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Louis Lavelle - Desejo e Amor É perigoso querer arrancar ao amor a ponte do desejo, a fim de torná-lo mais puro. Desta feita, arriscamos negá-lo. O desejo deve ser contido, não abafado. Ele morre quando satisfeito, mas se torna mais forte ao mudar de objeto, e, se não procura seu termo numa satisfação instantânea, não cessa de produzir novos frutos pela eternidade afora. O amor sintetiza de modo claríssimo e vivíssimo todos os traços de nossa consciência. Nele observamos o melhor do nosso pensamento oscilar inteiramente da recordação ao desejo; vemos o desejo despertar a recordação e se alimentar do élan que aponta para o futuro com as imagens do passado, além de buscar – sem alcançar – um estado estável no qual o desejo e a recordação se identificariam, bastando à recordação despertar o desejo para satisfazê-lo; tal satisfação triunfaria do tempo, da resistência e até da dualidade do objeto e do sujeito. Ela seria, se não permanente, ao menos disponível, tornada espiritual. A recusa do desejo Este, sobre quem dizemos contentar-se com pouco, não é um cego insensível a todas as possibilidades que lhe poderiam ser dadas; o mais das vezes, é um espírito lúcido e vigoroso, capaz de descobrir o que há de infinitamente rico naquilo que lhe é oferecido do que em todas as sugestões duma imaginação incerta e volúvel, que sempre foge do real, sendo incapaz de se lhe firmar. O desejo mais profundo Quando fazemos nascer em nós este desejo – o mais profundo dos desejos – , ele não se distingue de sua própria satisfação. Nele, o movimento e o repouso se confundem; é um ato que tornou-se um estado. Não precisa sair de si e, contudo, está inteiramente fora de si, já presente naquilo que o satisfaz. Qualquer esforço em nossa vida tende a abolir os desejos particulares, fazendo nascer um desejo sem objeto e constante, o que dá a cada uma de nossas ações um significado absoluto e um valor infinito. O que em nós chamamos de o desejo mais profundo, também chamamos de dever, logo que soframos o tormento dos desejos particulares. Não há posse de si que não seja exigência duma posse do mundo. A sabedoria satisfaz-se com o que é exigido de nós (como participação), sendo capaz de cumprir perante todo o resto um ato de aceitação. Freqüentemente, condenamos o desejo, por pensar que apenas lhe padecemos. Todavia, faz-se mister aceitá-lo e consenti-lo. Ele é que cria o vínculo entre a natureza e o mundo, conservando, por sua vez, nossa sujeição e nossa independência. É um dom que depende de

Louis Lavelle Desejo e Amor

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  • Louis Lavelle - Desejo e Amor

    perigoso querer arrancar ao amor a ponte do desejo, a fim de torn-lo mais puro. Desta feita, arriscamos neg-lo. O desejo deve ser contido, no abafado. Ele morre quando satisfeito, mas se torna mais forte ao mudar de objeto, e, se no procura seu termo numa satisfao instantnea, no cessa de produzir novos frutos pela eternidade afora.

    O amor sintetiza de modo clarssimo e vivssimo todos os traos de nossa conscincia. Nele observamos o melhor do nosso pensamento oscilar inteiramente da recordao ao desejo; vemos o desejo despertar a recordao e se alimentar do lan que aponta para o futuro com as imagens do passado, alm de buscar sem alcanar um estado estvel no qual o desejo e a recordao se identificariam, bastando recordao despertar o desejo para satisfaz-lo; tal satisfao triunfaria do tempo, da resistncia e at da dualidade do objeto e do sujeito. Ela seria, se no permanente, ao menos disponvel, tornada espiritual.

    A recusa do desejo

    Este, sobre quem dizemos contentar-se com pouco, no um cego insensvel a todas as possibilidades que lhe poderiam ser dadas; o mais das vezes, um esprito lcido e vigoroso, capaz de descobrir o que h de infinitamente rico naquilo que lhe oferecido do que em todas as sugestes duma imaginao incerta e volvel, que sempre foge do real, sendo incapaz de se lhe firmar.

    O desejo mais profundo

    Quando fazemos nascer em ns este desejo o mais profundo dos desejos , ele no se distingue de sua prpria satisfao. Nele, o movimento e o repouso se confundem; um ato que tornou-se um estado. No precisa sair de si e, contudo, est inteiramente fora de si, j presente naquilo que o satisfaz.

    Qualquer esforo em nossa vida tende a abolir os desejos particulares, fazendo nascer um desejo sem objeto e constante, o que d a cada uma de nossas aes um significado absoluto e um valor infinito.

    O que em ns chamamos de o desejo mais profundo, tambm chamamos de dever, logo que soframos o tormento dos desejos particulares.

    No h posse de si que no seja exigncia duma posse do mundo. A sabedoria satisfaz-se com o que exigido de ns (como participao), sendo capaz de cumprir perante todo o resto um ato de aceitao.

    Freqentemente, condenamos o desejo, por pensar que apenas lhe padecemos. Todavia, faz-se mister aceit-lo e consenti-lo. Ele que cria o vnculo entre a natureza e o mundo, conservando, por sua vez, nossa sujeio e nossa independncia. um dom que depende de

  • ns aceit-lo; preciso consentir nesta ausncia a fim de que as coisas em si cuidem de preench-la.

    posted by Luiz de Carvalho @ 4:06 PM

    Louis Lavelle - Desejo e Amor