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Joana Zatz Mussi ações, coletivos artísticos e cidade o espaço como obra

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O espaço como obra é uma reflexão a respeito dos processos de criação e impacto social das ações dos coletivos artísticos MICO, Contrafilé, Frente 3 de Fe­vereiro e Política do Impossível (de São Paulo) e GAC (de Buenos Aires), que começaram a atuar em meados dos anos 1990. O intuito é compreender como as intervenções urbanas resultam e geram, ao mesmo tempo, uma rede de afetos e significados e evidenciam a emergência de uma subjetividade política contemporânea que passa, necessariamente, por discutir e concretizar políticas de representação, relação, subjetivação e modos de vida alternativos aos impostos pelo neo­liberalismo. Joana Zatz faz uma investigação ativa e participante de diversos trabalhos realizados pelos coletivos na qual as ações/intervenções são pensadas em seu poder disruptivo, ou seja, em sua capacidade de presentificar acontecimentos que de alguma forma desestabilizem representações sociais e sensações prévias. Para comprar: http://www.annablume.com.br

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Conheci Joana Zatz quando ela era estudantede graduação e me entrevistou para escrever umamatéria sobreArte Pública.Acompanhei de pertoo nascimento do Grupo Contrafilé. No MídiaTática Brasil, fiz o convite para o agrupamentoque ainda não tinha nome. Num bar, perto daCasa das Rosas, vi o nome do grupo surgir quandoescolhíamos o prato do cardápio: Contrafilé!Como parceiros, criamos o coletivo Políticado Impossível. Nos auto-educamos, discutimose concebemos diversas situações em torno da vidapública. Procuramos exaustivamente escaparao modelo de vida dominante em São Paulo.

Em toda esta trajetória, Joana sempre tevemuito cuidado e atenção com a "escuta vazia".Olhar vivo às sutilezas do discurso e da vivência.Uma disposição ao desenvolvimento conceituale teórico dentro das formações coletivas diversas.Uma garantia da sistematização do conhecimentoproduzido. Uma coleta constante “daquilo quetransborda”. Não à toa O Espaço como Obraé minucioso resultado de um esforço persistentede pesquisa.

O livro configura um lugar que tanto lutamospara consolidar: do conhecimento vivido, fruto dainvestigação-ação. É sobretudo uma pesquisa docorpo que se expressa também pelos conceitos,costurados com as “evidências” produzidas pordiversos atores de uma geração. O Espaço comoObra é uma maneira de (re)conhecer nossamaneira de conhecer. Estamos a construir pequenaspontes, atalhos, entre as peças irregulares, paraabrir passagens para novos mundos.

Daniel LimaEditor e ArtistaMembro-fundador da Frente 3 Fevereiro e Política do Impossível

O ESPAÇO COMO OBRA é uma reflexão a respeitodosprocessosdecriaçãoe impactosocialdasaçõesdoscoletivos artísticos MICO, Contrafilé, Frente 3 de Fe-vereiro e Política do Impossível (de São Paulo) e GAC(deBuenosAires), quecomeçaramaatuaremmeadosdos anos 1990. O intuito é compreender como as in-tervenções urbanas resultam e geram, ao mesmotempo, uma rede de afetos e significados e eviden-ciam a emergência de uma subjetividade política con-temporânea que passa, necessariamente, por discutire concretizar políticas de representação, relação, sub-jetivação e modos de vida alternativos aos impostospelo neoliberalismo.

JoanaZatz fazumainvestigaçãoativaeparticipantedediversos trabalhosrealizadospeloscoletivosnaqualasações/intervenções são pensadas em seu poder dis-ruptivo, ou seja, em sua capacidade de presentificaracontecimentos que de alguma forma desestabilizemrepresentações sociais e sensações prévias.

JOANA ZATZ MUSSIFormada em Ciências Sociais e Jornalismo, fundoue integra os coletivos de arte Contrafilé e Política doImpossível. Doutoranda na FAU/USP, na linha de pesquisaProjeto, Espaço e Cultura, sob orientação de Vera M.Pallamin. Participou, junto ao Grupo Contrafilé, dentreoutras exposições, da 31a Bienal de São Paulo (2014);If you See Something Say Something, Mori Gallery,Sydney, Australia (2007); La Normalidad/Ex-Argentina,Museu Palais de Glace, Buenos Aires, Argentina (2006)e Collective Creativity, Kunsthalle Fridericianum Museum,Kassel, Alemanha (2005).

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Conheci Joana Zatz quando ela era estudantede graduação e me entrevistou para escrever umamatéria sobreArte Pública.Acompanhei de pertoo nascimento do Grupo Contrafilé. No MídiaTática Brasil, fiz o convite para o agrupamentoque ainda não tinha nome. Num bar, perto daCasa das Rosas, vi o nome do grupo surgir quandoescolhíamos o prato do cardápio: Contrafilé!Como parceiros, criamos o coletivo Políticado Impossível. Nos auto-educamos, discutimose concebemos diversas situações em torno da vidapública. Procuramos exaustivamente escaparao modelo de vida dominante em São Paulo.

Em toda esta trajetória, Joana sempre tevemuito cuidado e atenção com a "escuta vazia".Olhar vivo às sutilezas do discurso e da vivência.Uma disposição ao desenvolvimento conceituale teórico dentro das formações coletivas diversas.Uma garantia da sistematização do conhecimentoproduzido. Uma coleta constante “daquilo quetransborda”. Não à toa O Espaço como Obraé minucioso resultado de um esforço persistentede pesquisa.

O livro configura um lugar que tanto lutamospara consolidar: do conhecimento vivido, fruto dainvestigação-ação. É sobretudo uma pesquisa docorpo que se expressa também pelos conceitos,costurados com as “evidências” produzidas pordiversos atores de uma geração. O Espaço comoObra é uma maneira de (re)conhecer nossamaneira de conhecer. Estamos a construir pequenaspontes, atalhos, entre as peças irregulares, paraabrir passagens para novos mundos.

Daniel LimaEditor e ArtistaMembro-fundador da Frente 3 Fevereiro e Política do Impossível

O ESPAÇO COMO OBRA é uma reflexão a respeitodosprocessosdecriaçãoe impactosocialdasaçõesdoscoletivos artísticos MICO, Contrafilé, Frente 3 de Fe-vereiro e Política do Impossível (de São Paulo) e GAC(deBuenosAires), quecomeçaramaatuaremmeadosdos anos 1990. O intuito é compreender como as in-tervenções urbanas resultam e geram, ao mesmotempo, uma rede de afetos e significados e eviden-ciam a emergência de uma subjetividade política con-temporânea que passa, necessariamente, por discutire concretizar políticas de representação, relação, sub-jetivação e modos de vida alternativos aos impostospelo neoliberalismo.

JoanaZatz fazumainvestigaçãoativaeparticipantedediversos trabalhosrealizadospeloscoletivosnaqualasações/intervenções são pensadas em seu poder dis-ruptivo, ou seja, em sua capacidade de presentificaracontecimentos que de alguma forma desestabilizemrepresentações sociais e sensações prévias.

JOANA ZATZ MUSSIFormada em Ciências Sociais e Jornalismo, fundoue integra os coletivos de arte Contrafilé e Política doImpossível. Doutoranda na FAU/USP, na linha de pesquisaProjeto, Espaço e Cultura, sob orientação de Vera M.Pallamin. Participou, junto ao Grupo Contrafilé, dentreoutras exposições, da 31a Bienal de São Paulo (2014);If you See Something Say Something, Mori Gallery,Sydney, Australia (2007); La Normalidad/Ex-Argentina,Museu Palais de Glace, Buenos Aires, Argentina (2006)e Collective Creativity, Kunsthalle Fridericianum Museum,Kassel, Alemanha (2005).

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Conheci Joana Zatz quando ela era estudantede graduação e me entrevistou para escrever umamatéria sobreArte Pública.Acompanhei de pertoo nascimento do Grupo Contrafilé. No MídiaTática Brasil, fiz o convite para o agrupamentoque ainda não tinha nome. Num bar, perto daCasa das Rosas, vi o nome do grupo surgir quandoescolhíamos o prato do cardápio: Contrafilé!Como parceiros, criamos o coletivo Políticado Impossível. Nos auto-educamos, discutimose concebemos diversas situações em torno da vidapública. Procuramos exaustivamente escaparao modelo de vida dominante em São Paulo.

Em toda esta trajetória, Joana sempre tevemuito cuidado e atenção com a "escuta vazia".Olhar vivo às sutilezas do discurso e da vivência.Uma disposição ao desenvolvimento conceituale teórico dentro das formações coletivas diversas.Uma garantia da sistematização do conhecimentoproduzido. Uma coleta constante “daquilo quetransborda”. Não à toa O Espaço como Obraé minucioso resultado de um esforço persistentede pesquisa.

O livro configura um lugar que tanto lutamospara consolidar: do conhecimento vivido, fruto dainvestigação-ação. É sobretudo uma pesquisa docorpo que se expressa também pelos conceitos,costurados com as “evidências” produzidas pordiversos atores de uma geração. O Espaço comoObra é uma maneira de (re)conhecer nossamaneira de conhecer. Estamos a construir pequenaspontes, atalhos, entre as peças irregulares, paraabrir passagens para novos mundos.

Daniel LimaEditor e ArtistaMembro-fundador da Frente 3 Fevereiro e Política do Impossível

O ESPAÇO COMO OBRA é uma reflexão a respeitodosprocessosdecriaçãoe impactosocialdasaçõesdoscoletivos artísticos MICO, Contrafilé, Frente 3 de Fe-vereiro e Política do Impossível (de São Paulo) e GAC(deBuenosAires), quecomeçaramaatuaremmeadosdos anos 1990. O intuito é compreender como as in-tervenções urbanas resultam e geram, ao mesmotempo, uma rede de afetos e significados e eviden-ciam a emergência de uma subjetividade política con-temporânea que passa, necessariamente, por discutire concretizar políticas de representação, relação, sub-jetivação e modos de vida alternativos aos impostospelo neoliberalismo.

JoanaZatz fazumainvestigaçãoativaeparticipantedediversos trabalhosrealizadospeloscoletivosnaqualasações/intervenções são pensadas em seu poder dis-ruptivo, ou seja, em sua capacidade de presentificaracontecimentos que de alguma forma desestabilizemrepresentações sociais e sensações prévias.

JOANA ZATZ MUSSIFormada em Ciências Sociais e Jornalismo, fundoue integra os coletivos de arte Contrafilé e Política doImpossível. Doutoranda na FAU/USP, na linha de pesquisaProjeto, Espaço e Cultura, sob orientação de Vera M.Pallamin. Participou, junto ao Grupo Contrafilé, dentreoutras exposições, da 31a Bienal de São Paulo (2014);If you See Something Say Something, Mori Gallery,Sydney, Australia (2007); La Normalidad/Ex-Argentina,Museu Palais de Glace, Buenos Aires, Argentina (2006)e Collective Creativity, Kunsthalle Fridericianum Museum,Kassel, Alemanha (2005).

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Em toda esta trajetória, Joana sempre tevemuito cuidado e atenção com a "escuta vazia".Olhar vivo às sutilezas do discurso e da vivência.Uma disposição ao desenvolvimento conceituale teórico dentro das formações coletivas diversas.Uma garantia da sistematização do conhecimentoproduzido. Uma coleta constante “daquilo quetransborda”. Não à toa O Espaço como Obraé minucioso resultado de um esforço persistentede pesquisa.

O livro configura um lugar que tanto lutamospara consolidar: do conhecimento vivido, fruto dainvestigação-ação. É sobretudo uma pesquisa docorpo que se expressa também pelos conceitos,costurados com as “evidências” produzidas pordiversos atores de uma geração. O Espaço comoObra é uma maneira de (re)conhecer nossamaneira de conhecer. Estamos a construir pequenaspontes, atalhos, entre as peças irregulares, paraabrir passagens para novos mundos.

Daniel LimaEditor e ArtistaMembro-fundador da Frente 3 Fevereiro e Política do Impossível

O ESPAÇO COMO OBRA é uma reflexão a respeitodosprocessosdecriaçãoe impactosocialdasaçõesdoscoletivos artísticos MICO, Contrafilé, Frente 3 de Fe-vereiro e Política do Impossível (de São Paulo) e GAC(deBuenosAires), quecomeçaramaatuaremmeadosdos anos 1990. O intuito é compreender como as in-tervenções urbanas resultam e geram, ao mesmotempo, uma rede de afetos e significados e eviden-ciam a emergência de uma subjetividade política con-temporânea que passa, necessariamente, por discutire concretizar políticas de representação, relação, sub-jetivação e modos de vida alternativos aos impostospelo neoliberalismo.

JoanaZatz fazumainvestigaçãoativaeparticipantedediversos trabalhosrealizadospeloscoletivosnaqualasações/intervenções são pensadas em seu poder dis-ruptivo, ou seja, em sua capacidade de presentificaracontecimentos que de alguma forma desestabilizemrepresentações sociais e sensações prévias.

JOANA ZATZ MUSSIFormada em Ciências Sociais e Jornalismo, fundoue integra os coletivos de arte Contrafilé e Política doImpossível. Doutoranda na FAU/USP, na linha de pesquisaProjeto, Espaço e Cultura, sob orientação de Vera M.Pallamin. Participou, junto ao Grupo Contrafilé, dentreoutras exposições, da 31a Bienal de São Paulo (2014);If you See Something Say Something, Mori Gallery,Sydney, Australia (2007); La Normalidad/Ex-Argentina,Museu Palais de Glace, Buenos Aires, Argentina (2006)e Collective Creativity, Kunsthalle Fridericianum Museum,Kassel, Alemanha (2005).

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OESPAÇOCOMOOBRAações, coletivos artísticos e cidade

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OESPAÇOCOMOOBRAações, coletivos artísticos e cidade

São Paulo2014

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Manifestação no Largo da Batata, São Paulo, Junho de 2013.

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A urgência não é uma bandeira, é uma necessidade que se impõe.1

1. Contrafilé, Lucas Bambozzi, Ricardo Rosas, Artigo Urgência in: Revista Parachute número116 (São Paulo). Editora: Suely Rolnik, Montreal, Canadá, 2003.

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para Seba e Rafa, meus amores

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Sumário

Prefácio por Vera Pallamin 13Introdução 17Conversa introdutória 31

Capítulo I –Nadaémais importantedoqueessanuança fugidia 43Aprendendo a se entregar ao risco 44Não estamos em rebelião: notando na hegemonia a diferença 61Mídia Tática 69Enunciação e emancipação 78Metáforas do confinamento 96

Capítulo II –Acidade em disputa 115A cidade enquanto espaço referencial 116Espacialização da norma e da invenção 124Circulação: o local e o deslocado, encontrodo GAC com coletivos de São Paulo e contaminações 150

Capítulo III – Pensando a crítica 177Justaposição e instituição 178Repensando a crítica 183Performatizar a crítica 191

Capítulo IV–Eles não podempartir sem nós 209Local e Global: escala 1:1 em movimento 210Estranhar o próximo, aproximar o distante 214Um agir que conecta 217

Agradecimentos 248Bibliografia 250Lista de Imagens 255

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PREFÁCIOpor Vera Pallamin

“O espaço como obra” e “a cidade em disputa”: nesse trabalho, queé multicêntrico, esses dois núcleos conceituais têm uma enormeforça de síntese em relação ao conjunto, uma vez que tencionam osobjetos, modos e resultados que estão em jogo nesta arena de pro-dução da cultura. Nele entrelaçam-se os planos do urbano, do es-tético e do político, em torno de ações que transformam os camposde embate nos quais atuam em plataformas de produção de imagens,cartografias, intervenções e símbolos críticos, que transfiguram ar-tisticamente os limites e as dominâncias ali presentes.

Nesse terreno tudo gira em torno do coletivo, da sua voca-lização, valorização e fortalecimento, o que, de saída, mostra-se nacontramão do fluxo dominante no contemporâneo do individualismoconcorrencial, dilapidador, que metaboliza corpos e condutas, redu-toramente, como mero ‘capital humano’. Ao contrário, todo em-penho reunido nesse livro é motivado pela (difícil) construção emtorno de sentidos pactuados, a começar pelas suas narrativas poéti-cas, feitas de encontros, diálogos, escutas e saberes partilhados.

Os diversos estratos propostos mobilizam temporalidadesentrecruzadas, seja em relação às durações heterogêneas e conflitu-ais internas às questões urbanas confrontadas, seja frente ao anda-mento das ações estéticas em suas particularidades. A escrita, emseus detalhes, inclui a retomada de um percurso mais amplo de umgrupo de artistas, em meio ao qual conformaram-se, ao mesmotempo, seus movimentos de subjetivação artística e política.

A montagem elaborada entre os coletivos de arte e suasproposições exigiu, a cada caso, conceber-se uma maneira de ensaiar

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o modo de dizê-las e mostrá-las. Para tanto, o entrelaçamento de ima-gens e palavras responde a uma acuidade específica, pois mais do queum documento de memória – cultural, artística e urbana - trata-setambém de uma forma de continuidade dos próprios trabalhos empauta: as séries, sequências, ângulos, inserções e enquadramentos ins-crevem-se cuidadosamente em consonância com as matrizes estéti-cas originais, seguindo de perto suas vibrações e seus campos de força.

A relação estética neles privilegiada alinha-se, em termosmais amplos, ao legado dos anos 1960, no qual a experiência estética,deixando para trás preceitos caros ao modernismo, abriu-se à par-ticipação do espectador e ao envolvimento ativo da arte em assuntose circunstâncias de relevância política e social. Essa relação é tratadade modo a apresentar as disposições imediatas experienciadas pelosagenciamentos coletivos, porém balizando-as pela intenção maisforte de refletir sobre como as ações estéticas operam, como colocamem trabalho a recepção, com suas concordâncias e dissonâncias. Háuma processualidade no encontro sensível proporcionado pelo tra-balho de arte, na maneira mesma como este se faz presente, comoopera nas subjetividades e vice-versa, não apenas na ordem do inte-lecto, mas atravessando os corpos inteiramente. Essa processualidadefaz do estético um meio de intervir e agir, de ensaiar o que se podefazer, dizer e pensar dessas coisas que não são da ordem da norma, docotidiano, do consolidado, mas sim da diferença e, como nos casosem estudo, do político.

Esses ‘ensaios’ que aqui se mostram se comprometem, semexceção, com a vontade de transformação das condições de existên-cia coletiva. Sua força está em expressar, fomentar, adensar, consoli-dar, impulsionar uma vontade cultural e social de mudança da vidapública e, nessa perspectiva, a noção de resistência é como que um

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fio que alinhava internamente os coletivos de arte estudados, rearti-culando-se segundo modulações, ora como objeto, como resultanteou como projeto. Em suas ações, a tensão entre a micro-situação e amacropolítica é incontornável, uma vez que toda a potência investidano escopo estrito das suas singularidades demonstra possuir um vín-culo direto com a polêmica mais ampla da extensão da democracia.Penso aqui na acepção de democracia não como um regime gover-namental, mas no sentido em que Jacques Rancière a caracteriza,como ‘o motor mesmo da política’, da luta de ‘reconfiguração das dis-tribuições do sensível’, o que implica um alargamento do comum, aampliação do que é público e a incessante verificação política do axi-oma da igualdade.

Essa produção poética e seus embates no campo do sim-bólico confronta-se, no plano urbano, com uma condição contem-porânea na qual acentua-se a cultura do ilimitado, e em que a(re)produção do espaço urbano é acirrada pela lógica da acumulaçãoe de valorização do valor, sendo submetida a patamares mais inten-sos tanto do ponto de vista quantitativo quanto da rapidez de suaconcreção e comercialização. Nas metrópoles o urbano tem se gene-ralizado em malhas cada vez mais extensas, num movimento si-multâneo ao rebaixamento das relações de urbanidade. O predomíniodos fluxos sobre os lugares temmotivado alterações incisivas nos ter-ritórios, e estes, pautados pela dinâmica material da mundializaçãodo capital e do mercado, têm sofrido, sob distintas velocidades, açõesde parcelamento, fragmentação e segregação física, social eeconômica, em grande parte alimentadas pela especulação imobi-liária. A horizontalidade facilitada pelas redes mostra-se falsamentecontínua, promovendo descontinuidades, divergências e dispari-dades. Os espaços públicos deixam de ter relevância passando a ser

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predominantemente funcionalizados, e a luta dos lugares mostra-secomo uma das pontas de lança na cidade sobre como ocorre, no pre-sente, a espacialização das tensões e conflitos sociais.

A atitude crítica da autora e dos coletivos em relação a essesprocessos toma corpo em gestos e imagens que, no trabalho de cri-ação, abrem dimensões do sensível e da linguagem, oferecendo aoleitor certezas, latências e indagações que convidam à reflexão e reen-viam à fecundidade de se verificar constantemente, pela arte, odomínio do que é o comum.

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INTRODUÇÃO

Se existe algo a esboçar no atual ciclo de protestos (que, apenaspara descrevê-lo rapidamente, tem períodos de máxima visibi-lidade com o contexto compreendido entre Seattle e Gênova oua manifestação mundial contra a guerra do Iraque, momentosfundantes como a insurreição zapatista de 1994, efeitos em es-cala macropolítica como os processos de mudança institucionalnaAmérica Latina, etc.), é seguramente a maneira como a ino-vação constitui uma característica estrutural das novas formasde ação e construção política que estão na base deste ciclo. Parecedar-se nesses anos uma verificação da imagem da máquina queGuattari e Deleuze utilizaram para denominar a necessidadede formas organizativas abertas e flexíveis para a criatividadepolítica, para as quais as dimensões molar e molecular, micro emacro da política, puderam deixar de ser, como em outros mo-mentos foram, mutuamente excludentes (Marcelo Expósito)2.

[…] OManifesto do Movimento de 15-M afirma muito clara-mente: ‘As prioridades de qualquer sociedade avançada devemser a igualdade, o progresso, a solidariedade, o livre acesso à cul-tura, a sustentabilidade ecológica e o desenvolvimento, o bem-estar social e a felicidade das pessoas’. […]A cidadania hoje seconstitui como tendência à autorrepresentação.Migrantes,mulhe-res, pessoas afetadas pelas hipotecas, pela destruição domeio am-biente ou pela degradação dos serviços públicos, comunidadesagrupadas em torno de modos de vida singulares, redes sociais eum longo etcetera de composições emergentes têm encontrado for-

2. Por ocasião do Seminário Máquinas, do qual participei junto com Daniel Lima, sobcoordenação da Revista Brumaria, Museu d'Art Contemporani de Barcelona (Macba), 2007.

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mas de falar por si mesmos, sem as formas calcificadas de medi-ação por parte do aparato institucional ou representativo.Tudoindica que a esquerda partidária será obrigada a atravessar, nãoapenas na Espanha, mas em toda a Europa, uma longa jornadaatravés do deserto. É hora de assumir a obrigação de ensaiar,para um futuro próximo, novas abordagens que só podem passarpela aceitação dos limites de sua representatividade e pela co-operação com os movimentos e as formas de associação quecrescem nas novas texturas urbanas […] (Marcelo Expósito,Tomas Herreros e Emmanuel Rodriguez)3.

Nos últimos quatorze anos, ao longo dos quais estive perma-nentemente envolvida com práticas artísticas que encontram no es-paço urbano um dos seus grandes referenciais, uma necessidade quesempre volta a se colocar para mim é a de pensar o lugar da cidade nes-sas práticas e, inversamente, o lugar dessas práticas na cidade; aomesmo tempo, de compreender em que sentidos essa relação diz res-peito ao mundo contemporâneo. Portanto, de fazer esse exercício deespelhamento em que a compreensão das problemáticas que se colo-cam hoje permite um entendimento mais profundo daquilo que geraesse tipo de experiência de produção e usufruto do espaço, no qual co-letivos e artistas trabalham a partir da cidade, se vendo efetivamentecomo produtores dela.

Essa produção da cidade pelas práticas artísticas aqui anali-sadas é discutida como sendo um fenômeno não apenasmacropolítico,mas tambémmicropolítico, namedida em que acontece como um tra-balho de elaboração da experiência de embate pela construção do es-paço público. O estudo dos processos de criação e impacto social dasações de coletivos artísticos que atuam desde meados dos anos 1990,

3. In: Global Brasil/Revista Nômade, edição 14 (on-line), 2011. Link:http://www.revistaglobalbrasil.com.br/?p=690

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auge das políticas neoliberais globalizadas, quando surgiram em dis-tintas partes do mundo, evidencia que estes têm como uma de suaspráticas mais contundentes a imersão em problemáticas situacionais eé daí que partem para apoderar-se da construção de discursos alterna-tivos, criando com isso umamultiplicidade de formas, representações,soluções criativas e performáticas.

Focarei a prática de quatro coletivos: Contrafilé4, com o qualtrabalho desde que iniciei, em 2001, as minhas pesquisas e práticasnesse campo de atuação (passarei pelo MICO, grupo a partir do qualo Contrafilé nasceu, para mostrar o surgimento de problemáticas quedepois seriam aprofundadas de diferentes formas pelos outros grupos);Política do Impossível5, coletivo formado em 2005 que tem como focoa prática educativa como prática artística e do qual também faço parte;Frente 3 de Fevereiro6, coletivo de São Paulo que trabalha com a atu-alização das formas de compreensão do racismo na sociedadebrasileira; e Grupo de Arte Callejero (GAC)7, de Buenos Aires, Ar-gentina, que me permite abordar o problema a partir de uma perspec-tiva, ao mesmo tempo, local e (mesmo que minimamente) deslocada.

O critério usado para a escolha tem em vista a dimensão críticado trabalho desses coletivos (ou seja, sua capacidade de produzir novossentidos no e para o espaço urbano), em contraposição a outras práti-cas que são capturadas apenas como “produtos culturais”. Além disso,conheço a história dos quatro grupos em profundidade e tenho acessoa um número extensivo de documentação sobre todos os trabalhos por

4. “Formado em São Paulo, Brasil, no ano 2000, o Contrafilé é um grupo de investigação eprodução de arte que trabalha a partir de sua experiência cotidiana, implicado na realização davida pública, o que é, ao mesmo tempo, ponto de partida e território de proliferação do seutrabalho”. In: A Rebelião das Crianças, publicação apoiada pelo VAI (Valorização de IniciativasCulturais), São Paulo, 2007. O Contrafilé surgiu como decorrência do fim do grupo MICO,formado por cerca de 20 jovens no ano 2000 na cidade de São Paulo.5. “O coletivo Política do Impossível – PI realiza projetos de educação e produção coletiva dearte desde 2004. Cria projetos de investigação e ação no espaço urbano que colocam osparticipantes como ativos na dinâmica da cidade, contra sua perpetuação como espaçodissociado da vida, tornando visíveis possibilidades e desejos de transformação no sentido dacriação de vida pública. O coletivo entende que é no exercício cotidiano de um olhar íntegro,capaz de relacionar informações e intervir na realidade, que se constitui a possibilidade deproduzir sentidos, e não apenas reproduzi-los”. In: Cidade Luz – Uma investigação-ação nocentro de São Paulo, publicação realizada com o apoio do Minc/Funarte, São Paulo, 2008.

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eles realizados e às discussões sobre seus processos internos de pro-dução e de decisões. O que é fundamental, já que esse tipo de reflexão,que tem como foco a teia micropolítica que se forma para que umaação artística seja inscrita no espaço visível, macropolítico, conta, ne-cessariamente, com esse tipo de material, nem sempre disponível ouobjetualizado.

A relação de certo afastamento, que não chega a se configurarcomo uma negação, dos coletivos em relação às questões do circuitomercantil da arte contemporânea, e o desconforto que possuemquanto às estratégias (institucionais) de sedução mercantil são outroponto chave, pois permite uma leitura sobre o tipo de crítica institu-cional que desenvolvem, o que torna mais clara também a compreen-são que têm em relação à produção dos espaços urbanos.

O que impulsiona a atuação dessa rede de colaboração na qualestão envolvidos os coletivos mencionados é a possibilidade de dis-putar territórios materiais e simbólicos com os poderes hegemônicos.Aprática artística se dá como uma tentativa de fazer emergir, como aomenos a “imagem da experiência de um devir”, outros projetos de so-ciedade, sendo a cidade o domínio no qual as múltiplas escalas em jogona disputa por esse projeto se evidenciam, se encontram, se so-brepõem, se atualizam e se confrontam. Essas imagens, que surgem apartir de determinadas situações e problemáticas locais têm, por suavez, um potencial de iluminar questões em outros contextos situados,na medida em que tanto nomeiam – criando formas de tornar visíveis

6. “A Frente 3 de Fevereiro é um grupo de pesquisa e intervenção artística acerca do racismona sociedade brasileira. Sua abordagem cria novas leituras e coloca em contexto dados quechegam à população de maneira fragmentada através dos meios de comunicação. Asintervenções artísticas criam novas formas de manifestação sobre as questões raciais. Parapensar e agir em uma realidade em constante mudança, permeada por transformaçõesculturais de diversas escalas e sentidos, se fazem necessárias novas estratégias. A Frente 3 deFevereiro associa o legado artístico de gerações que pensaram maneiras de interagir com oespaço urbano à histórica luta e resistência da cultura afro-brasileira”. In: Zumbi Somos Nós –Cartografia do Racismo para o Jovem Urbano, publicação apoiada pelo VAI, São Paulo, 2006.7. “El GAC / GRUPO DE ARTE CALLEJERO se formó en 1997, a partir de la necesidad de crearun espacio donde lo artístico y lo político formen parte de un mismo mecanismo deproducción. Es por eso que a la hora de definir nuestro trabajo se desdibujan los límitesestablecidos entre los conceptos de militancia y arte, y adquieren un valor mayor losmecanismos de confrontación real que están dados dentro de un contexto determinado”. In:http://grupodeartecallejero.blogspot.com.br, acessado em junho de 2012.

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e legíveis – acontecimentos estratégicos na produção do espaço socialcontemporâneo, quanto ampliam a visibilidade e legibilidade deles,transformando-os em imagens que circulam e, assim, inserindo-os efe-tivamente em um “território circulatório” mais amplo.

Nesse processo, podemos dizer que se cria um tipo específicode “território circulatório estético e simbólico”, no qual as imagenssurgem da colaboração emostram um uso alternativo, crítico e subver-sivo do espaço urbano, uma alternativa de produção do espaço social.Neste sentido, os símbolos, discursos, intervenções criados pelas práti-cas artísticas situadas, podem ser entendidos como formas de forçar aentrada de dizeres dissonantes como produtores no/do espaço urbano.

Nos coletivos analisados, as formas de comunicação que ar-ticulam a própria cidade como mídia partem do princípio de que so-mente uma investigação situada é capaz de criar dispositivosestético-políticos com potencialidade de reinvenção do espaço social.Em relação à criação de uma perspectiva que dê conta da dimensão deacontecimento contida nesses trabalhos,

[...] a teoria crítica estética, atualmente, abre outras perspecti-vas de entendimento e atuação por meio da investigação daspráticas e manifestações como esferas de representação, nas quaisos sujeitos sociais envolvidos e os sentidos são produzidos em situ-ação (Pallamin, 2002, p. 107)

Por isso, não pretendo realizar a análise do “movimento” ouuma cartografia para identificar grupos e circunscrever “tipos deação”. Mas sim, dar corpo conceitual para questões que permeiam asdiscussões e práticas aqui analisadas, tais como: como acontece e seexpressa este tipo de resistência, no contexto específico e complexo

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da cidade como referencial; em que sentidos estas experiências, emsua potência8, podem ser entendidas como políticas; por que estasformas do fazer político são vividas, entendidas e elaboradas emconexão indissociável com a dimensão do corpo; o que permitiu, antesde virtual ou presencialmente se conhecerem, que essas práticas ur-banas surgissem e atuassem de forma semelhante em diversas partesdomundo; como se atualiza a noção de “comunidade” a partir da mul-tiplicidade presente nessas práticas; que políticas de subjetivaçãoestão sendo inventadas nesse movimento; como esse movimento cul-tural atualiza as formas de pensar e experimentar a crítica institu-cional; o que terá levado ao rompimento com disciplinas específicas9e caminhos institucionalizados?

O enfrentamento deste campo problemático impõe a convocaçãode um olhar transdisciplinar, já que estão aí imbricadas inú-meras camadas da realidade, no plano tantomacropolítico (fatose modos de vida em sua exterioridade formal, sociológica),quanto micropolítico (forças que agitam a realidade, dissol-vendo suas formas e engendrando outras, num processo que en-volve o desejo e a subjetividade) (Rolnik, 2006).

Vamos aqui compreender a “cidade” como esse “campo proble-mático”. Portanto, em nenhum momento o espaço urbano será aquicolocado de forma “temática” mas, sobretudo, como espaço vivo quese transforma namatéria-prima de criação de todo ummovimento cul-tural que pretende criar modos de vida alternativos, colocando emxeque diversos tipos de estruturas de poder.

O contato com universos de pensamento, como o da sociolo-gia e antropologia contemporâneas, foi fundamental já que trazem re-

8. “[...] A saber: as ações e as paixões de que algo é capaz. Não o que a coisa é, senão o que écapaz de suportar e fazer. E se não há essência geral é porque neste nível, ao nível dapotência, tudo é singular.” (Gilles Deleuze, 2004, p. 50).9. Os coletivos artísticos, em sua maioria, são compostos por profissionais de diversas áreas:artistas plásticos, sociólogos, geógrafos, arquitetos, músicos, urbanistas, psicanalistas, etc.

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flexões sobre o que leva a cidade a ser a escala privilegiada para a com-preensão das formas de produção social. Muitas questões reverberamas estratégias através das quais as práticas artísticas situadas no espaçourbano discutem e disputam o projeto de cidade em curso, pois estasdesafiam a pensar os limites entre o legal e o ilegal, o lícito e o ilícito,na medida em que se propõem a disputar a própria definição do que élegal e ilegal na produção do espaço.Apartir domomento em que pen-samos a cidade como um “campo problemático” no qual operammúlti-plas situações de disputa, cabe lançar um olhar reflexivo para entendercomo ela aparece efetivamente nos trabalhos que serão aqui apresen-tados e por que é muitas vezes compreendida como espaço por ex-celência de experiência, reflexão, ação e de percepção de si e do outro;espaço no qual a invenção de uma outra forma de estar no mundo, deconviver e de construir os próprios valores e critérios de beleza eriqueza se torna viável. Será que podemos encontrar uma pista na ideiade Don Mitchell segundo a qual “Ao reclamar o espaço público empúblico, ao criar espaços públicos, os próprios grupos sociais tornam-se públicos” (Mitchell, 2003 apud Harvey, 2008, p. 16)10? E, assim,aprender a produzir modos de deixar-se afetar pelo entorno e pelooutro somente seria possível em situação?

Uma questão que então se coloca é a de quais seriam ascondições para que a “representação direta” consiga condensar umaexperiência crítica do conflito de forma esteticamente potente.A ideiade “representação direta” foi lançada pelo crítico de arte BrianHolmesem 2000, em Barcelona, durante o workshop “De la acción directacomo una de las bellas artes”:

Marcelo Expósito: Si te parece bien, comencemos porel término “representación directa”. Consistía en una

10. Don Mitchell, The Right to The City. Minneapolis, Minnesota University Press, 2003, p. 12.

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especie de mediación en el debate sobre las nuevasprácticas artísticas activistas que a finales de ladécada de los noventa, en algunos ambientes, se en-contraba inútilmente polarizado entre dos extremos:‘representación’ vs. ‘acción directa’. […] MarthaRosler habla de “representación participativa” paradefender la necesidad de seguir produciendo repre-sentaciones no alienantes ni explotadoras en las queel sujeto representado tome parte activa, sin ser co-sificado; y tú propones este concepto, ‘representa-ción directa’, en términos no muy alejados de los deRosler.Brian Holmes: Lancé esta idea de “representación di-recta” en el 2000, aquí mismo, en Barcelona, duranteel taller “De la acción directa como una de las bellasartes”. Era una provocación contra la vieja ideaanarcosituacionista de que toda acción simbólica seencuentra alienada respecto al espectáculo unificadode la representación política y el imaginario comer-cial, de tal manera que la única respuesta solo po-dría consistir en un acto secreto, denso, invisible yrigurosamente material: bloquear algo, un tren, unaautopista, una cumbre. Por supuesto que este tipo deacción puede ser extremadamente efectiva, pero desdeel punto de vista artístico se puede hablar tambiénde otras cosas. En el contexto del movimiento anti-globalización, que ha operado tan decididamente através de Internet, e incluso a través de los mediosde masas, la idea de una acción directa ‘pura’ estátan alejada de la realidad que parece absurda. Yo, poraquel entonces, trabajaba con Ne Pas Plier en proyec-tos que intervenían en la calle. Se trataba de dis-tribuir ‘medios de representación’, de cogerpegatinas u otros materiales impresos, y repartirlosen medio de la gente para que millares de personas pu-dieran llevarlos en su propio cuerpo y darles voz:usarlos, regalarlos a otras personas con el fin de

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cualificar una manifestación para que no fuera unamera masa de cuerpos, sino una colectividad que pre-tende decir algo. La gente podía hablar mediante esasimágenes, a la vez que la prensa y los fotógrafos queformaban parte del movimiento realizaban nuevas imá-genes a partir de estos usos. De esa manera el eventotransmitía un mensaje de multiplicidad: interpreta-ciones personales de ideas colectivas que se filtrana través de las diversas capas de la comunicación me-diática, posibilitando diferentes tipos de efectos.[…] (Brian Holmes entrevistado por Marcelo Expósito,2006, p. 345).

O estudo dos processos e trabalhos em pauta passa, portanto,por entender como, quando e por que as intervenções artísticas têmum poder disruptivo, ou seja, são capazes de desestabilizar repre-sentações sociais e sensações prévias; ao evidenciar a possibilidadede fazê-lo, trazem à tona a produção compartilhada de um novoimaginário a respeito do espaço e, com isso, a experiência do“público” como obra.

A intervenção na vida pública, para nós, é umaprática que permite – seja no âmbito dadenúncia oudo anúncio – trazer à superfície e colocar em dis-cussão o que estava presente em um determinadocontexto, mas por algum motivo não estava sendodito ou visto. Possibilita gerar umestranhamento desituações normalizadas dando lugar, nesse movi-mento, a uma mudança da chave de leitura sobreessas situações.As formasapartir das quais estas in-tervenções são criadas são singulares a cada con-texto, já que este é necessariamente o ponto de

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partida e de chegada.A intervenção nos permite en-carar de forma criativa os problemas sociais, políti-cos, culturais que nos atravessam todos os dias.Acreditamos que apenas a elaboração coletiva dosconflitos com todas as suas contradições e mistériospossa ampliar as possibilidades de sua compreensãoao criar um espaço de fala, escuta, ação e reflexão.Para nós, esta tem sido uma forma de construir umposicionamento mais efetivo e consciente e de resis-tir à apropriaçãoautomáticados fatos – que os tornaformas fixas e esvaziadas de experiência, estratégiaclara de controle que contribui para a estabilizaçãoe reprodução de toda a estrutura histórica de de-sigualdade e segregação social. Reinventar, a todo omomento, as formas de denúncia e anúncio dos fatosé, então, parte fundamental deste percurso (Con-trafilé, 2007, p. 7).

O fato de que estejam contidas nestes modos de ação no es-paço público tanto a dimensão coletiva quanto a dimensão estéticanão é, portanto, um apêndice deste processo. A dimensão coletiva,por um lado, é intrínseca ao próprio esforço por reivindicar o direi-to à cidade. Neste aspecto, para David Harvey:

“O direito à cidade não pode ser concebido simplesmente comoum direito individual. Ele demanda um esforço coletivo e a for-mação de direitos políticos coletivos ao redor de solidariedadessociais” (2008, p. 15).

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Nos coletivos artísticos, este esforço está contido no ato deauto-organizar-se, estabelecer regras e condições de convivência e pro-dução e, por fim, no gesto estético que intervêm no âmbito do público.A dimensão estética, por sua vez, tem profunda relação com a forçade um corpo que se coloca em risco11 para tornar visível e legível o ins-tante de invenção de um espaço social com determinadas qualidades.

Um componente a ser observado nas ações dos grupos empauta e que é determinante na maior ou menor potência do gesto es-tético, é a escolha do contexto onde a intervenção é feita em relaçãoàs qualidades do espaço denunciado e anunciado. Interessa pensarcomo se dá o complexo cruzamento entre uma intervenção artísticae o espaço social para que a construção simbólica tenha a potência de

“interferir na narrativa social, de gerar, por maismínimos que sejam, deslocamentos na configuraçãoestabelecida do possível” (Política do Impossível,2006).

É importante também destacar alguns aspectos que marcameste trabalho. Apresenta-se a construção de uma narrativa que partiudaquilo que movia as preocupações de um determinado grupo, comobase para uma interpretação de caráter mais conceitual. Assim, aomesmo tempo que existe um fio cronológico no trabalho, este é a todomomento interrompido por inflexões que representam descobertas dopensamento conforme a memória é ativada. Saltos e sobressaltos sãodados, criando uma teia de ideias que opera a partir de diversas tem-poralidades sobrepostas.

Ao longo do livro privilegia-se a ideia de “investigação-ação”,na qual a própria investigação é compreendida como intervenção.Trata-

11. Essa ideia de um “corpo que se coloca em risco” é bastante utilizada neste livro e dizrespeito à forma acionada pelo tipo de trabalho aqui analisado, na qual o “sujeito” se colocano centro de situações sociais conflitivas para denunciar e anunciar aquilo que está vendo,pensando e sentindo. Esse tipo de fazer político-artístico resulta em soluções imagéticasnas quais captar o corpo em confronto com o espaço, ou o indício desse enfrentamento, setorna fundamental.

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se do exercício de dar corpo conceitual a experiências que são de fatorelevantes para aquele que as pensa, acarretando novas experiências.Como diz o coletivo argentino Situaciones:

Se nos referimos ao compromisso e ao caráter ‘mili-tante’ da investigação, o fazemos emumsentido pre-ciso, ligado a quatro condições: a) o caráter damotivação que sustenta a investigação; b) o caráterprático da investigação (elaboração de hipótesespráticas situadas); c) o valor do investigado: o resul-tado da investigação só se dimensiona em sua tota-lidade em situações que compartilham tanto aproblemática investigada quanto a constelação decondições e preocupações; e d) o seu procedimentoefetivo: seudesenvolvimento é já resultado, e o seu re-sultado redunda em uma imediata intensificaçãodos procedimentos efetivos (Colectivo SituacioneseMTDSolano, 2002, p. 13-14).

O plano teórico de forma alguma pretende se descolar da ex-periência para tornar-se uma espécie de voz racional da verdade. Esseexercício de fortalecimento da reflexão a partir da prática tem, noentanto, uma série de consequências. Uma delas consiste na opçãoem apresentar, em alguns momentos, vozes, imagens e reflexões queno andamento processual de certos trabalhos evidenciam certa in-genuidade. A menção a estes momentos tem por objetivo mostrarcomo se deu, em diversas ocasiões, essa passagem do desejo, da fra-gilidade, da incerteza, do confronto, para a produção de trabalhos ereflexões com forte impacto simbólico – já que é justamente nesse

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movimento que encontramos a potência dos gestos artísticos aquiapresentados.

Por último, uma das tantas dificuldades que se apresentaramao longo deste trabalho de elaboração foi diferenciar as diversas vozesque o compõem. A minha voz como “estudante e pesquisadora”; aminha voz enquanto artista e as vozes dos outros artistas (coletivos)aqui apresentados enquanto citações; as vozes teóricas e da mídiaque, em diferentes sentidos, são referências para a construção dopensamento aqui desenvolvido; as vozes dos coletivos, tanto dosquais eu faço parte, quanto dos que eu não faço, quando essas são in-terpretadas por mim enquanto textos-obras12. O critério utilizadopara entender que o trabalho deste livro deveria evidenciar o aspectomúltiplo dele mesmo foi a característica comum tanto dos coletivosaqui acionados, como de tantos outros que compõem essa rede decolaboração, de refletir sobre a própria prática, produzindo textos,livros, manifestos que são, de fato, compreendidos como obras, assimcomo o são, obviamente, as imagens, performances, intervenções.

12. Nesse sentido, a produção de imagens adquire um caráter amplo, pois diz respeito àinvenção e/ou subversão de imaginários, o que pode ser feito através de estratégias distintas(texto, fotografia, intervenção urbana, leituras críticas de jornais, etc.) e muitas vezessobrepostas.

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Vozes:

1.a minha voz como “estudante e pesquisadora”.

2.as vozes dos coletivos enquanto citações.

3.as vozes teóricas, de artistas e da mídia que, em diferentes sentidos,são referências para a construção do pensamento aqui desenvolvido.

4.as vozes dos coletivos enquanto textos-obras.

5.os textos-obras dos coletivos enquanto documentos.

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Conversa Introdutória

Abaixo, reproduzo alguns trechos da “conversa” ocorrida nomeu exame de qualificação de mestrado13 que lançam questões paramim fundamentais e que serão tratadas ao longo do livro. Não optopor colocá-la aqui de forma arbitrária, mas porque, ouvindo agravação, percebi que contribuiu para que eu pudesse, mais uma vez,retomar alguns aspectos daquilo que venho construindo enquantoprática e pensamento.

Suely Rolnik, não sem razão amplamente citada neste tra-balho reflexivo, foi também parte da banca e as ideias trocadas comela naquele dia específico ganham uma forma legível para presen-tificar o tipo de interlocução que tem sido construído entre muitosartistas e coletivos e essa pensadora. A partir de seu olhar interes-sado e de seu corpo aberto, sempre trouxe de forma vibrante paranós, como importante base de sustentação de nossas indagações,dúvidas, reflexões e, claro, ações, uma forma de pensar abrangente,crítica e sensível às forças do mundo.

Além de tudo isso, a conversa, como forma de elaboração deespaço social, é de onde nascem os trabalhos que serão aqui apre-sentados. É no embate pela produção de um pensamento vivo e com-partilhado que os coletivos artísticos partem para inscrever novasconfigurações de mundo.

JoanaZatzMussi:Quando iniciei o mestrado, me interessava apro-fundar teoricamente as práticas dos coletivos artísticos dos quais façoparte ou sou colaboradora, mas o projeto de pesquisa ainda estavamuito vago. Cursando as disciplinas, lendo novos autores, me dis-tanciando minimamente do turbilhão do fazer, pude ter uma relação

13. Estavam presentes Joana Zatz Mussi, mestranda, Vera Pallamin (Área de Projeto, Espaçoe Cultura da FAU-USP), orientadora da dissertação, e, como membros da bancaexaminadora, Suely Rolnik (Núcleo de Estudos da Subjetividade – Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUC-SP) e Sérgio Regis Moreira Martins (Departamentode Projeto da FAU-USP). São Paulo, 16 de janeiro de 2012.

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mais reflexiva com os trabalhos, o que me permitiu entender qual éa questão fundamental para mim, que é a da atuação na cidade ecomo essas práticas urbanas evidenciam, na produção imagética esimbólica que realizam, as formas e mecanismos de produção e re-produção do espaço social na contemporaneidade.

Em alguns momentos, a atuação ocorre em processos sociaisjá em curso, dando visibilidade e legibilidade para eles, em outros, háa invenção de processos; nos dois casos, é o corpo em risco, o embateentre o corpo e o espaço urbano evidenciando as formas e mecanis-mos contemporâneos de produção, o que gera um entendimento dadimensão estética nesses trabalhos. Nesse sentido, é importante re-alizar uma interpretação do que é “a cidade” nessas e para essas práti-cas, como lugar de partida e de chegada, como lugar físico esimbólico, como presença e também como devir.

A interpretação de como “a cidade” aparece e é acionada emalguns trabalhos artísticos a partir dos quais proponho uma reflexão,de como um corpo individual ou coletivo se constitui no embate coma escala urbana, além de ser um problema estético e político, tam-bém tem a ver com toda uma discussão feita pelas ciências sociaiscontemporâneas na tentativa de entender a cidade como espaço re-ferencial em um momento histórico no qual não há mais nada quepossa ser pensado estando fora do marco do urbano.

A partir disso, muitas questões emergem e uma delas é o tipode crítica institucional feita pela geração de coletivos artísticos quecomeçou a atuar em meados da década de 1990 e aprofundou a suaprática nos anos 2000.Alguns autores, como o crítico norte-americanoBrian Holmes, o artista e pensador espanhol Marcelo Expósito emesmo Suely Rolnik, aqui presente, dizem que essa geração tende a“entrar e sair da instituição”, entendida não apenas como uma institu-

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ição artística. Isso significa que as formas de relação institucional setransformaram, e que dependem tambémda compreensão que as práti-cas aqui abordadas têm sobre o que é o marco do urbano. E se concor-damos que hoje não é mais possível pensar em um espaço que estejafora desse marco, fica evidente que as instituições também estãooperando a partir dele, portanto, emmúltiplas escalas simultaneamente,e que é possível disputar a produção e a re-produção do espaço socialmesmo de dentro de uma dimensão institucional mais formalizada.

E o que é o “espaço social”? Porque se me interessa entendercomo, nessa produção imagética, se cria legibilidade e visibilidade paraas formas pelas quais o espaço social é produzido e reproduzido, épreciso ao menos iniciar uma tentativa de definição de como estouentendendo o que é esse espaço. Aqui, começo essa tentativa, por e-xemplo, quando a partir das práticas percebo uma dimensão física euma dimensão simbólica operando simultaneamente em justaposição;quando percebo que ele pode ser entendido prioritariamente a partirdo marco do urbano e que isso não significa rua ou prédio, mas umaforma que atravessa tudo e que pode ser definida a partir da disputapela definição do que é legal e ilegal, lícito e ilícito, formal e informal,na produção do espaço. Outros pontos importantes a serem olhadoscriticamente na definição do que seria o espaço social compreendidoa partir dessas práticas são os atravessamentos, as redes, as conexões,que geram uma grande mobilidade daquilo que é produzido e o en-contro de um espaço comum e compartilhado.

As práticas artísticas aqui analisadas aparecem nesse con-texto, portanto, como parte fundamental da disputa pela produçãodo espaço na contemporaneidade e tendo como papel principal a cri-ação das imagens de como isso está se dando; porque o know how ea expertise que foi sendo criada é essa, de um saber circulatório que

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nasce a partir da potência dessa representação. E como definir apotência, como entendê-la?

O saber circulatório pode ser entendido como um indício dapotência de uma imagem. No momento em que essa imagem estásendo elaborada, a sua potência e a possibilidade de que circule nãosão conscientes, mas é possível sentir a sua consistência pelo quantocarrega de uma experiência real. É isso o que vai fazer com que seprolifere a produção crítica de imagens que tornam visível e legívelcomo a produção do espaço social está se dando em diversos con-textos. Sabemos que essas imagens ensinam alguma coisa justamentequando guardam a experiência de um devir como memória daspotências sociais dessas imagens.

Suely Rolnik: Você é uma testemunha viva desse movimento cul-tural14, por isso a importância de registrar, conceituar o que se passou,fazer proliferar. Existe aí uma inquietação. Quando você diz que acidade se produz em mil camadas e dimensões e que as instituiçõestambém, o Félix Guattari tem um conceito interessante para falardisso, que é o conceito de “transversalidade”.Através desse conceito,ele fala como somos compostos do que é imediatamente visível e demuitas outras camadas invisíveis e que é essa dinâmica que vai nosformatando, nos constituindo.

Considero essa uma questão central do seu trabalho e voufalar agora um pouco sobre ela. Quando você diz que os grupos tra-balham em situações de tensão que já estão lá, nomeadas de algumaforma, e em outras que vocês “inventam” – eu diria que vocêsnomeiam a partir de uma dimensão micropolítica –, é isso o que paramim significa colocar o corpo em risco. Por que, afinal, que corpo é

14. A ideia de que os coletivos artísticos aqui apresentados fazem parte de um movimentocultural mais amplo aparece em diversos momentos do livro e se refere ao fato de que elesestão inseridos em um conjunto de práticas políticas e estéticas que surgiram a partir dosanos 1990 tendo como mote a luta contra o capitalismo contemporâneo, a precarização davida de modo geral, a ocupação do espaço público pelas pessoas, a invenção de novasformas de sociabilidade e contestação frente à chamada “sociedade de controle”. Ao longoda obra, algumas das características que marcam este como um “movimento cultural eartístico”, serão analisadas e ficarão mais claras.

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esse que se entrega ao risco?Você está falando sobre a introdução desse conhecimento do

corpo na avaliação do estado das coisas e na condução das ações; a in-trodução e o desenvolvimento do conhecimento de como dar corposensível para essas sensações; o que é um ato de resistência funda-mental ao pensamento inventado pela Europa Ocidental e que re-calca o corpo e restringe o pensamento à percepção e à razão.

Não inventamos porque somos inspirados por Deus, masporque nesse conhecimento corporal, das forças ambientes, os afetosdo corpo já estão indicando essa necessidade... Uma coisa é denun-ciar, outra é anunciar... Já está se anunciando nesse conhecimentocorporal uma dinâmica tensional que convoca você a dar corpo paraisso, no caso das práticas das quais estamos falando, através de umaproposta de intervenção na cidade. Não é que algumas situações e-xistem e outras ainda não existem, é que algumas ainda não estão nocampo do visível, ainda não estão operando como tensão macropo-lítica, mas já estão presentes no corpo.

Quando você fala em “colocar o corpo em risco”, eu entendomuito mais esse anunciar do que o denunciar. Se você levasse so-mente em conta o fato de ser filha de militante15, esse colocar-se emrisco significaria se matar para denunciar; como você é de uma gera-ção que está tentando ampliar o campo da política, até para honraros seus ancestrais, sabe que hoje, o que faz sentido, é o corpo estarali implicado para anunciar.

Nós, como fomos estruturados pela cultura inventada na Eu-ropa Ocidental, pelo processo de colonização, capitalismo, subje-tividade burguesa, etc., funcionamos no registro da percepção, daconsciência, da vontade, da representação, do sentimento, e do sen-sorial também. E o sensível também faz parte do regime da per-

15. Os meus pais fizeram parte do movimento político contra a última ditadura militar, sendofiliados aos grupos VAR - Palmares e Ala Vermelha do PCdoB. Foram perseguidos e, paranão serem presos, se exilaram em países europeus.

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cepção, porque nele tem um sujeito percebendo um objeto. E o queestá recalcado na nossa cultura e está, por outro lado, muito presentenas culturas que nos constituem no Brasil, as culturas africanas, in-dígenas e culturas mediterrâneas, árabes, judaicas e o cristianismopré-igreja católica apostólica romana, é essa dimensão da subjetivi-dade ativa. Porque o próprio da subjetividade burguesa, capitalista, éo recalque do corpo na cotidianidade, no modo de aprender, na pro-dução cognitiva, na condução do pensamento e da existência. Nessasculturas, que também nos constituem, isso não está apenas presente,como é ritualizado na cotidianidade.

Posso olhar as situações e as tensões próprias da cartografiado presente, como estão organizados os conflitos de raça, de classe,de gênero; mas têm situações nas quais existe uma tensão paradoxalentre o que o seu corpo está captando e a cartografia do presente, oque te coloca em crise. Então, a intervenção será a invenção de algoque vai dar corpo para isso que está se anunciando, mas ainda nãoestá na dimensão do visível. A denúncia e o anúncio são fundamen-tais, o que não podemos é reduzir o que fazemos a uma coisa ououtra. Por exemplo, se ficamos só na dimensão do desejo e não faze-mos o movimento de dar corpo ao que está acontecendo em umaação, um conceito, no que for, construindo uma representação que seinscreva na realidade visível, não acontece nada e essa pulsão vira puraesterilidade também.

Deleuze eGuattari falam em perceptos, ummodo de percepçãoque não passa pela linguagem e que é essa experiência domundo comocorpo vivo, como campo de forças. E a sensação, para Deleuze e Guat-tari, não tem a ver com o sensorial, é a sensação da tensão, do para-doxo, entre isso que o corpo vivo já está captando e o modo como ascoisas estão formatadas. E é essa sensação que dispara a criação, então

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não é a experiência sensível que vai ganhando corpo, é a experiência dovivo que vai ganhando corpo sensível e se atualizando.

E por que as imagens produzidas nessas práticas urbanas en-sinam? Não é só porque eu vou imitar, tem isso também... Mas, prin-cipalmente, porque essa ação é portadora de uma experiência de algoque está se anunciando e que eu compartilho. Se eu consigo fazeralgo bom, com rigor e disciplina, e que carregue isso que se anuncia,essa ação imediatamente reverbera. A sua ação ensina porque é por-tadora de uma experiência real. Uma coisa é então descrever o que sepassou ali, outra coisa é mergulhar na memória dessa dimensão daexperiência e tentar fazer uma ação conceitual, criar conceitos paratornar dizível o que está ali.

Mas acho importante tocarmos aqui nessa potência, tendocomo indício o saber circulatório do qual você fala. É preciso deixarclara uma visão crítica damobilidade, portanto, nem resistir a ela e nemcelebrá-la. NoBrasil, tendemos a idealizar amobilidade, a antropofagia,com uma falta de visão crítica em relação a essas ideias, tão presenteshoje no sistema da arte em sua identificação com o neoliberalismo.

Por isso, vejo um problema fundamental aqui para desen-volver, que é discriminar melhor esses dois campos nos trabalhosanalisados, principalmente o conceito de micropolítica, porquemacropolítica todos nós dominamos. Isso implica de fato, como vocêdisse, em circunscrever melhor o que entende por “espaço social”,porque é fundamental tentar elaborar como o espaço se produz nessemovimento domicro aomacro e não apenas no espaçomacropolítico.

No meu entender, o conhecimento estético é exatamenteesse conhecimento da passagem do micro ao macro, de colocar ocorpo em risco para performatizar o invisível, aquilo que já é vividocomo real mas ainda não encontra representação na realidade. É o

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conhecimento desse corpo, vulnerável às forças do mundo, que de-sencadeia a necessidade de pensar como sinônimo de criar e que nãovale somente para a arte. Mas como falar dessa experiência do corpo?

Uma coisa é falar dessa experiência como um encontro como outro, como um sujeito que “interage” com outro sujeito, ainda nalógica de sujeito e objeto. Outra é falar a partir dessa lógica na qualjá não há sujeito e objeto, mas um corpo mergulhado em um campode forças que desencadeia nesse corpo a sua potência de criação, oque vai resultar em uma reconfiguração tanto do sujeito quanto doambiente. Essa história de interagir com o outro é o mínimo que vocêespera de um ser humano, reconhecer a existência do outro e os seusdireitos civis, mas temos que agregar a dimensão da vulnerabilidadede um corpo a esse campo de forças, que tem a ver com a transver-salidade do Guattari, quando ele entende a subjetividade como adinâmica de todos esses atravessamentos.

Nesse caso, já não dá para falar em um “outro”. Existe esse“outro” do direito civil, mas existe uma alteridade que nos habita,que é aquilo que escapa do outro como representação, e mesmo darepresentação de nós mesmos. Essa alteridade é esse campo de forçasatravessado pelas forças do mundo e que está o tempo inteiro colo-cando em xeque as formas do presente. Essa alteridade, nesse sen-tido, não é o outro que está fora, é uma alteridade que me constitui,que não para de me fazer, desfazer, me desmanchar, e que não parade me obrigar a pensar, criar e agir. E eu penso nisso como um grandeponto de interrogação, porque coloca um problema a cada momentona medida em que coloca problemas que obrigam a pensar.

Quando você fala que a dimensão estética está na constitu-ição de um “possível”, é importante distinguir bem essa ideia, porqueo “possível” está na dimensão do visível, da representação, mas den-

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tro do campo da micropolítica, do invisível, não se fala em possível.Aí tem um virtual que já está se anunciando e que vai se atualizar emuma outra coisa, que não tem a ver com o possível, pois esse está con-tido no modo como está constituído o presente. Importa então quefique claro isso, não importa tanto o nome que você vai dar, mas quefique claro o lugar de cada coisa. Mas como você chamaria isso, senão é possível, de devir16? Eu chamo cada hora de um jeito, mas agoraestou chamando de imanência17.

Na dimensão do visível, podemos falar em oposição, con-tradição, dialética, porque de fato entre preto e branco, homem emulher, ricos e pobres, classe dominante e classe dominada, existeminteresses que são opostos mesmo. Mas não podemos dizer que oque está se anunciando a partir do campo da imanência, do que aindanão é visível, é o contrário do que é visível; isso que se anuncia é umaoutra coisa, é um deslocamento, não tem síntese, ele pode mudar aconfiguração do presente, mas não é a negação do presente e nemestá contido nele como possibilidade.

Esse movimento, quando estou tomada pela urgência dasforças que me atravessam e elas ficam me azucrinando enquanto eunão invento alguma coisa, esse movimento, que seria uma ação dopensamento, é a produção de um devir, uma sublime ação, algo quedê corpo para o que nos atravessa. É sublime porque é uma ação éticapor excelência: se responsabiliza pela possibilidade de afirmação davida e não de um sistema de valores. Então, quando a gente inventa

16. No livro Cartografias do Desejo, Félix Guattari e Suely Rolnik definem “devir” da seguinteforma: “Devir: termo relativo à economia do desejo. Os fluxos de desejo procedem por afetose devires, independentemente do fato de que possam ou não ser rebatidos sobre pessoas,sobre imagens, sobre identificações. Assim um indivíduo, etiquetado antropologicamentecomo masculino, pode ser atravessado por devires múltiplos e, aparentemente,contraditórios: devir-feminino que coexiste com um devir-criança, um devir-animal, um devir-invisível, etc. [...]” (2005, p. 382). Em O Vocabulário de Deleuze, François Zourabichvili defineda seguinte forma o significado de “devir” para Deleuze, com o qual Suely Rolnik tambémopera aqui: “Devir é o conteúdo próprio do desejo (máquinas desejantes ou agenciamentos):desejar é passar por devires” (2004, p. 24).17. Segundo Deleuze e Guattari, autores com os quais Suely Rolnik dialoga a todo omomento: “O plano de imanência é como um corte do caos, e age como um crivo. O quecaracteriza o caos, com efeito, é menos a ausência de determinações do que a velocidadeinfinita com a qual elas se esboçam e desaparecem […]” (Deleuze e Guattari, 1992 apudZourabichvili, 2004, p. 39).

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alguma coisa nesse sentido, estamos produzindo um devir em nósmesmos e no ambiente.

Por isso, um grande deslocamento é o de uma concepçãotanto de tempo quanto de espaço restrita à dimensão da represen-tação, para uma outra concepção, que é do tempo como devir, porqueaí ele é a própria constituição de espaço, ele não existe se não se a-tualizar como outra forma de espaço. Nesse sentido, não dá sim-plesmente para passar do tempo histórico para o espaço social comoreferencial para entender o contemporâneo, pois a temporalidade éindissociável do engendramento de espaço, não há como separar umacoisa da outra.

Joana Zatz Mussi: E você acha que é possível pensar esse engen-dramento do tempo-espaço social a partir da micropolítica?

Suely Rolnik: Tanto eu acredito que dedico a minha vida inteira aisso. Eu acredito plenamente, essa é a minha maior convicção. Hojeem dia eu acho que essa é a atitude de resistência política mais fun-damental, do ponto de vista micropolítico, a toda a história colonial,do império da Europa Ocidental sobre o planeta, que inibiu e recal-cou essa capacidade cognitiva que é nossa bússola vital, diferente deuma bússola moral, ligada à justiça social, por exemplo. Eu posso de-fender os valores de justiça, mas estar super-reativa ao que a vida estápedindo, porque estou com a bússola vital danificada, recalcada,sendo que é ela que nos dá a noção de onde a vida está totalmente es-trangulada e onde tem que colocar energia para ela deslanchar.

ALygia Clark, quando chamava os objetos que fazia de “obje-tos relacionais”, o que estava tentando com a obra dela, na minhaleitura, era ativar essa dimensão “micro” da subjetividade, tanto que

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no último trabalho, em que ela traz essa dimensão terapêutica, não éque ela virou terapeuta, é que ela incluiu uma dimensão clínica na pro-posta artística dela porque ela se deu conta de que você pode estre-buchar e virar do avesso para que o espectador viva uma experiênciaque vá convocar isso – essa dimensão da potência, da micropolítica, daimanência –, mas a barreira neurótica de recalque disso é tão poderosaem todos nós que não adianta... Então, ela faz um trabalho no qual jus-tamente está explorando essa barreira.

Tudo isso nos faz pensar o que estamos aqui chamando depolítica. Estamos acostumados com o conflito entre o poético e opolítico. O que eu gosto dessas histórias, é poder entender que a ex-periência domundo como corpo vivo que nos atravessa é política, émi-cropolítica. Você sair do recalque, dar conta do que o corpo vivo estáanunciando e fazer a sublime-ação, é ético e é político...

Vera Pallamin:Merleau-Ponty critica a relação entre sujeito e ob-jeto, rompendo com essa dicotomia que você comentou. Desde ocomeço isto está presente em sua filosofia, e depois, em textos como“O Olho e o Espírito” e outros, em direção à etapa final do seu tra-balho, isso se evidencia reiteradamente. Isso implicou em sua revisãoda noção de alteridade – ele diz: “Sou eu mesmo sendo sempreoutro”... Pode-se estabelecer um diálogo entre a filosofia dele e váriascoisas que você falou. No artigo em que falo da Frente 3 de Fevereirocomo um corpo coletivo segurando aquela imensa bandeira18, Mer-leau-Ponty me ajudou a pensar aquela ação enquanto vontade e corpocoletivos. Estou dizendo isso porque fico pensando se seria possívelentender o que você está dizendo a partir de um outro referencialteórico, que não necessariamente o da psicanálise...

18. Aqui, Vera Pallamin se refere ao texto “Do lugar-comum ao espaço incisivo: dobras dogesto estético no espaço urbano" (2007).

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Suely Rolnik: É sim possível entender tudo isso sem ser “psi-canalista”. Alguém que tenha uma experiência psicanalítica pode en-tender muito bem, porque não depende apenas de uma experiênciateórica, eu acho que alguém que frequente um candomblé bom, quetenha a experiência do transe, que tenha alguma relação com a cul-tura africana, é tão capaz de entender quanto alguém que encontrouum bom analista. No fundo, tudo isso que fazemos e sobre o quefalamos hoje aqui são intervenções políticas na cultura, formas dereativar essa dimensão da imanência na cultura, essa dimensão docorpo, das pulsões e do desejo.

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CAPÍTULO I

Nada émais importantedo que essa nuança fugidia

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