinta daque la do PSD , partido que

se articula c laramente tendo como laço d e .uniã o , nao ,

so

do candidato o ficia l -- Dutra como também o nome de

o nome

. , �num�

ras liderança s experimentadas· do E stado Novo . O PTB era um pa�

Page 20: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

1 5

tido sem grandes nomes e aparentemente sem candidato .

Na verdade , se Dutra era o cand idato do governo , ele

deveria ter todo o apoio da máquina pOlít ica-admin i s trat iva . Ne§

te sentido , o próprio Marcondes , em uma de sua s falas pp.la Hora

do Bra s il , fez o e logio do candidato e das qualidades

programa socia l . Contudo , f icava claro que Dutra nao

de seu

era o

candidato do Minist�rio do Trabalho e que e ste permanecia voltA

do para o lançamento do nome de Getúl io Vargas às ele ições . Qual

seria então o pro j eto do PTB/Minist�rio do Trabalh o , dentro de§

se novo contexto de meados de 1 9 4 5? Recorrendo ao depoimento de

Segadas Viana , então d iretor do Departamento Nac ional do TrabA

lho , a indicação � de que os traba lhistas de fendiam a instalA

ção de uma As sembl�ia Nacion a l Con sti tuint e , a inda com Getúlio

no poder , para , em seguid a , serem realizadas e le ições d iretas

em que Vargas pOderia ser candidato . Desta forma , a s candida tg

ras mil itares não precisariam ser retiradas ; ela s seriam neutrA

lizadas pe lo nome do pres idente. Esta pos s ibilidade apostava

com segurança no pre s tígio de Varga s e d iagnosticava que nem Dg

tra nem o Brigadeiro e stavam conseguindo ou iriam conseguir real

popularidade. 1

Este pro j eto "Queremos Getúlio" e " Cons t i tuinte

com Getúl io" - remete à s re lações dos trabalhistas com' o chamA

do movimento queremista , que atua , de forma mais art iculada ,

a partir de meados d e 1 9 4 5. Estas relaçõ e s sao c l aras , embora

at� certo ponto evitadas . Não se trata aqui de d iscutir se o

PTB se organizou sob a pressão dos queremistas , como querem a�

gun s , ou se na verdade , o PTB foi o ponto de part ida do movimen

to queremista . O que importa res saltar � que o trabalh i smo como

1 Jos� de Segadas Viana ( depoimento ) . FGV / Cpdoc , His tória Ora l . p . 306.

Page 21: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

1 6

uma ideologia política centrada n a f igura de Varga s , em sua obra

social e no t ipo de relação -- d ireta e emoc ional que ele

propoe manter com a massa traba lhadora , v inha sendo construído

dentro do Mini stério do Traba lho desde 1 94 2 . Assim, sem o supo�

te ideo lógico do traba lhi smo , o queremi smo teria s ido pra ticameg

te impo s s íve l .

Traba lhismo e queremi smo bebiam da mesma fonte . Eram ,

ba s icamente , a mesma "idéia" . Mas é certo que do ponto de vi§.

ta organizac iona l , o PTB e o queremi smo não eram a mesma coisa .

O PTB , como partido que procurava seu reg i s tro junto à Justiça �

leitora l , es tava defin ido pe l a s regras do j ogo pOl í t ico . Devia

formalmente ater-se a e la s , e a candidatura de Getúl io nao era

tão s imples de ser lançada . Uma v inculação aberta entre o parti

do e Vargas em termos eleitora i s , comprometeria o minis tro. e

o Mini stério do Trabalho; comprometeria o próprio partido e,

sobretudo , todo o processo de tra n s ição . Já o queremismo era

um movimento soc iàl que , tanto pod ia correr à margem das r�

gras do jogo , como e fetuar todos os t ipos de a l iança , sem qua�

quer comprometimento maior . Este era o caso das vinculações

do queremismo com o Part ido Comun i s t a , que apenas ir iam alimentar

a inda mais a desconf iança e o temor nutrido em relação ao movi

mento , nos meios mil itares e também c iv i s , quer de oposição,

quer de s i tuação . O Ministério do Traba lho , cuidadosamente , prQ

curava gerir seus contatos com o movimento queremista . Na verdft·

de , o s elementos que em todos o s e s tados e mun ic ípios integrft

vam o queremismo -- organizado nos comitês e núcleos Pró-Candi

datura Getú l io Vargas evitavam propos i tadamente ingressar

no PTB . Na maioria absoluta dos estados , esses e lementos

eram l íderes traba lhis tas e quando nao , po l í t icos , " todo s ,

Page 22: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

17

porem, obedecendo a uma única linha de conduta" . 2

Um dos jorn a i s oposicion istas da época -- o Correio da

Manhã em a r t igo intitulado " O queremismo , e s sa palhaçada " ,

re sume bem o t ipo de interpretação vigente a respeito das reIª-

ções entre queremi smo , Min istério do Trabalho e Varga s :

"O panorama do queremismo se apresen

ta com duas face s : a organização

na ação pelo Ministério do Trabalho

e a outra dos provocadores de d eso!:

dem que j á são enviados aos e stados

como se tem fe ito nos , . coml.Cl.OS .

pro-

Eduardo Gome s . Vargas aceita e pre2

t igia a s duas alas do queremismo".

( 29 / 8 / 1 9 4 5 )

O clima d a época -- que comportava a a n i s t ia e a legª-

lização do Partido Comun ista -- explica em muito a desenvoltura

dos queremista s , como também sua s nítidas ligações com os comg

n i stas . A propos ta era a mesma -- Cons tituinte com Getúlio

o que , evidentemente , não tornava o queremi smo propriedade do

P C , como de fato nao era . Mas o clima da época .

e insufic i ente

para dar conta da total ausência d e repressao e , ma is a inda ,

da rec eptividade de Vargas que , por d iversas veze s , recebeu e fª-

lou aos queremistas .

Este comportamento ilu s tra o t ipo de relação que v inha

sendo alimentada pelo d iscurso trabalhista . Vargas atento

aos desejos das massas -- recebia pessoalmente os queremistas .

A observação das inúmeras man ifestações queremistas que ocorr�

ram ao longo dos meses d e agosto , setembro e outubro de 1 94 5 ,

demon stra ba s icamente um modelo d e ação . , . Um coml.Cl.O era convocª-

2 Relntório sobre o queremi smo , sem autoria , endereçado a Vargas em 17/ 10/ 1 94 5 . GV 4 5 . 1 0 . 17 . FGV/Cpdoc .

Page 23: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

18

do em um certo ponto da c idade -- largo do Russel , Carioca etc

e aí falavam vários oradores. Em seguida , o s grupos presen

tes ao comício até o palácio do Catete , com o obj e tivo de serem

recebidos por Vargas e forçá -lo a aceitar sua candidatura . prati

camente todas a s veze s , Vargas falava a esta massa e/ou a uma

comissão, reaf irmando não ser candidato . Ilustrat ivamente , em a�

, . guns desses com1C10S nao era mencionado o nome de Dutra . Nem me.§.

mo Vargas o cita . A tônica de seus pronunciamentos ,

e o desejo de

a fastar-se da vida pública e de conduz ir o processo de redemocrª

tização , o que era respondido com protestos e aclamações .

Getúlio sustentava dessa mane ira , por todo esse períod o ,

um contato e streito com a população da c idad e , contato que era r�

encenado em todo o território nacional . A convocação queremista

para os comícios que festej ariam a pas s agem do dia 3 de outubro , é

um grande suce s so . As notícias foram de que em todo o Brasil,

e até mesmo em são Paulo , veio para a praça pública "a maior mas s a

1 d ' . ti 3 popu ar e que se tem memor1a . O ocaso do E stado Novo , com o mQ

vimento queremista , trans formava- s e numa ocas ião de grandes apari

ções para Vargas que , insistindo em sua nao candidatura , a ss i st ia

ao desenrolar dos acontec imento s . . . ' . , O mOV1mento era a ss1metr1co:ca�

a o Estado Novo , mas crescia o prestígio do d itador .

O quadro político era complexo e tenso . Diversos r�

latórios enviados a Vargas a s s inalavam que nem a candidatura de

Dutra nem a de Eduardo Gomes gozavam de pro j eção popular , embora a

deste último fosse mais bem aceita pelo eleitorado . A Igreja Cató

lica , em franca campanha contra o c omunismo , parecia nao se defi

nir , e o prestígio de Luís Carlos Pre stes era cada vez maior .

3 Idem .

Page 24: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

FUNDAÇAo GETULIO VARGAS' I";CIPO I CPooe , i9

O queremismo era iden t i f icado como o movimento ma i s

forte d o pa í s , " sob o ponto d e vista d e opinião pública e d e cª

pac idade e l e itoral . 4 A crença em que Getúlio a inda viesse a ser

candidato era quas e que tota l , mesmo u l trapas sado o pra zo de dg

sincompat ibil ização ( 2 d e setembro ) . Havia getulistas que d�

c laravarn que votariam em branco ou até n o Brigadeiro , caso Va�

gas não se candidatasse .

cracia de 02/09 / 1 94 5 :

Segundo o j ornal trabalhista A Derno-

" Votarão no genera l ( Dutra ) os agrg

pamentos po l í t icos pro fiss iona i s-­

o rebanho que vai pelo cabresto dos

chefe s , com medo d e perder os e�

pregos ou pensando nas prometidas

compensaçõ e s . Votarão no Brigad e iro

( Eduardo Gome s ) os descontentes do

pa s sado da República Velha e o s

que perderam a s propinas de 30 nos

s indicato s pO l ít icos estaduai s . . .

Mas o gros so da popu lação ficará e§.

perando outro cand idato. E se e§.

te não aparecer , nao votará em n in ,

" guem . . .

Por outro lado , face a esta h ipótese , era bem pos s ível

que as ma ssas traba lhadoras se orientas sem pelos e squemas

çados pelos comun i s ta s . O d iagnóstico era de que o PTB -- sem

Vargas -- não t iraria do PC o domínio das ma s s a s prol etárias .

Certamente é por esta razao que Mac i e l F i lho , em carta d irigida

a Varga s , ponderou que o problema ma i s d e l icado do governo , nª

4 Carta de José Soares Mac iel F i lho a Vargas. FGV/Cpdoc . p. l , 2.

GV 4 5 . 1 0 . 00/6 .

Page 25: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

20

que le momento , era manter a grande po s ição de prestígio do pr�

s id ente no ambiente das ma ssas traba lhista s , impedindo por todas

as formas a �ontagem da m�quina de Luí s Carlos Prestes . Esta

que stão era muito d e l icada e exigia um traba lho inc e s sante " POK

que a equipe de Prestes e muito boa e mu ito e f ic iente " . Igual

mente por esta razao , era essenc ia I exercer um controle sobre a

imprensa , através da d istribuição da pub l ic idade governamental .

Para Mac i e l , o s "amigo s " d e Dutra andavam de scon f iados , e o s do

Br igad e i ro j� se conduz iam para a preparação do gOIPe . 5

t nesse contexto que s e tornava e s senc ial uma orien

tação para o movimento queremis ta. Este j� a s sumira enorme vul

to , mas inegavelmente não possuía grande organização . A preoc]!

pação b�sica e reve l adora de um relatório env iado a Vargas . a s

vé speras do golpe de 29 de outubro , é c o m o d e s t ino do movimento

queremista . Com incrív e l pode r de mobi l izaçã o , o queremismo

t inha comi tês em pra ticamente todas as grand e s c idades e todos

os municípios do país . o que fazer com toda essa rede quando

a campanha e l e itora l chegas s e ao fim, independentemente de que

f inal fosse este? Em todos os e stados e mesmo no D i s trito Fed�

ral a s i tuação era confusa e prec i sava ser urgentemente e s c lª-

recida . A sugestão f:roposta era de que o s comitês deves sem ser

encõm inhados para o PTB e os d iretórios provisórios do partido

orientados para receber todos os seus integrantes . Neste sen

t ido , nos locais onde não e x i s t i s sem a inda d iretórios do PTB ,

o s c omitês pode riam ser pura e s implesmente t rans formados em

d iretórios , encerrando-se aque l e afastamento entre PTB e movimen

. 6 to quereml.sta .

5 Op . c i to p . 4

6 Relatór io . "Situação geral " . GV 4 5 . 1 0 . 17 . FGV/Cpdoc .

Page 26: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

21

Portanto, fica c laro que as linhas d e con fluência eg

tre PTB e queremismo -- sempre existentes -- vinham e s treitag

do-se e que, até às vésperas do golpe, a campanhij " Constituin te

com Get�lio " , com sua decorrente candidatura, era hip6tese cog

sid erada não s6 viáve l politicamente, como a que mais " ernociQ

naval! o povo . Segadas viana referindo-se ao PTB e ao queremi�

mo situa bem a dinâmica que presidia estas relaçõe s . Acentua

que para os orgaos de repressao " PTB era queremismo e queremi�

mo era PTB ". J á para a população em geral esc larec e : " o povo

não distinguia entre queremismo e petebismo, então dizia : é gety

lismo " . 7

Torna-se bem compreensível, assim, o impacto do Decrg

to- l ei n2 8 . 063 que, a l terando o que previa a Lei ConstituciQ

n a l n29, antecipava a s e l eições e s taduais para 2 de dezembro

(data das e l eições federais), deixando trin ta dias de pra zo para

a desincompatibilização dos interventores . A interpretação gg

ral era de que com tal lei G e t�lio poderia e l eger, sob sua égi

de, nao so o Congresso federa l, como também as assembléias e o s

governadores e s taduais . Sua força não encontraria limites, e n a

d a a s segurava que, num � l timo momento, e l e n ã o s e pronunciasse

a seu pr6prio favor .

o c lima po l ítico, naque l e me s de outubro, j á era d e

mo lde a comportar várias reuniões d e pOlíticos civis e militª

res, cuja principal preocupação era a ameaça dos queremistas,a

presença dos comunis ta s, en fim, a gravidade dos acontecimentos

que se anunciavam . Sugestivamente, no mesmo dia em que foi a ssi

nado o Decreto n28 . 063, Vargas fez seu primeiro pronunciamento

p�blico pr6-PTB . No dia 1 0 de outubro, em Santa Cruz, Get�lio

7 José de Segadas viana ( depoimento ) . FGV/Cpdoc, p . 3 l 2 .

Hist6ria Ora l .

Page 27: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

2 2

respondia às acusaçoes que lhe lançavam , a firmando que o gove�

no nao cogitava de quaisquer modificaçõe s , atos secretos ou

golpes " com propósitos de d e sordem" . E concluiu , conc l amando

os traba lhadores em gera l - " a s c la s s e s popular e s "

ç a r a s fileiras d o PTB . 8

a refo�

o pronunciamento de Getúlio e ma 1 S ainda o momento em

que é feito sao significa tivo s . As interpretações podem ser vª

riada s, ma s sem dúvida, o conselho de Vargas naque l e instante

podia ser lido como um re forço para a campanha do queremismo/

petebismo .

Mas enfim , o que significava e s s a campanha?

o j ornal A Democracia em dois de seus editores a jg

da a de finir o conteúdo e spectral do queremismo e , exatamente

por isso, sua forç a . Para o jornal são três os "queremo s " :

8

" 12) O 'queremos' ve lado dos c omg

nista s , que descon fiam da democrª

cia do brigadeiro e da democracia

do general; 22) O 'queremos' dos

que estão nas a tuais posições e

'acham me lhor' o sr . Getúlio Va�

gas , do que a renovaçao d e quadros

do general ; 32 ) O 'queremos' do PQ vo que gosta me smo do sr . G e tú lio

Varga s , dentro daque l a quadra popg

lar do cantor d e s erenata , que ha�

pe j ava o vio lão e abria o peito aB.

sim: 'gosto de ti porque gosto po�

que meu gosto é gostar! ' "

( 24/8/ 1945 )

VARGAS , Getúlio Dorn e l l e s . "O em A nova pOlítica do Brasil . vol . XI . p . 1 9 7 - 9 .

Partido Traba lhista Brasileiro" Rio de Janeiro , J . Ol ímpio , 1 947 .

Page 28: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

23

E reforçando ainda mais o sentido da mística de Vargas

e de sua plural presença polític a :

"Estão a í , como s e sabe , dois c andi

datos à pres idência , os s enhores

Eduardo Gome s e Eurico Dutra , e um

terc eiro , o s enhor Getúlio Vargas,

que deve ser c andidato de algum gry

po pOl ítico ocu l to , w.as e também,

o candidato popular . Porque há dois

'queremos' : o 'queremos' dos que

querem ver se continuam nas posições

e o 'queremos' popular . . . Afina l o

que é que o s enhor Getúlio Vargas '? e .

É fascista? É comunista? É ª

t eu? É cristão? Quer sair? Quer ficar? O povo , entretanto , parece que

gosta d e l e por i s s o mesmo , porque

e l e é ' à moda da c a sa ' . "

( 1 6 / 9 / 1 945 )

A influência e a s nuance s do queremi smo obviamente nao

escaparam ao diagnóstico dos observadores pOl íticos e speciali

zados da époc a . Em um de s eus editoriais no Correio da Manhã ,

o j ornalista Costa Rego -- um dos analistas mais escolados e

perspicazes -- comentava a situação da candidatura Dutra:

" O gal o Dutra nao pode chegar a uma

conc lusão: o p l eito e l eitoral t ravª

va-se apena s entre duas forças poli

ticas . Estas são , de uma part e , a s

oposições coligadas; e , d e outra

parte , o govern o . A única e sperança

do general e s tava em que sua candi

datura reunisse a s força s do gove!:

Page 29: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

2 4

no . Já nao a s reúne . D e fato , j á nao as reunia desde o advento do queremis­mo , gato de sete fô legos imposs íve l d e a fogar . Agora , a l é m d e não reun i - las morre-lhe nos braços por abandono . " ( 1 6 / 1 0 / 1 9 4 5 ) .

A situação precipitava-se cada vez mais , e a nomeaçao

de Benjamim Vargas para a Chefa tura de Po lícia do Distrito Federal

funcionou como a gota d'água a extravasar as j á ensa iadas con�

pirações . Estas envo lviam, entre outros , O ministro da Guerra

( Gó is Monteiro ) , o candidato do governo ( general Dutra ) , a lém

de contarem com o ava l do emba ixador americano no Brasil . Nada

especificamente , senão todo o processo político rescendendo a

continuísmo conduz ao 29 d e outubro . Getú l io , mais do que o E�

tado Novo , estava saindo do poder .

Page 30: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

2 5

o PTB e a s e l eições d e 1945

A deposição d e Vargas trouxe trans formações ao

dro pOlítico da ipoca . De um lado , e la s se manifestam nas a l tg

rações feitas no próprio c a l endá rio e leitora l . o recim-promul

gado decreto que antec ipava a s e l e ições para governador de e�

tado foi revogado e a data original -- maio de 1946 foi rest�

be lecida. Alim,deste decreto , foi revogada tambim a chamada

Lei Ma laia de Agamenon Magalhã e s , que conturbara o cenário e os

interess es econômicos estabe lec idos no país . Com a saída d e VaI

gas ficou igua lmente e s tabe le c ido que s e convocaria urna Asse�

bliia Nac iona l Constituin t e . ( Le i Con s t itucional

1 2 / 1 1 / 1945 ) .

De outro lado , a mudança do quadro po lítico pode ser

s en tida pelo termômetro das candidaturas e da atuação dos parti

dos . Dezoito dias após a queda de Varga s , o Partido Comunista

re formulou suas diretrize s . Sem Getúlio e com urna Con stituinte ,

o PC reso lvia lançar seu candidato a pre s id ente , esco lhendo o

nome de I edo Fiúza . ,

O comparecimento do PC as e l e iç õ es com

candidatos em todos os nív e i s era evidência bastante do vigor

organ izat ivo do partido . Significava tambim, para ana l i stas

pOlít icos do momento , um forte ape l o às massa s trabalhadoras ,

sobretudo porque a a spiração do queremismo de saparecia da s ruas .

Page 31: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

2 6

Mas , na verdad e , o queremismo nao desapareceria , e l e apenas se

tran s f iguraria e deixaria patente suas relações com o trabalhi�

mo .

Com o golpe , a expectativa da UDN era a do crescimento

da candidatura do Brigadeiro. Ela não ganha a inda a populari

dade neces sária para uma estrondosa vitór ia, porque Vargas

com seu j ogo continuísta -- interferira em sua natura l evolução.

Não era d iversa a expectativa do PSD e particularmente a de Dg

tra . Embora temendo cada vez mais o Br igade iro , Dutra e sperª

va nao ser mais um " candidato abandonado" , no d i z er de Costa R�

g o . Mesmo o fato de ter part icipado do golpe podia ser capitª

l izado politicamente . Afin a l , Dutra era o cand idato do PSD ,

i sto é , o candidato que representando o s interesses do governo ,

d i z ia não compactuar com sua face d itatoria l .

Neste contexto , tornava-se cruc ial a po s ição do PTB .

De seu apoio poderia depender a e l e ição de Dutra , o fortal eci

mento maior ou menor do Partido Comun i s ta ou , até mesmo , a e l ei

ção do Brigadeiro . E é, de fato, extremamente con fusa a pos ição

do PTB. Para entendê- la e prec iso analisar que fora d i fíc i l o

reconhec imento do registro do partido jun to ao Superior Tribg

n a l E l eitora l . Às vésperas do golpe , o e scr itório do PTB foi in

vadido por pOl ic ia i s e seu material destruíd o , de forma que a s

l istas d e dez mil a s s inaturas necessárias para o reg i s tro , acª

bam sendo conseguidas por um exped iente fraudulento .

ficativo a inda é a poss ibi l idade aventada na ocasião

Mais s ig n i

d o PTB não

conseguir seu reg istro j un to ao STF e a forma como isto acaba

sendo conseguido . Além das l istas de a s s in a tura terem s ido " ti

rad a s " do PSD , os votos do STF favoráve i s ao reg istro do PTB

foram con seguidos por interméd io de Osvaldo Aranha , amigo

Page 32: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

27

soa l de Segadas Viana . 9

Imediatamente apos o golpe, aventa-se a possibil idª

d e do PTB concorrer as e l e ições presidenc i a is com cand idato

próprio , mas ava l ia -se também que um outro nome provocaria d i-ª.

persao de forças, o que acabaria por garantir a vitória do Bri

gade iro .

Sendo assim, nas palavras d e João Neves, convinha

"defender o � l t imo reduto que nos restou" . Ma lgré-tout, entre

apoiar Dutra e d e ixar o Brigadeiro ganhar, a prime ira a l ternª

t iva era mais aconselháve l . Contudo, entend ia-se que ta l apoio

teria que ser dado sem o compromet imento aberto

1 0 Era exigir demais d o presidente deposto .

d e Vargas .

Com esse obj e tivo, são estabe lec idas conversaçoes

entre Dutra e o PSD de um lado, e o PTB do outro . Esses ente!l

d imentos , julgados essenc i a is por Dutra e rec ebidos de bom grª

do, acabam por desembocar em um compromisso, formal izado em uma

carta confidenc ial assinada pelo candidato do PSD . O teor da

carta é o seguinte :

9

10

" Prezados senhores :

Respondendo a consul t a

que me foi f e i ta, tenho o prazer

de, com a presente, confirmar no-ª.

sos entendimentos pelos quais ficou

assentado o seguinte:

1 ) Quando e l e i to, escolhere i, para

ministro do Trabalho do meu gove�

no,pessoa de minha conf iança, de cQ

mum acordo com o PTB .

José de Segadas Viana (depoimento ) . FGV/Cpdoc, História Ora l . p . 2 8 6 - 89 .

Correspondênc ia de João Neves . GV 4 5 . 1 1 . 14 . FGV/Cpdoc .

Page 33: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

28

2 ) O ministério, com exceçao das

pastas m i l itares, será constituído

por e l ementos que apóiam minha can

d idatura, proporc iona lmente ao , n.!!

mero d e votos que me forem conc�

d idos pelos mesmos .

3 ) As in terventor ias serao d istri

buídas, também n a mesma propOl::

çao .

4 ) Apoiarei o programa do PTB e prQ

curarei fazer com que as j ustas

aspirações dos trabalhadores sejam

postas em prática pelo meu governo .

5 ) Reconheço as atuais l e is trabª

lh istas e d e amparo soc ial e prQ

curarei melhorá - l as e

sua aplicação .

aperfe içoar

Ga l . Eurico Gaspar D.!!

o acordo e ra bem vanta j oso para o PTB, o que reve l a

nao so a posição estratégica em que este part ido se encontrª

va i como, igualmente, suas possibil idades efetivas em fut.!!

ro próximo . Em carta dirigida a Vargas , narrando a reun ião

que resu l tara no acordo Dutra/ PTB, Napo leão d e Alencastro Gui

marães traçou com prec isão a posição do PTB face ao pleito d e

1 945-46 . Ele prognost icava : " Não penso que nas presentes e lei

çoes o PTB se j a bem sucedido e l e i tora lmente . Mas se se a l iar

ao PSD nas e l e ições estaduais, a experiência adquirida lhe dará

inquestionavelmente uma posição mui t íssimo forte " . E adiante ,

balanceando as tendênc ias do PSD , UDN ( partidos "conservadQ

res " ) e PC ( partido "avançado " ) , e l e conc luía : "O PTB pela sua

1 1 A carta é con f id en c i a l e está datilogra fada do do PSD . Está datada de 2 2 / 1 1 / 1 945 e tem próprio punho do general Dutra . GV 45 . 1 1 . 14 .

em pape l t imbrª a assinatura d e FGV/Cpdoc .

Page 34: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

2 9

posição central tem todas a s probabil idades d e ser a grande

força nacional nos anos a vir" . 1 2

A pos ição a tomar face à questão da candidatura pr�

sidencial era fundamenta l . Mas o acordo com Dutra nao e l imi

nara todas as resistênc ias .

A despe ito d e las , a campanha pró-Dutra c rescia e seus

grandes articuladores eram Hugo Borghi, José Junque ira e Nelson

Fernandes , todos queremistas de prime ira hora . É no bo jo de.ê.

ta situação que é c r iada a campanha do " marmiteiro " , um slogan

que surgiu como resposta a um d iscurso de Eduardo Gomes , no

qua l e l e declarara não prec isar dos votos dessa "ma lta" que vai

, . a coml.C l.Os . Borghi verifica que "malta" é um dos sinônimos

possíveis para " marmiteiro" - termo faci lmente ident i f icado

à cond ição de trabalhador - passando , então , a util izar a e�

pressão para mobilizar a massa trabalhadora, que estaria sendo

considerada como um "bando de desocupados" pelo Brigadeiro . A

campanha das !'marmitas" - impressas e distribuídas aos mi lh-ª

, res pelo pal.s - procurava polarizar as c andidaturas , ident i fi

cando o Brigadeiro com um e le i torado d e grã - f inos e Dutra com

o e le i torado dos " pobres/ trabalhadores " .

Os esforços pró-candidatura Dutra, articulados por

lUlla ala do PTB - aque l a de Hugo Borghi - combinavam entendimen

tos confidenc iais e pactos interpartidários , com movimentadas

campanhas de rua , como essa do marmite iro . Contudo , com o eVQ

luir dos acontec imentos , tornava -se cada vez mais c laro para

todos que a pa lavra de Vargas seria essenc ial . Ou s e j a , se em

iníc ios de novembro considerara-se j u� to o si l êncio de Getúl io,

1 2 Arquivo Getúl io Vargas . GV 45 . 1 1 . 1 9 / I . FGV/Cpdoc .

Page 35: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

30

tendo s ido entendido como um s in a l de plena l iberdade de açao

para seus companheiro s , no final do mês a s i tuação se alterava .

Cada vez mais dois temores se con so l idavam : o temor do apelo

comunista e o temor da força do Brigadeiro . Ambos atuavam no

s e io das c l a s s e s traba lhadoras, d e sorientadas pela ausência de

Varga s .

Logicamente a preocupaçao era com a d i spersão dos vQ

tos dessa volumosa e e s treante massa d e e le i tore s , trazida ao

c enário pO l ítico pr inc ipa lmente graças ao a l i stamen to ex-o f f i -

c io . o forta lecimento do PC e uma pos síve l vitória do Brigª

d e iro , que agora contava com o apo io aberto da Liga E l e itora l

Católica (ao menos no Rio) , ameaçavam toda a es trutura construi

da pe lo Es tado Novo . Um curto parec e r d e Luís Vergara , enviado

a Varga s , resume mag istra lmente a tônica das vésperas das e l e1

ç oe s :

13

" O naufrágio sera tota l sem a sua

mao no leme . Da orientação que SQ

breveio tudo se pode e spera r , até

mesmo uma guerra c ivi l . S e do chQ

que das urna s não sair uma vitória

l impa , ind iscutíve l , o reac ionari§.

mo ' comp l e. tará sua obra . Unir a s

forças d o PSD e d o PTB é o ún ico

meio d e garantir a vitória do can

d idato e a maioria da futura a ss em

bléia nac iona l . Mas para i s so , é

ind ispensável a sua

ordem " . 13 pa l avra d e

E f in a lmente é s eu irmão , protá s io Varga s , quem seten

Arquivo Getúlio Varga s . GV 4 5 . l l . 24/2 . FGV/Cpdoc .

Page 36: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

3 1

cia sobre a importância e o sentido d a palavra d e Getú lio : " Tg

dos sabemos, os teus amigos , que votar no Dutra ( . . . ) , e o mesmo

que tomar um purgante .

nante " . 14

É necessário fazê-lo ainda que repug

o que é fundamenta l reter deste episódio é a centrali

dade da orientação d e Vargas . Teoricamente o acordo PSD/ PTB

está feito . A campanha pró-Dutra está nas ruas . Ma s nada di.§.

to e condição suficiente para a vitória e, sobretudo, nada di.§.

to garantia que as c lasses traba lhadoras estariam sendo sensi

bilizadas . A condição sine gua non estava na palavra d e Va�

gas, em seu comprometimento pessoal . A campanha do " marmitei

ro ", precisava do " E l e disse : vote em Dutra " . Foi esta a palª

vra de ordem e l eitora l que consagrou a recomend ação pública de

Vargas às vésperas das e l eições, para que os traba lhadores e o

PTB votassem em Dutra . Só assim a possibilidade de vitória

de Dutra se redimensiona no en frentamento com o PC e o Brigadei

ro .

E é exatamente isto que é verificado as

e l eições, após a mensagem sa lvadora d e Getú lio .

, vesperas das

Os , . com�c �os

de encerramento da campanha de Dutra - no largo da Carioca e

em Juiz de Fora são considerados " uma apoteose a Getúlio" .

são verdadeiras mani festações queremistas , com retratos e l�

gendas de Vargas e com o conselho : vote no general Dutra .

O resul tado das urnas de 2 d e dezembro , e inequívoco .

O impacto da vitória d e Dutra é comparado por João Neves ao d e

uma "bomba atômic a " . Não havia margem para dúvidas ou qua.l

quer tipo de gOlpismo . O Brigadeiro aceita sua derrota a l guns

dias apos o pleito . O acerto da composiçã o PSD/ PTB ,

e reafi�

mado . A força do nome d e Vargas é reconhecidamente avassaladg

14 Arquivo Getú lio Vargas . GV 45 . 1 1 . 2 1 . FGV/Cpdoc .

Page 37: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

ra . Ele era o grand e - e l e i tor do pleito .

32

A UDN colhera efetivamente uma s ig n i f icativa derrota .

Mas sua espinha ant igetul ista era forte e possuía maiores rª

zões a inda para enri jecer. O PSD vencera como part ido , sem a

menor dúvida . Mas e l e já existia como tal antes e independerr

temente dos resul tados d e 2 d e dezembro . Fora o ún ico parti

do c u j a organ ização não partiu da constitu ição de um d iretório

nac iona l e sim da organ i zação de núc l eos mun ic ipa is e estadg

e xecg

Câmª

a is. Sua estrutura assentava-se nos estados , em seus

t ivos e na representação que poderia ser conseguida na

ra e no Senado . A vitória do Brigadeiro seria certamente um

golpe para esta estrutura , mas possivelmente nao um golpe mo];:

tal .

Já com o PTB a situação era d istinta. Tendo graves

d i f iculdades para conseguir seu reg istr o ; não possuindo nenhum

grande nome da pO l ít i c a nac ional ou estadua l , exceto os de Mar

condes F i lho e Getúl io , o PTB não surgira como partido . As

e l e ições de 2 d e dezembro é que o consagraram como ta l . O PTB

se mostrara abso lutamente essenc i a l para o resu ltado obtido

no ple ito , materia l i zando sua existência e possibi l id ades.

O PTB nascera de e para Vargas , a inda no Estado Novo ,

e se a f i rmara nas e l e ições d e 1945 com Vargas . Formado tendo

como base a máquina sindica l , o PTB ultrapassara o PC devido

basicamente ao " El e disse " .

Em d ezembro de 1945 suas perspect ivas eram a lvissarei

ras o E l egera 2 2 deputados e dois senadores e

ra bancada da Const i tuinte . Tudo indicava que ,

formava a tercei

estando Get!i

l io em a t ividade po l ít ica, o PTB teria uma votação nas e l e ições

estaduais de 1 946 a inda maior do que t ivera nas e le ições fed.!'t

ra is . Neste caso , seria inegável que a grande força do parti

Page 38: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

33

do es tava em ter Va rgas como cabeça de chapa . Pois foram os vQ

tos con seguidos pelo " presidente " o s responsáve i s pela e l e ição

de pra ticamente todos os candidatos do PTB em nível federa l .

" Da votação do PTB num total de 6 03 . 00 0 votos nas e l eiç5es de

1 9 4 5 , 318 . 000 foram dados a Varga s , que , concorrendo em vários

e s tados , foi e l e ito para o Senado por são Paulo e Rio Grande

do Sul e para deputado federa l na Bahia, Rio de Jane iro, são

Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul , Minas Gerais e D i s trito Fedg

ra l o Vargas fo i , a s s im , o que se convencionou chamar no l inguª

j a r e l e i toral como um grande puxador de l egenda " . 1 5

o part ido porém encontrava - s e conturbado e c indido .

Se e l e existia através das urnas, era quase uma f icção em teJ;:

mos organizac iona i s . Sua des truição, no entanto , envo lveria

necessar iamente o fortalec imento do pc . Ass im, e l e nao podia

desaparecer, e se " sua tendinc ia natura l era a a l iança com o

PSD", esta s6 poderia ser f e i ta com a s pa l avras " so c i a l i sta" ou

"trabalhista " .

Mesmo j á tendo pa ssado por seu· pr imeiro grande

t e , a s ituação do PTB era precária . J á e x i s t i a como partido

que fundado no nome de Vargas -- con seguia reun ir o voto

das chamadas c la s s e s traba lhadoras . Ma s o PTB era Getúl io,

ou s e j a , e l eitoralmente o traba l h i smo e spe lhara sua face ideQ

l6g ica . Trabalhismo era getu l i smo , pois fora " inventado" ne.ª-

tes termos . Contudo, pensar e e s truturar o PTB como organ izª

çao polít ica e construir um traba lhi smo d i s tinto de Getúl io,

eram desafio s que, até certo ponto , s e impunham para a continui

dAde do partido e d a pr6pr ia l id erança pessoal de Varga s .

1 5 Verbete "Partido Traba lhista Bra s i l e iro ( PTB)" , em I s rael Beloch e A l z i ra Alves de Abreu,Dic ionário h i s t6rico-biográ fico bra­s i l e i ro . Rio de Janeiro , Forense-Univer s it á r ia ; Cpdoc /Finep, 1984 . Ver também Augusto do Amaral Peixoto ( depoimen to) . FGV/Cpdoc H i st6ria Oral , 1 9 7 5 . p . 345 .

Page 39: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

3 4

o PTB d e 1945 a t é a volta d e Vargas

o PTB sai das e l eições de 1 945 e 1946 com prestígio

e l e itoral conso l idado . Sua presença enquanto partido com um

e l e itorado crescente em nív e l nac iona l , seria conf irmada a inda

nas e l e ições de início e f ins de 1 947 . Sem dúvida nenhuma ,

esse sucesso nas urnas era oriundo de dois troncos : a l ideran

ça de Vargas e o traba lhismo . Entretanto , o PTB nao vivia apg

nas da exploração e l e itora l e ideológica desses dois fa tores .

Havia outro e l emento da maior importância para sua performance

pOlítica : suas bases sind icais .

Enquanto partido o PTB estava assentado nos sind icª

tos . Por orientação do próprio Vargas, os organizadores do

PTB deram prioridade a esse t ipo de quadro com o intuito c laro

re dar ro partido um cunho eminentemente sind ica l ista . Segundo JQ

sé Gomes Ta larico, um dos fundadores do PTB em 1 945, as l istas

de assina tura para a c r iação do PTB foram co lhidas I Ino insti

tuto dos comerciár ios, nos industriários , por parte d e assegg

rados , no inst ituto dos marít imos , no IAPETEC , enfim , nas orgª

n i zações em que a pr�sença do traba lhador era permanent e " . E�

sa preocupação esteve também presente na esco lha dos c and idatos

do partido em 1 9 4 5 . o ob j e t ivo de " formar o partido n a base

de líderes sind icais" l evou a que se preterisse candidaturas de

Page 40: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

FUNDAÇÃO GETl)L/O VARGAS ' INOIPO I C POOC i 3 S

antigos funcionários d o Ministério d o Traba lho em pro l daquel a s

l ideranças , o que s e buscava era exatamente "dar uma chance

aos representantes s indica i s " e , com i s s o , centrar no parti

d d b Ih d ' d ' I ' d 1 6 o a marca o tra a a or S 1n 1ca 1za o .

Outros exemplos con firmam e s sa orientação , Uma das

ma i s expre s s iva s f iguras d o PTB na Para íba dec lara que neste

estado "não t inha um só pre s idente d e s ind icato , novo ou ve lho ,

que nao fosse , 17 -membro d o d iretorio do PTB " . Em Sao Paulo a

s ituação se repete . Essa s i s temática daria ao partido emergen

te o conteúdo necessário , a s suas apregoadas bandeiras getuli§.

ta e traba l h ista . A presença marcante d e l ideranças s ind icais

operaciona l izar i a , em termos prá ticos , a partic ipação dos s indi

catos na pO l í tica instituciona l e , nesse sentid o , acionaria

diretamente aqu i l o que era a matéria-pr ima por exce lên c ia do

traba lhismo getulista : o traba lhador organizad o .

Discutir a s conotações corpora t ivas dessa organizª

çao foge aos l imites deste traba lho, que tampouco visa ana l isar

acuradamente o pape l do PTB como instrumento de representª

ção po l ítica dos traba lhadore s . O que importa ,

reter aqui e que

o PTB surge como um part ido que tem por função cana l izar os e§.

forços inve stidos pe l o Estado Novo na organ ização s indical dos

traba lhadores , e, n e s tes t ermo s , e l e foi bem sucedido .

Se Vargas não era , n em nunca foi , um homem a f e ito , a

pO l ítica partidária , não deixa de ser verdade que sempre procy

rou as mais adequadas fórmul a s pol íticas no sen t ido de capitª

l izar o apoio popular . O PTB foi um es forço c l aro n e s sa d i r�

çao . Não era e s sa a prime ira tentativa d e s s e teor ; no entan

1 6 Jo sé Gomes Talaric o ( depo imento ) . FGV/Cpdoc , H i stória Oral . p . S .

1 7 Hermano d e S á ( depoimento ) . FGV/Cpdoc , H i s tória Oral . p . 2 8 .

Page 41: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

3 6

t o f o i a prime ira que , n o Bras i l , conseguiu chegar a bom termo .

Por tudo isso , o PTB foi o lado ma i s modernamente organ izado da

po l í tica trabalhista : os s indicatos tornavam-se as ba ses efeti

vas de um partido político .

Algumas d e suas seçoes conseguiram s e e s tabe lecer em

ba ses muito só l ida s , como por exemplo Rio Grande do Sul e Di stri

to Federa l . No Rio Grande do Sul o PTB era o part ido hegemôni

co e esta seçao regiona l era a ma i s importante de , todo o pa�s .

Nem o PSD nem a UDN conseguem se articular como forç a s s igni

f icativas de s i tuação ou opos ição n e s s e e stado . A fonte desse

poder era or iunda fundamentalmente da l iderança e do contro l e

que Vargas exerc ia sobre a pOl ítica d e seu e stado nata l . Não

é surpreendente que nasça exatamente no Rio Grande do Sul um

dos e s forços mai s marcantes de construção d e uma doutr in a

traba lh ista para o part ido : Alberto Pa squa l i n i .

Já no D i s trito Federa l , embora igualmente fort e , o

PTB depara-se com uma força riva l . A UDN possuía na capital

federal bases soc i a i s s ó l idas advindas ba s icamente de um ape lo

popular muito bem construído pela l iderança de Carlos Lacerda .

Outras un idadp. s da federação t iveram um PTB expr e s s ivo mas nao

compa ráve l aos dois casos anteriores : Rio d e Janeiro , Amazon a s

e Minas Gera i s .

são Paulo seria um caso notável d e contradições .

Sendo o e s tado que possuía o movimento operário e s indical

ma i s importante do país . tudo l evaria a supor que o PTB pauli�

ta estaria fadado a ser um grande partido . Não é isso que Q

corre . Contud o , e steve longe d e ser um part ido " fraco " . Foi

sempre uma força pol ítica chave nas grandes articu l ações parti

dárias quer a n ível e s tadual , quer a nível federa l . Mas nunca

conseguiu grande suc e s so e l e itoral e teve que compet ir

Page 42: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

3 7

mente j unto à s mass a s traba lhadoras mob i l i zadas por outras li

deranças corno a do ademar ismo e sobretudo a do j a n i smo .

natura lment e , sem falar do pape l dos comun i stas .

I s to ,

Não obstante o sucesso da proposta e os resultados

ele itorais favorávei s , o PTB desde muito cedo mergulharia numa

crise abi s s a l de orga n ização . É interessante observar que e.§.

ta crise será maior , em todo o pa í s , a proporção que o seu

sucesso ele itoral aumenta . É i s so exatamente

ca pr inc ipa lmente a partir d e 194 7 , l ogo após

o que se ver i fi

a s e l e ições e s tª

dua i s de janeiro, para se agravar a inda mais nas

c ipais de novembro .

e l e ições muni

Desde sua criação existiu no PTB um grupo que se prQ

pos a apoiar a candida tura Dutra e poster iormente seu governo .

E s s e grupo era l iderado inic ia lmente por Luí s Augusto Fran

ça e depois pelo pau l i s ta Hugo Borgh i , que e ra insis tente d e fen

sor da a l iança do PTB com o novo pre s idente . Mas a s divergên

cias não se restr ingiam apenas ao tipo d e re lação que o parti

do deveria ter com a administração governamenta l . Lideranças

exponenc iais c orno Segadas Viana , Danton Coe lho , Marcondes Fi

lho , Hugo Borghi e Baeta Neve s , dentre outros , v ivenciaram ri

va l idade s constantes que s e traduziam em c r i s e s suc e s s ivas .

Baeta Neve s , pres idente do PTB desde a sua prime ira convençao

( 1 4/ 8 / 4 5 ) , era objeto d e freqüentes críticas por parte de Ma!:

condes F i lho até ser subst ituído em j u lho de 1948 . Ne s s e momen

to , o cargo passa a ser exerc ido pelo próprio Varga s e a vice­

pre s id ência por Sa lgado F ilho . O que está s empre em j ogo ne.§.

sas d ivergênc ia s , a l ém das n a turais d i sputas pe lo poder dentro

do partido , é o tipo de compromisso que a agremiação deveria

ter com o movimento popular . Baeta Neve s , por exemplo , seria

acusado várias vez e s d e e squerd i smo e o grupo l igado a Borghi

Page 43: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

38

rotulado como o " PTB palac iano " .

De qualquer forma , o que s e observa d e 1 945 a 1 948

e um aprofundamento dos problemas do partido do ponto de vista

organ izaciona l . Essa c r i s e não sign i f icou obstrução ao cresci

mento do PTB em termos de diretórios mun icipa i s . Ao contrár io ,

e s se período foi exatamente o momento de nac iona l i zação do pa!:

t ido no sentido de sua presença em todo o território bra s i l ei

ro . Esse crescimento , porém , tem s eu lado negat ivo , pois permi

te que se a l imentem d i s putas internas . Mas a crise nao se re�

tringe a e s s a expan sao tão rápida quanto de sordenada . E l a era

ba sicamente uma ques tão d e identidade . o PTB e s tava , efetiva

mente , vivenc iando no d ia-a-dia a prob lemática de ser tanto um

partido de traba lhadores e l ideranças s indica i s , quanto um pa!:

t ido de Varga s . Como um partido de bas e s s indica l istas , com

portava d ivergências em nada desprezíve i s . Como um part ido fun

dado na mística de Varga s , atraía muitos inter e s sados em ti

rar proveito dessa incríve l fonte d e votos . Brigava - s e , em sg

ma , pe las formas de conquistar o apoio dos trabalhadore s ,

também pelo controle do prestígio d e Varga s .

como

Se o PTB era em grande parte o partido de Vargas e

i sto lhe trazia ben e f íc io s ímpares , por outro lado ,

va problemas muito sério s . O "don o " do partido era maior do

que o próprio partido . Além do mais , havia muitqs que se autod�

nominavam herde iros n a tura i s e legítimos repre sentantes desse

chefe pOlítico e " patrão " .

Examinando d iversas fontes document ai s , e poss {ve l

e stabe l ecer uma cronologia na traj etória do PTB que i lustra

bem o ponto de vista que está sendo destacado . Até meados d e

1947 a grande preocupação d o s trabalhistas e d e Vargas e ra com

o cresc imento e forta lec imento organ izacional do partido . Mas

Page 44: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

39

as d iscussões e confrontos que dominavam o PTB revelam a d ive!:

s idade de grupo s , bem como a inten s idade que a luta interna gª

nhara nesse per íodo . o caso d e são Pau lo é um exemplo paradig

mático desse impa s s e . As e l e ições d e s se ano ocupam bastante a

vida po l í tica do pa í s e o suc e s so e l e itora l do PTB só faz acen

tuar sua s que stões de organização . No início de 1948 e la s s�

rão marcantes e vários e s forços são tentados no s en tido de nQ

vamente reestruturar seus quadros . Um partido sol idamente o!:

ganizado é a palavra d e ordem que busca contornar , sem suc e s so ,

o desentend imento crescente em seu seio .

Em meados d e 1 948 parece que e s sa s ituação e

da . Alz ira Vargas , decepc i onada com o rumo dos acontec imento s ,

cheg� a declarar que o PTB " não existe mai s " . 1 8 t nessa a ltura

que se efetua uma mudança na pre s idência do partido . E l a passa.

a ser forma lmente preenchida por Vargas e de fato ocupada pelo

vice , Sa lgado F i lho . Este era um antigo s eguidor d o ex-presi

den t e , que mant inha as melhores relações com o s diversos

grupos dentro do partido . A mudança na Execut iva Nacional nao

era apenas uma forma l idade para d i s s ipar atritos . Ela coinci

dia com uma fase do PTB . A partir d e s s e momento ,

e fácil oQ

servar que a ênfase nao reca i mais n a questão da organ i zação

do part ido . A preocupação central s erá a d e resgatar a fig�

ra de Vargas no plano nac iona l e trans formar novamente o quer�

mismo na mol a mestra do PTB . Este s e a s sume c laramente como

um partido de Vargas , a s s im como o fora em 1 94 5 . o que e s en

t ido por Alz ira como uma " virada queremista" e , na verdad e , a

retomada do curso anter ior e " natura l " d o partido . Enquanto

1 8

Carta a Getú l io Vargas d e lO/6/ 1 9 4 8 , Arquivo AVAP , FGV/Cpdoc .

Page 45: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

40

Vargas exi s t i s s e , o PTB s eria queremi sta e teria que s ê - lo ,

porque Vargas era maior que o partido . o PTB prec isava de VaX

gas , mas a rec íproca não era verdadeira , ao menos na mesma di

men sao .

A súbita morte de Sa lgado Filho , em 3 0 de julho de

1 9 5 0 privava o part ido de um comando que vinha gerindo a corr

tento sua orientação getu l i s ta e traba lh i sta . Sa lgado .

sera

substi tuído por Danton Coe lho, homem d e con f iança d e Vargas e

um dos princ ipa is art iculadores d e sua cand ida tura , mas que nao

contava com o apoio unânime do part ido . Em junho d e 1 9 5 1 , Darr

ton , que era então também min istro do Traba lho, foi pratic.ª-

mente coagido a abandonar a pre s idência do PTB , episódio no

qua l fora improtante a a tuação da seção paul ista . Na l inha

de suce s são de pres identes do PTB , observa - s e que e s s a função

pa s sará a ser exerc ida por pessoas c u j a s l igações com Vargas

sao de ordem fami l ia r ou de profunda a f in idade pessoa l . Darr

ton será subst ituído por Dinarte Dornel l e s , primo do pre s idente

para , exatamente um ano depo i s , n a V Convenção do PTB , pa ssar o

cargo a João Goul art , disc ípulo d i l eto d e Varga s . Goulart pex

manece nesse cargo até maio de 1 9 6 4 , quando j á cassado e auserr

te do país é supstituído pe lo f i lho de Getúlio , Lutero Varga s .

No exercício deste ú l t imo o PTB é extinto por força do· A I - 2 ,

em setembro do ano seguinte .

Page 46: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

4 1

o PTB e o Ministério d o Trabalho

Se as questões internas do partido foram problemáti

cas no período que va i de 1 9 4 6 a ) 9 5 0 , o mesmo pode ser dito de

suas relações com o Ministério do Traba lho .

o grande a rquiteto do suporte de mas sa s que o PTB ti

vera fora o últ imo m in i s tro do Traba lho do Es tado Novo , Alexan

dre Marcondes F i lho , que , ao a ssumir e s ta pasta em meados de

1 94 2 , desenvo lveu um amplo e's forço s ind ical e doutrinário no

meio das classes traba lhado ra s . Portanto o PTB , em sua di

nâmic a , nao pode ser entend ido sem um exame .de suas relações

com o Ministério do Trabalho e obviamente com a diretriz poli

t ica aí dominante em re lação ao movimento s indica l .

É muito signi ficativo que , j á nas a rticulações para a

e l eição de Dutra em 1 9 4 5 , a pasta do Traba lho tenha s ido o gran

de prêmio o ferec ido ao PTB por s eu apoio e l e itora l . Em decoJ;:.

rência , a partir d e s s e acord o , a tradição f i rmada é de que dev�

ria caber aos trabalhi stas a condução desta importante ,

area

po l í tica . É compreensíve l , a s s im , que a s aproximações e a fa�

tamentos entre PTB e M in istério do Traba lho s e j am um ind icador

importante para a ava l iação da força d o part ido e de sua trª

dução em termos de presença pO l ít ica governamenta l . Neste sen

tido o período que vai de 1 9 4 6 a 1 9 50 é bem i lustra tivo .

Page 47: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

4 2

D e in ício cabe observar que foram quatro os mini�

tros do Trabalho d e Dutra , sendo que nenhum d e l e s pode ser quª

l i ficado como um quadro do PTB . o governo Dutra vai se ca raÇ.

terizar por permanentes tensões no ministério e por uma poli

tica s ind ica l crescentemente repres s iva .

o primeiro nome e scolhido para a pasta do Traba lho

foi o de Otac í l io Negrão de Lima , mine iro que havia part icipª

do da campanha do PTB em seu estad o , mas que certamen te nao

pode ser caracterizado como um traba lhista de " primeira hora " .

Mas os de scontentamentos do PTB es tavam apenas se ini

c iando . A aprovaçao pelo pre s idente da República do Decrg

to-lei n 2 9 . 07 0 , que praticamente cerc eava o d ire ito de greve

e revi via a obriga toriedade do atestado de ideoiogia para os

cargos de d ireção s indica l , provoca grande reação no meio s indi

cal e também no PTB . Neste ponto va le recordar que , pelo mg

nos desde f ins d e 1 9 4 4 , o c l ima po l í t ico �o movimento

rio se a l terara sign i ficat ivamen te . Do ponto de vista expl ici

tamente repressivo , o Estado Novo e s tava morto e a s s i s t ia-

s e , na verdade , a um franco crescimento da l iberdade sind ic a l .

o ano de 1 9 4 5 foi marcado por e l e ições sindicais reconhecidas

pelo Ministério do Trabalho , mesmo quando os novos d irigentes

escolhidos eram iden t i f icados como s impa t izan�es da e squerda .

As relaçõe s e a presença dos comun istas nos s indicatos cre scg

ram e foram habi lmente toleradas pe la orientação ministeri a l .

A anistia para Lu í s Carlos Prestes , a campanha queremi sta , a 19

gal ização do Partido Comun ista e a organização do Movimento Uni

ficador dos Traba lhadores ( MUT ) dão bem uma idéia da nova reª

l idade que se vivia . Não é surpreendente que .

o numero de grg

ves tenha aumentado durante o ano de 1 9 4 6 , a s s im como o poder

mobi l izador dos s indicatos , onde comun i sta s e traba lhistas d i�

Page 48: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

4 3

putavam e d ivid iam in fluência e poder .

A nova orientação do governo Dutra e d e seu min i s tro

Negrão de Lima demon strava a c lara intenção de reverter tal

proce sso , aumentando a d ireção tute lar do Ministério do Trab!!

lho sobre o movimento s indica l . Já que esta pasta deixara de

estar sob o contro l e d o PTB e até mesmo d e Varga s , a tentati

va se a f igurava como uma ameaça, não só d irigida aos comunL�

ta s , como também a o s própr ios s ind ica l istas l igados ao trabj!

lhismo .

É nesse contexto que se deve s ituar a real ização do

Congresso S ind ica l dos Trabalh istas do Bra s i l , patroc inado

pelo Min istério do Trabalho e que reuniu no R i o , em setembro

de 1946 , cerca de três m i l d e l egados s indicais de todo o Br!!

s i l o o congre sso é como um teste de forç a , em que a a l a mini�

teria l i s ta s a i amplamente derrotad a , pois sao e lementos do PC

e também do PTB que c on seguem controlar a maioria dos d e leg!!

dos . o resultado é a criação da Confederação Geral dos Trab!!

lhadores , um dos pontos de fendidos pelo MUT , e a ret ir.ada dos

min i st�riali stas do congre s s o . Estes pros seguem sua reun ião

part icularmen te , decid indo pela formação de uma Confederação

dos Traba lhadores do Bra s i l .

Na verdad e , ambas a s confederações sao e fêmeras e a

consequpnc ia mais .

s ign i f icativa d e s s e congre sso e a queda do

ministro do Traba lho Negrão d e L ima , que acabará se l igando ao

Partido Traba lhista Nac iona l ( PTN ) . E l e .

sera subs tituído pelo

empresário paul ista , vice-presidente da FIESP , Morvan Dias Fi

gueiredo . Efe tivamente a entrada d e um empresário tl na.c iong

lista" l igado à pequena e média empresa para a pasta do Trab!!

lho , Indústria e Ccmércio é sugestiva . A década d e 1 9 4 0 a s s in!!

la a forte influência empresarial na formulação das pO l íticas

Page 49: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

44

econômica e soc ial do pa í s . Sem dúvida a inqu ietação com o

movimento operár io so crescera apos 1 9 4 5 , e a necess idade do

estabelecimento de novas forma s de con tr o l e sobre e s ta reali

dade era uma tôn ica no meio industrial e comerc ial .

Mesmo que se considere que o nome de Morvan Dias Fi

gue iredo po ssuísse trânsito no PTB , não se tratava obviamente

de um traba lhista . Além do mai s , a s i tuação po l í t ica e inte�

nac ional estava mudando . o c l ima da guerra fria começava a ch�

gar ao Bra s i l , o que c ertamente a l imentou a diretriz repres si

va que vinha sendo articu lada dentro do min istério . Nestes te�

mos , a admin istração de Morvan Figueiredo é crucial . Segundo

Hugo Faria , então d e legado reg iona l do traba lho na Bahia , o nQ

vo minis tro montou um exc e l ente serviço de in formaçõe s , que

funcionava recebendo e transmitindo comun icações para todas a s

d e legacias do trabalho d o pa í s . Dessa forma , uma equipe inst-ª.

lada no Rio reunia dados sobre pra t icamente toda a l iderança

s indica l , ana l i sando suas tendênci a s pO l ít ica s . As re lações

então existentes entre s indicatos e Partido Comun ista eram -ª.

berta s , e muitos d e l e s contribuíam f inance iramente para o MUT ,

que era 1 9 proibido l ega lmente . Vale acrescentar que n e s sa

s i tuação muitos l íderes s ind ica is traba lhistas eram iden t i fi

cados como comun i s ta s , da mesma forma que a lgun s d ir igentes

do próprio partido foram acusados d e e squerd ismo .

A partir de 1 9 4 7 e principa lmente a partir d e ma i o ,

quando o reg istro do P C é cassado , d e senvolveu-se todo u m prQ

cesso de intervençõe s s ind icais que prat icamente conge lou e s ta

área , afa stando-a d o palco pOlít ico por esva z i amento . A retQ

mada da vida s indic a l só seria feita de forma s ign i f icativa

1 9 ' Hugo Faria ( d epo imento ) . FGV/Cpdoc , H i s toria Oral . p . 6 , 1 1 - 4 e

2 6 - 7 .

Page 50: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

4 5

após a e le ição de Va rgas e , ma i s prec isamente , com a entrada

de João Gou lart prime iro para a pre s idência do PTB em 1 9 5 2 e em

seguida para o própr io ministério em 1 9 5 3 . O período que vai

de 1 9 4 6 a 1 9 5 3 é como um in terregno que frustra a redemocrati

zaçao na área da po l ítica s indica l . Da ótica que nos intere.2

sa ressalta r , a ausência de cresc imento e d e e fervescêcncia nas

organizações sindicais acaba também por a t ingir o próprio

PTB , que vivia inegavelmente e ambiguamente da força e da in

f luênc ia do s indica l i smo na vida pOl ítica nac iona l .

tura sobre o a s sunto conve rge , ao ass inalar que est iveram em

torno d e 1 4 3 o número de s indicatos sob intervenç ão , num tota l

de 9 4 4 . Também há acordo quanto à a f i rmação d e que d e 1946

a 1 9 5 2 prat icamente não houve cresc imento na organ ização s indi

c a l . Este só foi retomado n e s ta data , para a t ingir seu c l ímax

entre 1 9 6 1 e 1 9 6 3 .

É interessante observar igualmen te o pape l centra l

desempenhado pe l a s d e l egac ias regiona i s do traba lho , que se m0.2

traram tão fundamenta i s para o desmante lamento d e um certo peK

f i l de s ind ica l i smo , quanto o t inham s ido para a sua mon tagem .

Não é dema i s l embrar que os d e l egados reg iona i s , sediados em

todo o país , foram peças bá s icas n a mob i l i zação dos trabalhadQ

res e na montagem dos núc l eos e s tadua i s do PTB . No período

final do Estado Novo muitas d e l egacias regiona i s fun c ionam

como verdadeiras sedes do PTB , que , como partido , u t i l i zava

ampla e l ivremente a e strutura e os recursos do Min i s tério do

Traha lho . Não é d i f ícil imaginar a rede d e . interesses e reI.!!

ções que se cria com t a l d inâmica e o quanto o

o traba lhismo ficam abalados , quando a pOl í t ic a

s indica l i smo e

de interven

çoes subverte e s te pacto , invertendo a orientação inicia l .

�Iorvan Dias F igue i redo permaneceria no cargo de mini.2

Page 51: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

4 6

tro até se tembro d e 1 9 4 8 , quando s e retirou para a s sumir a pr�

s idência da F I E SP . Doi s outros ministros a inda ocupariam esta

pasta : o d eputado do PSD , Honório Fernandes Monte iro e o

func ionário de carreira do Ministério do Traba l h o , Marcial

Dias Pequeno . Em ambas a s e scolhas o PTB não fora bene ficiad o ,

permanecendo a f astado d e uma á rea pol í t ica que ,

era seu feudo e sua vocação .

em princípio,

Page 52: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

4 7

o PTB e a propaganda d o traba lhi smo

Quando o ministro do Trabalho Marcond e s F i lho rea li

ideólQ zava sua pregaç a o doutrinária a ind a no Estado

gos do traba lhismo pod iam d i spor de todos os

Novo ,

meios

çao e scrita e f a l ad a para propagandear

l idade não ma i s ocorreria a pós 1 9 4 5 .

sua s idé ia s .

A l iberdade

o s

d e in formª

Ta l faci

de imprensa

que pa ssa a vigorar no pa í s terá como um de seus derivantes o

fato d e que tod a a grande imprensa a s sume uma posição nit idª

mente antigetu l i st a e , por conseguinte , omi s sa ou contrá r i a

a o PTB . Enquando o PC mant inha s e u tradic iona l j orna l , a Voz

Operári a , o mesmo não ocorr i a com os traba lhista s . Embora o s

grandes j orna i s nao fos sem porta -vozes d iretos d o PSD e d a UDN ,

é fato pac í f ico que vários d e s s e s periódicos a ssumiam c l a rame.!!

te pos ições ma i s d e f inidas em favor d e um ou d e outro , princi

pa lmente nos momentos e l e itora i s . Além do ma i s , havia sempre

em sua s páginas espaços consagrados à d i scussão d a s or ientª

ções e posições d e s s e s pa rtidos , j á qUe a UDN e o PSD reuniam

o que havia de ma i s signi ficativo em termos das e l ites políti

c a s de s i tuação e opo s ição .

Em relação a o PTB o mesmo nao ocorria , devido à ine�

pre s s ividade de seus quadros pol íticos e à sua declarada vinc),!

lação com o ex-d itador . Ma s a o PTB na o interes sava a pena s a

Page 53: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

48

in formação pO lít ica factua l . Na qua l idade d e partido que postg

lava uma identidade doutrinária espec í fi c a , era importante CO!!

tar com um meio de comun icação que lhe permi t i s s e propagar t a l

identidade . I sto será , sem dúvida uma d a s ma i s fortes preocg

pa çoes d a s l ideranç a s do pa rtido no decorrer de muitos anos .

E é fundamental entender que o dese j o d e sustentar e

revivi ficar a doutr ina traba lh i sta , traduz i a a percepç a o poli

t ica de que esta era , e deveria cont inua r sendo, o grande recu�

so de poder do PTB , equipa rando-se e con fund indo-se em termos

de importânc i a apena s com a figura de Varg a s . A impo s s ib i li

dade de veicular e s s e apelo ideológ ico t inha conseque n c i a s grª

ves pa ra o pa rtido . Enquanto o PSD s e definia como s i tua c iQ

n i s ta e a UDN como opo s iç ã o , o PTB carecia d e uma e XP l i c itação

ideológica ma ior que sustenta sse sua · identidad e , e spec i ficamen

te junto às c l a s ses traba lhadora s . Era tido como e s senc i a l

pa ra o PTB manter d esperta a idé ia e a or igem de sua constitu i

ça o . Nesse sentido , a preocupação com a propagand a reun i a numa

mesma moeda funções ideo lóg i c a s e pragmát i ca s . Pretend i a - se

fazer chegar a o traba lhador uma mensagem obj e t iva e a o me smo

tempo lembrar-lhe a importân c i a e e f icácia do pa tr imôn io que já

d i spunha para a defesa de seus intere s s e s . A visão d e Ivete

Varga s a este respeito é um re sumo i lustrat ivo desse modo de

pensa r .

" Na real idade o traba lhador .

e mui

to obj e t ivo ( . . . ) antes de 1 9 3 0

ele n ã o t inha garantia no emprego ,

n a o t inha horá r i o d e traba lho , não

t inha a menor e stabi l idade ,

nha direito a lgum . E l e

nao ti

traba lhª

va dependendo d o s patrõe s , que eram

todo-pod eroso s ( . . . ) Então , o trª

ba lhador tem consc iênc i a de que

Page 54: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

4 9

e l e f o i incorporado rea lmente , a

sociedade bra s i l e i ra graças à l�

g i s lação soc ial que Getúlio Vargas

propic iou aos traba lhadores do Brª­

s i l o Não emocionava à c l a s s e op�

rária o fato d e ter havido um perío

do de exceçao . Não emoc ionava à c la sse operá r ia o fa to d e , nos

desvãos da exceção , terem acont�

c ido as c o i s a s que s empre acontecem

o que o ,

nos desvãos da exceçao .

traba lhador reg i s trava e que naqu�

l e instante e l e era um homem que ,

quando t inha um emprego , t inha hor�

rio de traba lho , t i nha salário mi

n imo , t inha a previdência

para lhe propiciar uma

c i a méd ica , t i nha seguro

t e , t inha perspect iva d e

doria ; en f i m , e l e

t . ,, 20 1r .

pa ssou

soc ial

a s s i stên

de ac iden

aposentª-

a exil!

Se a marca pr imeira do PTB era ser o d e fensor e con

t inuador da obra social de Varga s , a s va riantes e os ma t i z e s

ideológicos que poderiam derivar d e s sa proposta seriam múlti

pIos . Ta nto é a s s im que até ho j e a d e f i n ição do que s e j a trª-

ba lhismo entre nós é ba stante pOlêmica . E l e tem s ido a ssoe iª-

do indist intamente a s indica l i smo , a Varga s , a nac iona l i smo ,

a soc i a l i smo , a autoritarismo , a popu l i smo a até mesmo a com�

n i smo e a democra cia soc ia l .

Sem fazer uma r e f lexão ma ior acerca do problema , , e

importante reter que o e s forço doutr iná rio foi sempre um cuidª-

do e uma ambição dos d ir igentes traba lh i s ta s . Certamente e l e s

próprios n ã o concordavam entre s i quanto a o conteúdo d o a s sun

to . Em função d i s s o a s iniciativa s eram var iada s e raramen

20 Ivete Varga s ( depoimento ) . FGV/Cpdoc , H i stória Ora l . p . l04 - 5 .

Page 55: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

5 0

t e agradavam a todos o s grupo s .

t ponto pac í fico que o part ido contou com a pre sença

de a lguns ide61ogos da maior relev;nc ia . Entre e l e s destacam-

se Alberto pasqua lin i , Lúcio Bittencourt , San Tiago Danta s , PQ

dendo- se incluir também Sa lgado F i lho . Eram todos f igura s de

grande milit;ncia pol í t ica dentro do part ido , que ao mesmo tem

po desenvolviam ampla a t ividade intelectua l visando mo ldar um

corpo doutrinário para o trabalhismo . O conteúdo destas propo.§.

tas é ainda pouco conhec ido e c e rtamente um e s tudo mais apurado

do trabalhismo não pode prescindir dessa anális e .

Mas é importante registrar que a o lado dessa preocu

paçao intelectua l , restr i ta a um pequeno c írculo , o PTB também

esteve muito interes sado na propaganda de s eu ideário e objeti

vos através dos meios de comunicação de mas sa .

Pod e - s e constatar um e s forço cont ínuo entre 1 9 4 6 e

1 9 5 0 no sentido de organizar jornais traba lh i s ta s . Vários peri6

dicos desse teor aparecem n o decorrer do período , mas ao que t�

do indica , apenas um d e l e s pertenceu e fe t ivamente ao PTB . t o

j orna l A Democracia , que reaparece em abri l de 1 9 4 5 com um prQ

grama inic ia lmente popular e sem l igações pOlíticas com parti

dos . Em junho d e 1 9 4 6 o j ornal pas sa para o controle da ,

recem-

c riada empresa SAIGOM - Soc iedade Anônima d e Indústria Grá f ica

o Marmite iro . o nome da organização é uma a lusão d ireta , a cam

panha pres idenc ial d e 1 9 4 5 e ao incidente dos "marmiteiro s " , tão

bem capital izado à época pelos partidários da candidatura Dutra .

Com uma orientação n itidamente getu l i s ta , o j ornal , e comprado

pelo PTB no início de 1 9 4 7 , passando então a fazer uma ampla

propaganda do part ido e a l imentando em suas páginas a expe�

tativa do retorno de Varga s . Convivendo com uma s i tuação

f inance ira extremamente d i f íc i l , A Democracia ,

e fechada em nQ

Page 56: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

5 1

vemhro desse mesmo ano .

. � Outros periódicos deram também cobertura as ques tões

do traba lhi smo , embora nao se d e f in i s sem explicitamente como ó�

gãos l igados a qua lquer partido . E s s e era o caso do j ornal

Diretrizes ( 1 9 4 5 a 1 9 50 ) , da Revista Trabalhi sta ( d ezembro de

1 9 49 a agosto de 1 9 5 0 ) e Diretriz Operária ( março a junho d e

1 9 5 1 ) . De sua s páginas brota exc e l ente ma terial para a aná l i s e

a s s im dos traba lhismos , em sua s di ferentes concepçõe s ,

transpa rece claramente a s d i ficuldades para se chegar a

como

uma

l inha mais consensua l , quanto ao que deveria ser o papel e a

pos ição do PTB face à doutrina traba lhi sta .

Se , por um lado , ao fim do governo Dutra ,

nuava enfrentando d i f iculdades organizativa s ; se

o PTB conti

a s relações

com o Minis tério do Traba lho obstacul i zavam sua atuação e , se em

termos doutrinários os en tendimentos eram precário s , por outro ,

pode-se verificar que a l ideraça de Va rgas fora sufic iente para

manter a espinha dor s a l do partido e para garantir sua e leição

pres idencia l em 1950 .

Page 57: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

52

, O "queremo s " volta a s rua s

No período de 1 9 4 6 a 1 9 5 0 a s forç a s políticas dominan

tes d iagnosticariam, sempre e com muito cuidado , que a poss ibi

l idade do retorno do então senador Varga s ao poder nao era tão

remota . Decididamente , o genera l Eurico Ga spar Dutra fora e l ei

to pres idente da Repúb l ica , gra ças a s eu a poio . Não havia de§.

pon tada nos me ios po l íticos uma l iderança popular capa z de co.!:

roer seu prestígio e a campanha queremi sta , em 1 9 50 j á ganhara

as rua s . Por todo o pa í s são criados comitês pró-candida tura

Getú l io Varga s .

Do ponto de vista de Dutra e dos uden i st a s , deveria

ser formulada uma a l terna tiva viável capaz de impedir a v itQ

ria do ex-presidente . Para tanto ensaiou-se uma a l iança entre

UDN e PSD , visa nd o o l a nçamento de um candidato de união naciQ

na l . Essa fórmu l a , quer por intra nsigênc i a s partidária s , quer

por obstáculos de convivências entre e s s e s partido s , acabou

falhand o , e os dois , a s s im como em 1 9 4 5 , compareceriam ao pIei

to com candidatos própr ios .

Embora ambos os partidos tives s em o mesmo temor quan

to a o retorno d e Varga s , e stavam inscritos em re ferenciais d í§.

pare s : o pre st ígio e l e itora l do PSD pa s sava pela nao hostil izª

Page 58: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

5 3

çao a o getulismo ; a o pa sso que com a UDN acontecia exa tamente o

contrário . Ta l incompa t ibil idade f icou expressa em 1 9 4 8 , quarr

do e s s e s partidos ensa iaram um acordo interpart idário v i sando pri!!

c ipa lmente a suc e s são pre s idenc ial e buscando para tanto uma

solução consensual . Neste caso pa rticular , a UDN cogitava de

uma alternativa que , reun indo as principa i s correntes políti

ca s , fosse capaz de marginal izar o getu l i smo . Essa era uma posi

ção extremamente contrad i tória para o PSD , que nao consegue , por

tanto , efetivá - la .

Enquanto os dois partidos re feridos d i scutem, sem sg

c e s s o , fórmulas e h ipóteses para a apresentação d e um cand idª

to d e consenso que excluísse o nome de Vargas e margina l izasse

a s forças popul i s ta s , Vargas entrará em c ena ostentando exatª

mente seu lado popula r , formando j unto a Adernar d e Barros

governador de são Paulo -- urna frente popul ista . Sua candidª

tura é urna resposta à incapac idade do s i s t ema partidário em o f�

recer alternativas s a t i s fatórias a nível das próprias e l i te s

e terá , também, um sentido d e d e s forra daqueles que o haviam d�

posto em 194 5 .

Vargas entrava na d i sputa e l e i tora l com um forte

pa ldo para sua campanha . I sso se dava nao porque viesse

fraldando a bandeira do PTB , part ido do qua l era pa trono v i tª

l ício ; ma s porque se apre sentava corno a ún ica l iderança po l íti

ca capaz de sObrepor-se a intere s s e s particulares e aos pa rtidos

exi stentes . Ta i s cond içõe s eram por e l e enfat icamente

tadas corno habil itação e s senc i a l pa ra o bom desempenho

ções de governo .

res sa.!.

das furr

O que se pode observar de forma n í t ida naquele momerr

to pol í t ico é que , ma i s uma vez , despontava a relação ambígua

entre getul i smo e traba lhi smo . Varga s , se nao era " o " candidª

Page 59: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

to do PTB e sim da col igação PTB-PSP -- , vo l tava

pa I pape l da cena pOlítica pelas maOE do trabalhismo ,

54

ao princi

confundi

do por mu itos com O que j á passava c ser nomeado de populismo .

Fora contra esta tendência pol í t ica que PSD e UDN tentaram um

acordo e prova velmente só não foram bem suc edidos porque popy

l i smo , trabalhi smo e getuli smo se mati zavam com tal

que até a s rapos a s do PSD t i veram d i ficuldades para

sut i leza ,

fechar o

lance . No entanto , o cand idato -- desde o pr ime iro momento

nao se ident i fica como uma solução de part ido,

como um nome suprapartidári o . Getu l i smo nesta

mas exa tamente

acepçao excede

traba 2hismo!PTB e não por que stões de acordo interpartidário .

Ge tul i smo!queremismo é uma força po l í t ica centrada na legitimi

dade e popularidade pessoa l d e Varga s , que não reconhece e nao

va lora pos i t ivamente o pape l da organi zação partidária .

Getu l i smo é traba lhi smo , se ne sta a s sociação a d imen

sao privileg iada for a ideológica , ou s e j a , aquela de uma propo�

ta pol ítica fundada na resolução da que s tão soc i a l e na mobi

l ização dos traba lhadores pelo s i s tema s ind ical corpora tivista .

Mas getulisIDo não é traba lhismo em termos part idários e , em d�

corrênc i a , não se ident i f ica com O PTB . Ne ste sentido , talve z

se possa arriscar que getu l i smo fos se ma i s popu l i smo : um e s t i lo

de fazer pO lítica que t inha em Vargas s eu mestre ma ior , ma s que

fazia e scola , como a l iderança de Adernar de Barros demonstrava .

É nesse contexto que Getú l i o , em seu d iscurso e l e itQ

ra l , reflete um acentuado intere sse pela que stão soc ia l . Não

poupa críticas à admin i s tração de Dutra e demonstra uma s ér j a

pr eocupaçao com a defesa dos interes s e s econômicos nac iona i s .

Propugnava por um padrão d e governo cu ja função pOl í t ica bá si

ca fosse representar e expre ssar d iretamente o s interes se s da

nação sem intermed iários . Essa proposta inseria-se dentro d e pa

Page 60: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

5 5

râmetros que relegavam para segundo plano o papel d o s i s t ema par

t idário na articulação de intere s s e s , a s s im como l imitava a l�

gítima partic ipação popular à instância corporat iva dos s indicª

tos .

Para Vargas , sua candidatura surgia d e um apelo popu

lar e da incapacidade do s i s tema part idári� gerar

ma i s adequada à s nec e s s idade s nac iona is . Não sendo

uma solução

fruto de um

acordo partidário por. ele ac ionado , Va rgas se apresentava como

solução inevitável d iante das indec i sõ e s e intrans igênc i a s dos

partido s . � e sul tado d e sua i senção frente à d isputa partidári

a em torno de nome s , e s sa candida tura seria também um produto

do seu empenho num programa em d e f e sa da conc i l iação

Frente ao embate pO lítico-partidário em torno

gera l .

d e aI

terna tiva s pres idenc ia i s , o candidato Vargas apresentava como

vantagem o fato de nada ter re ivindicado para s i . I sso o legi

timava d iretamente junto à s ma s sa s , que haviam f icado a l i j adas

ou margina l izadas do debate suce ssório .

O caráter person a l i sta d e uma candidatura que a f irma

nao buscar benefícios pessoa i s , será o principal trunfo para

que Vargas se apre sente ao e l e i torad o . A insi s tência com que

a firma sua cond ição de independência frente a intere s s e s poli

t icos organizados pode ser constatada em d iversos pronunc iamerr

tos . Apresentando-se dessa forma , coloca - s e como o d efensor dª

que l e s que , por suas cond ições precárias d e vida ,

conseguido a inda se fazer representar nem merecer

quer das agremiações pOlítica s , quer do poder

nao haviam

a atençã o ,

e s tabelec ido .

Com e s sa posição, apres enta - s e como o futuro d i rigente que , a

partir d e uma ação desvinculada das instituições po lít ico-paX

t idárias e de grupos de pre s s ã o , irá governar para interesses

não-organizados que a firma v i sua lizar e perceber .

Page 61: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

56

o apartidari smo d e Varg a s inc lui a lgumas referênci

as conc retas a mecanismos a l ternat ivos de participação po l í ti

ca . Nesse sentido , sua preocupaçao e a de vivificar a força

do traba lhismo con struído no Estado Novo . Assim, o s s indicatos

são ins trumentos bá s icos para levar adiante sua proposta d e gQ

verno , fortemente ba seada para fins de campanha , na problemáti

ca socia l . Segundo Varga s , o " que a soc iedade moderna aspira

e ao traba lhismo -- ou s e j a , a harmonia entre toda s a s c la s se s ,

a d emocracia com ba se no trabalho e n o bem-estar do povolt •

E a solução apontada pelos pr incípios do traba lhismo indica

nao ser a " predominância desta ou daquela casta que há de tr-ª.

zer a a lme jada felic idade humana .

. . d '1 ' ,, 2 1 r1ado , nem a d1tadura a s e 1tes .

2 1

Nem a d itadura

VARGAS , Getúlio Dorne l l e s . A campanha pre sidencial sos ) . Rio de Janeiro , J . O l ímpio , 1 9 5 1 . p . 4 1 9 .

do pro l e t-ª.

( d i scur

Page 62: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

57.

o traba lhismo volta a o poder?

Vitorioso nas eleições -- graça s também ao apoio do

PSD , que " cristianizou " seu próprio candidato ( Cr i s tiano Machª

d o ) -- Vargas levava para o governo uma pauta de procedimentos

pO l í t icos que refletia ba stante seu discurso e l e itora l . PreQ

cupado com a conc i l iação nac ional organizou o prime iro gabin�

t e , denominado " Ministério da Experiinc i a " . Este

se pela presença de várias correntes partidária s ,

UDN , e pela fraca expressão do PTB , ao qua l coube

cara cterizou­

inc lusive a

apenas o M i

ni stério d o Traba lho , exatamente como n o governo Dutra . Desen

volvendo uma ampla pO lítica de a l ianças junto a c ivis e m i l itª

res , criou uma situa ção ba stante contradi tória . Sua intenção

dec larada era instaurar um governo traba lh i s ta . Mas , d e um lª

do, não prestig iava devidamente o PTB , part ido que me lhor pod�

r ia expressar e s s e ob j et ivo ; e , d e outro , forta lecia o con junto

das força s conservadora s . A fragil idade d e s sa composição nao

conseguiu ag lutinar o PTB ; de sgostou o s setores m i l i tares e a li

mentou a s desconfianças da UDN . Uma vez que com este pa rtido

Vargas ensa iava , d e sd e o início de s eu governo , uma pol ít ica de

aproximação , a cúpula uden i s ta reagiu , al egando uma crise d e

confiança em relação ao pre s idente , o que impos sibi l i tava o e2

Page 63: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

5 8

tabe lecimento d e acordos . Mesmo participando d o min istério , a

UDN colocaria sempre em d�vida a " s inceridade de prop6s ito s " do

governo , postura que evoluiu para a oposição intran s igente .

Essa oposição a inda era mai s s igni fica tiva porque a li

menta da por toda a grande imprensa nac iona l . A única exceçao

foi o j ornal Ú l t ima Hora , criado em j unho de 1 9 5 1 para ser uma

voz favorável ao regime e ao chefe do governo .

� interessante observar que a s primeiras d i ssensões

ministeriais ocorreram exatamente na s e s feras do PTB e da ala na

c iona l i sta militar, tida s , desde a campanha , como pontos e ssen

ciais de sustentação do governo . Em setembro de 1 9 5 1 Danton Co�

lho de ixou a pa sta do Traba lho devido a con f l itos internos do

PTB , sendo substituído por outro petebista , Segadas viana . Em

março seguinte , o general Esti l lac Lea l , repre sentante dos gru

pos nac iona l i stas nos meios m i l itare s , abandonaria a pa sta da

Guerra em função de d ivergênc ias com os termos das negoc iações

efetuadas pelo ministro do Exterior João Neves da Fontoura ( PSD ) ,

para o Acordo M i l itar Bra s i l -Estados Unido� .

A e scolha de Danton Coelho para o M in i s tério do

ba lho t ivera sign i f icado pO lítico bem d e l ineado .

panha suc e s s6ria , fora um e l emento fundamenta l nas

Durante a cam

articulações

com o s meios m i l itare s , vi sando a absorção do nome de Varga s .

Ap6s o pleito fora transformado pe l o pr e s idente recém- e l e i to , e

a inda não empos sado , no re spon sáve l pe l o tra tamento dos a s suntos

de política interna j unto ao governo Dutra , a té que se e fetua�

se a mudança de mandatos , da mesma forma que João Neves da FO!l

toura encarregado das que stões de política externa .

Danton era um e l emento da maior importância

governo e um homem do PTB . Sua ida para a pa sta do

j unto ao

Trabalho

pode ser interpretada como uma tentativa de partidarizar o mini�

Page 64: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

59

tério . E , ta lvez por e s sa raza o , sua admini stração inaugura

uma espécie de período de " caça às bruxa s " . Muitos daque l e s

que haviam servido ao governo Dutra e que nao t inham aderido ao

PTB ou s e f i l iado à campanha de Varga s tornaram- s e suspei to s .

Não há puniçõe s , mas a fa s tamento s . A velha guarda de funcioná

rios do ministério ou é substituída ou se retira voluntariE

mente . Esse procedimento de fundo pOlítico tem impl icações admi

n i strativas e desarticula o próprio funcionamento do ministério ,

uma vez que a t inge o corpo de func ionários e stabelecidos de sde

d f · ' o 2 2 o Esta o Novo e que ora mant1do pelo propr10 Dutra .

Sendo o PTB um partido em permanente convu l s ã o , a ori

entação usada para rea lizar a s imbiose entre a pasta do Trabalho

e o partido é duplamente desastrosa : desarticula o ministério

e desorienta a inda mais o PTB .

Danton que acumulava a pre s idência da Executiva Nacio

nal do PTB com a pasta do Traba lho , Indústria e Comércio de ixou

o primeiro cargo em junho de 1 9 5 1 e a f as tou- s e do segundo em s�

tembro , acusando Vargas de lhe impor suces s iva s derrota s . Dan

ton completaria sua tra j etória , no períod o , ameaçando abandQ

nar o PTB e dando apo io a uma convenção na u pião Ferroviária do

Bra s i l , no R io de Janeiro , na qua l s e ob j e tivava a criação da

Frente Trabalh ista Bra s i l e ira . Ou se j a , procurava

mais um partido traba lhista , do qua l seria pre s idente

articular

e cuj o

objet ivo era denunciar o s d e svios e l i t i stas que a proposta trE

ba lhista vinha sofrendo sob o governo Varga s . Embora e s sa ini

ciat iva não tenha s ido levada avante , é um indicador da posição

crítica de Danton em relação à atuação de seu sucessor no mini�

tério e também em relação ao próprio PTB .

2 2 Hugo Faria ( depoimento )$GV/Cpdoc , História Ora l . p . 67 - 8 .

Page 65: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

FUNDAÇAQ GETÚLIO VARGAS , 1t-:OIPO I CPOOC I 6 0

Com a saída de Danton , a pasta d o Trabalho ,

e

da por José de Segadas Viana , ex-diretor do Departamento NaciQ

nal do Traba lho ao f im do Estado Novo e um dos

PTB . Sua administração terá um teor ambíguo .

fundadores do

Ao lado de medi

das de cunho l ibera l i zant e , como o retorno dos "antigos func ionª

rios" , o aumento do salário mínimo em 1 9 5 2 ( o primeiro desde

sua criação em 1 94 3 ) e o fim do a te stado d e ideologia para o s

candidatos à s d iretorias s indicai s , Segadas pôs em prá tica medi

das inequivocamente repre s s iva s . Reac ionou o s s erviços d e in

formação do Min i 9tério do Trabalho , visando o controle d ireto

e s i s temático das l ideranças s indicai s . Longe d e superar o s prQ

blema s do ministério , irá , ao .contrário , aprofundá-los , poi s sua

po l ítica não agrada nem ao PTB , nem aos s indicato s , nem à massa

trabalhadora . O aumento do s alário mínimo seria considerado

insuficiente para corrigir as perdas salariais-- o que se expre§

sava nas co nstantes e crescentes greves a partir de 1 9 5 3 . t

no bo j o de uma das mais s ignificativas d e s s a s greves-- a dos m2

rítimos no Rio d e Janeiro -- que s e explicita d e vez o con f l ito

entre o Ministério do Trabalho e João Goulart , presidente nacio

nal do PTB desde junho d e 1 9 5 1 . t nesse momento que Segadas

renuncia , sentindo-se despr e s t igiado em sua orientação pol í t i

ca . A mudança n e s s a pasta é o s ina l mais evidente,

e conhecido

da crise por que passava o governo Varga s .

Uma das saídas para contorná - l a seria exatamente a

reforma ministerial e f e tuada em meados de 19 5 3 . Esta mudança

de gabinete tem s ido interpretada como um marco decisivo , porque

indicaria uma " virada à e squerda " . Não obstante a e scolha d e

João Goulart pos sa s e r vista como uma retomada mais agre s siva

do " populismo trabalhi st a " de Varga s , a re formulação do gabin�

t e , que poupou a s pastas militare s , signif icava principalmente

Page 66: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

6 1

uma nova inves t ida junto a o s conservadores , particularmente a

UDN . À exceção do Ministério da Agricultura , que continuou

tendo João C leofas ( UDN ) como seu titular , as outras seis pa�

tas civis foram a l terada s . Dessas apenas uma coube ao PTB-

como sempre a do Trabalho - , enquanto a s outra s c inco foram di

vididas entre a UDN ou simpatizantes udenistas e o PSD .

Em que pese a presença d e Goulart e sua reconhecida

inf luência junto ao movimento s indic a l , é forçoso admitir que

o novo staff não se caracterizava por uma orientação ideol ógi ,

ca a esquerda . As greves que haviam ec lodido entre março e ª

bril de 1 9 5 3 , em são Paulo e Rio d e Jane iro , tornavam c laro o

descontentamento dos trabalhadores com a administração de Vax.

gas . Mesmo que a atuação do novo ministro do Trabalho corrobo

re a tese de uma reativação do movimento s indica l , isso não s ig

nifica que t enha havid o , por parte do governo , um plano d e l ib�

rativo d e benef ic ia r a s forças nac iona l i st a s e de e squerda .

Desde o iníc io o governo adotara uma posição francamente conci

liatória em relação aos d iferentes interesses regionais e parti

dário s , em detrimento até mesmo do próprio PTB . Convivera com

posições e interesses pOl í t ico-ideológicos bastante d í spares ,

ora cedendo à s expectativas nacional ista s , como no caso da PetrQ

brá s , ora a outras de cunho mais internac iona l is t a ou mesmo

imperia l i s ta , como por ocasião do Acordo M i l itar Bra s i l -Estados

Unido s . Este movimento pendul a r foi a tônica d e todo o período ,

ao contrário do que usualmente s e supõ e .

A nomeação d e Goulart para o ministério do Trabalho

é o mais ousado gesto de Vargas para recuperar a confiança dos

trabalhadores . Dentro da perspectiva g e tu l is ta , no entanto , pro

curar a reaproximação com a s c l a s s e s traba lhadoras nao signi

fica abrir um confronto com o patronato ou com os interesses das

Page 67: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

6 2

c la s s e s dominantes . M a s t a l inic iativa , a d e s pe ito d e nao s e

confundir com uma proposta e squerdizante , d esperta sérios t emQ

res junto à s força s conservadoras , em particular entre o s mili

tare s .

Como pre s idente d� PTB , Goulart vinha d e senvolvendo

uma orientação pOl ítica de maior aglutinação das forças trabª

lhistas e de maior identidade entre o partido e o s meios s indi

cais . Nesse sentid�, não é difícil perceber o choque de ori

entações dessa nova l iderança , com re lação ao ministro anterior ,

Segadas Viana . Este , s eguindo o figurino e stadonovista , via a

pasta do Trabalho camo o instrumento d e tut e l a do movimento s ig

d ic a l . Jango inaugura uma outra mod a l idade d e fazer pOlítica

traba lhista quer dentro do partid o , quer dentro do ministério ,

quer em suas articulações com o s indica l ismo . Em r e lação aos

dois último s , sua adminis tração permitirá maior l iberdade para

as lideranças s indicais , derrubando na prática

ideologia , que havia terminado , juridicamente ,

o atestado de

um ano antes .

Ao l iberalizar a pOlítica s indic a l , Goulart buscava

uma reaproximação desta com o PTB e ao mesmo tempo abria campo

para a atuação do PC , vis lumbrando a possibi l idade d e trabalhar

a l iado a este partido . Esta a l iança visaria mais explic itª

mente as que stões de pO l ít ic a s indical e de pOlítica econômica

de cunho naciona lista . Pela primeira vez , desde 1 9 4 6 , os cQ

munistas passaram a gozar de uma margem de l iberdade

para atuar naquel e que seria seu meio por excelência :

ses trabalhadoras .

. oficiosa

a s c l a�

Do ponto d e vista administrativo duas outras observa

çoes devem ser feita s . A primeira diz respe ito . a distribuição

partidária na administração das autarquias da previdência entre

func ionários do min istério e d irigentes s indicai s . I sso , e tão

Page 68: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

6 :>

mai s importante , à med ida que s e entender que a s l ideranças s in

dicais vão a l ia r a e s s e recurso d e poder uma autonomia políti

ca até então de sconhecid a . A segunda refere-se , a s d iretrizes

traçadas para a fixação d e um novo salário mínimo , o que nao

se l imitava apenas a um aumento c �rcuns tanc i a l . Era uma prQ

po sta que , a l terando a compos ição das comissões regionais que

deveriam e s tudar e e s t ipular os níve i s salaria i s , apontava para

uma pOl ít ica ma i s permanente de acompanhamento e a tuàl ização sª

1 . 1 2 3 arl.a •

Na atuação d e Jango no ministério, nao podem ser mi

nimizadas as inovações que d iz em respeito ao e s ti l o d e r e laciona

mento com a s l ideranças s indicai s e com as mas s a s trabalhado

ras o A maior figura min i s terial até então fora Marcond e s F i lho

que inaugurara , a inda no E stado Novo , uma prática constante

de contatos com o s trabalhadore s . Falando pelo rádio semana.!

mente , comparecendo a s indicatos e recebendo l ideranças , Marcon

d e s criara a imagem do ministro a c e s s ível e a s erviço da c l a�

se trabalhadora . Mas tudo era feito preservando- s e a " aura " d e

autoridade pública . Marcondes portava - s e s empre como um homem

de governo com um verniz pessoa l aristocrát ico .

Goulart avançava n e s s e relac ionamento e em parte rom

pia com e l e . Sua passagem pelo min i s tério é marcada por um e s t i

l o mais informal e f lexível n o tratamento das ques tões socia i s .

Não era somente o ministro que fa lava aos traba lhadores e o s ou

via . Efetivamente e l e e stabe l ecia negoc iações e fazia conce�

soes , praticando uma informa lidade até então inédita . lritens i

ficando seus contatos d iretos com o s s indicato s , recebendo fr,lt

qüentemente suas l ideranças no gabinete mini s terial ou compar,lt

cendo a eventos promovidos por entidades de trabalhadores , Gou

lart não e s tava apenas e s tr e i tando sua s bas e s de apoio . A pro

Page 69: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

64

posta era a lcançar i sto , trans formando suas promessas em atos jy

rídicos do ministério . Esta preocupação em fundamentar

r idade e l id erança pOl í t ica em procedimentos lega i s e fetivo s , tem

a nít ida inspiração do modelo de Varga s . Jango , contud o , rei

naugura essa tradiç ã o , ao desmis t i ficar a figura da autoridade ,

aproximando-a do povo e colocando-a à a ltura de sua mao .

Vários depoimentos demons tram muito bem essa imagem

que estamos fixando . Amara l Pe ixoto , por exemplo , d ef ine-o como

" o gaúcho típico , homem de fronteira , de tomar chimarrão no gal

pão com os peões , de dar intimidad e " . Essa intimidade chegava

ao ponto de , quando pres idente da República , lideranças s indi

. d · . . d d · 1 24 ca�s �r�g�rem- s e a e l e na segun a pes soa o s �ngu ar .

Por tudo isso , Goulart inaugura nas

pa lavras d e José Gomes Talarico " uma

nova fase no M i n istério do Trabalho .

t a fase do direito d e greve , da abo

l ição do a testado de ideologia , de

não interferência no processo e l e i

toral d o s s indicatos . Enfim, a s

mudanças s e d ã o a partir da gestão

d e Jang o , que evidentemente a s fez

por orientação do d r . Getúlio" . 2 5

Mas nenhum depoimento é tão r ico quanto o d e Hugo

de Faria :

2 4

2 5

"Quando é que u m d i r igente s indical

ia à casa d e um ministro a qualquer

hora ? Com o dr . João Goulart qual

quer sujei to que quer ia falar com

Ernâni do Amaral Pe ixoto ( depoimento ) . FGV/Cpdoc , Hi s tória Ora l . p . 7 1 2 .

José Gomes Talarico ( depoimen to )PGV/Cpdoc , História Oral . p . 9 8 .

Page 70: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

6 5

e l e i a a o Hote l Regente e fa lava .

As aud iênc i a s públicas no Ministérj,

o do Traba lho passaram a ser a s su.là

tadora s . Uma vez por s emana , cente

nas de pessoas chegavam para a s au

d iência s , que começavam à s

horas d a tarde e acabavam , a

quatro

meia-

noite , uma hora da manhã . Enfim , hou

ve rea lmente um renasc imento pelo

i nformal ismo de J ango , pelo e stado

de e sp:í:rito d e l e a t é certo pon

to patern a l i sta de precisar f-ª

lar com todo mundo" . 2 6

A e s tada d e Goulart no m in i s tério , embora curta , foi

sufic iente para causar impactos de várias orden s . Passou-se a

teme r , a i nda mais , a participação pOl:í:tica dos traba lhadores ,

o cresc imento do traba lhi smo e de PTB e , mai s uma vez , a possj,

bilidade de instauração de uma república s indica l ista no Br-ª

s i l o

Por tudo i sto aumentam a s pre ssoes que redundaram na

sa:í:da de Gou lart do min i stério , em fevereiro de 1 9 5 4 . Vargas

dessa feita nao nomeia um novo ministro do Traba lho , que seria

o quarto de sua admini stração . Mantém , até agosto , um mini.là

tro interino : Hugo de Faria , o então d iretor do Departamento

Nacional do Traba lho e homem de confiança de Goulart . Para

a UDN , tal atitude indicava c l aramente a recusa de Vargas em

reorientar sua pol:í:tica traba lhista . S e i s so era verdade ,

era igualmente mu ito d i f :í: c i l e scolher um novo titular para a

pa sta do Traba lho , ponto nevrá lgico da c r i s e pol:í:tica do goveX

no .

2 6

Hugo Faria ( depoimento ) . FGV/Cpdoc , H i s tória Oral . p . B9 .

Page 71: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

66

o e s forço de conciliação com o s s etores mais conservª

dores nao domou a opo s ição milita r e udenista . Diferentemente ,

foi interpretada por esta como mais um " trabalho d e sedução"

para atrair a UDN . Este partido continuaria sua ferrenha oposi

çao à pOlítica econômica inflacionária , denunciando o avanço

das massas e o " perigo getulis ta " , a s s im como a crise mora l do

governo e a existência de planos continuístas de Vargas .

Nesse contexto em que s e evidencia uma decisão obse.ll

s iva para depor o presidente , a "denúnc ia João Neves " foi fun

damenta l . o ' ex-ministro das Relações Exteriore s , incompatibi

l izado com Vargas , dec larou à imprensa , no início de 1 9 54 , e star

ciente da existência de um plano secreto entre Getúlio e perón

obj et ivando a formação de um bloco continental de caráter polí

tico e econômico composto por Argentin a , Bras i l e Chile ( Pac

to ABC l . Este plano visaria fazer frente à hegemonia

americana no hemis fério sul . Essa revelação veio

de outra que postulava estar Vargas planejando a

de uma república s indical ista no Bras i l em moldes

norte-

acompanhada

instauraç ão

peronis ta s .

A partir daí , a renúncia do pres idente s eria insisten

temente sol icitada no Congresso e na imprensa . A UDN , em a l iança

com os setores mil itares , participará intensamente dessa j orna

, . da , responsabilizando d iretamente Vargas por todos o s poss 1ve1s

problemas que o país e s t ivesse enfrentando . Contudo, a forte

reação que resultou na s a ída de João Goulart da pasta do Traba

lho , não impediu a aprovação de um aumento de 1 00% no s a l ário

mínimo a 1 2 de maio de 1 9 5 4 . Em meio a uma s ituação tensa o

Congre s so examinaria o pedido de impeachment para Varga s , sob a

a legação formal de irregula ridades administrativas na Comissão

Central de Preço s . A proposta de impeachmen t

1 3 5 votos contra 3 5 voto s , em junho de 1 9 5 4 .

,

e derrotada por

o movimento pela

Page 72: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

6 7

depo s ição d e Vargas ganharia , entretanto , novo a lento quando d o

a s sas sinato d o ma jor Rubens Vaz o O crime , ocorrido a 5 de ago�

to , resul tava de um atentado contra o político e j orna l ista

Carlos Lacerda ( diretor da Tribuna da Imprensa , jornal antigetg

l i s ta ) , no qua l ficou constatada a partic ipação da guarda pe�

soa I de Varga s .

A s i tuação de crise que o pa í s atrave s sava t inha dimen

soes ba stante personal izada s . Tratava - se , principalmente , de

um movimento contra a permanência de Vargas no poder e contra

o getu l i smo , para o qua l ocorreu dec ididamente a açao militar

que daria o veto f inal ao governo .

Um balanço do período que vai de 1 9 4 5 a 1 9 5 4 sob a óti

ca do PTB , revel a pontos substanciais . Após um período de r�

pres sao ao movimento s indica l corre spondente ao governo Dutra

é um ministro traba lhista que promove a l ibera l ização deste mQ

vimento . A iniciativa visava não só fort a l ecer as bases de

apoio do governo como também reativar o apelo traba lhista no meio

operário . Entretanto e s sa l iberal ização acaba por aumentar a

compe tição pO l ítica no interior do movimento s ind ical pos sibi

l i tando um novo vigor aos comunsitas que e stavam em franca opo

s ição ao governo . Além d i s s o , abriu e spaço para outras corren

tes como O janismo em são Pau l o , ou s e j a , o PTB tem que divi

dir o s re sultados de sua pOlítica com outras forças que lhe são

riva i s .

Do ponto de vista governamental o s ganhos do PTB fQ

ram inexpres sivo s . Em termos mini steriai s o partido contro lou

apenas a pasta do Traba lho , Indústria e Comércio e mesmo a s s im

de forma e fe t iva , apenas no governo Varga s . Vale l embrar que no

governo Dutra apenas com o ministro Negrão de Lima , pelo curto

e spaço de dez meses , o PTB teve alguma re lação mais próx ima

Page 73: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

6 8

com esta pasta .

S e o partido teve fraca partic ipação a n íve l mini.§.

terial também sua atuação no Congresso deve ser considerada .

o PTB , terceira bancada n o Congr e s s o , não se constitui em uma

base parlamentar de apoio ao governo Vargas nem mesmo no epi sQ

dio da criação da Petrobrás . Mais do que isso , sua partic ip-ª

çao nas Comissões Técnicas da Câmara dos Deputados foi pouco sig

n i ficat iva . Das 1 1 4 Comi ssões formad a s a t é 1 9 5 4 o PTB deteve

a pre s idência de apenas 1 2 . Vale ressaltar que este é um n ível

de atuação privi l egiado a travé s do qua l um partido pode inf luen

ciar mais d iretamente o processo de e laboração legisla tivo d�

fendendo a s pos ições de s eu programa .

Por e s s e s indicadore s pod e - s e constatar que o PTB

nao foi um grande partido neste período . Entretanto , como vi�

mos demonstrando , era uma força pO l í t ica do mais a l to s igni

f icado . Sua presença junto aos s indicatos , aos órgãos previ

denciários e no universo de instituiçõe s l igadas , a que stão

do traba lho , a s s im como em certas autarquias federa i s , sugere

uma linha profícua de inve s t igação . Há portanto que , incorp2.

rando estes dados , reinterpretá- lo s ma is detidamente em outra

d imensão .

Page 74: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

69

o trabalhismo sem Vargas

A crise que l evaria ao d e sfecho traumático do gover-

no, em agosto d e 1 9 5 4 , t inha a marca da personal ização . Para

seus opositores o que e stava em j ogo era expurgar

da pO lítica bra s i l eira , dando- s e para tanto uma

o getulismo

demonstração

d e força que tornasse imperat ivo e irrever s ível o a fa stamento

de Vargas do poder .

Em 1 9 3 0 e 1 9 3 7 Vargas conseguiu s e e stabelecer no PQ

der graç a s a um esquema mil itar que apoiava . Embora s e tran.§.

formasse numa grande l iderança pOl ít ica , sempre que lhe faltou

e s s e suporte , seu poder esteve compromet id o . Assim foi e m 1 9 4 5

e em 1 9 5 4 . No primeiro c a s o e s tava em j ogo tanto a mudança do

regime , quanto a permanência de Vargas --.-:l itador -no poder . Mas

o golpe de 1 9 4 5 ficaria marcado na história como uma interveg

ção militar contra o Es tado Novo . Em 1 9 5 4 a s ituação é d i fg

rente : o regime não e s t á em questão . É o próprio Vargas- presi

dente constituc ion a l - que está sob j ulgamento . o que ocorre

é francamente uma investida no sentido de l ivrar o regime da

influência de Vargas .

O tom persona l i s ta d a crise reflete nitidamente a prg

cária ins tituciona l ização d a pOl í t ica nac iona l , para a qual mui

Page 75: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

70

to havia concorrido _ o e s t i lo de a tuação do próprio Vargas . O

suicídio , em 2 4 de ago s to d e 1 9 5 4 , reforçará e sta percepçao da

política : a população, ao lamentar nas ruas a morte de seu gran

de l íde r , não só reabi l i tava sua figura , como c riava uma s ituª

ção polí tica bastante incômoda para seus opo sitore s . A reaçao

da UDN neste episódio pode ser interpretada como um misto "de

depre ssão e euforia " . Feste j ava o de saparec imento daque l e que

era o a l vo de suas crítica s , mas f icava acuada frente ao movi

mento popular que a condenava pe l a respon sabil idade da morte

do presidente . Por outro lado , com o de saparec imento de Vargas ,

d . . - . 27 o s u en1 s ta s perd1am seu grande e lo de coesao 1nterna .

Em termos pol ítico s , o suicídio , a l ém de i l ibar a l id�

rança do pres idente e criar constrangimentos na oposição , terá

e fe i tos importantes na formação de uma frente antigo lpista ,

v isando a manutenção da ordem constituciona l . D e certa forma , o

contexto gerado pelo suicídio evidencia a fraque za da pO l ítica

institucional , mas propicia o surgimento de uma posição ma j oritá

ria na defesa das instituições e da ordem l ega l .

A revitalização do getul ismo é um ponto alto nessa con

j untura . Mas o getul ismo tornara-se um movimento de massas acé

falo . Desfeita a relação l íder-ma s s a e cons iderando-se que a li

derança persona l izada não poderia ser faci lmente transferid a ,

a sObrevivência hi stórica d o getulismo passaria a depender de

sua absorção pelo s i s tema partidário . De força para l e l a e con

corrente aos partido s , o getul i smo passa a partir de então a ser

componente e stratégico do s i stema partidário da a l iança PSD-

PTB . Va le dizer, o getul ismo s eria a s s imi lado por partidos hete

27 BENEVIDES , Maria Vitória . A UDN e o udeni smo : ambiquidades no l iberali smo bra s i leiro( 1 9 4 5 - 6 5) . Rio de Janeiro , Paz e Terra , 1981 . p . 9 0 .

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7 1

� rogeneos , o que l evaria ao e svaz iamento como movimento soc ia l .

I sso porque também não foi pos s ível o surgimento d e outra l id�

rança popul ista , que conseguisse se legitimar n a qua l idade de

herdeira indiscutível do carisma do ex-pres idente e d e suas

obras traba lhista s . O que se observa é a prol i feração d e , . varl.OS

l íderes que d isputam entre s i o comando do movimento de massas

no Bras i l .

I sso foi feito de formas políticas variadas . Havia ,

contudo , uma característica comum . Procurava - s e s empre buscar a

maior proximidade com a grande massa da população identifican

do-se as propostas à figura pessoal do l íder e nao a 3eu parti

do , o que é característico do popul i smo . Nesse ponto , todos

eram herdeiros do g e tul i s mo . D i feriam d e s te , entretanto , no que

d i z respeito ao próprio conteúdo da mensagem popu l i s ta , bem

como no estilo pessoal de sua encenaçao .

Tancredo Neves exprimiu bem e s t e ponto quando s itua

sua versão do a s sunto .

2 8

" A nao s e r a s exibições d e 1 2 d e mal

o , você não tem notícia do Getúlio

freqüentando s ind.icatos ou receben

do l íderes trabalhadore s . Ele os

tratava com mui to respe i t o , mas o s

atendia n a s reivindicações quando

justas e no e ssenc ia l . O populi§

mo no Bras i l realmente foi uma d e fo�

maçao do getul i smo ; foi Adernar d e

Barros , o próprio Jân io,

con j unto de homens que

o getul ismo . O popul ismo

t.odo e s s e

d e formaram

foi 28 caricatura do getulismo " .

GETÚL I O : uma h is tória ora l . Coord . Valentina et a l i i . Rio d e Janeiro , 1 9 86 . p . 2 5 9 .

da Rocha

uma

L ima

Page 77: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

7 2

D iscorrendo sobre e s s e mesmo a specto Alz ira Vargas

também marca c larament e o que c on s idera ser a tônica do e s t i lo

pol í tico de seu pa i .

"De urna c erta maneira , eu o compa ,

rava a s vezes ao Rooseve l t , que , em

bora t ivesse nasc ido de urna família

r ic a , e ra um homem que t inha um

grande sentido popu l a r , sem ser PQ

pul ista . Há urna grande d i ferença

entre o popu l i smo e o popular . ,

O populista corte j a o povo , as vezes

d e urna man eira baixa . . . Meu pai

nunca t i rou o paletó para f ingir

que e ra povo " . 2 9

Corno s e pode observar nos depoimentos ac ima , a prese�

vaçao da imagem de Vargas caminha ao lado da d i s t inção entre

populismo e getu l i smo e d a a ssoc iação entre getulismo e traba

lhismo .

Diretamente v inculado aos expedientes populi s tas ,

ma s nao só em função d i s so , o movimento d e massas no Bras i l tQ

mará ímpeto na década d e 1 9 5 0 para s e r violentamente interrompido

com o golpe m i l i tar de 1 9 6 4 . O traba lhismo foi urna das muitas

facetas desse movimento .

Por e s tar ma i s as sociado ao g e tu l i!3mo que ao PTB , o tra

ba lhismo sofreu os e f e itos das trans formaçõ e s que ,

ocorrem apos

a morte d e Vargas . Se ante s não comparece pol i ticamente c orno

movimento integrado i s so s er ia acentuado com o desaparec imento

de s eu l íder maior . O trabalh i smo d i lui-se por

e l ideranças .

29 Op . c i t o p . 2 5 2 .

, . var10S

partidos

Page 78: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

7 3

Sendo ob j eto d e várias leitura s e apropriações , tanto

poderia representar uma ligação f i s io lógica com o Estado , como

ser um instrumento efetivo de emancipação popular .

Seu crescimento e leitoral é inegável a ponto d e s e

trans formar n o segundo maior partido em representação parlamen

tar nas eleições de 1 9 6 2 . Nesse momento o PTB era governo . Mas

sem estabilidade e sustentação . Era um governo i solado pe la 0p2

sição parlamentar e militar . Tinha a bandeira do traba lhi smo .

As massas e stavam nas rua s , mas t inham outras bandeiras a lém

do trabalhismo .

o que ficou das propostas originai s do trabalhismo

nesse PTB bem sucedido eleitora lmente é a inda um ponto d e inte�

rogaçao . As acesas d iscus sões sobre o populismo no Bras i l dei ·

xam isso muito c laro .

De qualquer forma , o prognóstico de Maciel Fi lho ,

, apos os resultados e l e itorais d e 1 9 4 5 , foi confirmado . Segundo

ele , os part idos de futuro no B ra s i l teriam que se dirigir ma

ciçamente ao povo . Em suas palavras : " Eu , francamente não acredi

to no êxito popular dentro de um c l ima democrático de qualquer

partido libera l ou conservador . Estamos no século

no século X I X " . 3 0

xx e

Mac iel Filho , contud o , nao poderia prever que ,

nao

no

tra�nto das questões democráticas , o Bra s i l teria dif iculdades

para ultrapassar o século X I X . Tampouco que nosso país tivesse

tantos problema s em comportar , institucionalmente , um grande pa�

t ido de ma ssas democrátic o .

3 0 Arquivo Getúlio Varg a s . GV 4 5 . 1 2 . 1 1 / 2 . FGV/Cpdoc .

Page 79: GETULISMO E TRABALHISMO: tensões e dimensões do Partido

Mônica Pimenta Velloso

Dulce Chaves Pandolfi

e Mário Grynszpan

Ãngela Maria de C. Gomes

e Maria Celina S. o'Araújo

TEXTOS CPOOC

A brasilidade verde-amarela;

nacionalismo e regionalismo paul ista

Da Revolução de 30 ao Golpe de 37: a depuração das el ites

Getulismo e traballlismo: tensões e dimensões

do Partido Trabalhista Brasileiro

32

G