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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Sociais Aplicadas Programa de Pós-Graduação em Direito Mestrado em Direito LAVAGEM DE CAPITAIS: A CRIMINALIDADE ECONÔMICA DIANTE DA EXPANSÃO DO DIREITO PENAL E A PRESERVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS FRENTE AO DIREITO PENAL DO INIMIGO RODRIGO CAVALCANTI Natal/RN Dezembro/2021

LAVAGEM DE CAPITAIS: A CRIMINALIDADE ECONÔMICA DIANTE …

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Sociais Aplicadas

Programa de Pós-Graduação em Direito Mestrado em Direito

LAVAGEM DE CAPITAIS: A CRIMINALIDADE ECONÔMICA DIANTE DA EXPANSÃO DO DIREITO PENAL E A PRESERVAÇÃO DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS FRENTE AO DIREITO PENAL DO INIMIGO

RODRIGO CAVALCANTI

Natal/RN

Dezembro/2021

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RODRIGO CAVALCANTI

LAVAGEM DE CAPITAIS: A CRIMINALIDADE ECONÔMICA DIANTE DA EXPANSÃO DO DIREITO PENAL E A PRESERVAÇÃO DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS FRENTE AO DIREITO PENAL DO INIMIGO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como exigência para obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Artur Cortez Bonifácio

Natal/RN

Dezembro/2021

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Cavalcanti, Rodrigo. Lavagem de capitais: a criminalidade econômica diante daexpansão do Direito Penal e a preservação dos direitosfundamentais frente ao direito penal do inimigo / RodrigoCavalcanti. - 2021. 124f.: il.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal doRio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas,Programa de Pós-Graduação em Direito. Natal, RN, 2021. Orientador: Prof. Dr. Artur Cortez Bonifácio.

1. Direito penal econômico - Dissertação. 2. Lavagem decapitais - Dissertação. 3. Garantias constitucionais -Dissertação. 4. Direito penal do inimigo - Dissertação. I.Bonifácio, Artur Cortez. II. Universidade Federal do Rio Grandedo Norte. III. Título.

RN/UF/Biblioteca CCSA CDU 343.2:346

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRNSistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

CURSO DE MESTRADO

Mestrando: RODRIGO CAVALCANTI

Título: “LAVAGEM DE CAPITAIS: A CRIMINALIDADE ECONÔMICA DIANTE DA

EXPANSÃO DO DIREITO PENAL E A PRESERVAÇÃO DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS FRENTE AO DIREITO PENAL DO INIMIGO.”

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Direito da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, como

requisito para a obtenção do título de Mestre

em Direito.

Aprovado em: 08/12/2021.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________

Prof. Doutor Artur Cortez Bonifácio – UFRN

Presidente

____________________________________

Prof. Doutor Ivan Lira de Carvalho – UFRN

1º Examinador

___________________________________

Prof. Doutor Fillipe Azevedo Rodrigues – UnP

2º Examinador

Natal (RN) Dezembro/2021

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RESUMO

O crime de lavagem de capitais foi introduzido no ordenamento brasileiro pela Lei 9.613/98, em respeito ao pactuado na Convenção da Organização das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecente e Substâncias Psicotrópicas, realizada em 1988. Após várias reformas legislativas e alterações das políticas criminais locais e globais de combate à lavagem de dinheiro, foi promulgada no Brasil a Lei 12.683/2012, que alterou substancialmente a sistemática legal antilavagem, buscando adequar o país às modernas políticas internacionais. Esta pesquisa propõe uma análise hermenêutica do crime de lavagem de capitais, desde seu conceito, características e justificativas, passando pelo bem jurídico a ser protegido de acordo com a teoria de Claus Roxin, estabelecendo parâmetros acerca de sua constitucionalidade e trazendo a necessária discussão acerca do avanço da criminalidade econômica e da análise econômica do crime para eficiência de seu enfrentamento no âmbito do Processo Penal Constitucional, da democratização do processo e da concretização dos direitos e garantias fundamentais inerentes e flexibilizadas pelo contexto atual dentro da perspectiva de evidente expansão do Direito Penal, law and order, criação de novos tipos penais, aumento e endurecimento de penas, além de avanço das prisões processuais cautelares em clara alusão ao chamado Direito Penal do Inimigo capitaneado pela teoria de autoria do alemão Gunther Jakobs. Nela há evidente distinção entre os cidadãos e os inimigos na sociedade, atribuindo assim uma teoria funcional da pena, a qual passa a ter não só uma finalidade retributiva e preventiva, mas especialmente de combate aos inimigos do Estado, escolhidos por este e com ênfase na flexibilização e retirada de direitos fundamentais e garantias processuais constitucionais conquistadas pela sociedade no âmbito do Estado Democrático de Direito. Para tal análise, se debruçará sobre em quais aspectos a cultura do medo, pressão social e midiática passam a exercer influência na política criminal estatal, em especial para o enfrentamento dos crimes praticados por organizações criminosas, e se a tipificação da lavagem de capitais tem ligação direta com esta teoria jakobsiana, tanto no que tange sua própria justificação existencial refletida na inexatidão a um bem jurídico protegido penalmente e de risco intolerável, quanto na utilização de seus mecanismos legais de persecução penal existentes na própria lei antilavagem. Restará assim comprovada a verdadeira inobservância e afronta a direitos basilares como o devido processo legal, a presunção de inocência, a não culpabilidade, a celeridade processual, a ampla defesa e a própria dignidade da pessoa humana como cotejo universal do cumprimento da instrumentalidade constitucional do Processo Penal no qual não há espaço para retrocesso ao processo inquisitivo, mas apenas o aperfeiçoamento do sistema penal acusatório. Palavras-chave: Direito Penal. Direito Penal econômico. Lavagem de capitais. Garantias constitucionais. Expansão do Direito Penal. Direito Penal do Inimigo.

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ABSTRACT

The crime of money laundering was introduced into the Brazilian legal system by Law 9,613/98 in compliance with the agreement of the United Nations Convention Against Illicit Traffic in Narcotic Drugs and Psychotropic Substances, carried out in 1988. After several legislative reforms and changes in criminal policies local and global measures to combat bleaching, Law 12683/2012 was enacted in Brazil, which substantially changed the legal system against laundering, seeking to adapt the country to modern international policies. This research proposes a hermeneutic analysis of the crime of money laundering, from its concept, characteristics and justifications, through the legal asset to be protected according to Claus Roxin's theory, establishing parameters about its constitutionality and bringing the necessary discussion about the advancement of economic criminality and economic analysis of crime in order to confront it within the scope of the Constitutional Criminal Process, the democratization of the process and the implementation of fundamental rights and guarantees. In addition, within the perspective of evident expansion of criminal law, expressed through the creation of new penal types, increase and stiffening of sentences, in addition to the advance of provisional procedural arrests, verify whether it is a reflection of the so-called criminal law of the enemy led by the theory of authored by the German Gunther Jakobs, in which there is a clear distinction between citizens and enemies in society, thus attributing a functional theory of punishment, which starts to have not only a retributive and preventive purpose, but especially of combating the enemies of the State, that allows the flexibilization and withdrawal of fundamental rights and constitutional procedural guarantees. For such an analysis, it will look into which aspects the culture of fear, social and media pressure come to exert influence on state criminal policy, in particular for the confrontation of crimes committed by criminal organizations, reaching the conclusion that the typification of the laundering of capital has a direct connection with this jakobsian theory and demonstrates true non-observance and affront to basic rights such as due process of law, the presumption of innocence, non-blame, procedural celerity, broad defense and the dignity of the human person as a universal comparison of the compliance with the constitutional instrumentality of the criminal process. Keywords: Economic criminal law. Money laundering. Constitutional guarantees. Expansion of criminal law. Criminal law of the enemy.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 09

1. LAVAGEM DE CAPITAIS E O CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ......... 15

1.1. A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL AO BEM JURÍDICO E A FRAGMENTARIEDADE DO DIREITO PENAL ........................................................................................................... 17

1.2. ASPECTOS CONCEITUAIS DA LAVAGEM DE CAPITAIS E SUAS CARACTERÍSTICAS ..................................................................................... 23

2. DIREITO PENAL ECONÔMICO E A ECONOMIA DO CRIME ........................ 31

2.1. DIREITO E ECONOMIA COMO SISTEMAS INTERLIGADOS ..................... 33 2.2. TEORIA DA ESCOLHA RACIONAL DO CRIME E OS CRITÉRIOS DE

INCENTIVOS ................................................................................................. 38 2.3. CRIMES ECONÔMICOS E SEUS FATORES DE DISSUASÃO ................... 43 2.4. POLÍTICA CRIMINAL DE ENFRETAMENTO À LAVAGEM DE CAPITAIS DE

ACORDO COM A ECONOMIA DO CRIME ................................................... 53

3. A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL E A TEORIA ANALÍTICA DO CRIME .. 57

3.1. A TEORIA ANALÍTICA DO CRIME E A QUESTÃO DA CULPABILIDADE.... 63 3.2. ELEMENTOS DA CULPABILIDADE E DA TEORIA DA AÇÃO .................... 69

4. O SISTEMA PENAL ACUSATÓRIO E A LEGITIMAÇÃO DA PENA PARA OS

CRIMES ECONÔMICOS .................................................................................. 72

4.1. O DEVIDO PROCESSO LEGAL E A DEMOCRATIZAÇÃO DO PROCESSO PENAL ........................................................................................................... 75

4.2. A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO ENQUANTO DIREITO FUNDAMENTAL ............................................................................................ 81

4.3. A FINALIDADE DA PENA E SUA EFICIÊNCIA NOS CRIMES ECONÔMICOS ........................................................................................................................ 84

5. DIREITO PENAL DO INIMIGO NO ENFRENTAMENTO À CRIMINALIDADE ECONÔMICA OS REFLEXOS NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................. 87

5.1. DIREITO PENAL DO INIMIGO NO ENFRENTAMENTO AO CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS ........................................................................................................................ 91

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5.2. Lei de combate às Organizações criminosas e a colaboração premiada ..... 93 5.3. A garantia da ordem pública e a antecipação de culpa pela prisão processual

........................................................................................................................ 96 5.4. Confisco Alargado ....................................................................................... 100 5.5. Da autonomia do crime de lavagem de capitais e afronta aos direitos

fundamentais ............................................................................................... 105

CONCLUSÃO ........................................................................................................ 111

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 116

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INTRODUÇÃO

Um dos maiores males para qualquer sociedade são as práticas criminosas,

especialmente no contexto dos crimes financeiros e econômicos. As ações

criminosas deste tipo constituem entrave à ordem pública e ordem econômica,

repercutindo efetivamente na coexistência dos seres humanos em um Estado

Democrático de Direito, nitidamente violando os direitos e garantias fundamentais

tão arduamente conquistados e agora tantas vezes combalidos e desrespeitados.

No Brasil, o crime de lavagem de capitais está atrelado à ideia de combate ao

crime organizado, que começou na década de 1980, no Rio de Janeiro, com o jogo

do bicho. Logo a atividade criminosa foi evoluindo e partindo para uma atividade

bem mais lucrativa, o tráfico de drogas, o que consta inclusive na justificativa do

projeto de Lei posteriormente aprovada no Senado brasileiro. De acordo com

Marques (2021), o governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, teria feito um

acordo com os chefes do tráfico nos morros que praticavam crimes periféricos. O

acordo consistia numa relação em que a polícia não subiria nos morros e os

traficantes não praticariam crimes na cidade.

Com o dinheiro proveniente do narcotráfico, os traficantes realizavam serviços

sociais para as comunidades dos morros, estes típicos da atividade estatal,

comprando remédios para as pessoas enfermas, dando emprego para aqueles que

assim quisessem e até proteção de assaltos, nascendo assim um novo Estado

dentro do Rio de Janeiro, só que mais eficiente e sem burocracia.

O crime de lavagem de dinheiro foi introduzido no ordenamento brasileiro em

1998, com a promulgação da Lei nº 9.613, na qual o legislador assegurou o

cumprimento do pactuado na Convenção da Organização das Nações Unidas

Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecente e Substâncias Psicotrópicas, firmada em

1988, estabelecendo nesse momento, como condição de configuração da

materialidade do crime em comento, a existência dos crimes antecedentes previstos

em um rol taxativo em seu texto, dentre eles a prática de crime de organização

criminosa sem ainda, no entanto, haver no ordenamento jurídico pátrio legislação

que tipificasse tal conduta, ensejando impetração de inúmeros habeas corpus para

declaração da atipicidade da conduta de lavagem quando o crime antecedente fosse

o de organização criminosa.

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Após várias reformas legislativas e alterações das políticas criminais locais e

globais de combate à lavagem de dinheiro, foi promulgada no Brasil a Lei nº

12.683/2012, que alterou substancialmente a sistemática legal antilavagem,

buscando adequar o país às modernas políticas internacionais, dentre elas a efetiva

tipificação da conduta de organização criminosa e retirada do rol taxativo de crimes

antecedentes para configuração de sua materialidade, em uma clara faceta do

chamado law and order ligada à teoria do Direito Penal do Inimigo, cujo fundamento

filosófico gira exatamente em torno da possibilidade de persecução penal sem a

observância de direitos e garantias fundamentais, para a exclusão dos inimigos do

Estado.

A despeito da existência histórica do chamado crime organizado e o

consequente e alarmante aumento dos índices de criminalidade ligados às suas

atividades e a forma de atuação dos seus agentes com modos operandi cada vez

mais sofisticados e atrelados ao financiamento e ocultação de bens e valores, não

se justifica a implantação de condutas típicas sem que haja um bem jurídico

relevante protegido constitucionalmente, como preconiza a teoria de Claus Roxin.

Assim como não se demonstra viável do ponto de vista do respeito às garantias e

direitos fundamentais do cidadão, procedimentos que inviabilizem a presunção de

inocência, a não culpabilidade, a ampla defesa ou o contraditório, sob tal justificativa,

estabelecendo assim critérios de law and order divergentes do Estado Democrático

de Direito.

Esta pesquisa propõe descrever elementos importantes deste tipo de alta

criminalidade e, ao mesmo tempo, comprovar que as decisões jurídicas neste

contexto criminológico têm violado a ideia básica deste tipo penal, a partir de seu

contexto e discussão de constitucionalidade sob a ótica da fragmentariedade

defendida por Roxin acerca da necessidade de comprovação de um bem jurídico

constitucionalmente protegido para atuação do Direito Penal, até a

imprescindibilidade de implicação materialmente comprovada da prática de um crime

antecedente para caracterizar a práxis de lavagem no direito brasileiro, visando

garantir direitos fundamentais mínimos ao cidadão acusado deste crime.

Exemplificando o que foi dito, deve-se questionar o real intuito legiferante da

lei antilavagem, qual bem jurídico efetivamente tutelado e sua previsão

constitucional, tomando por base as teses em suas premissas e críticas, assim como

e, principalmente, verificar se tal crime de fato é autônomo ou se dependente de

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forma indissociável de um crime antecedente sob pena de ferimento a princípios

basilares do sistema penal acusatório e do Processo Penal constitucional.

Exsurge daí a problemática tratada no presente trabalho, à qual se tenta

responder, debater e propor dentro dos seguintes aspectos: a) Existe um bem

jurídico protegido constitucionalmente que justifique a incidência do Direito Penal

dentro da perspectiva de sua fragmentariedade?; b) Dentro dos aspectos conceituais

da Teoria Analítica do Crime e da finalidade da pena, a criminalização da lavagem

de capitais apresenta-se como consonante à Teoria Finalista ou à Teoria Funcional

da Pena, servindo o Direito Penal como suporte de políticas públicas? ; c) Quais

aspectos diferenciam a criminalidade econômica da economia do crime e como

estes conceitos podem contribuir no eficiente enfrentamento ao crime de lavagem de

capitais?; d) A Lei Antilavagem é produto da expansão do Direito Penal, proveniente

do discurso punitivista advindo da mídia e da opinião pública que legitimam a

multiplicação de normas penais e o recrudescimento do tratamento penal?; e)

Existem flexibilização e exclusão de direitos fundamentais e garantias processuais

constitucionais na lei de combate à lavagem de capitais próprios das características

do Direito Penal do Inimigo?

Para tanto, se faz necessário inicialmente estabelecer critérios de

identificação e o conceito do fato típico de lavagem de capitais, desde a concepção

de sua justificativa legislativa como crime autônomo, mas também acerca natureza

jurídica dos capitais passíveis de lavagem. Após, pretende se verificar como se

externam suas fases, desde a colocação do capital ilícito em atividades

empresariais, passando pela sua transformação em valores lícitos e por fim sua

integração novamente no mercado lícito, discutindo a partir daí a existência de um

bem jurídico protegido, se seria a ordem econômica, a administração da justiça ou o

mesmo bem jurídico protegido pelo crime antecedente, justificando assim sua

tipificação penal, bem como a necessidade da comprovação da existência, como

condição de sua persecução penal, de um crime antecedente e a contradição com a

prescindibilidade de sua condenação ou mesmo prova robusta de sua existência,

como vêm decidindo os Tribunais Superiores em clara afronta à garantias

fundamentais.

Em seguida o trabalho irá discutir justamente a criminalidade em seu viés

econômico, enquanto pertinente, no caso da lavagem de capitais, ao chamado

Direito Penal econômico, o qual possui características específicas para seu

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cometimento do ponto de vista da criminologia, partindo do conceito de análise

econômica do crime, a influência de teorias econômicas para explicar o fenômeno

da adesão de cidadãos ao cometimento de crimes econômicos e verificando quais

critérios ou medidas legais e constitucionais podem ser mais eficientes para seu

enfrentamento, dentro de conceitos já existentes desde Cesare Beccaria, mas mais

aprofundados a partir da teoria da escolha racional de Gary Becker e avançadas

pela doutrina específica no intuito de estabelecer políticas criminais eficientes no

enfrentamento desse tipo específico de criminalidade.

No passo seguinte a pesquisa buscará analisar, diante dos efeitos causados

por esse tipo de criminalidade econômica na sociedade, o crescente anseio social

por mais medidas de punição, depositando no Direito Penal a responsabilidade de

controle e prevenção da criminalidade em cotejo à influência da opinião pública

através de mídia, redes sociais, manifestações e escolha de seus representantes,

demonstrando claramente um movimento de expansão do Direito Penal, diante da

criação casuística de novos tipos penais, aumento e endurecimento das penas, além

de maior número de encarceramentos processuais cautelares, ocasionando o

estado inconstitucional de coisas do sistema penitenciário pátrio e uma exacerbação

do estado de prevenção geral institucionalizado e consequente restrição

inconstitucional de liberdades individuais.

Para tanto, será necessário também tecer comentários acerca da teoria

analítica do crime, sobre seus elementos estruturantes, desde a concepção tripartida

de crime até as teorias antagônicas, como a bipartida, no sentido de verificar em

quais aspectos o fato concreto pode e deve ser considerado crime e em que medida

de culpabilidade deve o agente ser punido pelo Direito Penal, especialmente no

crime de lavagem de capitais, tomando por base o fato de que por vezes não é o

mesmo agente que cometeu o crime antecedente que também pratica a lavagem.

Em seguida se propõe também um estudo acerca do histórico e conquista do

sistema penal acusatório para o Estado Democrático de Direito, partindo de seu

pressuposto de hermenêutica conforme a Constituição, os princípios basilares para

a manutenção e observância aos direitos fundamentais, dando especial ênfase ao

devido processo legal, à duração razoável do processo, à não obtenção de provas

por meios ilícitos, ao contraditório e à ampla defesa, à presunção de inocência e à

não culpabilidade, passando então a observar a finalidade da pena para o Direito

Penal e se tal finalidade é atingida através dessa expansão punitivista, trazendo à

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sanção penal uma funcionalidade social ao invés de tão somente a retribuição e

prevenção geral e específica do crime a partir da concepção finalista da pena.

Por fim, no último capítulo será imprescindível observar se esse fenômeno da

expansão do Direito Penal sob a justificativa de enfretamento aos crimes

econômicos através da tipificação da lavagem de capitais, na forma hoje existente e

de acordo com a jurisprudência dominante, possui eficiência no enfrentamento à

criminalidade, especialmente a dos crimes antecedentes praticados pelo crime

organizado. Por fim, se pretende sugerir meios de políticas criminais de adequação

da norma, das punições impostas e quais caminhos que a criminologia e a análise

econômica do crime podem tomar de forma buscar o número ótimo desse tipo penal

econômico e o eficaz combate ao crime antecedente, preservando-se os direitos

fundamentais e garantias processuais constitucionais.

Dessa forma, o último capítulo é desenvolvido sob o enfoque da teoria do

Direito Penal do Inimigo, pensada e defendida pelo alemão Günther Jakobs, o qual

defende a existência de dois tipos de Direito Penal, e que um deles seria indicado

justamente para os que não são considerados cidadãos, mas inimigos do Estado. É

nesse ponto que se deve verificar se a legislação penal pátria, especialmente de

combate aos crimes antecedentes da lavagem de capitais, como organizações

criminosas, tráfico de entorpecentes, trafico de armas e outros crimes de maior

incidência econômica e de violência, está sendo efetivada a partir do Direito Penal

do Inimigo, flexibilizando e afastando direitos e garantias fundamentais do cidadão e

consequentemente se afastando do Processo Penal acusatório e do Estado

Democrático de Direito, ou se contém em sua gênese fundamento constitucional

bastante para se sustentar.

Para alcançar os objetivos propostos, será realizada investigação através de

pesquisa do tipo bibliográfica, procurando explicar o problema através da análise da

literatura já publicada em forma de livros, revistas, publicações avulsas e imprensa

escrita, que envolva o tema em análise.

Também se lançará mãos da pesquisa do tipo documental, através de

projetos, leis, normas, resoluções, julgados, pesquisas on-line, dentre outros que

tratam sobre o tema, sempre procurando fazer uso de material que ainda não sofreu

tratamento analítico.

Na pesquisa jurisprudencial, será dada ênfase aos julgados proferidos pelos

Tribunais Superiores pátrios enquanto unidade de compartimento para estudo de

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casos, onde serão analisados julgados observando-se, de forma comparada, os

argumentos utilizados pelos intérpretes da norma para fundamentar suas decisões

com aquilo que foi apresentado e estudado doutrinariamente nesse trabalho.

Quanto à tipologia, a pesquisa será pura e qualitativa, pois tem por finalidade

aumentar o conhecimento do pesquisador para uma nova tomada de posição acerca

da temática sugerida.

O método utilizado será dialético na primeira etapa, dialogando com o

pensamento de diversos autores ligados à temática, construindo os conceitos

necessários para a análise e, após, será aplicado o método dedutivo, partindo de

uma premissa maior para outra menor, pretendendo-se alcançar uma conclusão

verdadeira e dotada de validade científica.

Por fim, quantos aos objetivos, a pesquisa será explicativa, buscando

compreender fenômenos, o porquê da ocorrência dos fatos, sua natureza e suas

características, e exploratória, procurando aprimorar ideias, ajudando na formulação

de hipóteses para pesquisas posteriores, além de buscar maiores informações sobre

o tema.

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1. LAVAGEM DE CAPITAIS E O CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

O fenômeno da globalização e o avanço tecnológico trouxeram reflexos em

variadas esferas da relação internacional, abrangendo conceitos antes mais rígidos

e materiais e que hoje pressupõem nova realidade, como no caso da economia e da

soberania, possibilitando o aumento de atividades criminosas especialmente

econômicas tais como a evasão de divisas e a lavagem de capitais, muitas vezes

ligadas diretamente à atuação de organizações criminosas que se especializam e

profissionalizam suas operações buscando em sua complexidade fugir da

persecução penal e ainda aumentar exponencialmente seus lucros.

O processo de globalização é irreversível, com base em uma série de argumentos, entre os quais, destacam-se: (i) conexão global dos mercados financeiros e crescimento das empresas transnacionais; (ii) constante e célere evolução dos meios tecnológicos, com destaque para os que aceleram a propagação da informação; (iii) discurso globalizado e impositivo dos direitos humanos; (iv) questões como pobreza discutidas como de responsabilidade de todas as nações; e (v) vertiginoso aumento quantitativo e de influência de entidades não governamentais no âmbito internacional. Outro fato social amplificado pela globalização e que lhe serve de evidência, sem dúvida, é a criminalidade transnacional, sobretudo aquela enveredada por organizações criminosas (RODRIGUES E SILVA, 2013, p. 344).

O histórico crescente do combate à criminalidade, em especial ao crime

organizado e aos crimes antecedentes, fomentaram a necessidade legiferante em

justificar a aprovação da lei de lavagem de dinheiro, como expresso na exposição de

motivos do projeto de lei que aprovou inicialmente a Lei 9.613/98, senão observe-se:

A propósito, o legislador brasileiro deixa claro que a importância da ordem econômica, particularmente no âmbito do sistema financeiro, é utilizar de seus bancos de dados e juntar-se à Administração Pública para rastrear o capital branqueado, demonstrando inequivocamente que a sua preocupação não está nos danos causado a ele, mas sim em extrair daí as informações necessárias para combater os crimes precedentes. In verbis: “88. Nessa altura, cabe pôr em relevo o importante papel que o Sistema Financeiro Nacional terá no combate à lavagem de dinheiro. 89. Como o curso da moeda, modernamente, é realizado quase que exclusivamente pelos sistemas financeiros de cada país, as operações de lavagem, num ou noutro momento, passarão pelos referidos sistemas. Considerando os modernos avanços das telecomunicações, o processo de integração, de globalização das economias e de interligação dos sistemas financeiros mundiais, verifica-se que as transações financeiras, não só dentro do território nacional, como especialmente entre países, estão extremamente facilitadas. A modernização do sistema, ao permitir transferências financeiras internacionais instantâneas, notadamente aquelas direcionadas para paraísos fiscais e bancários, acaba dificultando a persecução, o descobrimento e a apreensão dos capitais procedentes de atividades

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delituosas e, conseqüentemente, aumenta a eficácia da lavagem de dinheiro. Por tudo isso, está evidente o importante papel – involuntário, registre-se – que o sistema financeiro desempenha e desempenhará – se não se envolver no combate a essas atividades delituosas – na consolidação de uma indústria de lavagem de dinheiro no país, o que certamente repercutirá negativamente perante toda a sociedade brasileira e internacional” (DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1997, p. 3.875).

A lavagem de capitais existe justamente para viabilizar a própria prática da

atividade criminosa antecedente, num movimento de retroalimentação e

financiamento, buscando na medida de sua execução obter ganhos e vantagens

ilícitas (fase da colocação), utilizá-los em atividades lícitas (fase da transformação) e

a partir de então reinserir tais valores ao mercado (fase da integração)1, com o

objetivo de dissimular o produto do crime a fim de que dele se possa auferir todos os

frutos licitamente. Assim, a lavagem de dinheiro permite que o crime compense, e

muito (LILLEY, 2001, p. 08).

Em que pese no início o crime de lavagem de capitais ter sua ligação mais

íntima com a prática do Tráfico de Entorpecentes e ocasionando toda a mobilização

de Países para o seu enfrentamento através do viés patrimonial, a verdade é que a

própria globalização, complexidade e organização das atividades ilícitas findaram

por extrair o entendimento de que a lavagem de capitais está intimamente ligada ao

crime organizado em geral, desde tráfico de drogas, armas, pessoas, terrorismo,

enfim, todo o emaranhado de ilícitos que almejam, de forma consequencial, a

obtenção de vantagem econômica e que justamente para utilizar tal dinheiro,

necessita diminuir o risco da atividade ilícita, transformando o ganho econômico

ilícito em aparentemente lícito.

Rodrigues assevera que

não subsistem dúvidas, portanto, a respeito da utilização da complexa economia global, mediante a operação de branqueamento, como instrumento de viabilização do crime organizado. Todavia, a criminalização autônoma da lavagem de dinheiro e sua perene expansão no sentido de restrição de liberdades não se mostra, por vezes, legítima e proporcional frente ao Direito Penal do bem jurídico (RODRIGUES, 2016, p. 24).

1 Define-se como infração penal a lavagem dos produtos ou ganhos provenientes das infrações penais constantes nos arts. 1 a 6. Por lavagem se entenderá: (a) a conversão ou a transferência de bens procedentes de algumas atividades contempladas no item precedentes, ou a participação em uma dessas atividades, com a finalidade de dissimular ou ocultar a sua origem ilícita ou de auxiliar qualquer pessoa implicada na citada atividade a elidir as consequências jurídicas de seus atos; (b) a dissimulação ou a ocultação da natureza, origem, situação, disposição, movimento ou propriedade reais dos bens ou dos direitos a eles relativos procedentes de uma das atividades criminais contempladas no item procedente ou participação em uma delas (GALVÃO E TOMI, 1999, p. 9).

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17

Diante de tal justificativa em projeto de lei e da utilização da tipificação da

lavagem de capitais, deve-se questionar o real intuito legiferante da Lei de Lavagem

de dinheiro, qual o bem jurídico efetivamente tutelado e sua previsão constitucional,

tomando por base as teses em suas premissas e críticas, assim como, e

principalmente, verificar se tal crime de fato é autônomo ou se dependente de forma

indissociável de um crime antecedente em seu viés hermenêutico constitucional,

assim como das condições de procedibilidade para sua persecução penal de modo

autônomo, como preconizado na norma e aceito pelos Tribunais, para que se

verifique do ponto de vista acadêmico se há observância e respeito às garantias e

direitos fundamentais do acusado em toda sua abrangência.

O próprio enfrentamento do Brasil ao crime específico e autônomo de

organizações criminosas adveio justamente da pressão internacional. Diversos

países vinham se articulando e cada vez mais aprovando leis e políticas criminais

específicas, assim como pela própria falha legislativa que inicialmente aprovou a lei

antilavagem que previa a punição pela lavagem de dinheiro a partir da prática de

crimes antecedentes, dentre eles o de organização criminosa, que à época da lei de

lavagem de dinheiro, sequer possuía previsão legal no Brasil, o que só veio a ser

corrigido em 2012 com a aprovação da Lei 12.850.

A partir desse ponto passou o ordenamento jurídico pátrio a ter uma mínima

conceituação do que viria a ser uma organização criminosa, ainda que pesasse

sobre tal lei as críticas de ser genérica, abstrata e imprecisa em vários de seus

requisitos para tipificação da conduta que na verdade era o acréscimo de mais um

tipo penal para combate aos crimes já cometidos e que o Estado vinha tendo muitas

dificuldades em combater, prevendo o recrudescimento de tratamento de suas

penas e ainda a possibilidade, a partir de então, da persecução do crime de

lavagem.

1.1 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL AO BEM JURÍDICO E A

FRAGMENTARIEDADE DO DIREITO PENAL

A teoria sustentada por Claus Roxin baseia-se em duas premissas, quais

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18

sejam: o Direito Penal como instrumento de proteção dos riscos2 chamados

intoleráveis para a convivência de determinada sociedade e a punição como

resposta ao rompimento dessa proteção.

De toda maneira, Roxin (2008, p. 179) entende que o Direito Penal não deve

ser banalizado ou utilizado indistintamente e de forma expansiva, mas tão somente

quando atingir bens jurídicos protegidos constitucionalmente, e quando a conduta

que se deseja punir diga respeito a riscos intoleráveis.

O autor não vai tratar especificamente quais riscos intoleráveis seriam

esses, deixando isso a cargo do legislador, o qual, diante de seu poder-dever de

emitir normas jurídicas que contenham e atendam aos ditames constitucionais,

protege bens jurídicos constitucionalmente previstos.

O problema reside justamente aí, ou seja, em definir os critérios e influências

que determinem para a sociedade hodierna quais seriam esses bens jurídicos e,

principalmente, quais seriam os riscos intoleráveis dentro de uma sociedade cada

vez menos tolerante e ávida por punição como meio de combate à violência

subjetiva que exsurge da opinião pública, por exemplo.

É a partir desse ideário que surgem teorias como a do Direito Penal do

Inimigo, baseada em uma pretensa guerra ao crime, justificando não só a expansão

do Direito Penal, mas perigosamente fundamentando a diminuição de liberdades

civis, flexibilização de garantias e hiperpunitivismo.

Frise-se, então, que Roxin (2008, p. 65) claramente defende a

fragmentariedade e a subsidiariedade do Direito Penal, cujo fundamento baseado

nessa perspectiva de proteger ante riscos intoleráveis ainda deve propor que a

inserção de novos tipos penais ou de reprovabilidades contenha a primazia da

finalidade da pena, que seria justamente a de prevenir, ou seja, não seria a punição

apenas para retribuir.

O problema a partir dessa concepção seria, então, estabelecer ao intérprete

da norma e principalmente ao legislador quais seriam os bens jurídicos a ser

protegidos, e principalmente quais seriam os riscos intoleráveis, de maneira tal que

se necessitasse do Direito Penal para atingimento da pacificação social.

A noção de bem jurídico, na premissa de Birnbaum, conforme preceitua

2 Emerge o conceito de sociedade de risco, cunhado por Ulrich Beck, que pode ser traduzido “como uma época em que os aspectos negativos do progresso determinam cada vez mais a natureza das controvérsias que animam a sociedade” (BECK, 2010, p. 229).

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Bechara (2018), coaduna com a necessidade de identificação material do direito

subjetivo atingido, para que não recaia sobre um direito em si mesmo, mas sobre um

objeto, de cunho liberal, valorado pelo Estado, o que fora no decorrer do tempo e do

avanço doutrinário tomando contornos cada vez mais distantes da identificação

desse bem jurídico protegido, retirando do Direito Penal uma característica

imprescindível ao mesmo, conforme preleciona:

O próprio Roxin já mitigou sua anterior compreensão crítica nesse campo, admitindo a possibilidade de um alargamento do âmbito do Direito Penal para além da proteção de bens jurídicos. Ainda que parte da doutrina negue a utilidade da teoria do bem jurídico, ou defenda uma mera mitigação dessa como critério de legitimação do fenômeno incriminador, o fato é que o Direito Penal representa violenta intromissão na esfera dos direitos fundamentais da pessoa, razão pela qual necessita de critérios limitadores não apenas formais, mas principalmente materiais, sob pena de consagração do arbítrio estatal (SOUZA, 2019, p. 46).

Admitir tal mitigação é legitimar a discricionariedade estatal para

incriminação de fatos e atos que não perturbem um bem jurídico próprio, mas que

estejam em contato com o intuito político momentâneo de escolha do fato social que

se deseja combater, que não se apresenta como um risco intolerável, apresentando-

se como utilitarista e com conceitos vagos e abstratos.

E não há como separar a teoria de uma análise puramente constitucional e

social desta aferição dos riscos intoleráveis, das influências sociais, culturais e de

opinião pública lato sensu, quando trata de comunicatividade para a legitimação

constitucional da norma jurídica, mas a opinião pública a partir do senso comum, das

interações midiáticas e de pressões que por vezes determinam a emissão de

normas puramente simbólicas3.

3 Dentre os objetivos da legislação-álibi trazidos por Marcelo Neves, está o de fortificar a confiança dos cidadãos no governo sem que com isso haja o mínimo de condições de efetivação das respectivas normas (NEVES, 2007, p. 39). A legislação-álibi seria, então, uma forma de manipulação que isenta o poder político mediante a opinião pública lato sensu contra outras alternativas concernentes às políticas públicas, por exemplo, ou mesmo à aplicação das normas constitucionais já existentes. Para Karam (1996, p. 82), (…) o problema que envolve as estratégias criminalizadoras está no fato de que a monopolização da reação punitiva “contra um ou outro autor de condutas socialmente negativas” gera “a satisfação e o alívio experimentados com a punição e consequente identificação do inimigo,” e que esse sentimento “não só desvia as atenções como afasta a busca de outras soluções mais eficazes, dispensando a investigação das razões ensejadoras daquelas situações negativas, ao provocar a superficial sensação de que, com a punição, o problema já estaria satisfatoriamente resolvido”.

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20

A partir de tal teoria, emerge a discussão acerca da atual função e utilização

do Direito Penal de forma expansiva e quase que indomável pela política, como

meio muitas vezes simbólico de se comunicar com a sociedade e dizer que o

problema da violência será resolvido com maior punição, com penas mais severas,

com novos tipos penais e, enfim, novos inimigos do Estado, não se atentando às

perspectivas inerentes à própria finalidade do Direito Penal e de sua intervenção

mínima.

No que concerne à discussão inicial sobre a existência de um bem jurídico

constitucionalmente relevante e que deva ser alvo de proteção do Direito Penal,

assevera, dentro da teoria da fragmentariedade, Claus Roxin:

Diz-se a este propósito que a missão do Direito Penal consiste em assegurar aos cidadãos uma convivência livre e pacífica, garantindo todos os direitos jurídico-constitucionalmente estabelecidos. Se esta missão é denominada, de modo sintético, pela ideia de proteção de bens jurídicos, então estes bens corresponderão a todas as condições e finalidades necessárias ao livre desenvolvimento do indivíduo, à realização dos seus direitos fundamentais e ao funcionamento de um sistema estatal construído em torno dessa finalidade (ROXIN, 2008, pp. 04-05).

Extraem-se desse pensamento vertentes e teorias quanto à existência ou

não de um bem jurídico constitucionalmente relevante no crime de lavagem de

dinheiro a merecer, de fato, a proteção do Direito Penal, o que, nas palavras do

autor, denota a “ilegitimidade da incriminação quando referida a comportamentos

que não ponham em causa nem o livre desenvolvimento do indivíduo, nem as

condições sociais necessárias a esse desenvolvimento” (ROXIN, 2008, p. 05).

Assim, tem-se como teorias hermenêuticas que aceitam essa existência do

bem jurídico como sendo a ordem econômica em si, a administração da justiça ou

ainda o próprio bem jurídico identificado no crime antecedente.

Em uma análise mais aprofundada no trabalho, se verificará a inexistência

de sustentação teórica, uma vez que, em síntese, a ordem econômica não se mostra

abalada com o crime de lavagem de dinheiro autônomo, podendo gerar, em

exemplos pontuais, até mesmo o desenvolvimento econômico de países pela

entrada e investimento de valores, bem como jamais uma norma penal poderia se

autojustificar com o propósito único de atingir seu próprio escopo, como no caso da

administração da justiça, onde, em uma clara justificação, a teoria se coaduna com o

chamado Direito Penal do Inimigo, no qual a justificativa da norma visa garantir o

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21

próprio objeto do bem jurídico, se autojustificando.

Entretanto, na doutrina majoritária, como bem sintetizado por Rodrigues:

E eis a questão, afinal não se percebe a relação entre o branqueamento de capitais e o Direito Penal Econômico, no que se refere ao bem jurídico protegido. Por toda a literatura jurídica e legislação específica do assunto, não se observa a preocupação com a preservação da estabilidade econômica ou, mais propriamente, com a garantia da livre concorrência, da livre iniciativa, da busca pelo pleno emprego e, muito menos, com a defesa do consumidor ou com a fluidez regular do sistema financeiro. Ao contrário, é flagrante a despreocupação com o assunto na origem da tipificação do branqueamento e qualquer ponderação com os impactos no domínio econômico tomam-no apenas como o meio no qual se dá o iter criminis do delito precedente (RODRIGUES, 2016, p. 33).

Existentes ainda outras teorias acerca de qual bem jurídico estaria sendo

protegido, como evidenciado por Castellar (2012), que ainda relaciona bens como a

saúde pública4, a livre concorrência5 e a pretensão estatal ao confisco das

vantagens provenientes do crime.67

Já com relação à teoria de proteção à justiça no âmbito de um Estado

4 Se considerarmos o espírito que norteou a assinatura da Convenção de Viena de 1988, cujo objeto era o de, criminalizando a lavagem de dinheiro, por amarras ao avanço crescente e incontrolável do tráfico de drogas, chegaríamos à conclusão de que o bem jurídico protegido por este delito deveria ser a saúde púbica, uma vez que a Convenção de Viena, fonte primeira de toda a legislação sobre a matéria, estampa em seu artigo 3º, b), i) que cada uma das partes firmatárias se obriga a dotar seu ordenamento positivo de leis para criminalizar o comportamento de lavar os ganhos obtidos especificamente com o tráfico de drogas ilícitas. A justificativa para a edição desta normativa internacional, como já vimos, foi a de que, como a “guerra contra as drogas” estava sendo perdida no front convencional, seria legítima a adoção de outras medidas, de cunho emergencial dada a suposta relevância da matéria, entre as quais o encontro e confisco dos lucros conseguidos com esse comércio ilegal. Assim sendo, pode-se dizer que o intento inicial das legislações que se seguiram as recomendações da Convenção foi de proteger a saúde pública, criminalizando todas as condutas que pudessem contribuir para o tráfico de drogas ilícitas, devendo ser este o bem jurídico a que o Direito Penal confere tutela ao criminalizar a lavagem de dinheiro (CASTELLAR, 2012, p. 155). 5 No entendimento dos defensores desta linha de argumentação, os valores de origem ilícita seriam obtidos a um custo inferior, pelo que as empresas financiadas por tais capitais se beneficiariam de uma vantagem enorme sobre as empresas criadas com capital de origem lícita, que têm que se financiar com custo de mercado. As empresas financiadas por capitais de origem ilícita criariam distorções no normal funcionamento do mercado, adquiririam posições monopolísticas e, em última análise, suprimiriam a concorrência (CASTELLAR, 2012, p. 162). 6 Todavia, mais do que prevenir novos crimes ou afastar seus eventuais autores do convívio social, trancafiando-os na prisão, a verdadeira pretensão do legislador foi a de localizar e confiscar os valores, lucros e vantagens ilicitamente obtidas com determinados crimes, mais especificamente aqueles cuja persecução pela via da legislação ordinária não seria plenamente eficiente, dada a sua sofisticada forma de cometimento – através de organizações criminosas – mas também porque tais modalidades delituosas são altamente rentáveis (tráfico de drogas, armas, extorsão mediante sequestro, crimes contra o sistema financeiro, etc.) (CASTELLAR, 2012, p. 169).

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Democrático de Direito, resta clarividente a tendência expansionista do Direito Penal

do Inimigo, cuja definição, tratada em outra ocasião, calha ser revista a seguir:

O modelo repressor, cada vez mais adotado, aproxima-se do que, segundo Manuel Cancio Meliá, é denominado de Direito Penal do Inimigo ou, para Jesús-María Silva Sánchez, Direito Penal de terceira velocidade. Atribui-se a criação do conceito dessa nova dimensão de expansão criminal ao penalista alemão Günther Jakobs, que identificou três elementos bases do processo de criminalização de delitos socioeconômicos, sobretudo aqueles praticados por organizações criminosas e terroristas. São eles: (i) avanço da punibilidade prospectiva, ou seja a criminalização do perigo abstrato, mera conduta e até mesmo da simples cogitação praeter criminis, ao contrário da teoria clássica que exige a lesividade antecedente para a resposta do processamento penal; (ii) penas desproporcionalmente elevadas, destituídas de qualquer função preventiva, reacendendo as premissas da vingança pública; e (iii) relativização e supressão de liberdades e garantias processuais de caráter individual. Diferentemente da concepção redutora de Zaffaroni e das abordagens liberais de Hassemer e Sánchez, a função do Direito Penal do Inimigo é identificar e tratar o delinquente típico dessa dimensão como um adversário do ordenamento jurídico. Jakobs parte da premissa de que níveis de punibilidade e de relativização de garantias são legítimos na medida da gravidade do delito para a segurança do Estado de Direito. A ideia do inimigo, portanto, atribui ao Direito Penal a função protetora do ordenamento jurídico, em razão da seguinte lógica: a proteção do Estado de Direito e de seu ordenamento antecede a proteção dos direitos de liberdade, pois, sem aquele não se poderiam exigir estes. Para o autor, eventuais vulnerações de direitos humanos, depois de um processo legislativo de criminalização, mostram traços próprios do Direito Penal do Inimigo sem serem por eles considerados ilegítimos. O hiperpunitivismo do inimigo claramente delimitado e destinado à proteção de direitos humanos e do próprio Estado seria, portanto, legítimo. Assim, autorizar a máxima amplitude do poder punitivo estatal para combater organizações criminosas narcotraficantes, por exemplo, estaria devidamente justificado em função dos danos causados aos direitos humanos e, consequentemente, a toda sociedade (RODRIGUES, 2013, pp. 160-161).

Tem-se, pois, que inexiste uma interpretação uníssona acerca da existência

de um bem jurídico protegido constitucionalmente e cuja infração seja de fato

intolerável à sociedade que justifique, sequer, a tipificação da conduta de lavagem

de dinheiro, se levada a termo a hermenêutica aplicada pela teoria finalista de Claus

Roxin, o que fora e é sobremaneira ignorado pelos legisladores que continuam a

legiferar de forma simbólica e muitas vezes inconstitucional, quadro que se agrava

com a expansão do Direito Penal, chegando a determinar interpretação diversa da

própria dicção da lei.

Os aspectos que levam a uma indeterminação quanto ao bem jurídico

protegido diretamente pela lei antilavagem também trazem a perspectiva de uma

leitura para um tipo penal com vários bens jurídicos protegidos e que, portanto,

merece ainda mais guarida do Direito Penal, uma vez que além de atingir vários

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bens, possui utilidade ainda maior na prevenção e na finalidade da pena,

transmutando-se em um verdadeiro mecanismo eficiente de persecução criminal que

merece considerações sobre seus aspectos conceituais, características e requisitos

próprios de identificação e enfrentamento.

1.2 ASPECTOS CONCEITUAIS DA LAVAGEM DE CAPITAIS E SUAS

CARACTERÍSTICAS

Em que pese inexistir um conceito uníssono do crime de lavagem de

capitais, a doutrina ratifica o entendimento principal de que sua conceituação parte

exatamente dos objetivos a serem alcançados e dos procedimentos adotados no

caso concreto para sua ocorrência e verificação a depender do tipo penal perpetrado

anteriormente, sua operacionalização, profissionalização, internacionalização e a

complexidade de atos perpetrados para toda a movimentação do capital que se

deseja “lavar”.

Badaró e Bottini (2012, p. 29) asseveram que a lavagem de capitais se daria

através do “ato ou sequência de atos praticados para mascarar a natureza, a

origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, valores e

direitos de origem delitiva ou contravencional, com o escopo último de reinseri-los na

economia formal com aparência de licitude”.

Ou seja, o procedimento de lavagem reside não na atividade ilícita em si,

mas efetivamente no processo de viabilização econômica da atividade criminosa em

que o agente criminoso se utiliza da vastidão e da complexidade do sistema

financeiro global de modo a dificultar o rastreio de sua origem até seu destino, o que

inclui não só o mercado interno nacional como a velocidade de circulação mundial

que hoje se observa, utilizando-se muitas vezes dos chamados paraísos fiscais

através de sistemas offshores,8 cuja característica mais atraente seria justamente a

8 O termo offshore usualmente se refere a "afastado" ou "fora da costa". Para entidades legais, o termo está associado a empresas constituídas em países e territórios diferentes da sua sede / matriz ou de seus titulares / sócios. Há quem diga que o termo tem origem nos tempos dos corsários, que praticavam atos de pilhagem "legal" e saqueavam embarcações em alto mar ou costas, guardando o fruto / produto de suas ações em local / localidade offshore (fora da costa). Assim, offshore é o termo comum atribuído a entidades legais - empresas ou mesmo contas bancárias - mantidas em países e territórios onde a tributação é menor ou praticamente inexistente (quando comparado com o país de origem de seus titulares). Há quem chame tais entidades legais de sociedades extraterritoriais ou empresas extraterritoriais. Geralmente em países com forte sigilo bancário e fiscal, juntamente com

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24

inexistência de meios fiscalizatórios eficazes, a ausência de mecanismos de

fiscalização (GONÇALVES, 2007, p. 7-12).

De tal dicção, se extraem características inerentes ao crime de lavagem de

capitais, como a profissionalização e a internacionalização de seus atos, uma vez

que os procedimentos de transformação e ocultação não são simples questões de

transações financeiras, mas verdadeiros jogos estratégicos que buscam

sobremaneira utilizar-se de subterfúgios para dar ao produto final uma aparência

lícita para reutilização no mercado de forma aparentemente lícita.

A internacionalização contribui para esta empreitada, tendo em vista estar

interligada aos bens e serviços oriundos do delitos praticados, como o tráfico

internacional de entorpecentes, terrorismo, tráfico de armas e outros crimes

antecedentes cuja barreira de limites geográficos são inexistentes e cuja

diversificação em vários países ajudam justamente a dificultar a persecução criminal

devido a ausência ou insuficiência de meios para enfrentamento a partir de

cooperação jurídica e policial internacional, o que se agrava diante da omissão de

países chamados de paraísos fiscais, que se beneficiam da lavagem de capitais em

seus territórios.

De acordo com Nuno Brandão:

(...) a passividade perante as zonas offshore, que são porto de abrigo do grosso dos grandes capitais de proveniência criminosa e se revelam não apenas completamente indiferentes a esse facto, como até o incentivam, pela recusa em adoptar as medidas internacionalmente recomendadas para prevenir o branqueamento de capitais e pela não cooperação com as autoridades judiciárias estrangeiras (BRANDÃO, 2002, p. 17).

sigilo ou maior proteção de dados do registro público de comércio e empresas, tornando difícil ou mesmo não sendo possível identificar os membros componentes do quadro social e titulares da empresa. Assim, offshore é uma entidade legal que regularmente opera fora dos limites territoriais onde está localizada, e cuja estrutura e requisitos formais e legais para sua incorporação naturalmente devem variar de acordo com o ordenamento jurídico de cada país. Mas há quem se refira aos países onde há menor tributação ou ela é praticamente inexistente como paraísos fiscais (tax havens), termo diretamente relacionado à prática de alguns países quando adotaram política fiscal mais favorável, ou até mesmo de isenção fiscal, visando atrair investimentos e capitais estrangeiros (caso de muitas ilhas na América Central, e na América Latina, o Uruguai é um exemplo típico dessa política). Como são reconhecidos, inclusive por normas nacionais e internacionais, os paraísos fiscais (tax havens) são aqueles países onde os custos, alíquotas, encargos e as obrigações tributárias (principais e/ou acessórias) incidentes sobre a operação da entidade legal são drasticamente reduzidas ou até mesmo não incidentes ou não existentes. E aí reside a confusão. (Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/334788/importante-conhecer-o-conceito-de-empresa-offshore-e-sua-utilidade-e-legalidade>. Acesso em: 18 ago. 2021).

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25

Já com relação à característica da profissionalização, se percebe que dentro

da organização criminosa, em seu conceito legal, exige-se ainda a estruturação e a

distribuição de funções para a atividade criminosa, ensejando em muitos casos o

que se denomina de “núcleo financeiro” da organização, o qual possui esta

incumbência de tratar dos produtos econômicos da atividade criminosa, lavar o

capital, promover investimentos e, através da lavagem, dar aparência lícita à outra

parte, o que não pode ser atribuído a amadores ou pessoas com pouco ou nenhum

conhecimento sobre vários aspectos, desde legais, até financeiros, tributários,

contábeis, enfim, uma gama de especificidades que apenas profissionais de

diversas áreas conseguem dar uma vazão à demanda.

Callegari assevera dentro da perspectiva da profissionalização da lavagem

de capitais que

Como já mencionamos, a lavagem de dinheiro tem como uma de suas características o fato de ser um delito internacional e assim exigir um tratamento profissionalizado. Daí que as técnicas e os procedimentos de lavagem devem ser necessariamente sofisticados no sentido de poderem elidir a ação dos países que o combatem, e devem cambiar e evoluir continuamente na medida em que os organismos encarregados de sua repressão vão identificando e neutralizando as vias já existentes (CALLEGARI, 2003, p. 41).

Ademais, tem-se ainda como característica inerente à lavagem a capacidade

de adaptação, adequação e variação de métodos aplicados, uma vez que é da

própria natureza do tipo penal em cotejo o avanço e desenvolvimento de medidas e

legislações que buscam reprimir a atividade, mostrando que as organizações que

não possuam tal característica estariam fadadas a sucumbir, ou ainda, no caso

limítrofe da impossibilidade de novas variações ou meios de se obter o resultado

almejado, a internacionalização funciona como subterfúgio de fuga e nova

adaptação ou adequação da prática delitiva a uma nova realidade.

Outrossim, outra característica de suma importância e relevância para a

constância e permanência do crime de lavagem de capitais é exatamente o alto

volume movimentado, o que apesar de parecer um resultado da prática, passa a ser

referenciado como característica justamente por se tornar o alvo a ser atingido pelas

políticas de repressão a essa criminalidade, especialmente nos países chamados

subdesenvolvidos, como o Brasil, pois, conforme Callegari (2003, p. 44), “muitas

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26

delas investem grandes somas em corrupção policial, de autoridades fiscais,

administrativas e judiciais”.

Como se percebe, o conceito de lavagem de dinheiro não sobrevém de um

único ato ou simples subsunção do fato à norma, mas de uma análise

contextualizada de atos praticados no afã de buscar incorporar ao mercado lícito

bens e capitais obtidos com práticas ilícitas e que geralmente são precedidos de

delitos muito graves (GUZMÁN DALBORA, 2000, p. 14).

Importante ainda ressaltar que o crime de lavagem de capitais, além de suas

características, é cometido através do cumprimento de procedimentos que

representam fases até que se atinja sua consumação, sendo elas a ocultação, a

colocação e a integração em que para cada etapa se extraem requisitos e

propriedades específicas.

Na colocação existe a necessidade da organização criminosa através de seu

núcleo financeiro captar o produto financeiro advindo diretamente da atividade ilícita,

quando se procura destinar os altos valores recebidos e colocá-los geralmente em

instituições financeiras, atividades comerciais e empresariais diversas como hotéis e

restaurantes, com o fito inicial de mesmo ainda não atribuindo outra titularidade aos

valores, dar-lhes destinos diversos através do fracionamento, para não deixar

quantias muito altas em nome de mesma titularidade e chamar a atenção das

autoridades, especialmente fiscais.

Na segunda fase, a ocultação ou mascaramento, o intuito já passa a ser de

ocultar a origem ilícita dos proveitos econômicos com a realização de diversas

transações financeiras, tornando mais difícil a localização e descoberta da origem e

destino dos ativos. Nessa fase geralmente há a conversão dos produtos do crime

em outros ativos diversos que podem ser utilizados como meios de pagamento ou

créditos no mercado e que poderão ser utilizados justamente para a integração ou

reinserção dos valores ao mercado.

Esta é exatamente a última fase da lavagem, onde a organização criminosa

passa a reinventar e integrar os valores produtos do crime já transformados,

utilizando-os no sistema econômico e financeiro, como se lícitos fossem, visando

justamente dar a aparência de licitude para a riqueza obtida, uma vez que ao serem

questionados pelas autoridades, os investigados possuem o álibi dos lucros obtidos

não com a atividade ilícita, mas na verdade através dos investimentos realizados na

segunda fase, que mascaram a origem ilícita dos lucros, como ocorre, por exemplo,

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27

na venda de bens imóveis com valores acima do mercado, obras de arte e joias, e

declaração de lucros irreais com exploração de atividades empresariais.

Ocorre que a complexidade e o próprio avanço da criminalidade, através de

sua profissionalização, internacionalização e avanço tecnológico, terminam por

diversificar ainda mais seus meios de execução, seus formatos de atuação em

busca sempre da maximização de riqueza e evitar os riscos inerentes à persecução

penal.

Nesse contexto que a aceleração da mobilidade monetária na economia

mundial decorrente da variedade das transações financeiras termina por

desencadear uma maior ocorrência de práticas criminosas ligadas à lavagem de

capitais, fraudes nos sistemas fiscais, crimes tributários, dentre outras condutas

inerentes à criminalidade econômica.

Um exemplo prático de tal modernização e avança da prática delitiva foi o

surgimento dos criptoativos como as moedas digitais exemplificadas no BitCoin,

dentre outras, e cuja natureza jurídica ainda é incipiente na discussão doutrinária

hodierna, propiciam aos agentes criminosos uma maior facilidade na movimentação

de valores, de forma tal a conseguir manter o anonimato, além da desnecessidade

de intervenção e chancela de órgãos regulados pelo Estado, como ocorre com

valores mobiliários, moeda centralizada e outros ativos financeiros, dificultando a

fiscalização governamental e diminuindo o risco dissuasório do crime, onde “basta

realizar uma breve busca na internet para verificar que o principal uso citado para a

criptomoeda, dada a dificuldade de rastreio gerada pela sua estrutura, é associado a

atividades ilícitas, tais como tráfico de drogas (SILVA, 2018, p. 94).

O funcionamento das redes de Blockchains criadas no âmbito dos

“mineradores” consegue funcionar sem uma centralização do software, num sistema

peer-to-peer sem a necessidade de controle externo de sua cotação o que

pressupõe a possibilidade de oscilação de mercado dentro da relação, o que de toda

forma possibilita a prática da lavagem de dinheiro diante da falta de controle estatal

sobre as movimentações, valores e cotação, como se observa na doutrina de

Teixeira (2019).

Em termos mais pragmáticos, os criptoativos são invenções iniciadas com

“gamers” do mundo virtual que buscavam em trocas de moedas virtuais créditos

para seus jogos e aquisições de novos jogos on-line passando rapidamente a ter

uma conotação de nova possibilidade de um meio de crédito aceito em qualquer

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lugar do mundo, com valorização e câmbio próprios.

Assim, pessoas passaram a criar seus próprios blocos de participantes em

trocas de moedas virtuais e em outro meio de atividade pessoas passaram a criar a

criptografia dessas moedas, passando a “minerar” e colocar à disposição do

mercado, garantindo sua identificação e circulação, mas também, dificultando seu

rastreio e identificação da pessoa física ou jurídica proprietária daquela moeda cuja

identificação é criptografada e circula automaticamente de um ponto para outro.

Para Richet (2013), o fato da criptomoeda poder ser transformada em

moeda ou outros ativos financeiros, atrelado ao anonimato, a complexidade e o

encadeamento de atos plurissubsistentes terminam por facilitar a ocorrência do

crime de lavagem de capitais.

Por tais características inerentes à lavagem de capitais com utilização de

criptoativos (Cyber-lavagem), este delito econômico integra o que a criminologia

chama hoje de cibercrimes9, ou seja, delitos cometidos no âmbito do ciberespaço

criado na comunicação pela internet e softwares a ela relacionados, o que torna

mais comum a utilização das criptomoedas na prática de delitos ligados à compra de

bens e serviços ilícitos como tráfico de drogas e armas em sites da chamada dark

web e por sistemas peer-to-peer, próprios para garantia de anonimato.

O ciberespaço proporciona às organizações criminosas um leque de

oportunidades e vias de acesso quase que infinitas, tanto por intermédio de

provedores e software lícitos quanto da própria dark web, cuja dificuldade de rastreio

não só das movimentações mas especialmente das pessoas envolvidas, acabam

por exigir do Estado meios cada vez mais avançados de tecnologia para seu

enfrentamento, mais treinamento e desenvolvimento de pessoal qualificado e

inteligência policial, além de uma legislação que acompanhe o ritmo do avanço

dessas possibilidades e meios do cometimento de crimes no seio da rede mundial

de computadores.

Não basta aos Estados, no âmbito de sue persecução criminal, uma

legislação mais ou menos rígida, menos ainda com reflexos negativos sobre os

direitos fundamentais dos cidadãos na busca de um pretenso enfretamento ao crime

9 Para leitura sobre cibercrimes recomenda-se: KUMMER, Fabiano Ratton. Direito Penal na sociedade da informação. 1. ed. São Paulo: Editora Paraná, 2017; WENDT, Emerson; JORGE, Higor Vinicius Nogueira. Crimes Cibernéticos – ameaças e procedimentos de investigação. 2. ed. Rio de Janeiro: Brasport, 2013; BITTENCOURT, Luis. Crimes no universo digital – sobre os crimes praticados na internet. São Paulo: Evidências Digitais, 2019.

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29

organizado, se em sua estrutura falta profissionalismo e inteligência policial,

mecanismos de investigação e cooperação internacional que poderiam ser ainda

mais eficientes nesse combate sem a necessidade de apelo ao Direito Penal do

Inimigo.

Mesmo porque o cometimento do crime de lavagem de capitais possui,

conforme preceituam Badaró e Bottini (2012), e ainda é corroborado na obra de

Castellar (2012), em seu intercriminis, a ocorrência de três etapas para sua

consumação e satisfação do agente criminoso em introduzir dinheiro ilícito e dar-lhe

aparência lícita: a colocação, que pressupõe a origem ilícita do capital na atividade

lícita; a ocultação, que seria o investimento em crédito aferível no mercado lícito; e a

integração, que seria a reinserção dos valores obtidos na segunda fase, como que

lícitos fossem e cuja utilização de criptoativos para tal fim é plenamente possível

diante de sua natureza jurídica, valor de mercado e as dificuldades de fiscalização já

mencionadas, tornando, inclusive, tal meio por demais atrativo diante da volatilidade

do mercado, possibilidade de blockhains diversificados e a multiplicação de

mineradores para cunho de criptomoedas para reinserção no mercado.

Ocorre que a própria certeza quanto à natureza jurídica, desde a discussão

se a mesma seria um ativo financeiro, uma moeda, um mobiliário ou um bem móvel,

além da falta de uma regulamentação mais clara sobre a utilização de criptoativos,

tornam esta complexidade nas etapas da lavagem uma questão até certo ponto

facilitadora à atividade criminosa, uma vez que não há necessidade das

criptomoedas retornarem ao circuito econômico convencional (etapa da integração),

pois a compra de bens e serviços pode ocorrer com sua própria utilização.

O agente criminoso com o conhecimento da operação, na primeira etapa,

efetua o depósito dos valores ou sua transformação em bens através de aquisição,

introduzindo os valores ilícitos no país de destino e passa então à segunda fase,

quando executa movimentações financeiras eletronicamente, geralmente para

contas anônimas, de “laranjas”, empresas fictícias e outros meios que dificultem a

ligação de tais movimentação ao agente criminoso - o que é facilitado no caso de

operações com criptomoedas - e, por último, ele integra o dinheiro formalmente ao

sistema econômico por meio de investimentos comerciais, imobiliários, compra de

joias e objetos de arte de valor estimável unilateralmente, dando-lhe aparência lícita.

Em julgamento paradigma ocorrido nos Estados Unidos no ano de 2016, o

Miami Herald (2016) cita o caso de uma que Juíza absolveu um webdesigner do

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30

crime de lavagem de dinheiro por entender que a criptomoeda não se equiparava a

dinheiro e que, portanto, não seria suficiente para aumentar a riqueza do acusado,

traduzindo a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca ainda da natureza

jurídica dos criptoativos e se os mesmos podem ser instrumentos de cyber-lavagem.

Outro fator que prejudica muito o enfrentamento da lavagem através de

criptoativos é justamente uma falta ou insuficiência de regulamentação das

autoridades bancárias dos países, além de sua alta volatilidade no mercado,

constantes mudanças de paradigmas e surgimento de novos criptos através da

criação de novos blockchains, novos meios de mineração e criptografias com

diversificação de origens.

Ademais, a oscilação de preço de mercado e a possibilidade de especulação

e própria profissionalização dos agentes criminosos que ficam responsáveis pelo

núcleo de lavagem de capitais passam a ter mais um meio de utilização,

especialmente na segunda fase da lavagem e, principalmente dificultam o rastreio

da origem e titularidade, facilitam a internacionalização, robustecendo a organização

criminosa contra a persecução criminal.

Page 31: LAVAGEM DE CAPITAIS: A CRIMINALIDADE ECONÔMICA DIANTE …

31

2. DIREITO PENAL ECONÔMICO E A ECONOMIA DO CRIME

A complexidade que acompanha a sociedade também se reflete nas

atividades das organizações criminosas, moldando suas atuações junto ao mercado

financeiro assim como na sua própria estruturação, tanto em suas searas de

atuação no mercado, como também na complexidade de sua própria estruturação,

muitas vezes atuando em várias frentes do mercado ou ainda em um contexto de

um mundo globalizado, em ações que ultrapassam os limites do território de seus

países de origem.

Tal complexidade vem também acompanhada de um gigante envolvimento

econômico, movimentando economias, construindo verdadeiros impérios com

sociedades empresárias detentoras de muito capital, de muita influência social e em

muitos casos atuando nos bastidores da política, como meio de buscar projetos

legislativos que contemplem interesses de suas áreas de atuação, o que, frise-se

desde logo, não quer dizer ser esta uma atuação ilícita, escusa ou imoral, mas que

faz parte do “jogo” democrático.

Dentro do conceito de Direito Penal econômico10 está justamente seu

objetivo. Segundo Callegari:

O Direito Penal Econômico vem recebendo cada vez mais atenção nos últimos anos, pois, em vários países, é cada vez mais discutido o seu ramo de atuação. Muitos códigos penais não continham uma moderna legislação específica sobre o Direito Penal Econômico, pois mantinham os tradicionais delitos patrimoniais. Atualmente pode-se notar que as reformas nas legislações penais de diversos países incluem num capítulo do código penal os delitos contra a ordem socioeconômica, como ocorreu, por exemplo, na reforma realizada na Espanha em 1995. De acordo com isso tenta o legislador combater a denominada criminalidade econômica, ou seja, com a criação de novos tipos penais acredita que se possam eliminar algumas condutas que aparecem agora como produto dos crimes que já existiam, mas que na atualidade, acabam se destacando (CALLEGARI, 2003, p. 15).

Percebe-se que a lavagem de capitais não reside no contexto direto da

10 Araújo Junior (1995, p. 36), sob esse ângulo, identifica o conceito de Direito Penal Econômico como aquele que tutela diretamente o justo equilíbrio da produção, circulação e distribuição de riquezas entre os cidadãos, consubstanciando-se num controle social do mercado conforme o modelo econômico adotado. Por essa razão se diferencia o Direito Penal Econômico, e.g., do Direito Penal Tributário e do Direito Penal Ambiental, nos quais o apontado referencial, ainda que existente, é indireto, aproximando-se concretamente das infrações contra a livre concorrência, contra o mercado de capitais e contra as relações de consumo – os quais, por sua vez, estão relacionados pelo fato do consumidor ser beneficiário último da concorrência correta num mercado livre.

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32

concepção de Direito Penal Econômico, pois dela não eclode diretamente a ruptura

ou mudança na ordem socioeconômica, a não ser que em havendo reflexo direito,

por exemplo, na livre concorrência ou ainda na ordem tributária, se perceba os

crimes ali já existentes e não mais um tipo penal próprio e autônomo condizente com

um bem jurídico autônomo como já discutido.

Tal poder econômico enseja também, em outro viés, inúmeras oportunidades

de atuação empresarial dentro da atividade ilícita, em especial das chamadas

organizações criminosas, as quais passam, dentro de critérios de influência da

economia no direito, em especial no Direito Penal, a sofrer incentivos na busca de

sua maximização de riqueza, segundo critérios de Richard Posner (2010),

percebendo os benefícios que podem ser alcançados com tal fatia do mercado.

Por sua vez tais incentivos são colocados em contraponto aos fatores de

dissuasão, que para Gary Becker (1968) tinha por base de cálculo, dente outras

coisas, a probabilidade da prisão, o custo da operação, a probabilidade de ser

condenado, a pena a ser cumprida e a imagem moral social após tais fatos,

ressaltando o referido autor que se os incentivos determinassem um benefício

superior à soma desses fatores de dissuasão, o crime seria cometido, tendo ainda

pesquisadores como Pery Shikida (2010) defendido outros fatores como travas

éticas e morais ao cometimento de delitos, tais como a educação, a família e a

religião.

A influência de tais critérios interiorizados pelo sistema da economia ao

direito exprimem incentivos para que agentes e sociedades empresárias migrem ou

sejam constituídas para o exercício de atividades ilícitas ao invés de lícitas,

necessitando de meios de dissuasão adotados pela política criminal que possam

evitar tais consequências e diminuir o benefício da atividade criminosa a tal ponto

que a torne indesejada.

Nesse contexto ingressa a importância e maior incidência da necessidade de

um núcleo que promova a chamada lavagem do capital obtido através dessa prática

criminosa, reintegrando-o ao mercado e dando-lhe aparência lícita, o que preconiza

em uma segunda medida, a necessidade de outros meios de dissuasão não só

direcionados à prática do ato criminoso em si, como também, deste pós ato que é a

lavagem.

Para Tiedemann, porém, algumas perguntas devem ser feitas sobre a

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33

política econômica e a política criminal como: deve um Estado proteger jurídico-penalmente a economia e os atores econômicos ou deve, pelo contrário, por aos empresários as menores restrições possíveis em favorecimento de um suspeito crescimento econômico? Deve o legislador penal prever uma regulação aberta no código penal ou deve relegar a regulação dos delitos econômicos à legislação penal especial e, neste marco, deixá-los à potestade sancionadora da administração econômica, configurando-lhes como infrações administrativas? (TIEDEMANN apud CALLEGARI, 2003, p. 17).

Dessa forma, se percebe que a inter-relação entre Direito e Economia passa

a ser de simbiose, onde mesmo em sendo o sistema do Direito fechado

operacionalmente, ele é aberto cognitivamente, recebendo influência e conceitos de

outros sistemas como da Economia, importando-os e internalizando-os a fim de

poder implantar em sua legislação ou mesmo nas decisões judiciais, questões que

beneficiem a política criminal hodierna em busca desse bem-estar social.

2.1 DIREITO E ECONOMIA COMO SISTEMAS INTERLIGADOS

Mesmo dentro da Teoria dos Sistemas tratada por Niklas Luhmann, em que

as suas separações determinam formas de existência, de operacionalidade e

influências próprias, o Direito se encontra em uma situação de autopoiese e

autorreferência em que mesmo sendo um sistema operacionalmente fechado,

possui abertura cognitiva.

Assim, o Direito se retroalimenta de seus conceitos, experiências e decisões,

porém possui abertura para receber informações novas e novos conceitos de outros

sistemas, abrindo-se de maneira a traduzir estas novas informações em linguagem

jurídica, internalizando tais conceitos e transformando-os para sua utilização, dentro

de seus próprios binômios de legal/ilegal, por exemplo.

À medida em que a Economia enquanto Sistema próprio e cujo binômio

lucro/prejuízo passa a atuar na esfera das decisões humanas e que possuem direta

relação e consequência no convívio e no bem estar social, suas transformações e

informações são internalizadas pelo Direito e passam a fazer parte de seu sistema,

influenciando-o e sendo muitas vezes determinante na sua operacionalidade.

Olsson (2014, p. 221) assevera tal funcionalidade dos sistemas e a forma de

sua operacionalidade, ressaltando que o Direito opera recursivamente, baseando-se

em sua própria positividade, onde nada exterior ao mesmo pode influenciar na sua

organização interna e funcionamento.

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34

De qualquer forma, o fechamento sistêmico não significa que o Direito esteja alienado, isolado, mantendo-se com os olhos virados unicamente para si mesmo. A própria evolução histórica do Direito, especialmente ligada ao fenômeno de constitucionalização e de democratização (dentre outros), intuitivamente demonstram a ausência de um isolacionismo. O Direito se modifica, e de maneira constante. De fato, o Sistema do Direito é aberto cognitivamente, porque está aberto ao seu ambiente (OLSSON, 2014, p. 233).

De tal ponto se percebe que os Sistemas, apesar de fechados, estão

acoplados estruturalmente, gerando subsistemas através do processamento de

ruídos e interferências cognitivas, como no caso da Análise Econômica do Direito, o

que não afeta o funcionamento operacional do sistema, uma vez que o ato só passa

a integrar o Sistema Jurídico quando adequando formalmente e materialmente ao

ordenamento jurídico constitucional, como ocorre no Estado Democrático de Direito.

Posner (2010, p. 24) explica que a Análise Econômica pode ser normativa

porque, embora os economistas não possam dizer se a sociedade pode ou não

fazer algo (porque no fundo trata-se de uma decisão do sistema da política e

socialmente vinculante), podem dizer se a ação é eficiente ou não.

Em outras palavras, estão aptos a sustentar, a partir da utilização do

ferramental da economia, se determinada solução social foi eficiente ou se poderia

ser adotada alguma alternativa mais ou menos eficiente, mas que sacrificaria menos

alguns outros valores sociais.

Caliendo afirma que

A visão normativa da análise econômica pretende encontrar elementos econômicos que participam da regra de formação da teoria jurídica, já que os fundamentos de eficácia jurídica e o mesmo da validade do sistema jurídico deveriam ser analisados tomando em consideração valores econômicos, tais como eficiência, entre outros (CALIENDO, 2005, p. 202).

Dentro dessa perspectiva de influência e ruídos entre os sistemas

acoplados, especialmente o Direito e a Economia, é importante salientar que o

aporte da metodologia desta última reside no fato de que cada vez mais se exige

daquele decisões complexas e difíceis, seja para o Legislativo emitir leis, para o

Executivo aplicá-las e o Judiciário fiscalizar e concretizar direitos fundamentais, mas

que atuam de forma a perceber a existência de recursos escassos para

necessidades e demandas complexas e ilimitadas.

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35

Estando então interligados, Direito e Ciência Econômica passam a tratar de

aspectos comuns e objetivos complexos de nossa sociedade, tentando compreender

o comportamento humano, prevê-lo e regulamentá-lo de modo tal que se atinjam

seus objetivos, que giram em torno da premissa de que o ser humano busca a

maximização da riqueza como critério de satisfação, tomando por base o benefício

almejado e o custo para tal fim.

Posner (2010, p. 118) enfatiza que “a maximização da riqueza como norma

ética valoriza a utilidade (embora não tanto o quanto o faz o utilitarismo) assim como

o consentimento, embora talvez menos que o próprio Kant teria valorizado”.

Essa premissa da busca da maximização de riqueza enquanto utilidade que

possa causar mais bem-estar social é alvo de crítica de Posner (2010, p. 135) ao

entendimento de Dworkin, pois este afirma, categoricamente, que outras disposições

mais concessivas de estruturas econômicas e políticas produziriam mais atividades

que gerassem bem-estar alheio (DWORKIN, 2001, p. 211).

Nessa sistemática de entendimento sobre a busca da maximização da

riqueza para alcance de felicidade, cooperação e respeito como objetivos em um

sistema social, Dworkin entende que a solução deveria ser que nos voltássemos

diretamente para elas, enquanto Posner entende que em não havendo moeda que

se possa comparar a tais valores, no sistema imaginado por Dworkin seria

impossível sua implantação de forma eficiente, diferentemente das concessões

mútuas feitas pela própria maximização das riquezas (POSNER, 2010, p. 135).

Rodrigues destaca que

Esses incentivos existem porque as incontáveis necessidades das pessoas expandem-se indefinidamente, ao passo que os recursos para atendê-las são finitos ou, melhor dizendo, escassos. Por isso, com vistas a satisfazer suas demandas, cada um costuma reagir positivamente aos melhores incentivos e negativamente aos incentivos contrários a seus interesses, haja vista a escassez e iminência de conflito com interesses antagônicos de outros sujeitos em sociedade (RODRIGUES, 2014).

Outrossim, importante destacar que mesmo Posner evolui sua teoria da

busca pela maximização de riqueza, atribuindo o critério para aferição da sua

eficiência não só a métodos exclusivamente econométricos, mas também à sua

interdisciplinaridade com outros áreas do conhecimento com saber empírico, tais

como a sociologia, a teoria dos jogos, a psicologia, dentre outros.

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36

Ademais, a sociedade deve, em sua estrutura organizacional, além do

ordenamento jurídico inerente à sua realidade, criar e manter Instituições que

funcionem de modo a manter-se atualizada, e que possam na medida de sua

aplicação e intervenção, contribuir com uma eficiente coordenação do sistema

econômico.

North destaca essa importância quando afirma:

As instituições são as regras do jogo em uma sociedade ou, mais formalmente, são as restrições elaboradas pelos homens que dão forma à interação humana. Em consequência, elas estruturam incentivos no intercâmbio entre os homens, seja ele político, social ou econômico (NORTH, 1990).

Por tal entendimento se tem que se estas instituições criadas pela

sociedade, inclusive a repartição dos Poderes e o ordenamento jurídico, atuarem

demasiadamente frouxas, ocorrerão abusos de toda sorte; e se de outro lado forem

excessivamente rígidas, podem gerar comportamento exageradamente cauteloso

por parte dos indivíduos, o que tanto pode ser eficiente para a redução de

comportamentos errados, quanto pode introduzir distorções adicionais na economia

e na sociedade, prejudicando a eficiência do sistema.

Com tais preceitos e conceitos percebe-se que a Economia possui forte

influência na organização e na mecânica de funcionamento das sociedades

modernas, atuando desde o modo comportamental dos indivíduos e suas escolhas

de forma racional, passando pela busca da maximização da riqueza e recaindo em

critérios para aplicação do sistema jurídico.

O contexto e abrangência da Análise Econômica do Direito então se

expande, possuindo, segundo Arnaud, o seguinte alcance científico:

a) a análise, a explicação e a crítica das funções do sistema jurídico e de suas instituições. (...) diz respeito às funções sociais atribuídas a cada sistema jurídico e a cada um de seus elementos. (...) b) o problema das consequências sociais das normas jurídicas. (...) o impacto das normas jurídicas sobre os comportamentos de seus destinatários, (...) c) o problema da tomada de decisão nas diferentes instâncias, d) a análise do processo de implementação das normas jurídicas (...) (ARNAUD, 2000, p. 33-34).

Caliendo, ao se referir ao objetivo da norma jurídica embasada na Análise

Econômica, destaca que a visão normativa pretende “encontrar elementos

econômicos que participam da regra de formatação da teoria jurídica”, uma vez que

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37

“os fundamentos da eficácia jurídica e mesmo da validade do sistema jurídico

deveriam ser analisados tomando em consideração valores econômicos, tais como a

eficiência, entre outros” (CALIENDO, 2005).

Neste diapasão, se percebe a complexidade do convívio social, das

demandas ilimitadas, da escassez de recursos e da atuação humana de modo

racional na escolha de seus atos, determinando também uma nova adequação do

Direito, em especial no seu viés de concretizador dos direitos e garantias

constitucionais, exigindo do Estado uma atuação mais ativa e cuja influência do

sistema econômico determina adequação de todo o sistema do Direito e seus

subsistemas.

Dentro da perspectiva, o Direito se preenche de subsistemas que tratam

sobre aspectos a eles inerentes, entre eles o Direito Penal, o qual também possui

diretrizes básicas de sua análise econômica, posto que se o comportamento do

indivíduo pode ser por vezes padronizado dentro de escolhas racionais,

determinando que muito de nossa Legislação, de ações e decisões judiciais e de

políticas públicas criminais, possam ser embasados em critérios econométricos e

eficientes.

Ante a premente necessidade de administrar-se socialmente, englobando

tanto perspectivas organizacionais quanto individuais dentro dessa escassez de

recursos e necessidades ilimitadas elencadas no Tratado de Coase, a utilização

instrumental da Ciência Econômica se torna essencial para um melhor planejamento

da legislação penal e para a aferição de sua capacidade de alcançar-se os objetivos

sociais programados e com alocação mais eficiente dos recursos disponíveis.

Para Tórtima (2000, p. 03), a economia de mercado, típica dos estados

capitalistas, caracteriza-se pelo notável grau de liberdade concedida aos agentes

envolvidos na disputa pelas melhores oportunidades de negócio ou na competição,

por vezes brutal, em torno da mais rápida acumulação de capital, razão de ser do

próprio sistema.

E de tal ponto exsurge a necessidade de tratar do aspecto da Análise

Econômica do Direito Penal, a partir da lógica de escolha racional da criminalidade,

partindo do pressuposto da busca pela maximização de riqueza com o maior grau de

satisfação e menor custo como fatores determinantes para a criminalidade, em

especial a criminalidade patrimonial, com maior ênfase nesse trabalho para os

crimes empresariais, tais como a corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas

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38

e crimes contra a ordem tributária, munidos do conflito de incentivos x dissuasão

para a prática delituosa.

Entretanto, importante destacar que uma análise econômica do direito, em

sua gênese, não pode ser confundida com a economia do crime, pois, em que pese

ambas se ocuparem de um debate acerca da influência da economia sobre os

agentes econômicos, servem para finalidades diferentes no contexto da

aplicabilidade do direito.

A análise econômica do direito se presta a verificar a influência da economia

nas relações de microeconomia, dentro da relação estabelecida entre escassez de

recursos e as demandas infinitas da sociedade, na qual o direito pode ser

questionado a decidir sobre a alocação ótima desses recursos na busca da

maximização da satisfação e da paz social, como já visto.

Enquanto que, no âmago da economia do crime, existe uma análise

especialmente da economia comportamental na busca do agente econômico pela

satisfação de seus anseios, mas com uma preocupação com os custos de

oportunidades, denominados riscos, que vão estabelecer, dentro da Teoria da

Escolha Racional, se o agente irá migrar de uma atividade lícita para uma ilícita a

depender dos incentivos e meios de dissuasão recebidos, como se verá a seguir.

2.2 TEORIA DA ESCOLHA RACIONAL DO CRIME E OS CRITÉRIOS DE

INCENTIVOS

O aumento da criminalidade decorrente das atividades empresariais exsurge

também da conduta e comportamento humanos, cuja Análise Econômica no Direito

Penal observa sua conduta embasada na busca pela maximização de “riqueza”,

dentro de um critério racional de escolha que leva como parâmetros definidores os

incentivos recebidos para a prática criminosa e os custos suportados para seu

cometimento.

Dentro dessa premissa, caberia então ao Estado, que atua com recursos

escassos e necessidades ilimitadas, através de seus agentes e órgãos, criar e

desenvolver políticas públicas que visem evitar a prática do crime, de direcionar o

agente ao cometimento de um crime menos gravoso e que garanta uma punição

mínima necessária, alcançando um número ótimo de crimes, diante da utopia de sua

erradicação.

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39

Diante de tais pontos, percebe-se que a necessidade do entendimento de

métodos econométricos e até mesmo aplicação de fórmulas matemáticas são

necessários para o entendimento da causa da criminalidade, suas consequências e

especialmente seu combate da forma mais eficiente e ética.

Sendo assim, a economia pode remeter a uma necessidade de

padronização do comportamento humano, justamente para se conseguir atingir as

premissas expostas anteriormente, buscando explicar inicialmente o motivo pelo

qual algumas pessoas cometem crimes e outras não, mesmo estando muitas vezes

em situações sociais idênticas.

Sem adentrar de modo aprofundado nas teorias de criminologia crítica11, que

busca explicações para a criminalidade dentro de contextos sociais, influências

políticas, rotulacionismo ou preconceito, tem-se que para os fins dos crimes

econômicos tais como evasão de divisas, crimes contra a ordem tributária, lavagem

de capitais e crimes ligados ao mercado de valores mobiliários, os motivos que

levam à criminalidade são econômicos, tomando por base ou como principal objetivo

o alcance de maior lucro com o menor custo em um conflito matemático de

incentivos x dissuasão.

A criminologia define a criminalidade econômica como sendo aquela relativa às infrações lesivas à ordem econômica cometidas por pessoas de alto nível socioeconômico no desenvolvimento de sua atividade profissional. Com os novos conceitos e a evolução da sociedade no plano econômico e social, pode-se constatar uma progressiva ressonância política e jurídica dos imperativos éticos de solidariedade, sob mediação do Estado Social (MASI, 2012, p. 156).

O estudo que de fato mostrou essa nova forma de analisar a criminologia foi

publicado em 1968 por Gary Stanley Becker, em um artigo intitulado “Crime and

punishment: an economic approach”, no qual o autor trouxe uma abordagem inédita

11 Quando falamos de “criminologia crítica” e, dentro deste movimento tudo menos que homogêneo do pensamento criminológico contemporâneo, colocamos o trabalho que se está fazendo para a construção de uma teoria materialista, ou seja, econômico-política, do desvio, dos comportamentos socialmente negativos e da criminalização, um trabalho que leva em conta instrumentos conceituais e hipóteses elaboradas no âmbito do marxismo. Não só estamos conscientes da relação problemática que subsiste entre criminologia e marxismo, mas consideramos, também, que uma semelhante construção teórica não pode, certamente, ser derivada somente de uma interpretação dos textos marxistas, por outro lado muito fragmentários sobre o argumento específico. Tal tarefa requer um vasto trabalho de observação empírica, na qual já se podem dizer adquiridos dados assaz importantes, muitos dos quais foram colhidos e elaborados em contextos teóricos diversos do marxismo. Por outro lado, os estudos marxistas sobre o argumento se inserem em um terreno de pesquisas e de doutrinas desenvolvidas nos últimos decênios, no âmbito da sociologia liberal contemporânea, que prepararam o terreno para a criminologia crítica (BARATTA, 2002, p. 159).

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40

para explicar os fatores determinantes da criminalidade, concluindo que existia um

método formal para afirmar que o ato criminoso é decorrente de uma escolha

racional do indivíduo entre os ganhos com a atividade ilícita, considerando os custos

e benefícios esperados aí envolvidos, em comparação ao seu tempo alocado no

mercado ilícito de trabalho.

A teoria de Becker consistia em pensar a ação criminosa dentro de um

contexto social e econômico no qual os indivíduos decidem cometer ou não um

crime a partir da análise do custo-benefício esperado. Nas palavras do doutrinador:

A abordagem adotada aqui segue a análise usual dos economistas a respeito das escolhas e assume que uma pessoa comete um crime se a utilidade esperada para ele ultrapassa a utilidade que ele poderia alcançar usando seu tempo e outros recursos em outras atividades. Algumas pessoas se tornam criminosos, portanto, não porque a sua motivação básica é diferente em relação às de outras pessoas, mas porque seus benefícios e custos diferem (BECKER, 1968).

A decisão de cometer ou não um crime tem fundamento então no cálculo

elaborado pelo agente criminoso que resultaria de um processo de maximização da

utilidade esperada, em que este projetaria o potencial ganho com a ação criminosa,

estabelecendo a utilidade esperada, o lucro e o benefício almejados, em contraponto

aos custos que esta empreitada poderia lhe causar, tomando como parâmetros

principais o valor da punição, a probabilidade de ser preso, o custo da oportunidade

de escolha entre um atividade lícita e uma ilícita etc.

O Rational Criminal Model (RCM) de Gary Becker faz então a comparação

da atuação do criminoso como uma escolha de um investimento, no qual há uma

evidente consideração entre os riscos e os retornos esperados.

Para Becker (1968), existiriam então cinco categorias de custos dos crimes:

1) o número de crimes e o custo das ocorrências criminais; 2) o número de crimes e

a pena para os crimes; 3) o número de ocorrências criminais, prisões, condenações

e o gasto público com policiamento e promotoria; 4) o número de condenações e

custo de detenção ou outros tipos de punição; 5) o número de crimes e os gastos

privados com proteção e prevenção.

Se percebe que Becker evidencia uma preocupação com a alocação de

gastos (recursos escassos) públicos em políticas criminais de segurança pública,

dentro destas categorias de custos, visando tornar a prática criminosa não desejável

do ponto de vista econômico, uma vez que o proveito a ser alcançado pela atividade

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41

criminosa seria igual ou menor que o custo de seu cometimento, tornando a

atividade inviável e desestimulada.

Para Eisele (2002, p. 19), a criminalidade econômica possui características

peculiares, as quais influenciam os fundamentos e as finalidades da intervenção

penal, assim como determinados institutos, que são estruturados de forma

específica em face de seu objeto, formando um contexto que não pode ser

desconsiderado em qualquer análise que se faça a respeito.

Becker (1996) tinha ciência de que era impossível a erradicação da atividade

criminosa tendo em vista a complexidade da sociedade, os níveis de satisfação

inerentes a cada indivíduo e motivos extra-econômicos como poder e ego, que

atuariam na escolha do agente criminoso, mas defendia que o objetivo seria o

alcance do que chamou de número ótimo de crimes, dentro de um volume de

ofensas que deveriam ser permitidas, e qual número de criminosos deveria ficar

impune, em especial nos crimes não econômicos.

O conceito de um nível “ótimo” de crime pode parecer ser moralmente repugnante para as pessoas que acreditam que o Governo deve tentar erradicar todos os males sociais. Em particular, pode ser difícil aceitar o fato de que sempre haverá algum crime e que os formuladores de politicas públicas “permitam” que algum crime exista. No entanto, cidadãos e políticos da mesma maneira tomam decisões difíceis todos os dias (a respeito da mesma circunstância de quando investir para evitar que um crime ocorra, consigo ou na sociedade (COHEN, 2005, p. 19).

Shikida assevera que “muitos criminosos migraram para o crime econômico

por motivos como a cobiça, ambição, ganância e ideia de ganho fácil, visto terem

renda suficiente para saciarem seus desejos de consumo, mas a vontade imoderada

de mais bens ou riquezas foi maior” (SHIKIDA, 2010), o que serve para ratificar a

tese de Becker da impossibilidade de erradicação da atividade criminosa, até

mesmo a econômica.

De forma geral, o modelo de Becker, além de estimar a oferta geral de crimes (baseado na análise racional de custos e ganhos), possibilita dimensionar a necessidade de investimentos em segurança pública e privada para se atingir um nível admissível de criminalidade (segurança significa ausência de crime, ciente de que a ausência total é utópica). Determina também a tipologia de pena e sua magnitude, de tal forma que se maximize o custo para o infrator e se minimize para a sociedade (NICKEL, 2019).

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42

Neste diapasão, deve-se retirar da atividade criminosa o máximo de seu

incentivo, diminuindo de tal forma o proveito a ser alcançado, aumentando os custos

de sua operacionalidade social, adequando a punição e principalmente mostrando-o

a certeza desta através de investimento em fiscalização e persecução criminal

eficientes.

De acordo com Shavell (2008), “A pessoa irá cometer um ato se, e somente

se, a sanção esperada for menor que os benefícios esperados”, devendo entender-

se a sanção não apenas como a pena aplicada em si mesma, mas toda a cadeia de

efetiva punição, desde a prisão, a condenação e a pena suficiente, além das

consequências de ordem moral, tais como o nome do agente criminoso na

sociedade e em seu ciclo de convivência, reprovabilidade junto à família e amigos e

outras consequências extrapenais.

Assim, o custo da atividade criminosa deve ser determinado pela atuação

conjunta da probabilidade de prisão pela atuação policial, a probabilidade de

condenação pela qualidade e celeridade na atuação do poder judiciário e a pena a

ser aplicada e devidamente cumprida, devendo esta ser interpretada pelo agente

criminoso como suficiente para a reprovação e prevenção da atividade criminosa.

Atuando de tal forma, o objetivo da sociedade deve ser tornar nulo o retorno

lucrativo médio do agente criminoso, uma vez que a atividade ilícita passa a ter um

risco maior que o proveito almejado, cabendo aqui destacar que Shikida (2020)

assevera que além dos custos econométricos já mencionados, existem ainda as

chamadas “três grandes travas morais” (família, religião e escola), as quais quando

se apresentam fragilizadas em relação aos indivíduos, estes tendem à propensão

criminosa diante de menores incentivos do que àqueles que possuem estas travas

fortes.

Entretanto, como subsídio para políticas públicas, a sociedade precisa melhorar suas ações coibidoras do crime, recuperar o tripé “família, religião e escola”, além de expandir a oferta de trabalho (mas que ofereça remuneração capaz de reduzir a probabilidade de migração para a atividade criminosa) e, do ponto de vista macro, estruturar ainda mais os aparatos policiais e judiciais, fortalecendo as instituições ligadas, direta e indiretamente, ao combate da criminalidade. Em suma, urge desestimular a prática delituosa mediante a quebra de incentivos que favorecem a atividade ilegal (SHIKIDA, 2020).

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43

Assim sendo, cumpre verificar os crimes econômicos mais presentes na

realidade brasileira e analisar os fatores de dissuasão, especialmente o delito de

lavagem de dinheiro, que poderiam de fato ensejar um desestimulo à atividade

criminosa, tornando-a com susto superior ao lucro almejado, dentro dos aspectos

econométricos da prisão, condenação e da pena, além das travas morais por

ventura incidentes.

2.3 CRIMES ECONÔMICOS E SEUS FATORES DE DISSUASÃO

Partindo da premissa que os custos inerentes aos fatores de dissuasão à

atividade criminosa são ligados à probabilidade de prisão, da atuação e investigação

policial, a atividade célere e eficiente do poder jurisdicional para consecução de uma

condenação e a aplicação de uma pena, tem-se um grave problema para a

eficiência no combate ao crime no Brasil, especialmente contra os crimes

econômicos.

Não surpreende o fato de que inobstante exista um avanço exponencial da

criminalidade econômica, a nossa população carcerária, apesar de gigantesca, se

limita em grande aspecto a punir crimes contra o patrimônio e delitos ligados direta

ou indiretamente ao tráfico de drogas e às facções criminosas, conforme dados

evidenciados pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN, 2016), que assim

expressa:

De modo geral, podemos afirmar que os crimes de tráfico correspondem a 28% das incidências penais pelas quais as pessoas privadas de liberdade foram condenadas ou aguardam julgamento em junho de 2016. Os crimes de roubo e furto somam 37% das incidências e os homicídios representam 11%. Ao compararmos a distribuição entre homens e mulheres, no entanto, evidencia-se a maior frequência de crimes ligados ao tráfico de drogas entre as mulheres. Entre os homens, os crimes ligados ao tráfico representam 26% dos registros, enquanto entre as mulheres esse percentual atinge 62%, conforme figura 6. Os crimes de roubo e furto representam 38% dos crimes pelos quais os homens privados de liberdade foram condenados ou aguardam julgamento e 20% dos crimes relacionados às mulheres (DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL, 2016, p. 40).

Os critérios de custo para o cometimento de crimes econômicos não são

suficientes para sua dissuasão, ainda mais pelo fato de que seu benefício

econômico caracterizado pelo lucro na atividade ilícita termina por ser muito superior

ao exercido em uma atividade lícita de trabalho, fazendo com que haja um aumento

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44

da migração criminosa para atividade ilícita, especialmente para criminalidade

empresarial. A diversificação da atividade criminosa organizada ratifica a teoria da

escolha racional do crime, própria da análise econômica.

A enorme taxação de cigarros e bebidas tem como escopo buscar um meio

de dissuasão para seu consumo, o que, além de não atingir esse objetivo, serve

para fomentar um novo mercado clandestino, o contrabando, como uma enorme

fonte de receita, já que o consumo de cigarros continua alto, tornando o mercado

clandestino atrativo e muito lucrativo.

O crime de contrabando, além de possuir penas pequenas, apresenta

também pouquíssimo sucesso de apreensão e fiscalização, que por sua vez

reduzem imensamente o número de prisões e condenações, deixando margem para

um mercado altamente lucrativo e de baixo risco.

Tal raciocínio pode ser aplicado de maneira análoga, por exemplo, à

proibição ou endurecimento nas normas relativas à aquisição e posse de armas de

fogo, onde se defende a ideia de que a facilidade de acesso às armas seria a grande

vilã do aumento de crimes violentos.

Seria essa uma fórmula mundialmente inexorável ou fruto de uma cultura

forjada na violência, na história da má utilização das armas e na perpétua guerra

racial que cunhou parte da formação ocidental que proporcionam fatos violentos

ligados às armas?

Tendo como exemplo a tragédia ocorrida na Universidade de Columbine,12

nos Estados Unidos, se vê a necessidade de discutir sobre o assunto, e que não se

12 O Massacre de Columbine foi um massacre escolar que ocorreu em 20 de abril de 1999, na Columbine High School, em Columbine, uma área não incorporada de Jefferson County, no Colorado, Estados Unidos. Além do tiroteio, o ataque complexo e altamente planejado envolveu o uso de bombas para afastar os bombeiros, tanques de propano convertidos em bombas colocados na lanchonete, 99 dispositivos explosivos, e carros-bomba. Os autores do crime, os alunos seniores Eric Harris e Dylan Klebold, mataram 12 alunos e um professor. Eles também feriram outras 21 pessoas, e mais outras três ficaram feridas enquanto tentavam fugir da escola. Depois de trocarem tiros com policiais respondentes, a dupla cometeu suicídio. Apesar dos motivos do ataque continuarem incertos, os diários pessoais dos autores do crime documentam que eles desejavam um ataque de magnitude semelhante ao do Atentado de Oklahoma City e de outros incidentes violentos que ocorreram nos Estados Unidos na década de 90. O ataque foi dito no USA Today como um "ataque suicida (que foi) planejado originalmente como uma grande - e mal implementada - explosão terrorista". O incidente provocou debates sobre leis de controle de armas, gangues do ensino médio, subculturas e bullying. Também resultou em um aumento na segurança de escolas americanas com políticas de tolerância zero, e um pânico moral sobre a cultura gótica, a cultura de armas, pessoas rejeitadas pela sociedade (mesmo que os autores do crime não fossem rejeitados), o uso de antidepressivos por adolescentes, o uso da internet por adolescentes, e a violência em videogames (disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Massacre_de_Columbine>. Acesso em: 15 jan. 2021).

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45

deve analisar políticas públicas no Brasil e especialmente limitações aos direitos de

liberdades tomando por base experiências norte-americanas se a história, a cultura

e o comportamento social são totalmente distintos.

Aqui no Brasil, em que pese o controle de armas e o grande número de

mortes violentas, não temos fatos análogos a esses massacres que vez por outra

ocorrem no EUA, o que denota a necessidade de discussão acerca de políticas

públicas distintas para cada realidade social.

O Brasil passou pela experiência do chamado Estatuto do Desarmamento,

estampado na Lei 10.826/2003, na qual as pessoas foram incentivadas

economicamente a devolverem suas armas sob o argumento de que, além de

naquele momento os portes serem considerados crimes, a redução do número de

armas no território nacional traria consequentemente a diminuição de crimes

violentos, ensejando uma série de estudos sobre o tema, que mostraram

exatamente a necessidade de investimento em políticas públicas voltadas aos meios

eficientes de dissuasão da criminalidade e não propriamente apenas à redução do

quantitativo de armas em circulação como visto em Rodrigues (2021, p. 119 –

120).13

O pragmatismo de Posner14 e as análises consequencialistas embasadas

em dados, utilidade e consequências das normas poderiam ajudar o Brasil a ajustar

13 Analisando as premissas teóricas e os dados empíricos acima, uma síntese sobre o impacto da Lei Federal 10.826/2003 na redução da criminalidade enseja as seguintes considerações: (i) não é possível afirmar se de fato a demanda por armas legais sofreu redução após uma década de vigência do Estatuto do Desarmamento, em função dos números desencontrados fornecidos por órgãos e entidades públicas (in casu, Ipea e Exército Brasileiro); (ii) o controle mais rigoroso do mercado ilícito possui o efeito de migrar parcela resistente da demanda para o mercado ilícito de armas de fogo, nos quais é comum a utilização de métodos violentos, formando um ciclo vicioso do crime; (iii) a criminalidade habitual ou profissional não foi influenciada pela expansão dos tipos e sanções penais, bem como pelo acesso mais restrito a armas legais, tendo em vista que o delinquente nunca irá se prestar a cadastros de antecedentes para adquirir arma de fogo, sendo-lhe usual recorrer ao mercado ilícito; (iv) a discreta redução de crimes letais que pode ser atribuído ao Estatuto se deveu à menor ocorrência de conflitos resultantes em morte entre cidadãos comuns, que outrora tinham acesso mais fácil a armas de fogo; (v) os valores módicos fixados para indenizar o cidadão que entrega sua arma à Campanha Nacional de Desarmamento não representam um incentivo substancial em prol do sucesso da política pública; (vi) o número de armas de fogo recolhidas pela Campanha Nacional do Desarmamento, de 2003 até hoje, não conseguiu superar o número de novas armas adquiridas no mesmo período, não obstante as severas restrições para aquisição por parte do cidadão comum; e (vii) a função dissuasiva das novas prescrições penais não inibiram as práticas criminosas típicas, de modo que restaram contundentes na punição com prisão (elevado custo social) de cidadãos comuns que passaram à situação de ilegalidade com o novo regime. 14 A definição mais simples de pragmatismo é que é a rejeição da raiz e dos ramos do platonismo. Mas a exatidão da definição depende do significado preciso atribuído ao platonismo. Os pragmatistas não rejeitam o insight de Platão de que conceitos matemáticos são reais num sentido significativo que não depende de estarem incorporados. Eles são plausivelmente incorporados como entidades

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46

sua legislação e até o tipo de fiscalização e punição que se mostrassem mais

eficientes para a dissuasão dos crimes violentos, deixando de se comparar com

culturas e realidades sociais totalmente diversas da vivenciada no Brasil.

O questionamento se “mais armas, mais crimes?” é inerente à sociedade

hodierna e reside hoje na discussão central se o ato de flexibilização para aquisição

de armas vai ao encontro da ideia central da regulamentação aprovada pelo

plebiscito do Estatuto do Desarmamento e se tal fato, por si só, causa aumento de

criminalidade violenta.

Recentemente a Ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber15

decidiu pela suspensão de ato normativo exarado pelo Chefe do Poder Executivo

brasileiro nesse sentido, e disse basear-se em estudos científicos que atestam

integralmente a premissa de nossa pergunta.

A discussão gira, assim, dentro da análise econômica do crime, em torno do

debate se o exagero na regulamentação e a proibição de acesso a determinados

itens, como as armas, ocasionam o fortalecimento do mercado ilícito e maior

aquisição de armas, seja por criminosos assim como cidadãos que desejam ter

armas.

O aumento da criminalidade total em si nas últimas décadas, proveniente em

uma parte importante do tráfico de drogas, facções criminosas e guerras por

mercados ilícitos, atrai consigo uma sociedade de risco agravada pela ausência do

Estado na segurança pública, culminando numa demanda por autoproteção pelos

cidadãos e consequente aumento do número de armas em circulação.

Outro ponto importante é realizar um levantamento empírico do efeito de

dissuasão na atividade do criminoso o receio ou dúvida com relação a não saber se

o cidadão está armado ou não no caso dessa flexibilização.

metafisicas realmente existentes. Um ponto ou uma linha na geometria euclidiana é real, mesmo que não haja objetos uni ou bidimensionais no universo e, de forma semelhante, a palavra cadeira, que nomeia um numero indefinido de objetos físicos, mas não é física em si mesma (então Heráclito estava errado ao afirmar que não se pode entrar duas vezes no mesmo rio). Mas há entidades metafísicas no sentido mais modesto das coisas que, apesar de úteis e discutíveis, não possuem localização no tempo e no espaço, coisas em outras palavras que são reais (ou reais o bastante) apesar de não físicas, como distintas das entidades não sensórias e quase sempre sobrenaturais que supostamente geram e apoiam os mundos físico e moral. Essas entidades sendo inacessíveis à investigação empírica, surge o ceticismo do pragmatista (POSNER, 2010, p. 23). 15 MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.675 DISTRITO FEDERAL, Rel. Min. Rosa Weber. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 459C-E346-C4ED-FF9B e senha 74B6-4096-8DEE-9063>. Acesso em: 20 mai. 2021.

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47

Somente com um estudo realmente direcionado, empírico e pragmático na

sociedade brasileira poderiam indicar cientificamente se o aumento de armas

obtidas licitamente ocasionaria aumento de criminalidade provocada por elas e qual

o percentual de impacto na decisão do criminoso em continuar na atividade na

dúvida sobre a posse de armas pelo cidadão.

A simples constatação de aumento de crimes com o aumento de armas de

modo geral não responde à pergunta feita e só esconde ou redireciona a

responsabilidade do Estado à liberdade individual de possuir armas.

O proibicionismo como política pública através do Direito Penal não reflete

uma análise econômica sobre os fatos que incentivam o mercado clandestino e

serve tão somente como escusa para aumento de arrecadação tributária com a alta

taxação e de outro ponto o aumento de arrecadação também para o crime

organizado utilizar nas suas outras frentes.

Silva Sanchez (2004, p. 53) tem como certo que a criminalidade organizada

e das empresas, a corrupção e o abuso de poder aparecem no primeiro plano da

discussão social sobre o delito. E a nova política criminal intervencionista e

expansiva passa a ser exigida por inúmeros setores sociais que antes defendiam a

não interferência do Direito Penal, mas que afora clamam por uma reação contra a

“criminalidade dos poderosos”.

Para Olsson (2014), o mero recrudescimento de políticas criminais não é

suficiente para o enfretamento da criminalidade, uma vez que não estão envolvidos

nesse cálculo apenas a prisão, mas todo o custo de oportunidade existente e os

custos sociais, sendo muitas vezes mais eficientes políticas públicas voltadas a um

planejamento consistente na redução do próprio sistema penal, contribuindo assim

não só para o enfretamento da criminalidade, como também para solução de

problemas sociais, dentre eles a superlotação carcerária e o fortalecimento de

facções criminosas nascidas nesses ambientes de ausência estatal.

Maia (1999, p. 12) destaca que a criminalidade das grandes corporações

industriais causa consequências e danos sociais muito mais graves e lesivos à

sociedade, porém, continuam a constar nas chamadas “cifras negras” da

criminalidade diante da inoperância do aparelho repressivo do Estado.

A celeuma maior surge quando esta criminalidade não fica adstrita aos

limites do território nacional e se aproveitam da realidade globalizada das relações

sociais, empresariais e de tecnologia, tornando este tipo de criminalidade um

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“fantasma” aos olhos e sentidos do aparato estatal de fiscalização e persecução

criminal, como evidencia Fayet Junior:

Que esse fenômeno surge numa era globalizada, de modo que se afigura a questão de qual seria a melhor tática de contenção dessa criminalidade. Sabe-se que o mundo todo – tardiamente, a América Latina – tem discutido o assunto há aproximadamente duas décadas, buscando meios eficazes de combate através de reformas penais (FAYET JUNIOR, 2008, p. 13).

Diante de tais perspectivas, de uma criminalidade organizada e

transnacional eficiente e que não lesa apenas indivíduos, mas coletividades,

sociedades e até mesmo o Estado, surge a discussão acerca da efetividade do

Direito Penal clássico em seu combate, quais outras opções ou novas formas que

possam servir de forma tal a não se distanciar ou desconsiderar o Estado

Democrático de Direito e suas garantias constitucionais a tanto custo conquistadas.

Teorias como a do Direito Penal do Inimigo, defendida por Günther Jakobs,

em que se distingue e dá ênfase ao combate dos identificados como inimigos,

flexibilizando seus direitos e garantias constitucionais devido sua periculosidade e

potencialidade lesiva, parecem destoar de um contexto constitucional e não

combater de fato a criminalidade em si e suas causas ou, mais importante, seus

benefícios e proveitos econômicos.

A simples tática de criação de novos tipos penais ou aumento e

endurecimento de penas apenas remodelam um Direito Penal muitas vezes

simbólico e sem qualquer aplicabilidade prática a ponto de dissuadir a criminalidade,

assim como a pena mais cruel sem o aumento de probabilidade de sua aplicação.

Ou seja, sem começar por uma atividade policial estruturada, um órgão jurisdicional

célere e atuante e um sistema prisional capaz de prover sua função, de nada

servirão os novos tipos penais na tarefa de dissuasão da criminalidade econômica.

Levitt defende que

(...) para impor sanções, a sociedade deve capturar as pessoas que cometem os atos prejudiciais. Isto requer que a sociedade mantenha um aparato para a aplicação da lei equivalente com as despesas que o acompanham, e estes gastos irão aumentar com o grau de probabilidade de apreensão (LEVITT, 2008).

Por óbvio que a eficiência econômica não estabelece um parâmetro fixo de

solução para os problemas jurídicos, mesmo porque estes são complexos de modo

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tal que não seriam totalmente expurgados apenas com métodos utilizados na

economia, mas esta pode trazer ao poder Público alternativas plausíveis de combate

e enfrentamento à criminalidade, especialmente no que concerne os crimes

econômicos.

Para Fayet Junior (2008, p. 13), a expansão do Direito Penal como resposta

e combate ao crescimento da criminalidade econômica não resolvem, sendo mais

eficaz a aplicação de sanções civis de caráter econômico ou punições

administrativas.

Hoje muito se fala no alcance e delimitações do Direito Administrativo

Sancionador, como meio de fiscalização mais ágil, menos burocrático que o

Processo Penal e com punições ligadas ao âmbito da atividade econômica da

empresa envolvida, aplicações de multas e proibições de contratar com a

Administração Pública, por exemplo.

Dentre os principais crimes econômicos estão os crimes contra o mercado

de capitais (Lei 6.385/1976), os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei

7.492/86), crimes contra a ordem tributária (Lei 8.137/90), crimes de licitação (Lei

8.666/93), Crime de lavagem de capitais (Lei 9.613/98) e a Lei de organizações

criminosas (Lei 12.850/13), os quais apesar de suas peculiaridades e

especificidades, convergem na expectativa de busca pela maximização de riqueza

dentro de uma escolha racional defendida por Gary Becker.

Cervini (2005, p. 223) muito bem expõe que a criminalidade econômica

apresenta certos atributos que dificultam especialmente a sua perseguição,

esclarecimento e ajuizamento, principalmente porque os delitos econômicos

importantes são produzidos de modo que exteriormente têm aparência de uma

legalidade absoluta.

Os delitos ora referidos consubstanciam uma movimentação enorme de

valores, muitas vezes contando com uma complexidade organizacional cujas

funções e atribuições criminosas se perdem na cadeia de atividades desenvolvidas

em todo o processo criminoso, tornando a identificação e conceituação de

organização criminosa um dos principais desafios cuja definição foi trazida pela Lei

12.850/2013, na qual se passou a delimitar não só seus requisitos, mas estabeleceu

formas processuais e penais de combate, tais como os meios de investigação (como

a infiltração policial e a interceptação telefônica), a produção de provas (previsão da

colaboração premiada) e as penalidades mais severas e interligadas aos demais

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crimes cometidos pela organização.

Certo é que a infração criminal cometida pelas organizações criminosas não se esgota em si mesma, pois se despoja de autonomia, para passar a ser um elemento a mais de um programa preestabelecido que se prolonga indefinidamente no tempo (...). As modernas estruturas criminais não atuam de forma isolada: as organizações criminais estruturam-se através de coordenação e subordinação, favorecendo o estabelecimento das chamadas “redes corporativas de associações criminais”, que, dentre seus objetivos, prestam apoio logístico mútuo (MUSI, 2012, p. 171).

Esse primeiro ponto de definição e identificação da organização criminosa,

utilizando-se de aparatos eficientes que abarquem os principais sustentáculos da

atividade criminosa, terminam por ser um fator de dissuasão a ser considerado no

momento da escolha pela pratica ilícita que deve, por conseguinte, buscar atingir o

agente criminoso ainda nos crimes relacionados, tais como a lavagem de dinheiro.

Por outro lado, se entendermos que o bem jurídico afectado na conduta de branqueamento é a ordem socioeconómica, enquanto fator lesivo para a livre concorrência e a credibilidade e confiança nas instituições financeiras, apesar de não ser um bem jurídico penalmente relevante, deve, em todo o caso, ser merecedor de cobro do direito, pela relevância e afectação que tem nos mercados. É neste âmbito que damos forte relevo ao Direito Administrativo Sancionador (RODRIGUES, 2016, p. 92).

Para Callegari (2003, p. 38), as organizações criminosas recorrem à

lavagem de dinheiro pois os benefícios obtidos com as atividades delitivas precisam

ser reciclados, isto é, despojados de sua origem criminosa, mediante sua introdução

nos circuitos financeiros lícitos até conseguir uma aparência de legalidade.

Assim, o custo social no combate à lavagem de capitais é imprescindível ao

aumento do custo da atividade criminosa, uma vez que reduz ou anula o benefício

econômico almejado na atividade ilícita, sendo, contudo, requisito essencial sua

identificação prática e teórica a fim de não se atuar com o Direito Penal Econômico

de maneira tal a desestimular, também, o exercício da atividade lícita.

Assevera Delmanto Junior:

Com a expressão “lavagem de dinheiro” busca-se abranger toda atividade empregada para dar aparência lícita ao produto econômico de determinados crimes, viabilizando seu ingresso na economia formal e, desse modo, a sua efetiva e despreocupada utilização pelo criminoso, evitando-se seu confisco, mesmo porque a economia, nos dias de hoje, e em virtude da informática –

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e o sistema bancário brasileiro é altamente informatizado e ágil - encontra-se cada vez mais fiscalizada (DELMANTO JUNIOR, 2006, p. 543).

De Sanctis (2008, p. 8) explicita que a lavagem de dinheiro é uma expressão

clara da falta de competência dos Estados em combater os chamados crimes

antecedentes, tais quais o tráfico de drogas, tráfico de armas e de pessoas,

corrupção, etc., forçando o Estado a atuar de maneira cada vez mais incisiva na

ordem econômico-financeira, constituindo-se uma nova realidade criminal em que se

permite o aumento da criminalidade antecedente e enriquecimento de seus agentes,

onde de fato deveria merecer rápida e combativa reação estatal, quando a

persecução penal pode ser mais eficaz.

De outro ponto, o combate autônomo ao crime de lavagem de dinheiro, se

eficaz, aleija a organização criminosa de seu principal argumento de incentivo à

prática delituosa que é o lucro alto e a baixa probabilidade de prisão e condenação

por tais delitos, devendo o Estado não esquecer dos crimes antecedentes, porém,

desestimulá-los, já que seus fins econômicos não seriam alcançados na lavagem.

Ademais, a evolução da tecnologia e da complexidade das relações sociais

e econômicas terminam por trazer aos agentes criminosos, especialmente

organizações criminosas empresariais diversificações em suas atuações de modo tal

a dificultar a fiscalização e combate e muitas vezes a própria tipificação dentro do

princípio da legalidade, como ocorre com a operação de valores ilícitos através de

“criptoativos”, como os BitCoins, por exemplo.

A falta de uma definição com relação à natureza jurídica dos Criptoativos e

de uma regulamentação à sua utilização no mercado de capitais, seja pela

Comissão de Valores Mobiliários ou pelo próprio Banco Central, ocasiona sérios

entraves à caracterização e combate à lavagem de dinheiro, muito porque sua

movimentação financeira ocorre em sistemas virtuais em ambientes globalizados,

cujo combate depende, efetivamente, de cooperação jurídica internacional.

A fiscalização do crime de lavagem de dinheiro através de criptomoedas

como os BitCoins demanda muito trabalho por parte da estrutura estatal, pois em

que pese a possibilidade de rastreamento das movimentações financeiras

realizadas, exigiria por parte das autoridades policiais elevado preparo tecnológico e

profissional, além da regulamentação de fiscalização das mesmas.

A estruturação específica seria imprescindível, pois as transações por

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52

BitCoins são criptografadas e processadas de forma anônima, dificultando além da

identificação dos responsáveis e “proprietários”, a persecução penal quando da

identificação da origem ilícita do crime, bem como na apuração do crime

antecedente.

Usuários da rede transacionam as moedas, uns para outros, em modelo

peer-to-peer, o que continuamente afasta o montante ilícito de sua primeira

operação, o que definitivamente demonstra que os BitCoins se mostram como um

eficiente meio de execução ao crime de lavagem de dinheiro.

A ausência de padrões normativos internacionais e até mesmo o benefício

econômico alcançado por alguns países findam por dificultar ainda mais o combate

aos crimes econômicos como a evasão de divisas e a lavagem de dinheiro,

tornando-se, dentro dos critérios da Análise Econômica do Direito, um incentivo à

prática delituosa devido a sua sofisticação e altos lucros, especialmente para

grandes organizações criminosas empresariais.

Sobre o crime de evasão de divisas, alguns doutrinadores como Peruchin

(2006, p. 152) defendem que a evasão de divisas seja descriminalizada, tendo em

vista que os agentes financeiros conhecem e são plenamente cientes de todos os

riscos financeiros advindos da operação, inclusive calculando o eventual lucro

advindo com a operação clandestina e o próprio prejuízo, caso sejam enquadrados

em alguma atividade ilícita.

O autor ainda advoga que o aparato disponível ao Estado para o controle do

Sistema Financeiro é muito defasado, fazendo com que este lance mão do Direito

Penal como instrumento simbólico de fiscalização. Tal afirmação coaduna com o

entendimento de que o aumento do custo da atividade criminosa passa inicialmente

pela melhoria da fiscalização e prevenção administrativa do crime econômico, com

fortalecimento do instrumental fiscalizatório do Estado junto ao Sistema Financeiro e

suas atuações globais.

O delito de evasão de divisas previsto no artigo 22, da Lei 7.492/86 precisa de uma reavaliação urgente. Da maneira como está previsto não realiza os fins protetivos almejados, sendo somente um instrumento de violação aos princípios da subsidiariedade e intervenção mínima do Direito Penal (PERUCHIN, 2006, p. 157).

Outrossim, resta evidente que a existência efetiva e padronizada

universalmente de cooperação jurídica internacional seria um meio eficaz de

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53

combate aos crimes econômicos, o que tem sido alvo de inúmeros instrumentos

jurídicos oriundos da comunidade internacional para implementação nos países

subscritores de normas de combate ao crime de lavagem de dinheiro como crime

autônomo e de instalação de organismos encarregados de uma persecução mais

adequada.

No Brasil a Unidade de Inteligência Financeira (UIF) responsável pelo

controle do delito é o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF),

vinculado ao Ministério da Fazenda e que foi criado por previsão expressa do art. 14

da Lei 9.613/98, tendo a função de coordenar mecanismos de cooperação e troca de

informações com o objetivo de tornar as ações mais rápidas e eficientes no combate

à lavagem.

O tráfico internacional de entorpecentes, corrupção e crimes contra a ordem

tributária, inerentes ao Direito Penal Econômico, também possuem seus

mecanismos potencializados, no passo em que o aparato estatal torna o custo

operacional da atividade ilícita mais vantajosa que o trabalho lícito, tendo em vista os

inúmeros entraves encontrados desde a falta de estrutura organizada e suficiente

para fiscalização e apreensão de produtos do crime e dos criminosos.

Merece destaque ainda não só a dificuldade com a falta de estrutura dos

órgãos fiscalizatórios, mas a ausência de punição eficiente em si, pois crimes dessa

monta, e que causam tantos problemas de cunho social e econômico ao país, são

tratados de forma até certo ponto branda pela legislação penal, com penas muitas

vezes desproporcionais aos danos causados aos bens jurídicos, em poucos casos

acarretando a privação da liberdade do agente criminoso, que por vezes é agraciado

com penas restritivas de direito ou pecuniárias, fazendo o crime valer a pena do

ponto de vista econômico de maximização da riqueza.

2.4 POLÍTICA CRIMINAL DE ENFRETAMENTO À LAVAGEM DE CAPITAIS DE

ACORDO COM A ECONOMIA DO CRIME

Nesse contexto, em que se tem em dúvida o bem jurídico protegido pela

normal penal posta, em que se discute a autonomia do crime de lavagem de capitais

em relação ao seu crime antecedente e principalmente em que se busca um meio

eficiente de enfrentar tal criminalidade, é importante então discutir e propor formas

que atendessem tal demanda dentro dos critérios postos, seja em relação ao bem

Page 54: LAVAGEM DE CAPITAIS: A CRIMINALIDADE ECONÔMICA DIANTE …

54

jurídico, à autonomia e principalmente à análise econômica do crime.

Como já explanado o agente criminoso, enquanto ser racional, especialmente

nos crimes econômicos, busca seu mais alto grau de satisfação ao menor custo de

oportunidade, percebendo a atividade ilícita mais vantajosa quando a satisfação é

maior que a multiplicação de todos os riscos.

Os riscos inerentes ao fato são traduzidos enquanto a probabilidade de

descoberta dos ilícitos pelas autoridades, investigação criminal, transcurso de um

processo criminal, condenação e efetivo cumprimento de uma pena, especialmente

de prisão.

Além de tais riscos de natureza objetiva, existem ainda os riscos de natureza

subjetiva, que o agente criminoso tende a dosar e contabilizar como os danos à sua

honra e nome perante a sociedade, trabalho, família, educação e religião, como

pontos de acréscimo ao cálculo.

Sobre os aspectos subjetivos, a política criminal a ser adotada deve ser

voltada para a maior disponibilização de trabalho e melhor remuneração, que

traduzem um risco mais elevado do que, por exemplo, para quem está

desempregado ou possui trabalho informal e remuneração baixa ou incerta.

Ademais, investimento em educação contribui para o aumento da capacidade

laboral e crescimento pessoal e profissional das pessoas, sendo circunstância

determinante na escolha racional, uma vez que a falta de perspectiva e de estudo

em muito elevam a incidência de pessoas na prática delituosa econômica.

No entanto, no que diz respeito às circunstâncias objetivas dos riscos, tem-se

por necessários a implementação de política criminal de estruturação das polícias

judiciárias, o investimento em tecnologia e inteligência investigativa para aumentar o

número de descobertas de atos criminosos e com mais robustez de provas, além de

dar autonomia e independência financeira e hierárquica aos órgãos de investigação

e autoria em matéria criminal, como o Ministério Público e o Poder Judiciário,

aumentando e qualificando a perspectiva de condenações e execuções penais.

Ademais, dentro do critério econômico da escolha racional, outro ponto

principal a ser questionado é se de fato a autonomia do crime de lavagem de

capitais é um meio eficiente de dissuasão criminosa, uma vez que, além de trazer

muitos descompassos de problemas interpretativos de subsunção do fato à norma,

termina por inviabilizar o combate efetivo contra os crimes antecedentes, como

tráfico de entorpecentes e organizações criminosas, crimes contra a economia

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popular e crimes contra a ordem financeira e tributária.

Dessa forma, poderia ser muito mais eficiente e revestida de

constitucionalidade uma norma que ao invés de dar autonomia ao crime de lavagem

de capitais, lhe tornasse uma qualificadora ou uma circunstância de aumento de

pena para o cometimento dos seus crimes antecedentes, fazendo com que o agente

criminoso fosse acusado do necessário crime antecedente, sobre o qual não recai

dúvidas quanto seu bem jurídico protegido, assim como agisse como meio de

dissuasão para a prática do próprio delito em si, tornando a pena maior para quem

não só cometesse o crime antecedente, mas tentasse de alguma maneira dar

imagem lícita ao produto do crime através da lavagem.

Tal estratégia legislativa e de política criminal é comum e adotada em outros

tipos penais econômicos, como o próprio roubo, que tem sua pena majorada a partir

da utilização de armas brancas ou de fogo, de uso permitido ou exclusivo, assim

como na extorsão mediante sequestro, cuja morte da vítima ao invés de ser um

crime autônomo, é uma qualificadora da própria extorsão, atuando como meio de

dissuasão para esse resultado.

Ademais, poderia adotar meios de incentivo à recuperação de ativos e

reparação de danos, tais como circunstâncias de diminuição de pena ou mesmo

possibilidade de acordo de não persecução penal para o caso de cumprimento dos

requisitos postos no artigo 28-A do Código Penal16.

Por óbvio que nenhuma dessas medidas seria suficiente para extinguir a

16 Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência); I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

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56

prática da lavagem de capitais, mas serviriam ou de meio de dissuasão para sua

prática, ou de incentivo para reparação de danos patrimoniais, chegando à sua

eficiência dentro do que a análise econômica do crime chama de número ótimo.

Ademais, a regulamentação dos chamados criptoativos através de agências

reguladores ou do próprio Banco Central atuando enquanto agente de regulação

poderiam ajudar a definir estratégias de controle e identificação dos rastros

financeiros de operação suspeitas, com ajuda do Conselho de Controle de

Atividades Financeiras – COAF, Receita Federal e a própria Polícia Judiciária

atuando de forma conjunta, com inteligência e em avanço tecnológico, buscando

identificar essas operações ilícitas.

No entanto, investir apenas no enfretamento à lavagem de capitais como

meio de atingir os crimes antecedentes de maior repercussão violenta termina por

tirar o foco principal da atuação da política criminal, dando ênfase à criminalidade

econômica, e influenciando no aumento da própria violência, retroalimentando-a

diante da necessidade de manter a atividade criminosa principal.

Ao só combater os lucros das atividades ilícitas visando a lavagem de

capitais, o Estado termina por compelir as organizações criminosas a expandir seus

territórios e mercados, muitas vezes através de conquistas por “guerra” entre

facções e demais organizações criminosas, na busca de repor as perdas financeiras

ocorridas nessas operações, aumentando a incidência de crimes patrimoniais como

roubos, sequestros, extorsão, corrupção, enfim, toda uma gama de outros meios

ilícitos e violentos que podem ser praticados com maior abrangência.

Dessa forma, o enfretamento à criminalidade da lavagem de capitais

perpassa não só a própria atividade de lavar, mas a atuação conjunta contra os

crimes antecedentes, utilizando de meios de inteligência policial, gestão pública e de

políticas criminais eficientes de acordo com a análise econômica do crime.

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57

3. A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL E A TEORIA ANÁLITICA DO CRIME

A evolução da utilização do Direito Penal como meio de controle social e de

demonstração de força do Estado sempre foi uma arma bastante eficaz e invasiva

no convício da sociedade e na relação entre violência legítima e ilegítima, assim

como um refúgio de política e exercício de poder, muitas vezes ou quase sempre

dentro do critério discricionário de combate aos “inimigos do Estado”.

Zaffaroni (2006) assevera que historicamente o Direito Penal é arma de

demonstração do poder estatal que delimita e escolhe seus inimigos, recaindo tais

acepções na própria racionalidade das leis penais.

A racionalização da doutrina penal para ocultar a admissão da categoria de inimigo no Direito Penal, lidas a partir da teoria política, são concessões do Estado liberal ao Estado absoluto, que debilitam o modo orientador do Estado de direito, que é a bússola indispensável para marcar a direção do esforço do poder jurídico em sua tarefa de permanente superação dos defeitos dos Estados de direito reais ou históricos (ZAFFARONI, 2006, p. 13).

A evolução dessa utilização desde o período pós-vingança privada e

chegando ao Estado absoluto, no qual o Direito Penal era uma das principais armas

de demonstração de força do poder estatal, utilizando-se de penas desproporcionais

e fundadas em suplícios (FOUCAULT, 1984), demonstra muito bem a importância da

punição legitimada para a consecução de um controle não só sobre a violência, mas

da própria determinação de condutas da sociedade.

Dentro dessa perspectiva, se leva em consideração um contexto histórico de

Estado absolutista cujas regras de convívio e comportamento muitas vezes eram

ordenadas pela Igreja, cuja dogmática embasada na fé distanciava a razão da

fundamentação empírica do direito, dando especialmente à punição uma natureza

divina e, portanto, quase inquestionável.

A importância da ciência e da filosofia vem justamente neste enfoque buscar

a discussão acerca de uma racionalização para a aplicação das penas e a definição

do que viria a ser delito e mais, uma humanização precípua e necessária para a

utilização do Direito Penal, primeiramente tratado por Beccaria, no seu livro “Dos

delitos e das penas”, onde o mesmo defendia que o Direito Penal deveria ser

fundado na humanização das penas, separando delito de pecado, eliminando a

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influência da Igreja e negando-lhe o direito de dizer o que seria ou não um ato

criminoso, onde para isso

Foi pensado um sistema legal que garantisse a ordem desejada. O meio encontrado: a punição dos atos infracionais, assim considerados todos que colocassem em risco a paz social. A punição assume dois papeis preponderantes: o de mensagem às pessoas reunidas em uma determinada organização social e política, no sentido de que se evitasse que praticassem atos potencialmente danosos à sociedade; e a retribuição de um mal àquele que praticou um delito e, portanto, um dano à ordem social (BICUDO, 2015, p. 45).

A partir de tal concepção, alinhando-se posteriormente e historicamente à

Revolução Francesa apoiada pela burguesia e a revolução industrial, traduz-se o

enfraquecimento do Estado absoluto e o surgimento ou afloramento do Estado

constitucional, dentro de uma perspectiva de limitação do poder do Estado, maiores

garantias e direitos individuais e punições proporcionais aos danos causados aos

bens jurídicos protegidos pelo Estado.

Tal salto na utilização do Direito Penal auxilia e influencia na defesa de um

Direito Penal fragmentário, ou seja, que seria a ultima ratio de utilização do Estado

como meio de controle e pacificação social, produzindo um chamado minimalismo

do Direito Penal, no qual este só seria utilizado ou recorrido no caso de se outros

ramos e esferas do direito não conseguissem resolver a celeuma social.

Como fonte de tal defesa teórica da fragmentariedade do Direito Penal,

Roxin estabelece sua teoria do bem jurídico protegido constitucionalmente para se

justificar a incidência de normas penais.

A teoria sustentada por Roxin baseia-se em duas premissas, quais sejam, o

Direito Penal como instrumento de proteção dos riscos chamados intoleráveis para a

convivência de determinada sociedade e a punição como resposta ao rompimento

dessa proteção.

De toda maneira, Roxin (2008, p. 179) entende que o Direito Penal não deve

ser banalizado ou utilizado indistintamente e de forma expansiva, mas tão somente

quando atingir bens jurídicos protegidos constitucionalmente e quando a conduta

que se deseja punir diga respeito a riscos intoleráveis.

O autor não vai tratar especificamente quais riscos intoleráveis seriam

esses, deixando isso a cargo do legislador, o qual diante de seu poder-dever de

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59

emitir normas jurídicas que contenham e atendam aos ditames constitucionais,

protege bens jurídicos constitucionalmente previstos.

O problema reside justamente aí, ou seja, os critérios e influências que

determinam para a sociedade hodierna quais seriam esses bens jurídicos e,

principalmente, quais seriam os riscos intoleráveis dentro de uma sociedade cada

vez menos tolerante e ávida por punição como meio de combate à violência

subjetiva que exsurge da opinião pública, por exemplo.

É a partir desse ideário que surgem teorias como a do Direito Penal do

Inimigo, baseada em uma pretensa guerra ao crime, justificando não só a expansão

do Direito Penal, mas perigosamente fundamentando diminuição de liberdades civis,

flexibilização de garantias e hiperpunitivismo.

Frise-se então que Roxin (2008, p. 65) claramente defende a

fragmentariedade e a subsidiariedade do Direito Penal, cujo fundamento baseado

nessa perspectiva de proteger ante riscos intoleráveis ainda deve propor que a

inserção de novos tipos penais ou de reprovabilidades contenha a primazia da

finalidade da pena, que seria justamente a de prevenir, ou seja, não seria a punição

apenas para retribuir.

O problema a partir dessa concepção seria então estabelecer ao intérprete

da norma e principalmente ao legislador quais seriam os bens jurídicos a ser

protegidos e principalmente quais seriam os riscos intoleráveis, de maneira tal que

se necessitasse do Direito Penal para atingimento da pacificação social.

E não há como separar a teoria de uma análise puramente constitucional e

social desta aferição dos riscos17, das influências sociais, culturais e de opinião

pública lato sensu – não a defendida por Habermas (2004) quando trata de

comunicatividade para a legitimação constitucional da norma jurídica, mas a opinião

pública a partir do senso comum, das interações midiáticas e de pressões que por

vezes determinam a emissão de normas puramente simbólicas.

A partir de tal teoria, emerge a discussão acerca da atual função e utilização

do Direito Penal de forma expansiva e quase que indomável pela política, como

meio muitas vezes simbólico de se comunicar com a sociedade e dizer que o

17 Os riscos da contemporaneidade são definidos por Beck (1998) como “riscos da modernização”, que se diferenciam dos riscos e perigos da Idade Média justamente pela globalidade de sua ameaça e por serem produto da maquinaria do progresso industrial. Ademais, é intrínseco a esses novos riscos um componente futuro, ou seja, relacionado com uma previsão de uma destruição/catástrofe que ainda não ocorreu, mas que se revela iminente.

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problema da violência será resolvido com maior punição, com penas mais severas,

com novos tipos penais e, enfim, novos inimigos do Estado.

No que tange à dinâmica política dos riscos, há que se demonstrar que estes

não são provenientes muitas vezes da realidade, mas da ideia social sobre a qual a

política lança seu discurso a faz toda sociedade debruçar-se sobre o assunto,

assumindo um quadro de constante alerta acerca dos riscos sociais que, segundo

Beck,

a) os riscos gerados pelo processo de modernização são muito diferente das riquezas, uma vez que eles podem permanecer invisíveis, assim como podem ser transformados, ampliados ou reduzidos conforme os interesses em jogo; b) os riscos contêm um efeito boomerang, atingindo também aqueles que os produziram (ninguém está seguro diante deles); c) esses riscos não rompem com a lógica do desenvolvimento capitalista, mas, pelo contrário, são considerados um negócio na medida em que proporcionam o aumento das necessidades da população (em especial no que que diz respeito à segurança); d) em face das situações de risco, o saber adquire um novo significado: nas situações de classe, o ser determina a consciência, enquanto nas situações de risco a consciência determina o ser; e) esses riscos reconhecidos possuem um conteúdo político explosivo: o que até então se considerava apolítico transforma-se em político (BECK, 1998, p. 29-30).

Com a evidência da sociedade de risco que se vivencia, a política passa a

administrar o medo causado e tem justamente na seara do Direito Penal um fértil

ambiente para proliferar leis que se sustentam no discurso da prevenção geral da

violência, da proteção urgente do cidadão e da necessidade de recrudescimento da

ordem com leis mais pesadas, penas mais severas e tratamento mais rígido aos

delinquentes.

E neste diapasão, a política criminal se mostra cada vez mais refém de um

pretenso medo social da violência mostrada midiaticamente e sustentada

politicamente, gerando uma demanda por mais atuação do Direito Penal na

expectativa de um maior controle e solução dessa violência dentro de uma

sociedade de riscos, ocasionando uma suplantação do estado social pelo estado

penal, numa perspectiva da chamada cultura do medo.18

18 Como consequência inafastável dos cada vez mais fortes sentimentos de insegurança e medo na sociedade contemporânea, tem-se o aumento da preocupação com as novas formas de criminalidade que se apresentam nesta realidade, notadamente as relacionadas ao crime organizado e ao terrorismo, sendo os atentados terroristas ocorridos em Nova Iorque em setembro de 2001 considerados como o estopim dessa nova doxa do medo, uma vez que expuseram ao mundo a sua

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Assim, vivenciamos hodiernamente o que Bauman (2008) propõe: a

substituição da sociedade de risco por sociedade da incerteza, na qual nos

refugiamos na esfera do Direito Penal como resposta atual e eficiente para

resolução da violência e dos riscos sociais, culminando na chamada expansão do

Direito Penal.

Viver em sociedade passa então a presumir uma essência de perigo

constante, imediato, de desconfiança não só no indivíduo, mas em determinadas

características, determinadas suspeitas que se levantam sobre comportamentos,

sobre etnias, enfim, uma sensação que compele o cidadão e legitima a lascívia

legiferante do Estado em busca da tão sonhada paz social e sensação de bem estar,

impossíveis na atualidade do medo.

Esse medo constante vem conceituado na seguinte definição:

Como la percepción que tiene cada ciudadano de sus proprias probabilidades de ser victima de um delito, aunque tambien se puede entender como la simple aprensión de sufrir um delito, si atendemos tan solo al aspecto emocional y no a los juicios racionales de esse ciudadano. De hecho, la carga emotiva suele prevalecer, pues, según numerosos estudios empíricos, el miedo al delito no se relaciona com las posibilidades reales de ser victima, esto es, no responde a causas objetivas y externas (NAVARRO, 2005, p. 04).

A modernidade, a tecnologia, a estrutura legal adotada por pessoas físicas e

jurídicas em sociedades empresárias que causam danos ou que têm essa

possibilidade, passaram a ser um desses alvos ou inimigos sociais, muito embasado

na própria dificuldade estatal de promover fiscalização e políticas públicas voltadas a

evitar e prevenir danos, depositando na esfera do Direito Penal tal esperança, desta

vez não só punindo os seus representantes, mas também a própria empresa

enquanto ente autônomo e provido não só de uma autonomia legal de existência e

capacidade.

A expansão do Direito Penal passa assim a ter um álibi dentro do próprio

anseio de uma sociedade cansada da violência que vê e sente e mais ainda com

medo da violência que se discursa politicamente, dentro de âmbitos de controle por

parte de organizações criminosas de comunidades, bairros, sistema prisional,

própria fragilidade. Como assevera Bauman (2008, p. 133), o terrorismo demonstrou, de maneira dramática, o grau de insegurança que sentimos vivendo em um planeta negativamente globalizado e o modo como a defasagem moral torna dificilmente concebível qualquer fuga do estado de incerteza endêmica, da insegurança e do medo que esta alimenta (WERMUTH, 2011, p. 29).

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administração pública, enfim, vários meios do convívio comunitário e social que

agora estão tomados pela criminalidade e que apenas o Direito Penal poderá

resolver.

Dentro desse discurso exsurge a fundamentação para proliferação de crimes

de perigo, precipuamente de perigo abstrato19, criminalização de condutas que

visam evitar cometimento de crimes mais graves, previsão de mais formas e

fundamentos de prisões processuais que acelerem a sensação de punição e retirada

do delinquente da convivência social, num discurso que se popularizou e assumiu a

opinião pública através da mídia de massa e redes sociais.

Passa-se então a punir não o ato em si e a violência ao bem jurídico

supostamente protegido, mas agora se pune a potencialidade de um ato danoso, o

risco de que ocorra um ato que venha a provocar um dano a esse bem, tornando a

prevenção geral, que antes era um fim paralelo do sistema criminal, para um

paradigma de como o Direito Penal deve agir, numa lógica de que os fins devem

justificar os meios (HASSEMER, 2003, p. 148).

Nesse contexto tem-se que o Direito Penal passou a ser um instrumento de

política, cuja resposta é rápida e contundente no controle social pois tem a força

legitimadora de restrição das liberdades individuais mais proeminentes, tendo

aumentado seu raio de intervenção de modo tal que os direitos e garantias

fundamentais ficaram relegados ao segundo plano da preocupação social.

Passou-se a exigir mais do Estado com relação ao recrudescimento das

penas e das normais penais, em contrapartida a abdicação de vários direitos

fundamentais em troca de uma pretensa sensação de segurança necessária dentro

do discurso e da proliferação do medo através da opinião pública através da mídia.20

Assim, a população gradativamente passa a se identificar com as vítimas da

criminalidade, e passa a temer tornar-se uma delas, aceitando que o Direito Penal

19 Daí a frequência de crimes de perigo, precipuamente de perigo abstrato. Os crimes de perigo abstrato nada mais pretendem senão proibir condutas que, mesmo não ligadas concretamente à realização de futuros danos – caso típico do chamado crime de perigo concreto – já correspondem por si mesmas a certa danosidade social, em razão, sobretudo, da incerteza sobre a ocorrência e a gravidade dos riscos que possam decorrer de tais condutas (CAVALCANTI, 2005, p. 162). 20 Uma das chaves da compreensão desta forte vinculação entre mídia e sistema penal pode ser buscada justamente no comprometimento das empresas que exploram o negocio de telecomunicações com o empreendimento neoliberal, o que implica a criação de determinadas crenças e consequentemente ocultação de informações que as desmintam. Nesse rumo, apresenta-se a pena como rito sagrado de solução de conflitos, como panaceia universal, cujo efeito principal é o exorcismo (WERMUTH, 2011, p. 160).

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deva agir o mais rápido, simplificando o discurso político com relação ao que fazer

enquanto política pública, trazendo como solução apenas o aumento de prisões e

punições, instrumentalizando o Processo Penal nessa direção, aceitando e

permitindo a flexibilização de direitos e garantias fundamentais, mesmo que isso

represente ser usado contra ela própria em um Processo Penal futuro.

3.1 A TEORIA ANALÍTICA DO CRIME E A QUESTÃO DA CULPABILIDADE

Justamente diante deste contexto de aumento da criminalidade, de sua

complexidade, diversificação e globalização em níveis nunca vistos, além de uma

realidade social de ausência estatal e de políticas públicas voltadas ao

enfrentamento dos incentivos à atividade ilícita através dos critérios já expostos, se

evidencia uma conduta de expansionismo do Direito Penal com a tipificação de

novas condutas muitas vezes sem sequer existir uma análise prévia de conceitos

basilares do tipo penal, tal como ocorre bastante com normas penais em branco e

ainda com delitos cujo bem jurídico protegido é incerto, como na lavagem de

capitais.

A atividade em si de lavagem de capitais tomando por base suas fases não

conota um ato que isoladamente traduza a ocorrência de um fato que atenda ao

princípio da fragmentariedade de modo tal a fazer necessária a atuação do Direito

Penal, tendo em vista que o ato isolado de usar o dinheiro proveniente de crime não

enseja novo tipo penal por si só, porém, no caso da lavagem de capitais, o legislador

preferiu tal tipificação.

Por tal motivo, imprescindível fazer uma análise mais acurada acerca do

conceito analítico de crime, para que não se fique apenas na discussão acerca do

bem jurídico protegido constitucionalmente ou na teoria do risco, mas que se discuta

de modo mais profundo os elementos estruturantes do tipo penal e se o crime de

lavagem de capitais preenche todos os requisitos para ser chamado de crime.

O conceito analítico de crime parte justamente da polêmica existente entre

doutrinadores sobre os elementos que a compõem, dividindo-se entre os que

entendem existir um conceito um conceito tripartido (teoria tripartida) e a outra que

adota o conceito bipartido (teoria bipartida).

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A divergência entre as duas teorias reside no fato de que para uma

(bipartida) o crime é um fato típico e antijurídico (ilícito), considerando a

culpabilidade apenas um pressuposto de aplicação da pena, enquanto para a outra

(tripartida) o crime é um fato típico, antijurídico (ilícito) e culpável.

Ambas as teorias sofrem influência direta das teorias da ação, de modo a

não se conseguir fazer análises exclusivas daquelas com determinada teoria da

ação, uma vez que em um caso se verifica a ocorrência do delito e a outra se

destina a verificar a sua causa.

Capez (2003, p. 110) destaca as seguintes teorias da ação: clássica,

causalista, naturalista ou mecanicista – concebida por Franz Von Liszt e defendida

por Ernst Von Beling e Radbruch, para o qual o fenômeno “crime” é estruturado e

dividido em fato típico, antijuridicidade (ou ilícito) e culpabilidade, onde o tipo

abrange os aspectos objetivos do crime, enquanto a culpabilidade se caracteriza

através de critérios de natureza subjetiva, mais especificamente o dolo e a culpa.

Esta teoria fora aperfeiçoada através da chamada teoria neoclássica ou

causal-valorativa, a qual estabeleceu um conceito normativo à teoria da ação, onde

de acordo com Gomes e Molina,

Apesar de toda ênfase dada ao aspecto valorativo do Direito Penal (que não é uma ciência naturalista, sim, valorativa), no que concerne à estrutura formal da tipicidade pouco se alterou: continuou sendo concebida preponderantemente como objetiva. A tipicidade penal, para o neokantismo, é tipicidade objetiva e valorativa. O lado subjetivo da tipicidade só viria a ser admitido (alguns anos depois) com o finalismo de Welzel (GOMES E MOLINA, 2007, p. 230).

A Teoria Finalista, criada por Hans Welzel, traz o conceito de conduta como

sendo “o comportamento humano, consciente e voluntário, dirigido a um fim. Daí o

seu nome finalista, levando em conta a finalidade do agente” (MASSON, 2010, p.

199).

Nessa teoria o dolo e a culpa passam a integrar a culpabilidade e a fazer

parte da própria conduta, motivo pelo qual integrariam o próprio fato típico, deixando

como elementos da culpabilidade apenas a imputabilidade, potencial consciência da

ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.

Já para a teoria social, o que deve ser considerado é a conduta a partir da

análise da sua relevância social para configuração do fato típico, sem que para isto

fosse desprezado o conteúdo finalístico do agir, ou seja, caso a ação do agente

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65

fosse considerada socialmente adequada não poderia ser considerada típica,

mesmo que preenchesse todos os demais requisitos inerentes ao fato típico.

Por fim, para a teoria funcional, tendo como principal representante Claus

Roxin, o fato típico passou a ser tridimensional, com uma dimensão objetiva, outra

normativa e a subjetiva. Para Gomes e Molina (2007, p. 231), “O que o

funcionalismo agregou como novidade na teoria do tipo penal foi a imputação

objetiva, que faz parte da segunda dimensão (normativa ou valorativa) do tipo

penal”.

A teoria funcional complementa a teoria finalista, uma vez que acresce uma

dimensão normativa ao fato típico que se materializa na chamada imputação

objetiva:

Do tipo penal passou a fazer parte a imputação objetiva (dimensão normativa do tipo), que se expressa numa dupla exigência: a) só é penalmente imputável a conduta que cria ou incrementa um risco proibido (juridicamente desaprovado); b) só é imputável ao agente o resultado que é

decorrência direta desse risco (GOMES E MOLINA (2007, p. 231).

Segundo Capez, para Roxin “a conduta passa a ser uma categoria pré-

jurídica (lógico-objetiva), que não pode ser entendida apenas como fenômeno causal

ou finalista, mas inserida dentro de um contexto social, ordenado pelo Estado por

meio de uma estratégia de políticas criminais” (CAPEZ, 2003, p. 125).

Já para Gomes, Eugenio Raúl Zaffaroni também contém defesa a teoria

funcional quando influencia, principalmente, na concepção de tipicidade

conglobante, quando afirma que: “O tipo objetivo decompõe-se em tipo objetivo

sistemático (requisitos formais) e tipo objetivo conglobante (que cuida da

conflitividade da conduta assim como a sua atribuição ou imputação ao agente)”

(GOMES, 2007, p. 189).

Dessa forma, chega-se à conclusão que as correntes da teoria funcional

observam o Direito Penal como um subsistema da sociedade e que por tal motivo

exerce uma função em seu benefício, cabendo ao Direito Penal inferir atuação na

busca da pacificação social, cabendo a interpretação e alusão à teoria da imputação

objetiva e ainda do próprio Direito Penal do Inimigo defendida por Günther Jakobs.

Feitas as considerações acerca da teoria da ação, vê-se agora por

necessário também uma análise sobre o próprio conceito analítico do crime a partir

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66

de suas teorias já expostas, para que assim se possa verificar dentro dos critérios

trazidos, a própria tipicidade da conduta de lavagem de capitais e as condutas

ilícitas atinentes.

Inicialmente é importante ressaltar que o a teoria tripartida de crime é

compatível com a teoria finalista, haja vista ser a que mais se aproxima de seu

pensamento, como afirma Masson (2010, p. 162)

Diversas pessoas, inadvertidamente, alegam que o acolhimento de um conceito tripartido de crime importa obrigatoriamente na adoção de uma teoria clássica ou causal da conduta. Não é verdade. Quem aceita um conceito tripartido do crime tanto pode ser clássico como finalista (MASSON, 2010, p. 162).

É de se perceber que a diferença basilar entre as teorias clássica e a

finalista reside justamente no fato de que a primeira defende que o dolo e a culpa

são parte integrante da culpabilidade, enquanto a segunda defende que ambos são

parte integrante da conduta, porém, sendo os dois totalmente compatíveis com o

finalismo.

Contudo, a doutrina hodierna traz uma evidente divisão entre finalistas

estritamente alinhados ao pensamento de Welzel, que adotam o conceito tripartido

de crime, e os finalistas que adotam o conceito bipartido.

Ademais, o que se observa é uma crescente adesão ao funcionalismo,

principalmente na vertente defendida por Claus Roxin, especialmente em virtude da

teoria da imputação objetiva, que interfere marcantemente na noção de tipicidade e

que passa constituir o Direito Penal de uma função ainda mais marcante e

necessária para a sociedade, expandindo-o.

Para Roxin (2008) o crime é composto de três requisitos: a) tipicidade; b)

antijuridicidade; e c) responsabilidade. Sob essa ótica, a culpabilidade passa a ser

elemento estruturante do crime, inserindo-se na responsabilidade. No âmbito da

tipicidade, explica Roxin que a teoria da imputação objetiva:

Em sua forma mais simplificada diz ela: um resultado causado pelo agente só deve ser imputado como sua obra e preenche o tipo objetivo unicamente quando o comportamento do autor cria um risco não permitido para o objetivo da ação (1) quando risco se realiza no caso concreto (2) e este resultado se alcança dentro do alcance do tipo (3) (ROXIN, 2008, p. 104).

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67

A consequência clara de tal teoria é justamente tornar menos importante a

discussão acerca da causalidade e da conduta emanada do agente para a atividade

criminosa, reduzindo os critérios de análise do plano subjetivo do tipo, expurgando

problemas antigos como a necessária verificação de elementos como dolo e culpa,

passando, sob a perspectiva da imputação objetiva, a ser mais facilmente

solucionados a partir da análise da tipicidade, distanciando-se nesse ponto do

finalismo.

É a teoria do risco criado a partir da conduta ativa ou omissiva do agente,

sendo desnecessário para tal fim adentrar na discussão acerca da existência do

elemento subjetivo consubstanciado no dolo ou culpa do agente, bastando para

aferição da tipicidade da conduta o risco criado pelo mesmo.

No crime de lavagem de capitais, tal teoria termina por delimitar um alcance

imenso sobre as condutas dos agentes envolvidos nas operações que perfazem as

fases da lavagem, expandindo a atuação do Direito Penal e criminalizando as

condutas mesmo sem que haja uma prévia análise da culpa ou dolo do agente,

bastando que seja comprovado que fora criado um risco para a atividade, tal como

um dolo eventual.

Esse conceito de risco proibido a ser criado pelo agente para a configuração

da tipicidade da conduta finda por ser ainda mais subjetivo para o julgador, intérprete

da norma, que a própria verificação do elemento subjetivo do dolo ou da culpa.

Em que pese o aumento da mencionada teoria na doutrina pátria, os

doutrinadores ainda mantêm elementos básicos do conceito analítico de crime,

conservando critérios como fato típico, ilicitude e culpabilidade em suas discussões,

passando apenas a fazer uma análise sob nova perspectiva, uma releitura desses

elementos.

O Código Penal Brasileiro é tido como finalista com suas premissas gerais

que são fixadas a partir do finalismo de Welzel, o que não retira dos doutrinadores

defensores da teoria bipartida ou tripartida sua importância, já que ambos são

compatíveis com a teoria finalista.

Assim, para esta linha de pensamento, só faria sentido defender que a

culpabilidade era parte integrante do crime quando era predominante o causalismo,

tendo em vista que se tinha o dolo e a culpa como componentes da noção de

culpabilidade, o que fora modificado com a predominância atual do finalismo.

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68

De outro ponto, a doutrina adepta à corrente tripartida defende que se trata

de uma impropriedade afirmar que a culpabilidade não é parte integrante do conceito

de crime, uma vez que se os demais elementos (fato típico e ilicitude) também

seriam pressupostos se assim fosse considerada a culpabilidade, não havendo

razão para tratá-la de forma diversa dos demais.

Tanto que, para Greco,

(...) se o fato não for típico ou não for ilícito (antijurídico) não se terá como aplicar pena ao agente. Segundo essa linha de pensamento, embora o código penal utilize a expressão “isento de pena” quando quer se referir às causas dirimentes da culpabilidade, tal opção legislativa não nos permite concluir que o crime seja tão somente um fato típico e antijurídico, pois tal expressão também é utilizada em dispositivos que nada têm a ver com a culpabilidade (por exemplo: art. 181 do CP) (GRECO, 2010, p. 140-141).

Em crítica à teoria bipartida, Nucci (2007, p. 118-119) assevera que com a

exclusão da culpabilidade do conceito de crime teríamos que considerar criminoso o

menor de 18 anos simplesmente porque praticou um fato típico e antijurídico ou

aquele que, sob coação moral irresistível, fez o mesmo.

Ademais, existem ainda doutrinadores que defendem a existência de uma

Teoria Quadripartida do crime, tais quais Hassemer, Muñoz Conde na Espanha,

Giorgio Marinucci, Emilio Dolcini, Battaglini na Itália e o falecido Basileu Garcia no

Brasil (NUCCI, Op. Cit., p. 167), na qual se defende que a punibilidade também seria

parte estruturante do conceito de crime, e que não havendo punibilidade, não

haveria o próprio delito em si.

Tal teoria não se sustenta, uma vez que a punibilidade reside em campo

apartado da tipicidade, haja vista que sua concepção está atrelada à possibilidade

do Estado de punir o agente criminoso que comete o delito, não deixando o ato de

se configurar crime, mas tão somente se discutindo se subsiste o poder estatal de

punir.

No entanto, não restam dúvidas de que a teoria predominante em nossa

doutrina é a teoria tripartida21; entretanto, tal definição não atinge as consequências

21 O conceito de delito ainda hoje predominante na ciência do Direito Penal (em termos internacionais, inclusive) é o tripartido (cf. Juarez Cirino dos Santos, A moderna teoria do fato punível, cit., p. 05) elaborado da seguinte forma: fato típico, antijurídico e culpável (MOLINA, 2007, p. 190-191).

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69

da tipificação da lavagem de capitais se não analisada a partir da questão da

culpabilidade.

Isto porque, se entendido como o fato de lavar capital, se caracteriza como

crime por ser fato típico inserido na norma penal e ilícito, devido a lei não enxergar o

ato em si como possível de abarcamento jurídico e não haver excludentes de

ilicitude passíveis de arguição para a prática da lavagem em suas fases, e como as

mesmas se apresentam no mundo fático, resta discutir do ponto de vista da

culpabilidade e da teoria da ação se tal fato jurídico possui lastro para fundamentar

sua tipificação, seja pela teoria finalista da pena ou pela funcional.

Sendo verificada a culpabilidade do agente, tendo este conceito fonte na

teoria funcional da pena é porque se concebe a tipificação de uma conduta

baseando-se na função social que tal ato pode causar e se seria suficiente para a

pacificação social, estabelecendo a relação entre a pena e sua função social, que

independeria de uma análise da ação do indivíduo, de seu dolo ou culpa, mas tão

somente do risco causado e da necessidade de intervenção do Direito Penal para

atingimento do escopo.

3.2 ELEMENTOS DA CULPABILIDADE E A TEORIA DA AÇÃO

Como se percebeu do item anterior, boa parte da discussão doutrinária para

a análise conceitual do crime parte do conceito e composição da culpabilidade,

assim como tem fundamento na concepção de seus elementos e definição.

Para Roxin (2008), a culpabilidade tem como principal consequência a

responsabilidade, ou seja, não basta que a conduta do autor seja considerada

reprovável, mas que a possível pena a ser imposta possa atingir seu real objetivo,

que é de prevenção, expressando uma teoria dentro da tradição jurídica do

liberalismo europeu. Preocupa-se em especificar em que consistem as

necessidades preventivo-especiais e preventivo-gerais que incidem na categoria da

responsabilidade e como aquelas são limitadas pela culpabilidade.

A crítica sofrida por Roxin por parte da doutrina reside no fato de que a

função da pena na aplicação seria incerta, o que torna a necessidade de uma pena

ou a falta de critérios uma debilidade à culpabilidade enquanto garantia individual

ante a pretensão punitiva do Estado.

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70

Já para Jakobs (2009), a culpabilidade seria um aspecto de reforço ao

Direito, atingindo sua máxima capacidade e funcionalização nas necessidades

preventivo-gerais da pena, restringindo-se a um juízo de atribuição da falta de

fidelidade ao Direito, isto é, do déficit de motivação jurídica, que deve ser punido

para manter a confiança na norma violada.

Ou seja, a culpabilidade não subsiste como uma faceta do garantismo

sugerido por Roxin, mas como uma ferramenta de justificação da finalidade

preventivo-geral da pena e, portanto, possui essa função agregadora à justificação

da lei penal.

A culpabilidade é formada por características inerentes e necessárias à sua

compreensão, para que se possa, em uma análise do caso concreto, verificar sua

existência e, assim, justificar a imputação penal.

Os elementos dogmáticos imprescindíveis à culpabilidade são a

imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude do fato e a exigibilidade de uma

conduta diversa da que fora perpetrada pelo agente.

A imputabilidade, também conhecida como capacidade de culpabilidade,

baseia-se no fato de que o autor do delito, do fato típico e antijurídico, possui as

faculdades psíquicas e físicas mínimas necessárias para motivar seus atos. Ou seja,

quando é possível atribuir o fato típico e ilícito ao agente.

Dessa forma, a inexistência de uma consciência psíquica acerca da ilicitude

do fato ensejaria a impossibilidade de imputação penal por falta de culpabilidade do

agente, mesmo que o ato ou a omissão fossem típicos e antijurídicos.

A potencial consciência da ilicitude é o elemento da culpabilidade que

determina que, para que haja punição, o agente deve ter o potencial de consciência

(discernimento) de que a conduta que praticou é ilícita, uma vez que a falta total de

discernimento leva à inimputabilidade e consequente aplicação de medidas de

segurança.

No caso da lavagem de capitais, um indivíduo que exerça determinada

função dentro da organização criminosa no sentido de investir valores que lhe são

entregues e não lhe é explicada a origem, mesmo assim cometeria tal delito se

levada em consideração a culpabilidade pelo viés da teoria funcional da pena,

enquanto a teoria que preconiza a atuação do indivíduo de maneira a analisar o dolo

e a culpa o teria como inocente, pois levaria em consideração as circunstâncias do

delito e não só os riscos criados.

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A consciência da ilicitude é a consciência que o agente deve ter de que atua contrariamente ao direito. Essa consciência, pelo menos potencial, é elementar ao juízo de reprovação, ou seja, à culpabilidade. Para que se firme a existência de culpabilidade, no entanto, basta o conhecimento potencial da ilicitude, ou seja, basta que seja possível ao agente, nas circunstancias em que atuou, conhecer que obrava ilicitamente (FRAGOSO apud FRANCO, 1987, p. 43).

Desse modo, para se obter o presente da falta de consciência de ilicitude,

deve-se provar que o agente não tinha, e nem poderia ter, consciência de que fazia

algo errado, indo contrário ao direito, mesmo que de forma parcial ou relativa,

quando, então, não se excluirá a culpabilidade, mas será apenas uma causa de

diminuição da pena a ser imposta.

A exigibilidade de conduta diversa é a possibilidade que o ordenamento

jurídico pode estabelecer como opções lícitas àquela que fora tomada pelo agente,

como preconiza, acerca da exigibilidade de conduta diversa, o seguinte:

Tal elemento da culpabilidade consiste na expectativa social de um comportamento diferente daquele que foi adotado pelo agente. Somente haverá exigibilidade de conduta diversa quando a coletividade podia esperar do sujeito que tivesse atuado de outra forma (CAPEZ apud FONTES, 2004, p. 24).

Portanto, a exigibilidade de conduta diversa considera os fatos paralelos à

conduta, tomando por premissa de responsabilização criminal do indivíduo a sua

atuação no processo criminoso, sua livre atuação e a escolha consciente e livre de

agir.

A defesa de uma teoria contrária a esta forma de responsabilização do

indivíduo recai na teoria da imputação objetiva, na esfera da análise apenas do risco

criado e cuja reprimenda se justifica socialmente dentro da função do Direito Penal

na sociedade, legitimando-o inclusive em crimes que não se consiga comprovar dolo

ou culpa do agente, como pode ocorrer na atual dicção do crime de lavagem de

capitais.

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4. O SISTEMA PENAL ACUSATÓRIO E A LEGITIMAÇÃO DA PENA PARA OS CRIMES ECONÔMICOS

A existência de um Processo Penal acusatório22 como meio para a

consecução pelo Estado de aplicação de uma pena não é algo antigo, muito menos

contendo em seu bojo central a necessidade de respeito e observância a garantias e

direitos fundamentais para os acusados que lhes possibilitem defender-se das

acusações, de modo a garantir a paridade de armas e conduzir o processo à sua

democratização.

De início, quando da formação dos Estados, o Direito Penal era apenas uma

forma de aplicação estatal de castigos oriundos do seu direito de vingança e, acima

de tudo, um pressuposto do poder do chefe do Executivo de impor-se contra quem

lhe desafiasse as regras.

Na época do Estado Absoluto, a persecução penal – mero ritual – era deduzida sem conhecimento de regras ou limites, circunstâncias que conferia azo à prática de toda sorte de arbitrariedades, como julgamentos secretos, negativa do direito de defesa, aplicação da tortura e de penas cruéis e infames. Esse absolutismo estatal, na seara punitivista, se escorava nas correntes de pensamento forjadas sob a batuta do pensamento natural ou primitivo, e das concepções religiosa e política. Para todos os efeitos, o surgimento da ciência criminal somente se deu a partir da segunda metade do século XVIII, sob a orientação do pensamento filosófico-liberal plasmado na obra Dos Delitos e Das Penas de autoria de Cesare Beccaria (SILVA JÚNIOR, 2021, p. 409).

A conquista de limitações ao poder de punir do Estado é antecedida de

muitas batalhas e de produção científica como com Cesare Beccaria, na obra

traduzida por Oliveira, “Dos delitos e das penas”, em que se vislumbra a realidade

fática da época absolutista, sendo uma obra precursora e inaugural no anseio por

um Processo Penal que não configurasse apenas um rito de passagem entre o fato

e a pena cruel a ser aplicada pelo Estado de forma discricionária.

22 Acusatório: Contraditório, público, imparcial, assegura ampla defesa; há distribuição das funções de acusar, defender e julgar a órgãos distintos. O sistema acusatório pressupõe as seguintes garantias constitucionais: da tutela jurisdicional (art. 5º XXXV), do devido processo legal (art. 5º LIV), da garantia do acesso à justiça (art. 5º LXXIV), da garantia ao juiz natural (art. 5º XXXVII e LII), do tratamento paritário entre as partes (art. 5º , caput, e I), da ampla defesa (art. 5º LV, LVI e LXII) da publicidade dos atos processuais e motivação dos atos decisórios (art. 93, IX) e da presunção de inocência (art. 5º, LVII). É o sistema vigente entre nós. Inquisitivo: é sigiloso, sempre escrito, não é contraditório e reúne na mesma pessoa as funções de acusar, defender e julgar. O réu é visto nesse sistema como um mero objeto da persecução, motivo pelo qual práticas como a tortura eram frequentemente admitidas como meio para se obter a prova-mãe: a confissão (CAPEZ, 2019, p. 85).

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Ninguém se levantou, senão frouxamente, contra a barbárie das penas em uso nos nossos tribunais. Ninguém se ocupou em reformar a irregularidade dos processos criminais, essa parte da legislação tão importante quanto descurada em toda a Europa. Raramente se procurou destruir, em seus fundamentos, as séries de erros acumulados desde vários séculos, e muito poucas pessoas tentaram reprimir, pelas forças das verdades imutáveis, os tormentos atrozes que a barbárie inflige por crimes, exemplos bem frequentes dessa fria atrocidade que os homens poderosos encaram como um de seus direitos (OLIVEIRA, 2015, p. 20).

Beccaria transcendeu a sua doutrina ao buscar dentre as concepções de

Processo Penal um procedimento que prestigiasse o ônus da prova ao Estado, a

produção de provas não viciadas ou ilícitas, a oitiva de testemunhas e, enfim, a

existência de uma proporcionalidade entre os bens jurídicos atingidos pelo ato

criminoso e a pena a ser aplicada, tomando por base o fato que as penas até então

aplicadas era desproporcionais e não externavam um sentido na prevenção geral da

pena.

Assim, vê-se claramente que os direitos basilares das garantias individuais

do cidadão acusado de um crime são conquistas e não dádivas e, portanto, devem

ser observadas e defendidas sob pena de retorno à barbárie, à vingança e à

crueldade dos tempos absolutistas, como se observará em parte do que se defende

existir o chamado Direito Penal do Inimigo.

A persecução criminal é uma prestação de responsabilidade do Estado

como um todo, que pressupõe o alinhamento da atuação dos poderes estatais de

forma dividida, organizada, mas principalmente dentro dos ditames constitucionais

estabelecidos, devendo observar-se as competências e obrigações de cada ente,

seja do poder legislativo ao elaborar e aprovar leis, do executivo ao administrar a

Polícia Judiciária e o Ministério Público e por fim o Poder Judiciário ao decidir sobre

o caso concreto.

E ao fazer essa persecução o estado constitucional separa as funções

também dos atores processuais, incumbindo-lhes competências previamente

estabelecidas e cujas regras baseiam-se na premissa de um julgamento justo,

imparcial, célere e revestido dos princípios da ampla defesa, presunção de inocência

e devido processo legal.

O sistema acusatório, por sua vez, é aquele em que a relação processual somente tem início mediante a provocação de pessoa encarregada de

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74

deduzir pretensão punitiva e, conquanto não retire do juiz o poder de gerenciar o processo, impede que o magistrado tome iniciativas que não se alinhem com a equidistância a ser tomada quanto aos interesses das partes, não lhe cabendo a gestão da prova, muito menos ainda auxiliar o Ministério Público na pretensão acusatória. Não pode complementar a obra ministerial, a pretexto de combater a criminalidade. Juiz, no modelo acusatório, não combate ou luta contra a criminalidade. Apenas julga os processos tendo em conta a pretensão acusatória exercida pelo Ministério Público, apoiada nas provas por ele produzidas, e os argumentos e provas apresentados pela defesa (SILVA JUNIOR, 2021, p. 410).

O enfrentamento aos crimes econômicos toma uma conotação ainda mais

pujante quando o Estado, agente da persecução da atividade criminosa, percebe a

sua complexidade e novos formatos de execução, necessitando de um avanço em

estratégias, tecnologia e investimentos cada vez maiores e muitas vezes

inexistentes dentro da escassez de recursos inerentes ao próprio Estado.

Com relação especificamente ao crime de lavagem de capitais, a dificuldade

de sua persecução é ainda mais latente, uma vez que a atuação em si de suas fases

não conota, isoladamente, crimes aparentes, mas sim o seu objetivo através do

cometimento do crime antecedente.

Como o crime antecedente por vezes possui uma dificuldade pelo Estado

para seu combate, como os cometidos por organizações criminosas complexas, o

tráfico de drogas, contrabando e outros crimes econômicos, a solução para o Estado

parece ser o combate ao seu resultado econômico, tipificando as condutas relativas

à reinserção dos valores obtidos com a prática criminosa ao mercado, como é o

caso da lavagem de capitais.

Além da mencionada tipificação da conduta autônoma da lavagem de

capitais, o Estado ainda promove uma série de leis processuais penais que lhe

tragam mais facilidade nesse combate, assim como leis penais que tornam mais

duras as penas e seu tratamento, com o viés de prevenção específica e geral da

pena, muitas vezes sem observar a dicção constitucional do sistema penal

acusatório e de suas garantias.

Exatamente nesse interim ingressa a importância da observância do devido

processo legal, que deve tornar a persecução criminal totalmente vinculada a todo o

ordenamento jurídico pátrio, especialmente à Constituição Federal, seguindo pelas

demais leis que devem conter em seu bojo normativo limitações significativas ao

dever-poder de punir do Estado.

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75

Cumpre aqui destacar que fora um passo importante para o Estado quando

retirou da esfera administrativa a legitimidade punitiva estatal, e passou a exercê-la

através e a partir de procedimentos previamente estabelecidos enquanto garantia do

cidadão.

Não se deve esperar do Direito Penal uma solução de justiça que abarque

um efeito regenerativo, restaurador do ponto de vista do estabelecimento total do

status quo. Ele não o fará. Ele só chegará atrasado em relação ao dano já causado,

cabendo ao Estado a punição retributiva, a prevenção geral e específica com

relação ao cometimento de outros crimes e, numa esfera mais avançada de

finalidade da pena, buscar a reintegração do agente criminoso à sociedade.

Na teoria agnóstica da pena o Direito Penal tão somente poderá castigar os

autores do crime e para o nosso ordenamento terá ainda a função de retribuir e

prevenir outros crimes dessa natureza. Será de fato suficiente?

Temos de tratar de direitos humanos e de certeza da punição para a sua

inobservância para aí sim o Direito Penal ter sentido, senão será sempre o

subterfúgio da punição só pelo castigo e o aumento da criminalidade sempre

ocorrendo de modo exponencial.

A pena de privação da liberdade pressupõe perda do Direito de ir e vir e não

da dignidade mínima e de tratamento que não retroalimente a própria violência, e

tenha reflexos a partir da formação de facções criminosas.

4.1 O DEVIDO PROCESSO LEGAL E A DEMOCRATIZAÇÃO DO PROCESSO

PENAL

Assim, o devido processo legal23 é uma conquista obtida após muita luta

pela sociedade, cuja comparação ao período absolutista demonstra cabalmente os

males de uma persecução criminal sem limites, onde a punição era uma mera

23 Consiste em assegurar à pessoa o direito de não ser privada de sua liberdade e de seus bens, sem a garantia de um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei (due processo of law – art. 5º, CF – LIV). No âmbito processual garante ao acusado a plenitude de defesa, compreendendo o direito de ser ouvido, de ser informado pessoalmente de todos os atos processuais, de ter acesso à defesa técnica, de ter oportunidade de se manifestar sempre depois da acusação e em todas as oportunidades, à publicidade e motivação das decisões, ressalvadas as exceções legais, de ser julgado perante o juiz competente, ao duplo grau de jurisdição, a revisão criminal e à imutabilidade das decisões favoráveis transitadas em julgado. Deve ser obedecido não apenas em processos judiciais, civis ou criminais, mas também em procedimentos administrativos, inclusive militares (nesse sentido: STF, 2ª T., AgRg em Agl, rel. Min. Marco Aurélio, DJU, SEC. I, 5. Fev. 1993, p. 849 (CAPEZ, 2019, p. 82).

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discricionariedade do chefe do Poder Executivo, sem a necessária observância a um

rito, muito menos um processo com garantias.

É justamente o Processo Penal através da garantia a um devido processo

legal que possibilita o estabelecimento de limites à atuação discricionária e

autoritária do Estado Juiz, que não pode mais julgar da maneira que lhe aprouver,

nem muito menos punir ao seu bel prazer, já que agora a persecução estatal está

vinculada e tem sua limitação imposta por parâmetros ético-jurídicos.

E tal importância advém não só da questão da possibilidade de aplicação de

penas severas ou de procedimentos diversos para casos semelhantes, mas sim da

própria repercussão dessas normas junto aos chamados direitos fundamentais.

A Carta Magna Inglesa de 1215 inovou no contexto da limitação do poder de

punir estatal, estabelecendo a Bill of Rights como garantia contra os abusos

praticados, na qual em seu art. 39 expressava que “Nenhum homem livre será

detido ou preso, nem privado dos seus bens, banido ou exilado, ou de algum modo

prejudicado, nem agiremos ou mandaremos agir contra ele, senão mediante um

juízo legal de seus pares ou segundo a lei da terra”.

A Quinta Emenda da Carta Magna Norte Americana foi a primeira a prever o

que chamou de due process of law já quando estabeleceu que o réu deveria ser

julgado por um júri e que não poderia sofrer limitações em sua liberdade sem um

devido processo legal.

Frise-se que esse devido processo legal fora avocado apenas para a seara

criminal e o direito de punir do Estado, para que a competência de julgar saísse das

mãos do Monarca e passasse às mãos de outra pessoa, no entanto, sem

estabelecer precisamente um procedimento ou regras explícitas.

A previsão constitucional, em especial na Carta Estadunidense, passou a

delimitar essa necessidade de previsão legal e observância dos direitos

fundamentais, saindo da esfera de uma mera limitação do poder de punir do Estado

para uma efetiva garantia fundamental do cidadão cujas declarações de direitos

robusteceram de princípios os ordenamentos jurídicos dos Estados Constitucionais.

Perceba-se que nesse interregno, os preceitos constitucionais que passam a

se vincular à necessidade de um Processo Penal constitucional, passam a se

relacionar diretamente com preceitos básicos e fundamentais do próprio ser

humano, ressaltando a dignidade da pessoa humana como preceito universal,

conforme leciona Artur Cortez Bonifácio:

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Trata-se de princípio com um visível fundamento ético que é anterior ao direito e à sua positivação na ordem jurídica, representado no valor do homem em si e na sua existência, esta afirmada com autonomia e respeito à natureza humana, mas sobretudo, plantada na consciência do reconhecimento de que todos são iguais. É nesse sentido que o homem está acima de todas as coisas e se constitui um fim em si mesmo, no estilo do imperativo categórico kantiano. É com esse perfil que a dignidade da pessoa humana é mais do que um compromisso normatizado, é uma fonte moral onde a democracia vai ganhar substância (BONIFÁCIO, 2008, p. 175).

Não se trata, portanto, de uma discricionaridade estatal o reconhecimento

dos direitos e garantias fundamentais, uma vez que todos convergem para o

corolário da dignidade da pessoa humana enquanto fim em si próprio e que deve ser

antevisto e servir de base para toda a atividade legiferante a partir de um Estado

Democrático de Direito.

A concretização dos direitos fundamentais advém de uma Constituição

dirigente e que possui força normativa a partir de sua concepção, da qual emana

toda a diretriz não só normativa, mas de atuação do Estado no ambiente de sua

atuação enquanto ente gestor e administrador da convivência social e sobre o qual

recai a responsabilidade de cumprir tais preceitos, realizando a Constituição como

afirmado por Bonifácio:

A realização da Constituição, a fim de tornar possível, num plano pragmático, esse princípio, vem confirmar que dúvidas não há quanto ao caráter jurídico e não meramente declaratório desse preceito, sendo a defesa de seu cumprimento, com sobras, passível do controle de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Trata-se de princípio que conduz e orienta as ações dos poderes públicos e de seus órgãos, legitimando-as (BONIFÁCIO, 2008, p. 175).

Os direitos e garantias mínimos estabelecidos em nossa Carta Magna estão

em consonância com o que o próprio Estado brasileiro se comprometeu em

defender e observar enquanto direitos fundamentais junto à Comissão

Interamericana de Direitos Humanos, consubstanciados no chamado Pacto de São

José da Costa Rica de 1969 e através do Decreto nº 678/92, onde expressamente,

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78

em seu Artigo 8, alínea 2, constam as garantias processuais de todo cidadão que

venha a ser acusado.24

Tais limites ao poder de punir do Estado podem ser vistos sob duas óticas, a

primeira como uma visão de normas gerais e genéricas e outra que estabelece e fixa

tais limites, o que faria do princípio do Processo Penal a observância de todas as

cláusulas constitucionais explícitas e implícitas que estreitam os limites do direito de

punir.

O Brasil só veio prever de forma expressa o devido processo legal na CF de

1988, que passou a tratar a coação estatal através do Direito Penal de uma forma

indireta, pois a consecução de uma punição passou a depender da reunião de

provas e elementos probatórios indispensáveis para a propositura da ação e só de

posse deles pedir ao Poder Judiciário o trato adequado e justo ao caso.

A adequada apuração do fato imputado ao cidadão nesta forma passa a

depender de um processo de natureza penal estabelecido como garantia

fundamental e previsto constitucionalmente o que, por exemplo, justifica que a

confissão por si só não determine a procedência do pedido acusatório uma vez que

se torna imprescindível a demonstração, por parte do órgão acusatório, de

culpabilidade do acusado.

Importante destacar que o devido processo legal não deve ser observado

apenas na fase processual ou contra o Ministério Público, mas também em relação à

fase pré-processual, ocorrendo também toda vez que a atividade investigatória, feita

24 Artigo 8º (....) 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal; b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada; c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa; d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei; f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presente no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos. g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada; e h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior. 3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza. 4. O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá se submetido a novo processo pelos mesmos fatos. 5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça.

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79

na fase do inquérito ou de processo administrativo, entra em colisão com um direito

fundamental plasmado na Constituição.

A tutela jurisdicional prestada estabelecerá como o devido processual deve

ocorrer, uma vez que este não é único ou imutável. Na esfera criminal este princípio

merece uma observância ainda mais apurada diante das consequências possíveis à

liberdade, contudo, podendo haver casos de sua flexibilização ou mesmo mudança

de aplicação, como no exemplo da revisão criminal onde não se deve observar o

princípio da não culpabilidade e das medidas de urgência com relação ao

contraditório prévio, ampla defesa ou publicidade dos atos.

Problemas surgem quando da necessidade de medidas cautelares, tais

quais prisões processuais, produção de provas que dependam de invasão aos

direitos fundamentais como a privacidade e proteção aos dados, como nos casos de

prisões preventivas, quebra de sigilos, interceptações telefônicas, busca e

apreensões, nas quais alguns direitos fundamentais como a ampla defesa, o

contraditório e até mesmo a liberdade passam a ser postergados até momento

processual ulterior.

Cumpre aqui destacar que mesmo havendo esta abreviação e antecipação

de atos que por vezes flexibilizam direitos fundamentais, não se pode dizer que

houve inobservância à não culpabilidade, uma vez que o investigado ou acusado

não pode, para tanto, ter seu tratamento igualado ao de um culpado, nem ter nas

decisões cautelares elementos de antecipação de culpa e muito menos da própria

pena.

O devido Processo Penal também deve ser observado para aplicação e na

fomentação de penas alternativas e medidas descriminalizantes ou de extinção da

persecução penal e não apenas nos processos que preveem pena de prisão,

passando o Processo Penal a ter não somente um papel punitivo, mas também um

viés democrático com uma função de tornar-se mínimo e buscar impor penas de

prisão tão somente para aqueles cujo ordenamento jurídico não contemple outras

perspectivas como as penas alternativas, suspensões condicionais do processo,

acordo de não persecução penal ou mesmo a própria não incidência do Direito

Penal.

Assim o devido processo legal deve estar presente em todos os aspectos da

prestação jurisdicional, seja ela de âmbito punitivo ou não, assim como deve ocorrer

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nas medidas alternativas à prisão como no ocaso da suspensão condicional do

processo.

Por óbvio que não se pode aderir a discursos de que a diminuição do

controle estatal sobre a punição através do Direito Penal ou a diminuição de sua

incidência sobre os meios punitivos é uma forma de fomentação da violência através

da impunidade, como que se fosse uma verdadeira desídia estatal.

Os meios alternativos, adequados ou mesmo não punitivos de resolução

democrática de questões criminais vão contra justamente ao que se qualificou nesse

trabalho como expansão punitivista ou hiperpunitivismo estatal, uma vez que tais

meios por vezes podem conter muito mais eficiência na recuperação do bem jurídico

protegido pelo Direito Penal que a própria incidência da pena de prisão em si.

O sentido democratizante desse modelo de justiça flexibiliza o sentido da

obrigatoriedade da ação penal, tornando a possibilidade de aplicação de medidas

despenalizantes restritivas uma forma de realizar justiça sem as amarras de uma

pena, como ocorre com a transação penal e agora com o Acordo de Não

Persecução Penal (ANPP), em que não há discussão acerca da culpa do indivíduo.

Da simples leitura, resta claro que a lei deixou uma janela imensa de ajuste entre as partes, mas que não deve ser vista como ilimitada, pois os parâmetros estão justamente no respeito dos direitos e garantias fundamentais do acusado. Ainda que não haja uma pena privativa de liberdade, existirão outros prejuízos a serem suportados pelo acusado, seja na restrição de direitos, seja na restrição de bens. A atenção para os termos do pacto é uma outra decorrência importante da natureza penal material do ANPP (SILVA E MARTINELLI, 2020, p. 71).

Essa nova sistemática processual tem por finalidade justamente tratar no

âmbito da privação da liberdade apenas os casos cuja eficiência das medidas

despenalizadoras ou desencarceradoras não forem suficientes, o que para casos de

crimes econômicos pode ser muito mais eficiente para reparação de danos,

recuperação de bens, adequação de atos pessoais, enfim, fatores que podem

ensejar ao acusado mais eficiência para a retribuição de uma pena e para a própria

vítima uma satisfação.

Assim, o juiz deve primeiro buscar alternativas para despenalizar a conduta

e, só na hipótese de não ser possível, passar à análise meritória de aplicação de

pena propriamente dita, sendo imprescindível ressaltar que não se pode confundir

os institutos pelo fato de algumas medidas restritivas serem coincidentes, uma vez

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81

que suas naturezas jurídicas são totalmente diferentes, já que em uma há a extinção

da punibilidade e na outra é o próprio cumprimento de uma reprimenda que

pressupõe declaração de culpa.

4.2 A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO ENQUANTO DIREITO

FUNDAMENTAL

A celeridade e economia processuais enquanto persecuções da justiça

criminal se justificam tanto pelo fato de que a sociedade não pode esperar muito

tempo por uma resposta estatal à persecução criminal de quem em tese cometeu e

pode continuar cometendo delitos (prevenção), como também o próprio acusado

necessita de uma resposta, pois pode estar sendo acuado indevidamente ou mesmo

queira logo cumprir aquilo que seja determinado e se ver livre da mácula de um

Processo Penal.

Finalmente, visando atender à determinação contida no Pacto de São José da Costa Rica e no art. 5º, LXXVIII, que ordena a razoabilidade da duração do processo e os meios que garantam a sua celeridade, foram promovidas algumas reformulações no Código de Processo Penal no tocante ao procedimento (leis 11.689/2008 e 11.719/2008), sobressaindo o princípio da oralidade do qual decorrem vários desdobramentos (CAPEZ, 2019, p. 73).

O prazo razoável de duração do processo é um direito subjetivo do réu,25

assim como uma questão de política e justiça social reconhecida como direito

fundamental, não se concebendo a perpetuação de um processo, nem sua

procrastinação, mesmo o acusado em liberdade, pelo fato de que a existência de um

Processo Penal já é uma mácula à própria individualidade do cidadão, cuja marca se

25 De acordo com o art. 8º do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos, promulgada pelo Decreto n. 678, de 6-11-1992), são garantias judiciais: “1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. Muito embora no Brasil já acolhêssemos o princípio da celeridade processual com base no Pacto de São José da Costa Rica, a EC n. 45/2004 cuidou de erigi-lo expressamente em garantia constitucional, “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (CAPEZ, 2019, p. 71-72).

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82

prolonga e perpetua no tempo diante das consequências sociais advindas da

simples existência de uma acusação de natureza criminal que vire um processo.

Acostumou-se na praxe forense brasileira a tecer o entendimento de que os

prazos processuais deveriam ser rigorosamente cumpridos e observados tão

somente quando o réu estivesse preso, e a extrapolação dos prazos seria

considerada apenas para a caracterização de constrangimento ilegal à sua

liberdade, ensejando em direito a reconhecimento de tal ilegalidade através de

habeas corpus, pelo chamado “excesso de prazo”.

Tal entendimento não se coaduna com o sistema penal acusatório, que

prestigia os direitos fundamentais e garantias processuais em sua integralidade,

levando em consideração as consequências causadas pelo simples fato de uma

pessoa estar respondendo a um processo criminal.

Certamente, os diversos níveis de complexidade de uma causa são

determinantes na duração do processo, não se podendo exigir de todos os

processos a mesma duração e os mesmos cumprimentos de prazos, muitas vezes

servindo os prazos processuais como impróprios e de parâmetro para verificação de

duração não razoável para os atos praticados.

Aqueles contra o crime organizado, existindo inúmeras conexões, pessoas

envolvidas, dificuldades de produção de provas e até mesmo para realização de

atos processuais, não podem ser resolvidos com a mesma rapidez que se espera

quando se trata de um furto simples, sob pena de incorrer em outras ilegalidades

como a obtenção de provas por meios ilícitos, ferimento ao contraditório e ampla

defesa, por exemplo, tudo em nome de uma celeridade.

Inconcebível, no entanto, é ter processos que por vezes recaem em

prescrição da pretensão punitiva antes da sentença penal condenatória, ou em que

a prisão processual se estenda por tempo superior até mesmo à possível pena do

acusado. Ou mesmo em que a distância de tempo entre a realização de atos

processuais enseje excesso na manutenção de medidas cautelares, seja de prisão

ou mesmo alternativas à prisão, previstas no artigo 319 do CPP, por tempo superior

ao razoável para sua realização.

Por vezes a manutenção de um Processo Penal por tempo desarrazoado

tem a conotação de cumprimento de pena de modo antecipado, no caso de prisões

cautelares por tempo demasiado e sem uma reanálise de sua necessidade. Só

agora com o advento da Lei 13.964/2019 se determinou que as prisões preventivas

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83

sejam reavaliadas a cada 90 dias e que contenha justificativa e fundamento em fatos

contemporâneos à razão invocada para a manutenção da custódia.

Isso é um real ganho para o processo democrático e o sistema acusatório

que respeita e observa tais diretos fundamentais, pois, em tese, impede uma

manutenção de custódia cautelar por tempo demasiado sem uma necessária

reanálise de seus fundamentos, e que tais fundamentos não sejam sempre os

mesmos ocorridos em outro tempo passado que não mais persista.

Tal fato também contribui para que o Magistrado não demore em aprazar

audiências de instrução, especialmente de réus presos preventivamente sob a

justificativa de conveniência da instrução criminal, haja vista que, em tese, o motivo

da custódia se encerra com a realização da instrução, o que seria do interesse do

acusado e do próprio judiciário.

Portanto, um dos meios de melhorar tal cenário é justamente rever e melhor

aplicar os critérios e requisitos para decretações de prisões cautelares como a

prisão preventiva; reestruturar o Poder Judiciário para uma diminuição de tempo

entre o oferecimento da denúncia e a realização da audiência de instrução; além de

verificar meios de análise e julgamento de recursos de forma tal que o processo não

se perpetue e se perca em infindáveis artimanhas jurídicas em recursos protelatórios

que impedem o trânsito em julgado e, portanto, a consolidação da pena.

Ademais, outro meio eficiente no combate dos crimes econômicos, como a

lavagem de capitais, seria uma maior incidência de acordos de não persecução

penal de acordo com o art. 28 do Código de Processo Penal (CPP), que

possibilitaria toda uma economia processual e maior eficiência no resultado da

aplicação de seus termos e condições a serem cumpridas pelo acusado.

Os prazos previstos nas normas, apesar de não peremptórios, servem de

baliza e parâmetro para uma análise com relação à duração razoável do processo, o

que deve valer não só para o processo como um todo, mas para todas as medidas

que ensejam limitações às liberdades e direitos fundamentais como a prisão

preventiva, interceptação telefônica e outras, devendo-se levar em consideração o

caso concreto, sua complexidade e a necessidade da medida pelo prazo suficiente.

Como se percebe, dentro da concepção de um Processo Penal acusatório

está todo um sistema interligado de princípios e regras que determinam a

observância e respeito das garantias e direitos fundamentais sob pena de nulidade

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do processo e consequentemente o próprio fracasso da persecução criminal pelo

Estado.

De tal concepção extrai-se que o sistema penal acusatório não se limita à

aplicação do Processo Penal e suas regras e princípios, mas principalmente a

interpretação de suas normas e aplicação aos casos concretos em conformidade e

na hermenêutica da Constituição Federal e de seus princípios e direitos

fundamentais.

A partir de tal conceito e execução hermenêutica, o intérprete da norma terá

totais condições de conduzir o Processo Penal de modo a conseguir atingir o anseio

social de um Estado que não permite que se fira bens jurídicos protegidos, mas que

garante aos seus cidadãos meios de se defender com dignidade e respeitando

direitos e garantias individuais para se chegar a uma decisão justa e uma pena que

atinja sua finalidade.

4.3 A FINALIDADE DA PENA E SUA EFICIÊNCIA NOS CRIMES ECONÔMICOS

A principal característica do Direito Penal é justamente a justificação

legitimadora do poder estatal de punir, o qual durante o Absolutismo era ilimitado e

que na evolução histórica dos seus conceitos e funções, principalmente na ideia de

garantismo penal conquistada pelo constitucionalismo e ainda mais no pós-grande

guerra, atingiu a limitação do poder punitivo, atribuindo garantias fundamentais,

passando a considerar o Direito Penal fragmentário como a ultima ratio.

Com tal acepção hodierna do poder de punir, advém também a perspectiva

da finalidade da pena a ser aplicada ao agente criminoso, seja ele um indivíduo ou

pessoa jurídica.

Uma das principais características da pena é a sua necessária

individualização, tomando por base a conduta do agente, sua culpabilidade e as

elementares de cada caso concreto, indicando uma necessária aplicação de penas

concretas a cada fato e após o devido processo legal.

No direito pátrio a pena possui, conforme art. 59 do Código Penal, dupla

finalidade, ou seja, a retribuição e a prevenção, sendo esta subdividida em

prevenção geral e específica. Ou seja, a pena a ser aplicada de forma

individualizada deve respeitar a intenção de atingir a finalidade de conseguir retribuir

ao agente proporcionalmente o dano causado e ainda de prevenir que ele próprio

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85

venha a cometer novos delitos e que o restante da sociedade também se sinta

desestimulada a cometer delitos.

O modelo garantista reconhece que a pena, por seu caráter aflitivo e coercitivo, é em todo um mal, que não cabe encobrir com finalidades filantrópicas do tipo reeducativo ou ressocializador e de fato em último termo aflitivo. Ainda sendo um mal, contudo, a pena é justificável se (se somente se) se reduz a um mal menor com relação à vingança ou a outras reações sociais e se (e somente se) o condenado obtém com ela o bem de que se subtrai dos castigos informais imprevisíveis, incontrolados e desproporcionais (FERRAJOLI, 2006, p. 337).

Em que pese a discussão atual acerca da falência da pena, especialmente

de prisão no Brasil, por justamente não conseguir atingir tais finalidades e em alguns

casos se assemelhar até mesmo com a era da vingança ou mesmo dos suplícios,

cabe discutir a funcionalidade da pena para fins de tipificações penais, por exemplo,

no crime de lavagem de capitais, o qual, como já dito anteriormente, contém em sua

premissa o enfrentamento a crimes antecedentes e não propriamente o crime de

lavagem em si mesmo.

Há, portanto, como afirma Baratta (2002), uma clara correlação entre o

garantismo penal e a intervenção mínima do Direito Penal, tendo os direitos

fundamentais uma dupla função, sendo uma negativa que limita o poder de atuação

do Estado no Direito Penal e uma positiva que define a atuação do próprio Direito

Penal.

No que tange o objeto deste trabalho, a discussão reside exatamente se

com relação ao crime de lavagem de capitais as penas aplicáveis atingem alguma

destas finalidades determinadas para todos os tipos de pena, ou se são inócuas

devido aos fatores de objeção, desde os critérios de proteção ao bem jurídico, o

conceito analítico de crime e por fim a finalidade ou funcionalidade da pena.

O problema reside exatamente quando o Direito Penal se afasta dessa

premissa de enfrentamento à criminalidade dentro de sua fragmentariedade e com a

finalidade posta da pena de acordo com a atuação do indivíduo, sua culpabilidade e

a perspectiva de prevenção específica, e passa a contemplar o distanciamento

desse escopo e exercer uma função política tal qual se expõe:

É nessa quadra de movimentos retribucionistas e de velocidade que o distancia do garantismo, que o Direito Penal flerta com crises que podem deslegitimá-lo perante a sociedade que o criou, se não integralmente, mas pelo menos em importante parcela. Deflagra-se nesse contexto uma

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cruzada contra o que conjunturalmente está eleito como “o lado mau” e para debelá-lo a melhor forma é a antecipação e o rigor, com renúncia e esquecimento de garantias individuais conquistadas – já foi dito isso logo acima – que passam de apanágio da civilização para obstáculo das ações do Estado contra a criminalidade, conforme diz Winfried Hassemer, circunstância que leva o pensador tedesco a propor uma modulação do Direito Penal que ele próprio chamou de “Direito de Intervenção”, na linha do que se convencionou chamar de Direito Administrativo Sancionador, com regras e garantias processuais plásticas, de modo a tornar a investigação mais eficiente, pois sem muitas dilargações próprias das garantias rígidas, desde que assegurado ao acusado a imposição de penas mais suaves, geralmente diversas da prisão (restritivas de direitos, pecuniárias, etc.) (CARVALHO (2020, p. 53)

Justamente sobre essa concepção de prevenção geral impositiva ligada à

funcionalidade da pena é que reside a doutrina do Direito Penal do Inimigo,

idealizada pelo alemão Günther Jakobs, na qual hoje se encontra boa parte do

embasamento jurídico e filosófico para a expansão do Direito Penal como meio de

exercer uma função social da pena a partir da identificação de riscos e inimigos,

flexibilizando direitos e garantias individuais em nome desse enfrentamento,

trazendo inovações legais que ferem tais direitos fundamentais.

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5. DIREITO PENAL DO INIMIGO NO ENFRENTAMENTO À CRIMINALIDADE ECONÔMICA: OS REFLEXOS NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Nesse momento, o que se busca é analisar a partir do enfoque do

denominado Direito Penal do Inimigo como se dá a ideia de seu idealizado na

forma de instrumentalização do indivíduo e do Direito Penal na sociedade

hodierna, tomando por ponto de partida de sua filosofia especialmente os ataques

terroristas ocorridos em Nova Iorque (2001), Madri (2003) e Londres (2005), que

trouxeram à tona novas discussões acerca do papel do Estado no enfrentamento

de riscos incapazes de serem previstos dentro de uma política criminal “racional”.

Tais atos denotam nas sociedades modernas uma nova preocupação que

atinge diretamente qualquer cidadão, independentemente de classe social, raça,

credo ou outro tipo de distinção, trazendo uma discussão globalizada acerca de um

tema único que é a segurança.

A instabilidade e o descontrole trazidos por este tipo de violência que são

os atos terroristas terminam por potencializar a figura do medo na coexistência em

sociedade, atribuindo ainda mais responsabilidades à figura da repressão ao crime

pelo Estado, tornando vulneráveis as conquistas da própria democracia, sobretudo

no que tange o respeito aos direitos fundamentais.

E com esse efeito o medo passa a tomar conta da sociedade não só com

relação ao terrorismo, mas ao próprio aumento da criminalidade delinquente, o que

torna a função apaziguadora do Estado cada vez mais complexa e difícil, uma vez

que a sociedade exige, por parte do Estado, uma política criminal com maior

severidade nas leis para uma utópica tranquilização de segurança social e “bem-

estar”.

Com os atentados terroristas ocorridos em Nova Iorque no dia 11 de

setembro de 2001 não só os Estado Unidos como também outros países do mundo

começaram a identificar cada vez mais próxima de si a possibilidade de ataques

daquele nível de audácia e violência, especialmente contra a maior potência

mundial em termos de democracia, poder bélico e segurança nacional.

A partir de então, além da busca de explicações ao ataque terrorista o

mundo passa a se questionar acerca dos meios de se defender e especialmente

prevenir novos ataques, iniciando-se uma discussão sobre como as legislações

estariam preparadas para tal confronto.

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Ambos (2006) explica como exsurge a teoria iniciada por Günther Jakobs

em 1985, mas que só veio ganhar força em termos de influência jusfilosófica com

os referidos atentados, uma vez que inovava na percepção acerca de conceitos

basilares de um Estado Democrático de Direito por trazer novas concepções

acerca do que seriam cidadãos e inimigos do Estado, e que os mesmos poderiam

ter tratamentos diferentes dentro de um mesmo espaço, período histórico e em um

momento de vigência constitucional democrática.

Para Zaffaroni (2007, p. 21), “a negação jurídica da condição de pessoa ao

inimigo é uma característica do tratamento penal diferenciado que lhe é dado, porém

não é a sua essência, ou seja, é uma consequência da individualização de um ser

humano como inimigo”.

Para Jakobs (2009, p. 25), o Direito Penal do Inimigo teria como conceito:

(...) são regras jurídico-penais que, como suas correlatas, as regras do Direito Penal do Cidadão, somente são concebíveis enquanto tipos ideais. (...) o Direito Penal do Inimigo é, essencialmente, violência silenciosa; o Direito Penal do Cidadão é, sobretudo, comunicação sobre a vigência da norma.

Desta forma, “não se trata de contrapor duas esferas isoladas do Direito

Penal, mas de descrever dois polos de um só contexto jurídico penal”

(JAKOBS apud BINATO JÚNIOR, 2005, p. 21).

Em sua teoria sobre o Direito Penal do Inimigo, Jakobs propõe duas formas

de tratamento penal à população de um determinado Estado, sendo uma voltada

para quem ele denomina de “cidadão”, com tratamento mais leve devido sua

adequação ao modelo normativo estatal e cuja delinquência está inserida nessa

sociedade, e outro modelo de tratamento penal bem mais severo, direcionado a

quem foi denominado “inimigo”, ou seja, voltado para aqueles que agem de forma

a negar o ordenamento jurídico e a vida em sociedade.

Para Jakobs, os inimigos não garantem certo comportamento, sendo

imprevisíveis e dispostos a atos extremos de violência, e por tal motivo não podem

ou merecem ser tratados como cidadãos e devem ser combatidos, na acepção da

palavra, como inimigos e excluídos da sociedade como meio único de estabelecer

a segurança social e do perigo posto ser finalmente subjugado e eliminado.

Dessa forma, imprescindível destacar que tal aplicabilidade da filosofia

replicada na teoria do Direito Penal do Inimigo pode trazer consequências drásticas

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ao ordenamento do Estado Democrático de Direito, pois, apesar de vir sob a

perspectiva de combate à violência emergente e perigosa, tem também o condão

de flexibilizar a anular direitos e garantias fundamentais a tanto custo

conquistadas, denotando uma necessária análise de novas maneiras de pensar e

agir contra a megacriminalidade.

O que se percebe logo é a completa oposição entre o Direito Penal do

Inimigo e o chamado “garantismo penal”, demonstrando claramente ser uma teoria

própria de regimes autocráticos, cujos direitos fundamentais dos cidadãos não são

aplicados de forma isonômica, muito menos se garantindo liberdades individuais

fundamentais, objeto de tanta luta e conquista da sociedade que convive diante do

Estado Democrático de Direito.

Outrossim o Estado de Direito é quem garante a ordem através da

observância aos direitos fundamentais dos cidadãos, assinalando para tal fim

vedações legais e obrigações aos poderes do Estado:

(...) de um lado as vedações legais de suprimir ou limitar, senão nas formas e nos casos taxativamente previstos, a liberdade pessoal, a inviolabilidade do domicílio e da correspondência, a liberdade de opinião, os direitos de reunião, de livre associação, de culto e de circulação; de outro, as obrigações de remover as desigualdades sociais, de promover condições que tornem efetivo o direito ao trabalho, de proteger as minorias linguísticas, de assegurar a instrução e a saúde, de manter e assistir os inaptos ao trabalho e quantos forem desprovidos de meios de subsistência (FERRAJOLLI, 2006, p. 792).

Assim a intervenção estatal desmedida e ilimitada sob a justificativa do

combate à criminalidade como resposta punitiva à criminalidade comum, produz

por si só uma seleção inócua dos agentes de risco, que se transpassa na luta

contra a periculosidade do indivíduo com determinadas características, excluindo

garantias fundamentais do cidadão sob a justificativa de purificação social.

O problema vai ainda mais além, pois para se estabelecer a aplicabilidade

do Direito Penal do Inimigo, deve-se ainda estabelecer critérios para identificação e

seleção desses inimigos, sob pena de uma generalização e abstração para que as

pessoas que ocupam o poder estatal escolham discricionariamente e de acordo

com seus interesses quem são e quais medidas punitivas devem ser tomadas,

fazendo do Direito Penal uma potente arma política.

Nesse contexto, a atuação legiferante do Estado deve ser analisada a

partir de balizas sólidas sobre quais aspectos as influencia, se lastreadas diante do

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garantismo penal ou se diante do Direito Penal do Inimigo, escolhendo inimigos e

atuando de forma a ferir direitos e garantias fundamentais. Cumpre refletir, ainda,

sobre como isso pode vir a interferir nas leis penais de um Estado Democrático de

Direito e consequentemente na sociedade que passa a exigir cada vez mais uma

atuação positiva do Estado na esfera penal e um tratamento cada vez mais severo

aos que rotulou como inimigos, de quem retirou a característica de cidadãos ou até

de pessoas.

Assim, é imprescindível analisar se dentro desse contexto social brasileiro

de aumento exponencial da violência, insatisfação social com a atuação estatal

nesse enfrentamento e o discurso repetido de que existe impunidade e que esta é

a causa do aumento da criminalidade e dos riscos sociais, exsurge um ambiente

fértil para legislação baseada no Direito Penal do Inimigo.

Como já bem referido anteriormente, tal teoria não encontra respaldo

expresso na Carta Magna de 1988, a qual elenca no seu art. 5º, como cláusulas

pétreas, os principais direitos fundamentais e garantias do cidadão, dentre as quais

o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal, a duração razoável do

processo e a presunção de inocência.

Na idealização de Jakobs, a sociedade deve abdicar de parte de sua

liberdade individual e desses direitos fundamentais constitucionalmente previstos

para em prol da funcionalidade do Direito Penal os inimigos serem eliminados à

qualquer custo, aumentando assim a sensação de segurança e de bem estar social

promovidos por uma maior intervenção estatal através da persecução criminal.

Como já tratado, o Brasil adotou o chamado Processo Penal acusatório, o

qual tais princípios basilares da Constituição federal devem não somente ser

preservados, mas cumpridos no Processo Penal de modo geral e abstrato e não

através da escolha entre cidadãos e inimigos, sob pena de nulidade processual.

A interpretação e construção das normas de acordo com os preceitos

constitucionais devem ser garantidas pelo julgador e pelos poderes constituídos

dentro da repartição dos poderes outorgados pelo povo e por ele inseridos na Carta

Magna, não comportando comportamentos que busquem, através da persecução

penal, afrontá-los sob a justificativa de que esta seria a melhor forma de implementar

políticas criminais de combate à crescente criminalidade.

Com o aparato estatal, estruturas judiciais e policiais postas à disposição da

persecução criminal, não se justifica o caminho por “atalhos” para se conseguir fins

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justificando quaisquer meios, menos ainda quando estamos tratando de Processo

Penal, o qual possui uma dimensão de dano ainda maior a quem está sendo

submetido a uma acusação criminal cujas consequências sociais são ainda piores.

Diante de tais pontos, tem-se que as normas de natureza punitiva e de

persecução criminal devem em seus pressupostos de criação, sanção e na

interpretação da sua aplicabilidade ao caso concreto serem submetidas à

hermenêutica conforme os preceitos, princípios e regras constitucionais do sistema

penal acusatório, jamais pelo Direito Penal do Inimigo, como se percebe em alguns

aspectos do ordenamento jurídico pátrio e na aplicação do direito nas decisões

judiciais.

5.1 DIREITO PENAL DO INIMIGO NO ENFRENTAMENTO AO CRIME DE

LAVAGEM DE CAPITAIS

O ordenamento jurídico pátrio, por natureza, possui preponderância de sua

aplicação lastreada na teoria do Direito Penal do Fato, tendo como principal escopo,

com a pena, a retribuição e a prevenção específica e geral para cometimento de

novos delitos, como se infere da simples leitura do artigo 59 do código penal pátrio26.

A periculosidade do agente e as questões que antecedem o cometimento do

crime e que são levadas em consideração no Processo Penal ainda que não ligados

diretamente ao crime em julgamento, são previamente estabelecidos e servem como

meio de se preponderar circunstâncias para aumento e diminuição da reprimenda,

como por exemplo, a reincidência e a primariedade, respectivamente27.

26 Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm) (grifo nosso). 27 Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) I - a reincidência; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984); Art. 67 - No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).

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Outrossim, a Lei 7.210/1984 (Lei de Execuções Penais) também utiliza,

ainda que tacitamente, a mesma lógica, quando estabelece, em seu artigo 5228 a

reincidência do apenado e a garantia da ordem interna do estabelecimento prisional,

como critérios relevantes para seu ingresso no Regime Disciplinar Diferenciado

(RDD) e ainda como requisito de cálculo para atingimento de benefícios penais

como a progressão de regime de cumprimento de pena.

A Lei 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos), que possui um tratamento de

endurecimento ao agente criminoso, traz consigo um rol taxativo de delitos

considerados hediondos, cuja escolha partiu exclusivamente do legislador que

escolheu quais tipos penais seriam “merecedores” de tal recrudescimento legal,

muitos em claro atendimento ao anseio e clamor público advindos de casos de

grande repercussão midiática, ocasionando clara seletividade para a escolha dos

“inimigos”, o que repercute na consequência da exclusão desse rol de outros

“favorecidos” no jogo do uso político das normas penais.

Dentro desse cotejo merece uma comparação com outros crimes não

inclusos no rol dos crimes hediondos, cujas consequências sociais de seus atos são

devastadoras para a sociedade brasileira, mas que não possuem um tratamento

dado aos “inimigos” eleitos pelo Estado na concepção de crimes hediondos e que

merecem tratamento mais severo e preventivo, fazendo um contraponto entre o

“Direito Penal do Inimigo x Direito Penal do Amigo”, como, por exemplo, nos crimes

contra a administração pública, os quais permitem a celebração de acordo de “Não

persecução penal” (artigo 28 – A, CPP), além dos crimes contra a ordem tributária

que permitem a aplicação de institutos “despenalizadores” mais favoráveis aos

28 Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasionar subversão da ordem ou disciplina internas, sujeitará o preso provisório, ou condenado, nacional ou estrangeiro, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019); § 1º O regime disciplinar diferenciado também será aplicado aos presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019); I - que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) II - sob os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, independentemente da prática de falta grave. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019); § 3º Existindo indícios de que o preso exerce liderança em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou que tenha atuação criminosa em 2 (dois) ou mais Estados da Federação, o regime disciplinar diferenciado será obrigatoriamente cumprido em estabelecimento prisional federal (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).

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delinquentes, pois terá extinta a punibilidade no caso de quitação da dívida tributária

mesmo após a sentença penal transitada em julgado.

Dentro dos critérios de escolha do inimigo pelo Direito Penal na Teoria de

Raúl Zaffaroni, alinha-se o Direito Penal pátrio ainda com o Direito Penal do Inimigo

de Günther Jakobs quando em parte de seu ordenamento, além de escolher o

inimigo, em outros casos ainda atribui-lhe tratamento de inimigo da sociedade,

retirando-o direitos fundamentais e flexibilizando garantias constitucionais.

5.2 LEI DE COMBATE ÀS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS E A COLABORAÇÃO

PREMIADA

Tomando por base a realidade do sistema penal brasileiro, o tráfico de

entorpecentes é um dos crimes mais cometidos e responsáveis pela lotação

carcerária brasileira, conforme relatório de informações penitenciárias29, emitido pelo

Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN).

Tal criminalidade está relacionada ao avanço e aumento da atuação de

organizações criminosas e representa um excelente exemplo do que se diz como

inimigo do Estado para fins de direcionamento de políticas criminais, especialmente

voltadas à aplicação da Teoria do Direito Penal do Inimigo segundo a visão de

Jakobs, cujo direcionamento de leis penais específicas, aumento e recrudescimento

das penas, tratamento mais severo em execução penal e ainda o aumento abrupto

de prisões processuais demonstram e buscam justificar a política criminal e

intimidadora utilizada hodiernamente.

Com o advento da Lei 12.850/13 e posteriormente do chamado Pacote

Anticrime da Lei 13.964/2019, a legislação avançou no enfrentamento ao crime

organizado e era estimada uma queda do índice da prática delitiva aludida. Todavia,

ocorreu justamente o contrário, considerando o aumento desenfreado das

organizações criminosas na prática dos mais diversos tipos penais, o que traz à tona

as lacunas deixadas pelo legislador e falta de sanções justapostas, possivelmente

alinhadas à Teoria de Jakobs.

Destarte, para esta espécie de criminosos, não importa o quão forçoso seja

o legislador ou a pena imposta a tal delito, o delinquente contumaz irá praticá-lo

29 Disponível em: <https://www.gov.br/depen/pt-br/assuntos/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf>. Acesso em: 08 fev. 2021.

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compulsoriamente. Em mais uma tentativa infrutífera para frear o crescimento de tal

espécie criminosa, o Pacote Anticrime, sancionado pelo Presidente Jair Bolsonaro

em 2019, incrementou o crime de organização criminosa ao status de crime

hediondo, quando praticado com finalidade de prática de tais crimes, ou equiparado

a estes, como dispõe o Inciso V do § Único do art. 1 da Lei 8.072/90.

A Lei 12.850/2013 traz a possibilidade da utilização do mecanismo da

colaboração premiada, como expressa o inciso I do seu art. 3º30, como meio legítimo

de obtenção de prova.

Nesse viés, é nítida a intenção de otimizar o tempo instrutório do processo, e

robustecer o poder estatal na persecução penal com meios que possibilitem aos

próprios acusados produzirem as provas que dentro de um processo comum

acusatório caberia tão somente ao autor da ação penal a incumbência de produzir,

por meios lícitos e irrefutáveis.

Dentro da chamada Teoria dos Jogos aplicada ao Processo Penal31, a

colaboração premiada se utiliza do chamado “dilema dos prisioneiros”32 para

30 Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova: I - colaboração premiada;

31 A Teoria dos Jogos será invocada como instrumento de análise ampliado, sendo utilizada em cada processo, isoladamente no seu respectivo contexto. Propicia a formulação de expectativas de comportamento estratégico, partindo-se do pressuposto de ações racionais. Tendo em vista que o objetivo do processo é a decisão favorável e, portanto, essa é a estratégia dominante dos jogadores, as táticas manejadas serão direcionadas à sua otimização. O meio para modelar esse jogo são as informações disponíveis, tanto no que se refere à qualidade, quanto à quantidade, incidentes em cada contexto. Para tanto, ainda indicarei os payoffs, isto é, os possíveis ganhos e perdas das consequências do resultado (recompensas). Ciente, ademais, de que no Processo Penal, embora haja desacordo quanto às estratégias, a luta por convencer os jogadores e o terceiro não comprometido (o julgador imparcial), acontece na linguagem (ROSA, 2018, p. 56). 32 Qualquer que seja a ação do outro, cada prisioneiro obtém um resultado melhor para si se confessar, isto é, se não cooperar com seu parceiro. Imaginemos que o prisioneiro A confesse. O prisioneiro B pode confessar e ambos pegam 10 anos de prisão, ou não confessar e pegar 12 anos de prisão; o melhor é confessar. Se A não confessar, B pode confessar e ficar livre, ou não confessar e pegar 2 anos de prisão. Mais uma vez, o melhor é confessar. O que quer que A faça, o melhor resultado individual para B é confessar, isto é, não cooperar e entregar o companheiro. O mesmo raciocínio vale para A. o que há de paradoxal nessa situação, no entanto, é que ao buscar o melhor benefício individual, ambos chegam a um resultado pior que do que aquele que teriam obtido se tivessem cooperado. De fato, se ambos confessarem, ambos terão uma pena de 10 anos, e se nenhum dos dois o fizer, ambos terão uma pena de 2 anos. Há um conflito entre o cálculo do benefício individual e o melhor resultado coletivo: se julgarmos que a decisão racional é aquela que leva o maior benefício individual, dois agentes que tomassem suas decisões seguindo um cálculo racional não conseguiriam o melhor resultado. Dito de outro modo, se ambos os jogadores confessarem, cada um irá piorar o resultado obtido do que aquele obtido se não confessar, mas é possível atingir uma solução melhor para ambos se ambos desistirem de confessar (PIMENTEL, 2007, p. 12).

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estabelecer critérios de benefícios e prejuízos aos jogadores (acusados) envolvidos,

de modo tal que os mesmos são levados a colaborar sob pena de não sabendo o

que os demais acusados farão com as propostas realizadas, terem suas penas bem

piores em relação a quem de fato colaborar.

Para autores como Fonseca (2017), a colaboração premiada durante a

persecução penal teria origem no plea bargain do sistema penal norte americano,

cuja atuação na negociação penal é mais abrangente que no sistema brasileiro,

assim como deixa evidente a utilização da teoria dos jogos aplicada ao Processo

Penal por se tratar claramente de jogos não cooperativos, conforme Rodrigues

(2021, p. 92).

Tal estratégia adotada pelo Estado na persecução criminal de grandes

operações no combate às organizações criminosas, especialmente contra crimes

econômicos como a lavagem de capitais, termina por se utilizar cada vez mais de

táticas que iniciam com mandados de busca e apreensão e prisões temporárias que

visam justamente, além de prender indivíduos investigados, separá-los e a partir daí,

estabelecidos os jogadores, traçar estratégias de buscar a colaboração premiada

sob a perspectiva de que o(s) outro(s) acusado(s) também têm tal benefício ao seu

alcance e que se um confessar e o outro não, este último terá tratamento penal mais

severo.

Em que pese sua previsão legal, a colaboração premiada, especialmente do

acusado preso, deve ser analisada com mais minúcias dentro da perspectiva da

espontaneidade com que se pressupõe a colaboração, uma vez que dentre suas

exigências está não só a confissão, mas também a contribuição para desmonte da

organização e entrega de outros acusados que tenham ou não realizado

colaboração também.

Nessa ótica vê-se que o instituto da colaboração premiada é um instrumento

muito forte de persecução criminal, cujo trabalho do Estado responsável pela

persecução penal é mostrar os benefícios e também os seus perigos diante da

possiblidade dos demais não colaborarem com seus companheiros de crime, e isto é

uma forma de coação que pode modifica substancialmente o requisito maior da

delação, que seria a voluntariedade real, e não imaginária ou fictícia.

Ressalte-se ainda o tratado no inciso I, §4º, art. 4º da lei supracitada, cujo

teor legal expressa que se o indivíduo não for líder de organização criminosa e

resolva colaborar, de modo eficaz, com as investigações mediante a “delação

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premiada”, poderá se eximir do oferecimento da denúncia, caso o Parquet assim

entenda, demonstrando-se a força de persuasão existente na lei a fim de aferir ao

indivíduo investigado e muitas vezes já preso, o induzimento/coação à colaboração

e não apenas a instigação para a espontaneidade.

A ciência da defesa dos demais acusados da existência de colaboração, de

seu teor, dos benefícios penais estabelecidos e especialmente das provas

colacionadas é o mínimo que se espera de observância dos princípios

constitucionais com a ampla defesa e o contraditório.

5.3 A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E A ANTECIPAÇÃO DE CULPA PELA

PRISÃO PROCESSUAL

A regra constitucional estabelece a liberdade como regra, sendo a

incidência da prisão processual uma excepcionalidade, só tendo espeque quando

se fizer imprescindível, conforme defende, dentre outros, Tourinho Filho (1998, p.

451).

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, LVII, consagra o princípio

da presunção de inocência, dispondo que “ninguém será considerado culpado até o

trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, destacando, destarte, a

garantia do devido processo legal, visando à tutela da liberdade pessoal e

prestigiando, também, o princípio da não culpabilidade.

Ainda, o art. 8º, I, do Pacto de São José da Costa Rica, recepcionado em

nosso ordenamento jurídico (art. 5º, § 2º da CF/88– Decreto Executivo 678/1992 e

Decreto Legislativo 27/1992), reafirma, em sua real dimensão, o princípio da

presunção da inocência, in verbis: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que

se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.33

33 Artigo 7º. (...) 1. Toda pessoa tem direito à liberdade e á segurança pessoais. 2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas dos Estados-Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas. 3. Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários. 4. Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da sua detenção e notificada, sem demora, da acusação ou acusações formuladas contra ela. 5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, á presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condiciona a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. 6. Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem

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Dito isto, verifica-se que as prisões devem ocorrer, ou para cumprimento da

reprimenda estabelecida em sentença penal condenatória transitada em julgado, ou

ainda diante do preeenchimento dos requisitos ensejadores das cautelares, seja a

prisão em flagrante, a prisão temporária e a prisão preventiva.

No presente trabalho, mais diretamente ao assunto proposto, tem-se a

preocupação especialmente com a utilização da prisão preventiva como meio de

antrecipação de cumprimento de pena e quando se confude, dentro de sua

fundamentação, a garantia da ordem pública com os argumentos postos de uma

verdadeira sentença penal condenatória.

A esse respeito preleciona Capez:

Consoante a Sumula 9 do STJ34, a prisão provisória não ofende o princípio constitucional do estado de inocência *CF, art. 5º, LVII), mesmo porque a própria Constituição admite a prisão provisória nos casos de flagrante (CF, art. 5º , LXI) e crimes inafiançáveis (CF, art. 5º, XLIII). Pode, assim, ser prevista e disciplinada pelo legislador infraconstitucional, sem ofensa à presunção de inocência. Como poderá, no entanto, ser decretada quando preechidos os requisitos de tutela cautelar (periculum in mora e fumus boni iuris). Nesse sentido dispõe o art. 312 do CPP que a prisão preventiva poderá ser decretada: (i) para garantia da ordem pública, da ordem econômica, para conveniêcia da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal (periculum in mora) + (ii) quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria (fumus boni iuris). Não existe prisão preventiva obrigatória, pois, nesse caso, haveria uma execução antecipada da pena privativa de liberdade, violando o princípio do estado de inocência. Se o sujeito for preso sem necessidade de se acautelar o processo, tal prisão não será processual, mas verdadeira antecipação da execução da pena, sem formação da culpa e sem julgamento definitivo (CAPEZ, 2019, p. 340).

A medida cautelar só deverá prosperar diante da existência de absoluta

necessidade de sua manutenção e caso subsistam os dois pressupostos basilares

de todo provimento cautelar, ou seja, o fumus bonis juris e o periculum in mora. Há

que haver a presença simultânea dos dois requisitos, de modo que, ausente um, é

demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura se a prisão ou a detenção forem ilegais. Nos Estados-Partes cujas leis prevêem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa. 7. Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.

34 A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2005_1_capSumula9.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2021.

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98

ela incabível.

O art. 316 do código de Processo Penal dispõe que “o juiz poderá revogar a

prisão preventiva se, no decorrer do processo, verificar a falta de motivo para que

subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que justifiquem”.

Com a introdução da Lei 12.403, de 04 de maio de 2011, verifica-se que o

Processo Penal brasileiro recebeu expressivas modificações, especificamente no

que se refere à prisão cautelar, antes do trânsito em julgado de sentença

condenatória, respeitando o que dispõe a nossa Carta Magna.

As novas medidas cautelares têm preferência sobre a decretação da prisão

preventiva. O juiz pode optar por uma ou mais cautelares concomitantemente,

sempre justificando sua decisão. A nova redação do art. 319 do CPP35 preve um rol

não exaustivo de medidas cautelares diversas da prisão como meio de controle

jurisdicional sobre a liberdade individidual para garantia de acautelamento do

processo sem a necessidade de custódia do acusado.

Como visto, a reiteração de decretações de prisões preventivas alicerçadas

sob o fundamento da garantia de ordem pública36 terminam por demonstrar, em

35Art. 319 - I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII – fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX – monitoração eletrônica. 36 A prisão cautelar é decretada com a finalidade de impedir que o agente, solto, continue a delinquir, não se podendo aguardar o término do processo para, somente então, retirá-lo do convívio social. Nesse caso, a natural demora da persecução penal põe em risco a sociedade. É caso típico de periculum in mora. O clamor público não autoriza, por si só, a custódia cautelar. Sem periculum in mora não existe prisão preventiva. O clamor público nada mais é que uma alteração emocional coletiva, provocada pela repercussão de um crime. Sob tal pálio muita injustiça pode ser feita, até linchamentos (físicos ou morais). Por essa razão, a gravidade da imputação, isto é, a brutalidade de um delito que provoca comoção no meio social, gerando sensação de impunidade e descrédito pela demora na prestação jurisdicional, não pode por si só justificar a prisão preventiva. “O simples juízo valorativo sobre a gravidade genérica do delito imputado ao recorrente, assim como o volume de drogas apreendidas – cerca de 105 gramas – ou o clamor social não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão cautelar, se desvinculados de qualquer fator concreto ensejador da configuração dos requisitos do art. 312 do CPP” (HC 211.700/CE, 2011/0152555-5, Dje, 24/02/2012) (CAPEZ, 2019, p. 341).

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verdade, um meio de justificação social para a opinião pública, fundamentando

decisões com base na periculosidade abstrata do agente, pelas consequências

danosas do delito ou pela brutalidade da conduta, sem, entretanto, demonstrar

concretamente onde reside o receio da reiteração delituosa que determine a real e

irrestrita necessdade de custódia cautelar, em verdadeira antecipação de pena,

própria do Direito Penal do Inimigo.

Outro fator que contribui sobremaneira para a aceitação e decretações

ilegais de prisões preventivas sob o argumento genérico da ordem pública

enquanto exteriorização do clamor público é a chamada espetacularização do

Processo Penal que se dissemina no Brasil de modo a transformar o Processo

Penal num atrativo social do cotidiano.

Os meios de comunicação subsistem com a finalidade precípua de obter

lucros através da audiência, o que em tempos hodiernos se torna ainda mais

possível através da transmissão de programas sobre asssuntos da atividade polciial

no combate à criminalidade.

Dentro dessa enxurrada de informações diárias, importante destacar que

nem tudo é revestido da mais fidedigna veracidade, isso porque a intenção é atrair

o público com aquilo que o apetece. Assim, usualmente a mídia estampa notícias

repletas de sensacionalismo, alterando os dados da realidade social, distorcendo-a,

explorando a dor e o sofrimento e destravando a sensação de que a sociedade está

em risco, que o telespectador está em constante perigo, implantando na sociedade

um sentimento de insegurança, chamdo de “cultura do medo”.

Essa sensação provoca na sociedade um clamor por mais punição, por

menos tolerância e garantias, por medidas de urgência e emergência para frear

essa violência crescente e que bate à sua porta. Isso provoca uma pressão sobre

os poderes constituídos, seja no Legislativo para aprovação de leis mais severas,

seja no próprio Judiciário para decisões que não deixem transparecer impunidade

ou incentivo à prática delituosa, fazendo com que, por vezes, o Judiciário apresente

medidas e decisões que servem para acalmar a população, mas não correspondem

às garantias constitucionais postas ao acusado. Dessa forma a mídia transmite ser

a única a estar ao lado do povo, dando a entender que ela pressiona o Poder

Judiciário a fazer justiça (TERNES, 2010, p. 194).

Não se deve confundir democracia com clamor social ou simplesmente a

opinião pública. A democracia é acompanhada da certeza de cumprimento dos

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100

preceitos constitucionais, onde, apesar da importância dos anseios sociais, a mera

opinião pública direcionada pela espetacularização do Processo Penal não pode

reger e interferir no Poder Judiciário, seja na decisão do juiz, dos jurados ou quem

estiver com o poder decisivo em suas mãos.

A respeito do Direito Penal do Inimigo e sua relação com a mídia, Souza

(2010) relata que pretensão dos meios de comunicação com a informação do fato

delituoso é “a concretização da teoria funcionalista-consequencial da decisão

judicial que só promove a eficácia do Direito Penal quando aplica uma sanção

exemplar, qual seja, a segregação e neutralização do acusado. E que não havendo

isso, gera na sociedade um sentimento de frustração, que chega a duvidar da

própria legitimidade do Judiciário.

A rotulação do agente criminoso na mídia como monstro, psicopata,

desumano, criminoso, determina sobre o Poder Judicário uma pressão exposta pela

sociedade, transformando-o em inimigo e justificando quaisquer burlas ao sistema

penal acusatório e consequentemente aos direitos e garantias fundamentais do

cidadão.

Dessa forma, como pontuam Leonardo Silva e Kime Temeljkovitch (2018),

não deve-se fazer distinção ou exceção de quem é cidadão e quem é inimigo,

devendo ser dado a todos as mesmas garantias e igual tratamento e que, muito

embora o Direito Penal do Inimigo seja uma ideia atraente, se mostra perverso e

conduz o Estado ao autoritarismo, devendo, pois, ser combatido.

5.4 CONFISCO ALARGADO

O Escritório da Organização das Nações Unidas sobre drogas e crime –

UNODOC divulgou dados acerca da lavagem de dinheiro fruto de crimes ligados ao

crime organizado do tráfico de drogas, no qual estima-se que o total de dinheiro

lavado em um ano seja de 2% a 5% de toda a riqueza produzida globalmente, em

torno de 800 bilhões a 2 trilhões de dólares37, o que para o referido órgão representa

o rápido desenvolvimento das informações financeiras, tecnologia e comunicações

que possibilitam a fácil e rápida movimentação para qualquer lugar do mundo,

37 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Escritório da Organização das Nações Unidas sobre drogas e crime. Money-Laundering and Globalization. Disponível em: <https://www.unodc.org/unodc/en/money-laundering/globalization.html>. Acesso em: 22 mai. 2021.

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tornando o enfrentamento à lavagem de capitais um desafio enorme e de

competência global e mais urgente do que nunca.

Essa mesma globalização que permitiu velocidade na troca de informações,

tecnologias e aproximação entre os países, também possibilitou uma expansão da

chamada criminalidade econômica de forma tal a também internacionalizar as

organizações criminosas, que em outros tempos eram mais restritas aos territórios

nacionais, se desenvolvendo com maiores obtenções de lucros nos países menos

preparados para seu enfrentamento.

Segundo Linhares apud Costa (2019, p. 03), “Agora, o crime ultrapassa as

fronteiras e busca, acima de tudo, os locais onde possa obter maior compensação,

notadamente quando considerados os aparatos formais dos Estados e as demandas

impostas ao seu enfrentamento”.

Dentro dessa perspectiva de aumento de criminalidade organizada, exsurge

nos países a atenção e a necessidade de criação de políticas criminais eficientes,

não só ligadas aos crimes principais e antecedentes, mas também no coração da

organização, que é seu financiamento, surgindo, assim, meios como o Confisco

Alargado.

O Confisco Alargado não é uma criação da legislação brasileira e está

previsto em diversas recomendações de tratados internacionais com o intuito de dar

aos Estados mais armas e maior potência de atingimento sobre o que financia e

move a atividade criminosa, que é o lucro.

A repressão estatal sobre os crimes antecedentes à lavagem de capitais não

vem surtindo os efeitos desejados, mostrando cada vez mais a diversificação e

desenvolvimento da criminalidade, estabelecendo a necessidade de novas

estratégias que atinjam de forma eficiente seu escopo, especialmente do ponto de

vista preventivo.

Nesse sentido é o pensamento de Andrade:

É pacífico o entendimento de que políticas de combate ao crime devem incluir instrumentos tanto preventivos quanto repressivos, sendo que a repressão efetiva cria, no plano preventivo, uma perspectiva de certeza, proporcionalidade e celeridade da punição pelo mal causado. Contudo, nos crimes de colarinho branco e em organizações criminosas, a ameaça ou mesmo a execução de penas privativas de liberdade, tout court, não são suficientes para punir, inibir ou desestimular seu cometimento. Na realidade, a experiência vem revelando que a prisão de integrantes das grandes organizações criminosas não tem sido suficiente para neutralizar suas atividades, nem mesmo o seu crescimento, especialmente e principalmente

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em razão da fungibilidade de seus membros e da ausência em nosso sistema de ferramentas capazes de enfrentar o aspecto financeiro (ANDRADE, 2020).

Referido instituto, ao retirar do agente as vantagens patrimoniais adquiridas

pelo crime, visa a promoção de uma “asfixia financeira” a tais delinquentes,

possibilitando, portanto, a inibição dessas condutas criminosas. Nesse sentido é o

enunciado nº 01 da Diretiva 2014/42 da União Europeia:

(…) para prevenir eficazmente e combater a criminalidade organizada haverá que neutralizar os produtos do crime, alargando, em certos casos, as ações desenvolvidas a quaisquer bens que resultem de atividade de natureza criminosa (UNIÃO EUROPEIA, 2014).

Diante desta necessidade de atuação preventiva, surgiram diversos tratados

internacionais em que os países signatários se comprometiam a envidar esforços

para o efetivo enfrentamento a este tipo de criminalidade, dentre os quais podemos

citar a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias

Psicotrópicas - Convenção de Viena, promulgada no Brasil pelo Decreto 154/199138,

a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado - Convenção de

Palermo, promulgada no Brasil pelo Decreto 5.015/200439 e a Convenção das

Nações Unidas contra a Corrupção - Convenção de Mérida, promulgada no Brasil

pelo Decreto 5.687/2006.40

Em que pese tais institutos jurídicos próximos do Confisco Alargado

existirem na União Europeia e nos Estados Unidos com o mesmo objetivo de

recuperar ativos oriundos de crimes, a sua escalada dentro do enfrentamento à

criminalidade não pode atropelar direitos fundamentais conquistados.

No Brasil, os institutos anteriormente existentes se limitavam aos efeitos

específicos e genéricos da sentença penal condenatória elencados nos artigos 91,

38 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0154.htm>. Acesso em: 14 ago. 2021. 39 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm>. Acesso em: 14 ago. 2021. 40 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/decreto/d5687.htm>. Acesso em: 14 ago. 2021.

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103

9141e 9242 do Código Penal, dos quais o Confisco Alargado seria então mais um tipo

de confisco aos já previstos, quais sejam, o confisco clássico ou tradicional e o

confisco por equivalência.

O confisco tradicional ou clássico se caracteriza pela perda, em favor da

União, dos instrumentos do crime (instrumenta sceleris), dos produtos do crime

(producta sceleris) e de qualquer bem proveniente dos fatos criminosos, não se

estendendo aos demais bens pertencentes ao acusado, o qual encontra-se

positivado no art. 91, II do Código Penal.

Outrossim, com o advento da Lei 12.964/2012, houve o acréscimo dos

parágrafos primeiro e segundo ao artigo 91 do Código Penal, estabelecendo mais

um tipo de confisco, qual seja, confisco por equivalência, o qual passou a prever a

possibilidade de decretação da perda de bens de origem lícita quando houver bens

ilícitos equivalentes não encontrados ou localizados no exterior.

Ou seja, passou a ser possível atingir bens do acusado e da organização

criminosa, porém, até o equivalente dos bens produtos ou instrumentos dos crimes,

aumentando o campo de atuação do Estado sobre os bens, passando ainda a lei a

41 Art. 91-A. Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a

6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos

bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja

compatível com o seu rendimento lícito. § 1º Para efeito da perda prevista no caput deste artigo,

entende-se por patrimônio do condenado todos os bens I - de sua titularidade, ou em relação aos

quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos

posteriormente; e II - transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a

partir do início da atividade criminal. § 2º O condenado poderá demonstrar a inexistência da

incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio. § 3º A perda prevista neste artigo deverá ser

requerida expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com

indicação da diferença apurada. § 4º Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da

diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada. § 5º Os instrumentos utilizados

para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em

favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não

ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco

de ser utilizados para o cometimento de novos crimes.

42 Art. 92 - São também efeitos da condenação: I - a perda de cargo, função pública ou mandato

eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos

crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b)

quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais

casos. II – a incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela ou da curatela nos crimes

dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder

familiar, contra filho, filha ou outro descendente ou contra tutelado ou curatelado; III - a inabilitação

para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso. Parágrafo único - Os

efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na

sentença.

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104

prever medidas cautelares de apreensão e uso de bens oriundos de crimes para

que, após eventual sentença penal condenatória, se decretasse a perda/confisco.

Por fim, com a vigência da Lei 13.964/2019, adveio o terceiro tipo de

confisco, o alargado, o qual passou a prever a possibilidade de decretação da perda

dos bens do condenado correspondentes à diferença entre o seu patrimônio total e

aquele correspondente com seus rendimentos lícitos, desde que preenchidos

determinados requisitos, previstos no art. 91-A ao Código Penal brasileiro.

O Confisco Alargado permite o perdimento de bens supostamente oriundos

de crimes com penas máximas superiores a seis anos de reclusão, em favor da

União e dos Estados, a depender da competência jurisdicional, prevendo um cálculo

matemático para determinar o valor do patrimônio a ser atingido, restringindo seu

alcance aos bens de sua titularidade ou sobre os quais possua domínio direto ou

indireto na data da infração, ou recebido posteriormente, e bens transferidos a

terceiros de forma gratuita ou irrisória a partir do início da atividade criminosa.

Aqui entra justamente a discussão acerca da influência do Direito Penal do

Inimigo e as flexibilizações com relação aos direitos e garantias fundamentais, uma

vez que o ordenamento passou a prever que caberá ao condenado demonstrar a

inexistência de incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio.

Em que pese a execução do confisco requerido pelo autor da ação penal

após a sentença penal condenatória, o ônus de comprovar a origem lícita e os

valores patrimoniais envolvidos passa a ser de responsabilidade do condenado, em

total afronta ao princípio do ônus da prova e da própria presunção de inocência.43,

pois a origem dos bens que o Ministério Público não conseguiu provar sua

procedência ilícita, nem que foi produto de crime, mesmo assim passa a ter

presunção de ilicitude e estar apto ao Confisco Alargado.

No entanto, parte da doutrina que defende a constitucionalidade do Confisco

Alargado no seu formato atual argumenta que na verdade existe um processo, ainda

que sumário, de imputação dos bens a serem confiscados, e que o condenado tem a

possibilidade de se defender, não havendo afronta à ampla defesa, presunção de

inocência ou inversão do ônus da prova. Apesar da exigência de prova além de

43 SANTOS, Juarez Cirino dos; SANTOS, June Cirino dos. Reflexões sobre o Confisco Alargado. Boletim IBCCrim, V. 23, N. 277, p. 23-24, São Paulo, dez./2015; LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2020; BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

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105

qualquer dúvida razoável para a condenação processual penal, outros standards

probatórios – reduzidos – seriam permitidos durante as diversas fases da

persecução penal. É o caso do instituto.44

Entretanto, o instituto do confisco em seu modo genérico já é, por si só,

indesejado e desconforme com a própria Constituição Federal de 1988, quando em

seu art. 150, IV, expressa que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e

aos Municípios utilizar tributo com efeito de confisco, justamente por perceber que a

propriedade é um direito fundamental e cuja invasão sem razoabilidade,

proporcionalidade e sem um devido processo legal configura inconstitucionalidade.

A existência do confisco alargado no combate ao crime organizado passa a

ser, dessa forma, uma burla ao preceito constitucional sob a interpretação de que a

Constituição só proibiria tal instituto na seara do Direito Tributário e dentro da função

fiscal do Estado, permitindo-se, assim, sua utilização na persecução penal, o que

não é verdade.

Dessa forma, o confisco alargado se apresenta como verdadeira forma de

mascarar a incidência do Direito Penal do Inimigo, quando se apresenta como

verdadeira forma de antecipação de pena, atingimento desproporcional da

propriedade e inversão inconstitucional do ônus da prova, afetando e ferindo

sobremaneira princípios como a vedação ao confisco, a presunção de inocência e a

ampla defesa.

5.5 DA AUTONOMIA DO CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS E AFRONTA AOS

DIREITOS FUNDAMENTAIS

Apesar da premissa de discussão acerca da existência ou não de um bem

jurídico constitucionalmente relevante que necessite de proteção do Direito Penal,

que bem seria esse e qual a interpretação feita para sua defesa, surge ainda a

problemática exposta com relação à interpretação dada ao que seria sua autonomia,

mesmo que em sua própria tipificação se exija a ocorrência de uma infração penal

44 VIEIRA, Roberto D’Oliveira. Confisco Alargado: Aportes de Direito comparado. Inovações da Lei Nº 13.964, de 24 e Dezembro de 2019. Revista do Ministério Público Federal, vol. 7, Brasília, 2020; ANDRADE, Fernando Rocha de Andrade. Confisco Alargado. Revista Semestral da Procuradoria da República no Rio Grande do Norte, Ano 1, V. 1, jul./dez. 2019; CARDOSO, Luiz Eduardo Dias. A inversão do ônus da prova na decretação da perda alargada: entre o Código Penal e a Lei n. 11.343/06. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, V. 6, N. 2, p. 799-832, Porto Alegre, mai./ago. 2020.

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106

antecedente.

Tal entendimento fora externado e positivado no art. 2º, II da Lei 12.683/12, a

qual permite, além do processamento independente dos crimes de lavagem e seu

antecedente, a faculdade do julgador em analisar critérios meramente subjetivos

para a reunião dos processos em conexão, como se a previsão expressa contida no

art. 1º da mesma lei não determinasse, por si só, que para configuração da

materialidade é necessário, além da prática dos verbos do tipo penal, que os valores

sejam “provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”.

De uma primeira discussão surge a problemática de que a própria lei trouxe

em seu texto normativo a determinação de que o crime de lavagem de capitais se dá

exatamente em virtude da ocorrência ou proveniência desse capital “lavado”, de uma

infração penal anterior.

Daí se extrai a primeira interpretação acerca dessa antecedência - sobre a

qual hoje inexiste discussão doutrinária e jurisprudencial -, que seria o fato de que,

antes da modificação legislativa, a lei exigia para tipificação do crime de lavagem a

ocorrência ou mesmo indícios de cometimento de crimes previstos em um rol

taxativo, restringindo sobremaneira a aplicação de entendimentos judiciais diferentes

da literalidade legal, tendo a modificação legal, além de retirado o rol taxativo,

modificado o termo “crimes antecedentes” para “infração penal antecedente”, que

aumentaram de forma subjetiva a possibilidade de denúncia por lavagem de dinheiro

por qualquer ato previsto em todas as formas de tipos penais, seja crime ou mesmo

contravenção, sem adstrição a um rol.

Contudo, a discussão hermenêutica que se sugere neste momento é acerca

da interpretação dada à autonomia do crime de lavagem em relação a essa infração

penal antecedente, à luz da interpretação dos artigos 1º e 2º da Lei de Lavagem de

Capitais.

Para tal fim, necessário esclarecer e discutir algumas formas possíveis de

aplicação hermenêutica da norma e a concretização de direitos e garantias

fundamentais, especialmente no âmbito penal.

Nessa esteira, torna-se necessário analisar o entendimento jurisprudencial

acerca do processamento do crime de lavagem de dinheiro e perceber de forma

prática como os Tribunais vêm enfrentando a matéria, traduzindo-se, ainda que

sinteticamente, no sentido de que o crime de lavagem de dinheiro é autônomo e seu

processamento independe do processamento do crime antecedente, atendendo à

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107

dicção do art. 2º II da Lei 12.683/12, violando sobremaneira os direitos e garantias

fundamentais do acusado, quando permite uma acusação sem comprovada

materialidade e autoria do crime antecedente e inviabiliza a ampla defesa e o

contraditório sobre todos os pontos que remontam ao fato criminoso.

Sobre o tema, vale fazer uma análise da Súmula Vinculante nº 2445, que

estabelece como condição de procedibilidade de inquérito policial para apurar crime

contra a ordem tributária o lançamento definitivo do crédito tributário.

Para Badaró e Bottini (2012), caso não ocorra nenhuma mudança na

interpretação da jurisprudência, abrir-se-á a possibilidade do agente ser investigado

por inquérito policial sem antes ter sido auferido o valor devido no crime fiscal

antecedente, respondendo processo pelo crime de lavagem de dinheiro, o que, no

entender de Badaró e Bottini, contraria o texto legal.

Em outro pórtico, analisando a necessidade hodierna de interpretação das

normas em conformidade com a Constituição, em uma hermenêutica constitucional,

defende o professor Silva Junior (2015, p. 276) que as normas processuais tenham

e passem pelo trabalho do intérprete da norma e especialmente de sua aplicação ao

caso concreto através de uma hermenêutica constitucional, dentro do ato de

compreensão jurídica, atribuindo à hermenêutica o papel fundamental não só de

alcançar o sentido da norma, mas também das expressões jurídicas. Ela serve de

bússola no sentido de guiar o intérprete por meio de parâmetros que servem de

orientação para o exercício da arte de interpretar.

Dentro dessas limitações ao poder de punir do Estado estabelece-se o

devido Processo Penal46 como base e objetivo da aplicação da norma processual

45 Processual penal. Habeas corpus. Sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, crime contra o sistema

financeiro e formação de quadrilha. writ substitutivo de recurso ordinário. não cabimento.

conhecimento. […] alegação de ofensa à súmula vinculante 24/STF. ausência de lançamento

definitivo do crédito tributário na esfera administrativa. investigação, também, de crimes autônomos à

sonegação fiscal (formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e crime contra o sistema financeiro).

prosseguimento. possibilidade. organização articulada e dedicada à ocultação de tributos federais

sonegados. criação de empresas de “fachadas” integradas por sócios “laranjas”. operações

destinadas a lesar o fisco. procedimento administrativo-tributário. inexistência. desconhecimento, pela

autoridade administrativa, dos valores sonegados. constrangimento ilegal. ausência. (Superior

Tribunal De Justiça, Sexta Turma, HC 243.889/DF, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Data do

Julgamento: 14/05/2013) (grifo nosso). 46 As garantias constitucionais penais, enunciadas em forma de princípios na Constituição, apresentam-se como limitações ao exercício do direito de punir, no que diz respeito não só à aplicação da sanção penal como também à forma mediante a qual se busca demonstrar a responsabilidade do agente. O devido processo legal, representado pelo conjunto das normas

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108

penal e atribuindo tal escopo para fins de persecução penal sem que haja

casualismo no procedimento, e que sejam garantidos os direitos fundamentais,

independentemente do tipo penal, da gravidade do delito e da periculosidade do

agente, agregando:

Por mais repugnante e hediondo que seja o comportamento daquele que violou a norma penal, ainda assim, na persecução quanto à aplicação da pena, só poderá o Estado agir dentro dos parâmetros gizados desde a Lei Fundamental. Os contornos da atuação do Estado no sentido de buscar a responsabilidade criminal estão plasmados nas garantias constitucionais e perfazem o que se convencionou chamar de devido processo legal. Sem a observância dessas regras, a atuação jurisdicional se dá fora do perfil do Estado Democrático Constitucional, modelo escolhido pela Constituição de 1988 (SILVA JÚNIOR, 2015, p. 277).

Ora, resta evidenciado que mesmo para a norma vigente, seja ela de Direito

Penal ou Processual, deve o Poder Judiciário, ao interpretar e aplicar, observar não

só o texto estático, mas o querer da norma constitucional, observando sempre e

precipuamente os direitos e garantias fundamentais, afastando e adequando as

normas que contra a ordem constitucional se imponham.

Assevera o doutrinador que o Processo Penal é o instrumento pelo qual o

Poder Judiciário irá aplicar as normas de natureza penal, motivo pelo qual ele

também é um limitador do poder de punir do Estado e deve sofrer tais influências e

adequações em sua aplicação ao caso concreto, como bem pontuou:

Se o Processo Penal regula o direito-dever de punir do Estado na perspectiva democrática, ele é um instrumento de tutela dos direitos fundamentais do cidadão. Nessa visão, embora o processo sirva de instrumento para que o poder público, tendo em mira manter ou restaurar a ordem social, exercite a persecução criminal com autoridade e legitimidade, por outro lado, ele tem como principal missão estabelecer os limites do uso da força estatal na busca da punição do agente infrator (SILVA JÚNIOR, 2015, p. 262).

As decisões judiciais dos Tribunais Superiores convergem ao entendimento

da autonomia do crime de lavagem de dinheiro de modo tal a dispensar não só a

constitucionais processuais penais, na qualidade de regras que devem ser observadas pelo Estado no exercício do direito de punir, tem a feição de garantia aos direitos mais importantes do cidadão que, em suma, traduzem-se no direito à vida, à liberdade, à intimidade e à honra, seja nas relações com o poder público, seja nas relações interpessoais (SILVA JÚNIOR, 2015, p. 277).

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109

comprovação da ocorrência do crime antecedente, mas também para permitir o

curso da persecução penal com indícios mínimos de sua autoria sem que haja para

o autor da ação penal a obrigação sequer de relatar os fatos que aponta serem

concernentes ao crime antecedente47.

47 PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. MEMBRO DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. PRELIMINAR. DELAÇÃO ANÔNIMA. NULIDADE.INOCORRÊNCIA. TEMA 990 DE REPERCUSSÃO GERAL. CONTROVÉRSIA JURÍDICA. DISTINÇÃO. SOBRESTAMENTO DO PROCESSO. INDEFERIMENTO. DENÚNCIA. REQUISITOS. ART. 41 DO CPP. LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º DA LEI 9.613/98. CRIME ANTECEDENTE. PECULATO. ART. 312 DO CP. APTIDÃO. JUSTA CAUSA. ART. 395, III, DO CPP. LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO. PRESENÇA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ART. 397 DO CPP. INVIABILIDADE. RECEBIMENTO. 1. O propósito da presente fase procedimental é determinar se a denúncia oferecida pelo MPF - na qual é imputada a JOSÉ JÚLIO DE MIRANDA COELHO, Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Amapá (TCE/AP), a suposta prática do crime de lavagem de dinheiro de forma reiterada (art. 1º, caput e § 4º, da Lei 9.613/98), por 4 (quatro) vezes - pode ser recebida ou se é possível o julgamento imediato de improcedência da acusação (art. 6º da Lei 8.038/90). 2. A delação anônima, embora não seja suficiente, por si só, para ensejar o início da persecução penal do fato nela narrado, não impede que a autoridade policial ou o Ministério Público realizem a) diligências complementares ou b) encontrem no conjunto dos outros fatos já em apuração elementos capazes de confirmar a plausibilidade e verossimilhança das informações nela constantes. Precedentes. 3. Na hipótese dos autos, a guinada das investigações ao TCE/AP, bem como as medidas de busca e apreensão domiciliar e quebras de sigilo constitucionais que se seguiram, foi fundada em diversos e entrelaçados fatos concretos da causa, cujas informações foram complementadas por diligências adicionais, não havendo nulidade a ser pronunciada. 4. Segundo a orientação perfilhada por esta e. Corte, as contas públicas, ante os princípios da publicidade e da moralidade (art. 37 da CF), não possuem, em regra, proteção do direito à intimidade/privacidade, e, em consequência, não são protegidas pelo sigilo bancário. 5. Na hipótese vertente, os dados bancários examinados pelo COAF se referem às movimentações financeiras da conta corrente de titularidade do ente público (TCE/AP), não resguardadas pelo sigilo bancário e pela proteção da intimidade/privacidade, e a quebra do sigilo bancário e fiscal do réu foi devidamente autorizada pelo Poder Judiciário, razão pela qual não há aderência da questão jurídica versada no presente processo àquela delimitada no Tema 990 de repercussão geral no STF. 6. Ao rito especial da Lei 8.038/90 aplicam-se, subsidiariamente, as regras do procedimento ordinário (art. 394, § 5º, CPP), razão pela qual eventual rejeição da denúncia é balizada pelo art. 395 do CPP, ao passo que a improcedência da acusação (absolvição sumária) é pautada pelo disposto no art. 397 do CPP. 7. A denúncia ou queixa serão ineptas quando de sua deficiência resultar vício na compreensão da acusação a ponto de comprometer o direito de defesa do acusado. 8. A aptidão da denúncia relativa ao crime de lavagem de dinheiro não exige uma descrição exaustiva e pormenorizada do suposto crime prévio, bastando, com relação às condutas praticadas antes da Lei 12.683/12, a presença de indícios suficientes de que o objeto material da lavagem seja proveniente, direta ou indiretamente, de uma daquelas infrações penais mencionadas nos incisos do art. 1º da Lei 9.613/98. 9. Na presente hipótese, a denúncia contém a correta delimitação dos fatos e da conduta do acusado em relação à suposta prática do crime do art. 1º da Lei 9.613/98, não havendo, por consequência, prejuízo a seu direito de ampla defesa. 10. A justa causa corresponde a um lastro mínimo de prova, o qual deve ser capaz de demonstrar a pertinência do pedido condenatório e que está presente na hipótese em exame, consubstanciada em documentos obtidos na residência do acusado por meio de busca e apreensão; depoimento de testemunha e dados obtidos mediante a quebra de sigilo bancário devidamente autorizada. 11. Na circunstância de a denúncia ser apta para ensejar a instauração do Processo Penal, o exame de forma antecipada do mérito da pretensão punitiva depende da demonstração indiscutível, inquestionável, dos pressupostos que autorizariam a absolvição do acusado, cuja ocorrência deve, pois, prescindir de produção probatória. 12. O tipo penal do art. 1º da Lei 9.613/98 é de ação múltipla ou plurinuclear, consumando-se com a prática de qualquer dos verbos mencionados na descrição típica e relacionando-se com qualquer das fases da lavagem de capitais (ocultação, dissimulação; reintrodução), não exigindo a demonstração da ocorrência de todos

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110

O Supremo Tribunal Federal já vem se pronunciando nesse mesmo sentido

quando indica em seus julgados que:

(...) processo e julgamento do crime de lavagem de dinheiro é regido pelo princípio da autonomia, não se exigindo, para que a denúncia que imputa ao réu o delito de lavagem de dinheiro seja considera apta, prova concreta da ocorrência de uma das infrações penais exaustivamente previstas nos incisos I a VIII do art. 1º do referido diploma legal, bastando a existência de elementos indiciários de que o capital lavado tenha origem em algumas das condutas ali previstas (CAVALCANTE, 2021).

Assim, vê-se que a proposta do trabalho navega na importante missão de

analisar critérios além da tipicidade da conduta do crime de lavagem de dinheiro,

haja vista que a forma proposta pela lei antilavagem, em clara anuência a

paradigmas de Direito Penal do Inimigo, especialmente no que denota a sua

completa autonomia como fato típico independente de seu crime antecedente,

denotam além de evidente efeito da expansão do Direito Penal, conflitos e infrações

ao Processo Penal constitucional do qual decorre o sistema acusatório de respeito

aos direitos e garantias fundamentais.

os três passos do processo de lavagem. 13. Na espécie, há possibilidade, em tese, de que as movimentações financeiras indicadas pela acusação à inicial tenham sido praticadas de forma autônoma em relação ao crime antecedente (autolavagem) e utilizadas como forma de ocultação da alegada origem criminosa dos valores, mediante distanciamento do dinheiro de sua alegada origem criminosa pela transferência de titularidade de quantias vultosas entre contas bancárias de titularidade de terceiros, mas supostamente controlada pelo acusado, não sendo, pois, manifesta a atipicidade da conduta. 14. Os conselheiros de Tribunais de Contas são equiparados aos magistrados, por força do princípio da simetria em relação à disposição contida no art. 73, § 3º, da CF/88, sendo-lhes aplicada, por analogia, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC nº 35/79), razão pela qual a natureza ou a gravidade do fato imputado a essas autoridades pode ensejar o afastamento do denunciado do cargo público por ele ocupado. 15. Denúncia recebida, com o afastamento cautelar do denunciado do cargo público por ele ocupado. (APn 923/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 23/09/2019, DJe 26/09/2019). Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/e074a2975740cdf3948cfc063892260e>. Acesso em: 03 set. 2021.

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111

CONCLUSÃO

A questão do enfretamento à criminalidade não é algo atual, nem se tem

como horizonte plausível o seu fim com a sua extinção. Pelo contrário, tal fenômeno

está em plena expansão, não só pela diversidade em suas formas de atuação e

aumento de fatos penalmente relevantes, mas principalmente em sua extensão,

complexidade, tecnologias e objetivos.

O avanço tecnológico mundial e o acesso imediato às informações

possibilitam o fenômeno chamado globalização e, com ela, a mundialização do

crime, em especial a criminalidade econômica, cujo espectro com vistas à obtenção

do lucro alcança agora um mundo sem fronteiras através da lavagem de capitais em

todas as suas formas, como meio de retroalimentar a criminalidade, financiando-a.

A criminalidade econômica passa então a ser uma realidade de

enfrentamento e engajamento mundial de forma tal a proporcionar a extrema

necessidade de uma discussão acerca de novas estratégias legais e, junto com elas,

um debate acerca de suas constitucionalidades dentro da realidade de um Estado

Democrático de Direito.

Ocorre que países como o Brasil não conseguem enfrentar de fato os crimes

chamados antecedentes, como o tráfico de entorpecentes, as organizações

criminosas como um todo, e terminam por buscar outros meios “mais eficientes” de

alguma forma atingir tal criminalidade num ponto que lhe é muito sensível, ou seja, o

dinheiro e sua capacidade de investimento e financiamento criminoso.

Nesse diapasão surgem num movimento global inúmeros tratados e

orientações para o combate direcionado ao crime organizado através da lavagem de

capitais, dos quais é signatário o Brasil, e cuja lei que a previu sequer possuía ainda

respaldo legal na tipificação de organização criminosa, que só veio a existir anos

após, estando hoje em sincronia.

Para se ter noção e estabelecer tais meios de enfrentamento fora necessário

o presente trabalho, que inicialmente preocupou-se em conceituar o crime de

lavagem de capitais, trazendo-o a uma realidade fática, dentro de seus critérios

básicos de tipificação, atribuindo-lhe vida ao se conceber como sendo a atividade de

reinserir no mercado os bens, produtos e ativos oriundos de crimes antecedentes.

Contudo, surge a partir de então, como se viu nesse trabalho, a análise de

qual bem jurídico de fato a criminalização da lavagem de capitais deseja proteger de

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112

um risco intolerável, de acordo com a teoria do bem jurídico protegido do que restou

demonstrado que a própria incerteza da doutrina com relação a qual bem jurídico o

crime de lavagem de capitais visa proteger, o quão questionável é sua tipificação

autônoma à luz dessa teoria.

Ademais, seja protegendo bens jurídicos como a administração da justiça,

da ordem econômica ou o mesmo bem jurídico “importado” do crime antecedente, a

verdade é que a lavagem de capitais carece de uma justificação jurídica plausível

para sua autonomia que não seja o simples interesse de combater os crimes

antecedentes cometidos por organizações criminosas.

Exatamente nesse ponto passamos a questionar como a criminologia explica

o fenômeno da criminalidade econômica e quais as perspectivas de políticas

criminais que podem de fato combatê-la, de modo não só a persegui-la legalmente,

mas de ser eficiente.

Nesse critério da eficiência verificou-se que o Direito não subsiste isolado e

sem receber influências de outros sistemas. O direito seria então um sistema

cognitivamente aberto e que sofre influência de outros sistemas como a economia, a

qual dentro da chamada economia do crime passa a estabelecer critérios pra

implementação de meios de dissuasão próprios da análise econômica do crime

oriunda da Teoria da Escolha Racional.

Sendo então a criminalidade econômica uma escolha racional do criminoso

em sair da esfera da licitude e migrar para o mercado ilícito, é porque o mesmo

percebe dentro da fórmula matemática econométrica que a satisfação alcançada

com a prática delituosa é ainda maior que a multiplicação de todos os riscos

atinentes à atividade criminosa, tomando por base os riscos inerentes à persecução

penal, tais como a prisão, o processo, a condenação e o cumprimento de pena.

Ademais, esse rol de riscos é aumentado se levada em consideração a

existência de “travas morais”, que seriam as questões ligadas à honra, à religião, à

família, ao trabalho e ao nível de escolaridade, que serviriam também para o cálculo

desses riscos, devendo então o Estado investir não só em estrutura para

persecução criminal, mas também em sua prevenção, através de políticas públicas

que investissem mais nesses pontos estruturais da sociedade.

Dentro desse aspecto, em que o crime de lavagem de capitais está

conceituado e que o Estado deseja tipificá-lo como meio de tornar mais eficiente o

enfrentamento aos crimes antecedentes, o trabalho também tratou de analisar a

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113

partir da teoria analítica do crime, tendo como escopo verificar se dentro da

concepção de crime, estando presentes seus elementos estruturantes, o crime de

lavagem de capitais possui lastro dentro da teoria bipartida ou tripartida de crime e

em relação à culpabilidade, estando ou não inserida nesse conceito, se existe

funcionalidade na pena a ser atribuída.

Tal discussão foi de suma importância no presente trabalho, uma vez que se

verificou que sendo o crime pertencente à teoria bipartida de crime ou tripartida, que

esta relação não interfere na acepção da finalidade da pena a ser aplicada ao crime

tipificado e que, no caso do crime de lavagem de capitais, tal finalidade se exprime

dentro da teoria da funcionalidade da pena, ou seja, que a tipificação de uma

conduta e a pena a ela aplicada deve possui uma função para a sociedade e

contribuir para o chamado bem estar social, independente do conceito analítico de

crime a ser utilizado.

Por tal ponto chegou-se à conclusão que o crime de lavagem de capitais, ao

invés de inferir-se em um tipo penal autônomo, dentro da concepção de crime e

dentro da análise econômica do crime, deveria ser previsto como uma qualificadora

do crime antecedente que se deseja enfrentar, ou ainda uma circunstância

autônoma de aumento de pena, pois aí estaria dentro do combate direto ao crime

antecedente, estabelecendo um aumento no risco para quem além de cometê-lo

ainda pratique atos de lavagem de capitais.

Isto está diretamente relacionado a qual intuito a tipificação de uma conduta

está ligada, ou seja, se o que se deseja é combater uma atividade criminosa que

possui bem jurídico protegido próprio, que preenche requisitos de tipicidade, ilicitude

e culpabilidade suficientes para estabelecer uma reprimenda penal, ou se a sua

tipificação é propriamente determinada a cumprir uma função própria na sociedade,

ligada à consecução do bem estar social independente dos critérios de conceito

analítico de crime e de bem jurídico protegido.

Entretanto, o Estado sofre bastante pressão de toda opinião pública,

inclusive da mídia, em um discurso que se propaga pela “cultura do medo”, fazendo

com que se estabeleça a chamada expansão do Direito Penal, através da criação de

tipos penais casuísticos, criação de mais tipos penais de perigo abstrato, aumento

de penas e recrudescimento do tratamento de seus cumprimentos, retiradas e

dificuldades para obtenção de benefícios penais, além do aumento de prisões

processuais, especialmente preventivas, como meios de justificação à sociedade

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que está combatendo a violência e prevenindo seu aumento.

Esse significado tem reflexo direito na acepção do sistema processual penal

acusatório, uma vez que o mesmo, diferentemente do sistema inquisitivo, busca

justamente na observância e cumprimento dos direitos fundamentais e garantias

processuais a concretização da Constituição, determinando a divisão de funções dos

órgãos estatais diferentemente do que ocorria com o Estado Absoluto e ainda

dividindo as competências de cada parte no Processo Penal, atribuindo-lhes

limitações.

Tal observância do Processo Penal acusatório proporciona a democratização

do Processo Penal e facilita o cumprimento de preceitos basilares como o devido

Processo Penal, o prazo razoável do processo, a presunção de inocência e não

culpabilidade, de modo tal a impedir manobras legais que furtem do acusado seu

direito de usufruir de tais direitos adquiridos.

Exatamente nesse ponto passou o trabalho a questionar se a criminalização

da lavagem de capitais seria então uma forma de atender à demanda da pressão

social pela cultura do medo e tomando por base filosófica de política criminal o

chamado Direito Penal do Inimigo, no qual há uma divisão clara entre cidadãos e

inimigos, cabendo àqueles todas as garantias e direitos estabelecidos na

Constituição e a estes toda a dureza da lei, recrudescimento de tratamento e

flexibilização de garantias constitucionais com o intuito de eliminá-los.

Dentro desse diapasão, o trabalho, após conceituar a dialogar com

exemplos do ordenamento pátrio e o Direito Penal do Inimigo, passou a estabelecer

uma análise de mecanismos utilizados para o combate ao crime de lavagem de

dinheiro e verificar se existem resquícios de aplicação da teoria inerente ao law and

order.

Verificou-se, além de sua má tipificação, atinente à teoria funcional da pena,

inexistência de um bem jurídico protegido propriamente, uma clara acepção de

incidência do Direito Penal do Inimigo, especialmente quando se trata de questões

legais atinentes ao seu enfrentamento e que flexibilizam ou excluem diretos

fundamentais e garantias processuais.

Entre tais flexibilizações está a possibilidade de colaboração premiada no

combate ao crime organizado, refletindo-se na aplicação da Teoria dos Jogos com o

“dilema do prisioneiro”, onde o Estado atua primeiro prendendo o acusado e outros

investigados e, ao isolá-los e ofertar tal benefício, passa a “jogar” com essa

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estratégia a fim de simplificar seu trabalho de obter o ônus da prova investigando e

passa aos próprios acusados essa incumbência, muitas vezes sem o conhecimento

dos outros acusados, ferindo princípios basilares.

De outro ponto, a utilização de prisões processuais sob a justificação para

garantir a ordem pública, de modo geral e abstrato, sem comprovação direta do fato

concreto que determine o receio da reiteração criminosa, bastando por vezes a

alegação que o acusado faz parte de organização criminosa, para a qual o mesmo

por vezes sequer está sendo processado devido a autonomia do crime de lavagem

em relação ao crime antecedente.

Ademais a previsão com o pacote anticrime do instituto do Confisco

Alargado, deixou claro que a forma de enfretamento a estes tipos penais se dará

através da perseguição aos núcleos de financiamento do crime organizado,

buscando apreender não só os bens oriundos de crimes e seus produtos e

instrumentos, como também dilapidar o patrimônio do condenado, invertendo o ônus

da prova com relação à origem do resto do patrimônio e ainda simplificando esse

processo de constrição patrimonial de forma a não só inverter o ônus probandi como

ferir a presunção de inocência, a ampla defesa e o contraditório, além do princípio

tributário do não confisco.

E este é justamente o ponto crucial diretamente ligado à dicção da lei

antilavagem, na qual em seu art. 2º preconiza a autonomia do crime de lavagem em

relação ao julgamento e até processamento do crime antecedente, em clara afronta

até mesmo a dicção de seu art. 1º que estabelece ser o crime de lavagem um crime

consequente aos crimes cometidos por organizações criminosas, por exemplo.

Neste ponto tem-se a evidente incidência do Direito Penal do Inimigo, em

todo o cotejo da lei antilavagem, seja nos mecanismos de enfrentamento

processuais, seja na possibilidade de processamento autônomo do crime sem prévia

condenação e sequer comprovação da existência e cometimento do crime

antecedente, como meios claro de ferir frontalmente os diretos fundamentais e

garantias processuais constitucionais do cidadão, que vão desde a inexistência de

um bem jurídico próprio para sua proteção constitucional, até a inobservância e

flexibilização de direitos fundamentais e garantias como a presunção de inocência, o

devido processo legal, o ônus da prova, a ampla defesa e consequentemente, diante

até mesmo do sistema carcerário, a dignidade da pessoa humana.

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