51
MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao de curso, apresentado a Universidade Tuiuti do Parana, como requisito parcial para obten<;ao do grau de especialista. Orientador Professor Ooutor Henrique Cunha Junior. -, ",(,r._' ",.. ,} "?0~;'> " ('

MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

  • Upload
    vohanh

  • View
    216

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO

A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE

Trabalho de conclusao de curso, apresentado aUniversidade Tuiuti do Parana, como requisitoparcial para obten<;ao do grau de especialista.Orientador Professor Ooutor Henrique CunhaJunior.

-,",(,r._' ",..,}

"?0~;'> "('

Page 2: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

TERMO DE APROVAC;:AO

Marcolino Gomes de oliveira neto

A REPRESENTAC;:AO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE

Esla monografia foi julgada e aprovada para obten~ao do titulo de Especialisla em Hist6ria e CulturaAfricana e Afrobrasileira, Educa980 e Ayoes Afirmativas no Brasil. no Curso de Hist6ria e Cultura Africanae Afrobrasileira da Universidade Tuiuti do Parana e Instituto de Pesquisa da Afrodescend€mcia doParana.

Curitiba, 20 de fevereiro de 2008

CURSO: Historia e Cultura Africana e Afrobrasileira, Educavao e Ac;oes Afirmativas no

Brasil.

Universidade Tuiuti do Parana

Instituto de Pesquisa da Afrodescendencia do Parana

Orientador Prof. Dr. Henrique Cunha Junior

Universidade Federal do Ceara

Page 3: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

Dedico esse trabalho aos nossos ancestrais pela fon;:a desafiadora de continuar

existindo numa sociedade que tentava, inutilmente, elimina-Ios ..

Para a mais forte e terna de todas as mulheres que conheyo ... Minha mae Ana, de

quem herdei a cor e a teimosia ... e para me us irmaos Maria, Mario, Maurindo, Luzia,

Mauricio e Marcio que tanto me apoiam, que tanto acreditam ..

Para minha sobrinha Kenia Adriana, dedicada e amorosa apesar da distancia ..

Para minha amiga de todas as horas e companheira de viagem Edimara Fagundes, por

tantos sorrisos, por tantos momentos felizes ...

Para Lena Garcia minha fada madrinha, doce e encantadora ..

Para Tania Lopes e Cristiane Brito por me ouvirem, par me chacoalharem, por me

ensinarem ..

Para Dona Neide, exemplo de sabedoria, amizade, determinayao, alegria ..

Para Cleusa, Fatima e Celso pelos momentos agradaveis na sala de aula, no bar, no

churrasco ..

Para Maria Evilma, pel a bondade, pel a alegria, pela amizade.. por isso sinto tanta

saudade ..

Para 0 IPAD pela iniciativa magistral de organizar este curso.

Page 4: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

RESUMO

Este trabalho se prop6e a analisar como a negro e sua cultura sao representados na

arte paranaense, desde 0 inicio do seculo XIX ate a decada de 1950. Discute questoes

relacionadas a paUtica de embranquecimento e aD processo de invisibilizac;:ao do negro

na historia oficial do Parana. Esta pesquisa, total mente bibliografrca, exigiu tambem a

leitura e interpretaC;c30de algumas obras de arte. Concluimos que mesma diante de

uma sociedade racista, assentada em valores Gulturais e esteticos de matriz europeia, a

invisibilizac;ao, total, do negro nao ocorre de fato, estando sua imagem e sua cultura

presentes em obras de grande importancia para a arte paranaense.

Palavras-chave

Negro - embranquecimento - invisibiliza9ao - sociedade racista - arte paranaense.

Page 5: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

SUMARIO

INTRODU9Ao ... . 9

1 - CURITIBA - A CAPITAL DA PRoviNCIA... . 10

2 - PANORAMA DAARTE PARANAENSE ATE A DECADA DE 1950 14

2.1 - Joao Pedro - 0 Mulato ..

2.2 - Mariano de Lima ..

2.3 - Alfredo Andersen ..

2.4 - 0 Paranismo ..

2.5 - Enfim 0 Expressionismo!..

3 - ERBO STENZEL..

4 - A PRA9A 19 DE DEZEMBRO ...

5 - 0 PAINEL DE DUAS FACES ..

5.1 - Erbo Stenzel e Humberto Cozza ....

5.2 - Poty Lazzarotto ...

6 - 0 HOM EM - NEGRO - NU ..

7 - CONCLUsAo ..

8 - BIBLIOGRAFIA ..

. 14

.......17

. 19. .21

..... 23

. .25

. .28

. 29

....... 29. 35

. 38. .42

. .43

Page 6: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

LlSTA DE FIGURAS

FIGURA 01 - Erbo Slenzel- Torso de Trabalhador. ...

FIGURA 02 - Erbo Stenzel - Agua Pro Morro ..

FIGURA 03 - Pra,a 19 de Dezembro - Vista parcial.

FIGURA 04 - Pra,a 19 de Dezembro - Vista parcial.

FIGURA 05 - Erbo Stenzel e Humberto Cozzo - Painel- delalhe ..

FIGURA 06 - Erbo Stenzel e Humberto Cozzo - Painel- detalhe ..

FIGURA 07 - Erbo Stenzel e Humberto Cozzo - Painel- detalhe ..

FIGURA 08 - Erbo Stenzel e Humberto Cozzo - Painel- detalhe ..

FIGURA 09 - Erbo Stenzel e Humberto Cozzo - Painel- delalhe ..

FIGURA 10- Poly Lazzarotto - Painel- delalhe ..

FIGURA 11 - Poty Lazzarotto - Painel- detalhe ..

FIGURA 12 - Poty LazzaroUo - Painel- detalhe ..

FIGURA 13 - Poly LazzaroUo - Painel- detalhe ..

FIGURA 14 - Poty Lazzarotlo - Painel- detalhe ...

FIGURA 15 - Erbo Stenzel e Humberto Cozzo - 0 Homem nu ..

.. .45

. .45

. .46.. .46

....47

. .47.....48

.. .48

.. 49

.. 49

...50

.. 50

.. 51

. 51

.. 52

FIGURA 16 - Miquerino e sua mulher- escultura egipcia 53

Page 7: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

INTRODU<;:AO

Nessa intenC;:8o nesse texto e discutir como a populary8o negra se faz presente

na arte paranaense, desde 0 inicio do seculo XIX ate a decada de 1950, e como as

idea is de embranquecimento embutidas na politica de imigrac;:ao, subvencionada nurn

primeiro momento pelo Estado, contribuem para a promoC;:8o de sua invisibilizac;:ao.

Em primeiro lugar procuramos refJetir a respeite do processo de constrw;:ao de

uma imagem assemelhada a Europa e que procurava evidenciar indices de

desenvolvimento acima daqueles observados, de fato, na sociedade paranaense. Esse

desejo de modernizac;ao foi usado tambem para justificar a politica de imigraryao que

objetivava na verdade, sanear a trabalho e a populac;ao a partir da abertura de espa<;os

aos europeus e seus descendentes em detrimento de negros e mesti<;os.

Em segundo lugar analisamos os varios estagios da arte paranaense,

observando como ocorre a supervalorizagao de artistas estrangeiros ao mesmo tempo

em que se procura negar a existencia de artistas e personagens negros.

Finalmente nos atemos a obra do escultor Erbo Stenzel, que oscila entre a

reafirmagao de valores esteticos que contribuem para a invisibilizagao do negro e a sua

representagao positivada em obras de extrema importancia para a arte paranaense.

Entendemos par invisibilizagao a forma utilizada para "escamotear, invisibilizar, omitir

ou desqualificar as contribui<;oes cutturais, sociais e biol6gicas de povos que ajudaram

a construir a na9';0" (PEREIRA, 2001, p. 175) como acontece com a popula9';0 negra.

Essas discussoes servem de suporte para que possamos analisar de forma mais

adequada 0 monumento alusivo ao centenario de emancipagao politica do Parana onde

a arte ultrapassa os limites puramente esteticos e invade campos variados do

conhecimento humano, nos interessando em especial as narrativas s6cio-hist6ricas que

revelam as relag6es raciais estabelecidas em nossa sociedade desde 0 inicio da

coloniza<;ao.

Para que isso seja possivel e necessaria destacar que uma obra de arte pode

ser interpretada de diversas maneiras e usa-Ia para discutir rela<;oes racials nos parece

oportuno por conta do momenta politico em que esta inscrita, 0 que nao significa que

estejamos analisando a forma de pensar e agir do artista, ainda que isso ocorra em

algumas situagoes bern especificas.

Page 8: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

10

Quando discutimos rela<;oes faciais utilizamos 0 conceito de raga "nao em

sentido bio16gico, mas 8im como urn indicador de origens e trajet6rias historicas

comuns" (BRANOAO, 2003, p. 19) que interferem na estrutura das rela90es sociais.

A metodologia utilizada envolve duas etapas. A primeira e a analise s6cio-

hist6rica que procura compreender como 58 constr6i a valorizac;ao da cultura e da

estetica de matriz europeia e como ela interfere na produyao artistica paranaense

promovendo a invisibilizac;ao do negro e/ou sua cultura. A segunda e a interpretat;c30 e

reinterpretayao de valores simb61icos contidos no monumento acima citado, por serem

capazes de revelar formas ideo16gicas de dominac;c3o e resistemcia.

1 - CURITIBA - A CAPITAL DA PRoviNCIA

A fundaltao da capital paranaense, Curitiba, atribuida a Ebano Pereira, data de

1654.

Elevada a capital da provincia em 1853 ganhou importancia que ate entao nao

tinha, sendo Paranagua a principal cidade. A inaugurac;:ao da estrada ferro, projeto

inicial de Antonio Rebouc;:as, em 1885 ligando Curitiba ao litoral, proporcionou um

aumento significativo da populac;:ao e alterou 0 ritmo da pacata cidade. Ja em 1900

possuia uma populac;:ao estimada em 35 mil habitantes, pelos calculos de Sebastiao

Parana. Romario Martins acreditava que havia um numero maior de moradores e

afirmava que a populac;:ao de Curitiba naquele momento era de exatos 49.755

habitantes. Apesar da diferenc;:a numerica ambos concordam que esse aumento

populacional estava associado a politica de imigrac;:ao do governo federal.

Nestor Vitor, escritor em atividade na capital paranaense no inicio do seculo XX

descreveu a chegada dos europeus com um encantamento exagerado. De acordo com

ele "a influencia foi toda benefica, os colonos criaram dentro em pouco a pequena

lavoura nos arredores de Curitiba, abastecendo fartamente 0 mercado de milho, batata,

frutas, avos eaves" (1996, p. 71).

A agricultura, praticada ha muito por indigenas e negros. africanos ou nascido

no Brasil, livres ou escravizados, tem sua criac;:ao atribuida ao imigrante europeu que

Page 9: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

II

tambem teria a poder de alterar 0 comercio local. as produtos agricolas que cultivavam,

ainda que naD fossem novidades, sao assim apresentados.

o modelo civilizador europeu, bastante discutido naquele momento, ganhava as

paginas dos jornais e era vista como urn mecanismo necessaria para 0

desenvolvimento do pais.

Em 20 de oulubro de 1886, 0 jornal Echo Paranaense, publicado em portugues e

alemao, defendia a imi9ra~ao como soluc;ao de numerosos problemas que dependiam

da reorganizac;ao do trabalho. Atacava 0 sistema escravocrata imputando ao negro, ao

indigena e a seus descendentes a responsabilidade pelo atraso dominante na capital

da provincia afirmando ser fundamental a importar;ao de elementos ethinicos para

retemperar nossa raya. Qutros peri6dicos seguiam a mesma linha editorial. como a Oer

Pioner, publicado em portugues e alemao desde 1881 e engrossava 0 coro dos

desconlenles com 0 regime escravocrala (OLIVEIRA NT., 2001).

E necessario destacar que a conceito de ra~a defendido par esses jornais girava

em torno das ideias racistas difundidas pelo botanico sueco Carolus Linaeus - criador

do atual sistema de classifica~ao dos seres vivos - que deu 0 nome de Homo Sapiens

a humanidade e a dividiu em quatro subespecies: os vermelhos americanos, geniosos,

despreocupados e livres; os amarelos asiaticos, severos e ambiciosos; os negros

africanos, ardilosos e irrefletidos; os brancos europe us, evidentemente, ativos,

inleligenles e engenhosos (KENSKI, 2003, p, 44). Assim, 0 que prelendiam na verdade

era a implanta~ao de um sistema em que fossem garantidos maiores espa~os para 0

imigrante europeu e eliminasse a popula~ao negra que era vista como sin6nimo de

atraso.

Na medida em que nos aproximamos do final do regime escravocrata,

percebemos urn aumento substancial no numero de imigrantes, vindos de varias partes

da Europa. Ao contra rio da popula~ao negra conseguiam espa~os ern todos os setores

da sociedade, mesmo sem qualificagc30 profissional. Os alemaes, par exemplo,

dominaram 0 comercio e a industria e conseguiram impor um estilo arquitet6nico

praticado por antigos pedreiros, ja que nao havia entre eles arquitetos au engenheiros e

fundaram escolas e clubes, proibidos aos brasileiros. Outras col6nias (ucranianas,

polonesas e italianas) tambem exercitavam a xenofobia em nome da preservagao de

Page 10: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

12

tradi90es de seus paises de origem, como a culinaria, 0 idioma e praticas religiosas.

Para Trindade e Andreazza uera uma forma de recriar a vida social que deixaram na

Europa" (2001. p. 57).

o racismo praticado par esses imigrantes, baseado na leoria que sustenta a

superioridade de certas rayas em relayao a outras (BERND, 1994, p. 11). foi

naturalizado e reproduzido pela maiaria de nOSSDS pesquisadores. Ao descrever a

com un ida de alema, Viter nos dc'l uma ideia de como as col6nias de origem europeia se

relacionavam com a sociedade paranaense:

"Era raro ver-se ale urn simples filho de alemaes, jil nascido no Brasil, aliar-5e a urna moya

brasileira. Eles 56 liam jernais impressos em tipos g6ticos: pUblicavam-se uns Quantosdesses em

Curitiba. As crianyas 56 frequenlavam colegios germanicos, onde nao havia 0 ensino de

portugues. Assim, bem comumente, velhos imigrantes, que ja estavam naquela terra havia

dezenas de anos, mal podiam expressar alguma coisa em nossa lingua, e ate rapazes e moryas

de sua prole falavam portugues com muila imperfeiC;ao e deficiencia" (1996, p. n).

Em 1920 Romario Martins, em seu livro "Curytiba de Outror'a e de Hoje", mais de

cern anos depois da chegada dos primeiros imigrantes, tam bern constatava que havia

uma grande resistemcia, por parte dos colon os europeus e seus descendentes, em

rela9ao a popula9ao brasileira, pOis recusavam 0 "cruzamento" com os tipos locais.

Como conseqCu§ncia, 0 fechamento dessas col6nias impediu 0 desenvolvimento

de elementos culturais caracteristicos, principalmente na capital paranaense e

adjacencias. Em contra partida as manifestac;6es culturais de origem africana, como 0

batuque, 0 jogo de capoeira e as congadas, weram dura mente reprimidas pel as

Camaras Municipais a medida que proporcionavam ajuntamento de escravos"

(TRINDADE; ANDREAZZA, 2001. p.45). Considerando que 0 ataque a toda e qualquer

manifestac;ao publica de cultura negra continuou no periodo que sucede a assinatura da

Lei Aurea, entendemos que essa repressao objetivava impedir a difusao de uma cultura

considerada inferior em relac;ao ao modelo europeu.

A ac;ao do estado para eliminar 0 negro da sociedade paranaense contou com a

ajuda de artistas e pesquisadores, que procuraram ao longo do seculo XX, reduzir sua

participa930 na historia oficial do estado a condi9ao de escravizado. Por outro lado, 0

Page 11: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

13

merito da suposta modernizac;ao do estado do Parana e todo dos pobres imigrantes

europeus que Ucontribuiam de forma peculiar para a constrw;30 de uma nova forma de

viver urbano que iria caracterizar 0 cotidiano dos paranaenses na virada do seculoH

(TRINDADE; ANDREAZZA, p. 60).

o esfon;o em criar uma imagem positiva desses imigrantes procurava, entre

Qutras caisas, justificar as investimentos federais na pOlitica de imigraC;3o que tinha

como objetivo principal embranquecer 0 pais. Nadalin explica que havia uma "receita

para 0 progresso, via introduC;3o do imigrante branco, livre, pacifico e trabalhador,

capaz de ajudar a apurar e 'tonificar' - leia-s8 branquear - tanto a 'ral(a' brasileira como

o trabalho" (2001, p. 74). Esse embranquecimento, alem da popula~ao negra,

procurava eliminar trac;:os culturais relacionados a ela. Como afirma Reis, "para destruir

um povo, nao e necessaria matar cada uma das pessoas que a formam, e suficiente

desmoralizar sua cultura" (2002, p. 18).

o desenvolvimento pretend ida pel a cidade de Curitiba e pelo restante da

provincia contribuiu para que perdesse as ares de aldeia, de vila. Nestor Victor se

assusta em 1912 com "uma verdadeira multidao de gente que nao sabemos quem seja,

quando a quinze annes atraz eram poucos as transeuntes aqui que ao menos nao

conhecessemos de vista" (1995).

E evidente que a conceito de multidao apresentado pelo autor difere do conceito

atual, mas assim mesmo existe urn certo exagero ao descrever a populac;:ao que circula

pelas ruas de Curitiba. Para Angela Brandao a que acontece aqui e antecipac;:ao de

uma transformac;:ao que s6 aconteceria de fato anos mais tarde. Ou seja, a desejo de

modernizac;:ao faz com que a cidade exalte aquilo que tern ou acredita ter de moderno,

de urbano, de progresso (1994, p. 90-91).

Ainda que a processo de modernizac;:ao da capital paranaense apresente indices

rna is modestos de desenvolvimento do que aqueles pretendidos por Nestor Vitor, de

fato ele ocorre e incide na valorizac;:ao dos irn6veis e terrenos do peri metro urbano e "os

pobres e as sapos VaG indo cada vez mais para lange" (1996, p.91). Pobres e sapos

sao colocados num nivel extremo de inferioridade e por isso mesmo podiam ser

escorrac;:ados sem que ninguem Ihes acudissern. Se pensarmos que a populac;:ao negra

nao foi contemplada com nenhuma polftica publica que a inserisse na sociedade,

I;'~~""I§:~ %\f;; eHJ'''··r~:.; ::.;VC;'~7

Page 12: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

14

especial mente no periodo seguinte a assinatura da Lei Aurea, certamente e ela que

comp6e 0 grupo de pobres de que fala Victor.

Bonde, luz eh~trica, ruas pavimentadas e algumas industrias, nao alterarn a

caracteristica agricola do Parana e nas decadas de 1930 e 1940 0 estado S9 esfor9<!

para se lornar 0 maior produtor de cafe e na decada de 1960 responde p~r 52% da

produtyc3o nadona!. Ainda que esse produto fosse cultivado na Etiopia hili seculos, sao

as irnigrantes italianos que recebem as creditos pela introdu93o de tecnicas de seu

cultivo que incidem na expansao da economia paranaense.

Ao assumir seu potencial agricola 0 Parana promove urn cresci menta

populacional de proport.;oes imensas e passa de 685.000 habitantes em 1920 para

2.115.000 em 1950.

No campo das artes plasticas as mudan9as ocorrem mais lentamente e nao

acompanham a ritmo de centros maio res, apesar de um numero razoavel de artistas se

deslocarem com certa regularidade para a Europa e Rio de Janeiro a fim de se

manterem "atualizados".

2 - PANORAMA DA ARTE PARANAENSE ATE A DEC ADA DE 1950

2.1 - JOAO PEDRO - 0 MULATO

A historia da arte paranaense come~a a ser escrita em 1807 em Curitiba par urn

artista negro: Joao Pedro - 0 mulato. Para Adalice Araujo, falando a Millarch (1986),

ele e a primeiro "artista paranaense que se tern noticia".

Essa afirma~ao, tambam e feita pelo professor Newton Carneiro em 1975 no livro

"0 Parana e a Caricatura" que ainda reivindicava para Joao Pedro a titulo de primeiro

caricaturista brasileiro. Apesar da importancia desse trabalho, pouca coisa mudou apos

a sua publica~ao e a silencio em torno da obra de Joao Pedro, tambem denunciado na

epoca, permaneceu. Assim, para discorrer a respeito dele vamos utilizar somente a

obra de Carneiro.

De acordo com 0 pesquisador, 0 artista seria natural de Curitiba, porem nada se

sa be a respeito de seu nascimento e de sua familia ou de como se deu seu

aprendizado. Como Curitiba era uma pequena vila naquele periodo, nao dispunha de

professores de desenho au pintura e nenhum estabelecimento que comercializasse

Page 13: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

15

materials artisticos. Essa situac;ao nos leva a crer que Joao Pedro tivesse que se

deslocar para centros mais urbanizados para que pudesse desenvolver seu trabalho.

Algumas pinturas retratando cenas de Santa Catarina e do Rio de Janeiro,

inclusive urn baile na Corte de O. Joao VI, podem confirmar essa teoria. Nessa fase

Joao Pedro "abandona 0 sentido caricatural para conferir a sua produc;:ao intuito

unieamente ilustrativo" (1975, p. 25).

Essas obras fcram localizadas em Portugal em 1966 e fizeram parte do acervo

do Visconde de Vieiros. Provavelmente outras assinadas per Joao Pedro foram

encaminhadas a Europa, pois contava com 0 apoio do Conde da Barca, uma especie

de Ministro das Relac;6es Exteriores da epoca e que tambem organizou a Missao

Artistica Francesa em 1816. Essa aproxima9ao com personalidade tao ilustre atesta a

reconhecimento de seu talento por seus contemporaneos, porem a mesmo nao

aconteceu apos a sua morte uma vez que caiu no esquecimento.

Carneiro diz que "0 silt§ncio completo em torno do jovem artista" esta associado a

"acirrada disputa entre as artistas portugueses e os componentes da Missao Lebreton

que praticamente marginalizou as elementos nacionais" (1975, p.27) no periodo

posterior a proclama9ao da independencia do Brasil.

Concordamos com a autor no que refere a marginaliza9ao dos elementos

nacionais, porem acreditamos que ela esta associ ada a politica de embranquecimento

implantada no pais logo apos a proclama9ao da independencia em 1822, que tinha

como meta eliminar do territorio nacional a popula9ao negra e sua cultura atraves do

estimulo a imigra9ao europeia. Assim, Uo Brasil que se queria formar, livre e de

cidadaos brancos" (pessanha, 2007, p.21) procurava destacar os pontos positivos das

a90es relacionadas aos imigrantes, ocorrendo justamente 0 contrario com os negros

e/ou seus descendentes.

Por integrar justamente a popula9ao indesejada pela sociedade brasileira, Joao

Pedro - 0 Mulato, acabou esquecido par nossos pesquisadores que demonstram urn

interesse muito maior pelos artistas de origem europeia. Para muitos autares, a historia

da arte paranaense tem inicio com a chegada do pintar alemao Frederico Virmond, na

cidade da Lapa par volta de 1833. Eo que sugere Fernando Bini ao afirmar que

Page 14: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

16

"afora as obras deixadas pelos Jesuitas das redU(;:6es. a arte indigena que mutto pauee

interessou ao colonizador. au entao a arquitetura e 0 urbanismo de Paranagua - nada mais se

conhece da prodw;;:ao artfstica do Parana antes do inrdo da imigrat;:a.o" (1986, p. 39).

A arte indigena e a arquitetura Parnanguara, esta associada ao trabalho de

escravizados negros, sao reconhecidas como manifestayoes artlsticas, mas naa

chamam a atenc;ao do autor que justifica seu ponto de vista atraves do pouco casa do

colonizador para com elas.

Seguindo essa mesma linha de raciocinio, Carlos Rubens entende que 0

conhecimento e a arte sao proprios dos brancos europeus, justamente 0 oposto dos

negros, africanos ou nascidos no Brasil, destituidos de qualquer bem cultural: "nos

tempos coloniais, foram alguns senhores que mandaram escravos ou crias buscar

canhecimentas na Reina" (1995, p. 10).

"Crian de acordo com 0 Novo Dicionario da Lingua Portuguesa e 0 animal que

ainda mama au pessoa, em geral pobre, criada em casa de outrem (Ferreira,

199411995, p. 186). Assim, pademas campreender qual a visaa da autar em relagaa apapulac;:ao negra e par isso mesmo precisavam da interferencia e da bondade do

branco para possibilitar 0 acessa ao conhecimento ariginario da Europa. Sem essas

ac;:6es, os negros nao teriam possibilidades de ascensao artistica e cultural e

continuariam num nivel de desenvalvimento proximo ao de um animal. Par outro lado 0

autar coloca a sociedade brasileira numa situac;:ao de inferioridade quando comparada

com a europeia e incapaz de civilizar artisticamente essa papulac;:ao negra.

Rubens e a bi6grafo "oficialn do pintor noruegues radicado no Parana Alfredo

Andersen e afirma que antes de sua chegada em 1893 0 Parana permanecia entre os

estados sem arte, e toda produc;:ao artistica conhecida ate entao era uma demonstrac;:ao

de hastilidade a inteligencia (1995, p. 12).

Outro autar que comec;a escrever a hist6ria da arte paranaense a partir da

chegada de Frederico Virmond e Teixeira Leite que data sua chegada em 1818 (1988,

p. 529), a que representa uma diferenga de 15 anas em relagao as afirmagoes de

Fernando Bini, embora concorde com a ideia de arte associada ao continente europeu.

Entre as decadas de 1840 e 1850 os registros que mostram a atividade artistica

paranaense se resumem a presenl'a dos pintores norte-americanos John Henri Elliot,

Page 15: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

17

Jessica James e a sua filha Willie James e a pintora parnanguara Iria Correia.

Justamente no periodo que coincide com a emancipa9ao po1itica do Parana do estado

de Sao Paulo em 1853, hi! urn vacuo nos registros das atividades artisticas e somente

a partir de 1884 e que serao registradas as presenc;:as de artistas plasticos em atividade

no estado.

Como afirmamos anteriormente hi! urn interesse declarado de nassos

pesquisadores na arte enos artistas de origem europeia e podemos considerar a

possibilidade de nao registrarem determinados fatas propositadamente.

2.2 - MARIANO DE LIMA

A chegada do pintor e cenografo portugues Antonio Mariano de Lima a Curitiba

em 1886 foi decisiva para dar inicio a uma produyao artistica regular na entao capital da

provincia. 0 modo acolhedor como foi recebido pela sociedade local e a aceitac;ao de

seu trabalho, fez com que se decidisse a fixar residencia em Curitiba e a criar uma

Escola de Belas Artes e Industrias nos mesmos moldes da Academia Imperial de Belas

Artes do Rio de Janeiro.

A fundac;ao de sua escola aconteceu em 22 de julho de 1886 e contou com a

adesao de um numero surpreendente de interessados: 61 rapazes e 38 moc;as, num

total de 99 pessoas. Com tamanha aceitac;ao, a inaugurac;ao oficial em janeiro de 1887

reuniu as principais autoridades locais, inclusive a presidente da provincia Dr. Joaquim

de Almeida Faria Sobrinho.

Os interesses pela escola eram variados e muitos alunos tinham a oportunidade

real de uma qualificac;ao profissional atraves dos cursos de desenho aplicado, prendas

domesticas, mecanica, marcenaria, tipografia, litografia, fotografia, funilaria e

encadernac;ao. Para as autoridades locais a escola era sin6nimo de progresso, ja que

Curitiba era depois do Rio de Janeiro e de Salvador, a (lnica capital a adotar esse tipo

de ensino.

Apesar da destacada inaugurac;ao, a escola funcionou com grandes dificuldades,

pais a estado deixou de cumprir sua parte no acordo e nao repassava as verbas

prometidas.

Page 16: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

18

Alem de dirigir a Escola de Belas Artes e Industrias, Mariano de Lima tambem

ocupava 0 cargo de professor e pintava retratos par encomenda. Sua atividade artistica

nao deve ter impressionado seus alunos, pois foi incapaz de formar seguidores. Sua

importancia para a arte paranaense reside exatamente na abertura dos caminhos Que

serao percorridos pelas gera,6es seguintes. Ate sua chegada nao havia pradu,aaartistica regular, sendo caracteristica da arte paranaense manifestayoes isoladas, e ate

mesma individuais, como foi 0 casa de Joao Pedro - 0 Mulato em Curitiba e Frederico

Virmond na Lapa.

Sem a influencia do rigor academico dos artistas ligados a Escola Nacional de

Belas Artes do Rio de Janeiro, a arte paranaense desenvolveu-se mais livremente. Epassivel que essa liberdade tivesse origem nas deficiemcias tecnicas do professor

Mariano de Lima e a que seria um grande problema possibilitou aos nossos artistas

uma aproximayao mais rapida com as escolas modernistas. Ja no inicio da decada de

1920 muitos artistas dialogavam com a expressionismo.

Em 1900 a professor Mariano de Lima deixou Curitiba com destino a Manaus

cedendo as press6es que vinha sofrendo, inexplicavelmente, por parte do artista

plastico e crilico de arte Paulo Assun9ao que a partir de 1893 passou a investir contra a

escola e seus alunos. A campanha difamat6ria procurava atingir Mariano de Lima que

resistiu a quanta pode. Administrada par sua esposa Maria de Aguiar Lima, a Dona

Mariquinha, a Escola funcionou ate 1906 quando foi fechada definitivamente.

Nessa epoca a pintor noruegues Alfredo Andersen ja vi via e trabalhava em

Curitiba depois de passar 10 anos em Paranagua. Nao sabemos exatamente a data de

sua chegada, se em 1902 au 1903. Antes, em 1893 havia visitado Curitiba e a escola

do professor Mariano de Lima on de encontrou "as classes cheias de alunos, crian9as

m09as, rapazes e homens tad as trabalhando na melhor ordem. Esta breve visita fez de

mim um admirador do Parana progressistan (Parana, 1988, p. 29).

A ideia de arte como sin6nimo de civilidade, desde que associ ada a um ensino

formal e sistematizado, corrente no continente europeu, ganhava adeptos no Parana e

esse era a posicionamento de Andersen ao perceber na escola de Mariano de Lima

indicadores de um progresso que se anunciava com a auxilio de um estabelecimento

de ensino.

Page 17: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

19

Nessa escola, provavelmente, 56 encontrou estudantes brancos, ja que as leis

em vigor naquele periodo dificultavam a acesso de negros, situa<;8o bern diferente

observada em diversos locais, ande a presenya do imigrante era tarnbam propulsora da

cria<;ao de escolas publicas (TRINDADE; ANDREAZZA, 2001, p. 82) numa clara

demonstrayao do estado em promover sua politica de embranquecimento baseada nas

ideias de que ~os imigrantes simbolizavam a prosperidade econ6mica e social, pois

possuiam as virtudes necessarias ao regime de Irabalho livre" (PESSANHA, 2005, p.

21).

2.3 - ALFREDO ANDERSEN

Andersen nasceu na Noruega, mas come90u a escrever sua historia como artista

em Oslo, Suiya, quando passou a ter aulas com 0 pintor e decorador Wilhelm Krogh.

Aos 19 anos, em 1879 e aceito na Academia Real de Belas Artes de Copenhague,

Dinamarca. Inconformado com 0 metodo de ensino, abandona a escola e volta para

Oslo. Aos 29 anos ja tern uma carreira consolidada tanto como pintar quanta como

critico de arte. Aos 31, inicia uma longa viagem estando no Mexico, Barbados e pela

primeira vez no Brasil. De volta a Europa fixa residencia na Inglaterra onde estuda

tecnicas de desenho de retrato. Em 1893, quando tinha 33 anos desembarca

definitivamente em Paranagua, onde permanece par aproximadamente 10 anos.

A chegada de Alfredo Andersen a Curitiba coincide com 0 periodo em que a

capital paranaense se esforya em destacar suas semelhanyas com 0 continente

europeu. 0 clima, a paisagem, a arquitetura, a culinaria, a luz eh~trica, 0 bonde, a

fotografia, 0 fon6grafo e tudo 0 mais que pudesse ser associado a Europa era

evidenciado, contribuindo enormemente para a aceitay30 do artista e sua obra. A

imprensa, par exemplo, destacava com entusiasmo a presenya constante, desde as

primeiros anos do seculo XX, de cantores ifricos, danyarinos e magicos, vindos da

Alemanha, Italia, Franya, Turquia ~alem das apresentayoes de 6peras famosas e de

can<;6es de varios lugares do mundo" (BRANDAO, 1995, p. 63).

Embora seja possivel encontrar autores que Ihe conferem atribuiyoes

academicas, Andersen esta muito distante dessa escola. Por mais que suas

composiyoes obedeyam a certas regras de organizay3o, algumas vezes bastante

Page 18: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

20

classicas, a desenho pareee nao preocupa-Io realmente. Suas pinceladas geralmente

sao saltas, muito a vontade, tendendo para as escolas modernistas. Pintou retratos,

paisagens, cenas de genera.. No entanto, era como professor de pintura que

conseguia as rendimentos necessarios para sustentar a si e a sua familia.

Classificado como urn pintar ech~tico par Justina (1986, p. 70) par tatear diversas

linguagens, acabou nao se impondo par nenhuma. Procurava estar atento ao que

acontecia na Europa e insistia para que seus alunos viajassem par Iii a fim de terem urn

desenvolvimento maior.

Esse apego a estetica europeia naD era consenso entre as artistas e muitos

consideravam uma forma de subserviencia e propunham urn rom pimento as influencias

externas. Os primeiros a se rebelarem contra a insistente valorizac;:ao do modelo

europeu pregada par Andersen foram dois de seus discipulos: Lange de Morretes e

Joao Ghelfi que, ao lado de Joao Turin, par volta de 1926, Criaram um movimento

chamado Paranismo.

2.2 - 0 PARANISMO

o Parana existia geograficamente, porem procurava caminhos para estruturar~se

enquanto povo. Brasil Pinheiro Machado dizia que poderia afirmar sem medo de errar

por muito que a paranaense nao existe. 0 paranaense nao existe no complexo

brasileiro. Assim a Paranismo, alem de construir um movimento artistico procurava criar

a identidade de uma populac;:c3o que ate entao se esforc;:ava para evitar uma possivel

"miscigenac;:ao~ racial e cultural observada em outras partes do pais (OLIVEIRA NT.,

2001).

Por acreditar que 0 Parana nao possuia elementos culturais caracteristicos -

culinaria, artesanato, danc;:as, folguedos, etc. - levou as paranistas a utilizar elementos

da fauna e da flora para criar icones que as representassem. A Araucaria, arvore

simbolo do estado, ha tempos reinando absoluta na preferencia dos paisagistas,

tornou-se a elemento mais representativo desse movimento. Explorada exaustivamente,

par pintores e escultores, foi transformada tambem em col una, sendo a capitel

decorado por suas folhas e frulos.

Page 19: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

21

o Movimento Paranista nao significou de fato 0 rom pimento com a estetica

europeia. Oesconsiderando-se a tematica - que nao era novidade - continuava-se com

a mesma arte subordinada e andersista. Alem do rnais a que aconteceu de fato foi a

reuniao de urn pequeno grupo de artistas radicados em Curitiba que nao conhecia,

profundamente, 0 estado do Parana. Alexandre Krasinski, citado par Oliveira Neto,

afirma que ~tivemos na verdade urn Curitibanismo. Tomaram pinha-pinhao-pinheiro

como simbolo, legitimando-o como paranaense" (2001).

o que Krasinski diz e que a eleiyao do pinheiro como simbolo contradiz 0 proprio

ideal defend ida pelos paranistas que era a regionaliza~ao de suas produ~oes. Ou seja,

ao advogar par sua aceitay80, pregavam urn certo estrangeirismo as regioes do estado

onde esla especie nao existia.

A adoc;ao do pinheiro como simbolo, objetivava tam bern contrapor a ideia de que

o norte do estado, com sua economia cafeeira, era urn prolongamento do estado de

Sao Paulo. Em 1927 Romario Martins tentava organizar a Paranismo numa especie de

associaC;ao e explicava que ~Paranista" era a termo utilizado pelos migrantes paulistas

para se referir aos nascidos no Parana. De acordo com Martins a primeiro registro

escrito desse vocabulo data de 1906 e fol definldo como "natural e amigo do Parana,

esfor~ado pelo progresso, prestigio e integridade paranjsta" (MARTINS, 1927).

o desejo de constituir uma soeiedade moderna tam bern era observado entre os

paranistas e passou a ser tratado como uma especie de pre-requisito para juntar-se ao

movimento. 0 crilieo de arte Jurandyr Manfredini, provavelmente movido par esse

desejo, escreveu uma especie de Manifesto Paranista:

"Matemos 0 espirito academical Apedrejemos esse lIerme que anda apedrejando a nossa

inleleclualidade em sua necr6pole de mumias!1... Sejamos nOllos! Oxigenemos a nossa arte!

Injetemos-Ihe 0 segredo da jUllenta! lmponhamos a estetica brasileira 0 postulado da liberdade.

Liberdade absoluta ... ".

( ... ) Cada um erie a sua propria arte, uma arte que nao seja escralla dos moldes, que nao se

atapete as conllenyOes, que nao se enquadre as peias da tradiy80 "(PARANA, 1980, p.34)".

Assim como a Paranismo, seu manifesto tambern carece de maturidade. Eapaixonado, porem ingenuo porque acredita na possibilidade de transformac;ao

Page 20: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

22

imediata da arte paranaense. E como se as artistas fassem dotados de poderes

especiais e capazes de abandonar urna linguagem e adotar outra de forma espontanea,

sem passar par um processo de transig8o. Em alguns momentos 0 autar utiliza termos

proprios de urna guerra como "matemos" e "apedrejemos" e assume a postura de um

comandante ao ordenar a Criay800de uma arte pr6pria, livre de qualquer convenc;ao.

Menos inflamado, Joao Turin fevela ao jarnal Gazeta do pavo em 19 de outubro

de 1926 a "necessidade de deixarmos de copiar servilmente 0 que ficou para tras, ista

e, 0 passado, a Europa portanto .. Somas um pavo novo, em formac;ao e devemos

cantar eoisas nassas, do nossa pave, da nossa historia, dos nassas costumes, da

nossa natureza .. Nao esquelfamos que para renovar e precise cultura, muita cultura~

(OLIVEIRA NT. 2001).

A devolf80 a Europa e a fidelidade aos modelos antigos eram apontados como

os responsaveis pela estagnalf80 da recem-nascida arte paranaense. A ruptura

proposta par Turin era uma tentativa de aproximalfao com a modern ida de e mais uma

vez nos deparamos com uma situalfao bastante contraditoria.

o proprio Turin afirrnava que 0 paranaense era um povo em farmalfao, logo sem

tradilfoes. Mesmo assim defendia a ideia de que era preciso cantar seus costumes e

sua historia, dando a impressao que 0 modelo civilizador adotado nao era 0 europeu.

o esforlfo em romper com a estetica europeia esbarrava na falta de outros

modelos, uma vez que a sociedade paranaense, principalmente na regiao de Curitiba

havia se esforyado em apagar tralfos da cultura indigena e africana por considera-Ias

de segunda classe.

Apesar do Movimento Paranista ter tido uma existencia bastante curta serviu

para suscitar discussoes a respeito do destino da arte paranaense e sua submissao ao

continente europeu, embera nao apontasse para lade nenhum. Mesmo assim

possibilitou uma aproximay8o real com linguagens mais avanlfadas e artistas rna is

ousados como Guido Viaro puderam trabalhar mais livremente.

2.3 - ENFIM 0 EXPRESSIONISMO!

o italiano Viaro chegou a Curitiba em 1928 e e 0 primeiro pintar a retratar de

forma regular personagens negros, ainda que numa proporlfao bern menar em relalfao

Page 21: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

23

aos persona gens brancos. Bastante consciente da pintura que fazia, em 1930 procurou

o jarnal Gazeta do Povo para explicar que participava do movimento de arte moderna

italiana.

Qutros artistas foram se rendendo a estetica expressionista enos an os quarenta

e5sa linguagem suscitava acaloradas dlscuss6es, mas ja era realidade na obra de

muitos, como Theodora de Bona, Poty Lazzaratto, Lange de Morretes, Miguel Bakun e

Violeta Franco.

Apesar do interesse desses artistas pela estetica expressionista, a problematica

social ficava a margem e sao POUCDS as exemplos daqueles que procuraram discutir

essas quest6es, havendo uma predile~ao par paisagens, naturezas mortas e retratos.

De acordo com Justina, seria porque nao vivemos as horrores da guerra, como as

alemaes, e dai um expressionismo ate alegre (1986).

A consolida~ao do expressionismo coincide com a cria~ao do Sa lao Paranaense

de Belas Artes em 1944, com a funda9ao da revista Joaquim - dedicada a discutir arte

e cultura - em 1945 e com a inaugura~ao da Escola de Musica e Belas Artes do Parana

em 1948, primeira institui~ao de nivel superior vonada exclusivamente para 0 ensino da

arte. 0 interessante e que todas essas a~6es acabam convergindo para uma unica

dire~ao, favorecendo a manuten~ao dos mesmos valores elitistas e preconceituosos

observados ate entao.

Enquanto artistas ligados as escolas modernistas no Rio de Janeiro e Sao Paulo

dialogam de forma constante com a cultura popular - porque percebem que este e 0

caminho para a emancipa~ao da arte brasileira - Curitiba se mantem it margem dessas

discussoes e se contenta com uma produ9ao que revela caracteristicas expressionistas

e abstratas, ainda sem cortar, verdadeiramente, 0 cordao umbilical que a ligava a

Europa.

A cultura popular era, para os modernistas, onde a tao desejada brasilidade se

apresentava de forma plena. Nas festas populares, na culinaria enos ritos religiosos

era possivel identificar elementos culturais de origens variadas. Essa tambem foi a

porta de entrada para a estetica afro-brasileira nas artes plasticas. Artistas como

Ojanira, Tarsila do Amaral, Alfredo Volpi, Di Cavalcanti nao se acanharam em utiliza-Ia,

Page 22: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

24

ainda que em algumas situac;:6es repetissem visoes estereotipadas a respeito da

populagao negra.

Esses fatas ainda permanecem a margem da historia da arie brasileira, pois, de

fato, sao poucos os autores que se preocupam em analisar uma obra de arte a partir

das varias matrizes culturais que formam 0 pais. Muitas das analises a respeito da arte

moderna, par exempla, destaca sua estreita relac;:ao com a cultura popular, mas comete

o equivoco de tratar essas manifestac;6es de forma homogenea, 0 que para nos e uma

das muitas estrategias para silenciar 0 negro e sua cultura.

No Parana a realidade e muito parecida, e caracteristicas que apontam para urn

dialogo entre arie e cultura afro-brasileira simplesmente sao ignoradas. E 0 que

acontece com a obra de Erbo Stenzel, urn escultor curitibano que introduziu ern seu

trabalho, de forma recorrente, varios personagens negros.

3 - ERBO STENZEL

Erbo Stenzel nasceu em Curitiba em 1911. Ainda menino demonstrava grande

interesse pela arte e aos 12 anos ja freqOentava a atelier de Lange de Morretes onde se

exercitava no desenho. Na decada de 1930 recebeu as primeiras li.y6es de escultura

com a mestre e amigo Joao Turin. Aprendeu como trabalhar a arglla e 0 gesso e a usar

a buri!. Como nao havia em Curitiba uma escola onde pudesse desenvolver seu grande

talento de escultor, em 1939 transferiu-se para a Rio de Janeiro para estudar na Escola

Nacional de Belas Artes. Sua viagem de estudo come.you a ser articulada em 1938 com

a ajuda de alguns admiradores e amigos - Theodoro de Bona, Lange de Morretes,

Oswaldo Lopes, Kurt Freyesleben. Artur Nisio e Otavio de Sa Barreto - que

endossaram seu requerimento solicitando amparo oficial para que pudesse manter-se

no Rio de Janeiro enquanto estudava. Assim, gra9as a subven98.0 oficial do estado

Erbo Stenzel pode concluir 0 curso de escultura em 1943.Durante sua permanencia no Rio de Janeiro dedicou-se ao estudo de anatomia e

modelagem. encantado com a possibilidade de particlpar de sal6es e exposi96es dentro

e fora da entao capital federal.

Uma de suas obras mais importantes, Torso de Trabalhador ou Estudo de

Homem (FIGURA 01), foi executada em 1941 quando ainda era aluno da Escola

Page 23: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

25

Nacional de Belas Artes. De estilo academico a obra em gesso retrata a figura de urn

homem negro segurando, 0 que nos parece, urn cajado au urn rudimentar instrumento

de trabalho. "0 personagem e solido: t6rax ereto, pesco90 grosso e rljo, musculos

salientes, !ronte ampla e vigorosa" (CURITIBA, 1995).

Essa leitura poderia ser feita a partir do trabalho de varios artistas que inseriam 0

negro como tema em suas obras a partir da decada de 1940 em Sao Paulo e Rio de

Janeiro. No entanto, Stenzel naD reproduz 0 pensamento corrente naquele momento

quando 0 negro, na maiaria das v€zes, era associ ado ao trabalho brayal, a mise ria e a

violencia.

Mesma diante de urn homem forte e de feic;oes simples, naD e passivel afirmar

que se trata de urn open3rio da constrUl;;:a.o civil ou um trabalhador rural. A postura e de

altivez e revela, na maneira de segurar 0 cajado, uma certa imponemcia que se

aproxima da nobreza.

Tres anos depois, em 1944, Stenzel produziu uma obra ainda mais inquietante:

Agua Pro Morro (FIGURA 02) e usou a pr6pria namorada, Anita, como modelo.

A escultura em gesso mostra uma jovem negra carregando uma lata d'agua na

cabec;a, sugerindo 0 movimento de quem caminha em direc;ao a um plano mais

eleva do. De uma sensualidade extrema, pernas amostras e seios colados ao vestido,

dao a ideia de que se trata de um tecido molhado, quase transparente.

Mesmo que tenha recorrido a uma cena do dia-a-dia e reforc;ado a ideia do negro

como forc;a de trabalho, Stenzel coloca em discussao algumas quest6es, como per

exemplo a beleza e a sensualidade da mulher negra e as politicas publicas que

negavam ao negro 0 direito a cidadania.

A ideia do negro como forc;a de trabalho e uma heranc;a do periedo escravocrata

e inspirou artistas em praticamente todos os perfodos da arte brasileira contribuindo

para uma construc;ao equivocada de sua imagem.

No mom en to em que Stenzel produziu Agua Pro Morro, a arte brasileira passava

por um processo de consolidac;ao das lingua gens modernistas e um sentimento de

brasilidade acalorava as discussoes em torno da estetica mais adequada para a pais.

No entanto, por mais que artistas importantes no cenario nacional como Candido

Portinari, Tarsila do Amaral, Lasar Segal, etc. se esforc;assem para criar uma arte

Page 24: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

26

genuinamente nacional, em relac;ao ao negro, repetiam a mesma visao preconceituDsa

e estereotipada do periodo escravQcrata, cnde eram constantemente representados em

situac;oes degradantes.

Agua Pro Morro mostra uma mulher negra executando urn trabalho pesado. No

entanto, essa mulher nao e reduzida a simples fonya de trabalho. Diferente de Qutros

artistas, Stenzel conseguiu atribuir dignidade ao personagem e a tarefa que executa.

Naa se trata de uma pessoa fragil ou submissa. E uma mulher plena, altiva, de olhar

firme, parecendo desafiar a observador.

Ao batizar essa obra de Agua Pro Morro, 0 artista questionava tambem as

condic;6es de vida do negro na cidade do Rio de Janeiro. Pedro Moreira, diretor da

Casa Erbo Stenzel em Curitiba, afirma que a obra nos lembra que "apos a aboliyao da

escravatura, as negros nao ganharam cidadania, nao conseguiam emprego e

acabavam se alojando nos morros, onde nao havia nada" (KUNZEL, 2001).

Assim, tambem podemos identificar nessa obra elementos que discutem as

mecanismos de sobrevivencia desenvolvidos pel a populayao negra, diante de politicas

publicas que tencionavam sua eliminayao.

Apesar de seu conteudo extremamente critico, Agua Pro Morro foi apresentada

no Salao Nacional de Belas Artes em 1944 e Erbo Stenzel considerado Hors Concours

pela comissao julgadora. 0 artista ficou insatisfeito com a decisao do juri pais acabou

impedido de disputar 0 premia de viagem ao exterior.

Em 1950, residindo novamente em Curitiba, a peya foi apresentada, em tamanho

natural, no III Salao de Belas Artes do Clube Concordia onde recebeu a medalha de

ouro.

Durante anos essa obra ficou na varanda de Erbo Stenzel fazende as henras da

casa. Apos sua morie em 1980 foi abandonada no parae dessa mesma casa sendo

restaurada e fund ida em bronze, par iniciativa do poder publico municipal, em 1995.

Erbo Stenzel conseguiu a respeito da comunidade artistica do Rio de Janeiro e

se firmava como um grande escultor quando foi cenvidado, em 1949, pelo entao

governador do estado do Parana, Moyses Lupion, para retornar a Curitiba. "0 convite

vinha acompanhado de algumas vantagens: um atelier proprio, diversas encomendas

Page 25: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

27

oficiais e a cadeira de modelagem e eSGultura na Escola de Musica e Belas Artes do

Parana" (CURITIBA, 1995).

Parte do acordo foi cumprida pelo estado mas Stenzel nunca chegou a assumir a

cadeira de modelagem e escultura, pois 0 curso de eSGultura ternau-se inviavel naquele

momenta par falta de urn espago adequado 0 obrigando a lecionar anatomia e

fisiologia. No inicio da decada de 1950 projetou sua obra mais conhecida, 0 monumento

comemorativQ do centenario de emancipac;;c3o politica do Parana.

4 - A PRACA 19 DE DEZEMBRO

Em 1951 Bento Munhoz da Rocha assume 0 governo do estado com a intenC;;80

de incentivar a cultura. Nos seus pianos constava a construC;:8o de urn grande

monumento para comemorar a primeiro centenario de emancipac;;ao politica do Parana.

A ideia inicial era um conjunto com 21 personagens representando os estados

brasileiros e "a figura de um adolescente que, ao mesmo tempo em que rompia as

correntes que Ihe prendiam os pulsos, dava um passo a frente em rela\=ao aos demais"

(CURITIBA, 1995). Esse adolescente seria 0 Parana, forte, livre, caminhando rumo ao

futuro.

o governo entao abriu concurso publico para escolher um projeto que se

adequasse as ideias de Munhoz da Rocha. Como nenhurn agradou ao governador Erbo

Stenzel foi convocado para tal missao. A falta de recursos e tempo habil para sua

execu\=ao, impediu que a ideia inicial fosse levada adiante e Stenzel teve que elaborar

urn projeto mais modesto, composto de um personagem em gran ito representando os

paranaenses, urn obelisco, urn painel com duas faces e um pequeno lago (FIGURAS 03

e 04).

Alem da falta de recursos e 0 pouco tempo para executar 0 projeto, havia ainda a

falta de rnao-de-obra especializada. Para ajudar na confec\=ao de uma das faces do

painel e do personagem principal, um homem nu de oito metros de altura, Stenzel

recorreu ao amigo e escultor carioca Humberto Cozzo e contou com uma equipe de 13

profissionais italianos especializados em esculturas de grande porte. Uma das faces do

painel foi confiada ao desenhista curitibano Poty lazzaroUo que deveria, a exemplo de

Page 26: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

28

Stenzel e Cozzo, criar uma obra narrando 0 processo de ocupac;ao do estado

destacando seus varios ciclos econ6micos.

Durante 0 processD de execw;:ao 0 projeto sofreu varias alterac;6es a que

desagradou bastante seu autor.

A ideia de Stenzel de colocar 0 obelisco e 0 Homem nu exatamente na frente do

Palacio Iguac;u, ainda em construc;ao, roi rejeitada pelo governador. Uma segunda

OP9aO, que tambem foi descartada, seria coleca-Ios no meio da avenida Candido de

Abreu com 0 homem se dirigindo para a centro da capital paranaense. Par tim todo a

conjunto foi reunido na praya que hoje se chama 19 de Oezembro.

5 - 0 PAINEL DE DUAS FACES

5.1 - ERBO STENZEL E HUMBERTO cozzaErbo Stenzel era escultor, assim como Humberto Cozza que 0 ajudou a executar,

em granito, a face que Ihe cabia para moslrar aspectos do desenvolvimenlo econ6mico

do eslado.

A escullura e uma das mais anligas expressoes artisticas que conhecemos,

anterior inclusive ao desenho e a pintura. E na escultura tambem que vamos encontrar

as primeiras representa((oes plasticas do corpo humano, sendo que as mais antigas

datam de vinle e cinco mil anos antes de Cristo. Inicialmente foi produzida com a

inten((ao de garantir a sobrevivencia do homem pre-hist6rico, por isso esculpiam

mulheres gravidas, com seios e quadris enormes, simbolizando fartura, progresso, uma

forma de arte "preocupada com 0 efeilo magico e nao esletico" (HAUSER, 1995, p.7).

o surgimento das primeiras civiliza((oes altera 0 modo de relacionamento do

homem com a arte e a escultura passa a ser utilizada como um mecanismo importante

para registrar detalhes da vida religiosa, social e politica.

o uso da escultura, em especial 0 baixo relevo, foi largamente utilizado no Egito

e na Grecia, em wmonumentos de fava,nhas regias~ como winstrumentos de propaganda

destinados a servir a fama dos imortais au a fama p6stuma de seus representantes na

terra" (HAUSER, 1995, p. 29), sendo observado em outras epocas, tanto a servil'O da

igreja cat6lica, quanto de governantes, aparentemente, preocupados com a salva((ao de

suas almas e a perpetua((ao de seus feitos.

Page 27: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

29

No inicio 0 escultor, desprestigiado socialmente - a trabalho manual era

desonroso - permanecia como urn artifice an6nimo a servic;o da vaidade do contratante.

E no antigo Egito que essa situac;:ao comec;;ou, lentamente, a ser modificada e alguns

escultores foram tratados como altos funcionarios da corte. 0 prestigio social do

escultor egipcia aumentava no rilmo das conquistas politicas e econ6micas do reino,

situac;ao semelhante ados artistas europeus que a partir da idade media passaram per

urn intenso processo de valorizac;:ao, periodo em que paises como a Franc;;a, Portugal e

Espanha, expandiam seus dominies sabre as continentes americanos e africanos, "para

tirar suas elites da emergencia de sua propria falencla economica" (SALUM, 2006).

No entanto, Quiros estados tradicionais africanos, como Benin, Kongo e Kuba,

sempre estimularam a produc;ao artistica e os escultores ocupavam lugar de destaque,

mesmo porque "uma estatua nao representa, normalmente, um Homem, mas um Ser

Humano integral, que tern uma parte fisica e espiritual - do passado e do futuro"

(SALUM, 2006). Essa aproxima9ao entre arte e religiao, fazia do escultor uma especie

de sacerdote e os segredos da arte de esculpir era responsabilidade de algumas

familias, preservados e repassados de geray:ao em gerac;ao.

A valorizac;ao do artista no ocidente fez com que muitos saissem do anonimato e

adquirissem alem da admirac;ao, fama e fortuna, sendo lembrados ainda hoje. A

intenc;ao da maioria dos artistas ao assinar suas obras e a de conquistar 0

reconhecimento publico et ainda que de forma simb6lica, a imortalidade. E evidente que

fatores alheios a sua vontade contribuem para que isso acontec;a ou nao. De concreto

temos 0 fato de que a obra de arte nao garante que seu autor nem seu contratante

sejam lembrados, mesmo aquelas expostas em espac;:os publicos. Em todo 0 caso a

func;ao da obra publica nao e a de eternizar 0 artista, embora seja dificil, diante dela,

ignorar 0 desejo de conhecer sua autoria.

Talvez isso acontec;a com 0 monumento assinado por Stenzel e Cozzo. Mesmo

que a maio ria da papulac;ao de Curitiba que transita diariamente pela Prac;:a 19 de

Oezembra descanhec;:a seus autares, estes sabrevivem na memoria coletiva mesma

que escondidos atras de sua obra.

Stenzel e Cazza optaram par uma lingua gem expressionista, permitindo a

simplificaC;ao da forma, mas mantiveram elementos importantes da escola naturalista

Page 28: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

30

como a perspectiva e a propon;;ao. Embora tenham trabalhado com 0 baixo revelo,

conseguiram sugerir a ideia de profundidade, criando varios pianos.

As figuras levemente arredondadas parecem contidas em seus movimentos, 0

que naD quer dizer que sejam estaticas. Alias, as persona gens em diversas posic;oes e

situac;6es refon;:am, no conjunto, a ideia de movimento e a dinamica da sucessao dos

varies ciclos econ6micos nos lembra a linguagem do cinema.

Hi! uma ordem cronol6gica bastante explicita e par isso urn grupo de mulheres

indigenas aparece logo no inicio trabalhando no preparo da mandioca sob a

observa9ao de um homem, ladeadas por alguns animais selvagens (FIGURA 05).

Reconhecer 0 indio como 0 primeiro habitante do estado do Parana e urn ponto

bastante positive, perem a visae romanceada des artistas nao 0 associa ao processo de

escravizayao a que esteve sujeito no inicio da colonizat;:ao. De acordo com Santos,

desde a final do sEkula XVI a caya ao indio era uma pratica comum no processo de

povoamento e ocupa9ao territorial (2001, p.13).

A ideia do indio destituido de bens culturais, portanto, selvagem, justificava que

fosse cayado como um animal, aprisionado e escravizado para que, finalmente,

pudesse ser conduzido a um processo civilizador que seguia 0 modelo europeu, 0 que

tambem significava sua eliminayao.

Ao ver a indio como um selvagem, 0 colonizador nao 0 reconhecia como

proprietario legitimo do territ6rio que ocupava e difundiam a ideia de que 0 Parana,

assim como 0 restante do pais, era um espat;:o desabitado.

Essa opiniao, compartllhada par muitos pesquisadores, esta presente na obra de

Stenzel e Cozzo quando destacam a importtmcia dos bandeirantes na tarefa de

povoamento das terras paranaenses.

As bandeiras, que tin ham como destino a sertao da provincia, a tim de extrair

metais preciosos como a ouro e a prata, eram, de fato, pouco rentaveis e a captura de

indios tornou-se uma de suas principais atividades, incentivadas, inclusive, pelas

autoridades coloniais portuguesas (SANTOS, 2001, p. 20).

Essa situayao, no entanto, nao fol lev ada em conla e a imagem construida do

bandeirante e a de um heroi (FIGURA 06), exaltado em sua coragem de embrenhar-se

Page 29: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

31

por caminhos ainda 'inexplorados' e por ter contribuido para 0 surgimento de povoados

que, futuramente, dariam origem a algumas cidades.

o tropeirismo (FIGURA 06), na visao dos artistas, se desenvolve juntamente com

as bandeiras, porem, sem 0 mesma destaque ja que ocupa apenas urn espac;:o

reduzido nos (undos do painel. 0 tropeiro e negro e esta associ ado a pecuaria que "se

desenvolveu no primeiro e segundo planaltos durante 0 seculo XIX e encerrou urn

sistema econ6mico-social fundamentado na mao-de-obra escrava" (SANTOS, 2001, p.

60). 0 garimpeiro solitario, urn pouco mais a frente, porem sem muito destaque,

tambem e negro e representa a curto e pouco rentavel cicio do curo em terras

paranaenses.

No cicio da erva-mate (FIGURA 07) Stenzel e Cozzo comentem um grande

equivoco ao substituir negros e indios par imigrantes europeus nesse que e 0 primeiro

grande cicio econ6mico paranaense. E unanime entre os pesquisadores paranaenses

que "0 trabalho escravo foi utilizado nos engenhos para as tarefas rnais arduas"

(SANTOS, 2001, p. 42), desde a extral'ao, beneficiamento e transporte da erva mate.

Cronologicamente, seria multo dificil inserir 0 irnigrante europeu nesse processo que

tern inieio nas primeiras decadas do seculo XVIII e a chegada dos primeiros imigrantes

datam da primeira metade do seculo XIX, epoca em que a economia do mate estava

totalmente estruturada.

Essa inversao de papais esta associ ada a visao que se tinha de progressD e "as

africanos nao sao vistos colonizadores dos espayos geognificos anteriores aos

imigrantes europeus" (CUNHA Jr. 2006). Reconhecer a importancia de negros e indios

nesse momento seria 0 mesmo que contrariar os ideais de sociedade branca e ardeira

que se queria consolidar naquele momento.

Ap6s a abolil'ao do regime escravocrata a populac;ao negra passou por um longo

e dolorosa processa de marginalizac;ao, sendo considerada mao-de-obra nao

aproveitavel, estereotipada como indolente, cachaceira e nao persistente no trabalho

(MOURA, p.111). Esse posicionamento, em muitas ocasioes, foi aficializado pela

estado, e em 1945, peri ado proximo a inaugurac;:ao da Prac;a 19 de Dezembro, 0

decreto de Getulio Vargas sobre a politica de imigraC;80 do governo brasileiro ressaltava

Page 30: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

32

a necessidade de "desenvolver na composi~ao etnica do pais as caracteristicas mais

convenientes de sua ascend€mcia europeian (MOURA, p.110).

o sonho de uma sociedade branca e enfatizado num detalhe que ocupa a centro

do painel, e de suma importancia para 0 sucesso da politica do embranquecimento: a

familia (FIGURA 07).

A familia retratada e totalmente branca e reproduz 0 modele de organizac;:ao

ideal, ande 0 homem e representado numa evidente condiryao de superioridade e a

muther, par sua vez, pareee conformada com 0 espac;:o social que ocupa. 0 sucesso do

embranquecimento do pais esta presente na figura do bebe que a mulher traz nos

brac;:os, aconchegado, protegido dos perigos de uma sociedade que ainda convivia com

elementos naD brancos.

o desenvolvimento economicQ do Parana s6 seria possivel com 0 dominio de

certas tecnologias e nova mente Stenzel destaca a participagc30 do imigrante europeu

nesse processo (FIGURA 08). E uma alegoria que procura evidenciar 0 processo de

industrializagc30 observado em algumas cidades paranaenses e a cena imaginada pelo

artista, mostra urn grupo de trabalhadores fabricando e utilizando ferramentas de metal.

Ainda que 0 processo apresentado nos parega rudimentar, serve para ilustrar a ideia de

que a imigrante europeu estava apto a exercer qualquer atividade de forma eficiente,

ViSc30multo distante da realidade uma vez que fazia parte das ~popula.;5es pobres de

baixa cultura e expulsas economicamente da Europa" (CUNHA Jr., 2006).

Nessa cena a trabalhador negro e inserido e divide 0 mesmo espa.;o com a

imigrante. Talvez mera coincidencia, talvez os artistas soubessem que 0 dominio da

fundig2lo de metais era realidade em varias partes do continente africano e

"praticamente cad a aldeia possuia seu ferreira" (SILVA, 2006, pA8) alem de que, aqui

no Brasil, as negros, livres ou escravizados, durante a regime escravocrata, exerciam

fungoes variadas como ourives e ferreiros.

o ultimo cicio (FIGURA 09) e justamente a mais importante ainda hoje: a

agricultura, porem 0 trabalhador negro e deixado de fora. CI6vis Moura nos explica que

a eleig2l0 do trabalhador branco como modelo ideal fez com que a Brasil estimulasse a

imigrag2l0 acreditando poder suprir as necessidades de nossa economia em expans2lo

com uma mao-de-obra supostamente superior (p.111).

Page 31: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

33

No Parana essa crenc;a foi levada a nlveis extremos impedindo a associac;ao da

imagem do negro com 0 trabalho livre assalariado.

Outra imagem deturpada em relac;ao ao negro e a de que sempre necessitou da

orientac;ao de capatazes brancos para trabalhar na agricultura, nos fazendo acreditar

que 0 continente africano desconhecia tecnicas eficazes de cultivo. Na verdade, 0 que

aconteceu, foi a construc;ao de uma historia marcada par omiss6es e mentiras, ja que

pavos africanos

"desenvolveram uma agricultura intensiva e cuidadosa, em estreilos e diminutos tratos de terra, a

descer da montanha em incontilveis degraus ...

Em certas regi6es desenvolveram·se lecnicas bastante complexas de aproveitamento da terra.

Plantava-se em degraus, para evitar a erosao. Construiam-se enormes plataformas sobre terreno

alagadic;;o, para nelas proceder ao cultivo. Nas areas secas, procurava-se aproveitar ao maximo a

agua e eslabelecer sistemas de irrigaC;;f3o" (SILVA, 2006, p. 34)

A invisibiliza~ao do negro nessa obra que marca 0 centenario da emancipa~ao

politica do estado do Parana nao se da por completo, mas e possivel identificar 0

pensamento da epoca e os ideais de sociedade que foram introduzidos no imaginario

popular a partir de uma visao eurocentrica de mundo.

Temos que considerar ainda que se trata de uma obra por encomenda e 0 seu

conteudo nao expressar as ideias do artista. Hauser observa que "ate na mais liberal

das democracias 0 artista nao se move com perfeita liberdade e desenvoltura; mesmo

ai ve-se restringido por inumeras considera~6es estranhas a sua arte" (1995, p. 28).

Embora Stenzel fosse de ascendencia europeia - austriaca e alema - nao havia

indicios em sua produc;ao de que compactuasse com pensamentos racistas, pois em

diversas situa~6es retratou personagens negros de forma positivada. A reduC;ao da

participa~ao do negro para 0 desenvolvimento econ6mico do estado presente nesse

painel, pode ter sid a proposital, ja que no conjunto da obra, como veremos mais

adiante, 0 negro tern uma participac;ao bastante destacada.

5.2 - POTY lAZZAROTTO

Page 32: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

34

a desenhista Poty Lazzarotto produziu uma obra bidimensional monocromatica

em tons de azuis, contrastando com 0 fundo branco, para mostrar como a economia

paranaense S8 desenvolveu. Ligado a escolas modernistas, Poty optou par uma

linguagem expressionista, com poucos detalhes, se atendo apenas aos pontcs mais

importantes, similar a uma hist6ria em quadrinhos cnde a linha de contorno e bastante

valorizada. Ainda assim e passivel encontrar elementos tradicionais como a luz e

sam bra, a perspectiva, a divisao em pianos e a construc;ao de alguns personagens

muito pr6ximos da linguagem realista.

A leitura que fazemos e a de que Poty entende que 0 Parana, enquanto estado,

56 passa a existir a partir da chegada do colonizador e por isso inicia sua narrativa com

o cicio da minera9ao (FIGURA 10), periodo em que a populac;ao indigena era ca9ada e

escravizada, para que pudesse ser aproveitada como mao-de-obra no processo de

extrag30 de meta is preciosos. A participag30 da igreja cat61ica e mostrada de forma a

minimizar a violencia com que atacava a cultura indigena e como procurava elimina-Ia

para que as agoes catequizantes tivessem 0 exito desejado. As relagoes de poder entre

dominados e dominadores sao reveladas na figura submissa de um indio ajoelhado aos

pes de um padre que Ihe segura a cabe9a, parecendo confirmar a vil6ria da igreja sobre

a popula9ao de "selvagens".

Assim como Stenzel e Cozzo, reproduz a ideia de que 0 indio nao possuia

nenhum bem cultural e/ou material, "salvo sua pr6pria for9a de trabalho que, como

sabemos, foi aproveitada e 'consumida' ate quase sua extingao pelo colonizador"

(NADALlN, 2001, p. 13).

Embora menos contundenle, Poly destaca a importimcia dos bandeirantes para

a explora9ao e ocupa9ao dos ser\oes paranaenses (FIGURA 11). Mais uma vez

estamos diante da ideia de um Parana desabitado por IS50 mesmo podia ser invadido e

explorado da maneira mais conveniente ao colonizador.

o cicio da madeira (FIGURA 12), perfodo em que grandes extensoes de florestas

de araucaria foram destruidas, e mostrado, ao que nos parece, para justificar a

necessidade da abertura de espagos para a instala930 de novas cidades. Nesse

mesmo quadro Poty procura revelar como a sociedade paranaense estava organizada.

Enquanto trabalhadores aparecem ao fundo, sem rosto ou qualquer sinal que os

Page 33: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

35

individualize, em primeiro plano, portanto em lugar de destaque, urn grupo de hom ens

desenhados com mais detalhes, elegantemente vestidos, representam a elite

econ6mica e politica de nossa estado desfrutando as prazeres do 6cio proporcionados

pelo podeL De costas para 0 observador, urn indio totalmente nu, olha para 0 grupo, de

longe sem fazer parte do mesma. E como se representasse a dificuldade de insentao

dos naD brancos na sociedade paranaense.

o tropeirismo, associ ado ao surgimento de algumas cidades, lembra urn periodo

em que a comercio de gado e muares era a base da economia de muitos fazendeiros

no Parana, Rio Grande do Sui e Sao Paulo. Alem disso Poty destaca como as animais

de carga eram importantes no transporte de pessoas e generos de primeira

necessidade. Urn outro ponto destacado e a ausencia de estradas e por isso mesmo

muitos rios acabaram sendo utilizados como urn meio importante de acesso a reg iDes

mais distantes da capital e do litoral (FIGURA 13). Nesse periodo 0 indio era uma

presenrya con stante para guiar aqueles que se aventuravam pelo interior paranaense.

Apesar da irnportancia da agricultura para a economia paranaense, Poty a

utilizou para revelar a rela~o de poder entre patroes e empregados (FIGURA 14). Os

trabalhadores rurais sao mostrados numa condir;ao de clara subalternidade em relaryao

ao fazendeiro que simboliza tambem 0 poder politico dos grandes latifundiitrios. Ainda

podemos perceber a forma como as relaryoes raciais se dao em nossa sociedade, ja

que os trabalhadores sao negros e 0 fazendeiro e branco.

A visao de Poty e mais simples, mais humanizada, propria do expressionismo 0

que 0 impede de construir imagens idealizadas, embora as idea is invisibilizadores do

negro na sociedade paranaense sejam observados..

E percepttvel a intenr;ao do artista em discutir os problemas sociais do Parana

desde os primeiros tempos da colonizar;ao, mas ainda assim reafirma como Stenzel e

Cozzo a visao oficializada pelo poder publico de que 0 Parana fora construido grar;as

ao esforr;o e dedicar;80 do imigrante e seus descendentes e por isso mesmo se trata de

uma terra de brancos. A ideia de progresso e a mesma nas duas faces do painel e 56

poderia ser alcanr;ado com a ~introdur;ao do imigrante branco, livre, pacifico e

trabalhador" (NADAlIN, 2001, p.74).

Page 34: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

36

Tais pensamentos, totalmente racistas, ordenavam ac;:6es que procuravam atingir

o tao desejado progresso pela via racial, jil que as maculas do atraso que se percebia

na economia paranaense em relac;:ao a Qutras prov[ncias estavam associadas a

escravidao e a populac;:ao negra e mestic;:a.

o saneamento que S8 pretendia na sociedade foi realizado na hist6ria oficial com

a ajuda das artes plasticas.

No painel a participac;:ao de negros foi reduzida a niveis insignlficantes enos

chama a atenc;ao a ausencia de dais fates que incidem diretamente sabre a economia

do estado e na consolidac;:ao de Curitiba como capital da provincia e que estao

associ ados a presenc;:a de negros em espac;:os privilegiados da sociedade paranaense.

o primeiro e a construc;;ao da Estrada da Graciosa e 0 segundo a construc;;ao da estrada

de ferro ligando Paranagui:l a Curitiba. Ambas as obras estao ligadas aos engenheiros

negros Andre e Antonio Rebouc;;as.

E claro que compreendemos que esse painel nao homenageia especificamente

essa ou aquela personalidade, mas entendemos tambem que e muito dificil ignorar

essas obras quando discutimos a economia do estado do Parana, uma vez que

desencadearam ciclos economicos irnportantes como a do mate, da madeira e mais

recentemente do cafe.

Em muitas ocasioes nos deparamos com autores como Romario Martins e Ruy

Wachowicz, icones da historiografia paranaense discorrendo a respeito da hist6ria do

Parana sem fazer qualquer referemcia a figura dos irmaos Rebouc;;as. Quando versam a

respeito da importfmcia da abertura de estradas para a economia local, na maioria das

vezes ignoram por completo a construc;;ao da estrada de ferro - maior obra de

engenharia do sEkula XIX no estado do Parana. Wachowicz, quando se refere a

Estrada da Graciosa a trata como se tivesse, por obra da natureza, brotado

espontaneamente da terra.

A estrategia de eliminar 0 negro da sociedade paranaense via a introduc,;:ao do

imigrante europeu se mostrou ineficaz e e provavel que a sua presenC;;a em espac;;os

reservados ao branco causasse grande desconforto e nada mais natural que suas

ayoes fossem ignoradas para que nao servissem de combustivel a auto-estima de seu

grupo racial. Assim, 0 silencio em torno da obra de Andre e Antonio Rebouyas e de

Page 35: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

37

Qutros negros que construiram a historia do Parana e estrategico, ja que a popula((ao

negra de urn modo geral estava associada a urn "sistema que deveria ser extirpado"

(NADAlIN, 2001, P. 74).

6·0 HOMEM - NEGRO· NU

A polemica que envolveu 0 processo de execu9ao do monumento comemorativQ

do centeniuio da emancipatyao politica do Parana continuou ap6s sua inaugurac;ao em

1953.

Na verdade 0 que chocou a sociedade curitibana foi a figura do homem nu

(FIGURA 15), taxada por muitos de obscena e deformada esteticamente. 0 jornal 0

Dia, compondo 0 cora dos descontentes, propunha a retirada da obra e se referia a ela

como "monstro", "tarado" e "Frankstein", alegando que ela nao representava 0 homem

do Parana do saculo XX (ABAIXO 0 taradilo, 1955).

As criticas exageradas a nudez e a virilidade da escultura, procuravam em certa

medida, disfarc;:ar 0 descontentamento com seus trac;os negros "que na~ representava a

imagem biotipica predominante do paranaense" (CURITIBA, 1995).

A imagem que 0 Parana construia de si mesmo estava assentada na falsa ideia

de que as elementos culturais europeus eram superiores aos demais e por isso mesmo

se esforc;:ava em adota~los. Para tanto, utilizou recursos diversos, inclusive as artes

plasticas para promover a invisibilizac;:ao do negro e sua cultura.

Essa invisibilizac;:ao foi quebrada de forma violenta num momenta de grande

importancia historica e a sociedade paranaense, acostumada a associar valores

positivos, como progresso por exemplo, a populac;:ao branca, provavelmente nao se

reconheceu no homem negro e nu, criado por Stenzel e esculpido par Humberto Cozzo,

colocado em posic;:ao de destaque a frente do painel que eonta a historia econ6miea do

Parana, onde 0 imigrante europeu aparece como forc;:ade trabalho, numa clara inversao

de papeis. Numa sociedade onde 0 mito da demacracia racial ja estava enraizada e "as

manifestac;:6es de preconceito e discriminac;aa em geral se apresentam de forma velada

ou implicita" (SILVA, 2007), atacar a nudez da escultura parecia uma estratagia

bastante eficaz para eliminar 0 que de fata incomadava.

Page 36: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

38

Qutros detalhes da escultura fcram utilizados para ridiculariza-Ia. Anos mais

tarde, em 1972, a Revista Veja voltava a questionar 0 monumento e afirmava que a

populayao de Curitiba considerava a escultura "feia", justificando, que ao inves de

arrancar para 0 futuro estava parada jogando palito (p. 22).

o conceito de beleza e bastante ample e subjetivo e nao nos cabe discorrer a

seu respeito nesse momento. Nos basta entender que e construido e reformulado

socialmente ternando a rac;:a branca como modele.

Francisco Weffert analisou algumas obras da literatura brasileira a partir dos

valores esteticos atribuidos aDs personagens principais e constatou que existe urn

fascinio pela brancura, havendo uma relayao muito estreita entre rac;:a e beleza. Os

personagens brancos sao os mais belos, os mais elegantes, os mais talentosos e os

mais educados, enquanto que os negros representam justa mente 0 oposto. Para 0

autor aquilo que muitos afirmam ser apenas "preferencia estetica", para ele e "um outro

nome para 0 preconceito" (2005). Essa analise pode ser estendida as artes plasticas e

e 0 suficiente para compreendermos a classifica9aO de "feia" atribufda a escultura de

Erbo Stenzel.

Nos artigos que analisamos e lugar comum a afirmayao de que a escultura nao

apresenta os trac;:os fision6micos do paranaense, afirmac;:oes que revelam a crenc;:a que

o Parana e um estado "com populac;:clo predominantemente branca e com majoritaria

infiuencia europeia" como defendia 0 historiador Ruy Wachowicz (2001" p. 159) e as

tra90s negros do personagem nao foram acentuados de prop6sito sendo um "deslize"

do escultor Humberto Cozzo, que nao estava familiarizado com 0 tipo "eslavo"

paranaense. Porem, se analisarmos as depoimentos de Stenzel a varios jornais da

capital paranaense criticando 0 resultado do monumento, em nenhum momenta ele

questiona 0 bi6tipo do persona gem. Sua analise e bastante teknica, passando it

margem de discuss6es raciais:

·0 plano original previa 0 homem nu para 0 Centro Civico. Ele teria outra proporyaa la, mas

acabou sendo feita as carridas e perdeu muito de sua forya. a executor foi 0 Humberto Cozza,

apenas 0 projeto era meu. Na maquete 0 homem era facelado, acabou saindo roliyo. 0 baixo

relevo permaneceu mais ou menos como ideamos it principio· (CANTAR1M, 1976)

Page 37: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

39

Urn outro detalhe que nos faz acreditar que naD houve falha na execuc;8.o do

projeto e a semelhanc;a com a escultura egipcia do Media Imperio. 0 Homem nu

"conserva a monumentalidade e a mesma pureza artistica tipica do Sheik-el-Obeid,

obra-prima da estatuaria egipcia" (PARANA, 1976, p. 69).

A regra principal a orientar 0 escultor egipcio era a frontatidade (FIGURA 16). De

acordo com ela a figura deveria estar sempre olhando para frente e naD era

confeccionada para ser vista ou analisada de qualquer angulo, mas somente de frente.

Par esse motivD as eSGulturas apresentavam 50lu90e5 plasticas Hrnitadas, concebidas a

partir wde um eixo vertical, que passando pelo nariz e entre as duas pernas divide 0

corpo em duas metades identicas ou quase iguais" (BOZAL, 1995, p. 41),

independentemente de as figuras estarem sentadas. de joelhos ou em p€!. Os brayos

estao sempre coladas ao corpo, estendidos au cruzados sobre a peito. Quando

representam pessoas em pe, mesmo quando um dos pes se adianta simulando uma

marcha, 0 efeita ainda e essencialmente estatico.

Some-se a issa a exigencia de se produzir uma obra utilitaria e resistente, sem

riscos de deteriorar-se com 0 tempo. As formas sao antiindividualistas, Uparque

expressam uma concepc;ao de vida para a qual a descendencia, a classe ou 0 vinculo a

um cia ou grupo representa um grau de realidade mais elevado da que a carater

pessoal de um individuo" (HAUSER, 1995, p. 36).

A estilizac;ao da estatuaria egipcia conduziu a uma forma de representac;aa onde

os homens sao jovens, musculosos, em atitudes tranqOilas, numa imobilidade suprema

(1976, p. 60).

Esteticamente, as caracteristicas da arte egipcia sao facilmente observaveis no

Homem nu, como a frontalidade e a estiliza~o. 0 carater utilitario e antiindividualista

tambem estao presentes, guardando diferenc;as relacionadas ao tempo e a sociedade

onde estao inscritos.

A utilizaC;ao da arte pelos egipcios estava associada, na maioria dos casas, a

religiao e nao era concebida para 0 deleite dos vivos, mas sim para possibilitar que os

mortos alcanc;assem a salvac;ao pretendida. Os ritos funerarios exigiam a confecc;ao de

esculturas representando 0 marta a tim de que este fosse reconhecido pelos de uses e

as baixos-relevos e pinturas murais, no interior dos tumulos, narravam seus feitos mais

Page 38: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

40

importantes. Ainda que houvesse uma preocupac;ao em garantir 0 reconhecimento do

defunto, a preferencia par uma arte estilizada impedia que fosse retratado tal como era,

havendo uma generalizac;ao na maneira de representar homens e mulheres.

o Homem nu foi concebido com 0 objetivo declarado de homenagear 0 pavo

paranaense e nao poderia de maneira alguma trazer trac;os que a assemethasse a

alguem ou privilegiasse um grupo em especial. Talvez a preocupac;ao do artista em nao

evidenciar qualquer trac;o dessa ou daquela etnia explique a completa nudez de um

persona gem que tinha ainda a dificil tarefa de ser uma especie de espelho a tada

populac;ao paranaense.

Temas ainda que considerar 0 fata que essa era a primeira obra de proporc;oes

monumentais a ser realizada par Stenzel e certamente teria que buscar informac;oes em

culturas acostumadas com esse tipo de produC;ao. Ah~m de familiarizados com

esculturas de grandes proporc;6es, os egipcios tambem dominavam as tecnicas de

escultura em materiais resistentes, como 0 granito.

Se isso aconteceu de fato, nao podemos afirmar. De concreto temos a certeza

que utilizou outras rnatrizes culturais, alem da europeia no processo de elaborac;ao de

sua obra mais conhecida e, no centro da capital Curitiba, 0 monumento que

homenageia 0 centeniuio de emancipac;ao polftica do estado e urn exemplo concreto da

estetica africana representada pela arte egipcia.

7 - CONCLUSAO

Ao longo de nossa trajetoria, escolar e social, aprendemos diariamente, que 0

Parana e uma terra de brancos, abenc;oada pelo milagre da imigrac;ao e responsavel

por eliminar os resquicios indesejaveis do regime escravocrata. Os mecanismos de

convencimento utilizados, sao os rnais variados e podemos encontrar na arte, na

literatura, na midia, nos livros didaticos, nos monumentos publicos, etc., elementos que

procuram reforc;ar que par aqui nao existem negros ou tracos identificilveis de sua

cultura.

Por mais que essas informacoes sejam respaldadas e, algumas vezes

patrocinadas, pelo poder publico, a realidade que se descortina diante de n6s e bern

diferente e nao e necessario a olhar de um especialista para reconhecer os trac;os da

Page 39: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

41

Gultura de matriz africana na feijoada de todo sabado, nos grafittis que decoram muros

e fachadas, nos terreiros de candombh3 e nas casas de umbanda, no ritmo frenetico do

samba e do pagode, no e5tilo abusado do hip-hop, na multidao que invade as ruas para

brincar 0 carnaval todo fevereiro, no usc diario de voci:lbulos originarios de linguas

africanas, em manifesta90es folcl6ricas como a congada e 0 boi-de-mamao, nas festas

religiosas do catolicismo papular pra Sao Gon.yalo e Sao Benedito, 56 para citar alguns

exemples. Nas artes plasticas essa presen.ya e mais modesta porque houve uma

supervaloriza9ao da estetica de matriz europeia, mas ainda assim nao impediu que

artistas como Jeterson Cesar, Quincaju, Expedito Rocha, Claudio Kamba, Erbo Stenzel

e oulros que precisamos investigar, dialogassem com uma estetica afro-brasileira, em

diversos periodos, suscitando discussoes a respeito das matrizes culturais que

interferem na produc;ao artistica paranaense.

o que percebemos ao nos propormos a discutir relac;oes raciais na arte

paranaense e que alem da falta de interesse par parte de nossos pesquisadores,

observamos uma ignorilncia bastante acentuada em relac;ao a estatica de matriz

africana. Oiante de obras que fogem a estatica europeia, a classificac;ao e feita de

forma superficial, quase sempre reafirmando a divisao entre arte popular e arte erudita.

Essa afirmac;ao a possivel diante das anillises tendenciosas que continuam

sendo leitas da obra de Erbo Stenzel. As tres obras aqui citadas Torso de Trabalhador,

Agua pro Morro e 0 Homem Nu, trazem consigo informac;oes preciosas que poderiam

servir de base para discussoes mais aprofundadas a respeito da contribuiyao da

populaC;ao negra para a estetica da arte paranaense e no entanto sao totalmente

ignoradas. 0 Homem Nu com todos os elementos, evidentes, que 0 aproximam da arte

egipcia ainda nao e tratado como uma obra representativa da estetica de matriz

africana no Parana. Se isso ocorre com uma escultura de oito metros de altura, exposta

em prac;a publica, a de se esperar que em trabalhos menores, a cegueira de nossos

pesquisadores seja muito maior.

8 - BIBLIOGRAFIA

ABAIXO 0 taradao. 0 Dia, Curitiba, 21 jun. 1955.

BERND, Zila. Racismo e anti-racismo. Sao Paulo: Moderna, 1994.

Page 40: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

42

BINI, Fernando. ° Parana tradicional. In: PARANA, Secretaria de Estado da Cultura e

do Esporte do. Tradi,aolContradi,8o, 1986. p. 39 - 42. Catalogo de exposi,ao.

BOZAL, Valeriano. Historia Geral da Alte - Escultura I. Madrid: Ediciones Del Prado,

1995.

BRANDAo, Andre Augusto Pereira. Ra,a, demografia e indicadores socia is. In:

OLIVEIRA, lolanda. Rela,lles Raciais e Educa,ao - novos desafios. Rio de Janeiro: DP

& A, 2003.

BRANDAD, Angela. A fabrica de ilusao - 0 espetaculo das maquinas num

parque de diverslles e a moderniza,8o de Curitiba 1905-1913. Curitiba:

Prefeitura Municipal de Curitiba, 1994.

CANTARIM, Sandra. Vida, gloria e solidao de Erbo Stenzel. DiMo do Parana, Curitiba,

27 ago. 1976.

CARNEIRO, Newton. ° Parana e a caricatura. Curitiba: Universidade Federal do

Parana e Funda,ao Teatro Guaira, 1975. (Cole,ao Memoria Cultural do Parana).

CUNHA Jr., Henrique. Afrodescendencia e espaqo urbano. Palestra realizada na Escola

de Planejamento Urbano do Ceara. Fortaleza, 05 ago. 2006.

CURITIBA, Funda,ao Cultural de. Programa de preserva,8o da alte escult6rica

paranaense - primeira metade do seculo Xx. Coordenac;:ao de Christine Vianna

Baptista. Curitiba: 1995.

FERREIRA, Aurelio Buarque de. Novo dicionario da lingua poltuguesa. Sao Paulo:

Editora Nova fronteira, 1994/1995.

HAUSER, Arnold. Historia Social da alte e da literatura. Sao Paulo: Martins Fontes,

1995.

HISTORIA da arte. Rio de Janeiro: Salvat, vol. 01, n. 113, 1980.

JUSTINO, Maria Jose. Modernidade no Parana: do Andersen Impressionista aos anos

60. In: PARANA, Secretaria de Estado da Cultura e do Esporte do.

Tradi,aolContradi,ao. Curitiba, 1986. p 69 - 72. Cataiogo de exposi,ao.

KENSKI, Rafael. Vencendo na ra,a. Revista Superinteressante, Sao Paulo, n. 187, p.

42-50, abr. 2003.

LEITE, Jose Roberto Teixeira. Dicionario crmco da pintura no Brasil. Rio de Janeiro:

Artlivre, 1988.

Page 41: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

43

MARTINS, Romario. Curytiba de outror'a e de hoje. Curitiba: 1920.

MILLARCH, Aramis. Adalice Araujo den uncia mais urn escandalo cultural. 0 Estado do

Parana, Curitiba, 13 jul. 1986.

MOURA, Clovis. A heran,a do cativeiro. Revista Retrato do Brasil, Sao Paulo, n. 10, p.

109-113.

NADAlIN, SERGIO Odilon. Parana: ocupa91lo do territorio, popula90es e migra90es.

Curiliba: SEED, 2001.

NUS E SOLITARIOS. Revista Veja, 26 de jul. 1972, p. 22.

OLIVEIRA NETO. Marcolino Gomes de. Modernidade no Parana - da obra saUtica de

Jollo Pedro - 0 Mulato il pintura expressionista de Guido Viaro. 2001. Monografia

(Especializac;;ao em hist6ria da arte) - Escola de Musica e Belas Artes do Parana.,

Curitiba, 2001.

PARANA, Secreta ria de Estado da Cultura. Alfredo Andersen. Curitiba, 1988.

PARANA, Secreta ria de Estado do Planejamento. Revista Referencia em planejamento,

Curitiba, n. 01, vol. 01, 1976.

PEREIRA, Joao Baptista Borges. Diversidade, racismo e educa,ao. Revista USP, Sao

Paulo, n. 50, p.169-177,jun.lago. 2001.

PESSANHA, Andrea Santos. Em nome do progresso. Revista Nossa Historia, Sao

Paulo, n. 24, p. 20 - 22, out. 2005.

REIS, Samuel Aarao. Nessa bloea esta disposto e e bonito, tambem temas 0 direito de

desfilar na avenida. Revista Caros Amigos, Sao Paulo, n. 66, p. 18 -19, set. 2002.

RUBENS, Carlos. Andersen, pai da pintura paranaense. Curitiba: Funda,ao Cultural de

Curitiba, 1995.

SALUM, Marta Heloisa Leuba. Africa: cultura e sociedade. Disponivel em:

<http://WW1N.arteafricana.usp.br/codigos/textos_didaticos/OO2africa_culturas_e_sociedad

es. html>. Acesso em 21 nov. 2006.

SANTOS, Carlos Roberto Antunes dos. Vida material vida economica. Curitiba: SEED,

2001.

SILVA, Alberto da Costa e. A enxada e a lan9a - A Africa antes dos portugueses. Rio

de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

Page 42: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

44

SILVA, Paulo Vinicius Baptista. Personagens negros e brancos em Iivros didaticos de

lingua portuguesa. Curitiba, GT Afro-brasileiros e educa,ao, n. 21, 2007.

TRINDADE, Etelvina Maria de Castro; ANDREAZZA, Maria Luiza. Cullura e educaqiio

do Parana. Curitiba: SEED, 2001.

VITOR, Nestor. A lerra do Fuluro - impressi5es do Parana. Curitiba: 1996. (Coleqao

Farol do Saber).

WEFFORT, Francisco. Cultura brasileira, cultura mestic;a. Disponivel em:

<http://www.minc.gov.br/textos/fw25>. Acesso em 18 set. 2005.

Page 43: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

9-FIGURAS

01 - Erbo Stenzel- Torso de Trabalhador (1941)

45

02 - Erbo Stenzel- Agua Pro Morro (1944)

Page 44: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

03 - Praya 19 de Dezembro - Curitiba -vista parcial

04 - Praya 19 de Dezembro - Curitiba - Vista parcial

46

Page 45: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

05 - Erbo Stenzel e Humberto Cozza - Painel (1953) - detalhe

06 - Erbo Stenzel e Humberto Cozza - Painel (1953) - Detalhe

47

Page 46: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

07 - Erbo Stenzel e Humberto Cozza - Painel (1953) - detalhe

08 - Erbo Stenzel e Humberto Cozzo - Painel (1953) - detalhe

48

Page 47: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

09 - Erbo Stenzal a Humbarto Cozza - Painel (1953) - detalhe

10 - Poly Lazzarolo - Painel (1953) - delalhe

49

Page 48: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

11 - Poty Lazzarotto - Painel (1953) • detalhe

12 - Poty Lazzarotto - Paine! (1953) - detalhe

50

Page 49: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

13 - Poty Lazzaroto - Painel (1953) - detalhe

14 - Poty Lazzaroto - Painel (1953) - detalhe

51

Page 50: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

52

15 - Erbo Stenzel e Humberto Cozza - 0 Homem nu - granito (1953)

Page 51: MARCOLINO GOMES DE OLIVEIRA NETO A REPRESENTA…tcconline.utp.br/.../A-REPRESENTACAO-DO-NEGRO-NA-ARTE-PARANAENSE-.pdf · A REPRESENTA(fAO DO NEGRO NA ARTE PARANAENSE Trabalho de conclusao

16 - Miquerinos e sua esposa - basallo -IV Dinaslia

53