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MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS PRIMEIRA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DO CONSUMIDOR EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA SEGUNDA VARA CÍVEL DA CIRCUNSCRIÇÃO JUDICIÁRIA DE TAGUATINGA – DF. Proc. nº. 2006.07.1.015598-0. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, no uso de suas atribuições legais, por intermédio da 1.ª Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, vem a honrada presença de Vossa Excelência oficiar no presente processo, aditando a inicial, nos seguintes termos: Trata-se de ação civil pública proposta pela DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL contra o BANCO BRADESCO S.A., em virtude de propaganda abusiva para atrair os consumidores/aposentados na tomada de empréstimos, mediante consignação ou retenção das aposentadorias do INSS, não informando adequadamente aos consumidores dos riscos do superendividamento e de cláusulas contratuais redigidas de forma a confundir o perfeito entendimento de seu sentido e alcance e em caracteres dificultando sua leitura, eis que voltado para idosos, muitos dos quais com dificuldades de visão e baixo grau de instrução. A inicial pleiteia antecipação de tutela, a fim de que seja determinado ao réu a adoção da redação indicada pelo Manual de Redação da Presidência da república, utilizando a fonte times new roman fonte 12, ou fonte 14, destacando o percentual de juros, valores dos juros e comissões, número de parcelas e o

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MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO

MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

PRIMEIRA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DO CONSUMIDOR

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA SEGUNDA VARA CÍVEL DA

CIRCUNSCRIÇÃO JUDICIÁRIA DE TAGUATINGA – DF.

Proc. nº. 2006.07.1.015598-0.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E

TERRITÓRIOS, no uso de suas atribuições legais, por intermédio da 1.ª Promotoria de

Justiça de Defesa do Consumidor, vem a honrada presença de Vossa Excelência oficiar

no presente processo, aditando a inicial, nos seguintes termos:

Trata-se de ação civil pública proposta pela DEFENSORIA

PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL contra o BANCO BRADESCO S.A., em virtude

de propaganda abusiva para atrair os consumidores/aposentados na tomada de

empréstimos, mediante consignação ou retenção das aposentadorias do INSS, não

informando adequadamente aos consumidores dos riscos do superendividamento e de

cláusulas contratuais redigidas de forma a confundir o perfeito entendimento de seu

sentido e alcance e em caracteres dificultando sua leitura, eis que voltado para idosos,

muitos dos quais com dificuldades de visão e baixo grau de instrução.

A inicial pleiteia antecipação de tutela, a fim de que seja

determinado ao réu a adoção da redação indicada pelo Manual de Redação da

Presidência da república, utilizando a fonte times new roman fonte 12, ou fonte 14,

destacando o percentual de juros, valores dos juros e comissões, número de parcelas e o

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valor tomado de empréstimo, sob pena de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por

cada descumprimento, a inserção de aviso em destaque de que a contratação de

empréstimos, mediante pagamento de juros pode conduzir ao superendividamento sob

pena de multa e que promova em suas agências propagandas de cunho educativo à

respeito do superendividamento e alertando dos riscos de diminuição da renda mensal

por força do pagamento das parcelas do empréstimo, sob pena de multa de R$

1.000.000,00 (um milhão de reais).

Requereu ainda a participação do Ministério Público na

qualidade de litisconsorte ou como custos legis e a designação de audiência de

conciliação.

No mérito, postula a confirmação das medidas requeridas à

título de antecipação de tutela e a condenação do Banco requerido por danos morais

coletivos no valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais).

Em síntese, é o que cabe analisar por ora.

1. DO INTERESSE E LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO

PÚBLICO.

A Constituição Federal, no artigo 129, inciso III, definiu ser

função institucional de o Ministério Público promover a ação civil pública para a

proteção dos interesses difusos e coletivos. A Lei Complementar N. 75/93, em seu art.

6º, dispõe competir ao Ministério Público a defesa dos interesses sociais e individuais

indisponíveis, destacando-se a proteção ao consumidor. E a Ação Civil Pública, espécie

de tutela coletiva, é o instrumento processual, por excelência, para inibir a ocorrência ou

tutelar os danos causados aos consumidores.

As disposições constitucionais e legais são incisivas e

induvidosas a respeito das atribuições institucionais do Ministério Público na defesa dos

interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. No entanto, a experiência da

Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor revela que as empresas, ao serem

demandadas judicialmente, concentram seus esforços em questões processuais,

sobretudo no tocante à legitimidade para a propositura da ação civil pública, até porque

não encontram amparo no direito material para legitimar a conduta questionada

judicialmente.

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O tema se encontra praticamente pacificado, notadamente em

decorrência dos recentes pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal e Superior

Tribunal de Justiça. Confira-se ementa de decisão proferida pelo Supremo Tribunal

Federal no Recurso Extraordinário N. 163.231-3, de 26/02/1997, Rel. Min. Maurício

Corrêa:

“A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público

como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-

lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e

individuais indisponíveis (CF, art. 127). 2. Por isso mesmo detém o Ministério Público

capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública

e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio

ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III). 3.

Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas

pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos,

categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária

por uma relação jurídica base. 3.1 - A indeterminidade é a característica fundamental

dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que envolvem os

coletivos. 4. Direitos ou interesses homogêneos são os que tem a mesma origem comum

(art. 81, III, da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie

de direitos coletivos; 4.1 Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente

interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica,

sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou

classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se

classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação

civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos,

categorias ou classe de pessoas (...)”.

De outro lado, apenas ilustrativamente, cite-se decisão recente

proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial N.

2002/0027931-1/PR, de 15/04/2003, Relª. Min. Laurita Vaz:

“A ação civil pública nasceu como instrumento processual

adequado para coibir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor

artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, atendendo, assim aos interesses

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coletivos da sociedade. O campo de aplicação da ação civil pública foi alargado por

legislações posteriores, especialmente pelo Código de Defesa do Consumidor, para

abranger quaisquer interesses coletivos e difusos, bem como os individuais homogêneos

(...)”

Na realidade, a legitimidade do Ministério Público se funda em

verdadeiro dever constitucional e institucional na proteção de tais interesses (CF, artigo

129, III e Lei Complementar 75/93, artigo 6º).

A bem da verdade, o que os autos noticiam é uma prática

abusiva por parte da instituição financeira, induzindo os incautos

consumidores/aposentados a contrair empréstimos consignados nos valores a receber de

suas precárias aposentadorias, afetando a saúde financeira de milhares de idosos.

Por esse motivo, entende o Ministério Público que deve integrar

o pólo ativo da relação processual, na qualidade de litisconsorte, tal como requerido pela

Defensoria Pública. Aliás, é dever do Ministério Público promover a ação civil pública

para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e

individuais homogêneos do idoso, na dicção legal do art. 74 do Estatuto do Idoso (Lei

n.º 10.741, de 1.º de Outubro de 2003).

Ademais, a legitimação do Ministério Público resta patenteada,

quando estamos diante de causa de significativa relevância social, a reclamar a

intervenção ativa do Ministério Público. Somente em pensar que milhares de

aposentados/consumidores atuais e futuros viessem a ingressar individualmente contra o

Banco Bradesco, abarrotando o Judiciário para discutir caso a caso as cláusulas

abusivas e a propaganda enganosa ou ilícita do agente financeiro já torna legítima a

atuação da instituição ministerial, pois compatível com sua finalidade, em especial na

defesa dos consumidores e mais ainda, dos idosos aposentados.

2. DOS DIREITOS VIOLADOS

2.1. DA PUBLICIDADE ABUSIVA

Vislumbramos que a propaganda e os meios de captação da

clientela constituem aquilo que se convencionou chamar de estímulos subliminares,

afetando a real compreensão dos idosos dos riscos de comprometimento de parte

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substancial de sua renda. É o tipo de propaganda com inequívoca irresponsabilidade

social.

A fórmula encontrada pelo Banco, na sedução dos aposentados

para contrair empréstimos, mediante alocação de funcionários treinados especialmente

para tanto, sem sombra de dúvida, interfere substancialmente na tomada de decisão,

máxime quando é de conhecimento mediano o baixo grau de instrução da imensa

maioria dos nossos aposentados, além de outros problemas de saúde, tais como

depressão, solidão etc. Evidente que na prática do marketing devem ser utilizados meios

para atingir o público alvo, mas esses meios não podem ser moralmente reprováveis ou

capazes de afetar o normal discernimento do consumidor.1

Segundo narra a inicial da Defensoria Pública, o Banco

Bradesco elegeu funcionários identificados com a classe dos aposentados, na faixa etária

dos 50 anos, e com sorrisos fáceis, entremeados de chá, café e biscoitos, atraem os

incautos aposentados, escudados na propaganda do agente financeiro.

Veja Excelência, que no folder da propaganda do Banco

Bradesco (fls. 46) Crédito Multiuso em alusão à famosa marca de sabão em pó e faça o

teste incute ao consumidor menos atento, a idéia de que pode utilizar o crédito, sem

maiores conseqüências, e o induz a fazer o teste, quando então já estará com seu

rendimento comprometido.

Em igual sentido o folder juntado às fls. 47. Aliás, ali parece

existir uma família feliz, posando para uma fotografia e como pano de fundo, o logotipo

1 Muito embora ainda não haja consenso científico acerca das mensagens ou publicidade com conteúdo e estímulos de modo subliminar, até porque o precursor do assunto teria cometido fraude, existem estudos que amparam a estratégia adotada pelo marketing agressivo do Banco Bradesco, ao atrair a clientela/consumidores hipossuficientes, como atitudes nocivas e merecedoras do repúdio do ordenamento jurídico. Muito a propósito, em ação civil pública contra a publicidade no tabaco, o Ministério Público do Distrito Federal logrou provar a adoção da estratégia, merecendo destaque na Wikipedia quando trata da mensagem subliminar. Confira-se. “Casos autuados Cigarros Free, Souza Cruz, 2001. Propaganda retirada do ar devido ao ministério público (promotor Guilherme Fernandes Neto) considerar que estimularia crianças e adolescentes a fumar, baseado em análise de psicólogos que analisaram o texto da propaganda e a existência de mensagem subliminar, onde por trés décimos de segundo apareciam uma pessoa fumando, seguida de outra pessoa fumando em três décimos de segundo também” Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Mensagens_subliminares. Acesso em 30 de Julho de 2006. Consta no noticiário a passagem que destacamos, verbis “.... A persuasão subliminar seria a capacidade que uma mensagem teria de influenciar o receptor. Segundo a hipótese, toda mensagem subliminar tem um determinado grau de persuasão, e pode vir a influenciar tanto as vontades de uma forma imediata (fazendo por exemplo, uma pessoa sentir vontade de beber ou comer algo), como até mesmo a personalidade ou gostos pessoais de alguém a longo prazo (mudando o seu comportamento, transformando uma pessoa tímida em extrovertida). Esse grau de persuasão deveria variar de acordo com o tempo de exposição à mensagem, e a personalidade do receptor.”

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do banco e o produto oferecido, desviando a devida atenção do consumidor. Ou seja, na

propaganda, a idéia é vender o crédito consignado passada de maneira subliminar, e

fazendo o incauto consumidor acreditar que assim agindo, estaria com sua família feliz.

A prova apresentada às fls. 48 reforça ainda mais o conteúdo da

mensagem subliminar, colocando um casal de idosos todos sorridentes em primeiro

plano, e no segundo plano a oferta do crédito Multiuso.

Destarte, resta demonstrado à saciedade ab initio a propaganda

com conteúdo subliminar, desviando a atenção para o principal, qual seja, de que

pagaria caro pelo empréstimo e comprometeria seriamente a saúde financeira do

aposentado.

Ensina Cláudia Lima Marques, que o princípio da identificação

obrigatória da mensagem como publicitária, “serve de um lado para proibir a chamada

publicidade subliminar, que no sistema do CDC seria considerada pratica de ato ilícito,

civil e mesmo penal.”2

Por isso, o Código de Auto-regulamentação publicitária,

reconhecendo a forte influência de ordem cultural sobre grandes massas da população

(art. 7.º) estimula que a propaganda deve ser “preparada com o devido senso de

responsabilidade social” (art. 2.º), ausente à espécie.

As notícias colacionadas pela Defensoria Pública apontam a

fragilidade à qual estão expostos os consumidores, afetando a saúde financeira dos

aposentados e fomentando um problema social de enormes proporções, com o

beneplácito do atual governo3. Diga-se de passagem, o Governo Federal, quiçá

2 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de defesa do consumidor. O novo regime das relações contratuais. 4ª. Edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 674.3 Sensível a este problema, o PROCON Paulista cria Núcleo de Tratamento do Superendividamento postado por: Aparecida Sanches em: 26/07/2006. A Fundação Procon-SP inaugura no próximo dia 27 de julho o Núcleo de Tratamento do Superendividamento, uma nova atividade desenvolvida pelo órgão, com objetivo de sensibilizar a sociedade para um problema que repercute não somente para o endividado, mas também em toda economia. O superendividamento (ou sobreendividamento), fenômeno relativamente recente e em expansão, ocorre quando o consumidor toma crédito na praça, sem os cuidados necessários e compromete sua renda pessoal e familiar, tornando-se, em curto prazo, inadimplente e incapaz não só de saldar sua dívida, como também de adquirir novos produtos ou serviços que garantam sua sobrevivência. Projetos pioneiros aconteceram no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, onde já acontece atendimento a pessoas nesta situação. Em São Paulo, o Procon-SP realizou estudos prévios que indicaram a necessidade urgente da criação de um núcleo específico para o tratamento do problema, levando em conta peculiaridades e que tipo de negociação pode ser feita. As ações deverão ser realizadas junto aos consumidores e fornecedores, tanto para prevenir esta situação quanto para auxiliar aqueles que já estão endividados a ponto de comprometer o seu orçamento. Em análise, a Fundação Procon-SP verificou que, com base no artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor, tem o dever atuar de forma a promover a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e a compatibilização da proteção

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tardiamente percebeu o mal causado aos aposentados, prometendo uma ampla

campanha de orientação.4

Destarte, o Governo Federal acabou por acordar do sono dos

insanos (ou malfeitores), buscando conscientizar os aposentados da existência de outras

opções, a menor taxa de juros oferecida pelo mercado, etc.

Porém, tal atitude tardia do Governo não redime às instituições

financeiras, que tinham e têm o dever jurídico de informar adequadamente os

incautos consumidores dos riscos provocados por um endividamento de até 30% (trinta

por cento) de sua aposentadoria. Pensar que um aposentado recebe, hoje, em torno de R

$ 350,00 (trezentos e cinqüenta reais) e veja comprometido R$ 105,00 (cento e cinco

reais) com desconto compulsório, acabam sobrando R$ 245,00 (duzentos e quarenta e

cinco reais) pelos próximos 36 (trinta e seis) meses para satisfazer suas necessidades

básicas, pensando especialmente em alimentos e remédios.

É preciso destacar que a doutrina e a jurisprudência sempre

repudiaram a prática de reter valores de salários e pensões, a fim de as instituições de

crédito receber seus créditos, máxime na chamada consignação. Em alguns casos, o

consumidor não tendo outro meio, eis que a cada vez que percebia seus parcos

rendimentos, o agente financeiro retinha o valor creditado, acaba por optar em receber

seus rendimentos em outra instituição financeira e inclusive desautorizava o órgão

pagador a reter as parcelas devidas aos Bancos.

Contudo, com inegável senso maquiavélico, o Governo Federal

editou a Medida Provisória 130 que foi convertida na Lei 10.820, alvo de escândalo

investigado por Comissão Parlamentar de Inquérito, denotando o elevado poder das

do consumidor com a necessidade de desenvolvimento tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (conforme determina o artigo 170 da Constituição Federal). O Núcleo de Superendividamento também fará uma atuação preventiva e de conscientização sobre o problema. "Aquele que contrai um crédito hoje sem os devidos cuidados tem grandes riscos de se tornar um inadimplente em médio prazo e, se muitos estão nesta situação, fica estabelecida a impossibilidade de consumo e a até um freio na circulação de mercadorias, com graves conseqüências para o comércios e indústria", alerta a diretora executiva, Marli Aparecida Sampaio. Segundo ela, a conseqüência é mais desemprego e aumento das disparidades sócio-econômicas, na medida em que há o agravamento da miséria. Fonte: Procon-SP.4 Atento ao crescente número de reclamações registradas tanto na Ouvidoria-Geral da Previdência Social – OGPS como no Sistema Nacional de Defesa do Consumidor –SNDC, e com o intuito de evitar a intensificação dos problemas já detectados, o Governo Federal inicia uma campanha de orientação e esclarecimento à população. Este roteiro é uma parte integrante desta campanha. ... (confira-se Roteiro Técnico sobre Empréstimo Consignado para Aposentados e Pensionistas do INSS, ora anexo.).

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instituições financeiras junto aos governantes,5 ficando os incautos aposentados à mercê

dos bancos, eis que privados de salvaguardas em casos de superendividamento. Tanto a

lei que institui o beneficio e o decreto regulamentador impedem o aposentado de fugir

da cobrança antecipada do agente financeiro, eis que não pode mudar de instituição

financeira para perceber a aposentadoria e ainda impede o INSS de aceitar contra-

ordem. Ou seja, o agente financeiro, em qualquer hipótese, tem uma posição

privilegiada, pouco importando eventuais prioridades do aposentado com seus parcos

5 De estarrecer os reais motivos que teriam permitido o “crédito consignado”. Confira-se o noticiário extraído da Web, “Preste atenção nesta seqüência límpida de fatos envolvendo o mais alto escalão do governo Lula: . MP 130 - No dia 17 de setembro de 2003, nove meses depois de eleito, o presidente da República assinou a Medida Provisória nº. 130. Junto com a MP enviada ao Congresso, seguiu o Decreto nº 4.840, que era a regulamentação da MP. Resumindo: a medida provisória e o decreto consolidavam e eliminavam dúvidas na legislação existente para a prática do chamado crédito consignado. E abriam essa modalidade de empréstimos aos beneficiários da previdência social; . Artigo 6º - No dia 18 de dezembro de 2003, o Congresso aprovou a MP, transformando-a na Lei 10.820/03. O artigo 6º dizia que a Previdência recolheria as parcelas devidas pelos aposentados ou pensionistas nos contratos de empréstimos consignados e, depois, repassaria o dinheiro às instituições financeiras; . "Empréstimos" - Ao longo de todo o segundo semestre de 2003, a relação BMG, Banco Rural, Delúbio Soares e Marcos Valério se consolidou. O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares até teria conseguido uns “empréstimos” nesses bancos para financiar o partido, coisa à toa, na casa dos R$ 30 milhões (R$ 26 milhões no BMG); . Mudança no artigo 6º - Em maio do ano seguinte, 2004, o governo enviou ao Congresso uma nova lei tratando de crédito consignado. Propunha uma mudança no artigo 6º da Lei 10.820, aprovada em dezembro do ano anterior. Pela nova redação proposta para o artigo 6º, em vez de a Previdência recolher as parcelas dos empréstimos devidos, os bancos dispensariam a intermediação da Previdência e, na hora de pagar os benefícios aos aposentados, passariam a reter automaticamente os valores das parcelas devidas; Decreto - No dia 13 de agosto de 2004, uma tenebrosa sexta-feira-13, enquanto a Lei 10.820 não era aprovada, o presidente da República assinou o Decreto 5.180 permitindo que todos os bancos operassem crédito consignado para os aposentados, e não apenas aqueles que faziam os pagamentos dos benefícios da Previdência (o BMG não fazia); . Mudança aprovada - Catorze dias depois de assinado do tal Decreto 5.180, o Congresso aprovou também a Lei 10.820 (27 de setembro de 2004); . Carta de Lula - No dia 29 de setembro, Lula assinou uma carta dirigida a 13 milhões de aposentados, convidando-os a obter empréstimos consignados camaradas, na ótica dele e do BMG, é claro. Enormes coincidências Esse roteiro de datas e dados é a soma de duas reportagens sobre as relações do governo Lula com o Banco de Minas Gerais (BMG). Uma das reportagens está na revista Primeira Leitura de abril (nº 50) e é de minha autoria [O Evangelho segundo São Lula]. A outra, sobre o tenebroso decreto da sexta-feira 13, é da repórter Marta Salomon e está na edição da Folha de S. Paulo deste 1º de Maio. Somadas, as duas mostram como, com o decreto e a lei aprovados, o Banco de Minas Gerais (BMG) entrou para valer no negócio do crédito consignado para aposentados. Um banco que, em parceria com o Rural, também de Minas, tornou-se, segundo o Ministério Público Federal, o “avalista” da farsa dos empréstimos ao PT no esquema do valério-delubioduto. O Ministério Público já sabe que os tais empréstimos foram uma farsa, mas agora está atrás da explicação para essa enorme coincidência entre as datas das leis aprontadas pelo Executivo, aprovadas pelo Congresso e a voracidade com que o BMG se lançou no mercado de crédito consignado. Tudo planejado, leis e negócios, depois de vários encontros dos executivos do banco com interlocutores do Planalto – José Dirceu, entre outros. Mais que isso: enquanto só a Caixa Econômica Federal (CEF) operou o crédito consignado para aposentados, Lula não se preocupou nem em facilitar a vida do banco estatal, acabando com a intermediação dos repasses das parcelas devidas pela Previdência, nem em mandar uma simpática cartinha aos aposentados exortando-os a tomar mais dinheiro emprestado para “atender melhor às necessidades do dia-a-dia”. Enfim, Sua Excelência, não havia se interessado em ser garoto-propaganda do crédito consignado da Caixa, no que se transformou em relação ao BMG. Mercado milionário A performance do BMG depois das relações profícuas com o Planalto de Lula fizeram o lucro do banco pular de R$ 90 milhões, em 2003, para quase R$ 280 milhões, em 2004. Só para se ter uma idéia do impacto do crédito consignado para aposentados, transcrevo trecho de uma

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rendimentos.

Diga-se de passagem, as instituições financeiras agem calcados

em sólidos estudos, evitando riscos, conforme prospecto distribuído pelo FUNDO DE

INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS BGN - LIFE - CRÉDITO

CONSIGNADO6, destacando, verbis

“QUESTÕES LEGAIS RELATIVAS À CONCESSÃO DE

EMPRÉSTIMO COM CRÉDITO CONSIGNADO. Em razão da recente edição da Lei nº

reportagem do Jornal de Brasília, de junho do ano passado, com um balanço do movimento administrativo, previdenciário e financeiro junto aos beneficiários de Brasília e do país inteiro. Contava o jornal: “Motivados pela comodidade e por juros abaixo dos valores praticados pelo mercado, quase 31 mil aposentados e pensionistas do INSS brasilienses recorreram ao empréstimo consignado – cobrança descontada na folha de pagamento, de setembro de 2004 até dia 2 deste mês. O crescimento no número de operações foi de 1.930% no período – passou de 1.522 para 30,9 mil, segundo levantamento da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev). Aposentados do Distrito Federal pegaram R$ 81,8 milhões emprestados em nove meses.Em todo o Brasil, de maio a junho deste ano, foram feitos 26,9 mil empréstimos consignados por dia, o que representa 1.124 por hora ou 18 empréstimos por minuto. Até dia 2, mais de 3 milhões de aposentados e pensionistas pegaram dinheiro emprestado em bancos conveniados à Previdência Social. Um crescimento igual ao do DF. Em setembro, o número de empréstimos ficou em 210 mil. Aposentados e pensionistas que ganham até dois salários mínimos também pegaram mais dinheiro emprestado. Em maio, 43% das operações de crédito foram para quem ganhava até um salário, e 15% para quem recebia entre um e dois salários. O crédito em consignação para segurados da Previdência foi criado pela MP 130. Mas o primeiro convênio só foi firmado em maio de 2004, com a Caixa Econômica Federal. Pela lei, podem pegar dinheiro emprestado pessoas com benefícios fixos (aposentadorias ou pensões) e o desconto das parcelas não pode ultrapassar 30% do valor do benefício.”Portanto, de setembro de 2003, quando editou a Medida Provisória 130 (Lei 10.820), abrindo o crédito consignado a aposentados, a setembro de 2004, quando assinou a carta aos aposentados que já podiam pegar dinheiro no BMG, o governo Lula cuidou apenas de aprovar uma lei e um decreto em que o banco mineiro era o grande beneficiado. Durante pelo menos dois meses, BMG e Caixa ficaram sozinhos nessa modalidade de empréstimo. Mas o BMG ainda teve o presidente da República, segundo um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), como lobista. A equipe do procurador-geral da República, Antonio Fernando, está investigando essa relação do Planalto com o BMG. http://www.primeiraleitura.com.br/html/institucional/faleconosco/rui_nogueira.php]Publicado em 1º maio de 2006. Acesso em 30 de Julho de 2006.6 FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS BGN - LIFE - CRÉDITO CONSIGNADO. Código ISIN BRBGLFCTF009, Nº do Registro de Distribuição CVM 65-5, 20 de Junho de 2005, p. 35, permitindo a reprodução do estudo: “Vide Seção “Marco Regulatório” deste Prospecto. Todavia, muitas são as discussões judiciais que têm por objeto o desconto em folha de pagamento (consignação) de devedores de empréstimos. Há pronunciamentos, já transitados em julgado, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, tanto favoráveis quanto contrários ao desconto em folha de pagamento de devedores de empréstimos. As decisões contrárias ao desconto em folha de pagamento do devedor têm fundamento no artigo 649, inciso IV, do Código de Processo Civil, que simplesmente torna absolutamente impenhoráveis os vencimentos dos funcionários públicos e os salários. Diante do caráter alimentar da remuneração do trabalho, os Tribunais, em algumas situações, identificaram exagero nos descontos, ou falta de boa-fé de instituições financeiras ao bloquearem os recursos para receberem os pagamentos devidos, muitas vezes sem a autorização do devedor. Em decisão transitada em julgado em 5 de abril de 2005, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 550871, proferiu acórdão em favor de um servidor público do Rio Grande do Sul, que considerou possível o tomador do empréstimo cancelar a autorização para desconto em folha de pagamento. De acordo com o referido acórdão, a “cláusula contratual constante de contrato de financiamento que autoriza o desconto em folha é ‘mais abusiva do que a cláusula mandato, pois, enquanto esta autoriza apenas a constituição do título, aquela permite a cobrança pelos próprios meios do credor, nos valores e no momento por ele escolhidos’ (Resp nº 250.523/SP, DJ de 18/12/2000)”. De qualquer forma, o mesmo Superior Tribunal de

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10.820/03, não há, até o presente momento, qualquer decisão judicial, transitada em julgado,

favorável ou contrária aos mecanismos de consignação definidos na lei em questão e nos

normativos do INSS”

Ao contrário de a consignação em folha refletir em taxas de

juros diferenciadas e precedidas de esclarecimento dos riscos, os Bancos continuaram a

cobrar taxas extorsivas.

Ora, certamente o Banco e sua voracidade costumeira, sem

nenhum senso social, aproveitando da brecha inserida pela legislação, atraíram de forma

beirando às raias da criminalidade, considerável parte dos aposentados/consumidores,

incutindo-lhes o desejo de contrair financiamento em longo prazo, comprometendo

parte substancial da renda.

A proteção jurídica conerida aos idosos, fez o legislador

ordinário publicar a lei 10.741, conhecida como Estatuto do Idoso, tornando crime,

dentre outras condutas, a retenção indevida do cartão de recebimento de benefícios. 7

E tal necessidade legiferante, foi decorrente de prática

costumeira de inúmeros pequenos comerciantes, que vendiam “a crédito” aos

aposentados, retendo previamente os valores que tinham a receber, por vendas de

gêneros alimentícios.

Justiça, em 7 de junho de 2004, por decisão já transitada em julgado em 28 de junho de 2004 do Ministro Aldir Passarinho Júnior, ao amparo do artigo 557, §1-A do Código de Processo Civil, decidiu dar provimento ao Recurso Especial nº 533719, também contra acórdão do Rio Grande do Sul, e assim manifestou-se: “Por fim, relativamente ao desconto em folha de pagamento, com razão igualmente o recorrente, eis que não se cuida de penhora de vencimentos de funcionário público, pois não se está diante de processo de execução, de natureza forçada e constritiva, mas de mero exercício de livre disposição contratual, comum em operações dessa natureza, quando em geral oferecidas taxas inferiores à média do mercado. A jurisprudência desta Corte ampara a pretensão: 4ª Turma, AgR-MC n. 6.769/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, unânime, DJU de 20.10.2003; e 5ª Turma, AgR-MC n. 6.398/RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, unânime, DJU de 23.06.2003.” Em 8 de junho de 2005, o Superior Tribunal de Justiça divulgou, por meio de seu website, notícia esclarecendo que os ministros da Segunda Seção deste Tribunal decidiram ser legal a cláusula contratual que autoriza o desconto em folha na liquidação de empréstimos bancários. Segundo o relator do Recurso Especial nº 728563, ministro Aldir Passarinho Junior, a consignação em folha de pagamento não se trata de penhora de vencimentos, até por não se cuidar de processo de execução, de natureza forçada e constritiva. Para o ministro, a autorização para desconto em folha é parte essencial do contrato de empréstimo e a própria garantia de sua execução. Ademais, a notícia afirma que, para o mesmo, a autorização para desconto em folha é “mero exercício de livre disposição contratual, procedimento de resto bastante comum em operações dessa natureza, quando, em geral, são oferecidas taxas inferiores à média praticada pelo mercado financeiro. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, presidida pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito e composta pelos dez ministros que integram a Terceira e a Quarta Turmas, é a responsável, no Tribunal, pelo julgamento dos processos que envolvam questões de direito privado. A orientação definida pela Seção será a seguida pelos ministros que compõem as duas Turmas.”7 Art. 104 – Reter o cartão magnético de conta bancária relativa a benefícios, proventos ou pensão do idoso, bem como qualquer outro documento com objetivo de assegurar recebimento ou ressarcimento de dívida: Pena...

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Os Bancos com seu enorme poderio econômico conseguiram

implementar uma legislação voltada para sua proteção, vendida como fosse uma

bondade para os aposentados, quando em verdade constitui em verdadeira armadilha. O

Banco não retém o cartão do benefício, mas o que é pior, retém de antemão o valor do

empréstimo, prejudicando, insistimos, o aposentado, sem que esse possa eleger as suas

prioridades de pagamentos.

A publicidade do Banco Bradesco e a forma de cooptação dos

aposentados, em momento algum alertaram para os riscos do superendividamento,

constituindo tal prática em omissão, violando a regra da veracidade, na dicção do art. 37

do CDC, ou seja, enganosa àquela publicidade “inteira ou parcialmente falsa, mesmo

que por omissão”8

Na feitura do citado dispositivo, o legislador brasileiro buscou

orientar o intérprete sobre a proibição da publicidade enganosa e abusiva, conceitos

estes ainda em construção no sistema jurídico nacional. A publicidade não está proibida,

e nem poderia fazê-lo o legislador, mas como leciona Antônio Herman de Vasconcelos

e Benjamin, “o legislador demonstrou colossal antipatia pela publicidade enganosa”9 e

continua “Provoca, está provado, uma distorção no processo decisório do consumidor,

levando-o a adquirir produtos e serviços que, estivesse melhor informado,

possivelmente não o faria”.10

É direito de ordem pública do consumidor, de não ser

enganado, direito este agora adotado pelo Direito brasileiro conforme anotou

Antônio Herman.11

A vulnerabilidade psíquica, econômica e social do aposentado

(idoso) elege como dever do agente financeiro, em bem esclarecer na publicidade de

todos os riscos na assunção do produto, in casu o empréstimo consignado, em especial

do superendividamento.

8 BRITO, Alício Maciel Lima de. O princípio da vulnerabilidade e a defesa do consumidor no direito brasileiro: origem e consequências nas regras regulamentadoras dos contratos e da publicidade. Texto extraído do Jus Navigandi. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8648 (p. 85-99).9 In Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Comentado pelos autores do Anteprojeto, 8.ª ed., Forense, 2004, p. 326.10 In Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Comentado pelos autores do Anteprojeto, 8.ª ed., Forense, 2004, p. 326.11 Idem, p. 327.

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Em sede de direito comparado, a questão do

superendividamento têm especial tratamento, com a possibilidade inclusive de fazer

desaparecer as dívidas, redução do montante devido, diminuição dos juros, retirada dos

dados negativos, na lição de Cláudia Lima Marques, a qual nos esclarece que o CDC

não regulou o endividamento, mas preocupou-se com os bancos de dados e impôs o

princípio da boa-fé.12 Evidentemente, a preocupação primária do legislador ao instituir o

CDC estava volta à inserção em bancos de dados, negativando os registros dos

devedores, inviabilizando o crédito.

Ocorre que, como enfatizado, desta vez os agentes financeiros,

com o seu poderio e influência nos setores políticos, adredemente acautelou com

legislação garantidora do recebimento do crédito, via consignação. Desse modo, ao

Banco pouco importa a hipótese do superendividamento, já que está garantido,

importando em flagrante desequilibrio contratual.

Para atrair os incautos, o Bradesco utilizou da prática mais

nefasta, silenciando sobre os riscos do endividamento. Como esclarece Antonio

Herman, o standard de enganosidade não é fixo, variando de categoria a categoria de

consumidores, exemplificando, parece que até prevendo a danosidade do empréstimo

consignado aos aposentados, as crianças, idosos, doentes, etc.13

O assunto da enganosidade no silêncio dos riscos do

endividamento (ou superendividamento) não passou desapercebido pelas entidades de

defesa dos aposentados. Veja que ainda no ano passado, o vice-presidente da Federação

de Aposentados e Pensionistas de Pernambuco, José Gilberto, alertava que devido ao

parcelamento dos pagamentos por um longo período, no futuro haverá dor-de-cabeça

para toda a família. 14

12 In Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. 4.a. edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 690.13 Idem, idem.14 Disponível em http://www.funape.pe.gov.br/downloads/clipping/Maio05/1505C.htm Confira-se: “Vai ser um desespero total”, afirma. Ele acrescentou que filhos, netos e até vizinhos têm pressionado aposentados e pensionistas para obter empréstimos mais baratos. O presidente do Sindicato de Trabalhadores Aposentados e Pensionistas e Idosos da Previdência Social de Pernambuco, Francisco Caetano, conta o caso de um servidor que contratou quatro empréstimos sucessivos, até atingir o limite de 30%, e agora está desesperado. Ele reclama dos familiares que tomam empréstimos através dos idosos e questiona a proliferação de instituições financeiras que oferecem a modalidade de crédito e cobram taxas abusivas. “O empréstimo consignado diminui o risco das instituições, mas elas ainda cobram despesas.”

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Inobstante a clarividência da necessidade de alertar os

consumidores/aposentados, com rendas escassas, dos riscos na contratação de um

empréstimo, a publicidade do Bradesco (réu) deixou de afirmar algo relevante e que, por

isso mesmo, induziu em erro, ao deixar de dizer o que deveria ter dito. 15

Continuando com a prática abusiva, o Banco Bradesco infringe

diversas normas do CDC, em especial a prática da publicidade abusiva ou enganosa, na

dicção do art. 31 do CDC, em detrimento do consumidor hipossuficiente, Assim, viola

os direitos básicos de adequada informação clara e precisa da contratação, em especial

afetando a saúde financeira do consumidor. Nesse diapasão, a cada momento teremos

mais um aposentado contraindo dívidas quiçá impagáveis, afetando não somente a

saúde financeira, mas à própria saúde física e mental.

Logo, cabe ao demandado o ônus da prova em contrário (cfe.

Art. 38 do CDC) e deverá o Banco Bradesco ser compelido a promover intensa

campanha publicitária, nos mesmos moldes da desenvolvida na cooptação dos

aposentados, como medida de contrapropaganda (art. 60 e § primeiro, do CDC).

2.2 CLÁUSULAS ABUSIVAS

O aproveitamento da hipossuficiência do consumidor constitui

medida abusiva, vedada pelo ordenamento jurídico, cabendo o destaque de que a

vulnerabilidade é um traço universal de todos os consumidores, mas a hipossuficiência

do aposentado salta aos olhos.

Se o consumidor, reconhecidamente é vulnerável, alguns são de

vulnerabilidade superior à média, como são os casos dos consumidores ignorantes e de

pouco conhecimento, de idade pequena ou avançada, como enfatizado por Antonio

Armam, aqueles cuja posição social não lhes permite avaliar com adequação o produto

ou serviço que estão adquirindo.16

15 O Ministério Público Federal em São Paulo busca junto aos Bancos atitudes mais corretas na publicidade do crédito consignado, conforme noticiado na Web, muito embora não diretamente voltado para a necessidade da informação precisa dos riscos do superendividamento. MPF/SP exige informação clara em publicidade sobre empréstimo.O Ministério Público Federal em São Paulo firmou termos de ajustamento de conduta (TAC) com 15 bancos. Matéria Disponível em http://www.juristas.com.br/forum/viewtopic.php?t=728&sid=6b02944a9854e912f4a15b37d923f1ac. Acesso em 30 de Julho de 2006.16 Op. Cit., p. 370.

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Com extrema precisão, o ilustre Defensor Público apontou a

existência de cláusulas confusas, de extrema complexidade, com termos

incompreensíveis, exemplificando àquelas da estipulação dos juros e dos valores do

empréstimo (vide fls. 09-10 e cláusulas 1.º e 2.º do contrato de adesão – fls. 38).17

O CDC estipula em seu art. 46, que nos contratos que regulam

as relações de consumo, quando os instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a

compreensão de seu sentido e alcance não obrigará aos consumidores.

Assim, exigível que as cláusulas sejam redigidas em linguagem

direta, cuja lógica facilita sobremodo sua compreensão18, e como salienta Cláudia

Marques, as expressões “sentido” e “alcance” do contrato, permitindo a análise da

transparência do instrumento contratual, quanto ao valor do pagamento, ao número de

prestações, à espécie de correção e acréscimo possível da dívida, ao tempo de duração

do vínculo contratual e o envolvimento em futuras prestações.19

Além dos caracteres em tamanho reduzido, a linguagem

utilizada pelo Banco é confusa, em que cada cláusula remete a outros itens, e somente

um expert poderia conseguir entender o exato sentido daquele emaranhado de palavras

em linguagem indireta. A tônica do instrumento padrão de adesão foi à remessa a outro

item.

O que ficava claro, era apenas que o comprometimento da renda

era de 30%, sem que os aposentados fossem informados do exato sentido do que estava

contratando, e o que mais grave, o envolvimento em futuras contratações. Veja que o

Banco trabalha com complexos cálculos, conhecendo o perfil do consumidor,

especialmente a grande massa dos aposentados. Desse modo, uma vez contratando o

primeiro empréstimo, não tardava em oferecer renegociação alongando a dívida, na

ciranda financeira.

Em sendo abusiva a cláusula, tendo em vista que não foi

redigida de forma clara e compreensível, não obriga aos consumidores. É o caso dos

aposentados, público alvo do contrato de adesão, lembrando a lição de Nelson Nery

17 Como que buscando uma aparência de legalidade, a cláusula 12.ª, no instrumento de adesão, diz que o devedor teria entendido o instrumento contratual em toda sua extensão.18 Confira-se: Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Comentado pelos autores do Anteprojeto, 8.ª ed., Forense, 2004, p. 543.19 Op. Cit., p. 668.

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Júnior, recomendando “palavras difíceis, termos técnicos e palavras estrangeiras não

deverão, por cautela, ser utilizados no formulário”.20

Logo, devem os aposentados ser desonerados das obrigações

contratadas, permitindo que possam solicitar junto ao INSS a alteração da entidade

financeira para receber suas aposentadorias, bem como cancelar a consignação em folha

e o mais importante, a adequação dos encargos e juros cobrados. Como a redação não

permitia a exata compreensão do seu sentido e alcance, o Estado-Juiz deve recompor o

equilíbrio, mandando aplicar a taxa legal dos juros previstos no Código Civil, ou outro

fator de remuneração do capital, de modo mais favorável ao consumidor.

3. DOS PEDIDOS

3.1 DO PEDIDO DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

Desde logo, tratando-se de relação de consumo, em que o

consumidor está em nítida desvantagem, requer a inversão do ônus probatório, com

apoio no art. 6.º, inciso VIII, do CDC.

Dada à verossimilhança das alegações expendidas ao longo da

inicial e em nossa manifestação, além da própria hipossuficiência dos consumidores

lesados/aposentados, cabendo a inversão do ônus probatório.

Ao longo do arrazoado, restou demonstrado que o réu subverteu

o sistema legal, inserindo em sua publicidade material de conteúdo subliminar, cuja

negativa caberá ao demando demonstrar, via elementos que possui em seu poder.

Por outro lado, as práticas de marketing foram direcionadas de

modo à obnubilar o normal discernimento dos consumidores, não informando

adequadamente dos riscos do fator do superendividamento.

Não suficiente, ainda na contratação formal, as cláusulas foram

redigidas de modo que impediam a correta compreensão de seu sentido e alcance.

3.2 DAS PROVAS REQUERIDAS

20 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Comentado pelos autores do Anteprojeto, 8.ª ed., Forense, 2004, p.544.

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Contudo, na hipótese de o pedido de inversão probatória não ser

deferido pelo juízo, desde logo reservando o direito de requerê-las, em especial à

submissão do modus operandi da demandada à perícia oficial.

O CDC obriga às empresas, via art. 36 e seu § único, que

conservem em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos,

técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem.

Assim, para cabal demonstração do alegado, é mister que

venham aos autos tais materiais, quando veiculava as mensagens publicitárias, incluídos

os comerciais inseridos na mídia (Televisão, Rádio, Imprensa escrita e Internet)

voltadas ao público alvo na captação (ou cooptação) dos aposentados. Nesse sentido,

não poderá faltar, os métodos utilizados no próprio interior das agências bancárias e/ou

contratação de agentes para assediar o público alvo.

Este material servirá, como afirmado, para perícia judicial

visando comprovar todos os fatos alegados.

3.3. DANO MORAL COLETIVO

O dano moral coletivo está consagrado expressamente no

ordenamento jurídico brasileiro, ex vi do art. 6. V, do CDC e art. 1º da Lei 7.347/85.

Cite-se inicialmente a redação do art. 6º da Lei 8.078/90 (Código

de Defesa do Consumidor), dispositivo que elenca os direitos básicos do consumidor,

verbis: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VI – a efetiva proteção e

reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; (...) VII – o

acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de

danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (...)” – grifou-se.

De modo mais evidente, até porque abrangendo qualquer espécie

de direito difuso ou coletivo (em sentido estrito), foi a alteração legislativa do caput do

art. 1º da lei 7.347/85, promovida em junho de 1994 pela Lei 8.884.

Antes da Lei 8.884/94, a redação do caput era a seguinte: “Art.

1º Regem-se, pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de

responsabilidade por danos causados (...)” aos direitos coletivos, na seqüência,

indicados.

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Em 11 de junho de 1994, foi promulgada a Lei 8.884, a qual

estabeleceu a seguinte redação ao citado art. 1º: “Regem-se, pelas disposições desta lei,

sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e

patrimoniais causados: [...]” – grifou-se.

Observa-se, com a nova redação, o propósito legal de proteger,

por meio de ação de responsabilidade, aspectos morais (rectius: não patrimoniais) dos

direitos coletivos e difusos. A nova redação do art. 1º objetivou apenas explicitar que os

danos ali referidos são os morais e patrimoniais.

Carlos Alberto Bittar Filho conceitua o dano moral coletivo

como “injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação

antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos.” Em seguida, esclarece:

“Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o

patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente

considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista

jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu

aspecto imaterial. Tal como se dá na seara de dano moral individual, aqui também não

há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples

fato da violação (damnum in re ipsa).” 21

No que diz respeito à finalidade da condenação, sustenta ser

necessária utilização “da técnica do valor de desestímulo, a fim de que se evitem novas

violações aos valores coletivos, a exemplo do que se dá em tema de dano moral

individual; em outras palavras, o montante da condenação deve ter dupla função:

compensatória para a coletividade e punitiva para o ofensor; para tanto, há que se

obedecer, na fixação do quantum debeatur, a determinados critérios de razoabilidade

elencados pela doutrina (para o dano moral individual, mas perfeitamente aplicáveis ao

coletivo), como, v.g., a gravidade da lesão, a situação econômica do agente e as

circunstâncias do fato.” 22

Em relação à função dos danos morais coletivos o entendimento

absolutamente majoritário aponta seu caráter punitivo. A condenação por dano moral

21 Dano moral coletivo no atual contexto brasileiro. Revista de Direito do Consumidor n. 12. São Paulo, Revista dos Tribunais, out-dez, 1994, p. 55.22 Ibid., p. 59.

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coletivo nada mais seria do que uma sanção de natureza civil por ofensa a direitos

coletivos ou difusos.

Em se tratando de direitos difusos e coletivos (stricto sensu), a

reparação por dano moral (rectius: extrapatrimonial) se justifica em face da presença do

interesse público em sua preservação. Trata-se, ademais, de mais um meio para conferir

eficácia à tutela de tais interesses.

A propósito, destaque-se conceituação doutrinária realizada por

Vitor Fernandes Gonçalves em trabalho monográfico (Doutorado): “a indenização

punitiva (punitive damages) é uma pena privada consistente em um prestação em

dinheiro a que pode ficar obrigado o réu condenado em uma determinada ação civil que

tenha, em regra, o objetivo de pleitear uma indenização por um prejuízo causado por um

ato ilícito de natureza especialmente grave, sendo deferida em adição à indenização

puramente compensatória que for comprovada.” Após, o autor, em suas conclusões,

ensina: “A aplicação de penas civis é já corrente no Brasil, nas hipóteses do dano moral,

individual ou coletivo, das indenizações punitivas múltiplas, do sinal, da cláusula penal,

da cláusula resolutiva e do preceito cominatório, podendo-se por isso sustentar que a

imposição de uma indenização punitiva não é estranha ao âmbito da responsabilidade

civil (...) constitui apenas mais um instrumento posto à disposição dos jurisdicionados

pelo Estado para a garantia do cumprimento das leis.” 23– grifou-se.

Até autores que apresentam resistência em relação à função

punitiva da responsabilidade civil, aceitam tal possibilidade quando se trata de violação

a direitos metaindividuais. Fernando de Noronha, que considera secundária a função

sancionatória da responsabilidade civil, afirma que ela assume especial relevo diante de

ofensa aos direitos coletivos: “Em especial quanto aos danos transindividuais [...], com

destaque para os resultantes de infrações ao meio ambiente, tem sido muito enfatizada a

necessidade de punições "exemplares", através da responsabilidade civil, como forma de

coagir as pessoas, empresas e outras entidades a adotar todos os cuidados que sejam

cogitáveis, para evitar a ocorrência de tais danos. A Lei da Ação Civil Pública (Lei n.

7.347/85) indiretamente veio estimular a imposição dessas punições através do instituto

23 A punição na responsabilidade civil: a indenização do dano moral e da lesão a interesses difusos. Brasília, Brasília Jurídica, 2005, p .247 e 250

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da responsabilidade civil, quando abriu a possibilidade de condenação em indenizações

que revertem para fundos de defesa de direitos difusos [...]”24

Maria Celina Bodin de Moraes defende a possibilidade da

função punitiva para situações de ofensa a direito difuso, verbis: “E de aceitar-se, ainda,

um caráter punitivo na reparação de dano moral para situações potencialmente

causadoras de lesões a um grande número de pessoas, como ocorre nos direitos difusos,

tanto na relação de consumo quanto no Direito Ambiental. Aqui, a ratio será a função

preventivo-precautória, que o caráter punitivo inegavelmente detém, em relação às

dimensões do universo a ser protegido.” 25

Como argumento adicional para o reconhecimento do caráter

punitivo do dano extrapatrimonial coletivo, o qual afasta a crítica quanto à possibilidade

da função punitiva gerar enriquecimento da vítima, destaque-se que o valor da

condenação não vai para o autor da ação coletiva, ele é convertido em benefício da

própria comunidade, ao ser destinado ao Fundo criado pelo art. 13 da Lei 7.347/85 (Lei

da Ação Civil Pública), regulamentado, em nível nacional, pela Lei 9.008/95.

A conclusão, portanto, é que o denominado dano moral coletivo

constitui-se em hipótese de condenação em valor pecuniário com função punitiva em

face de ofensa a direitos difusos e coletivos (em sentido estrito).

Em relação à fixação do valor do dano moral coletivo, deve-se,

em face do seu caráter punitivo, avaliar as circunstâncias da lesão ao direito coletivo na

espécie.

Como já destacado ao longo da inicial, há ofensa flagrante ao

CDC, aproveitando da posição do consumidor hipossuficiente, aumentando o

contingente dos problemas sociais brasileiros. Além disso, deve-se considerar,

evidenciando a maior gravidade da lesão: 1) O expressivo número de pessoas lesadas

(centenas de milhares de pessoas):26 2) O tempo de aproveitamento do crédito

consignado; 3) Valor da receita obtida (ilicitamente) com ausência do dever geral de

informação e das cláusulas abusivas, redigidas de forma incompreensível.

24 Direito das obrigações. São Paulo, Saraiva, 2003. p. 441-442.25 Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro-São Paulo: Renovar, 2003, p. 263.

26 O número exato de consumidores lesados somente poderá ser obtido quando o Banco disponibilizar tais dados, o que deverá ser objeto de apreciação judicial ao longo da instrução.

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Na fixação do valor da condenação por dano moral coletivo,

deve-se, ponderar, especialmente, altos lucros auferidos pela ré ao tempo que usufruiu

da posição privilegiada na captação da clientela.

Para que se obtenha verdadeiro caráter punitivo, em face de tão

grave violação à ordem jurídica e a direitos coletivos, sugere-se que o valor do dano

moral coletivo (quantum debeatur) seja o equivalente a 10 % (dez por cento) da receita

líquida auferida com os aposentados, a ser apurado mediante perícia contábil, ou

requisição dos dados corretos junto ao Banco Central do Brasil.

3.4 DA ANTECIPAÇÃO DA TUTUELA

3.4.1 - Do periculum in mora –

Conforme consta na inicial e demais notícias aqui relacionadas,

as instituições brasileiras via PROCON e Ministério Público (e tardiamente o INSS)

estão interferindo na seara, buscando amenizar os malefícios do crédito consignado, via

publicidade informativa, dos riscos do superendividamento. A responsabilidade social

do réu, o Banco Bradesco, impõe que desde logo seja compelida a adequar seus

instrumentos contratuais, mediante a inserção de cláusulas redigidas de forma clara e

compreensível, em caracteres ostensivos e em tamanho compatível com o público alvo,

in casu os aposentados/consumidores, pois a cada contrato/consignação que vier a ser

tomado entre o Bradesco e consumidor aposentado, aumenta a massa dos endividados e

os problemas sociais daí decorrentes.

A notícia trazida à baila pela defensoria pública de que cada 10

pessoas que buscam os serviços da assistência jurídica do Estado, seguramente sete

estão em situação de superendividamento caracteriza o perigo na demora. Cabe nessa

hora a lúcida intervenção do Poder Judiciário, para reequilibrar o sistema jurídico,

afetado pela prática nefasta do Banco Bradesco.

A necessidade de contrapropaganda é latente, cabendo ao Banco

agir ostensivamente para esclarecer adequadamente os futuros consumidores, dos riscos

do negócio, em especial do superendividamento, tal como narrado pela Defensoria

Pública.

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Sendo assim, o perigo na demora do provimento se torna ainda

mais ameaçador para os bens jurídicos sob tutela. Realça-se a dificuldade na reparação

dos danos, em face da dispersão e quantidade de lesados.

Por outro lado, a retenção dos benefícios inibe o consumidor de

eleger suas prioridades, em especial no atendimento das necessidades básicas e

manutenção da família, parte mais fraca na relação consumerista, podendo o Banco

utilizar dos meios suasórios para cobrar eventuais débitos.

A antecipação da tutela é garantia do princípio constitucional da

igualdade (CF, artigo 5º, caput), pois funciona como instrumento de eqüidade,

equilibrando as distorções experimentadas pelos lesados. A antecipação da tutela

também é extremamente eficaz por inibir futuras violações ao direito reclamado. A

demora na entrega da prestação jurisdicional contribui para reafirmar a lesão ao direito

do consumidor, postergando os efeitos nefastos dos prejuízos patrimoniais já sofridos.

Quando o direito afirmado pelo autor já se mostra de plano

verossímil e acompanhado de prova inequívoca, impende o seu reconhecimento

imediato pelo Poder Judiciário, evitando-se a ocorrência de outras violações aos direitos

do consumidor.

Ademais, a demora na prestação jurisdicional certamente

comprometerá a eficácia do pedido inibitório que visa evitar dano grave (de imensas

proporções) e iminente.

Por outro lado, não há o periculum in mora inverso, pois o que

se pretende antecipar é a parcela do pedido que visa obstar futuras violações aos direitos

dos consumidores, em nada interferindo no desempenho e na lucratividade da empresa,

concernente aos serviços honestamente e lealmente prestados ao consumidor.

Demais disso, o provimento jurisdicional pode ser revertido a

qualquer tempo, retornando-se ao stato quo ante (CPC, art. 273, § 3º).

3.4.2 - fumus boni iuris –

O agir do Bradesco contraria os princípios norteadores do CDC,

em especial da propaganda ilícita e da inserção de cláusulas abusivas, descurando da

boa-fé objetiva.

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Como sobressai da Constituição Federal, o sistema financeiro,

in casu o Banco Bradesco, ora ré, devem ser estruturados de forma a promover o

desenvolvimento equilibrado do País e servir aos interesses da coletividade. A forma

como vem agindo contrária frontalmente o postulado constitucional.

As normas do CDC, quando cogitam da publicidade perniciosa,

aqui flagradas nas mensagens com conteúdo subliminar e na omissão do devido

esclarecimento, revelam na fase incipiente do processo, que o Banco desvirtuou o

sentido da publicidade, sem a devida transparência e confiança, contidos no art. 36 e 37

do CDC.

Destarte, reitera o pedido de antecipação de tutela formulado

pela Defensoria Pública, acrescido das medidas de contrapropaganda, nos mesmos

moldes da campanha institucional promovida pelo Banco na captação ou cooptação dos

consumidores aposentados, em especial na propaganda veiculada nos meios de

comunicação de massa (TV, Rádio e Internet) e ainda fazendo inserir em tamanha

compatível os caracteres do contrato, chamando a atenção para o percentual de juros ao

mês/ano e de todo o contrato, demais encargos decorrentes, alterando a forma da

redação das cláusulas, fazendo em linguagem direta e clara, tal como determina a

legislação consumerista. Deverá, ainda, como consta na inicial, alertar de forma clara os

consumidores para os riscos do negócio, em especial do comprometimento de parte

substancial da renda, configurando o superendividamento.

Para o caso de descumprimento da tutela antecipada, que seja

fixada, multa compatível com a finalidade de prestigiar o comando judicial, nos moldes

preconizados na inicial da defensoria pública, para cada item descumprido, ou seja, a

cada contrato firmado sem as alterações pedidas, a fixação de multa de R$ 100.000,00

(cem mil reais).

Quanto às medidas de contrapropaganda, em caso de

descumprimento, fixar multa diária em valor compatível, preferencialmente no mesmo

valor da campanha promovida pelo Banco na captação da clientela específica, cujo valor

correto deverá ser apurado ao final27, e enquanto não for definido, no valor de R$

100.000,00 (cem mil reais) para cada dia de descumprimento, ou valor que ao prudente

27 Muito a propósito, a legislação consumerista impõe ao fornecedor, manter em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e cientificos que dão sustentação à mensagem (Parágrafo único, art. 36, da Lei 8.078/90).

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arbítrio do magistrado entenda como adequado. Sem embargo do pedido da Defensoria

Pública, de fixar as medidas de contrapropaganda sob pena de multa em R$

1.000.000,00 (um milhão de reais), muito embora razoável, talvez não atingisse o

desiderato imediato de efetivar o cumprimento da medida, e assim a multa diária

imposta, poderia revelar-se mais eficaz, fixando um prazo razoável para o início do

cumprimento da medida da contrapropaganda, de cinco (05) dias após a intimação.

Outro pedido, não elencado na inicial da Defensoria Pública, diz

respeito à autorização para retenção dos valores e da consignação dos valores

diretamente ao INSS. Tendo o réu agido contrariamente ao princípio da boa fé e

descumprindo regra do CDC, devem os aposentados ser desonerados das obrigações

contratadas, permitindo que possam solicitar junto ao INSS a alteração da entidade

financeira para receber suas aposentadorias, bem como cancelar a consignação em folha

e o mais importante, a adequação dos encargos e juros cobrados. Como a redação não

permitia a exata compreensão do seu sentido e alcance, o Estado-Juiz deve recompor o

equilíbrio, mandando aplicar a taxa legal dos juros previstos no Código Civil, ou outro

fator de remuneração do capital, de modo mais favorável ao consumidor, até solução

definitiva da lide.

Após o deferimento dos pedidos de antecipação de tutela, reitera

o pedido de designação de audiência de conciliação.

3.5 DO PEDIDO DE MÉRITO

Em face do exposto, requer-se:

No mérito, a confirmação das medidas requeridas a título de

antecipação de tutela e a condenação da empresa ré na indenização por danos morais

coletivos, ou no valor mínimo de 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) como sugerido

na inicial da defensoria pública, ou nos termos aduzidos no pedido do Ministério

Público na obtenção do verdadeiro caráter punitivo, em face de tão grave violação à

ordem jurídica e a direitos coletivos, sugerindo que o valor do dano moral coletivo

(quantum debeatur) seja o equivalente a 10 % (dez por cento) da receita líquida auferida

com os aposentados, a ser apurado mediante perícia contábil, ou requisição dos dados

corretos junto ao Banco Central do Brasil.

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Requer, ainda, que a empresa ré seja citada para, querendo,

contestar os termos da presente ação coletiva, com as advertências de praxe, em especial

aos efeitos da revelia, a publicação do edital previsto no art. 94 da Lei 8.078/90, a

inversão do ônus da prova e condenação da ré no ônus da sucumbência.

Protesta por todos os meios de prova admitida em direito.

Dá à causa o valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais).

Brasília – DF, 31 de Julho de 2006.

PAULO ROBERTO BINICHESKI

Promotor de Justiça

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