Linguagem Surdez

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  • 7/24/2019 Linguagem Surdez

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    Linguagem, Surdez e Educao Bi-

    lngue

    Tatiane da Silva Campos1

    Pedro Stieler 2

    1. Introduo

    Quando nos remetemos ao assunto

    surdez3 , imprescindvel que tenhamos pri-

    meiramente, o entendimento terico e prtico

    do que representa e o que est envolvido nes-

    ta temtica. O conhecimento prvio de como

    ocorre construo e o desenvolvimento dalinguagem em um contexto geral torna-se fun-

    damental para que possamos avaliar at que

    ponto fatores biolgicos podem ou no afe-

    tar o desenvolvimento cognitivo, psicolgico

    e social das pessoas com surdez, bem como

    auxiliar na denio da escolha de mtodos

    adequados para o ensino e aprendizagem dos

    sujeitos surdos. Portanto, neste primeiro momento, fa-

    remos uma abordagem acerca do desenvol-

    vimento e da aquisio da linguagem, para

    posteriormente, abordar as concepes meto-

    dolgicas na aprendizagem de pessoas sur-

    das do ponto de vista patolgico/clnico, scio-

    antropolgico e educacional da surdez.

    No mbito da escola, o estudo contribui

    para uma reexo acerca das principais mu-

    danas ocorridas no cenrio educacional com

    vistas a atender adequadamente a todos, sub-1 Especialista no Ensino da LIBRAS pela UTP/UNNTESE, habilitada pelo MEC como Tradutora e In-trprete de LIBRAS; Licenciada em letras pela Univer-sidade Anhanguera UNIDERP.2 Pedagogo e Mestre em Educao nas Cinciaspela Uniju, Doutorando em Epistemologia e Histria da

    Cincia pela Untref/UNNTESE.3 Terminologia que tem sido amplamente utili-zada por diversos tericos para referirem-se de modogeral as pessoas com perda auditiva independente desuas questes culturais.

    sidiando aos educadores com ferramentas a

    m de romper o discurso do despreparo. A

    busca de qualidade para o ensino dos dife-

    rentes incide na garantia de qualidade para

    todos os alunos inseridos na escola regular.

    2. Linguagem e Surdez

    2.1. O Desenvolvimento da Linguagem

    A falta de uma linguagem tem graves consequ-ncias para o desenvolvimento social, emocio-nal, e intelectual do ser humano. O valor fun-damental da linguagem est na comunicaosocial, em que as pessoas fazem-se entender

    umas pelas outras, compartilham experincias emo-cionais e intelectuais e planejam a conduo de suasvidas e a de sua comunidade. A linguagem permite

    comunicao ilimitada acerca de todos os aspectosda realidade, concretos e abstratos, presentes e au-sentes. Permite tambm reinventar o mundo culturalpara alm da experincia fsica direta do aqui e ago-ra. (CAPOVILLA, 2004, p. 19-20)

    Entender o processo do desenvolvi-

    mento da linguagem , antes de tudo, enten-

    der o conceito de linguagem, que, para Lyons

    (1987) se constitui como um sistema de comu-

    nicao natural ou articial, humano ou no,que utiliza toda e qualquer forma que conte-

    nha algum tipo de inteno comunicativa. J

    para Chomsky, linguagem o conhecimento

    que a pessoa tem que a torna capaz de ex-

    pressar- se atravs de uma lngua, isto , um

    sistema lingustico com determinadas regras

    altamente recursivo, pois permite a produo

    de innitas frases de forma altamente criati-

    va. (1986, p. 3 e 1995, p. 6).

    Desta forma, a linguagem capaz de

    transmitir uma informao, mas no estabe-

    lece uma habilidade comunicativa por ser res-

    trita a cdigos, signos, gestos, imagens, entre

    outros, que apenas indicam, informam, orien-

    tam e at mesmo manifestam uma informao

    de forma limitada. A lngua, embora seja ine-rente linguagem, pertencendo a um conjun-

    to de sistemas, capaz de desenvolver a ha-

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    bilidade comunicativa por possuir um sistema

    composto por regras, e estruturas (gramtica)

    amplas e aptas a comunicar qualquer fato, pen-

    samento ou ideia de natureza humana, nos di-

    ferenciando dos animais por, atravs dela, ser-

    mos capazes de manifestar nossas intenese emoes, nos desenvolvendo cognitiva e so-

    cialmente. No entanto, Capovilla (2004), apon-

    ta para o fato de que se no houver uma boa

    base e um bom nvel de competncia lingusti-

    ca, capaz de permitir uma comunicao ampla

    e ecaz, o mundo da criana car connado

    a comportamentos estereotipados aprendidos

    em situaes limitadas, comprometendo, as-sim, este desenvolvimento.

    No desenvolvimento da linguagem exis-

    tem trs fatores que precisam ser considera-

    dos: os fatores biolgicos, os afetivos e so-

    ciais. Na formao inicial do desenvolvimento

    ocorrem as relaes representativas atravs

    do objeto simblico que se constitui atravs

    do brincar, atravs do qual a criana constrirepresentaes e signicados ao manipular os

    seus brinquedos e associar imagens presentes

    ou ausentes ao faz de conta. Assim a criana

    passa a explorar o mundo atravs de aes

    sensrio-motoras e, posteriormente, de ativi-

    dades mais complexas de explorao, promo-

    vendo a organizao simblica desse mesmo

    mundo. Neste estgio do desenvolvimento o

    simbolismo fundamental para que a criana

    possa, atravs da capacidade de representar

    ou evocar coisas situaes ausentes, lidar

    com objetos, fatos ou situaes s imaginadas,

    ou seja, seu pensamento comea a expandir-

    -se indo alm do que estiver no campo da sua

    percepo.

    A estimulao auditiva manifesta-se atra-vs da reproduo ou repetio que ocorrem

    posteriormente as representaes mentais, no

    momento em que uma palavra for comunicada

    ou uma palavra nova aprendida. Atravs da ca-

    pacidade auditiva a criana pode associar o

    nome do objeto com a sua imagem, criando

    assim um signicado4 para este objeto. A partir

    do contexto de suas vivncias e do ambienteonde a criana est inserida possvel que a

    mesma construa um signicante5 para este

    mesmo objeto. Assim, esta referncia servir

    para dar nome ao que estiver sendo evocado

    pelo pensamento atravs das imagens men-

    tais. Neste sentido possvel estabelecer a

    relao existente entre a linguagem e a brin-

    cadeira, sendo esta ltima o processo inicialde construo simblica para uma criana com

    capacidade auditiva. Como seria esta aquisi-

    o para uma criana com surdez? Os fatores

    biolgicos poderiam ou no interferir neste de-

    senvolvimento?

    2.2. A Aquisio da Linguagem

    Desde o nascimento somos dotados de

    reexos e instintos, inerentes a fatores biolgi-

    cos. O beb quando chora expressa sua vonta-

    de ou suas necessidades atravs deste choro,

    como forma de comunicar o que est sentindo

    ou o que est vivenciando. Estas manifesta-

    es do choro s so percebidas quando este

    beb est inserido num ambiente familiar preo-

    cupado em atender as suas necessidades. Seu

    choro ento tido como um sinal de que algoest errado; o beb recebe ateno da me,

    por exemplo, e geralmente seu desconforto

    aliviado.

    4 Na Lingustica Geral o SIGNIFICADO refere- seao valor lingustico o conceito atribudo ao objeto/ signo(palavra).5 SIGNIFICANTE, a manifestao fnica do sig-

    no. Como exemplo, temos: (SIGNO = SIGNIFI- CANTE+ SIGNIFICADO), o signo (LPIS) o signicante (mani-festao fnica do signo lpis) signicado (lpis utiliza-do para escrever e sua escrita pode ser removida com ouso de uma borracha).

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    medida que o beb cresce, percebe

    que suas manifestaes so atendidas. Come-

    a a construir uma signicao para o choro

    ao perceber a reao da me e interagir com

    ela. Assim, independentemente de fatores bio-

    lgicos (que podem representar perda auditivaou no) o desenvolvimento da linguagem tem

    origem num processo de interao social, no

    estando condicionado a fatores biolgicos.

    Em continuidade ao seu processo de

    aquisio da linguagem, o beb passa do cho-

    ro aos gritos, do balbucio para as primeiras pa-

    lavras. Segundo Vygotsky (1998), at os dois

    anos de idade o pensamento e a linguagemso independentes; a linguagem denomina-

    da linguagem no-intelectual e o pensamento

    no verbal. Neste momento, a linguagem

    serve apenas como meio de comunicao do

    beb com a me. J o pensamento, se desen-

    volve por meio de imagens auditivas, visuais,

    tteis, olfativas e gustativas. Ainda segundo

    Vygotsky (1998) a partir dos dois anos de idade que a criana comea a utilizar a linguagem

    com objetivo diferente de apenas comunicar,

    mas de tambm emitir o pensamento.

    A lngua desenvolvida pela criana vai

    depender do ambiente no qual ela estiver in-

    teragindo. A lngua utilizada pela me servir

    de estmulo para a construo lingustica da

    criana. Por exemplo: se no momento da brin-cadeira a criana estiver construindo uma casi-

    nha, a me mesmo no tocando no brinquedo

    poder orientar a criana na construo, apon-

    tando mtodos para isto selecionando uma

    pea por vez, tomando cuidado com a posio

    correta das peas para constituir o formato

    desejado. Neste momento a criana passa a

    construir os signicados e os signicantes dosobjetos a partir desse contexto onde a lngua

    esta sendo vivenciada. um momento rico em

    que a criana passa a adquirir uma lngua atra-

    vs da aprendizagem e construo de novos

    vocbulos. Em outro momento, quando no h

    a presena da me, a criana poder se utilizar

    desta mesma fala, a chamada fala egocntrica,

    para desenvolver a mesma atividade. Este es-tgio do desenvolvimento marca a aproxima-

    o entre o pensamento e a linguagem, tornan-

    do-os cada vez mais entrelaados, formando

    o pensamento lingustico6 , que para Barthes

    (1991) so os signicantes que constituem o

    plano de expresso (exemplo, a manifestao

    do choro) e os signicados, o plano de conte-

    do (a signicao, a verdadeira inteno dochoro). (p. 43).

    Sendo assim a origem do pensamento

    lingustico est na fala egocntrica. Mas esta

    fala por no ter um objetivo social para a

    criana poder ser silenciosa e no compre-

    ensvel para os outros, tornando-se cada vez

    mais interiorizada, at sua completa apropria-

    o por parte da criana, por volta dos seis ousete anos, segundo Vygotsky (1998).

    necessrio que tenhamos a compre-

    enso de que o pensamento adulto tem seu de-

    senvolvimento garantido atravs das relaes

    sociais nas quais a pessoa estiver exposta, por

    mais que no beb, pensamento e linguagem

    tenham origens diferenciadas, em determinado

    momento eles se encontram e se tornam in-dependentes devido estimulao lingustica

    recebida pelo meio em que vivem. O desenvol-

    vimento da linguagem no acontece igual para

    todas as crianas, visto que depende muito do

    meio em que a criana vive, dos estmulos que

    ela recebe e de outros fatores.

    6 Teoria desenvolvida pelo lingista Ferdinand deSaussure de que o signo composto de um signicantee de um signicado (SIGNO = SIGNIFICANTE + SIGNI-FICADO).

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    2.3. A Surdez e o Desenvolvimento da Lin-

    guagem

    Seguindo o raciocnio acima apresenta-

    do, a linguagem, no seu processo inicial, evolui

    medida que o ambiente for favorvel, rico de

    informaes e representaes. A criana com

    capacidade auditiva passa a adquirir uma ln-

    gua principalmente alicerada na audio e na

    oralidade, na reproduo ou repetio de pala-

    vras (signos) que aos poucos ganham signi-

    cao. J a criana com perda auditiva estar

    alicerada nos estmulos gesto-visuais para a

    construo dessa signicao.

    Independente de a criana ter ou no

    capacidade auditiva, o desenvolvimento da

    linguagem estar sujeito ao meio em que ela

    estar inserida. Se a criana com perda auditi-

    va e dependendo tambm do grau da perda

    auditiva - no receber estmulos adequados,

    certamente poder retardar o desenvolvimen-

    to da linguagem e posteriormente, a aquisio

    lingustica.

    Dessa forma, o beb com surdez tam-

    bm se manifesta atravs do choro, do grito e

    do balbucio. A diferena est neste balbuciar,

    acompanhado tambm de gestos para mani-

    festar uma inteno de comunicar-se. Gestos

    estes que tendem a se repetir com o mesmo

    formato para comunicar a mesma inteno em

    diferentes situaes.

    A partir desta fase, diferentes motivos

    podero prejudicar e retardar o desenvolvi-

    mento desta criana, ou seja, depender de

    quanto tempo a famlia ir demorar a detectar

    sua surdez, de quanto tempo os especialistas

    mdicos iro demorar a diagnosticar o grau de

    perda auditiva e principalmente, dos recursosque as famlias iro utilizar para estimular o

    desenvolvimento da linguagem e da aquisio

    lingustica desta criana. Assim, quanto mais

    cedo for diagnosticada a perda auditiva e os

    trabalhos de estimulao visual forem inicia-

    dos, maior ser o desenvolvimento cognitivo e

    lingustico.

    Se na fase do balbucio a criana for es-

    timulada visualmente e, posteriormente, reali-

    zar contato com a Lngua de Sinais, o estmulo

    lingustico necessrio e adequado para o seu

    desenvolvimento ser oportunizado da mesma

    forma como ocorre com as crianas com ca-

    pacidade auditiva, concluindo-se que a lingua-

    gem no por si s um processo biolgico e

    sim um processo social que tambm envolve aafetividade.

    Na aquisio lingustica atravs da Ln-

    gua de Sinais, o momento em que a criana

    passa do estgio do balbucio para a construo

    lingustica do pensamento no uso dos sinais, o

    signo para esta criana ser o sinal atribudo a

    determinado objeto. Assim, na construo des-

    se signo, a criana compreender o seu signi-

    cante (o formato do sinal atribudo ao objeto),

    passando a ter para esta, um signicado.

    Fica claro, ento que o diferencial na

    aquisio da linguagem pela criana surda

    est nos estmulos que devem ser visuais e

    no auditivos.

    2.4. O diagnstico da surdez

    Inmeras podem ser as causas da per-

    da auditiva, a qual poder ser congnita ou ad-

    quirida. As causas da perda auditiva congnita

    so: hereditariedade, viroses maternas (rubo-

    la, sarampo), doenas txicas da gestante (s-

    lis, citomegalovrus, toxoplasmose) e a inges-

    to de medicamentos ototxicos (que lesam

    o nervo auditivo) durante a gravidez. A perdaauditiva adquirida, quando existe uma pre-

    disposio gentica (otosclerose), por sequela

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    de meningite, ingesto de remdios ototxicos,

    exposio a sons impactantes (exploso) e

    contgios virais, por exemplo.

    De modo geral o grau de perda auditiva

    poder ser diagnosticado atravs de exames

    como o de audiometria e o bera. Os graus de

    perda auditiva so classicados de acordo com

    a perda em decibis (dB), se a perda for de 0

    a 15 dB considerada normal, se a perda for

    de 16 a 40 dB considerada leve, se for de 41

    a 55 dB moderada, se for de 56 a 70 dB

    moderada severa, de 71 a 90 dB considerada

    severa e mais de 90 dB considerada profun-

    da. (BRASIL, 1997). Nos casos de perda au-ditiva leve a moderada, a prtese auditiva po-

    der contribuir para o desenvolvimento da fala

    e at mesmo desenvolver a audio atravs de

    intervenes clnicas fonoaudiolgicas, no en-

    tanto o desenvolvimento da linguagem estar

    condicionado a uma limitao auditiva.

    No caso de considerar-se a perda entre

    severa e profunda, a prtese auditiva no obte-

    r um sucesso signicativo no que diz respeito

    evoluo da linguagem e aquisio lingus-

    tica. Quando o estmulo da linguagem estiver

    condicionado ao uso da prtese auditiva, este

    desenvolvimento estar tambm sujeito s li-

    mitaes auditivas do indivduo e ao tipo de

    prtese a que o mesmo tiver acesso, uma vez

    que nem todos tero condies de acesso auma prtese auditiva que seja adaptada a sua

    necessidade de forma ecaz.

    3. Surdez e Educao

    3.1. Aspectos histricos e culturais da sur-

    dez no contexto educacional

    Capovilla (2004), ao nos localizar na his-

    tria quanto surdez, diz que at o incio dosanos de 1960 havia uma crena de que a fala

    era a nica forma de linguagem, o que at en-

    to era amplamente defendido pela lingustica.

    Esta crena vinha de longa data, desde Arist-

    teles, no sculo IV a.C com a ideia de que to-

    dos os processos envolvidos na aprendizagem

    ocorreriam a partir da audio, assim como na

    Idade Mdia, na qual os surdos no teriamacesso a salvao pelo fato de no poderem

    ouvir a palavra de Cristo. Da mesma forma,

    nos sculos XVIII e XIX, havia a idia de que

    o surdo seria incapaz de aprender e pensar.

    No entanto, Wundt considerado o fundador da

    Psicologia Experimental, foi o nico acadmi-

    co a tentar lidar com a lngua de sinais como

    uma linguagem de prprio direito, emboraainda considerada como uma forma inferior de

    comunicao, com sinais equivalentes a mera

    pantomima (p.20-21).

    Assim, na segunda metade do sculo

    XVIII, havia dois mtodos de ensino de sur-

    dos: o mtodo francs, baseado em sinais e

    o mtodo alemo baseado na oralizao (CA-

    POVILLA, 2004). Contudo, em 1880, a partirdo Congresso de Milo, o mtodo que utilizava

    sinais foi proibido e o mtodo oral intensicado

    como o nico a ser utilizado no espao educa-

    cional.

    (...) cou decidido no Congresso Internacionalde Professores Surdos, em Milo, que o mto-do oral deveria receber o status de ser o nicomtodo de treinamento adequado para pessoassurdas. Ao mesmo tempo, o mtodo de sinais foi

    rejeitado, porque alegava que ele destrua a capaci-dade de fala das crianas. O argumento para isso eraque todos sabem que as crianas so preguiosas, epor isso, sempre que possvel, elas mudariam da dif-cil oral para a lngua de sinais. (WIDELL, 1992, p. 26)

    A histria do oralismo nos mostra o

    quanto este mtodo foi defendido e utilizado

    como forma de tornar os decientes auditivos

    normais diante da sociedade que os rejeitava.

    De l para c, avanamos muito, mas aindapersiste uma divergncia e at mesmo uma

    contradio em relao aos subsdios a serem

    5

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    utilizados para estimular o desenvolvimento da

    linguagem em crianas com surdez, apesar de

    hoje, o oralismo ser considerado um dos prin-

    cipais responsveis pelo fracasso escolar de

    muitos surdos em todo este perodo.

    Conforme Capovilla, apesar de todos os

    esforos para permitir a audio e levar o sur-

    do oralizao, os resultados foram muito mo-

    destos, dada a importncia da linguagem para

    o desenvolvimento humano.

    No entanto, o que permaneceu esquecido du-rante todo o sculo, desde o Congresso de Mi-lo, que a lngua oral no a nica forma delinguagem. Como o objetivo maior da losoa

    educacional oralista era permitir o desenvolvi-mento da linguagem, e como ela no havia chegadoa realizar satisfatoriamente este objetivo, na dcadade 1970 passou a tornar-se cada vez mais atraentea idia de que aquele mesmo objetivo de permitir aosurdo a aquisio e o desenvolvimento normais dalinguagem poderia vir a ser alcanado por uma ou-tra losoa educacional que enfatizasse no a lnguaoral, mas todo e qualquer meio possvel, incluindo osprprios sinais. (2004, p. 24)

    Ganhava importncia a, a losoa da

    Comunicao Total que se fundamentou basi-camente em se opor ao oralismo puro, no

    chegando a constituir-se como um mtodo de

    ensino propriamente dito. Utilizava-se da fala,

    da sinalizao e de todos os recursos de que

    se dispunha, para o desenvolvimento da lin-

    guagem e aprendizagem do surdo. Represen-

    tou signicativo avano, mas igualmente ao

    mtodo do oralismo, a Comunicao Total norespondeu s questes do desenvolvimento da

    linguagem, principalmente de leitura e escrita,

    como se esperava, uma vez que havia a cres-

    cente constatao de que a lngua sinalizada

    era muito diferente da lngua falada, dando

    incio a uma srie de pesquisas realizadas no

    Centro de Comunicao Total de Copenhague,

    relatadas por Capovilla, para descobrir por que

    razo isto ocorria:

    Uma linha de pesquisa lmava as conversaesentre surdos em lngua de sinais; outra lmavaas professoras [...] enquanto davam aulas [...],falando e sinalizando ao mesmo tempo. Enquan-to a primeira linha de pesquisa permitiu a desco-

    berta de regras fonolgicas, morfolgicas e sintticasda lngua de sinais dinamarquesa, a segunda permitiuuma descoberta desconcertante.

    [...] As prprias professoras perceberam entoque, quando sinalizavam e oralizavam ao mes-mo tempo, elas costumavam alternar entre asduas, ora omitindo sinais e ora omitindo palavrase pistas gramaticais que eram essenciais com-

    preenso das comunicaes [...] A concluso descon-certante bvia a de que, durante todo o tempo, ascrianas no estavam obtendo uma verso visual dalngua falada [...], mas sim uma amostra lingstica in-completa e inconsistente, em que nem os sinais nemas palavras faladas podiam ser compreendidos ple-

    namente por si ss. (2004, p.29).

    Crescem ento, as pesquisas sobre a

    lngua de sinais e seu uso como o meio de co-

    municao capaz de atender as necessidades

    dos surdos e contribuir para a sua constituio

    enquanto sujeitos, pois permitia a construo

    de habilidades comunicativas. A partir da, se

    intensica a busca pela convivncia em socie-

    dade difundindo e sensibilizando as demaispessoas a utilizarem-se dela tambm, estrutu-

    rando-a e consolidando-a como lngua.

    Os que se identicam com a Lngua de

    Sinais, em sua grande maioria, rejeitam o uso

    de prteses e no se denominam decientes

    auditivos. Usam-na como forma de promove-

    rem e envolverem mais pessoas receptivas a

    esta interao e com isso, preferem cultural-mente ser reconhecidos apenas como surdos,

    criticando termos como mudo ou deciente

    auditivo, colocando-as como terminologias

    pejorativas.

    Atualmente surdos e ouvintes tm cada

    vez mais se manifestado a favor de uma edu-

    cao bilngue, mtodo de ensino que, gra-

    dativamente, vem ganhando fora por ter semostrado mais ecaz no desenvolvimento lin-

    gustico e cognitivo dos surdos.

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    3.2. A Inuncia Clnica no Ensino de Sur-

    dos

    Como vimos, a educao para os sur-

    dos fundamentada em aspectos fsicos e bio-

    lgicos, estruturou-se na reabilitao (atravs

    de tratamentos clnicos e teraputicos). A rea-

    bilitao, aqui compreendida como a forma de

    tornar o surdo mais parecido com as demais

    pessoas, no caso, as ouvintes. Assim, falar

    e ouvir torna-se seu principal objetivo e para

    isso, utiliza-se do oralismo para fazer surdos

    ouvirem (atravs da leitura labial) e falarem

    (atravs da oralizao).

    Na descrio de Sckliar, podemos per-

    ceber no oralismo o seguinte foco:

    O oralismo foi e segue sendo hoje, em boa par-te do mundo, uma ideologia dominante dentroda educao do surdo. A concepo do sujeitosurdo ali presente refere exclusivamente umadimenso clnica a surdez como decincia,

    os surdos como sujeitos patolgicos em uma pers-pectiva teraputica. A conjuno de ideias clnicas eteraputicas levou em primeiro lugar a uma transfor-

    mao histrica do espao escolar e de suas discus-ses e enunciados em contextos mdico-hospitalarespara surdos. (Skliar, 1997, p.256).

    Hoje, quando nos deparamos com alu-

    nos surdos que passaram por todo este pro-

    cesso, observamos em seus discursos a cons-

    tante analogia de que eram semelhantes a

    papagaios limitados a repetir as palavras do

    vocabulrio portugus trabalhadas em sala de

    aula. Buscavam assim atender a expectativade familiares, amigos e professores de que,

    ao exercitar a fala e com um amplo acompa-

    nhamento fonoaudiolgico conquistassem es-

    pao entre a maioria ouvinte7 . Estas tentati-

    vas foram frustrantes e constrangedoras pelo

    fato de que muitos, em sua maioria, possuam

    uma decincia acentuada, impossibilitando

    progressos e causando depresso, irritao e7 Termo utilizado pela comunidade surda em rela-o s pessoas que no so surdas e no compartilhamdas suas vivncias, experincias visuais e culturais.

    sentimentos de inferioridade aos alunos. Desta

    forma, o foco principal da educao - que seria

    o de ensinar - cou ofuscado pelo sentimento

    de total incapacidade.

    Quadros (2006) demonstra, atravs de

    uma pesquisa que a signicao de conceitos

    de vocbulos em portugus aprendidos pelos

    alunos surdos neste mtodo, no era consegui-

    da pela grande maioria. Ao perguntar a estes

    alunos o signicado das palavras e pedir-lhes

    que explicassem esse signicado, alguns at

    oralisavam (pronunciavam as palavras), porm

    sem ter o entendimento do real signicado das

    mesmas.

    (...) Num outro dia a professora de portugusdistribuiu um livro para cada aluno, eu esperan-do, da eu disse; - Ah! Desculpe-me, mas noentendo estas palavras. - Mas este a que vocvai ler disse ela. Ento eu, muito brava, quis

    fugir da sala de aula e ela me segurou pelo brao.Na hora do intervalo, eu fui para casa, chorei muito edisse para meus pais: - Pai, me, na escola vai tudobem, mas as professoras no me ensinam, no medo ateno, s mandam eu ir fazendo isso, aquilo,mas eu no entendo nada. Todos os meus amigosconseguem. (QUADROS, 2006 p.4)

    A maior diculdade do oralismo exa-

    tamente a construo da signicao do signo

    (vocbulo). Os decientes auditivos com perda

    auditiva de moderada severa que se utilizam

    da prtese auditiva, aps terapia fonoaudiol-

    gica, em sua maioria, conseguem desenvolver

    a oralidade e compreender vocbulos atravs

    da leitura labial. Esta habilidade facilita em al-

    guns aspectos, o convvio familiar e social, vis-

    to que a tendncia da maioria fazer com que

    a minoria se adapte s condies predominan-

    tes.

    preciso lembrar que do ponto de vista

    clnico, a partir do desenvolvimento da tecnolo-

    gia na segunda metade do sculo XX, a prte-se auditiva, o implante coclear8 e o tratamento

    8 Implante Coclear um dispositivo eletrnico dealta tecnologia, tambm conhecido como ouvido binico,

    7

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    8/13

    fonoaudiolgico seriam sucientes para o de-

    senvolvimento cognitivo e lingustico de pesso-

    as com surdez, desde que esse procedimento

    fosse precoce e contnuo a m de possibilitar a

    constituio do sujeito, utilizando-se da moda-

    lidade oral como sistema lingstico predomi-nantemente aceito por todos. Por conta disto,

    muitos surdos e suas famlias buscaram e bus-

    cam na medicina a cura para a perda auditi-

    va, como meio de tentar sanar a decincia e

    se sentirem parte de um contexto social maior.

    No entanto, do ponto de vista educacio-

    nal o xito no seria o mesmo. Em uma sala

    com 20 ou 30 alunos, a comunicao ser orale para que o deciente auditivo possa acom-

    panhar a aula e todo o contexto da sala, preci-

    sar de informaes auditivas, obtidas exclu-

    sivamente por meio da leitura labial, o que se

    torna invivel, visto que diferentes motivos di-

    cultam e as vezes at impedem a visualizao

    da boca de quem fala.

    No processo de alfabetizao, a situao

    ainda mais preocupante, pois todo o proces-

    so de signicao de novos vocbulos tambm

    car condicionado ao quanto o aluno conse-

    guir assimilar com o seu grau de sua capaci-

    dade auditiva. Sua habilidade comunicativa e

    receptiva estar sempre condicionada s cir-

    cunstncias da sala de aula, prtese auditiva

    utilizada, s estratgias comunicativas utiliza-das pelo professor, alm de um grande esforo

    por parte do aluno na tentativa de acompanhar

    e compreender todo esse contexto.

    De forma diferente do oralismo, o uso

    da Lngua de Sinais numa perspectiva bilngue

    tem sido ecaz no espao educacional por per-

    mitir ao seu usurio uma compreenso ampla

    e completa de todo o contexto. Assim temos oque estimula eletricamente as bras nervosas remanes-centes, permitindo a transmisso do sinal para o nervoauditivo, a m de ser decodicado pelo crtex cerebral.

    oralismo como um mtodo muito limitado e te-

    oricamente superado. No entanto, a inuncia

    clnica ainda persiste.

    3.3. A Lngua Brasileira de Sinais

    Mesmo aps o Congresso de Milo em1880, que enfatizou a oralizao e como con-

    sequncia, toda opresso em torno do uso de

    sinais, as Lnguas de Sinais permaneceram

    vivas, graas persistncia de diversos gru-

    pos de surdos que continuaram a utiliz-las e

    registr-las. A Lngua de Sinais, contudo no

    universal, pois cada pas possui sua prpria

    lngua. Nos Estados Unidos, por exemplo, os

    surdos se utilizam da ASL (Lngua de Sinais

    Americana) para se comunicarem, a qual

    amplamente aceita no sistema de ensino.

    A LIBRAS, desde o ano de 2002 o-

    cialmente a lngua de sinais do nosso pas,

    conforme a lei n 10.436 de 24 de abril.

    Entende-se como Lngua Brasileira de Sinais LIBRAS a forma de comunicao e expresso,em que o sistema lingustico de natureza visual--motora, com estrutura gramatical prpria, cons-titui um sistema lingustico de transmisso de

    ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoassurdas do Brasil. (BRASIL, 2002).

    No Brasil a Lngua de Sinais foi difundi-

    da com a chegada do professor francs Her-

    nest Huet em 1857, a convite de Dom Pedro II

    com o objetivo de fundar a primeira escola para

    meninos surdos de nosso pas. O professorHuet era surdo e partidrio de LEpe ou seja,

    utilizava-se de Sinais na educao de surdos.

    LEpe considerado por muitos, o pai dos

    surdos, porque graas ao seu trabalho e princi-

    palmente ao registro deste, realizado na Fran-

    a, a Lngua de Sinais tornou-se conhecida em

    diversos pases, ganhando uma estrutura gra-

    matical especca em cada pas que a adotava.Com Huet, no Brasil, comeou a ser usada ini-

    cialmente a Lngua de Sinais Francesa - LSF,

    8

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    a qual com o tempo e com o uso por surdos

    do Brasil passou a incorporar uma estrutura

    gramatical prpria, diferenciando-se em vrios

    aspectos. No entanto, at hoje se percebe no

    sotaque da LIBRAS muitos sinais semelhan-

    tes a Lngua de Sinais da Frana.

    Basicamente a Lngua de Sinais Brasi-

    leira incorporou uma gramtica organizada e

    estruturada sintaticamente em Sujeito, Verbo

    e Objeto SVO sendo que toda a conjugao

    verbal, na maioria das vezes, feita pela in-

    corporao dos advrbios de tempo, negao,

    modo e intensidade entre outros. J a sua cons-

    truo fonolgica, chamada de parmetros dossinais em LIBRAS, formada primariamente

    pela Congurao de Mos (CM), Movimento

    (M) e Ponto de Articulao (P.A) e secundaria-

    mente pelas Expresses No Manuais, Orien-

    tao e Direo do Sinal. Estes parmetros so

    fundamentais para que um sinal em LIBRAS

    seja realizado, porm no so sucientes, pois

    existem ainda fatores lingusticos que precisamser analisados, como a aplicabilidade e o con-

    ceito destes sinais, ou seja, um sinal no sur-

    ge apenas por ter sido inventado ou criado por

    algum usurio da LIBRAS. Para ser validado e

    reconhecido um sinal precisa estar estruturado

    fonologicamente e linguisticamente de acordo

    com parmetros e aspectos culturais dos sur-

    dos pr-existentes, principalmente ainda ser

    aceito e reconhecido pela comunidade surda

    como sendo um sinal (signo) capaz de transmi-

    tir a verdadeira signicao da representao

    do objeto a ele atribudo.

    Apesar de os surdos serem os principais

    difusores e orientadores em relao a cons-

    truo lingustica e o uso da LIBRAS, no po-

    demos dizer que a LIBRAS seja propriedadeexclusiva dos surdos. Ao obter um status lin-

    gustico, sendo reconhecida como Lngua, ela

    passa a ser de quem a utiliza, e de acordo com

    a legislao vigente a LIBRAS oriunda de

    comunidades de pessoas surdas do Brasil e

    no propriedade, assim como ocorre com toda

    lngua que de todos os seus usurios inde-

    pendente de pertencerem ou no ao grupo ori-ginrio desta lngua. Com a regulamentao, a

    LIBRAS, apesar de sua origem, passou a ser a

    segunda lngua ocial de nosso pas, atualmen-

    te acessvel a todas as pessoas interessadas

    em conhec-la e utiliz-la como meio de comu-

    nicao. Contudo, a grande maioria usuria da

    LIBRAS ainda so os surdos e ouvintes partici-

    pantes de comunidades surdas, que a utilizamno apenas como meio de comunicao, mas

    tambm como ferramenta de uso prossional

    como acontece no caso dos Professores e dos

    Tradutores e Intrpretes da LIBRAS.

    3.4. O bilinguismo na educao de surdos

    O Mtodo Bilngue de Ensino envolve

    duas lnguas no contexto educacional. A Ln-

    gua de Sinais, como primeira lngua, (L1) e a

    lngua ocial do pas - no caso do Brasil a Ln-

    gua Portuguesa - como segunda lngua (L2).

    Ao adotar esta metodologia de ensino, a esco-

    la est assumindo uma poltica lingustica em

    que duas lnguas estaro envolvidas e passa-

    ro a coexistir no espao escolar. Este mtodo

    surgiu na dcada de 1970, com base em con-

    ceitos sociolgicos, loscos e polticos quereconhecem que o surdo vive numa condio

    bilngue e bicultural, pois convive diariamente

    com duas lnguas e duas culturas.

    [...] os efeitos positivos da educao bilnge[...] incluem o desenvolvimento adequado decompetncias lingusticas e comunicativas, aaquisio espontnea da linguagem, com o de-senvolvimento intuitivo de regras lingusticas e

    em contextos sociais naturais motivados linguistica-

    mente, a conexo baseada na experincia entre ouso da linguagem e a formao de conceitos, o de-senvolvimento de padres de linguagem apropriados faixa etria para auxiliar em uma srie de funes

    9

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    (por exemplo, auto-regulao, interao, obteno eexpresso de informao) e, nalmente, o desenvol-vimento de respeito e identidade prprios como pes-soa surda. (Oksaar, 1990, apud CAPOVILLA, 2004)

    Na abordagem educacional, o bilinguis-

    mo aceita o fato de que as crianas surdas so

    interlocutoras naturais da Lngua de Sinais,

    sendo assim a sua primeira lngua ou lngua

    materna, como alguns denominam. Um dos

    entraves para o xito da educao bilngue

    que cerca de 90% dos surdos tm famlia ou-

    vinte, portanto seria necessrio que a famlia

    tambm aprendesse a se comunicar na Lngua

    de Sinais, pois a lngua oral, que geralmente

    a lngua da famlia da criana, constitui-se parao surdo como segunda lngua. Outra questo

    ainda em discusso diz respeito ao momento

    em que o processo de ensino-aprendizagem

    da segunda lngua no espao educacional.

    Educadores e tericos, alm da comunidade

    surda, tm defendido que o aprendizado seria

    inecaz caso as duas lnguas fossem ensina-

    das ao mesmo tempo sendo que a LIBRAS de-veria sempre ser contemplada como lngua por

    excelncia de instruo, inclusive do prprio

    portugus (Salles, 2004, pg. 21).

    O ensino do portugus condicionado ao

    uso da LIBRAS como uma lngua de instruo,

    ensinado na modalidade escrita apenas, sen-

    do que a modalidade oral/auditiva estar a cri-

    trio do interesse do aluno surdo em aprend--la e utiliz-la ou no, cando condicionado ao

    grau da sua perda auditiva. O ensino do portu-

    gus escrito ser o foco do educador bilngue

    e no a estimulao oral/auditiva. Sendo que

    o objetivo, neste caso, o de estabelecer um

    vis comunicativo com o aluno surdo de forma

    que ele possa compreender os signos/vocbu-

    los do portugus associando-os aos seus con-ceitos e a signicao construda destes vo-

    cbulos atravs do seu pensamento e do seu

    conhecimento de mundo, adquirido at ento,

    atravs do uso da Lngua de Sinais.

    Vygotsky (1989) pontua que o signicado daspalavras um fenmeno do pensamento apenasna medida em que o pensamento ganha corpopor meio da fala e s um fenmeno da fala na

    medida em que esta ligada ao pensamento,sendo iluminada por ele; Este intrica- do e complexosistema que envolve a linguagem e pensamento re-vela o quanto inecaz se torna o constante passo apasso na direo de fazer uma criana surda falarao invs de propiciar a ela um meio rpido de comu-nicao lingustica atravs da aquisio da lngua desinais como primeira lngua, que proteja e cumpra opapel fundamental de resguardar o seu natural de-senvolvimento no que se refere a ter o domnio, defato, de um instrumental lingustico que lhe sirva paraas operaes mentais que envolvem mecanismos lin-gusticos. (apud Fernandes, 2005. p. 20)

    De todos os mtodos apresentados, o

    bilinguismo tem provado ser o mais ecaz no

    sistema de ensino, pois parte da ideia de utili-

    zar no ensino, o uso de duas lnguas. O indi-

    viduo bilngue , portanto, um agente que usa

    e atualiza dois sistemas simblicos distintos

    objetivando representar conceitos (Fernan-

    des, 2005). E isto est de acordo at mesmocom o pensamento difundido por Vygotsky de

    que o desenvolvimento do uso dos signos um

    processo histrico e social (Vygotsky, 1991 a,

    51sgs).

    Se na perspectiva o ser humano aprende gra-dualmente do mundo sociocultural um sistemasimblico fundamental para fazer os recortes darealidade e, assim, organizar e ordenar a expe-rincia apreendida, a falta do domnio do instru-

    mental lingustico em termos ideais (que permita criana no apenas uma comunicao bsica, maso sucesso de usar uma lngua como principal instru-mento do pensamento) inadmissvel. (Fernandes,2005. p. 21)

    O uso da Lngua de Sinais para o Ensi-

    no da Lngua Portuguesa (LP) o que torna o

    aluno surdo realmente consciente e satisfeito

    quanto ao que foi lhe ensinado. Todavia, se-

    gundo as fontes bibliogrcas dos pesquisado-res j mencionados, a Lngua de Sinais no

    deve ser adotada exclusivamente, devendo a

    10

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    Lngua Portuguesa com a sua gramtica, a es-

    crita e produo textual, a m de que o aluno

    surdo no venha a excluir-se.

    A ideia de que uma lngua leva ao no uso daoutra lngua ou uma lngua acaba sendo maisutilizada que outra vem com a poltica de subtrair

    as lnguas ao invs de utilizar uma poltica lin-gustica aditiva (no sentido de Cummins, 2003).

    Ademais, os surdos tem assumido uma postura de-fensiva diante do portugus pelo fato de que a lnguaainda tida como a lngua melhor, a lngua ocial, alngua superior em oposio lngua de sinais bra-sileira representada apenas como uma opo, comoum instrumento utilizado somente se o aluno surdono venha a conseguir acessar a lngua, pois se en-tende que a lngua aqui, a portuguesa, e, portanto,os sinais como no-lngua. (Quadros, 2005. p. 30)

    Com o uso da Lngua de Sinais pode-setrabalhar os conceitos e as temticas do portu-

    gus, para que a semntica envolvida no con-

    texto e a sua aplicao em frases e oraes,

    sejam compreendidas pelo surdo. O ensino do

    portugus escrito como segunda lngua pode

    ser realizado com muito mais eccia utilizan-

    do o meio de comunicao em LIBRAS neste

    processo. Ensinar aos surdos, em Lngua deSinais, contedos referentes gramtica do

    portugus que antes pareciam quase impos-

    sveis de serem ensinados - como o caso da

    fontica das letras, separao de silabas, d-

    grafos e encontros consonantais e at mesmo

    fonologia torna-se possvel atravs do mto-

    do bilngue.

    4. Consideraes Finais

    Ao compreendermos que o desenvol-

    vimento do pensamento determinado pelos

    instrumentos lingsticos e pela experincia

    sociocultural da criana, envolvendo questes

    de interao social, estimulao do meio, e,

    fortemente, pelas relaes afetivas, passamos

    a perceber o quanto denitivo o papel da

    escola e da educao . Da a importncia deuma educao de qualidade tornar-se acess-

    vel a todos, sem distino.

    Para a incluso e aprendizagem do

    aluno deciente auditivo, faz-se necessrio o

    conhecimento e a utilizao de mtodos ade-

    quados s suas necessidades individuais. No

    caso dos surdos, o uso da Lngua Brasileira

    de Sinais como primeira lngua (L1) e a Ln-gua Portuguesa como segunda lngua (L2). No

    entanto, para que o desenvolvimento cognitivo

    seja estimulado e ocorra aprendizagem, h que

    se entender o sujeito em suas necessidades

    especcas, estando atentos a quem esse

    aluno e, a partir disto, buscar as ferramentas

    e os subsdios necessrios para o seu sucesso

    escolar. Assim, o desenvolvimento lingustico de

    cada pessoa no pode estar condicionado s

    suas condies biolgicas. Atravs da lngua

    tambm nos denimos enquanto humanos,

    num processo dinmico de socializao, onde

    o convvio com as pessoas iguais e diferentes

    promove a interao e desta forma, aprendiza-

    do.

    [...] Convive-se com a diferena de esta-tura, de peso, de sexo, de condio social, deocupao, etc.: todos somos diferentes, abso-lutamente. Entretanto, a diferena no deixa deter um aspecto grandemente positivo. A diferen-

    a alegra, sugere, incita a conquistas e construode algo diferente, possivelmente melhor, melhorado. importante que crianas de diferentes faixas etriase condies sociais convivam na sociedade numaforma de aprendizado e complementao mtua. preciso conviver e pensar as diferenas desde a in-

    fncia. [...] (Feltrin, 2004. p.64)

    Ao considerarmos todas as questes

    abordadas neste estudo, mais uma vez salien-

    ta-se que a educao, enquanto direito bsico

    comum a todas as pessoas, valor pelo qual

    imprescindvel lutar para se fazer valer. Neces-

    sitamos dela, principalmente, para nos desen-

    volvermos cognitivamente, .para garantir um

    espao de desenvolvimento , onde as diferen-as representem riquezas sociais positivas.

    11

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    O convvio com a diferena alegra, su-

    gere, incita a conquistas e construo de

    algo melhor. exatamente o conviver e o

    pensar nas diferenas que nos oportuniza um

    encontro com a verdadeira pedagogia, a pe-

    dagogia do ensinar e do aprender como sendoum processo mtuo, no qual, a cada desao,

    busca-se uma alternativa e uma estratgia ino-

    vadora, no apenas pensando no diferente

    como sendo o nico benecirio deste proces-

    so, mas no qual todos podero ser fortalecidos

    e beneciados na aprendizagem, a partir do

    momento em que este ensino passa a ser (re)

    pensado.O entendimento de que a manifestao

    lingustica de uma pessoa est intrinsecamente

    ligada ao seu potencial Cognitivo, faz com que

    o foco de toda a atividade pedaggica seja di-

    recionada para o seu desenvolvimento. fazen-

    do desta seja uma preocupao primria. Ao

    no direcionar o planejamento para atender a

    uma demanda predominante, e sim buscar orespeito e a valorizao das minorias, o fazer

    pedaggico estar atendendo necessidades

    individuais e sendo propulsor da incluso.

    Para isso, propomos mudanas de es-

    tratgias e de metodologias, acreditando que

    um planejamento audacioso e inovador, ba-

    seado na perspectiva inclusiva e, neste caso,

    bilnge no estaro beneciando somenteuma minoria (os surdos), mas com certeza,

    beneciando a todos os envolvidos direta ou

    indiretamente neste processo, a m de fazer

    com que exista uma diferena e esta diferen-

    a no esteja apenas centralizada no diferen-

    te, mas focada no processo de aprendizagem,

    garantindo qualidade para todos.

    5. Referncias Bibliogrcas

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