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INTRODUÇÃO
A linguagem escolhida para este trabalho foi a Fotografia, sendo utilizada a
Fotografia Digital. A Fotografia está no seleto grupo de Linguagens com as quais tive
uma identificação no decorrer do curso de Artes Visuais. Sendo que minha escolha
definiu-se quando de posse de uma câmera digital com recursos profissionais tive
livre acesso à experimentação. Foi durante estas experimentações que realizei as
primeiras imagens da temática deste trabalho. Ao fotografar luzes de uma avenida à
noite, dei movimento a elas movendo a câmera. Partindo da análise dos resultados
obtidos, defini a Linguagem e a Temática, sendo elas: Fotografia com longo tempo
de exposição de Fontes luminosas.
A partir desta definição traçei os objetivos deste trabalho, sendo eles: obter o
domínio técnico necessário para a produção deste tipo de fotografia; depois de
alcançar este objetivo busquei desenvolver uma poética, minha própria forma de
fotografar luzes. Sendo que a busca por referências, tanto de artistas quanto
teóricas, ficou para um segundo momento, esta busca só teve início quando já havia
definido como seriam minhas fotografias, minha poética.
Minha metodologia de trabalho foi baseada na experimentação, análise dos
resultados e nova tentativa utilizando o conhecimento assimilado na experimentação
anterior. Assim minha busca foi longa e gerou uma quantidade enorme de imagens
que nunca serão ampliadas, mas que geraram o conhecimento necessário para o
bom andamento do trabalho e os resultados finais.
No Capítulo I, estão minhas duas referências iniciais, pois a princípio meu
trabalho era de fotografia noturna com o registro do movimento e encontrei em
trabalhos de Brassai e Marey estas características.
O Capítulo II, traz o amadurecimento do trabalho quanto à sua idéia no que diz
respeito à metodologia desenvolvida para o aprimoramento técnico.
9
No Capítulo III, a partir do aprimoramento técnico com a busca de uma poética
houve um direcionamento para a arte cinética, sendo que esta foi uma evolução
natural do trabalho.
O Capítulo IV, trata de uma das questões vitais deste trabalho, a cor e seu
registro na imagem digital, englobando uma discussão teórica sobre a cor.
No Capítulo V, há uma nova evolução natural do trabalho que não havia sido
programada, a questão autobiográfica, que justifica e esclarece muito sobre minhas
fotografias.
O Capítulo VI, traz o embasamento teórico para o caráter abstrato de meu
trabalho.
No Capítulo VII, há uma análise de três fotografias.
Nas Considerações Finais apresento os resultados alcançados pela união da
prática, técnica e teoria.
Justamente por todas estas questões este trabalho pode ser referência para
outros em várias áreas, mas só será compreendido se lido na integra.
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CAPÍTULO I
A FOTOGRAFIA COMO LINGUAGEM ALIADA À TEMÁTICA
Historicamente a fotografia noturna obteve destaque com os trabalhos de
Brassai (1899-1984). Segundo Nesbit [s/d] sua reputação data da publicação em
1933 de seu livro Paris de nuit, pela Arts et Métiers Graphique, uma editora
surrealista, o livro mostra um passeio noturno por Paris após o crepúsculo. Para
Brassai a fotografia em geral abre as portas ao conhecimento e nega o acesso a ele:
“O que atrai na fotografia – escreveu em 1932 – é precisamente esta possibilidade
de penetrar nos fenômenos, de ocultar suas formas. Ah, que presença impessoal,
que incógnito perpétuo!” (p. 122) Penetrando no fenômeno da formação da luz
branca pelas cores-luz (vermelho, verde e azul) e produzindo imagens de natureza
abstrata, sinto que o que Brassai disse com relação a: “penetrar nos fenômenos” e
“ocultar suas formas”; encaixa-se perfeitamente ao propósito de minhas imagens.
A figura 1 apresenta o muro de uma prisão no qual incidem sombras de
árvores, dando-lhe um aspecto tenebroso, lembrando-nos que é de uma prisão.
Fig 1. Le mur de la Prison de la Santé Paris, 1932 Autor: Brassai Coleção: Gilberte Brassai. Fonte: Lemagny / Rouillé (s/d: 121)
11
Pelo ano de publicação do livro de Brassai (1933) e por se tratar de fotografias
noturnas, tendo como base a evolução técnica da fotografia é possível afirmar que
são fotografias com longo tempo de exposição. Dois pontos reforçam isto, o primeiro
é o fato de que uma busca constante na evolução técnica da fotografia foi uma
forma de reduzir o tempo de exposição, o segundo é o fato de que uma fotografia
noturna, principalmente em uma época que a iluminação era deficiente, fazia
necessário um longo tempo de exposição para obter uma imagem deste tipo.
Didi-Huberman [s/d] cita uma célebre frase de Émile Zola, que para Didi-
Huberman, traduz uma imensa esperança quanto ao conhecimento do mundo visível
através da fotografia. “Não se pode pretender haver visto realmente uma coisa antes
de havê-la fotografado”.(p. 71)
Vindo ao encontro da frase de Émile Zola há o trabalho de Marey, Étienne-
Jules Marey (1830-1904). Segundo Didi-Huberman [s/d] houve vários fotógrafos que
se dedicaram a diminuir o tempo de exposição para obter o registro do movimento,
por exemplo: Londe, Boys, Muybridge, Marey, dentre outros. O problema era difícil,
desde o ponto de vista técnico, pois se tratava de reduzir ao máximo o tempo de
exposição até o ponto de revelar a estrutura de um corpo em movimento.
Para obter uma fotografia de um corpo em movimento é necessário um tempo
curto para que o movimento pareça congelado no tempo e no espaço. Se o tempo
de exposição for relativamente longo para este tipo de fotografia, o movimento ficará
borrado, não revelando assim a estrutura do corpo em movimento ou do objeto
fotografado.
Segundo Didi-Huberman (s/d: 73), em 1882 Marey conseguiu obter imagens
sucessivas captadas a 1/72 de segundo, mas as imagens eram separadas e o
entendimento do movimento implicava na análise de toda a série. A partir daí
desenvolveu aparato capaz de captar dez imagens por segundo sobre uma mesma
matriz.
A imagem obtida mostra então a estrutura do movimento, mas há que
advertir que o faz ao custo de uma desestruturação ou de desaparição do
corpo, como se a “verdade do movimento” devorasse o aspecto, a forma e o
substituísse por algo assim como uma aura.
12
A figura 2 comprova a frase de Émile Zola já citada, pois só com a fotografia do
movimento, que é algo que vemos diariamente, houve o seu entendimento e sua
real visualização.
É promovendo o encontro das questões principais dos trabalhos de Brassai e
Marey que desenvolvi o meu trabalho, sendo que eles atuaram nos extremos da
fotografia quanto ao tempo de exposição. Brassai realizava fotografias durante a
noite captando as ruas pouco iluminadas de Paris, para isto utilizava um longo
tempo de exposição e Marey buscava registrar o movimento, para isto captava
várias imagens em uma mesma matriz, utilizando para isto um tempo curto para a
época.
As fotografias do início deste trabalho foram realizadas a noite e com um longo
tempo de exposição, como as de Brassai, mas registrei meu objeto de estudo em
movimento, como Marey. Meu objeto de estudo são fontes luminosas de vários
tipos, se no ditado popular: “Nem tudo que reluz é ouro”, para meu trabalho: “Tudo
que reluz me interessa”. Foi com esta idéia que realizei meu trabalho, pesquisando
novas possibilidades, fotografando, errando e acertando.
Meu objeto de estudo começou a ser definido através da falta de um
equipamento básico e de uma teimosia, por não possuir um tripé e teimar em
fotografar a lua. Durante várias noites enluaradas tentei obter uma linda foto do luar
sem o uso de um tripé, com a pouca iluminação era necessário um longo tempo de
Fig 2. Salto longo e elevado, por um senhor... Em: Station phisiologique, méthodes et appareils, 1886. Autor: Étienne Jules Marey Registro em intervalos regulares de 1/10 de segundo. Coleção: Bibliothèque Nationale, Paris. Fonte: Lemagny / Rouillé (s/d: 62)
13
exposição e sempre havia um movimento da câmera durante este tempo, a imagem
ficava borrada e eu a apagava da câmera. Isso ocorreu de Abril de 2007 (quando
obtive a câmera) até Maio do mesmo ano.
Montenegro (2000: 66) referindo-se à criatividade e sua percepção diz:
“Depende de ter as antenas ligadas e a disposição para agir. Percepção e ação.
Criação... o grito de ação! Eureka! Eureka!” Eureka! Foi o grito dado por Arquimedes
ao descobrir a solução para um problema.
No dia 06 de Junho de 2007 resolvi variar um pouco e voltei minha lente para
uma estrela que havia no céu no início da noite. Para variar a estrela não apareceu
na imagem como um ponto de luz, pois havia movido a câmera durante o tempo de
exposição. Foi aí que aborrecida movi a câmera de propósito durante a próxima
exposição. Só faltei gritar Eureka!
Em seguida fiz várias imagens movendo a câmera, comecei com a estrela,
depois uma lâmpada fluorescente que fica em um canto da sala, após várias
imagens fui para a porta de minha casa de onde é possível avistar dois postes da
iluminação de uma avenida próxima, mais imagens, até voltar minha atenção para a
luz do poste que fica na frente da casa de meu vizinho. Esta me proporcionou
imagens melhores, pois a esta altura já era noite, em algumas consegui registrar a
luz do poste e uma estrela na mesma imagem, ambas com o mesmo “desenho” por
terem sido captados juntas em um mesmo movimento. Ao todo obtive sessenta e
cinco fotografias.
Depois desta experiência, por conta de compromissos relativos ao final do
semestre e outro assumido para fotografar uma pesquisa durante o período de
férias, sendo que este me tomou várias semanas na edição das imagens para a
finalidade a que se destinavam, fiquei afastada das luzes até o dia 12 de Agosto de
2007.
Captei então as imagens de dentro do carro em movimento no retorno de uma
viagem e como nossas estradas e avenidas não são exatamente “uns tapetes” o
carro balançava e eu nem precisava movimentar a câmera, os buracos e remendos
já faziam isto por mim.
O resultado que pode ser verificado na figura 3, me encantou e depois destas
imagens defini a linguagem, a técnica e o objeto deste trabalho.
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Assim definida a “linguagem” como sendo a “fotográfica”, a “técnica” como
sendo das imagens obtidas com “longo tempo de exposição” e o “objeto” da
pesquisa como sendo as “fontes luminosas”, parti para o amadurecimento da idéia.
Fig. 3. Dança das luzes (2007) Autora: Claudislaini Leite
Técnica: Fotografia Digital
15
CAPÍTULO II
AMADURECIMENTO DA IDÉIA
Com esta definição comecei a fase de experimentação, da busca por fontes
luminosas diversas, de testes para definir qual o melhor tempo de exposição para
cada tipo de luz, qual a melhor sensibilidade de filme (ISO), dentre outras questões
técnicas. A experimentação levou-me a duas categorias de imagens: a primeira é
composta por imagens captadas em locais abertos como ruas, avenidas, dentre
outros; a segunda é composta por imagens captadas em local fechado, sendo que
estas não estavam previstas no início do trabalho, constituem uma evolução natural
de minhas pesquisas.
2 EXPERIMENTAÇÃO + ANÁLISE = RESULTADOS
Com o uso de uma câmera digital, que não necessita de gastos com revelação
e ampliação para ter acesso ao resultado de uma nova possibilidade, pude testar à
vontade, sendo que acredito que é errando que se aprende, desde que haja uma
análise do porquê houve o erro e uma nova tentativa utilizando o conhecimento
assimilado nesta análise. Com esta metodologia pude aprimorar minhas imagens e
buscar uma Poética.
Comecei esta busca a partir das imagens obtidas em ruas e avenidas,
captadas de dentro do carro em movimento. A idéia de captar estas imagens vinha
ao encontro de uma frustração, sempre tive vontade de fotografar uma avenida à
noite utilizando um longo tempo de exposição, pois isto propicia a obtenção de
imagens onde figuram um rastro de luz branca dos carros que estão de frente e um
rastro de luz vermelha dos carros que estão no sentido contrário. Este tipo de
imagem sempre me encantou, mas para obtê-las é necessário ficar à noite em um
ponto estratégico, pode ser um viaduto sobre uma avenida, com a câmera em um
tripé. Por questões, principalmente de segurança e pela falta de um tripé, nunca tive
a oportunidade de realizar este desejo.
16
Com as imagens captadas durante uma viagem, principalmente na chegada à
Campo Grande, pude obter fotografias de luzes e o uso de uma câmera digital
possibilitou-me visualizá-las imediatamente no visor LCD e mudar os ajustes de
tempo de exposição, abertura de diafragma ou o ISO, quando julgava necessário.
Transferindo estas imagens para meu computador pude fazer uma análise
minuciosa dos resultados. Após verificar cada uma recorri aos dados técnicos que
ficam armazenados nos arquivos, onde é possível verificar qual foi o tempo, a
abertura e o ISO utilizado. Comparando as fotografias a partir destas informações
pude perceber quais ajustes propiciaram imagens melhores. Há de se levar em
conta que em cada fotografia há uma quantidade diferente de pontos de luz e de
fontes luminosas, com isto não há como determinar um conjunto de ajustes que
funcionará bem em todos os casos.
Esta sensibilidade em fazer o ajuste certo para cada momento só é adquirida
com a EXPERIMENTAÇÃO exaustiva, a ANÁLISE dos erros e acertos sendo que
isto leva à obtenção de imagens com melhores RESULTADOS. Esta foi minha
metodologia ao longo deste trabalho.
2.1 UMA EVOLUÇÃO NATURAL DA IDÉIA
As imagens captadas em local aberto apresentam em geral um fundo mais
claro, isto é resultado da grande quantidade de fontes luminosas encontradas nestes
locais e também da variedade destas luzes. Com isto, é tecnicamente difícil acertar
o tempo de exposição ideal para o ambiente, pois cada tipo de luz tem uma
intensidade e ainda há a falta de controle sobre a quantidade de luz, já que um carro
pode entrar subitamente na rua ou piscar o farol por um motivo qualquer e estes são
fatores que nenhum apuramento técnico pode controlar.
Como afirmado no Capítulo I, para mim: “Tudo que reluz me interessa”. Como
há inumeráveis fontes de luz, realizei experimentações das mais diversas e
inusitadas em ambiente fechado. Meu local de estudo e trabalho é nos fundos da
minha casa onde concentrei todo o material referente à faculdade e onde meu filho
também possui um espaço para realizar seus experimentos com eletro-eletrônicos,
este local transformou-se durante as noites em estúdio fotográfico.
17
Nesta fase do trabalho e das experimentações meu filho desempenhou um
papel de extrema importância. Isto se deve a seu conhecimento na área onde se
concentram praticamente todas as fontes luminosas artificiais, com isto ele tornou-se
meu auxiliar e responsável técnico pela parte relativa as “fontes luminosas”.
Apresentou-me fontes luminosas para serem fotografadas que são utilizadas
em carros, computadores, aparelhos eletrônicos ou iluminação em geral, sendo que
ele já dispunha do conhecimento das várias fontes de energia a serem utilizadas e
da potência de cada luz, sua cor, freqüência, dentre outras questões técnicas que
fazem toda a diferença no resultado final da imagem, ele me passava as
informações de um modo muito simples e eu ajustava a câmera, analisava este
primeiro resultado e refazia a imagem até acertar os ajustes.
Foi assim que cheguei ao tipo de luz que uso na maioria de minhas imagens,
sendo que mesmo utilizando um mesmo tipo de fonte luminosa há grande variedade
dentre os diversos tipos de LED que utilizo. Após a escolha desta fonte de luz foi
necessário um longo tempo de experimentação até dominar cada cor de LED e
conseguir que o traço luminoso registrado na imagem ficasse na intensidade
desejada, os ajustes foram repetidos, comparados, modificados até dominar a luz e
registrá-la na imagem com o traço desejado. As imagens são obtidas com a câmera
fixa e o que é registrado na imagem é o movimento da luz.
Estas imagens apresentam em geral um fundo negro, pois são realizadas em
ambiente fechado, escuro e com total controle do tipo de luz a ser utilizado e de sua
intensidade. Isto possibilita que com o apuramento técnico, conhecendo a
intensidade que cada fonte de luz registra na imagem, seja possível pré-definir como
a luz aparecerá na imagem e aí então realizar a fotografia.
Assim partindo do princípio da experimentação exaustiva e de unir em meu
trabalho: a fotografia noturna com longo tempo de exposição, como fazia Brassai e a
fotografia que capta o movimento, como fazia Marey, que desenvolvi meu próprio
estilo de fotografar, minha Poética, sendo que quando comecei a desenvolver este
tipo de fotografia não tinha conhecimento do trabalho de nenhum dos dois. Foi uma
evolução natural e intuitiva, aliada à percepção criativa e à técnica.
18
CAPÍTULO III
EVOLUINDO PARA UMA “ARTE CINÉTICA”
Segundo Machado (2001: 25) já foi demonstrado que os artistas que obtiveram
os melhores resultados com tecnologias são os capazes de intervir na estrutura das
máquinas, inclusive produzindo-as especialmente para realizar suas obras. A
habilidade de meu auxiliar e técnico me conduziu naturalmente para um trabalho que
se encaixa no contexto da “arte cinética”, pois a interação máquina e movimento foi
um processo natural no desenvolvimento do processo.
No início das experimentações meu técnico apenas adaptava a fonte luminosa
à sua respectiva fonte de energia, após muitos testes houve a escolha pelo LED e
com isto ele desenvolveu um aparato onde havia em um mesmo equipamento:
várias luzes, sua fonte de energia e um controle para ativar cada LED
separadamente.
No primeiro equipamento o controle para ativar as luzes era improvisado em
um teclado de computador, onde uma seqüência de teclas foi ligada às luzes e cada
tecla era responsável pela ativação de uma determinada luz. Com a eficiência do
método de trabalho e os resultados obtidos, houve a necessidade de montar algo
mais elaborado que permitisse um melhor manuseio, pois era necessário segurar o
teclado e apertar as teclas com uma mão e com a outra mover o cabo em que
estavam as luzes, sendo que ainda tinha a fonte de energia para ficar em um bolso.
O novo equipamento obedeceu à mesma idéia, mas o teclado foi substituído por
uma pequena caixa com um botão para ligar e desligar cada luz.
Dois nomes estão ligados ao uso de máquinas e movimento em seus trabalhos
artísticos, com o diferencial de que no trabalho deles a máquina é parte física da
obra. Segundo Tavares e Venturelli (2005: 11) “Quando iniciou pesquisa cinética no
contexto da arte, Abraham Palatnik (1928) estava experimentando novos caminhos
19
das relações sensoriais e perceptivas entre obra e espectador”. Suas idéias
tornaram-se referências fundamentais na criação da arte interativa.
Ainda segundo as autoras (2005: 11) e conforme pode ser verificado na figura
4, os cinéticos de Palatnik apresentam “o movimento real da própria obra”, que é
“construído por meio de artefatos industriais-mecânicos, é utilizado como princípio
poético”.
Este trabalho de Palatnik apresenta pontos em comum com os meus, ele criou
uma máquina que produz movimentos e a variação dos movimentos muda a
aparência da obra que usa luzes e cores. Assim: movimento, luz e cor são o que
utilizamos para obter um resultado final.
Enquanto Palatnik usa em suas obras as máquinas para produzir um
movimento real, em minhas imagens utilizo-as para promover um controle sobre o
que será captado pela câmera fotográfica, quanto ao movimento este é obtido pelo
Fig. 4. Aparelho Cinecromático Autor: Abraham Palatinik, 1969 Descrição: Dispositivos mecânicos e elétricos Dimensões: 70 x 120 x 20 cm. Coleção do artista, Rio de Janeiro.
Fonte: Cocchiareli e Geiger (2004: 63)
20
manuseio de parte desta máquina, sendo que, a pessoa que controla a máquina é o
técnico, após determinar os ajustes da câmera e iniciar o tempo de exposição que é
longo, como a câmera fica fixa, após o início da captação da imagem não há o que
fazer com relação à câmera, com isto posso orientar os movimentos e as mudanças
de cor durante a captura da imagem. Assim posso obter imagens com mais
diagonais, verticais, movimentos circulares, dentre outros e até mesmo determinar
quando a quantidade de luz já foi suficiente para o que tenho em mente, mesmo que
o tempo de exposição ainda não tenha terminado. A diferença é que a obra de
Palatnik utiliza estes elementos em si e eu os utilizo para obter seu registro
intermediado pela câmera fotográfica.
Segundo Argan (1992) outro nome nesta área é o de László Moholy-Nagy
(1895-1946), sendo ele o primeiro a realizar estudo no plano teórico sobre a
pesquisa visual. Tendo sido professor na Bauhaus de 1922 a 1928, onde o contato
com Kandinsky foi muito importante para a evolução de suas pesquisas. Nos
Estados Unidos estudou os problemas da cena teatral, a imagem em movimento.
Daí passou para a fotografia e cinema, isto o aproximou de dois importantes nomes
do Dadaísmo, Richter e Man Ray. “O tema de sua pesquisa vem expresso no título
de um livro seu: Vision in motion [Visão em movimento]”. Argan (1992: 516)
Segundo o autor “Como a imagem é considerada com fenômeno em si, ela é
inseparável da matéria em que se constitui - ...” (p. 516). Minhas fotografias são
constituídas de traços de luz. “Como não existe visão sem luz, a análise da imagem
(que é sempre luminosa) torna-se análise da luz; sendo a luz movimento, o
movimento e a luz são os dois componentes fundamentais da imagem” (p. 516-519).
E os traços de luz de minhas imagens são produzidos pelo movimento da fonte de
luz, assim o que minhas fotografias apresentam são o que Argan relaciona como “os
dois componentes fundamentais da imagem” (p. 516-519). Afirma ainda que: “... o
cerne da problemática de Moholy é, enfim, o processo motor da percepção, o
elemento motion que se liga necessariamente ao elemento vision”. Argan (1992:
519)
Argan fala de “um objeto que desenvolve um movimento programado”, sendo
este objeto um tipo de máquina utilizada por Moholy-Nagy para materializar suas
pesquisas, como pode ser visto na figura 5.
21
O que, na origem, era o dinamismo de Duchamp e dos futuristas, e que pressupunha uma ação de força, traduz-se assim em “cinetismo”, como associação e sucessão espontânea de imagens no campo psicológico-ótico; apenas com a finalidade de pesquisa analítica e demonstração, esse movimento de imagens é transferido para um objeto que desenvolve um movimento programado. O espectador, então, vê materializado o que seria o próprio processo ótico-mental, se tal fosse verdadeiramente um processo de experiência estética. (Argan, 1992: 519)
O autor coloca Moholy-Nagy em destaque pela importância de sua pesquisa
“Moholy-Nagy, embora tendo falecido em 1946, deve ser considerado como o
fundador da pesquisa visual-cinética e da chamada Op-art (op de optical), que irão
se desenvolver na Europa e Estados Unidos por volta de 1960”. Argan (1992: 519)
Também no caso de Moholy-Nagy a obra é constituída pela máquina que
produz efeitos de luz e movimento pré-programados. Em meu trabalho também há
uma parte pré-programada, isto só é possível pelo fato de haver muita
experimentação anterior à captura da imagem que será realizada. A parte pré-
programada e racionalizada é referente aos ajustes da câmera, sendo alguns deles:
tempo de exposição, abertura de diafragma e ISO. Estes ajustes são organizados de
Fig. 5. Modulador de luz e de espaço (1922-30) Autor: Laszló Moholy-Nagy Descrição: Elementos móveis de metal, 1,60 x 0,60m. Cambridge (Mass.), Bush-Reisinger Museum. Fonte: Argan (1992: 518)
22
forma a obter um traço de luz com a intensidade desejada, sendo que o traço é o
registro do movimento do ponto luminoso durante o tempo de exposição.
Carvalho (1988: 12) no campo de Geometria define a “linha” assim:
“Imaginemos um ponto de luz que de desloca no espaço, deixando atrás de si um
rastro luminoso. Este seu rastro será então uma linha”. As linhas obtidas durante a
captação de minhas fotografias são o rastro do ponto luminoso utilizado no registro
da imagem durante o tempo de exposição. Assim posso dizer que minhas fotografias
podem ser utilizadas como uma visualização da definição acima citada.
Em minha busca por referências cheguei à obra: A cor no processo criativo, de
Barros (2007), esta obra me interessou por tratar da metodologia de trabalho de
quatro grandes professores da Bauhaus que funcionou de 1919 a 1933 sendo eles:
Johannes Itten, Paul Klee, Wassily Kandinsky e Josef Albers. Ao verificar o conteúdo
do início do livro onde há um breve relato sobre a escola e cada um dos professores,
chamou minha atenção o fato de que na parte referente a Albers há várias
referências a László Moholy-Nagy, por meus estudos da História da Fotografia eu
sabia tratar-se de um importante nome na área.
Segundo a autora, Josef Albers (1888-1976) já tinha uma boa bagagem de
estudos quando foi aluno da Bauhaus de 1920 a 1923. Ao se formar iniciou como
auxiliar do professor Moholy-Nagy e a partir de 1928 assumiu como professor até o
fechamento da escola em 1933. A metodologia utilizada por Albers para o
desenvolvimento de um pensamento construtivo em seus alunos baseava-se no
método de tentativa e erro. Esta metodologia indutiva de ensino refletiu-se mais
tarde na metodologia criada por ele para o ensino das cores, na qual o
desenvolvimento da percepção visual tem papel fundamental.
O método de “tentativa e erro” foi minha metodologia desde o início das
pesquisas práticas em busca do domínio técnico da fotografia de fontes luminosas,
sendo assim posso dizer que a metodologia de Albers dá sustentação ao meu
método de desenvolvimento deste trabalho. Ainda segundo Barros (2007), Albers é
muitas vezes relacionado ao movimento op art em razão de utilizar os efeitos ópticos
das cores.
Minhas fotografias são o registro de uma ilusão óptica, pois a imagem é obtida
com um único ponto de luz, que ao se mover rapidamente é captado como um traço
de luz (como já o afirmava Leonardo da Vinci há séculos). O uso de um
equipamento para a produção das imagens foi fundamental, pois sem esta máquina
23
o uso das luzes ficaria muito limitado, assim mesmo a máquina não sendo a obra em
si, como nos casos de Palatnik e Moholy-Nagy, meu trabalho guarda estreita relação
com a arte cinética, em que o movimento é fundamental, sendo que, “cinético” vem
do grego e segundo Pedrosa (2004: 148) cinético é: “Relativo ao movimento. Arte do
movimento”. Minhas obras não apresentam o movimento em si, isto se deve
principalmente à linguagem adotada, mas minhas fotografias apresentam o registro
de um movimento.
Um dado interessante quanto à história da fotografia é que Moholy-Nagy é
mais conhecido como fotógrafo do que como professor ou pintor, mas segundo
Nesbit [s/d] apesar do tempo em que lecionou na Bauhaus ele nunca deu aulas de
Fotografia.
24
CAPÍTULO IV
A QUESTÃO DA COR E SEU REGISTRO
Segundo Pedrosa (2004: 26)
A formulação de cores fundamentais ou primárias já continha em si a idéia de síntese cromática, aprofundando observações e conceitos milenares referentes aos intrigantes fenômenos do arco-íris, das reflexões e refrações da luz produzidas por superfícies ou corpos transparentes, translúcidos e lâminas delgadas gordurosas sobre as águas.
De acordo com o autor em O tratado da pintura, Leonardo da Vinci (1452-
1519), pioneiro criador da Teoria das Cores, demonstra experimentalmente, pela
primeira vez e de forma definitiva, a composição da luz branca. Leonardo afirma que
“o branco não é uma cor, mas sim a potência receptiva de toda cor” (p. 26), e
teoriza:
O corpo sombrio (o que não tem luz, em oposição ao corpo luminoso), colocado entre as paredes próximas de um lugar escuro, que está iluminado de um lado pelo esplendor de uma vela e do outro por um pequeno respiro de ar, será branco: então esse corpo se mostrará de um lado amarelo e do outro azulado... PEDROSA (2004: 26)
O estudo de Pedrosa (2004) revela que cores-luz é o nome dado às cores que
provêm de uma fonte luminosa direta, estudadas mais detidamente na área da
Física Óptica, com vasto emprego na sociedade contemporânea. São elas que
iluminam as nossas vidas, como a luz do sol, a de uma vela, de uma lâmpada ou a
de uma descarga elétrica. Sua tríade primária é constituída pelo vermelho, verde e
azul-violetado.
A questão das cores secundárias é encontrada em Pedrosa (2004: 30) e pode
ser visualizada na figura 6, nesta fotografia utilizei três luzes, sendo elas nas cores
25
que compôem as cores-luz primárias, apenas o azul é um pouco mais claro que o
azul-violetado. Mesmo assim houve a ocorrência das cores secundárias e do
branco.
Em mistura óptica equilibrada, tomadas duas a duas, essas cores produzem as secundárias: magenta, produzida pela mistura do vermelho com o azul-violetado; amarelo, mistura do vermelho com o verde e ciano, mistura do verde com o azul-violetado. O amarelo em cor-luz é cor secundária, só é obtida pela mistura do vermelho com o verde, ao contrário do que ocorre nas cores-pigmento, em que o amarelo é cor primária, indecomponível. Só é obtido por ele mesmo. A mistura proporcional das cores-luz produz o branco, em síntese denominada aditiva.
As cores-luz primárias são as que formam o sistema RGB (Red, Green and
Blue). Este sistema é utilizado nos equipamentos que compôem imagens através da
luz, como monitores de computador, televisão, câmeras digitais, dentre outros.
Fontes de luz como: lâmpada fluorescente, incandescente, néon, luz solar, etc.
possuem temperaturas de cor diferentes, com isso apresentam cores diferentes em
uma imagem fotográfica. Com o uso de um longo tempo de exposição é possível
captar a cor de cada ponto de luz e determinar o trajeto que ele traçará na imagem.
Fig. 6. Cores-luz Autor: Claudislaini Leite
Técnica: Fotografia Digital
26
Segundo Pedrosa (2004) considerando o processo da percepção visual,
Leonardo torna evidente elementos do mecanismo da visão, que nos fazem lembrar
sua descoberta do cristalino durante as muitas dissecações de cadáveres que
procedeu para estudo do funcionamento dos órgãos e desenho do mais perfeito
mapa anatômico que se tem notícia. É nesse estágio da Medicina que a Óptica abre
caminho à Oftalmologia.
Em Pedrosa (2004: 76-77) há a referência a uma formulação de Leonardo de
que: “Todo corpo que se move com rapidez parece tingir seu percurso com sua
própria cor”, Leonardo ainda diz:
“Dando-se a um tição um movimento circular, sua circunferência parecerá de
fogo”. Isso trazia consigo novos elementos comprobatórios sobre a imaterialidade da cor e a evidência dos efeitos e tempos diferenciados de saturação, latência e acomodação retinianas no ato perceptivo, demonstrando que a cor está em nós e não fora de nós; abrindo caminho à constatação de que a cor é tão-somente uma sensação e que, fora dos órgãos dos sentidos, não há cor, odor ou gosto.
Leonardo sugere dar movimento à luz para obter visualmente uma forma
circular feita da própria luz. Este é um efeito óptico que pode ser comprovado nas
fotografias onde obtenho um círculo de luz, como na figura 7, sendo que este é
resultante do movimento circular de apenas um ponto de luz.
Fig. 7. Incandescente Autor: Claudislaini Leite
Técnica: Fotografia digital
27
Pedrosa (2004: 119) faz referência a uma frase de Goethe:
... a cor produz sobre a alma humana um efeito específico, sempre definido e significativo, que se radica intimamente na esfera moral e, considerada como elemento de Arte, pode colocar-se a serviço dos mais elevados fins estéticos.
Levando em consideração os efeitos mencionados por Goethe e considerando
como ele, a cor como elemento de Arte, trabalho em minhas imagens os efeitos
ópticos da luz e os estéticos da cor, não utilizando figuração, com isto minhas obras
são essencialmente abstratas, ficando a figuração limitada ao círculo e ao acaso da
criação, ficando assim, a leitura da obra totalmente a cargo do espectador.
Goethe trabalhou com as cores pigmentares, onde as misturas são obtidas por
síntese subtrativa. Nas cores-luz as misturas ocorrem por síntese aditiva. De acordo
com Barros (2007) na mesma época em que Goethe desenvolvia suas pesquisas,
um estudo sobre a fisiologia da visão começava, tentando explicar, entre outros
fenômenos, a sensação de cor. Sendo que Pedrosa (2004: 76-77) já havia
mencionado esta “sensação” nas pesquisas de Leonardo da Vinci.
Barros (2007: 310) menciona que esta pesquisa acima citada foi realizada por
Thomas Young (1773-1829), que propõe em 1802:
... que em cada ponto da retina deveriam existir pelo menos três “partículas” (pequenas estruturas sensíveis à luz) sensíveis às cores vermelho, verde e azul-violeta (as três cores primárias em luz). A teoria de Young foi adotada e enriquecida por Hermann Helmholtz (1821-1894) e tornou-se conhecida como teoria de Young-Helmholtz.
Aqui há uma divergência entre os autores quanto às cores que os cones são
sensíveis, pois segundo Sacks (2005: 36) em nota de rodapé nº 10, consta uma
citação de Young:
Sendo quase impossível conceber cada ponto sensível da retina como contendo um número infinito de partículas, cada uma capaz de vibrar em perfeito uníssono com cada ondulação possível, escreveu Young, torna-se necessário supor um número limitado, por exemplo, para as três cores principais, vermelho, amarelo e azul.
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A divergência está no fato de que Barros (2007) cita o verde, enquanto Sacks
(2005) cita o amarelo, sendo que ambos os autores os colocam entre o vermelho e o
azul. Pelo fato das cores citadas por Barros serem as “cores-luz” vou adotar sua
linha de raciocínio e seguir suas informações.
Com isto, segundo Barros (2007) nossos receptores visuais são células
fotossensíveis localizadas na retina denominadas cones (sensíveis às três cores-luz
primárias) e bastonetes (sensíveis ao claro-escuro). Cada cone na nossa retina
contém um pigmento que absorve alguns comprimentos de onda a mais que outros,
isto desencadeia uma série de eventos que produzem um sinal elétrico que leva a
sensação ao cérebro. Essa teoria foi comprovada em 1959 como esclarece
BARROS (2007: 310)
De acordo com David Hubel, pesquisador atual, cientista e professor de neurobiologia em Harvard, os experimentos que finalmente comprovaram a idéia de Young de que a cor deveria depender de um mosaico na retina formado por três tipos de detectores só puderam ser confirmados em 1959. Nessa época, dois grupos de cientistas examinaram microscopicamente as habilidades de cones isolados em absorver luz de diferentes comprimentos de onda, e encontraram os três tipos de cones. Todas estas teorias sobre a visão das cores definiram nosso aparelho visual como tricromático.
Nesta teoria está o princípio do Sistema RGB (red, green and blue) que é o
utilizado na captação das imagens digitais.
4.1 A IMAGEM DIGITAL
Segundo Ramalho (2004: 2) um fator decisivo para a popularização da
fotografia foi uma invenção feita pela Kodak em 1934, o filme 135 mm. Esse novo
formato de filme passou a ser utilizado pela maioria dos fotógrafos amadores e
profissionais, logo foi adotado por empresas fabricantes de câmeras, sendo que a
Leica foi a pioneira. A partir disto, a fotografia continuou sua evolução, melhorando a
qualidade das lentes e sofisticando as câmeras, que se tornaram automáticas e
incorporaram recursos eletrônicos. Mesmo assim, essencialmente tiramos fotos da
mesma forma que Dom Pedro II, sendo ele o primeiro fotógrafo brasileiro.
Colocamos o filme na câmera, fazemos as fotos, retiramos o filme, fazemos a
revelação e ampliação em papel próprio para esta finalidade e compartilhamos com
amigos e familiares.
29
Com a fotografia digital este processo ganha novas dimensões e eleva a
experiência de compartilhar as fotos e as possibilidades para os fotógrafos. Para os
profissionais a câmera digital trouxe duas diferenças importantes: o meio de registrar
as imagens e a maneira de tirar fotos.
Ainda segundo o autor, o princípio de funcionamento de uma câmera digital e
uma que utiliza filme é o mesmo, pois ambas capturam a imagem fazendo a leitura
da quantidade de luz que é emanada ou refletida pela cena. Na câmera que utiliza
filme, este consiste em seu suporte físico, que é formado por uma película plástica e
sobre esta existe um produto químico a base de sais de prata, que é sensibilizado
pela luz e faz o registro da imagem. Neste caso temos dois componentes, o produto
químico e o suporte, num único elemento, o filme. Os sais de prata, que possuem
formato de grãos, ao receber a luz vinda de lente sofrem uma reação química e
registram as diferentes intensidades de luz, ficando mais claros ou escuros conforme
a quantidade de luz vinda da cena que está sendo registrada.
Ramalho (2004: 3) continua afirmando que “A câmera digital separa estes
elementos, usa um cartão de memória para armazenar a foto e, no lugar do produto
químico, utiliza um sensor eletrônico para fazer o registro da luz”. Esse sensor
converte a luz em sinais elétricos cuja carga varia de acordo com a intensidade da
luz. O sensor é formado por pixels, que formam uma matriz de linhas e colunas,
numa comparação simples, cada pixel pode ser comparado com um grão de sais de
prata do filme tradicional. Uma vez registrada a imagem pelo sensor, os dados são
enviados para a memória da câmera e em seguida para o cartão de memória.
Com a imagem armazenada no cartão de memória os procedimentos seguintes
são: transmitir o conteúdo do cartão para um computador, visualizar a imagem e
havendo a necessidade, fazer correções em softwares próprios para esta finalidade,
no meu caso, em 2007 utilizava o Adobe Photoshop CS e em 2008 passei para o
CS3.
Para uma imagem ser ampliada é necessário ajustar seu tamanho para aquele
que se pretende obter, pois as imagens entram no computador com tamanhos
variados, geralmente muito grandes, isto depende do formato de arquivo de imagem
em que foi captada e da resolução da câmera. A partir do início de 2008 comecei a
trabalhar com o formato RAW. Segundo Trigo: (2004: 203)
30
O formato RAW é um sistema de armazenamento que não permite manipulação, isto é, a imagem, quando no formato RAW, não pode ser alterada por ninguém. Isso significa que os arquivos RAW devolvem à fotografia uma propriedade testemunhal; em cada arquivo RAW estão registrados datas, horários, aberturas, tempos de exposição, que não podem ser alterados.
Para trabalhar com este tipo de arquivo é necessário convertê-los para TIFF ou
JPEG, pois são imagens muito pesadas e os laboratórios de ampliação de imagens
fotográficas, ao menos os de Campo Grande, ainda não possuem tecnologia capaz
de ler um arquivo tão grande.
A imagem chega ao computador com informações em RGB (red, green and
blue) que é o sistema baseado nas cores-luz. Depois de ajustada e corrigida,
dependendo da sua finalidade, esta etapa pode durar dias ou semanas, deve-se
levar em conta que tipo de suporte e impressão será utilizado para esta imagem. Na
ampliação da imagem no sistema fotográfico, que utiliza as cores-luz para
sensibilizar o papel, é mantido o Sistema RGB. Na impressão em impressoras de
qualquer tipo, onde é utilizado tinta para imprimir a imagem o sistema é o CMYK,
que é composto pelas cores: ciano, magenta, amarelo e preto. Na impressão há a
vantagem de haver uma grande variedade de suportes, desde lonas, adesivos,
papéis de vários tipos, dentre outros.
Apesar destas vantagens quanto a suportes, minha produção foi finalizada no
sistema RGB, em papel fotográfico, pois durante a pré-banca houve análise de
quatro tipos de suporte, sendo duas impressões e duas ampliações fotográficas e
por unanimidade a escolha recaiu sobre o sistema fotográfico. Isto por conta do tipo
de fundo das imagens, sendo este sempre negro, neste caso a maior profundidade
de cor do sistema fotográfico torna-se evidente.
O que sempre norteou meus trabalhos em fotografia foram duas questões
principais: o aprimoramento da técnica fotográfica para obter uma imagem que
necessitasse de um menor número de ajustes e na qual houvesse uma fidelidade de
cores o mais próximo possível do objeto fotografado. Isto foi alcançado, dentre
outros fatores, pelo uso do formato de arquivo RAW. Com isto a questão cromática
na fotografia digital absorveu grande parte de meus experimentos práticos, análises
de imagens e leituras. Recorri inclusive aos conhecimentos que obtive durante este
curso em dois anos de aula de Pintura. Sendo que as informações específicas do
sistema de cores-luz além de serem pouco numerosas, em geral estão em
31
publicações muito técnicas que necessitam de conhecimentos de outras áreas,
como por exemplo, a Física Óptica. Com isto busquei referências na extensa
bibliografia sobre cores pigmentares para entender cada vez mais o comportamento
das cores quando não estão isoladas e transferi estes conhecimentos, adaptando-os
para as cores-luz, mergulhando cada vez mais no que mais me fascina na Arte, as
cores e as interações cromáticas.
32
CAPÍTULO V DE REPENTE O AUTOBIOGRÁFICO
Este trabalho começou a ter um caráter autobiográfico após relatar a meu
orientador dificuldades com relação a minha percepção visual. A partir daí tive
acesso à Teoria do Umwelt, de Jacob von Uexküll, sendo que esta teoria dá base
para entendimento da visualidade como experiência pessoal.
Por questões de saúde ou dos medicamentos que uso, tenho alguns
transtornos visuais, sendo que os principais são: visão dupla para objetos que estão
até 1 metro de distância; ao olhar um objeto que está entre um metro e quatro ou
cinco metros de distância por mais de 30 segundos, vejo o objeto se duplicar, sendo
que a segunda imagem sai partindo da imagem inicial e se move geralmente
lateralmente ou em diagonal; ao fechar os olhos durante o dia ou a noite, vejo luzes
brilhando em várias intensidades, como um “céu particular”. Apesar de que também
vejo luzes, como um “disparo de flash”, durante o dia e as luzes que vejo à noite de
olhos fechados, em geral estão em movimento.
Segundo Lucie-Smith (2006) o trabalho de várias artistas em geral ligadas a
Arte Povera apresenta relação com a vida das mesmas, principalmente com a
infância como acontece nas obras de Louise Bourgeois.
O trabalho de um artista pode ser considerado autobiográfico a partir do
conjunto de sua obra e não isoladamente. Se considerado o conjunto dos trabalhos
que realizei durante os quatro anos da faculdade, há um ponto comum a quase
todos, sempre trabalhei, criei e experimentei tendo como principal objetivo trabalhar
com as cores e suas interações.
Especificamente em Pintura os movimentos artísticos que mais chamaram
minha atenção e aos quais dediquei mais tempo de estudo e pesquisa foram
justamente os que têm a cor como foco importante. Sendo que o Impressionismo
utiliza as cores em pequenas pinceladas para que a certa distância ocorra a mistura
óptica e pinceladas azuis e amarelas sejam vistas como verde. E o Fovismo,
também chamado de Fauvismo, foi o outro movimento que me influenciou muito,
pois os artistas não faziam esboço, eles desenhavam na tela os contornos das
33
figuras com tinta e usavam cores puras com pouca mistura. Estas influências dão
base para o uso de luzes com cores fortes em minhas fotografias e do uso da linha
solta no ar, como se estivesse iniciando uma tela à moda dos fauves.
Transferi assim minha visualidade para a fotografia, realizando imagens com
luzes em movimento. Com isto tento tornar visível ao espectador minha visualidade,
mostrando o registro das luzes em movimento durante a exposição fotográfica.
Recorro novamente à frase de Émile Zola: “Não se pode pretender haver visto
realmente uma coisa antes de havê-la fotografado.” (Didi-Huberman, [s/d]: 71).
Como não posso fotografar “minhas luzes”, meu céu particular, para partilhar isto
com as outras pessoas, o que posso é representar esta visualidade pessoal através
da fotografia e partilhar com o espectador.
Segundo Sacks (2005) Newton realizou sua famosa experiência com o prisma,
onde pode decompor e recompor a luz branca em 1666, sendo que Pedrosa (2004)
relata que Leonardo da Vinci já estudava as sombras coloridas à época do
Renascimento.
Ao longo dos séculos foi desenvolvida uma “teoria da cor” utilizada
principalmente pelos pintores, em que além das grandes contribuições de Leonardo
da Vinci, há entre outras a contribuição de Alberti, com o seu “Da Pintura”, obra
especialmente desenvolvida para os pintores.
Segundo Sacks (2005: 39), a incompatibilidade entre teoria clássica da cor e
realidade impressionou muito Goethe no final do século XVIII.
Com uma forte consciência da realidade do fenômeno das sombras coloridas e da persistência retiniana das cores, dos efeitos de contigüidade e iluminação na aparência das cores, das ilusões com cores e outras ilusões visuais, ele sentiu que estas deveriam ser a base para uma teoria da cor e declarou seu credo: “A ilusão de óptica é a verdade óptica!”. Goethe estava preocupado sobretudo com a maneira como na realidade vemos as cores e a luz, as formas como criamos mundos, e ilusões, em cores. Sentia que isso não era explicável pela física de Newton, mas somente por regras ainda desconhecidas do cérebro. O que estava dizendo na realidade era: “A ilusão visual é uma verdade neurológica”.
Baseando-me na frase “A ilusão visual é uma verdade neurológica”, que é a
tradução da crença de Goethe para uma linguagem atual e de um pesquisador na
área como é o Dr. Oliver Sacks, posso embasar a “verdade” de minhas luzes. Sendo
que segundo este Neurologista americano, na obra aqui referenciada, houve um
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grande número de pesquisadores que dedicaram seu tempo e até suas vidas à
pesquisa da questão visual das cores, volumes, profundidade, dentre outras.
Segundo Sacks (2005) as teorias de Young-Helmholtz, Schopenhauer e Ewald
Hering estão entre as que mais se destacaram e deram base para os avanços nesta
área de pesquisa.
No capítulo anterior há um pequeno resumo da teoria de Young-Helmholtz,
mas para os que querem maior aprofundamento no assunto o livro do Dr. Oliver
Sacks é excelente para o assunto, em especial: “O caso do pintor daltônico”.
Quanto a Goethe no livro de Lilian Ried Miller Barros, há um capítulo sobre esta
teoria e ainda apresenta uma grande quantidade de informações sobre o tema. Já o
livro de Israel Pedrosa é uma obra essencial para quem tem a “cor” como tema de
estudo ou objeto de trabalho, seja um pintor, fotógrafo, ou de qualquer área que lide
com cores e suas interações. Todos estes livros constam da bibliografia deste
trabalho e foram fundamentais para seu desenvolvimento.
Retomando a questão da frase de Sacks (2005: 39): “A ilusão visual é uma
verdade neurológica” e a minha visualidade individual, as minhas luzes e objetos
fixos que se movem, não parecem ser por problema oftalmológico, tudo leva a crer
que isto realmente aconteça a nível cerebral, pois tenho consciência de que à noite,
no escuro e de olhos fechados, não haveria possibilidade de meus olhos captarem
luzes, principalmente se no ambiente não há luz alguma, quanto aos objetos se
duplicarem e se moverem, a conclusão seria a mesma
“Luz e Movimento”, estas duas constantes de minha visualidade, estão ligadas
ao processamento cerebral da visão, como disse o Dr. Sacks, esta ilusão visual “é
uma verdade neurológica”. (2005: 39)
Estes distúrbios visuais me acompanham a muito tempo, nos dois primeiros
anos da faculdade tive muita dificuldade nas disciplinas ligadas ao Desenho,
principalmente no Desenho Técnico. Nesta época os disturbios eram mais leves,
mas logo após o final do segundo ano houve a necessidade de aumentar a dosagem
de um medicamento. Desde então os efeitos passaram a ser os já descritos e a
dificuldade principalmente com o desenho tornou-se evidente. Foi a custo de muita
persistência, luz na escuridão, determinação e movimento de objetos estáticos, que
chego ao final desta faculdade com um trabalho que é a exteriorização desta
visualidade pessoal.
35
Esta parece ser a chave para o fato das imagens com luz terem provocado um
efeito tão forte em mim, pois elas são compostas pelo registro da “luz em
movimento” e meu encantamento por elas foi total e pleno.
O trabalho de pesquisa e aprimoramento da técnica da Aquarela na disciplina
de Pintura, resultou em um maior conhecimento das cores e das misturas para obter
os diversos matizes. Outro importante fator foi que nesta técnica não há o uso do
branco, sendo que este é proporcionado pelo próprio suporte (papel próprio para
aquarela), com o uso do “branco do papel” e dos controles de saturação feitos
através da adição de maior ou menor quantidade de água, pude aprimorar meus
conhecimentos quanto às cores e isto foi fundamental para minhas pesquisas
cromáticas em fotografia.
Para mim a técnica da Aquarela e a Fotografia Digital possuem vários pontos
em comum. A Aquarela usa a cor branca do papel para preservar a claridade de
uma cena, enquanto a Fotografia Digital usa o brilho do monitor para visualizar a
cena, sendo que em um monitor que estiver com um brilho menor e outro com maior
brilho, uma mesma imagem aparecerá de forma diferente, tanto quanto a sua
claridade, quanto à saturação das cores.
É necessário que quem trabalha com imagens digitais conheça suas próprias
cores como os grandes coloristas na Pintura, como Candido Portinari, que segundo
Pedrosa (2004: 117) foi “um dos maiores coloristas de nosso tempo” e desenvolva
sua própria calibragem de monitor. De acordo com sistemas de calibração, como os
que acompanham o Adobe Photoshop, meu monitor está totalmente descalibrado,
mas para minhas imagens, está perfeito. A partir do domínio das técnicas, podemos
começar a transgredi-las, assim encontramos novas formas de aplicar a técnica,
mas para chegar a isto há a necessidade de muita dedicação à experimentação e à
pesquisa, para alcançar o domínio da técnica.
Em minhas fotografias que são de natureza abstrata, não tenho intenção de
obter qualquer figurativismo, materializo “minhas luzes” e os “movimentos” que sei
não serem reais, mas que ambos estão presentes em meu cotidiano. Para
apresentar fotografias que talvez ninguém possa dizer se realmente é possível ver
luzes e movimentos onde eles não deveriam existir, recorro ao poeta Manoel de
Barros: “Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral de
um sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que
na pedra. Fotografei a existência dela”. (Barros, 2001: 11).
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Assim como afirma o poeta sul-matogrossense, se é possível fotografar “o
perfume” ou “a existência” também posso basear minhas imagens em algo que
apenas eu vejo e sinto, assim justifico o caráter autobiográfico de minhas imagens.
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CAPÍTULO VI
O CARÁTER ABSTRATO
Minhas fotografias possuem caráter abstrato, mesmo assim em algumas, ao
sabor do acaso da criação aparecem formas que as pessoas associam a figuras. Até
mesmo as imagens que foram obtidas em ruas ou avenidas perdem o caráter de
registro figurativo pela grande quantidade de luzes, a diversidade de suas cores e
intensidades. Ficando ao final do registro, principalmente pelo uso do movimento da
câmera, uma imagem de caráter abstrato, sendo que todas as luzes registradas na
imagem seguem um mesmo ritmo, derivado do movimento.
Com o desenvolvimento do trabalho, as imagens obtidas em locais abertos
foram deixadas de lado, elas foram importantes no início do trabalho, mas são
apenas uma etapa deste. As imagens obtidas em ambiente de estúdio revelaram-se
de uma qualidade superior, tanto estética quanto técnica.
Quanto à criação da obra ela é racionalizada no que diz respeito à técnica
fotográfica, sendo isto referente aos ajustes da câmera que variam de acordo com o
tipo de luz utilizada. Quanto à obra em si, que é o resultado do registro da luz
através da câmera, esta é fruto da intuição, do acaso da criação e da
experimentação exaustiva na busca de um resultado que a princípio só existe em
minha mente. Em Cocchiarele e Geiger (2004: 22) há parte de um depoimento de
Iberê Camargo que apresenta vários pontos em comum com meu método de
criação.
...No fundo eu tinha um desejo, tanto é que cancelava, raspava, até conseguir aquela forma que era minha expressão, que eu aceitava, isto é, aquele modelo que eu tinha dentro. É um modelo que a pessoa não sabe, não pode explicar, não pode chegar e dizer: eu vou ver se é esse. Não se pode fazer isso. Mas a intuição reconhece quando aparece aquela solução, a intuição reconhece e aprova: é isso aí que eu queria, embora não pudesse ver de antemão...
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E após o depoimento os autores afirmam “Trata-se de um tipo de ordem
essencialmente atenta a tudo o que ocorre no ato pictórico, inclusive ao acaso da
criação que passa a pertencer à estrutura da obra.” (2004: 23)
No meu caso eu consigo ver de antemão o que fotografo por conta das “minhas
luzes” das quais falei no Capítulo V. Estas luzes desempenham o mesmo papel do
esboço para um desenho, elas me indicam o caminho a seguir no momento de
fotografar. Meu trabalho também é muito intuitivo e a quantidade de imagens que eu
descarto por não estarem de acordo com esta intuição é enorme, são várias
centenas ao longo do desenvolvimento deste trabalho. Também dou muito valor ao
acaso da criação, tentando não racionalizar muito para que ele possa acontecer.
Quanto ao resultado deste processo há uma composição formada por linhas
que segundo Cocchiarale e Geiger (2004: 236) “... na linguagem de arte, as formas
ditas geométricas perdem o caráter objetivo da geometria para se fazerem veículo
da imaginação.” Sendo o elemento principal a “linha”, há no Capítulo III uma
definição desta no campo da Geometria, como a linha é infinita geométricamente ela
também transcensde os limites do enquadramento das fotografias, principalmente
por serem produzidas através de movimeto.
Ainda conforme os autores estas características estão presentes nas obras dos
Neoconcretistas. (2004: 19)
A obra neoconcreta abole a distinção hierarquizada entre forma, cor e fundo [...] Consegue integrar estes elementos como equivalentes, porque não trabalha o quadro enquanto suporte, simplesmente. [...] Assim a obra transcende a materialidade, procura estender-se também para além de seus limites físicos, tentando incorporar o espaço real. Daí a ausência da moldura na pintura, e da base na escultura.
Em minhas fotografias não há uma preocupação em definir limites físicos
durante a captação das imagens, não há a preocupação de enquadrar as linhas
dentro dos limites da fotografia, ficando assim, as linhas livres para extrapolarem os
limites do campo captado pela câmera.
Assim, a leitura e interpretação da obra ficam mais livres para o espectador,
como confirma Cocchiarali e Geiger (2004: 21)
A subjetividade aliás é uma espécie de fundamento da relação entre artista e público “toda liberdade de situar os planos do quadro a não importa qual lugar da terceira dimensão do espaço pictorial”, torna-o um co-autor da obra.
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Foi também para dar esta liberdade de leitura e interpretação da obra que eu
abandonei as fotografias obtidas em locais abertos, pois mesmo abstraindo através
da longa exposição associada ao movimento, ainda havia nas imagens alguns
vestígios figurativos do objeto fotografado.
Uma busca importante nas Artes foi a representação figurativa, isto demandou
muitos estudos e pesquisas para desenvolver técnicas apuradas de representação.
Quando eu abandonei esta busca figurativa e passei a registrar um traço de um
ponto de luz em movimento que resulta em imagens abstratas, estou rompendo na
Fotografia como alguns artistas romperam na Pintura, sendo que meu trabalho
identifica-se mais com a ruptura ocorrida na Pintura do que a que aconteceu na
própria Fotografia. Neste sentido recorro a Gullar (2004: 239)
A tela em branco, para o pintor tradicional, era o mero suporte material sobre o qual ele esboçava a sugestão do espaço natural. Em seguida, esse espaço sugerido, essa metáfora do mundo, era rodeada por uma moldura cuja função fundamental era inseri-lo no mundo. Essa moldura era o meio-termo entre a ficção e a realidade, ponte e amurada que, protegendo o quadro, o espaço fictício, ao mesmo tempo fazia-o comunicar-se, sem choques, com o espaço exterior, real. Por isso, quando a pintura abandona radicalmente a representação – como no caso de Mondrian, Malevitch e seus seguidores – a moldura perde o sentido. Não se trata mais de erguer um espaço metafórico num cantinho bem protegido do mundo, e sim de realizar a obra no espaço real mesmo e de emprestar a esse espaço, pela aparição da obra – objeto especial – uma significação e uma transcendência.
É com base nesta função perdida da moldura no contexto da obra abstrata que
minhas fotografias não apresentam molduras. Ficando assim a cargo do espectador
definir até onde cada linha vai, estrapolando os limites da fotografia.
Assim, partindo da “Fotografia como linguagem aliada a temática” no Capítulo I,
até a forma como as obras serão montadas, sem moldura, dou por encerrada esta
parte do trabalho, partindo agora para a Análise das Obras.
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CAPÍTULO VII
ANÁLISE DAS OBRAS
Apresento neste capítulo a análise de três de minhas fotografias.
7.1 FOTOGRAFIA - 1
Fotografia obtida com tempo de exposição longo utilizando três fontes de luz
distintas, sendo elas: vermelho, verde e azul-violetado. As cores correspondem às
cores-luz primárias, como houve uma sequência na captação das cores, em alguns
cruzamentos ocorreu a formação da cor secundária. A primeira cor captada pela
câmera foi o azul, a segunda foi o vermelho e por último o verde. Assim onde o
verde se sobrepõe ao azul é bem nítida a cor secundária gerada por estas duas, que
é o ciano. Há um leve tom amarelado na parte superior da fotografia onde o verde e
o vermelho se cruzam, mas não afirmo que é pela formação da cor secundária
destas duas primárias pelo fato de que com a experiência pude perceber que onde a
luz vermelha estoura há a formação de amarelo.
Quanto à composição da imagem, em cada cor de luz predominam linhas
praticamente retas e paralelas entre si, sendo a imagem composta por linhas
diagonais, cada cor têm um ângulo de inclinação diferente em relação às outras
cores, alcançando assim um equilíbio na composição.
Fig. 8. RGB Autor: Claudislaini Leite
Técnica: Fotografia digital
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7.2 FOTOGRAFIA - 2
Fotografia obtida com longo tempo de exposição utilizando apenas uma fonte
de luz azul-violetado. As partes mais claras da imagem são os locais em que houve
excesso de luz e por consequência ficou estourada. As linhas foram produzidas pelo
movimento da luz, sendo que o movimento é mais amplo que o enquadramento
captado pela câmera, com isto as linhas entram e saem da imagem em todos os
limites do campo fotográfico. Esta luz apresenta a característica de que algumas das
linhas produzidas pelo movimento parecem ter volume, pois estas linhas apresentam
áreas mais claras e outras mais escuras, como se ela tivesse uma parte com mais
luz e outra com sombra.
Como composição a imagem apresenta os dois extremos nos cantos da parte
inferior da fotografia, no canto esquerdo está a área em que não há nenhuma linha
de luz, enquanto que no canto direito há um grande número de linhas. Os cantos
superiores são equivalentes quanto a quantidade de linhas, sendo que neles há um
número de linhas que promovem um equilíbrio com os cantos inferiores. Dividindo a
imagem em três partes verticais e proporcionais, encontramos na parte central a
maior concentração de linhas. Na parcela esquerda da imagem não há linhas que
ficaram demasiadamente estouradas, sendo que as linhas estouradas, em geral,
estão direcionadas para o canto inferior direito da imagem e grande parte delas em
diagonal.
Fig. 9. Extrapolando limites Autor: Claudislaini Leite Técnica: Fotografia digital
42
7.3 FOTOGRAFIA - 3
Fotografia obtida com longo tempo de exposição utilizando uma única fonte de
luz que apresenta a característica de alternar as cores: verde, vermelho e azul. Esta
mudança de cor varia, enquanto uma cor vai se apagando a outra que vem na
sequência vai acendendo. Com isto há a formação das cores secundárias em luz, o
amarelo, o ciano e o magenta. São apenas pequenos trechos das linhas que
apresentam estas cores, algumas mais sutis, como o magenta e outras bem fortes,
como o ciano. Em determinados momentos a luz se apaga e muda de cor
bruscamente, por isto há algumas linhas que terminam ou começam já com as cores
que a luz apresenta. Um bom exemplo disto são as três pontas de linhas que estão
quase no meio da imagem, quanto à sua largura e um pouco abaixo do meio, quanto
à sua altura, sendo elas: uma azul, uma vermelha e outra verde.
Quanto à composição, esta fotografia apresenta quase uma ausência de linhas
na parte superior e em oposição, há uma linha bem próxima e quase paralela á sua
parte inferior. É possível perceber que algumas linhas que entram pelas bordas
laterais da imagem são a continuação de uma linha que saiu do campo captado pela
câmera na mesma lateral. A linha vermelha apresenta duas pontas, pois ela saiu
pela borda, fez uma curva fechada e retornou à imagem. A linha na cor ciano que
corta a imagem de um lado ao outro, retorna após uma curva e termina bruscamente
em azul.
Fig. 10. Caminho das luzes Autor: Claudislaini Leite
Técnica: Fotografia digital
43
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No início havia a luz da lua. Ainda é noite, pois só fotografo na completa
escuridão. É neste ambiente que minhas luzes ganham vida. Elas não se movem
sozinhas, mas observando uma fotografia não há como perceber o intenso trabalho
para que elas pareçam ter vida.
Gosto de uma frase que creio ser minha e uso a muitos anos: “Atirei no escuro
e acertei o alvo.” Devo ter me inspirado em outra: “Nada acontece por acaso.”
Trabalho com cerâmica a dez anos, pois criei e produzo uma peça que é
referência de qualidade para o Artesanato Regional, meu trabalho foi batizado como:
Terço de Cerâmica Pantaneiro, esta peça completou dez anos em 2008. Só alcançei
o nível de referência com muita dedicação, pesquisa, trabalho e qualidade no
acabamento. Convenhamos que durante os dois últimos anos da faculdade, não
consegui manter minha produção na quantidade necessária, o Terço está meio
sumido do mercado, há as cópias e outras peças inspiradas nele, tenho uma
parceira na produção desta peça, que neste período também está com pouco
tempo, pois além de dar aulas ela está terminando na mesma época que eu uma
pós-graduação na área de Artes.
Por conta deste trabalho muito anterior à faculdade, quando começei o curso
ouvi de muita gente, que com certeza meu trabalho seria muito bem feito, elaborado
e acabado. Espero ter alcançado esta espectativa de meus amigos. Realmente,
quando tenho que fazer um trabalho, seja prático ou teórico, acadêmico ou
profissional, minha dedicação vai ao limite de minhas possibilidades, não importa se
vou vender ou engavetar, o que importa é o quanto posso crescer com ele.
No primeiro ano na disciplina de Fundamentos da Linguagem Visual, que tive a
honra de ter Richard Perassi como professor, fiquei encantada quando ele
apresentou as Cores-luz, nunca havia estudado o assunto, encantou-me o fato de
sobrepor as luzes e surgirem novas cores, com as três cores sobrepostas eis que
surgiu o branco. Quem diria, as cores-luz são uma das bases deste trabalho.
Encantada pelo assunto “cor” que antes da faculdade eu nunca havia
estudado, mas foi pensando em equilibrar a distribuição das cores que defini a
44
posição das peças coloridas no Terço, dediquei-me ao estudo de tudo que tinha a
cor como parte relevante, na Pintura estudei com mais afinco os movimentos em
que ela é fundamental, como o Impressionismo e o Fovismo.
A Aquarela foi a técnica a que mais me dediquei e consegui inclusive, fazer
uma analogia entre ela e a Fotografia Digital, sendo que a experiência com a
Aquarela foi fundamental para alcançar meus objetivos na Fotografia. Desde o início
dos estudos da fotografia digital, minha maior preocupação foi a maior fidelidade
possível das cores na imagem em relação ao objeto fotografado. Estudei muito, fiz
muitos testes e alcançei resultados.
Todos estes estudos foram muito importantes para o resultado final, mas
quando estudei estes temas e técnicas não tinha em mente trabalhar com
Fotografia, apenas estava estudando. “Atirei no escuro e acertei o alvo.”
Na matrícula do terceiro ano minhas opções de Oficina eram: Pintura e
Gravura. Achava Fotografia uma área muito dispendiosa e apesar de gostar não
teria condições de arcar com os custos. Ocorreu que não houve a formação de uma
turma para Gravura e minha opção neste caso era Fotografia, mas não pensava em
passar da Oficina I. Com meu encantamento pela Fotografia, dois meses após o
início das aulas, ganhei uma câmera digital profissional, que eu escolhi, de meu
único irmão. Sem os custos com filme, revelação e ampliação, para ter acesso aos
resultados, pude experimentar a vontade, fotografar tudo o que me chamava a
atenção e focar a questão cromática na fotografia digital. “Acertei o alvo”.
Conheci o Grupo de Capoeira Quilombo – UFMS, seu Mestre e começei a
fotografar o grupo. Captar o instante, aquele momento em que o capoeira está no ar
durante um salto, este era meu objetivo. Até hoje a cada fotografia destas, sinto algo
vibrar dentro de mim, como se tivesse “Acertado o alvo em cheio”.
Fotografando o movimento das luzes e o instante da Capoeira percebi que o
que me encanta é o “movimento”. Após uma fotografia de um grupo de acadêmicos
de Educação Física, fui convidada a viajar com o Grupo Bailah de Dança de Salão –
UFMS, para fotografar uma apresentação em Dourados / MS, em Julho de 2008.
Em Agosto já estava fotografando dois eventos de Dança. Tive ótimos
resultados nestes eventos, pois a “dança é movimento” e é apresentada com luz de
palco, que é inconstante e usa várias cores de luz.
“Luz e Movimento” são a essência de meu trabalho e é o que preciso registrar
quando fotografo Dança, com o diferencial que em apresentações culturais não é
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permitido o uso de Flash. Como minhas fotografias de luz utilizam uma fonte
luminosa de pouca intensidade, já estava acostumada a fotografar em condições
críticas de iluminação. “Acertei o alvo”.
Com as fotografias de Capoeira acumulei experiência em congelar um
movimento, isto me qualificou para atuar como fotógrafa de Dança e em outras
áreas em que haja saltos e movimentos muito rápidos.
A ironia de haver “acertado o alvo” é que minha pontaria é horrível, se quero
ter a possibilidade de acertar um objeto qualquer em algo, tenho que mirar bem
longe do alvo e mesmo assim é mais fácil eu acertar a Mega Sena do que acertar o
objeto.
“Luz e Movimento” são as duas constantes que unem este trabalho ao que
realizo como profissional e “Luzes e Ritmos” é o que capto em cada fotografia de
Dança. Posso ter atirado no escuro, mas sem dúvida, acertei o alvo.
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