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AGROECOLOGIA EDESENVOLVIMENTO
RURAL SUSTENTÁVEL
AGROECOLOGIA EDESENVOLVIMENTO
RURAL SUSTENTÁVEL
AGROECOLOGIA EDESENVOLVIMENTO
RURAL SUSTENTÁVEL
AGROECOLOGIA EDESENVOLVIMENTO
RURAL SUSTENTÁVELRevista trimestral publicada pela Emater/RSRevista trimestral publicada pela Emater/RSRevista trimestral publicada pela Emater/RS
Planalto das Araucárias:um ecossistema em perigo de extinção?
Reforma agrária: oportunidades de contribuição para todos
Produção agrícola biológica (orgânica)em Portugal
Planalto das Araucárias:um ecossistema em perigo de extinção?
Reforma agrária: oportunidades de contribuição para todos
Produção agrícola biológica (orgânica)em Portugal
Planalto das Araucárias:
Reforma agrária:
Produção agrícola biológica (orgânica)em Portugal
um ecossistema em perigo de extinção?
oportunidades de contribuição para todos
ISSN 1519-1060
ASCAR
ASSOCIAÇÃOSULINA DE CRÉDITO EASSISTÊNCIA RURAL
Porto Alegre/RSBRASILV.2, nº 4,Out/Dez 2001
Porto Alegre/RSBRASILV.2, nº 4,Out/Dez 2001
ArtigosArtigos
Entrevista
Ignacy SachsEntrevista
Ignacy Sachs
Sustentabilidade da agricultura argentina
Tópico Especial
Sustentabilidade da agricultura argentina
Fórum Mundial em Havanae as discussões sobresoberania alimentar
Opinião
Fórum Mundial em Havanae as discussões sobresoberania alimentar
Dicas
EcolinksResenhas
AlternativaTecnológicaAlternativaTecnológica
Dicas
EcolinksResenhas
3 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
Editorial
Um novo mundo é possível, uma nova agricultura é necessária
Tendo como tema central "O saber ambiental
reconduzindo a humanidade para um mundo melhor", o
II Seminário Internacional sobre Agroecologia, realiza-
do em Porto Alegre, foi marcado pela participação de
2,3 mil pessoas provenientes de 13 países e de 17 Esta-
dos brasileiros. Por essa razão, Agroecologia e Desen-
volvimento Rural Sustentável dedica entrevista e repor-
tagem sintetizando alguns dos enfoques defendidos no
Seminário, cujos mais de 50 palestrantes abordaram seus
temas desde a perspectiva de agricultores que experi-
mentam processos de transição agroecológica, de técni-
cos atuantes na linha de fronteira de sistemas ecológi-
cos de produção, de extensionistas rurais comprometi-
dos com o desenvolvimento rural, de estudantes que
defendem uma nova formação profissional, assim como
de professores, pesquisadores e cientistas de renome
internacional. A Carta Agroecológica 2001, aprovada
unanimamente e encaminhada à coordenação do II Fó-
rum Social Mundial, reflete os compromissos e eviden-
cia a qualidade do Seminário, que, em termos de dimen-
são, constituiu o maior evento sobre Agroecologia já re-
alizado no mundo. Esse número também apresenta arti-
go de Cristóvão e seus colegas, examinando a evolução
da produção agrícola de base ecológica em Portugal. Evi-
dências indicam que as motivações de agricultores e
consumidores, para produtos limpos, vêm se expandin-
do e alterando substancialmente. Ao superar a condição
de linha marginal, a produção ecológica se firma e pas-
sa a exigir, em toda Europa, crescente apoio institucio-
nal que, articulado com políticas públicas de caráter es-
trutural, amplie as oportunidades de aprendizagem,
permitindo à sociedade alcançar suas expectativas nes-
se campo. Os autores sugerem a multiplicação de even-
tos de reflexão e divulgação, pois a deficiência de infor-
mação tende a mostrar-se cada vez mais limitante, dada
a complexidade e sofisticação da agricultura de base
ecológica em relação aos modelos simplificados da agri-
cultura química convencional. Na mesma perspectiva,
Pengue questiona a viabilidade do modelo agrícola em
que se apoia a economia da Argentina, sublinhando que
os estímulos atuais, centrados unicamente nas
comodities, é perigoso, excludente e insustentável. Be-
neficiando apenas um reduzido grupo de grandes pro-
dutores com maior capacidade financeira e poder de
negociação, a política agrícola argentina estaria equivo-
cada porque sacrifica pequenos e médios agricultores,
ignorando suas potencialidades para o atendimento do
mercado global de produtos orgânicos, cuja dimensão
alcança cerca de US$ 20 bilhões e segue crescendo de
forma exponencial. Criticando postura dessa natureza,
Ignacy Sachs a comparou com o esforço aplicado de for-
ma míope no sentido de beneficiar um pequeno arquipé-
lago de unidades produtivas de cunho empresarial, sem
perceber que as mesmas estão imersas em um vasto oce-
ano de agricultores familiares. Peter Rosset sustenta
que o desenvolvimento dos países pobres exigirá o forta-
lecimento da agricultura familiar, reclamando como ur-
gentes e imprescindíveis políticas públicas consisten-
tes, incluindo instrumentos de suporte à expansão dos
mercados internos e à conversão das matrizes produti-
vas e tecnológicas atuais para outras, de base ecológica.
Rosset propõe, ademais, que o sucesso das reformas agrá-
rias também dependerá da aplicação do enfoque agroe-
cológico, pois a agricultura familiar depende da biodi-
versidade ao operar em lógica distinta daquela dos mo-
delos empresariais que buscam maximizar a renda ex-
pandindo monoculturas de exportação. Artigo assinado
por Melgarejo aborda questão similar ao examinar carac-
terísticas comuns a 90 assentamentos no Rio Grande
do Sul. Convergindo para vantagens comparativas da
agricultura familiar ali estabelecida, e interpretando-a
como importante instrumento para a construção e o de-
senvolvimento de tecidos sociais no espaço rural, des-
taca algumas áreas onde a contribuição voluntária de
qualquer cidadão se torna relevante para a consolidação
de resultados. Já o artigo de Bristot focaliza a evolução e
o atual risco de perdas ecológicas no Planalto das Arau-
cárias, ecossistema de enorme importância para os Cam-
pos de Cima da Serra. Como de praxe, este número ain-
da oferece alternativas tecnológicas e relatos de experi-
ências (a água de cinza e cal como fertiprotetor e a terra
de diatomáceas na proteção de grãos armazenados), além
de ecolinks e resenhas bibliográficas. Finalmente, vale
destacar que esta Revista, que completa agora dois anos,
testemunhou as três edições de nosso evento sobre Agro-
ecologia, colaborando na construção de conhecimentos
e saberes aplicados à agricultura sustentável e ao de-
senvolvimento rural. E, como bem resumiu o presiden-
te da Emater/RS durante o II Seminário Internacional
sobre Agroecologia: "Se um novo mundo é possível, uma
nova agricultura é necessária".
Boa leitura para todos.
4Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
Revista da Emater/RSv. 2, n.4, Out/Dezt/ 2001
Coordenação Geral : Diretoria Técnica da EMATER/RS
Conselho Editorial: Ângela Felippi, Alberto Bracagi oli, AriHenrique Uriartt, Dulphe Pinheiro Machado Neto, Ero s MarionMussoi, Fábio José Esswein, Francisco Roberto Capor al,Gervásio Paulus, Jaime Miguel Weber, João Carlos Ca nuto, JoãoCarlos Costa Gomes, Jorge Luiz Aristimunha, Jorge L uiz Vivan,José Antônio Costabeber, José Mário Guedes, Leonard o AlvimBeroldt da Silva, Leonardo Melgarejo, Lino De David , LuizAntônio Rocha Barcellos, Nilton Pinho de Bem, Renat o dosSantos Iuva, Rogério de Oliveira Antunes, Soel Anto nio Claro.
Editor Responsável: Jorn. Ângela Felippi - RP 7272Editoração de Texto: Mariléa Fabião BorralhoProjeto Gráfico e Ilustração: Sérgio BatsowDiagramação: Nina de OliveiraRevisão: Deise MietlickiFotografia: Kátia Farina Marcon, Rogério da S. Fern andes,Leonardo MelgarejoPeriodicidade: TrimestralTiragem: 3.000 exemplaresImpressão: La SalleDistribuição: Biblioteca da EMATER/RS
EMATER/RSRua Botafogo, 1051Bairro Menino Deus90150-053 - Porto Alegre - RSTelefone: 51- 3233-3144Fax: 51- 3233-9598
Endereço eletrônico da revistahttp://www.emater.tche.br/docs/agroeco/revista/revista.htm
E-mail: [email protected]
A Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é umapublicação da Associação Riograndense de Empreendimentos deAssistência Técnica e Extensão Rural - EMATER/RS.Os artigos publicados nesta Revista são de inteira responsabilidadede seus autores.
CartasAs instituições interessadas em manter permuta podem enviar cartaspara a bibliotecária Mariléa Fabião Borralho, EMATER/RS, RuaBotafogo, 1051, 2° andar, Bairro Menino Deus, CEP 90.150.053Porto Alegre/RS ou para [email protected] .ISSN 1519-1060
SUMÁRIO
Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.| Porto Alegre| v.2| n.4| p.1-74| out./dez.2001
EEntrevista 5Ignacy Sachs fala sobre agricultura familiar
RReportagem 11II Seminário Internacional sobre Agroecologia reúne2,3 mil pessoas
OOpinião 16É possível garantir a soberania alimentar a todos o spovos?Siliprandi, Emma
RRelato de EExperiência 20Redução do impacto ambiental na produção de carvão...Encarnação, Fabio
AArtigo 24Planalto das araucárias - um ecossistema em perigo deextinção?Bristot, A.
AA lternativa TTecnológica 32Terra de diatomáceas como alternativa no controle depragas de milho armazenadoLorini, Irineu; Ferreira Filho, Armando; Barbieri, Itacir;Demaman, Norberto Angelo; Martins, Ricardo Ramos;Dalbello, Osvaldir
AArtigo 37Produção Agrícola Biológica (Orgânica) em PortugalCristóvão, Artur; Koehnen, Timothy; Strecht, António
Tópico Especial 48Agricultura argentina, sustentável até quando?Pengue, Walter Alberto
EEconotas 53
DDica AAgroecológica 55Uso de água de cinza e cal como fertiprotetor de plantas
Eco Links 57
AArtigo 58O desenvolvimento, a reforma agrária e os assentamentosMelgarejo, Leonardo
RResenha 69
NNormas editoriais 74
5 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
"Não há produto agrícola que não seja compatível com a agricultura familiar"
Entrevista/Ignacy Sachs
Felip p i, Â n g ela*
Para o economista francês Ignacy Sachs,diretor da École des Hautes Études en Scienses
Sociales, em Paris, a agricultura familiar pode
ser a alavanca de um novo ciclo de desenvol-vimento no Brasil. Isso depende do balanço
de forças políticas no país e pode ser viabiliza-
do através do estímulo ao empreendedorismocoletivo, com projetos grupais e crédito soli-
dário, priorizando atividades que gerem em-
prego.Sachs esteve em Porto Alegre/RS pales-
trando no II Seminário Internacional sobre
Agroecologia, promovido pelo governo do Esta-do, por meio da EMATER/RS e FEPAGRO, em
novembro. "Qualquer política de desenvolvi-mento que pretenda ser sustentável deve ter
como peça-chave a agricultura familiar", afir-
mou na palestra que reuniu duas mil pesso-as, entre agricultores, extensionistas, estu-
dantes e pesquisadores de 13 países.
Assessor das Nações Unidas e um dos prin-cipais pensadores do desenvolvimento sus-
tentável e teórico do ecodesenvolvimento,
Sachs fala, nessa entrevista, da extensão eda pesquisa para o desenvolvimento do rural,
das possibilidades de incorporação do setor
informal na economia formal. A entrevista foirealizada quando o economista esteve em
Porto Alegre.
Revista - O senhor afirmou que a agricul-
tura familiar pode se tornar a base de um
novo ciclo de desenvolvimento no Brasil.Como interpreta a afirmativa de Graziano* Ângela Felippi é jornalista da Emater/RS.
6Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
Entrevista/Ignacy Sachs
José da Silva (USP) de que em um novo mo-
delo de desenvolvimento, a agricultura fa-
miliar não deverá ser vista como um dosúnicos ou sequer como um dos principais
atores?
Ignacy Sachs - Estou totalmente de acordocom José Graziano de que não deve ser o úni-
co elemento. Acho que pode ser o principal e
creio que se há uma aparente diferença deposição, ela vem de um problema semântico.
Para Graziano, o fato da pluriatividade cons-
titui, em certo sentido, um fim da agricultu-ra familiar, porque ele vê a agricultura fami-
liar como um sistema de produção exclusiva-
mente agrícola. E acho que há menos dife-rença do que parece se se introduz nesse de-
bate a pluriatividade e o fato de que não dá
mais para a agricultura familiar ser unica-mente centrada na agricultura. Mas dá para
que a família continue a priorizar a agricul-
tura familiar e, ao mesmo tempo, que váriosmembros dessa mesma família sejam mobi-
lizados, incluídos em outros
mercados de trabalho. Não valea pena exagerar as diferenças.
Isso também vai depender de
que forma tomarão os assen-tamentos. Por exemplo, aque-
le modelo de assentamento ao
redor do dendê, não é maisunicamente agricultura, por-
que vai ter lá empregos de me-
cânicos, de motoristas, de ele-tricistas. Na medida em que um assentamen-
to desse tipo comporta 500 famílias deve ter
várias pessoas na escola, no centro de saúde.Finalmente, onde eu não estou totalmen-
te de acordo com o Graziano é quando ele diz
que essa agricultura não é mais conduzidaem base familiar. Ela não é uma empresa. É
a última parte da pluriatividade da família que
precisamente continua a se reger pela lógicada agricultura camponesa, aquela lógica que
foi analisada por Chayanov e outros, a unida-
de de produção e a unidade familiar de con-
sumo são a mesma coisa e, portanto, não se
aplicam à produção regras de racionalidade
da economia de mercado.
Revista - Gostaria que o senhor comen-
tasse sobre as possibilidades de conciliaressa óticas contraditórias: a que apresenta
a reforma agrária como essencial e a que
apresenta a agricultura familiar como pou-co relevante.
Sachs - A reforma agrária é essencialmen-
te o assentamento de famílias sobre terrasàs quais não tinham acesso. É possível ima-
ginar teoricamente uma reforma agrária que
parta para outros tipos de organização socialque não sejam a família. Eu acho que nas con-
dições brasileiras, a reforma agrária essen-
cialmente passa pela agricultura familiarassociada a várias formas de empreendedo-
rismo coletivo, que é a única forma de au-
mentar o poder de barganha, a capacidade denegociação e criar também certas economi-
as de escala para o conjunto
das famílias.
Revista - Qual sua visão a
respeito do papel da extensãorural pública e privada e o pa-
pel da pesquisa nesse proces-
so de desenvolvimento?Sachs - Eu acho que para
que a agricultura familiar pos-
sa se desenvolver ela necessi-ta acesso à terra, aos conhecimentos - o que
significa, de um lado, tecnologia e, do outro,
capacitação -, ao crédito, aos mercados. Nãodá para imaginar essa agricultura campone-
sa, familiar, sem uma extensão rural dinâ-
mica, e não dá para imaginar que essa ex-tensão rural dinâmica possa ser privada. Po-
demos discutir que forma de instituição ru-
ral pública deve ser adotada. Pode haver vári-as modalidades. Por outro lado, não acredito
que as prioridades de pesquisa que possam
ter as empresas privadas correspondam inte-
"Não dá para imaginaressa agricultura familiar
sem uma extensão rural
dinâmica, e não dá para
imaginar que essa
extensão possa ser privada"
7 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
gralmente ao que ne-
cessita o pequeno pro-dutor. Eu sou um fir-
me defensor da pes-
quisa pública.
Revista - A globa-
lização está provo-cando um encolhi-
ment o do Est ado ,
que presta um servi-ço à comunidade ,
nesse caso à agricul-
tura fami l iar. Quepossibilidades o se-
nhor vê diante dessa
situação?Sachs - Vou sur-
preender. Vocês não estão em nenhum pro-
cesso de globalização. A globalização está sen-do usada para justificar mil coisas. Está sen-
do utilizada como o bicho-papão. Esse país
tem nove pessoas em dez que trabalham parao mercado interno. Tem ainda um Estado que
alguns consideram mais inchado e é obvio
que pode se imaginar um Estado mais enxu-to, mas não dá para imaginar que se possa
ter desenvolvimento sem um Estado sobera-
no. Quanto mais se acredita no perigo da glo-balização, tanto mais se deve se insistir so-
bre um controle do Estado. Não em uma volta
ao estadismo do passado. Inclusive, eu nãocreio que os problemas essenciais atuais pos-
sam ser todos analisados a partir do prisma
"a globalização avança". A globalização avan-çou terrivelmente em matéria financeira e
na mídia. Na produção, não. Olhem os proble-
mas ao contrário: o que está acontecendo nopaís e o que falta para ser feito, em vez de
sempre se reportar à globalização como uma
referência que permeia tudo. É um falso pro-blema. O problema, hoje, está na mobilização
das forças em prol do desenvolvimento. O pro-
blema está no enfrentamento das modificaçõesque estão surgindo em vários países, inclusi-
ve neste, consideradas como perigosas para o
futuro do processo de desenvolvimento.Revista - No Rio Grande do Sul, existe
uma reação de setores ligados à agricultu-
ra patronal em relação à opção da extensãorural pela agricultura familiar e às políti-
cas públicas que o governo do Estado desen-
volve prioritariamente para essa forma deagricultura. Como o senhor vê isso em rela-
ção a um novo ciclo de desenvolvimento?
Sachs - Eu não disse que vai haver esseciclo. Eu disse que o Brasil é um país que tem
as melhores condições do mundo para promo-
ver esse ciclo, baseado, para mim, na agri-cultura familiar. Dependendo do balanço de
forças políticas no país, isso vai acontecer
amanhã, ou vai acontecer daqui a 20 anos,ou não vai acontecer nunca. É obvio que esse
modelo de desenvolvimento significa outra
coisa diferente do modelo de apoio à grandeagricultura patronal voltada para a exporta-
ção, sobre a qual eu tenho uma visão mode-
radamente crítica, que não vai ao ponto denegar a existência dessa agricultura, nem o
fato de que ela deu um salto tecnológico enor-
me para frente e, sobretudo, vocês estão nasituação afortunada de ter tanta disponibili-
Entrevista/Ignacy Sachs
8Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
dade de terra, que dá para ter as duas. Por-
tanto, não sei o que vai acontecer.É natural que os proponentes da agricultu-
ra patronal voltada para o mercado externo
queiram mobilizar o máximo de recursos dis-poníveis do Estado e que para eles é muito
mais importante perdoar as dívidas dos gran-
des produtores do que financiar uma EMA-TER/RS. Isso é a luta política normal entre
proponentes e estratégias de desenvolvimento
diferentes.
Revista - Biotecnologia, biodiversidade e
agricultura familiar são compatíveis?Sachs - Certamente. É o que eu tentei di-
zer. Vocês têm por aqui uma tradição que eu
não sei de onde vem. Por exemplo, sempre ouvidizer que café e cacau tem que ser grande
plantação. Vai na África, café e cacau são ati-
vidades da pequena produção familiar. Ouseja, não há nenhum produto agrícola que não
seja compatível com a agricultura familiar.
Agora, essa agricultura familiar está numasituação difícil, com a metade dos familiares
indo para o brejo. Portanto, não vamos ideali-
zar a agricultura familiar. Temos que fazeruma política de recuperação, de consolidação
da agricultura familiar. Dito isso, por que não
produzir em uma cooperativaaquilo que se produz em uma
grande unidade patronal? Não
vejo razão, a priori, para dizerque isso é incompatível. Numa
cooperativa vocês têm todas as
escalas de produção necessá-rias. Você pode ter equipamen-
tos que podem ser equipamentos comuns, um
sistema de marketing de vendas coletivo. Aténão precisa ser uma cooperativa, é suficien-
te que seja uma associação de produtores. Não
anula as vantagens da agricultura patronal.Agora, o mais importante aqui é que se nós
partimos pelo lado de homens, temos que ge-
rar uma agricultura que gera empregos, o quesignifica a organização e a escolha de produ-
tos. Se os 100 milhões de hectares de terra
que o país ainda possui forem destinados paraa soja, isso vai gerar menos de dois milhões
de empregos. Se fosse teoricamente possível
transformar isso em plantações de café, seri-am 30 milhões de empregos. Se fosse em hor-
tigranjeiros, seriam 100 milhões de empre-
gos. E se fosse em floricultura, seria 1,5 bi-lhão de empregos, teriam que importar todos
os chineses e ainda faltaria mão-de-obra. É
claro que não se pode fazer 100 milhões dehectares de flores, mas output mix, a impor-
tância que dá a hortigranjeiros, a agricultura
irrigada de frutas, a produções que requeremmais cuidados que outras, evidentemente vai
ser muito importante na criação de ocupações
para essa gente. Enquanto que a agriculturapatronal está toda voltada para soluções alta-
mente intensivas em capital e poupadoras de
mão-de-obra, enquanto que nós precisamosaqui de uma solução que seja intensiva em
conhecimento, em mão-de-obra, poupadora de
capital e, na medida do possível, poupadora dosrecursos, porque poupar recursos faz sentido
para todo mundo, e eu diria, paradoxalmente
apesar do tamanho do país, poupadora, emmuitas áreas do país, da terra. Por exemplo,
na Amazônia. Quanto menos terra usar tanto
maior será a cobertura flores-tal deixada e isso faz sentido.
Na agricultura irrigada, é
obvio, que a terra irrigada viraum recurso escasso, portanto,
eu acho que é essa equação
que a agricultura familiar podeadotar. Enquanto que a agri-
cultura patronal adotou uma equação que não
corresponde às condições sociais deste país.
Revista - Poderia comentar melhor aque-
la imagem que o senhor criou sobre opçõesde Estado de privilegiar algumas ilhas de
desenvolvimento ou um oceano de maior
produtividade para a agricultura familiar?Sachs - Acho que uma estratégia de de-
"Um país como esse deveriater uma política pública de
geração de empregos"
Entrevista/Ignacy Sachs
9 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
senvolvimento
para o Brasil semse descuidar do
problema da pro-
dutividade do ar-quipélago tem
que precisamen-
te produzir umgrande volante
que se dirige à
agricultura fami-liar - e disso con-
versamos bas-
tante - e outrovolante que se
dirige para a saí-
da gradual da in-formalidade. E aí
posso dizer quais
são minhas pre-ocupações atu-
ais. Primeiro,
quando eu eraestudante e jo-
vem economista
nos anos 50, pre-dominava a tese
otimista de que com o progresso todo o exce-
dente de mão-de-obra da economia tradicio-nal seria absorvido pela economia moderna.
A história desmentiu cruelmente essa idéia.
Estamos com uma massa de subempregadostanto no meio rural, quanto no urbano. Há
quem considere que essa massa de subem-
pregados urbanos é uma coisa boa porque elapermite absorver aqueles que o setor moder-
no excluiu. Portanto, afigura-se como a vál-
vula de escape da economia moderna. Achoisso inaceitável sob o ponto de vista ético e
acho que temos que fazer mais do que admi-
nistrar a pobreza no setor informal. Temosque pensar como esse setor informal entra
na economia, aumentando sua produtivida-
de, seus rendimentos. Isso me leva a refletirsobre as condições da saída gradual da infor-
malidade. Existe
um instrumentoque deve ser
aperfeiçoado, que
é o Fácil, que per-mite teorica-
mente abrir uma
microempresaformal em pouco
tempo, sendo
atendido numúnico lugar. De-
pois, os micro e
pequenos empre-endimentos têm
um estatuto es-
pecial fiscal, queé o Simples, só
que deveria ser
ampliado, porquenão cobre a tota-
lidade dos impos-
tos. Da mesmamaneira que
existe um Sim-
ples fiscal, deve-ria haver um
Simples previdenciário, fazer com que efeti-
vamente, sobretudo os autônomos, possam in-gressar na previdência. Teoricamente, eles
podem fazer isso, como autônomos, na práti-
ca não fazem porque acham que é um custoexcessivo, mas sobretudo porque um autôno-
mo que ingressa na previdência vai ser leva-
do a pedir um alvará na prefeitura e outrascoisas. Tem que haver uma simplificação nos
procedimentos. Depois, vem o crédito, onde a
situação é simétrica à agricultura familiar eo acesso ao mercado, nos dois, deveríamos
trabalhar mais com mercados institucionais
organizados, públicos. Acho que se precisapensar num estatuto do autônomo. Há, hoje,
uma assimetria que privilegia o agricultor fa-
miliar com relação ao informal. Como existeum movimento social e os agricultores fami-
Entrevista/Ignacy Sachs
10Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
ceu no arquipélago. A única resposta a isso é
que não dá, outra vez, para pensar que essas
duas políticas, frente à agricultura familiar eao informal, constituem por si só uma estra-
tégia suficiente. Para mim, não resta dúvida
que um país como esse deveria ter uma políti-ca pública de geração de empregos, privilegi-
ando além desses dois grupos, obras públicas
intensivas em mão-de-obra, talvez recuperan-do, resgatando e melhorando o
esquema cooperativista de traba-
lho, dando uma maior ênfase àgeração de empregos no setor so-
cial, portanto, acho que tudo isso
tem que ser ainda completado poruma política pública de geração
de emprego.
Revista - O senhor fala em
princípio de precaução e de ori-
gem dos OGMs. Poderia comen-tar isso?
Sachs - O princípio da pre-
caução consiste em não se lan-çar em linhas em que as conse-
qüências são dificilmente previ-
síveis no estado atual de conhe-cimento. O argumento mais im-
portante é que os transgênicos
não vêm sozinhos. Eles vêmcomo um pacote, são transgêni-
cos que foram em grande parte
adaptados para agüentar cargascavalares de agrotóxicos e cons-
tituem um perigo para os ho-
mens e para a natureza. Portan-to, eu não creio que estejamos
numa situação em que essa seja
a única prancha de salvaçãopara a humanidade. Posso muito bem imagi-
nar um grande aumento da produção de ali-
mentos e de outros tipos de biomassa semrecorrer aos transgênicos. Então, vamos es-
perar. O que dirá a geração seguinte, eu não
posso prever.
Entrevista/Ignacy Sachs
liares estão representados por sindicados, há
um feixe de políticas públicas dirigidas a ele.
Podemos discutir se a distribuição de terrasavança suficientemente rápido, se o Pronaf
funciona satisfatoriamente ou se tem que ser
corrigido. O fato é que houve medidas legaiscomo o rito sumário, o novo sistema de
cadastramento das propriedades, existem os
instrumentos que já apontei, existe a previ-
dência rural. Quando vira para o informal na
cidade, não tem nada disso. Então, essa assi-
metria deveria ser corrigida. Uma boa pergun-ta que se pode fazer é que se aumenta a pro-
dutividade dos informais, se isso não se acom-
panha de redução de emprego, como aconte- AA
11 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
Reportagem
Seminário Internacional reúne2,3 mil pessoas para discutirem Agroecologia
B r ix iu s , Lean d ro *
A troca de experiências e o debate sobre os
avanços da Agroecologia no mundo foram os
principais destaques do II Seminário Inter-nacional sobre Agroecologia, realizado de 26
a 28 de novembro, em Porto Alegre/RS. O se-
minário, que foi coordenado pela EMATER/RS- ASCAR, faz parte das ações da Secretaria de
Agricultura e Abastecimento na execução da
prioridade dada pelo Governo do Estado ao temada Agroecologia e do Desenvolvimento Rural
Sustentável. O evento reuniu mais de 2,3 mil
pessoas e uniu agricultores, técnicos, líderescomunitários, estudantes, professores e pes-
quisadores de 13 países e 17 Estados brasilei-
ros. Eles comemoraram os resultados que es-
tão sendo obtidos no Rio Grande do Sul com ocrescimento da agricultura de base ecológi-
ca, que está sendo adotada por milhares de
agricultores. Também se comprometeram abuscar um desenvolvimento rural mais sus-
tentável, ecologicamente sadio e socialmen-
te justo, como foi expressado numa carta deintenções (veja ao final Carta Agroecológica).
A edição deste ano do Seminário Interna-
cional de Agroecologia veio com o tema O sa-ber ambiental reconduzindo a humanidade para
um mundo melhor. Seguindo essa proposta, os
painelistas e o público debateram sobre prá-ticas agrícolas orientadas à preservação dos
recursos naturais e como gerar novos hábi-
tos na população. O debate levou em contaexperiências e projetos de desenvolvimento
rural de caráter prático, sem deixar de lado a
reflexão das motivações e implicações teóri-cas. Em oito temas diferentes, os 50 pales-
* Colaboraram na Reportagem Alciane Baccin, ÂngelaFelippi, Carine Massierer, Helena Boucinha, Patrícia
Kolling, Raquel Aguiar e Vanessa Almeida
12Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
Reportagem
trantes falaram sobre desenvolvimento rural,
transição para agroecossistemas sustentá-
veis, saber ambiental, pesquisa, formação pro-fissional, produção, consumo e ética.
Po lí t i cas púb li cas e d e se nvo lvime nt oO atual modelo de desenvolvimento é com-
pletamente insustentável, tanto do ponto devista ambiental, como do social e econômico,
afirmaram os representantes do governo do
Estado que participaram da abertura do even-to. Segundo eles, é necessário reconstruir a
cidadania com inclusão social, resgatar e va-
lorizar o saber e a cultura popular, produzirsem degradar o meio ambiente e realizar uma
justa distribuição de renda. As políticas pú-
blicas para o setor agropecuário no Rio Gran-de do Sul caminham nesse sentido, enfatiza-
ram as lideranças.
O economista francês Ignacy Sachs falousobre desenvolvimento rural no Brasil. Segun-
do referiu, qualquer política de desenvolvi-
mento que pretenda ser sustentável deve tercomo peça-chave a agricultura familiar. "O
país pode partir para um novo ciclo de desen-
volvimento tendo por base a agricultura fa-miliar", salientou o economista. (Veja mais
na seção Entrevista)
Sab e r amb i e nt al e ló gi ca camp o ne saO desenvolvimento rural também foi abor-
dado pelo professor da Universidade NacionalAutônoma do México Víctor Manuel Toledo,
que destacou a importância dos movimentos
sociais que existem hoje por serem encabe-çados por atores que têm uma nova consci-
ência de mundo. Exemplo disso é a experiên-
cia de um novo modelo de agricultura que vemsendo desenvolvida no Rio Grande do Sul. "Os
olhos do mundo estão voltados para o Rio Gran-
de do Sul. Vocês estão lançando a semente deuma modernidade diferente, caminho este
para uma sociedade sustentável", enfatizou.
Na palestra sobre os saberes locais e a sus-tentabilidade, Toledo defendeu que o conhe-
cimento local está vinculado à produção de
subsistência e para o mercado. "Devemos
buscar no conhecimento local a produção parao mercado, sem deixar a produção de subsis-
tência para garantir uma agricultura que pos-
sa se dizer sustentável".Para o coordenador do Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente, Enrique Leff, a
Agroecologia representa o nascimento de umparadigma, que é a "alma" da produção sus-
tentável, um processo que permite o resgate
dos conhecimentos próprios e o renascimen-to do ser. "A Agroecologia nos traz de volta as
relações com os seres humanos, e o produtor
cria, através de seu conhecimento, o seu pró-prio saber-fazer, numa relação com a vida e
com a terra", evidencia.
Transi çãoA necessidade de estudo de alternativas de
conversão para uma das maiores culturas do
planeta - o arroz - foi o projeto apresentado na
palestra do professor de Agroecologia da Uni-versidade da Califórnia, Stephen Gliessman.
Citando o exemplo da China, onde o cereal
está completamente integrado na complexi-dade de elementos do sistema cultural, de-
monstrou que problemas como os baixos pre-
ços pagos aos produtores, os altos custos deinsumos e a difícil manutenção dos níveis de
produção, além da baixa qualidade de solo e
água, geram atualmente menos resistênciapor parte dos sistemas de grande escala para
a adoção da Agroecologia. "Os agricultores es-
tão vendo que o sistema de grande escala nãoestá funcionando nem ecologicamente, nem
economicamente e menos ainda do ponto de
vista social ", observou.O ecologista da Fundação Gaia/RS José
Lutzenberger também criticou a agricultura
moderna e apontou alternativas através dachamada agricultura regenerativa, que visa
a recuperar o que foi destruído, refazer a fer-
tilidade do solo e a diversidade biológica. Paraele, a agricultura dita moderna desapropriou
13 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
Reportagem
o agricultor, que virou um "espalha-
dor de veneno, um tratorista", uma
vez que tiraram dele as atividadesque lhe davam segurança.
Re f o rma agrár i a"A reforma agrária precisa vir
acompanhada de políticas macroe-conômicas nacionais que fortaleçam
a rentabilidade da agricultura, as-
sim como por tecnologias apropria-das para a pequena propriedade
fornecidas pela Agroecologia", defen-
deu o agroecologista Peter Rosset,representante da FoodFirst, uma
ONG americana que atua na Amé-
rica Latina, África e Ásia, estudan-do as causas da fome e sua solução.
Uma pesquisa recente realizada
pela instituição em 20 países indi-ca que as pequenas propriedades
produzem por hectare entre 100 a
1000% a mais do que a produção to-tal das grandes propriedades. "As razões para
que se faça a reforma agrária vão desde as
questões moral e ética, até o desenvolvimen-to econômico nacional de um país", explicou
Rosset.
Co me rci a l i zaçãoUma das dificuldades enfrentadas hoje pelo
agricultor ecológico é com a distribuição ecomercialização do seu produto. Esse assun-
to foi discutido dentro do tema Enfoque agroe-
cológico: da produção ao consumo. A grandepreocupação levantada pelos palestrantes foi
com as relações comerciais do mercado para
a agricultura ecológica e a necessidade decriar canais de comercialização da produção
mais justos, tanto para o produtor como para
o consumidor."Somente de forma participativa e organi-
zada o pequeno produtor poderá gerar uma
outra lógica de mercado, onde surja um mo-delo de desenvolvimento que resulte em uma
economia socialmente mais justa, democrá-tica e participativa", disse a Irmã Lourdes
Deel, coordenadora do Projeto Esperança, da
Diocese de Santa Maria/RS.No mesmo sentido, Sérgio Kapron, da Se-
cretaria do Desenvolvimento e dos Assuntos
Internacionais do Estado, destacou a impor-tância das cooperativas como alternativa para
o pequeno produtor enfrentar problemas de
produção e comercialização. Segundo ele, "épreciso evitar que o valor da produção do ali-
mento vá parar nas mãos dos atravessadores,
deve ficar entre os trabalhadores e as organi-zações".
Ind i cad o re s d e sust e nt ab i l i d ad eConservação de solo e indicadores de sus-
tentabilidade foram os principais temas em
pauta no grupo que tratou do manejo ecológi-co de sistemas de produção durante, o Semi-
nário. Para Clara Nicholls, da Universidade
da Califórnia (EUA), os indicadores de susten-
14Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
tabilidade precisam ser de fácil interpretação
e com capacidade de integrar aspectos físi-
cos, químicos e biológicos. Segundo ela, umametodologia para o estabelecimento de indi-
cadores deve ser baseada na comparação en-
tre os níveis mínimos e reais de cada locali-dade, com análise da qualidade do solo e da
saúde dos cultivos, que influenciam direta-
mente na sustentabilidade da produção. Jápara Philip Woodhouse, da Universidade de
Manchester (Inglaterra), selecionar indicado-
res é definir prioridades políticas, envolvendocritérios de conservação e biodiversidade,
entre outros.
Humberto Sório, da Universidade de PassoFundo (RS), trouxe experiências positivas no
manejo do gado leiteiro garantindo a conserva-
ção do solo, através do Pastoreio Voisin. No seudepoimento, o agricultor Renácio Eckerdt, que
realiza o pastoreio há dois anos, afirmou que a
produção aumentou em 42%, o custo caiu em27% e a renda líquida aumentou em 9%. Os
técnicos da Emater/RS Jorge Lunardi e Dario
Germano apresentaram o sistema de pastoreiorotativo e a importância da fitoterapia animal
para a sustentabilidade da propriedade.
Outra experiência positiva de mudança desistema de manejo foi apresentada por Jaime
Morales Hernandez, que relatou como se de-
senvolve a Rede de Alternativas SustentáveisAgropecuárias, no Estado de Jalisco, no Méxi-
co. Em funcionamento há dois anos, o traba-
lho é fortalecido através da intensa troca deexperiências, difusão de conhecimentos, edu-
cação popular e investigação participativa.
Fo rmação p ro f i ssi o nalA incorporação do enfoque agroecológico
nas instituições de educação agrícola foi um
dos principais assuntos debatidos pelos inte-
grantes do auditório que abordou o tema For-mação Profissional e Currículo. A principal pre-
ocupação demonstrada pelos palestrantes foi
a formação profissional atual, voltada para ummodelo agrícola produtivista, que tem como
Reportagem
base o uso intensivo de agroquímicos.
O professor da Universidade de La Plata,
na Argentina, Santiago Sarandón, disse queo quadro atual apresenta poucas universida-
des incorporando a Agroecologia em seus cur-
rículos. O maior desafio é a formação de pro-fissionais com óticas diferenciadas, por isso
se deve buscar maior solidez no conhecimen-
to das ciências básicas e aplicadas com sen-tido ecológico e social, com visão sistêmica e
holística e se voltar para o desenvolvimento
rural sustentável, disse.
Re curso s para pe sq ui sa"É necessário criar políticas agrícolas, atra-
vés do associativismo dos produtores e de re-
des de comercialização solidária, para que aAgroecologia funcione", indicou o professor e
pesquisador da Universidade da Califórnia/
EUA, Miguel Altieri, na palestra Desafios pen-dentes na investigação em Agroecologia. Para
Altieri, a transição para o sistema de produ-
ção agroecológico é gradual. "O passo funda-mental é a capacitação massiva de pesquisa-
dores e extensionistas. O segundo passo, é o
enfoque agroecológico das políticas agrícolas,complementado pelo desenvolvimento de pro-
cessos participativos na transição tecnológica
junto com os agricultores", ressaltou. Ainda éimportante que se façam estudos de casos,
para saber como os sistemas funcionam, pois
hoje apenas 50% destas experiências estãosistematizadas, revelou o pesquisador.
O professor e pesquisador do Instituto de
Sociologia e Estudos Campesinos da Universi-dade de Córdoba/Espanha, Eduardo Sevilla
Guzmán, tratou da perspectiva sociológica na
sistematização dos métodos e técnicas emAgroecologia. Para Sevilla, a Agroecologia é um
movimento social que busca a criação de uma
sociedade sustentável, com uma lógica e umarealidade diferente da do lucro, que existe hoje.
"A ciência convencional nunca ofereceu par-
ticipação aos agentes envolvidos no processo,os agricultores", salientou o pesquisador. AA
15 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
Reportagem
Carta Agroecológica 2001
Um outro desenvolvimento rural é possível
Os 2.320 participantes do II Seminário Internacional sobre Agroecologia, III Seminá-rio Estadual sobre Agroecologia e III Encontro Nacional sobre Pesquisa em Agroecologia,reunidos em Porto Alegre de 26 a 28 de novembro de 2001, se integram ao esforçomundial de construção de alternativas de sustentabilidade social, econômica eambiental ao modelo urbano-industrial e agrícola dominante. Considerando que é pos-sível um outro desenvolvimento rural, ecologicamente sadio e socialmente justo, reco-mendam:
1- Que a diversidade dos saberes ambientais locais e as práticas tradicionais sejamrespeitadas, consideradas e incorporadas, via processos participativos, na construçãode uma racionalidade ambiental como fundamento de um desenvolvimento rural sus-tentável;
2- Que os acordos e tratados internacionais de comércio dêem ênfase aos mercadoslocais e tenham como referência central a importância econômica, social e cultural daAgricultura Familiar na consolidação de um desenvolvimento rural sustentável funda-do na capacidade de autogestão e co-gestão das comunidades rurais;
3- Que o sistema de comércio garanta e estimule formas de produção e consumoecológico, popular e solidário, em nível local e regional;
4- Que as políticas internacionais se subordinem à sustentabilidade socioambientale econômica, respeitando o direito à soberania e segurança alimentar dos povos;
5- Que seja implementada uma moratória ao cultivo e consumo de Organismos Ge-neticamente Modificados (OGMs) visando a evitar o controle do sistema alimentar porempresas multinacionais;
6- Que seja implementado um conjunto de políticas públicas centradas na Agricul-tura Familiar e nos processos de transição agroecológica, com participação dos agricul-tores e suas organizações;
7- Que a propriedade da terra esteja subordinada à justiça social, às necessidades eàs culturas dos povos, à eliminação da fome e da pobreza e ao desenvolvimento econô-mico e social dos trabalhadores;
8- Que as instituições de pesquisa, ensino e extensão, em parceria com ONGs, Uni-versidades e Organizações de agricultores, incorporem, validem e democratizem os co-nhecimentos sobre Agroecologia dentro da sua esfera de atuação;
9- Que prevaleçam os princípios éticos que contemplem, ao mesmo tempo, a eqüida-de social e o interesse público dos bens ambientais, e que não se subordinem à lógicada valoração econômica da natureza e da exclusão social;
10- Que todos os que apóiam esta Carta se responsabilizem pelo desenvolvimento,implementação e multiplicação de iniciativas que criem as condições para a consolida-ção de um desenvolvimento rural que seja social, econômico e ambientalmente sus-tentável.
Porto Alegre, 28 de novembro de 2001.
16Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
S ilip ran d i, Em m a*
Esta foi a pergunta que norteou oFórum Mundial sobre Soberania Ali-
mentar, que ocorreu em Havana,
Cuba, entre os dias 3 e 7 de setem-bro do ano passado. Com a presença
de cerca de 400 delegados, vindos de
mais de 60 países, representandoaproximadamente 200 organizações
sociais (movimentos de trabalhado-
res, camponeses, pescadores, indí-genas, mulheres, jovens, organiza-
ções não-governamentais, pesquisa-
dores), o Fórum foi um marco nadefinição de propostas da sociedade
civil para enfrentar o problema da fome em
todo o mundo.O Fórum foi convocado pela Associação
Nacional de Agricultores Pequenos de Cuba
(ANAP) e por um conjunto de movimentos eredes internacionais, como a Rede Interna-
cional pelo Direito à Alimentação (FIAN), a
Rede Interamericana Agriculturas e Demo-cracia (RIAD) e a Via Campesina, entre ou-
tras, preocupadas em criar condições para a
existência de sistemas agroalimentares sus-tentáveis em todo o mundo e com a garantia
ao direito dos povos à alimentação.
A oportunidade da sua realização se deumuito em função da existência, em 2001, do
processo de avaliação dos cinco anos trans-
corridos a partir da Cúpula Mundial da Ali-mentação, que ocorreu em Roma, em 1996.
Naquele encontro, patrocinado pela FAO, par-
É possível garantir a soberania alimentara todos os povos no mundo de hoje?
* Agrônoma da Divisão de Apoio Técnico ao Desen-volvimento Rural Sustentável da EMATER/RS e
membro da Riad. [email protected]
ticiparam mais de 150 países, e houve o com-
promisso, pelos governos participantes, de to-
mar medidas concretas para reduzir o núme-ro de famintos no mundo, então estimados em
800 milhões, para a metade, até o prazo de
2015. A conferência, denominada "Roma +5",deveria ter acontecido em novembro passa-
do, mas foi adiada para junho de 2002, em
função dos atentados terroristas ocorridos nosEstados Unidos e da guerra ao Afeganistão.
O Fórum teve então o caráter de fazer um
balanço dessas medidas (avaliadas como cla-ramente insuficientes, aliás, pela própria
FAO) e de propor medidas, do ponto de vista
da sociedade civil, para enfrentar esses pro-blemas.
As atividades do Fórum desenvolveram-se
em dois momentos distintos. Pela manhã,estudiosos e ativistas de renome mundial tais
como Peter Rosset (Food First, Estados Uni-
dos), Rafael Alegria (Via Campesina, Hondu-ras), Mávis Alvarez (ANAP, Cuba), Jacques
Chonchol (Riad, Chile), José Bové (Confede-
ração Camponesa, França), Silvia Ribeiro
piniãoO
17 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
piniãoO(RAFI, México), e muitos outros, analisavam
em mesas-redondas os grandes temas que fa-
zem parte da problemática da fome hoje nomundo. Entre eles, podemos citar:
aPor que a cada dia aumenta a fome no
mundo?aQuais as causas do aprofundamento das
crises das agriculturas camponesas e indíge-
nas, da pesca artesanal, dos sistemas alimen-tares sustentáveis?
aQuais as conseqüências da intervenção
da Organização Mundial do Comércio (OMC)no mercado mundial de alimentos?
aOs transgênicos têm algo a contribuir
para a luta contra a fome?aQual o papel da Reforma Agrária e do a-
cesso aos meios de produção para garantir
uma sociedade sem fome?aA gente quer só comida? Qual comida,
obtida e distribuída de que forma?
aComo manter a diversidade cultural e odireito dos povos à autodeterminação em ter-
mos de produção e consumo de alimentos?
Na parte da tarde, realizavam-se oficinasde trabalho, onde o foco era a troca de experi-
ências e a elaboração de propostas de bandei-
ras de lutas e estratégias comuns para com-por um programa mundial de defesa da sobe-
rania alimentar. Entre as duas atividades,
ocorreram testemunhos, como os de DomMauro Morelli, do Brasil, Ricardo Alarcón, pre-
sidente do Parlamento Cubano, e Dao The
Thuan, do Vietnã. Houve ainda um dia paraconhecer as cooperativas e mercados agrope-
cuários cubanos, em que os participantes se
dividiram em grupos e viajaram para o inte-rior do país.
O Fórum se notabilizou pelo caráter alta-
mente participativo: apesar das dificuldadesde comunicação (as intervenções eram
traduzidas simultâneamente em 3 idiomas),
as discussões iniciavam-se às 9 horas damanhã e terminavam às 19 horas, entre aca-
lorados debates. Chamava a atenção de todos,
a organização dos delegados ligados à Via
Campesina, que defendiam em todos os es-
paços os pontos de vista dos indígenas e cam-
poneses, com forte destaque para as reivindi-cações das mulheres rurais. Seu lema é:
globalizar a luta, globalizar a esperança.
O Brasil esteve presente com 20 delega-dos, com uma participação expressiva de
membros do Fórum Brasileiro de Segurança
Alimentar e Nutricional Sustentável, além demembros do MST, da CONTAG e outras orga-
nizações governamentais e não-governamen-
tais de várias regiões do país. A experiênciado Rio Grande do Sul na luta pela manuten-
ção do Estado como zona livre de transgêni-
cos foi relatada em uma das oficinas de tra-balho, com grande impacto, vista como uma
experiência a ser apoiada e multiplicada em
outras regiões do planeta.Para além dos resultados concretos (ver box
com as principais resoluções do encontro), a
avaliação corrente entre os participantes éde que o Fórum contribuiu para o fortaleci-
mento de alianças entre os diversos campos
que hoje defendem que um outro mundo é
possível . Não por acaso, os participantes des-
se Fórum reivindicam também a co-autoria
das grandes manifestações ocorridas emSeattle, em Praga, em Quebec, e também do
Fórum Social Mundial de Porto Alegre. As
mesmas instituições que garantem a ordemmundial (FMI, Banco Mundial, OMC etc.) são
as que impõem políticas agrícolas, agrárias e
alimentares responsáveis pelas tragédias so-ciais e ambientais que vemos (e sentimos
com mais impacto) nos países do terceiro
mundo. A evidência de que a lógica exclusivado livre mercado não é capaz de garantir a
segurança alimentar dos povos, e inclusive a
deteriora, impõe como urgente e necessáriaa construção de alternativas democráticas e
de inclusão social que combatam efetivamen-
te o "fundamentalismo" neoliberal.Todos os documentos apresentados no Fó-
rum podem ser obtidos no site do Ibase na
internet: www.ibase.org.br.
18Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
piniãoOPri nci p ai s d e ci sõ e s
aA soberania alimentar é o
direito dos povos de definir suas
próprias políticas e estratégias
sustentáveis de produção, distri-
buição e consumo de alimentos,
que garantam o direito à alimen-
tação para toda a sua população,
com base na pequena e média
produção, respeitando as própri-
as culturas e a diversidade dos
modos camponeses, pesqueiros e
indígenas de produção agropecu-
ária, de comercialização e de ges-
tão dos espaços rurais, nos quais as mulheres desempenham um papel fun-
damental.
aPropugna-se uma agricultura com camponeses, indígenas e comunida-
des pesqueiras, vinculada ao território; voltada prioritariamente aos merca-
dos locais; que se preocupe com os seres humanos; que preserve o ambiente
e os recursos naturais; que preserve e valorize as culturas locais.
aA soberania alimentar pressupõe uma Reforma Agrária radical, e o apoio
às agriculturas familiares, em que as mulheres tenham igualdade de oportu-
nidades e de acesso aos meios de produção.
aO comércio alimentar deve estar subordinado ao supremo direito huma-
no à alimentação. Os produtos agrícolas e alimentares devem estar fora da
OMC.
aA ALCA representa um projeto hegemônico dos Estados Unidos para
ampliar suas fronteiras econômicas e assegurar seu domínio sobre todas as
Américas e, por isso, deve ser combatida.
aOs recursos genéticos são um bem de toda a humanidade. Não se pode
aceitar o patenteamento dos seres vivos.
aOs organismos geneticamente modificados (OGMs ou transgênicos) são
uma ameaça a toda a humanidade e não devem ser liberados até que se
tenha certeza sobre seus efeitos sobre a saúde humana e o meio ambiente. A
apropriação dos direitos sobre as sementes por parte de grandes empresas
fere radicalmente qualquer princípio de soberania alimentar.
aPara se obter soberania alimentar, são necessários sistemas produtivos
sustentáveis, em que se valorize a sabedoria e as culturas locais e, em espe-
cial, os hábitos alimentares.
aA alimentação jamais deverá ser utilizada como arma de pressão econô-
mica e política entre os países. Denuncia-se e condena-se o bloqueio econô-
mico a Cuba.
19 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
piniãoO
Nina Pacari é uma indígena equatori-ana. Eleita deputada federal por uma coa-
lizão dos movimentos indígenas, já no seu
primeiro mandato ocupa a vice-presidên-cia do Parlamento Equatoriano. É a pri-
meira vez que uma mulher (e que um
indígena) ocupa esta posição. Seu discur-so, na conferência de abertura do Fórum,
enfatizou a revolta dos povos que repre-
senta com o papel que lhes é atribuído nasdecisões sobre o desenvolvimento em seu país: são aqueles que sofrem as conseqüências, que
ficam com os prejuízos, sem desfrutar dos benefícios, de um modelo excludente e concentrador.
Habitantes e guardiães do território, desde muito antes da chegada dos colonizadores espa-nhóis, os indígenas equatorianos são hoje os mais pobres entre os pobres, os mais analfabetos,
com menos acesso à saúde, com maiores índices de desnutrição. O país depende fortemente
de ajuda alimentar trazida pelos órgãos internacionais, mas, como ela afirma: "essa ajudaalimentar ofende e humilha, porque queríamos estar produzindo nosso próprio alimento, de
acordo com nossa cultura, com nossos hábitos alimentares. Nos mandam produtos industria-
lizados que não queremos, contaminados e geneticamente modificados, nos usando como co-baias humanas". Para ela, a presença dos indígenas no poder é importante mas não é sufici-
ente: "queremos mudar a forma de pensar o desenvolvimento. Não estamos nestas instâncias
somente para referendar o que os outros estão fazendo, apenas para enfeitar a mesa com anossa 'cara de diversidade'. Queremos influenciar as decisões, e isso só é possível com a
mobilização popular." Nina é uma das maiores defensoras de uma visão pluricultural do de-
senvolvimento: "é preciso admitir que existem racionalidades distintas e conseguir convivercom elas como parte de uma política real, não só de segurança alimentar mas pensando em
todo o desenvolvimento." É um grande desafio para todos.
Nina Pacari e a vozdos indígenas
AA
20Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
RExperiênciaelato
de
Redução do impacto ambiental na produção de carvãovegetal e obtenção do ácido pirolenhoso como
alternativa para proteção de plantas
* Engenheiro Agrônomo, Extensionista Rural daEMATER/RS, Chefe do Escritório Municipal de
Brochier.
En c arn aç ão , Fáb io
1 Int ro d ução
O município de Brochier está situado naregião do Vale do Caí a 90 Km de Porto Alegre
e a 25 Km da cidade de Montenegro. A popula-ção total é de 4.371 habitantes, dos quais3.165 são residentes no meio rural.
Do total de 1.100 unidades de produção ru-
rais, 61,28% (674) possuem menos de 10 ha eacumulam 29% da área do município. O gru-po de área no intervalo de 11 a 20 ha repre-senta 29,63% das unidades produtivas (326)
e acumulam 44% da área. Esta realidade emtermos de estrutura fundiária na qual, apro-ximadamente, 90% das unidades produtivaspossuem menos de um módulo fiscal de área
rural1 em que 34,83% das unidades de produ-ção (383) possuem menos de 5,0 ha, associa-
da à topografia fortemente ondulada e monta-nhosa de grande parte dos terrenos, aoafloramento de rochas e pedregosidade dos
solos, aos solos pouco profundos e degradadosem muitas situações, tornaram inviável ocultivo da soja, que há alguns anos era o prin-
cipal cultivo produzido no município. A alter-nativa encontrada pelos agricultores foi o cul-tivo de acácia-negra, que atualmente ocupaem torno de 4.500 ha dos 10.900 ha do muni-
cípio, sendo o cultivo da soja reservado a pe-quenas lavouras que, somadas, não chegama 4,0 ha.
A atividade econômica de maior vulto do
município é a produção de carvão vegetal,através da queima de madeira de acácia-ne-gra em aproximadamente 500 fornos de tijo-los com barro. Essa atividade concede ao mu-
nicípio o título de "Capital Gaúcha de CarvãoVegetal".
O presente relato objetiva descrever uma
experiência de redução do impacto ambien-tal e, ao mesmo tempo, de produção de umaalternativa para a agricultura ecológica.
21 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
RExperiênciaelato
de
2 De scr i ção d a e xp e r i ê nci a no muni cíp i o
O impacto ambiental da produção do car-vão vegetal relativo à poluição atmosférica ébastante alto em certos locais, principalmen-
te nos vales e em certas épocas do ano, comono inverno, ainda que se obedeça às condi-ções que regram a localização dos fornos, onúmero de fornos por produtor, os mecanis-
mos de amenização deste problema, como porexemplo, a implantação de cortina vegetal.
A proposta de implantação de sistemas decoleta de fumaça e de produção de extrato pi-
rolenhoso, nesses fornos, foi debatida no Con-selho Municipal Agropecuário de Brochier emmaio de 2000. A partir daí, iniciou-se um tra-balho junto a um agricultor/conselheiro obje-
tivando verificar a possível redução da quanti-dade de fumaça lançada na atmosfera e a ob-tenção de um produto útil para os agricultores
no controle e prevenção, principalmente deinsetos, em várias culturas, além de outrosprováveis benefícios do extrato pirolenhoso.
O Fórum Microrregional de Turismo e De-
senvolvimento Sustentável, formado pelosmunicípios de Barão, São Pedro da Serra, Sal-vador do Sul, Maratá e Brochier, compõe umadas três microrregiões do Fórum Regional da
Agricultura Familiar do Vale do Rio Caí, e ini-ciou os seus trabalhos em fevereiro de 1999,congregando secretarias municipais de agri-cultura, secretarias municipais de educação,
conselhos municipais, EMATER/RS e sindi-catos no desafio de construção de propostasde desenvolvimento microrregional em que o
turismo é trabalhado como potencial de de-senvolvimento rural. A representatividadedeste Fórum atualmente alcança várias ou-tras entidades, agricultores e pessoas que
colaboram espontaneamente com os trabalhosdesenvolvidos.
No final do ano 2000 e início do ano 2001, oFórum Microrregional estabeleceu seis áre-
as a serem trabalhadas, a saber: meio ambi-ente, agroindústria, organização, infra-estru-tura, cultura e agricultura familiar. Destas,
a do meio ambiente foi priorizada pelo Fórum,em função dos problemas ambientais verifi-
cados na região, relacionados em grande par-te com a produção de carvão.
Em nível municipal, uma das cinco ações
em meio ambiente citadas pelos colaborado-res municipais de turismo e desenvolvimen-to sustentável é o "Planejamento e controledo funcionamento dos fornos de carvão: legis-
lação e implantação de filtros para diminuira fumaça". Essa ação proposta na área de meioambiente explicita de forma clara a preocu-pação, tanto de lideranças quanto de agricul-
tores, em relação ao problema ambiental domunicípio de Brochier e dos municípios vizi-nhos produtores de carvão vegetal.
Durante o período de debate no Conselho
Agropecuário até este momento, a experiên-cia realizada com o agricultor Jorge Fetznerobteve resultados positivos no que se refere
ao aperfeiçoamento de sistemas de coleta defumaça e de produção de extrato pirolenhosobruto. Os melhores resultados alcançados fo-ram a diminuição de aproximadamente 50%
da quantidade de fumaça lançada na atmos-fera (avaliação visual) e a produção de 24 li-tros de extrato pirolenhoso bruto, em um for-no de 6,0 m³ de capacidade de madeira.
3 A lgumas i nf o rmaçõ e s so b re o e x t rat op i ro lenhoso
3 .1 O q ue é o e x t rat o p i ro le nho so ?O extrato pirolenhoso é um produto resul-
tante da condensação da fumaça expelida du-rante a queima de madeira ou bambu, sobtemperatura relativamente alta e quantida-de controlada de oxigênio, contendo mais de
200 componentes químicos.
3 .2 A p li cação d o ácid o p i ro le nho sona agr i cult ura:
O ácido diluído em água numa porção de1/500 a 1/1000 poderá ser adicionado a de-fensivos químicos, reduzindo a dosagem re-
comendada em 50%, sem prejuízo de sua efi-
22Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
RExperiênciaelato
de
ciência. Entretanto, sendo o ácido pirolenho-so um produto de pH ácido, não deve ser adi-cionado a defensivos de natureza alcalina,
como por exemplo a calda bordalesa. SegundoMiyasaka (1999) o ácido pirolenhoso puro po-derá ser adicionado à ração animal, numa
proporção de 0,3 a 1%. Essa adição proporcio-na, conforme o autor, uma melhora na assi-milação dos nutrientes, devido ao aumentoda flora intestinal do animal. O ácido em so-
lução aquosa de 1/50 também é utilizado so-bre dejetos de animais, com a finalidade deeliminar o mau cheiro.
De acordo com pesquisas feitas no Japão e
com base em observações realizadas na prá-tica, junto a agricultores, o extrato pirolenho-so repele determinados tipos de pragas e pre-vine algumas doenças de cultivos. Em deter-
minadas condições, combate infestações depulgões, trips, ácaros, mosca das frutas e ou-tras pragas e ainda funciona como repelente
para pássaros, morcegos e roedores. Desta-cam-se outros usos do extrato pirolenhoso, en-tre eles (segundo Miyasaka et al., 1999):
aquando adicionado a extratos vegetais de
alho, mucuna, pimenta, nim etc melhora oefeito no controle de pragas e doenças;
aquando diluído, convenientemente, aoser pulverizado sobre a parte aérea das plan-
tas, torna-as mais vigorosas, melhorando aqualidade do produto quanto ao tamanho, co-loração, sabor e durabilidade;
aquando aplicado ao solo, melhora as suas
qualidades físicas, químicas e especialmen-te biológicas, proporcionando aumento de mi-croorganismos benéficos, como actinomicetos
e micorrizas, facilitando assim a assimilaçãode nutrientes do solo pela planta;
aquando aplicado junto com resíduos ("mi-galhas") de carvão vegetal, promove aumento
no volume das raízes secundárias, o que me-lhora a absorção de nutrientes do solo, pro-porcionando grande vigor às plantas;
aquando pulverizado na parte de cima do
monte no preparo do composto orgânico, ace-
lera a decomposição e diminui a emanaçãode gás amoníaco. O extrato pirolenhoso deveser aplicado no solo 5 a 7 dias antes da seme-
adura do plantio.Figura 01 - Esquema do processo de car-
bonização da madeira e obtenção do extra-
to pirolenhoso destilado
Fonte: MIYASAKA et al. (1999)
Como se verifica no esquema acima, par-te da fumaça resultante da condensação dafumaça resulta no líquido pirolenhoso bruto
ou licor pirolenhoso. Esse líquido, a partir deum processo de decantação, passa a apresen-tar uma fração sólida de alcatrão insolúvel, aqual é facilmente separada da fração líquida.
A parte líquida resultante, por sua vez, aindapode conter alcatrão em forma solúvel, juntocom o extrato. Por isso, o extrato pirolenhoso
final deverá ser submetido a um processo dedestilação, com a finalidade de separar a par-te solúvel de alcatrão contida no extrato.
No estágio atual da experiência, está se
buscando viabilizar essa última etapa, emconjunto com instituições de pesquisa.
4 Co nsi d e raçõ e s f i nai sO resultado animador da experiência rea-
23 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
RExperiênciaelato
de
lizada em Brochier lança o desafio de aperfei-çoamento do sistema de coleta de fumaça, ob-jetivando minimizar o impacto ambiental da
atividade carvoeira e a produção de extratopirolenhoso. Após se ter o sistema aperfeiço-ado, mediante o aumento da coleta de fuma-
ça, o manejo do sistema como um todo, o co-nhecimento dos materiais resistentes ao ata-que ácido, a previsão dos custos de implanta-ção, entre outros fatores, será possível con-
cluir plenamente a ação proposta, ou seja, a"implantação de filtros para diminuir a fuma-ça". A implantação desses filtros é objeto deuma proposta municipal/microrregional para
ampliação do uso de um mecanismo minimi-zante do impacto ambiental que conta com acolaboração das administrações municipaisdos municípios envolvidos.
Outro fator importante a ser consideradoneste trabalho é o potencial econômico dacomercialização do extrato pirolenhoso puri-
ficado ou destilado. Essa proposta está sendodebatida junto à cooperativa mista de agricul-tores de Brochier, a qual tem no comércio decarvão sua principal atividade (convém men-
cionar que o extrato pirolenhoso já é produzi-do e comercializado em algumas regiões doBrasil).
Cabe ressaltar que se fazem necessários
mais trabalhos de pesquisa sobre o processode obtenção e o produto final, especialmenteno que respeita à destilação do ácido pirole-nhoso, uma vez que, se for feito somente o
processo de decantação, o mesmo ainda con-tém uma certa quantidade de alcatrão, que é
potencialmente tóxico para o ser humano.Nesse sentido, foi encaminhada e aprovadauma demanda de pesquisa (através do com-
ponente de Pesquisa por Demanda do Progra-ma RS-Rural), com o objetivo de pesquisar osseguintes temas:
– Proposição, implantação e análise de sis-temas de coleta de fumaça e produção de ex-trato pirolenhoso bruto em fornos para produ-ção de carvão vegetal ( FASE 1);
– Estudo e análise da viabilidade técnico/financeira da implantação dos diferentes pro-cessos de purificação do extrato pirolenhosobruto (FASE 2);
– Análise química do extrato pirolenhosopurificado para verificar possíveis resíduostóxicos
– Testes a campo da eficiência da utiliza-
ção do extrato pirolenhoso no controle da lar-va minadora de citrus ( FASE 3)
Convém destacar ainda que a utilização
do extrato pirolenhoso na agricultura, muitoembora seu efeito comprovado no controle deparasitas nas plantas, ainda necessita demaiores informações e estudos complemen-
tares. Entretanto, vale lembrar que, no casoda experiência acima relatada, os benefíci-os ambientais do processo de obtenção do ex-trato pirolenhoso por si só já representam
um aspecto altamente positivo no que diz res-peito à redução da fumaça que é lançada noar, melhorando a qualidade de vida para ostrabalhadores envolvidos diretamente na pro-
dução de carvão e para as pessoas da comu-nidade afetadas por esse problema. AA
MIYASAKA, Shiro; OHKAWARA, Takemi; UTSUMI,Beatriz. Ácido Pirolenhoso: uso e fabricação. BoletimAgroEcológico, nº 14,dezembro de 1999.
5 . Re f e rê ncias Bib l i o gráf i cas
MIYASAKA, S.; OKAMOTO, H.; OKAMOTO, H..Porque Agricultura Sustentável ou AgriculturaNatural. s.l. : MOA, 1991. 49 f. il.
1 Equivalente a 18 ha no município de Brochier.
5 . Re f e rê ncias Bib l i o gráf i cas
24Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
Planalto das Araucárias - um ecossistemaem perigo de extinção?
B r is t o t , A .*
Resumo
Este artigo aborda alguns aspectos relati-
vos às queimadas de campos praticadas no
Planalto das Araucárias. As observações e
posicionamento da população local são deta-
lhadas, visando principalmente a oferecer o
contraditório para os ecologistas, cientistas e
técnicos que não convivem com os problemas
da região. A expansão de grandes áreas
florestadas com as diversas espécies de pinus,
é apresentada como uma séria ameaça ao
ecossistema formado pelos Campos de Cima
da Serra. Também é discutida a sustentabili-
* Ph.D., Professor do Programa de Pós-Graduação emEngenharia: Energia, Ambiente e Materiais. PPGEAM/
ULBRA, Canoas - RS. E-mail: [email protected]
dade sob três enfoques: econômico, social eambiental para a região em apreço.
Palavras-Chaves: Ecossistema; Planalto
das Araucárias; queimadas controladas;
florestamento uniforme; desenvolvimento
sustentável; economia social; economia
ambiental.
1 Int rodução
Entre os grandes ecossistemas brasileiros:
Floresta Amazônica, Mata Atlântica, Panta-
nal, Caatinga, Cerrado e Planalto das Arau-
cárias, este último é o menor de todos em
extensão. Também chamado de Campos deCima da Serra, uma superfície elevada, com
altitudes em torno de mil metros, relativa-
mente plana, e levemente inclinada para os
quadrantes do oeste. Sua maior área encon-
A r t i go
25 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
tra-se no Esta-
do do Rio Gran-
de do Sul, cons-
tituída pelos
municípios da
Associação de
Cima da Serra
(Vacaria, Es-
meralda, Lagoa
Vermelha, etc.)
e parte da As-
sociação dos
Municípios doTurismo da
Serra (parte de
Canela, São Francisco de Paula, Cambará do
Sul, Jaquirana, Bom Jesus e São José dos Au-
sentes). Em Santa Catarina, ocupa uma área
menor do que a gaúcha (Lages, São Joaquim,
Curitibanos etc) e termina numa estreita fai-
xa no estado do Paraná entre Curitiba e Pon-
ta Grossa.
Uma paisagem típica serrana é constituí-
da por centenas de coxilhas, entrecortadas por
banhados, capões e numerosos cursos d'água,
cujas matas ciliares, quando existentes, re-
cebem a denominação de restingas. Na área
gaúcha encontra-se parte das nascentes daBacia do Uruguai, da Bacia do Litoral Norte,
do Mampituba, a quase totalidade das nascen-
tes das bacias dos Sinos e Caí e grande parte
da bacia do Taquari-Antas. Para todas estas
bacias deve ser destacada a importância dos
banhados, como nascentes de numerosos cur-
sos d'água que desempenham um papel re-
gulador tanto nas épocas de secas como nos
períodos de altas precipitações.
Entre os meses de setembro e abril, os
Campos de Cima da Serra adquirem uma co-
loração verde dominante, constituindo-se
numa paisagem deslumbrante, que encanta
não só a população local, mas todos os turis-
tas, brasileiros e estrangeiros, que têm o pri-vilégio de visitar aquelas paragens.
Esta paisa-
gem singular é
o resultado de
um manejo de
pastagens, que
pode ter tido iní-
cio com a che-
gada dos pri-
meiros coloni-
zadores, gran-
des fazendei-ros, provenien-
tes de São Pau-
lo (Sorocaba) e
de Santo Antô-
nio da Patrulha, a partir da segunda metade
do século XVIII. Este processo de manejo de
pastagens, denominado de "queimadas con-
troladas" se perpetuou durante os últimos
duzentos anos, sem qualquer interrupção. A
principal cobertura destes campos ou pasta-
gem nativa é constituída pelo capim caninha
(Andropogus lateralis) também denominada
localmente por "macega" e hoje constitui mais
de 90% de toda a área destinada à alimenta-
ção de bovinos, ovinos e muares. Este capim,cuja "soqueira" não é atingida pela "queima-
da controlada" rebrota durante os meses de
agosto e setembro e vai formar o imenso ta-
pete verde que cobre praticamente toda a re-
gião. A partir do mês de abril, com a chegada
das geadas e nevadas, o capim caninha tor-
na-se amarelo e seco, emitindo acículas muito
duras, mas assim mesmo, constitui a princi-
pal fonte de alimentação para os animais. Esta
reserva alimentar que, segundo os especia-
listas, tem um baixo valor nutritivo, é com-
plementada por pastagens de inverno prove-
nientes de pequenas lavouras e por rações ar-
tificiais em alguns casos. O capim caninha
que não é consumido durante os meses deinverno, segundo os fazendeiros locais, tem
que ser queimado, por, pelo menos, três mo-
tivos: 1º) a presença das acículas dificulta o
A r t i go
26Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
rebrote e fere os animais que tentam se ali-
mentar da vegetação mais tenra que rebrota
junto ao solo; 2º) esta vegetação seca facilita
a propagação de incêndios de forma descon-
trolada, em geral iniciada ao longo das mar-
gens das estradas; 3º) o fogo, de forma contro-
lada, elimina as sementes das ervas daninhas
e das espécies invasoras como as do pinus.
Porém este fogo elimina também sementes
de espécies nativas que serviriam para ali-
mentação dos animais e diversificariam acobertura vegetal, mas principalmente, sob o
ponto de vista da preservação dos ecossiste-
mas, elimina as sementes de araucárias. É
importante ser ressaltado que este manejo de
pastagens não contribui para o efeito estufa,
pois não há mudança no tipo de cobertura.
O Pinheiro Serrano (Araucária angustifolia)
constitui o "andar superior" de todos os capões
e também das florestas que margeiam as en-
costas da Serra Geral no Rio Grande do Sul e
da Serra do Mar ao longo dos três Estados da
Região Sul.
Ao contrário do pensamento popular, a re-
gião constituída pelo Planalto das Araucárias
nunca foi coberta por uma grande floresta. Naépoca da sua formação fazia parte do imenso
continente chamado de Gondwana (Milani,
1997) que se estendia até a África de hoje. Com
a separação dos continentes e com o apareci-
mento do Oceano Atlântico surgiram muitas
falhas na porção oriental dos três Estados do
Sul, originando as escarpas dos Aparados da
Serra, que foram inicialmente cobertas com
lavas; isto ocorreu há cerca de 130 milhões de
anos e foi, segundo Villwock (Villwock, 1997),
"sem dúvida a maior manifestação vulcânica o-
corrida sobre um continente que se tem notícia
em todos os tempos".
Portanto, a prática das "queimadas contro-
ladas" constitui-se num obstáculo à expansãodas esparsas florestas de capões, incluindo a
marca característica do ecossistema a espé-
cie Araucária angustifólia. Porém, a topogra-
fia da região oferece também obstáculos na-
turais a esta expansão, principalmente o
afloramento de rochas, que só permite o cres-
cimento de espécies herbáceas, nunca de
árvores frondosas como o pinheiro serrano.
Segundo Messias (Messias, et all, 1997)
por exemplo, no município de São Francisco
de Paula, no máximo 10% de área de campos
poderá ser cultivada através do uso de má-
quinas. Estatísticas semelhantes podem ser
aplicadas na maioria dos outros municípios.
Esta situação constitui o principal motivo para
o não-estabelecimento de pastagens artifici-
ais, inclusive aquelas formadas através das
técnicas de plantio direto. Por esta razão, aspequenas lavouras existentes hoje na região
se localizam somente no entorno das sedes
das fazendas. A ânsia para aumentar, por parte
dos fazendeiros, a contribuição das pastagens
artificiais, está dando origem a uma parceria
chamada de "espúria" por muitos habitantes
da região. Durante os meses de primavera e
início do verão, áreas de fazendas são cedidas
para agricultores de outras regiões do Estado
para cultivar principalmente repolho e
batatinha; nestes casos a área selecionada
não fica restrita às baixadas e patamares, mas
se estende desde as bordas dos banhados,
margens de arroios, até as encostas e topo
das coxilhas, desde que possam ser utiliza-das máquinas para o preparo da terra. O uso
intensivo de fertilizantes inorgânicos e de
agrotóxicos nestas lavouras está causando
uma série de contaminações nos banhados
e, em arroios e rios, além de provocar erosão
nas encostas cujos solos são naturalmente
As "queimadas controladas"
se perpetuaram durante os
últimos duzentos anos, sem
qualquer interrupção
A r t i go
27 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
rasos. O preço pelo aluguel da terra é pago pelos
"agricultores itinerantes" através do cultivo
de pastagens de inverno utilizando a mesma
área. Este sistema em geral, é repetido no
máximo durante três anos consecutivos; a
partir daí a lavoura é abandonada e uma nova
área deve ser buscada na mesma fazenda ou
em outras.
2 Q ueimadas cont ro ladas ou a expansãodas f lorest as de pinus?
Neste alvorecer do terceiro milênio, a re-
gião dos Campos de Cima da Serra encontra-
se frente a um sério dilema motivado pelas
leis de preservação ambiental (Projeto de Lei
n 400/94). A proibição de qualquer tipo de
queimada está provocando um aumento do
êxodo rural com a conseqüente venda das áre-
as "multadas" que não vão ser mais utiliza-
das como fazendas, mas vendidas para em-
presas madeireiras. Posteriormente serão
cobertas por uma floresta uniforme de pinus.
Aqui cabe um detalhamento sobre o que a
população local chama de "queimada contro-lada". Como foi descrito anteriormente, a di-
ficuldade em se encontrar áreas apropriadas
para a formação de pastagens artificiais sufi-
cientes para a alimentação de todos os ani-
mais durante os meses mais frios (é impor-
tante se destacar que durante os meses de
junho e julho o crescimento das pastagens
nativas é praticamente nulo) obriga os fazen-
deiros a deixar uma reserva de capim para a
alimentação dos animais. Vale lembrar que,
como já foi enfatizado acima, esta alimenta-
ção é bastante precária; segundo alguns crí-
ticos desse processo "os animais são alimen-
tados com a própria carne", pois em geral
emagrecem muito durante o período frio. Dequalquer maneira, as queimadas são prati-
cadas dividindo a área da fazenda em três ou
quatro partes, e em cada uma delas o fogo é
iniciado dois a três dias depois de uma chu-
va. A próxima área a ser queimada ocorre de
dez a doze dias depois da primeira, pois se toda
a área fosse queimada de uma só vez não
haveria alimentação para os animais até o
rebrote da nova vegetação. Em geral, o fogo é
iniciado a partir das bordas dos banhados e do
entorno dos capões, propagando-se no sentido
contrário dos ventos dominantes.
Por outro lado, os ambientalistas argumen-
tam que os danos causados pelas queimadasincluem a redução da cobertura do solo e a
conseqüente perda de alguns elementos quí-
micos, nitrogênio por exemplo, redução das
populações de animais e a diminuição da fre-
qüência de espécies herbáceas e da propaga-
ção da Araucária. Um outro dano ambiental
provocado pelas queimadas é a emissão de
particulados para a atmosfera. Como o perío-
do de queima de campos é muito curto, este
processo ocorre simultaneamente em mui-
tas fazendas, podendo interferir no tráfego aé-
reo sobre a região.
Estas considerações levam a uma análise
mais profunda em termos do desenvolvimen-
to sustentável na região. Para tanto, o tópicoserá dividido em três enfoques ou dimensões
de sustentabilidades: ambiental, econômica
e social. É obvio que a dimensão ambiental é
a mais polêmica e abrangente, pois muitos
outros estudos são necessários além dos que
já estão em andamento, a maioria deles de
difícil execução e que poderão se estender
inclusive por um longo tempo. Por exemplo,
quanto à biodiversidade animal não há estu-
dos detalhados sobre este assunto nos dias de
hoje, mas para se ter uma compreensão mais
profunda, teríamos que voltar no tempo e res-
ponder perguntas do tipo: como era a biodi-
versidade quando as queimadas foram inici-
adas? Quando esta prática realmente come-çou? Será que coincidiu com o início do
cercamento das fazendas? etc.
Um desastre ambiental de grandes propor-
ções ocorreu em tempos mais recentes, ou
A r t i go
28Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
A r t i go
seja, no início do sé-
culo XX, com o esta-
belecimento de ser-
rarias sustentadas
com corte de
araucárias. Até a dé-
cada dos sessenta,
por motivos econômi-
cos e não ambientais,
somente eram corta-das araucárias com
perímetro superior a
40 centímetro. A ma-
deira em forma de tá-
buas era utilizada na
construção civil. A
partir da década dos
sessenta, começou a
utilização da araucá-
ria para a fabricação do papel, de embalagens
etc, através do corte indiscriminado dos pi-
nheiros. Os efeitos dessa prática são ainda
notados nos dias de hoje, pois na maioria das
florestas pode-se notar a baixa densidade de
araucárias. Porém, qual foi o efeito desta ex-ploração sobre a biodiversidade animal? Atu-
almente esse assunto só tem interesse aca-
dêmico, pois a partir de 1975 o corte raso de
araucárias foi proibido pelo IBAMA e o corte
seletivo tornou-se muito restrito.
Em conseqüência dessa situação, teve iní-
cio o ciclo econômico do pinus. Desde 1975 o
florestamento e reflorestamento com diver-
sas espécies de pinus vem se estendendo em
toda a região do Planalto das Araucárias. Ini-
cialmente, graças aos incentivos governa-
mentais, grandes e pequenas madeireiras
participaram deste processo. Decorridos cer-
ca de 25 anos e com o fim dos incentivos fis-
cais, poucas são as pequenas serrarias queainda sobrevivem; em geral predominam as
grandes indústrias madeireiras com a ten-
dência em formar grandes áreas contínuas
florestadas com pinus e em vários casos com
a eliminação de banhados através de drena-
gens dos mesmos. Esta situação nos leva a
projetar, embora o tema seja por demais polê-
mico, que existe uma ameaça concreta de
extinção do ecossistema - Planalto das Arau-
cárias. Dois outros fatos colaboram para au-mentar este temor: 1º) Em relação à arreca-
dação de ICM pelos municípios da região, as
atividades econômicas relacionadas com a
exploração das florestas de pinus são altamen-
te desejáveis. Os prefeitos são unânimes em
afirmar que as atividades agropecuárias ren-
dem muito menos ICMS para os cofres muni-
cipais do que as atividades ligadas ao ramo
florestal. Por exemplo, o município de Jaqui-
rana tem a sua arrecadação concentrada no
desempenho econômico de um número con-
siderável de serrarias existentes em seu ter-
ritório. Conforme uma recomendação da en-
genharia florestal: técnica e economicamen-
te "uma vez floresta, sempre floresta". Isto sig-nifica simplesmente que as áreas hoje cober-
tas por florestas artificiais nunca mais volta-
rão a ser campos. A extensão da área coberta
com pinus, deverá ser obtida através do in-
29 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
A r t i go
ventário florestal realizado pela UFSM e di-
vulgado em 4 de junho de 2001. Para a micror-
região homogênea formada pelos municípios
de São Francisco de Paula, Cambará do Sul,
Jaquirana, Bom Jesus e São José dos Ausen-
tes, a Universidade de Caxias do Sul (UCS,
2001) está desenvolvendo uma pesquisa onde
podem ser comparadas áreas queimadas, áre-
as roçadas, áreas não-queimadas, em termosde fertilidade do solo, presença de microorga-
nismos etc.; 2º) Do ponto de vista social, é de-
sejável que estes pequenos fazendeiros, per-
maneçam nas suas propriedades, pois ao con-
trário, caso tenham que vender suas terras,
em geral para as grandes empresas madeirei-
ras, irão engrossar as vilas das sedes munici-
pais, verdadeiros cinturões de miséria, onde a
dignidade humana atinge os níveis mais bai-
xos possíveis.
Quanto à abordagem econômica baseada
nas atividades agropastoris, a situação dos
Campos de Cima da Serra na atualidade pode
ser resumida nas seguintes considerações:
a área das fazendas está atingindo um limiteinferior, além do qual não é economicamen-
te viável qualquer nova divisão. Esse limite
estaria em torno de 200 hectares, para o caso
dos proprietários viverem exclusivamente da
exploração da pecuária extensiva. Em áreas
menores, ou são praticados outros tipos de
atividades como o cultivo da maçã, de horti-
granjeiros etc., ou ainda existem pessoas apo-
sentadas na família ou finalmente, pior de
tudo, atingiram o nível de pobreza absoluta.
Por exemplo, para o município de São Fran-
cisco de Paula (Messias, 1997), a área de cam-
pos era composta por 1055 propriedades com
uma média de 300 hectares/propriedade e
somente 109 propriedades tinham área igual
ou superior a 500 hectares. Também o nú-
mero de habitantes por propriedade era de 3,7.
Essa baixa densidade demográfica é o resul-tado da adoção do modelo consumista pelos fa-
zendeiros locais. Por exemplo, na maioria
das propriedades rurais existem veículos au-
tomotores, pois devido às grandes distâncias
existentes entre as fazendas e as sedes mu-
nicipais, o automóvel é uma necessidade.
Essa baixa densidade populacional nas fazen-
das dificulta a introdução de práticas alter-
nativas de manejo dos campos, como por
exemplo o uso de roçadeiras manuais no cor-
te do capim seco. É importante ser ressaltado
que a introdução de qualquer mão-de-obra ex-
terna à da fazenda é inviável economicamen-
te na grande maioria dos casos.
Particularmente, somos favoráveis à intro-dução de cercas elétricas, cujas baterias se-
riam alimentadas com pequenos painéis
fotovoltáicos. Esse procedimento só será
viabilizado através de incentivos governamen-
tais, porém, em muitos casos seriam cercas
longas, principalmente para englobar "agua-
das". De qualquer maneira, essa prática re-
duziria a área queimada e poderia ser execu-
tada com mão-de-obra local. Contudo, mesmo
neste caso, ficaria a pergunta: como se evita-
ria a propagação das ervas daninhas e das
sementes de pinus?
Resumindo: para a grande maioria dos cha-
mados fazendeiros a situação econômica se
encontra em uma espécie de equilíbrio pre-cário. Não há recursos próprios para melho-
ramentos relativos à exploração da proprie-
dade, é necessário o aporte de recursos ex-
ternos. Nesse ponto, merece destaque o pro-
jeto que está sendo promovido pela EMATER/RS
Para a grande maioria dos
chamados fazendeiros a situação
econômica se encontra em uma
espécie de equilíbrio precário
30Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
em parceria com as prefeituras municipais
da região homogênea dos Campos de Cima da
Serra, que, entre outros objetivos, visa a al-
cançar índices de carne bovina de até 400kg/
ha. ano (atualmente este índice é de 300kg/
ha ano EMATER/RS - São Francisco de Paula,
2000). Quanto à dimensão social da susten-
tabilidade, uma consideração merece ser des-
tacada: nas áreas coloniais dos municípios doPlanalto das Araucárias, para cada dez pro-
priedades (minifúndios) existentes, seis es-
tão abandonadas; já no caso dos Campos de
Cima da Serra, o número de propriedades
abandonadas é mínimo. Pode não mais exis-
tir a casa, sede do estabelecimento, porém a
propriedade continua sendo explorada. Uma
explicação técnico-científica para essa situa-
ção consiste no fato de, entre os animais su-
periores, os ruminantes (bovinos, ovinos e
caprinos etc.) serem os únicos que digerem a
celulose e esse é o glicídio mais abundante na
natureza. Portanto, os custos operacionais da
pecuária de corte em uma fazenda são os mais
baixos comparados com qualquer outro tipo deatividade econômica passível de ser desenvol-
vida na área da mesma.
3 A lgumas co nclusõ e s
Não parece haver dúvidas de que as quei-
madas, mesmo de forma controlada, causam
danos ao meio ambiente. O problema central
nesse debate é a avaliação qualitativa e quan-
titativa desses danos. Nesse sentido, muitos
estudos são necessários, além de todos aque-
les que estão em andamento na atualidade.
Por exemplo, os habitantes locais argumen-
tam que a biodiversidade animal está em
equilíbrio com a prática das queimadas, poisaquelas espécies sensíveis a esse tipo de
manejo já desapareceram há muito tempo.
Também, o maior perigo às espécies atu-
almente existentes se concentra nos incên-
dios sem controle algum, que poderão se in-
Em termos de sustentabilidade
econômica e social a região pare-
ce ter atingido um equilíbrio.
A sustentabilidade ambiental
é que está sob suspeita
tensificar, caso cessem as queimadas contro-
ladas e não haja um outro tipo de manejo que
evite a formação de extensas áreas como ca-
pim seco durante os meses mais frios (junho
e julho).
Em termos de sustentabilidade econômica
e social, a região parece ter atingido um equi-
líbrio. A sustentabilidade ambiental é que está
sob suspeita, porém a ameaça não é proveni-
ente só da prática das queimadas controla-
das, porém as grandes áreas contínuas plan-
tadas com pinus apontam para uma ameaçamaior para o ecossistema. Contudo, a ativi-
dade madeireira não deve ser simplesmente
combatida; é necessário algum tipo de con-
trole, pois é uma atividade bem recente, prin-
cipalmente em relação às florestas de pinus.
Uma possível saída para este impasse, que
vem sendo discutida em muitas das reuni-
ões locais envolvendo ONGs, técnicos e auto-
ridades municipais etc. consiste em estimu-
lar os fazendeiros a implantarem pequenos
bosques de pinus e araucária, mantendo na
mesma área as espécies nativas porventura
existentes. Isto permitiria a médio prazo a
comercialização do pinhão e a floresta de
pinus constituiria uma espécie de poupançacujo resgate se daria em torno de vinte anos.
Quanto à postura das autoridades ligadas
à área ambiental, se espera também uma
preocupação efetiva não só em relação às
queimadas mas também com a expansão das
florestas contínuas e homogêneas, principal-
mente com pinus. Essa última situação apon-
ta para o desaparecimento total da biodiver-
A r t i go
31 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
sidade e da beleza da encantadora paisagem
dos Campos de Cima da Serra, que tanto con-
tribui para o desenvolvimento do turismo ru-
ral e ecoturismo.
Portanto, a região do Planalto das Araucá-
rias enfrenta duas ameaças ambientais sé-
rias: queimadas de campos e a propagação das
florestas de pinus, onde uma proibição radi-
cal das primeiras acentuará a segunda e,
nesse caso, de uma maneira irreversível. São
necessárias muitas negociações sem radica-
lismos e ainda muitos estudos deverão ser fei-
tos até ser possível atingir também a susten-
tabilidade ambiental para a região.
4 Re f e rê nci as b i b l i o gráf i cas
EMATER. Rio Grande do Sul . Proje toM elhora mento da s Pa sta gens de Ca mposNativos nos Campos de Cima da Serra . SãoFrancisco de Paula, 2000.
MESSIAS, L.P.; BRISTOT, A. As a tivida deseconômicas em São Francisco de Paula e oDesenvolvimento Sustentável: conservação dabiodiversidade e desenvolvimento sustentável emSão Francisco de Paula. Porto Alegre: Editora PUCRS,1998. p. 65-77.
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WILLWOCK, J. A. São Francisco de Paula e oPlanalto das Araucárias: um ponto de vista geológico- conservação da biodiversidade e desenvolvimentosustentável de São Francisco de Paula. Porto Alegre:Editora da PUCRS, 1998. p. 53-63.
AA
A r t i go
32Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
Terra de diatomáceas como alternativa no controlede pragas de milho armazenado em propriedade familiar
* Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa deTrigo - Embrapa, Caixa Postal 451, 99001-970Passo Fundo, RS. e-mail: [email protected],
[email protected]** Extensionista Rural da EMATER/RS, Escritório
Municipal, Rua João Macagnan, 262, 95950-000Nova Bréscia, RS. e-mail: [email protected]*** Extensionista Rural da EMATER/RS, EscritórioMunicipal, Rua Jorge Fett, 84, 95870-000 BomRetiro do Sul, RS. e-mail: [email protected]*** Eng. Agr. da EPAGRI, Rua Romano Anselmo
Fontana, 339. Caixa Postal 44. 89700-000 Concór-dia, SC. e-mail: [email protected]
Lo r in i, Ir in eu eFerre ira Filh o , A rm an d o *
B arb ier i, It ac ir * *D em am an , N o rb er t o A n g elo * * *
M art in s , Ric ard o Ram o s D alb ello ,O s v ald ir * * * *
Resumo: A terra de diatomáceas é um póinerte proveniente de algas diatomáceas
fossilizadas que possui o dióxido de sílica como
principal ingrediente. A sílica tem a capaci-dade de desidratar os insetos, causando a
morte em um período variável de um a sete
dias, dependendo da espécie-praga. Trata-sede um produto seguro para operadores e con-
sumidores dos grãos, com ação inseticida du-
radoura, pois não perde efeito ao longo do tem-po. O grão tratado pode ser consumido imedi-
atamente, não precisando esperar um perío-
do de carência do produto. Deve-se lembrarque os grãos a serem tratados devem estar
secos (13% de umidade), para que a umidade
do grão não neutralize o efeito da terra dediatomáceas. A terra de diatomáceas foi vali-
dada no armazenamento de milho em dife-
rentes tipos de silos das propriedades rurais,onde o grão de milho, após seco em secador
de leito fixo, foi misturado com o pó inerte na
dose de 1,0 quilos/tonelada de milho e arma-
zenado por um ano em silos de diversas capa-cidades, desde 10 a 150 sacos. No final do pe-
ríodo de armazenamento, foi constatado que
não haviam insetos vivos na massa de grãos,nem qualquer dano no milho armazenado. Por
ser um produto natural, não-químico, a terra
de diatomáceas se constitui na forma dispo-nível no mercado brasileiro para controle de
pragas de grãos armazenados provenientes do
sistema orgânico de produção e ajustada àsnecessidades de produção da agricultura fa-
miliar.
1 Int ro d ução
Pós inertes usados para controlar pragas
de grãos armazenados são substâncias pro-
venientes de minerais extraídos de rochasque, moídos e misturados a grãos, causam a
morte de insetos por dessecação (Ebeling 1971;
Loschiavo 1988; Shawir et al. 1988; Aldryhim1990, 1993; Lorini 1999). A terra de diatomá-
ceas é um pó inerte proveniente de algas dia-
tomáceas fossilizadas que possui o dióxido desílica como principal ingrediente. A sílica tem
a capacidade de desidratar os insetos, cau-
sando a morte em um período variável de uma sete dias, dependendo da espécie-praga.
Trata-se de um produto seguro para operado-
res e consumidores dos grãos, com ação in-seticida duradoura, pois não perde efeito ao
longo do tempo. É usada como aditivo alimen-
tar em outros países, tanto para rações comopara consumo humano (Banks & Fields, 1995).
A terra de diatomáceas mostrou-se efici-
ente no controle das principais pragas do mi-lho armazenado (Tabela 1, na página 20), em
experimentos realizados no Laboratório de
Entomologia da Embrapa Trigo - empresa vin-
A lternativaTecnológica
33 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
culada ao Ministério da Agricultura, Pecuá-
ria e Abastecimento (MAPA), com mortalida-de de 100% dos insetos adultos na dose de 1,0
quilos/tonelada de grãos (Lorini 1994, 1999).
O modo de aplicação do produto é simples,pois basta misturá-lo, na dose de 1,0 kg/to-
nelada, a grãos limpos e secos e armazenar
pelo período necessário. Os insetos que vie-rem a atacar os grãos entrarão em contato
com o pó e morrerão por dessecamento. O grão
tratado pode ser consumido imediatamente,não precisando esperar um período de carên-
cia do produto. Deve-se lembrar que os grãos
a serem tratados devem estar secos (13% deumidade), para que a umidade do grão não
neutralize o efeito da terra de diatomáceas
(Lorini 1999).
2 A p l i cação d a t e rra d ed iat o máce as no armaze name nt o na
p ro p r i e d ad e f ami l i arUni d ad e d e Co ncó rd i a, SC:
O trabalho, em parceria da Embrapa Trigo
com a EPAGRI, SC, foi realizado em silo dealvenaria de 9.000 kg de capacidade, com pro-
fundidade de 2,0 m, localizado no Centro de
Treinamento (CETREDIA) da EPAGRI, em Con-córdia, SC. O tratamento dos grãos de milho
com a terra de diatomáceas foi realizado em
dois períodos de armazenamento: de 13/4 a
29/9 em 1999 e de 18/5 a 29/12 em 2000.Antes do armazenamento, o silo foi limpo para
eliminação de todos os resíduos de grãos. Após,
a estrutura interna da instalação recebeu apli-cação manual do pó inerte à base de terra de
diatomáceas, sendo usados os produtos comer-
ciais: Insecto no primeiro período (1999) eKeepdry no segundo período (2000). O milho foi
colhido, secado em secador de leito fixo, e tra-
tado com o pó inerte à medida que o silo esta-va sendo preenchido. A dose de pó inerte usa-
da foi de 1,0 quilo/tonelada de milho.
Para verificação da presença de insetos,durante o período de armazenamento, foram
instaladas 12 armadilhas plásticas de captura
de insetos no interior da massa de grãos (Lorini1999), distribuídas nos quatro cantos do silo e
em três profundidades (10 cm, 1,0 m e 2,0 m).
A cada 15 dias, eram retiradas as armadilhas,contava-se o número de insetos vivos e mor-
tos capturados, e as armadilhas eram recolo-
cadas no mesmo lugar. Essas avaliações foramrealizadas durante todo o período de armaze-
namento, nos dois anos consecutivos.
2 .1 Unid ad e d e No va Bré scia, RS:
O trabalho em parceria entre a EmbrapaTrigo e a EMATER/RS, foi realizado no muni-
Pó inerte Dose Infestação Rhyzopertha dominica Sitophilus oryzae(g/t) inicial1 nº2 E(%)3 nº2 E(%)3
terra de diatomáceas 500 20,0 10,75 b 52 4,25 c 19terra de diatomáceas 750 20,0 20,00 a 100 17,50 b 87terra de diatomáceas 1000 20,0 20,00 a 100 20,00 a 100Sem inerte 0 20,0 0,75 c - 0,50 d -C.V. (%) 5,6 4,2
Tabela 1. Efeito inseticida da terra de dia tomáceas sobre Rhyzopertha dominica e sobreSitophilus oryzae em milho armazenado. Embrapa Trig o, Passo Fundo, 1994
Mé dias seguidas da mesma letr a, par a cada pr aga e par a cada tipo de gr ã o, nã o dif er em signif icativamente entr e si,pelo teste de Duncan, a 5 % de signif icâ ncia.1 Inf estaç ã o r ealizada um dia apó s a aplicaç ã o do pr oduto no gr ã o.2 Mé dia do nú mer o de insetos mor tos sete dias apó s a inf estaç ã o inicial.3 Ef iciê ncia de mor talidade calculada pela f ó r mula de Abbott (1925).
A lternativaTecnológica
34Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
cípio de Nova Bréscia, RS,
com metodologia seme-
lhante àquela empregadana unidade de Concórdia,
SC, porém estudada em
quatro anos consecutivos.A terra de diatomáceas
foi validada no armazena-
mento de milho em dife-rentes tipos de silos das
propriedades rurais do
município, onde o grão demilho, após seco em se-
cador de leito fixo, foi mis-
turado com o pó inerte nadose de 1,0 kg/tonelada
de milho e armazenado
por um ano em silos de diversas capacidades,desde 10 a 150 sacos (Figura 1).
3 Result ados
No final do período de armazenamento, foiconstatado que não haveria insetos vivos na
massa de grãos nem qualquer dano no milho
armazenado.Os gorgulhos dos cereais (Sitophilus spp.)
foram os insetos mais encontrados durante
todo o período de estudo (92%). Também foidetectada a presença de Oryzaephilus surina-
mensis (6%), de Tribolium castaneum (1%) e de
Cryptolestes ferrugineus (1%). Houve eleva-da mortalidade de pragas de milho armaze-
nado pela terra de diatomáceas durante todo
período, evidenciando a eficácia do produtocomo inseticida.
A presença de insetos vivos detectados nas
armadilhas evidenciou a contínua infestaçãode pragas no silo oriundas de outros arma-
zéns. Porém o número de insetos mortos de-
monstrou o controle pela terra de diatomáce-as. Salienta-se que esse pó inerte não tem
efeito de morte imediata, permite que o inse-
to sobreviva por alguns dias, até que a morta-lidade ocorra por dessecação. Os insetos vi-
Figur a 1 - Vista exter na dos silos de alvenar ia ar madacom capacidade está tica de 150 sacos cada, na pr o-pr iedade de Alcides e Clenio Basso, no municí pio deNova Br é scia, RS.
vos capturados nas armadilhas estavamrecobertos com o pó inerte e apresentavam
sinais evidentes do efeito da terra de diato-
máceas, e levando a morte em poucos dias.Na propriedade de Alcides e Clenio Basso
em Nova Bréscia, pioneira na utilização de
terra de diatomáceas para controle de pragasno milho no município, os resultados podem
ser medidos pelo nível de satisfação dos agri-
cultores. No início das observações a propostaera comparar milho tratado com terra de dia-
tomáceas e fosfina nos dois silos da proprie-
dade, com capacidade de 150 sacos de milhocada (Figura 2, na página 22).
Como o resultado foi excelente, mostrando
grande superioridade do uso da terra de dia-tomáceas em relação a fosfina, já no primei-
ro ano dos testes, Clenio e Alcides, resolve-
ram não mais usar a fosfina e atualmenteutilizam somente a terra de diatomáceas (Fi-
guras 3 e 4, na página 22) nos trezentos sacos
de milho colhidos anualmente e estocados nossilos da propriedade (Figura 5, na página 23).
A lternativaTecnológica
35 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
Figur a 2 - Vista inter na dos silos.
Para uso dos agricultores exis-
tem duas marcas comerciais do pro-
duto à base de terra de diatomáce-as, devidamente registradas no Mi-
nistério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, que são Insecto eKeepdry, ambos a 1,0 quilo/tonela-
da de grãos.
Por ser um produto natural, não-químico, a terra de diatomáceas se
constitui na forma disponível no
mercado brasileiro para controle depragas de grãos armazenados pro-
venientes do sistema orgânico de
produção e ajustada às necessida-des de produção da agricultura fa-
miliar.
4 Co nclusõ e s
A terra de diatomáceas, é umproduto extremamente seguro para
o uso no controle dos principais in-
setos que atacam os grãos armaze-nados, sendo que podem ser enu-
meradas algumas vantagens na
sua utilização:1. Na dosagem recomendada não
é prejudicial para quem aplica, para
os consumidores dos grãos e tam-pouco para outros seres vivos, não
deixando no produto tratado ne-
nhum resíduo tóxico após a sua uti-lização;
2. Não compromete o meio am-
biente, pois o seu uso não produznenhum resíduo com característi-
cas contaminantes;
3. Tem uma ação inseticida du-radoura, não perdendo efeito ao lon-
go do tempo, e;
4. É de fácil manuseio, não ne-cessitando nenhum tipo de equipa-
mento para a sua aplicação, quan-
do utilizado em pequena escala.
Figur a 3 - Detalhe da aplicaç ã o da ter r a de diatomá ceas.
Figur a 4 - Milho sem a pr oteç ã o de ter r a de diatomá ceas (a) e imedia-tamente apó s a aplicaç ã o do pr oduto (b).
a
b
AA
A lternativaTecnológica
36Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
Figur a 5 - Detalhe da descar ga do milho com altaqualidade em um dos silos da pr opr iedade de Alcidese Clenio.
5 Re f e rê nci as Bi b l i o gráf i cas
ALDRYHIM, Y.N. Combination of classes of wheatand environmental factors affecting the efficacy ofamorphous si l i ca dust , d ryacide, aga instRhyzopertha dominica (F.). Journa l of StoredProducts Research , v.29, p.271-275, 1993.
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A lternativaTecnológica
37 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
Cristóvão, Artur**Koehnen, Timothy**Strecht, António***
Resumo:O desenvolvimento de sistemas de agricul-
tura sustentados, como a agricultura biológi-
ca, protetores do ambiente e com potencialpara ajudar a fortalecer a economia rural, é
um desafio importante às escalas européia e
global. Se, 10 ou 15 anos atrás, a produçãoagrícola biológica era praticamente ignorada
pelas autoridades públicas e os decisores po-
líticos, hoje é considerada uma alternativa devalor à agricultura convencional e uma área
importante de intervenção. Em suma, a agri-
cultura biológica saiu da marginalidade e pro-gride em todo o mundo. Na União Européia o
apoio à agricultura biológica cresceu conti-
nuamente nos últimos cinco anos e os resul-tados são bem visíveis. A área de produção
biológica mais do que dobrou desde 1992 e
espera-se que continue a crescer. Em 1999,tal área correspondia a 2,2% da SAU e envol-
via 1,45 % das explorações. Os produtos bioló-
gicos representam já cerca de 3% dos produ-tos alimentares vendidos na UE, enquanto em
Produção Agrícola Biológica (Orgânica) emPortugal: Evolução, Paradoxos e Desafios*
*Trabalho preparado no quadro de um Projectofinanciado pela União Europeia através do Centro para
o Desenvolvimento da Formação Profissional(CEDEFOP). Uma versão mais completa e desenvol-vida foi apresentada no IV Colóquio Hispano-Portugêsde Estudos Rurais, Santiago de Compostela, 7 e 8 deJunho de 2001. (Texto em português de Portugal).* *Professores da Universidade de Trás-os-Montes e
Alto Douro, Portugal.E-mails: [email protected] e [email protected]***Consultor Técnico e Formador em Agricultura
Biológica. Email: [email protected]
1992 apenas representavam 1%. A procura dosconsumidores também tem vindo a crescer e
o mercado a organizar-se. Apesar de tudo, essa
forma de produção ainda enfrenta muitos obs-táculos, nomeadamente em áreas como a or-
ganização da produção e da distribuição, a
investigação, o ensino, a formação e a exten-são. Esse trabalho é uma contribuição para
avaliar o estado da agricultura biológica em
Portugal. Para além de apresentar uma pers-pectiva de evolução desde 1985 até ao final
de 1999, discute alguns paradoxos e desafios
relativos ao desenvolvimento deste tipo deagricultura.
Palavras-chave: Portugal; desenvolvimentoagrícola; agricultura biológica (orgânica)
1 Um t e rre no f é rt i l para od e se nvo lvime nt o d aagri cult ura b i o ló gi ca
A segurança alimentar é hoje questão de
debate público e aguda preocupação em nívelpolítico. Na União Européia (UE), dois Comis-
sários, Franz Fischler e David Byrne, promo-
veram recentemente uma mesa-redonda dealto nível, com representantes do sector agro-
alimentar, da distribuição, dos consumidores
e dos meios científicos, tendo em vista defi-nir uma nova orientação para produção e po-
lítica alimentares em termos de seguran-
ça, qualidade e custos. Nela "foram discutidosos sistemas de produção, a evolução das atitu-
des quanto à relação qualidade-custos, o
defasamento entre a procura de qualidade e aoferta do mercado, a sensibilidade crescente aos
aspectos de respeito pelo ambiente, bem-estar
dos animais e responsabilidade social, a trans-parência necessária ao longo de todo o ciclo de
A r t i go
38Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
produção e o papel da futura Autoridade Alimen-
tar Européia na restauração da confiança dos
consumidores" (Comissão Européia - DGA,2001).
Na comunicação social escrita portugue-
sa, tem sido crescente o número de artigosque abordam estas questões. No Notícias Ma-
gazine de 8 de abril deste ano, uma entrevis-
ta com o Prof. Armando Louzã, Catedrático deSaúde Pública da Faculdade de Medicina Ve-
terinária de Lisboa, explorava os múltiplos
riscos atuais para a segurança alimentar,nomeadamente os decorrentes da cada vez
maior intensificação e artificialização da pro-
dução de alimentos (uso de antibióticos,hormonas e estelerizantes, por exemplo), da
ganância de lucro de produtores, industriais
e comerciantes, e da homogeneização de há-bitos alimentares ("fast food"). Em a Grande
Reportagem de Março de 2001, em artigo as-
sinado por Luís Rebelo intitulado "Comer éperigoso", desenvolvem-se algumas destas
questões e analisam-se outras, com recurso
a sobejos exemplos. O artigo começa (e aca-ba) em tom alarmante: "Carne com químicos
ilegais que envenenam, vegetais com pesti-
cidas em excesso, águas contaminadas, ali-mentos vários com detritos de fezes e bacté-
rias que provocam intoxicações alimentares
em série, peixe poluído por metais pesados,transgênicos por toda parte, sem que nin-
guém saiba até que ponto são prejudiciais para
a saúde. É difícil não perder o apetite - a emen-ta do país está podre". Seguem-se os porme-
nores de casos diversos que têm sido alvo de
estudo por equipes técnicas e científicas li-gadas a organismos de saúde pública, defesa
do consumidor, investigação veterinária e
proteção do ambiente.É nesse contexto que o desenvolvimento de
sistemas de agricultura sustentados, como a
agricultura biológica (orgânica), protetores doambiente e com potencial para ajudar a for-
talecer a economia rural, se constitui como
um desafio importante, às escalas européia
e global. Se há 10 ou 15 anos atrás, a produ-
ção agrícola biológica era praticamente igno-
rada pelas autoridades públicas e os decisorespolíticos, hoje é considerada como uma alter-
nativa de valor à agricultura convencional e
uma área importante de intervenção. Emsuma, a agricultura biológica parece ter saí-
do definitivamente da marginalidade e não
restam dúvidas de que progride em todo omundo.
Na UE o apoio à agricultura biológica cres-
ceu continuamente nos últimos cinco anos eos seus resultados são já bem visíveis. A área
de produção biológica mais do que dobrou des-
de 1992 e espera-se que continue a crescer.Em 1999, tal área correspondia a 2,2% da SAU
e envolvia 1,45 % das explorações (Chambre
d'Agriculture du Pays de la Loire, 2000: 4-5).Os produtos biológicos representam já cerca
de 3% dos produtos alimentares vendidos na
UE, contra 1% em 1992 (CE, 2000: 22). A pro-cura tem também vindo a crescer e o merca-
do a organizar-se, sendo a Europa o primeiro
consumidor mundial. Também noutras áre-as do globo, por exemplo nos Estados Unidos
da América, o mercado dos produtos biológi-
cos é o mais dinâmico da indústria alimen-tar, registrando, na última década, um cres-
cimento de 20% ao ano, em comparação com
os cerca de 2% do setor em geral (Lane andShortridge, 2001:210).
Apesar de tudo, essa forma de produção ain-
da enfrenta muitos obstáculos, nomeadamen-te em áreas como a organização da produção
e da distribuição, a investigação, o ensino e a
A r t i go
39 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
formação e a extensão. Esse trabalho é umacontribuição para avaliar o estado da agricul-
tura biológica em Portugal. Para além de apre-
sentar uma perspectiva de evolução desde1985 até ao final de 1999, levanta um con-
junto de questões para reflexão, sob a forma
de paradoxos e desafios.
2 A agr i cul t ura b i o ló gi cae m Po rt ugal: d as o r i ge ns
à ráp i d a e xp ansão 1
A agricultura biológica não é uma ativida-
de nova em Portugal. De acordo com Silva
(2000, 22), as primeiras iniciativas remon-tam a 1976 e em 1985 foi constituída a Asso-
ciação Portuguesa de Agricultura Biológica
(AGROBIO). Até muito recentemente, estaAssociação foi, na verdade, a principal insti-
tuição responsável pela difusão da idéia e pela
promoção da produção, sobretudo através daexperimentação, do estímulo à troca de expe-
riências e da disseminação de informação
entre agricultores e consumidores. Como nou-tros países, as origens estão sobretudo liga-
das a movimentos de contestação do
modelo dominante de agricultura e àbusca de formas alternativas de pro-
dução, respeitadoras do ambiente e
defensoras da saúde dos consumido-res.
O número de produtores cresceu
muito lentamente até 1990. Desdeentão a taxa de crescimento come-
çou a aumentar. Em 1993, a agricul-
tura biológica representava cerca de 2.790 ha,sendo Trás-os-Montes (Norte do país) a prin-
cipal área de produção, tendo em conta o nú-
mero de explorações (23). Cerca de 50% des-sa área era ocupada por olivais, seguida por
cultura arvenses (30%), árvores de fruto, vi-
nhas e culturas hortícolas. Em geral, os tiposde culturas produzidas em cada região ou zona
reflectiam o sistema dominante de agricul-
tura. No caso de Trás-os-Montes, a olivicultura
era, claramente, a atividade mais importan-
te.As principais mudanças ocorreram em
1996 e, desde aí, o número de agricultores e
a superfície ocupada cresceram substancial-mente, como visto no quadro 1. As Medidas
Agroambientais da UE, especialmente atra-
vés dos subsídios ao rendimento, encorajarama emergência de novos operadores, sobretudo
produtores, em particular no Alentejo, Beira
Interior e Trás-os-Montes, onde as formas deprodução extensiva são predominantes. Tal
fato explica o crescimento rápido das áreas
de olival, pastagens e outras culturasarvenses. A área apoiada por essas medidas
passou de 910 ha, em 1995, para 9.938 ha,
em 1997, e o número de explorações apoia-das evoluiu de 166 para 226. Tal represen-
tou, contudo, uma pequena percentagem dos
compromissos Agroambientais: 1,82% da áreae 0,17 dos acordos em 1997 (Forest e Lampkin,
1999: 18-27).
Quadro 1. Taxas de crescimento do nº deoperadores biológicos e da área de produ-
ção (1996 -1999)
No final de 1999, a situação era a seguin-te2: a agricultura biológica representava
47.974 ha, ou seja, cerca de 1% da área culti-
vada no país; o número de operadores, nagrande maioria produtores, era de 750; o
Alentejo (Sul do país) tornou-se a principal
região de produção biológica, em termos deárea (22.917 ha) e de operadores (382), Trás-
os-Montes era a terceira região, com 5.840
ha e 144 operadores certificados;e a produção
Nº de Taxa de Área (ha) Taxa deOperadores Cresc. (%) Cresc. (%)
1996 240 – 9.188 –
1997 278 15,8 12.193 32,71998 564 102,8 29.622 142,9
1999 750 24,8 47.974 61,9
96-99 – 212,5 – 389,4Fonte: Com base nos dados do Guia dos Pr odutos de Qualidade 2000.
A r t i go
40Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
olivícola era dominante, representado 40% da
área, seguida pelas pastagens, que correspon-diam a 24% da área. Cereais, frutas, plantas
aromáticas e produtos hortícolas vinham a
seguir na escala de importância.Apesar do crescimento rápido observado, a
agricultura biológica ainda tem uma expres-
são reduzida no país, como se pode verificarno quadro 2. As comparações com a agricul-
tura convencional são difíceis, mas, de acor-
do com os números disponíveis, e consideran-do as áreas de produção, esta nova forma de
agricultura representava, em 1999, apenas
6% do olival, 1,5% das pastagens, 0,7% dospomares e 0,4% das vinhas.
Quadro 2. Área de produção de agricultu-
ra convencional e biológica por culturasseleccionadas (ha)
* MADRP, 1998: p. 17, baseado no RGA/89 and Inqué r itoà s Estr utur as Agr á r ias/1995** Guia dos Pr odutos de Qualidade 2000
3 Parad o xo s e d e saf i o s urge nt e s
A análise da evolução da agricultura bioló-
gica em Portugal nos últimos anos, cruzada
com o conhecimento do modelo institucional
do setor e de outros aspectos de funcionamen-
to do mesmo, geram todo um conjunto de ob-
servações e interrogações, que aqui expri-
mimos. De uma forma geral, estamos na pre-
sença de um conjunto de paradoxos e desafi-
os que não são exclusivos de Portugal e que
merecem reflexão mais aprofundada por par-
te da comunidade científica dos atores soci-
ais mais ligados a essa problemática.
3 .1 Do d iscurso po lí t i co àsp rát i cas i nst i t ucio nai s
É hoje pacífico afirmar e reconhecer que a
agricultura biológica saiu da marginalidade.
Face ao decréscimo contínuo dos preços dosprodutos agrícolas convencionais e conse-
qüente depressão dos rendimentos dos agri-
cultores, perante a ameaça de ruptura demuitas áreas rurais e tendo em conta as cres-
centes preocupações ambientais e de segu-
rança alimentar dos consumidores, os gover-nos cederam um pouco. Os movimentos
de agricultores, ambientalistas e consu-
midores têm aumentado o tom das suasreivindicações e marcado as decisões
nessa matéria. Cada vez mais, na Euro-
pa em outras áreas do mundo, se fala danecessidade de uma nova agricultura,
"amiga do ambiente", "sustentável", "ver-
de".Podemos, contudo, questionar a consistên-
cia entre o discurso político e as práticas ins-
titucionais, nomeadamente na UE e em Por-tugal. Efetivamente, para onde vai atualmente
o grosso do orçamento agrícola? E com base
em que critérios é atribuída a maior fatia desubsídios? Que percentagem cabe às medidas
de apoio a uma agricultura amiga do ambien-
te e da saúde dos consumidores? Essas são,por exemplo, questões que importa investigar
e documentar claramente. No caso das Medi-
das Agroambientais em Portugal, a verdade éque apenas uma pequena percentagem foi ca-
nalizada para a agricultura biológica, como já
referimos neste trabalho.Por outro lado, face ao discurso a favor de
uma "agricultura verde", como se tem equi-
pado tecnicamente o Estado? A nossa obser-
Convencional* Biológica* *Nª %
Frutos frescos 94.385 693 0,72
Olival 330.336 19.415 5,93Vinha 239.720 883 0,37
Pastagens 736.521 11.339 1,54
É hoje pacífico afirmar e
reconhecer que a agricultura
biológica saiu da marginalidade
A r t i go
41 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
vação, nomeadamente no que se relaciona
com a agricultura biológica, leva-nos a con-
cluir que há, no momento presente, uma qua-se total falta de técnicos qualificados, quer em
nível central, quer em nível regional e local.
Na generalidade dos serviços, seguramente,o "bio" não saiu da marginalidade.
O mesmo podemos afirmar quanto à quase
totalidade das instituições de ensino superi-or e investigação agrária, incluindo o Insti-
tuto Nacional de Investigação Agrária. Os do-
centes e investigadores que trabalham nes-se domínio são poucos, estão isolados, contam
com reduzido ou nulo apoio institucional. A
maioria dos dirigentes e técnicos olha comdesconfiança para esse tipo de métodos de pro-
dução e está mal informada sobre a sua apli-
cação, em nível da produção, da transforma-ção, da certificação e da comercialização dos
produtos.
Os principais apoios institucionais aos o-peradores provêm do movimento associativo,
nomeadamente da AGROBIO, das Associações
Regionais e de Associações de Desenvolvi-mento Local que encorajam iniciativas ino-
vadoras que possam constituir uma base para
a revitalização dos seus territórios de inter-venção.
3 .2 De e l i t e para e l i t e
Na situação atual, que não se modificará
substancialmente no curto ou médio prazo, aprodução biológica é, fundamentalmente, ba-
seada numa elite de produtores, como se tem
demonstrado em vários estudos e ilustrado noquadro seguinte, com base em trabalho re-
cente, coordenado por Carvalho (2000), que
confirma e pormenoriza as conclusões de an-teriores estudos (Cristóvão e Pereira, 1995;
Silva, 2000). Como vemos, o produtor biológi-
co médio apresenta traços bem distintos doprodutor agrícola nacional médio, em termos
de idade, nível de escolaridade e formação pro-
fissional, sendo as suas explorações dominan-
temente médias a grandes e estritamente li-
gadas ao mercado.
Perfil dos produtores biológicosportugueses e das suas explorações*
(1) Predominantemente jovens, com idade sobretudo com-preendida entre os 40 e os 49 anos;
(2) Nível de escolaridade acima da média, tendo cerca de
40% um curso superior;(3) A quase totalidade freqüentou um Curso de Formação
Profissional de Introdução à Agricultura Biológica;
(4) A grande maioria pratica a agricultura biológica há relati-vamente pouco tempo, menos de 6 anos;
(5) As principais motivações relacionam-se com a produção
de produtos saudáveis e a preservação dos solos e do ambien-te em geral;
(6) A maioria das explorações pratica a policultura, sendo
importante a produção animal;(7) A área das explorações é muito variável, sendo dominan-
tes as médias e grandes;
(8) Mais de metade dos produtores dedica-se também a ou-tras atividades ligadas ao setor, como a comercialização de pro-
dutos e/ou fatores de produção, a transformação, a sensibiliza-
ção dos consumidores, a divulgação e marketing, a formação eoutras.
* Adaptado de Carvalho, 2000: 65-70.
Por outro lado, se olharmos para os (pou-
cos) dados existentes sobre o mercado, verifi-
ca-se que os consumidores "bio" correspon-dem a um nicho ainda restrito, constituído
por elementos com maior poder de compra,
mais informados e com mais consciência emmatéria de saúde humana e ambiente. Mar-
ques e Teixeira (1998), em trabalho sobre o
consumo de azeites em Portugal, traçam operfil do potencial consumidor de azeites bio-
lógicos, que se caracteriza pela origem urba-
no, um mínimo de 11 anos de escolaridade epreferência pela compra em hiper e super-
mercados. No quadro do estudo que realiza-
mos recentemente (Cristóvão et al., 2000: 67-68) entrevistamos três comerciantes especi-
A r t i go
42Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
alizados e certificados,
com importância sig-
nificativa em termosdo volume de vendas.
Todos sublinharam
que a procura está acrescer e o mercado a
mudar. Todos defini-
ram os clientes atuaiscomo pessoas bem in-
formadas, com rendi-
mentos acima da mé-dia e criteriosos na
escolha dos alimentos.
A quebra deste ciclo"de elite para elite"
passará por mudanças
a vários níveis, em par-ticular: (1) um substancial aumento do nú-
mero de produtores, associada a uma cres-
cente heterogeneidade das suas caracterís-ticas; (2) um substancial aumento e diversi-
ficação da oferta; (3) a diminuição dos preços
ao consumidor; e (4) um crescimento signifi-cativo do número de consumidores e altera-
ção do seu perfil. Daqui decorrem algumas
questões críticas como: Quando o ciclo se que-brar, i. e., com muitos mais produtores, con-
sumo alargado e poucos (ou nenhum) apoios
comunitários, até que ponto continuará ahaver vantagens econômicas para os produ-
tores? Que impacto terá uma previsível alte-
ração deste quadro de vantagens?A experiência da Áustria, referida por Gra-
ça e Carvalho (1999, 9), mostra que, enquan-
to se manteve o ciclo "de elite para elite", ouo equilíbrio entre uma minoria de produtores
"verdes" e uma minoria de consumidores "ver-
des", os produtos biológicos tinham preços bemsuperiores aos dos produtos da agricultura
convencional.
Porém, "quando o equilíbrio se rompeu, ospreços dos produtos biológicos desceram apro-
ximando-se ou igualando aos preços dos pro-
dutos não-biológicos".
3.3 A Het erogeneidaded e M o t i vaçõ e s d o s
Pro d ut o re s
As motivações dos
produtores "bio" têm
evoluído substancial-mente nos últimos
anos. Assim, se há
uma, duas ou mais dé-cadas o desenvolvi-
mento da agricultura
biológica era sobretudomovido por razões ide-
ológicas, hoje parece
ser particularmentedominado por razões
econômicas. Há aqui,
certamente, matéria de interesse para refle-xão, da qual se podem tirar interessantes li-
ções em vários domínios.
No caso das motivações ideológicas, é cla-ra a presença de um quadro de valores que
questiona as bases da agricultura convencio-
nal e do próprio modelo de desenvolvimentoagrícola e rural. Estamos a falar de um seg-
mento de agricultores que possui uma visão
alternativa sobre a prática da agricultura e asua relação com o ambiente e a sociedade.
Poderíamos até, em muitos casos, falar de
uma visão diferente do mundo. Estamos, naverdade, perante agricultores que colocaram
em causa o paradigma dominante e que, in-
dividual ou coletivamente, passaram a umaação inovadora e de ruptura, recusando a
estandartização das técnicas e a homogenei-
zação dos produtos e indo contra a correnteda industrialização da agricultura, movida
pelos interesses das grandes agroindústrias
e do grande comércio. Pode dizer-se que com-preenderam (cedo) o desafio da sustentabili-
dade da agricultura e remaram contra a maré
dos sistemas estabelecidos de formação, ex-tensão e investigação, criando redes infor-
mais de aprendizagem e desenvolvendo a sua
A r t i go
43 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
própria experimentação.
Na base da sua evolução estão, certamen-
te, complexos processos de aprendizagem so-cial, que resultaram não só no desenvolvi-
mento de novos saberes, mas também na
construção de uma nova ética agronômica(Ison et al. , 2000: 38). Teremos, porventura,
agricultores que passaram por um processo
que alguns autores, como Ison et al. (2000,46), designam por "mudança de segunda or-
dem", isto é, saíram do sistema e passaram a
vê-lo de outra perspectiva e outro nível, quese baseiam numa racionalidade distinta. É
esse o tipo de mudança, no fundo, que encer-
ra as possibilidades de mudança do próprio sis-tema.
No caso das motivações predominante-
mente econômicas, que parecem se sobres-sair na fase regulamentada da produção bio-
lógica, temos um vasto conjunto de produto-
res que, na essência, continuam a operar noquadro do paradigma dominante. Ou seja, são
hoje produtores biológicos porque, no contex-
to presente, daí retiram algumas vantagenseconômicas, nomeadamente subsídios não
desprezíveis. Não questionaram o modelo que
impera, nem estará nas suas intençõesmudá-lo, apenas aproveitaram as vantagens
que o mesmo oferece nessa fase. Trata-se,
por comparação com o caso anterior, de umprocesso de inovação no quadro do mesmo pa-
radigma tecnológico e no âmbito do sistema
dominante de produção e desenvolvimento.Parece claro que, se pensarmos nas políti-
cas em geral e nas intervenções nos domíni-
os da formação, extensão e investigação, mes-mo no âmbito do controle e certificação, esta-
mos na presença de grupos com interesses,
necessidades e capacidades diferentes. En-tre os primeiros, com motivação dominante-
mente ideológica, encontraremos, porventu-
ra, fortes aliados, quiçá elementos já envol-vidos em iniciativas de formação, em redes
de experimentação, em círculos de troca de
idéias. Relativamente aos outros, com moti-
vação sobretudo econômica, que são hoje mui-
to provavelmente a grande maioria, teremos
de equacionar o uso de outras abordagens, quefacilitem "mudanças de segunda ordem". A
questão crítica, porém, é que a maioria dos
técnicos e investigadores, apesar de usaremum discurso de desenvolvimento agrícola sus-
tentado, agem ainda encerrados na lógica do-
minante de uma agricultura produtivista. Háaqui, pensamos, um desafio claro para uma
aprendizagem conjunta, que envolva agricul-
tores, técnicos, cientistas, consumidores eoutros grupos de interesse, na busca de no-
vos quadros de valores, de uma nova ética, e
na construção de alternativas tecnológicasapropriadas (Hubert et al., 2000:15).
3 .4 Para mai s e x i gê nci a t é cni ca…me no s apo io !
Este é mais um paradoxo revelado pelo es-tudo recente do caso português e que, certa-
mente, se verifica em outros países. Na ver-
dade, a prática dos métodos de produção bioló-gica, tal como acontece com outras formas de
agricultura sustentada (protecção integrada,
produção integrada, agricultura com baixonível de "inputs" etc.) exige consideráveis ca-
pacidades técnicas.
O produtor "bio" tem de ser um observadorbem treinado, nomeadamente no que toca às
condições de solo, clima e desenvolvimento
da cultura (ou produção) e possíveis riscos, emespecial em termos de doenças e pragas. O
produtor tem, naturalmente, de ter bons co-
nhecimentos dos possíveis itinerários técni-cos e respectivas práticas e uma boa capaci-
dade para tomar decisões atempadamente. O
produtor não pode ignorar as questões do mer-cado e tem de construir ou procurar circuitos
vantajosos de distribuição e venda. Talvez
mais do que tudo isto, o produtor "bio" tem deter uma visão "holística" ou sistêmica da sua
atividade e um bom domínio de saberes agrí-
colas locais ou populares, por exemplo, sobre
A r t i go
44Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
os usos da flora e da fauna, os solos, os ciclos
culturais, ou as pragas e doenças mais co-
muns e as formas de as combater.Na essência, o produtor tem de aprender
continuamente, num quadro de trabalho que
é relativamente novo, muito exigente e su-jeito a um sistema de controle e certificação.
Não é de estranhar, assim, o que revelam
estudos como o de Buck (2000, 157), sobre asrazões para os agricultores, nesse caso ho-
landeses, mudarem ou não para práticas con-
sideradas sustentáveis: têm medo de não sercapazes de aprender, sendo essa uma das jus-
tificações para não mudarem para os chama-
dos "sistemas agrários integrados" e, especi-almente, para a agricultura biológica.
O que é paradoxal é que os contributos para
esta aprendizagem são ainda muito escassos,nomeadamente entre nós, mas não exclusi-
vamente. Isto é, a uma maior exigência téc-
nica não corresponde um esforço acrescido deapoio técnico, muito pelo contrário. O estudo
do caso português revela que o "sistema de
conhecimentos e informação" associado àagricultura biológica é ainda muito frágil,
muito desarticulado, sendo escassas as opor-
tunidades de aprendizagem contínua. Mostra,em particular: o baixo empenhamento das
instituições de ensino superior nessa área,
apesar dos progressos recentes e dos projetosno papel; a acentuada falta de investigação e
experimentação; a ausência de extensão pú-
blica; a muito limitada capacidade de apoiotécnico do próprio tecido associativo; a falta
de formadores qualificados, apesar da cres-
cente oferta de formação para agricultores.
3 .5 Do agri cult o r para o t e rr i t ó r i o
As intervenções de promoção da agricultu-
ra biológica têm sido escassas e sobretudo da
responsabilidade das Associações do sector.Até recentemente, a AGROBIO era a única
Associação com carácter nacional. Foi criada
em 1985 e os seus 2,3 mil associados são pro-
O produtor "bio" tem de ter
uma visão "holística" ou sistémica
da sua actividade e um bom
domínio de saberes agrícolas
locais ou populares
dutores, técnicos e consumidores, represen-tando vários interesses, portanto.
Essa associação realiza uma atividade
multifacetada, que inclui: o apoio técnico aosprodutores e outros operadores (mais no pas-
sado, nos primeiros tempos, do que hoje); a
formação, sobretudo de agricultores; a inves-tigação, em parceria com universidades e ou-
tras instituições; a instalação de campos de
demonstração; a promoção dos produtos bioló-gicos junto dos consumidores; a educação
ambiental de jovens; e a edição e difusão de
informação técnica. Até 1993 a AGROBIO feztambém o trabalho de certificação e controlo.
Em nível regional, existem atualmente
seis associações, todas criadas depois de 1995,a maioria mesmo depois de 1997. No seu con-
junto cobrem praticamente todo o território
nacional, incluindo as regiões autónomas dosAçores e Madeira. Todas elas visam a promo-
ver a agricultura biológica através de infor-
mação, formação, assistência técnica e apo-io a atividades de experimentação. Algumas
intervêm também no domínio da comerciali-
zação dos produtos, nomeadamente as Asso-ciações dos Açores (NATURA) e do sul do con-
tinente (SALVA). O seu grau de dinamismo é
muito variável.Uma questão que se coloca diz respeito ao
caráter da intervenção de todas estas associ-
ações e à possibilidade de ampliarem ou di-versificarem a sua base de ação, passando dos
agricultores, tomados individualmente, para
grupos mais alargados e para os seus territó-rios, numa perspectiva de valorização inte-
grada de recursos. Na verdade, poderá residir
numa intervenção menos setorializada emais territorializada, em que a agricultura
A r t i go
45 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
biológica se articule com outras iniciativas,
como o turismo rural e o ecoturismo, a chave
para a revitalização de muitos espaços rurais.É nessa lógica que têm trabalhado algumas
Associações de Agricultores Biológicos na Itá-
lia, nomeadamente articulando esforços comautarquias locais e Associações de Desenvol-
vimento Local e criando "Pactos Territoriais
de Desenvolvimento", geradores de dinamis-mo e de sinergias entre ações, visando a um
desenvolvimento assente na qualidade e na
sustentabilidade3. Na Áustria, país em que aagricultura biológica ocupa já cerca de 10%
da SAU, tem também sido seguida uma políti-
ca global para o desenvolvimento da agricul-tura de montanha, centrada na qualidade e
na opção biológica, em articulação com a ati-
vidade turística e a conservação da paisagem(Graça e Carvalho, 1999: 5).
4 A lgumas co nclusõ e s e i nt e rro gaçõ e s
Esse trabalho apresenta uma visão global
da evolução da agricultura biológica em Por-
tugal. Mostra que este novo setor da agricul-tura é ainda muito reduzido, representado um
número limitado de operadores e uma área
pequena. Mostra, igualmente, que os princi-pais progressos se verificaram nos últimos
anos, em especial a partir de meados da dé-
cada de 90, e que existem condições favorá-veis para promover o uso de métodos de pro-
dução biológica, em benefício dos agriculto-
res, dos consumidores e da sociedade no seu
conjunto.O envolvimento e comprometimento das
autoridades públicas é ainda muito incipien-
te, estando longe do desejável e em contradi-ção com o discurso político oficial. Porém, o
aumento da densidade do tecido institucional
ligado à agricultura biológica é um elementopromissor. Passo a passo, agricultores, con-
sumidores, agentes de desenvolvimento e
outros atores têm constituído um quadro dereferência de apoio à agricultura biológica.
Urge ultrapassar o fosso existente entre as
necessidade de aprendizagem inerentes auma actividade complexa como a produção
"bio" e a oferta efectiva de oportunidade de
aprendizagem. São muitas, em suma, asquestões que merecem atenção cuidada:
aA agricultura biológica saiu da margina-
lidade, ganhou expressão política, traduzidano seu reconhecimento e em apoios finan-
ceiros crescentes. Mas existe ainda um fran-
co desajustamento entre discurso e prática.Para a agricultura biológica e outras formas
de produção sustentada ficam as migalhas de
um grande bolo que alimenta uma agricultu-ra européia predominantemente produtivis-
ta. No caso português, há um claro desajusta-
mento entre o discurso oficial e o compromis-so institucional. Qual é, por exemplo, a real
capacidade técnica do Ministério da Agricul-
tura, nos níveis central, regional e local, paraapoiar e supervisionar eficazmente a agricul-
tura biológica?
aA produção é ainda reduzida para a mai-oria dos produtos, existindo um significativo
potencial de crescimento. Mas como equili-
brar o desenvolvimento da produção, nomea-damente reforçando as áreas da horticultura,
fruticultura e o sector pecuário, cuja produ-
ção intensiva é mais preocupante para o am-biente e a saúde dos consumidores? E onde
está (ou como está) o imprescindível sistema
institucional de apoio à agricultura biológica,
O envolvimento e o comprometi-
mento das autoridades públicas é
ainda muito incipiente, estando
longe do desejável e em
contradição com o discurso
político oficial
A r t i go
46Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
nomeadamente em termos de investigação,
experimentação, formação e extensão?aA procura, apesar de reduzida, está a
aumentar, como demonstram as importações
diárias de produtos biológicos, em especial fru-tos, produtos lácteos e cereais (em grão ou
transformados). Mas como quebrar o ciclo "de
elite para elite" e que implicações isso pode-rá ter para o setor?
aAs motivações dos produtores e outros
operadores são hoje mais diversificadas. Pas-samos rapidamente de uma fase em que os
produtores se moviam sobretudo por razões
ideológicas, para outra, em que predominamas de caráter econômico. Como desenvolver
a consciência ambiental da massa de produ-
tores e criar uma nova ética da atividade agrí-
cola? Como facilitar "mudanças de segunda
ordem" - que permitam desenvolver a inova-ção no quadro de outro paradigma de desen-
volvimento -, ao nível dos investigadores, dos
técnicos e dos agricultores?aO crescimento do número de produtores
foi grande nos últimos 4 a 5 anos e deveu-
se, sobretudo, à implementação das medidasagroambientais. Não existiu qualquer estra-
tégia de intervenção concertada entre ato-
res, para além de ações de formação de agri-cultores e técnicos ou de sensibilização de
consumidores (em feiras, por exemplo). Como
evoluir para um trabalho de base territorial, quearticule o desenvolvimento da agricultura bio-
lógica com outras iniciativas de valorização dos
recursos naturais e culturais?
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1Esta parte da comunicação segue de perto
o artigo "Novas Agriculturas em Portugal: Olongo caminho para o desenvolvimento daprodução biológica", de A. Cristóvão, T.Koehnen, A. Strecht e D. Vilas Boas, paraPublicação pelo Centro de Estudos Geográficosda Universidade de Lisboa.
2Dados fo rnecidos ora lmente pelo
Presidente da AGROBIO apontam para aexistência actual de 800 operadores e de uma
área semelhante à de 1999. No final de 2000a SOCERT-Portugal, uma das duas instituiçõesde controlo e certificação, era responsável porcerca de 44.000 ha no continente, 28,5 hanos Açores e 23,3 ha na Madeira.
3Comunicação de Fabio Piccioli, Vice-Presidente
da AGRIBIOMEDITERRANEO, ao Colóquio sobre"Agricultura Biológica e DesenvolvimentoSustentável", promovido pela AGROBIO e realizadoem Tavira no dia 28 de Abril de 2001.
No t as
A r t i go
48Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
P en g u e, W alt er A lb er t o *
"Son los hombres los que aran su próprio
surco" José Ingenieros, en Las FuerzasMorales
Cruzando e l puent e hac ia e l nuevomilenio, nuestra agricultura está sufriendo
transformaciones transcendentales, que de
la mano de un modelo productivo global, laha posicionado como generadora exclusiva
de commodities. El nuevo sistema, permite
incrementar - mediante la aplicación inten-siva de insumos y su combinación con
nuevas tecnologías de creciente aceptación
- los rendimientos físicos de los cultivos dealta respuesta, pero con resultados y con-
secuencias ambientales, sociales y econó-
micas que recién comenzamos a evaluar.Este sistema product ivo es presentado
como única alternat iva económica que
permit iría aprovechar "ef ic ientemente"nuestras tradicionales ventajas comparati-
vas y generar a su vez nuevas ventajas com-
petitivas que nos posicionarían en mejorescondiciones que nuestros competidores.
Pero, el riesgo de seguir una única alterna-
tiva obliga a repensar si no deberíamos con-siderar otras opciones viables con un mar-
co sustentable Podrá la agricultura argen-
tina y sus actores escapar a la simplificaci-ón que nos presenta la producción de com-
modities o, sumado a esto, deberá abrir
nuevos senderos que le permitan diversifi-carse, fortalecer sus agroindustrias y hasta
aprovechar el fuerte nicho comercial que la
Agricultura argentina:sustentables, hasta cuándo?
* Mg. Sci. En Políticas Ambientales. GEPAMA -CEA - Universidad de Buenos Aires.
demanda de alimentos más sanos nos abre,al requerir ese "valor agregado natural" que
hasta hace pocos años tuvieron nuestras
pampas?La sustentabilidad excede la mera conser-
vación de los recursos naturales y del medio
ambiente para convertirse en la expresión deun desarrollo económico y social estable y
equitativo. El pasaje de una agricultura con-
vencional a una sustentable es un procesolento, complejo, que difícilmente se da en for-
ma natural (Viglizzo, 1994)1. Significa
disponer de un conjunto de instrumentos eco-nómicos, sociales u de políticas, así como de
tecnologías y conocimiento de procesos
aplicables que orienten los mecanismos yseñales de los mercados en función de esos
objetivos. "El mercado puede ser un eficiente
medio de asignación de recursos pero susinvisibles manos, muchas veces, deben te-
ner quién las oriente" (Norgaard, 1999)2.
Más allá del discurso sobre nuestra"eficiencia productiva" que considera sola-
mente los resultados económicos de corto
plazo, la realidad indica que comienzan a apa-recer indicadores de deterioro de los recur-
sos que encienden una luz amarilla a lo que
se considera un manejo sustentable no sóloen el plano económico, sino también en los
aspectos sociales y ambientales.
En las últimas dos décadas, con la incorpo-ración de nuevos cultivos como la soja y sus
paquetes tecnológicos, la agricultura argen-
tina, especialmente la de la Región Pampea-na, ha cambiado su típico rol productivo, de
moderado consumo de insumos y rendimien-
tos medios, hacia un nuevo umbral de pro-ducción, intensivo en capital, maquinaria,
agroquímicos y ciclos agrícolas que están
dejando sus secuelas de erosión y
TópicospecialE
49 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
susceptibilidad en los suelos manejados com
un afán de beneficio económico de corto plazo,junto con el empobrecimiento de la biodiver-
sidad, los ecosistemas y hasta los propios pro-
ductores (Pengue, 1996)3.Tecnologías como el riego, la fertilización
sintética, maquinarias, agroquímicos para
todo tipo de plagas, malezas y enfermedades,la siembra directa, las variedades transgéni-
cas - resistentes a herbicidas o plagas como
Diatraea, una oruga - se ofrecen al productory amplían su ventana de control, la simplifi-
cación de los controles o la posibilidad de in-
tensificar su producción que las hacen suma-mente atractivas para el empresario agrope-
cuario. Tecnologías todas, que a su vez, se
hallan difundidas globalmente, y que tambiénpermitirán que otros productores en todo el
orbe puedan ser tan o más competitivos que
los nuestros en el mediano prazo. Las nuevastecnologías, especialmente las variedades
transgénicas de soja y maíz han permitido
disminuir los costos de producción - menorprecio del herbicida - en un 15% (Torriglia et
al, 1994)4, siendo por el outro lado, la tendencia
de nuestra oferta y la mundial también cre-ciente, con la consiguiente caída en los
precios de estos commodities, frente a una
demanda que se mantiene constante.La soja se há constituido en el cultivo más
importante del país, cuyo centro productivo
relevante, caracterizado por óptimas condici-ones ambientales y estructurales es la Zona
Núcleo de la Pampa Ondulada. El doble cultivo
trigo-soja, ha permitido incrementar larentabilidad de la empresa agropecuaria y su
expansión fue estimulada primero por la ór-
bita oficial y luego por las multinacionales dela producción y el dinamismo de la industria
aceitera y de los sectores comerciales que
vieron en la soja un producto con futuro(Morello, 1997)5. La expansión ha sido y sigue
siendo netamente territorial, avanzando so-
bre la propia frontera agropecuaria favorecidapor las nuevas variedades, dado que el culti-
vo, a diferencia de los ya asentados en la
región como el maíz, siempre ha estadoacompañado por un alto componente tecnoló-
gico importado. Las oleaginosas, que incluyen
el girasol, lino, maní, canola y por supuesto lasoja, han tenido un aumento ininterrupido en
superficie. Como decía Di Pace (1992), si como
la infraestructura instalada permite preverlo,el papel que se le ha asignado a la Argentina
como productor de granos no es más de país
cerealero sino de país aceitero y productor deharinas para alimento de animales, quizás
pueda surgir en la Argentina outro slogan:
"Argentina aceitera".La misma tendencia se acentúa hoy en día
con la siembra de materiales transgénicos
como las sojas RR - resistentes al glifosato -que en esta campaña alcanzaron el 80% de la
superficie implantada (casi siete millones de
hectáreas), pero cuya influencia - al no poderdiferenciar variedades convencionales y
transgénicas - comprende, para la óptica de
los mercados externos, el total de nuestra pro-ducción de unos 20 millones de toneladas
según los pronósticos más optimistas. Sojas
transgénicas, siembra directa y consumo deherbicidas - especificamente glifosato -
(Cuadro Nº 1) han constituido un conjunto
basico aplicado por la mayoría de los produc-tores. La siembra directa - aplicación de
semillas sin remover sustancialmente el pan
de tierra - es una tecnología conservacionis-ta que ha permitido disminuir los serios ni-
veles de erosión de suelos, pero no puede
afirmarse ligeramente que sea sustentable,si se la sostiene únicamente en el control
químico de mazelas, utilizando insumos de-
rivados del petróleo. La siembra directa es unode los pilares de la agricultura continua, que
ha desplazado al tradicional planteo de
rotaciones agricolo-ganaderas de nuestraspampas, y que ahora se sinergiza com el
nuevo uso de las variedades resistentes al
glifosato.El motivo de este crecimiento exponencial
TópicospecialE
50Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
de las sojas RR estriba principalmente en quese encuentran con un mercado ávido de pro-
ductores deseosos de dar una "solución defi-
nitiva" al problema del manejo de las malezasy a los costos que representaban los herbici-
das - aproximadamente un 30% del margen
bruto -. Ciertamente, la cantidad de principiosactivos utilizados se redujo de más de 30 mo-
léculas sintéticas disponibles en casi 100
productos y formas comerciales diferentes auno sólo, el glifosato. Por un lado es cierto que,
en conjunto el valor de los agroquímicos que
se vendieron en el país se redujo en un 16%,bajando de casi 900 millones de dólares ven-
didos en 1997 a 776 en el 98 (Cuadro N° 2).
1991/92 1992/93 1993/94 1994/95 1995/96 1996/97 1997/98 1998/99
Siembra directa. 500.000 700.000 1.600.000 2.400.000 2.800.000 3.300.000 4.000.000 7.500.000
Total de Has
Consumo 1.000.000 2.500.000 5.000.000 8.000.000 12.000.000 20.000.000 28.000.000 58.000.000
glifosato
En Equiv.
Litros
Sojas RR- Has 800.000 1.417.500 7.000.000 a
Cuadro N° 1. Evolución de la superficie en Siembra Directa, Consumo de herbicidas y
Superficie implantada con sojas RR en la Argentina
Fuente: Pengue, W. Evaluació n tecnoecoló gica de la pr oducció n soj er a, en pr ensa. 1999.a. Un 50% de la semilla utilizada en esta siembr a, r esponde a lo que se conoce como "bolsa blanca" es decir , aquellasemilla cosechada y guar dada por el pr ó pr io pr oductor o comer cializada sin mar ca, situació n que por supuesto af ecta elinter é s del obtentor .
Pero en volumen, se vendieron 132 millonesequivalente litro de agroquímicos, lo que im-
plica una descarga mayor - del orden del 7% -
sobre el medio ambiente. Por otro lado, cuan-do las ventas del conjunto de herbicidas para
soja se redujeron en un 10% - especialmente
en "matayuyos" para gramíneas anuales operennes como el sorgo o el gramón - las ven-
tas de glifosato se duplicaron pasando de 60
millones a 120 millones de dólares, lo queimplica un fuerte cambio en el patrón de uso
del herbicida.
De seguir la tendencia actual, el consumode glifosato seguiría creciendo, no sólo por el
uso de las sojas RR, sino por la posible
Cuadro Nº 2. Ventas de Agroquímicos en la República Argentina. En millones de dólares.
Por año
Fuente: Cá mar a de Sanidad Agr opecuar ia y Fer tilizantes. 1998.Obser vese que los her bicidas r epr esentan casi un 70% de las ventas. Outr o cr ecimiento impor tante, lo está n teniendo loscur asemillas, j ustamente por la necesidad de pr oteger cada vez má s, las semillas biomej or adas, de mayor pr ecio.
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998
Herbicidas 230,3 292,6 375,0 448,1 545,5 634,7 535,5Insecticidas 60,7 63,3 87,6 105,9 141,3 166,5 133,5
Fungicidas 26,0 28,8 30,0 31,4 43,3 53,0 49,6
Acaricidas 6,8 6,5 8,7 9,6 12,7 12,5 9,9Curasemillas 2,6 4,7 7,4 13,2 21,4 30,3 31,3
Vários 9,9 10,1 12,8 17,9 27,4 27,7 16,8
Total 336,3 406,0 521,5 626,1 791,6 924,6 776,6
T ópicospecialE
51 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
liberación comercial de los próximos maíces
RR, RRBt y Bt, que cerrarían el ciclo producti-vo com la utilización de un solo instrumentode control. La situación plantea que, desde elámbito científico, sean pertinentes preguntas
sobre el manejo que se estaría dando alagroecosistema y las consecuencias de talesacciones en el mediano y largo plazo.
La inyección de insumos externos es
incuestionablemente afectiva, incrementan-do en términos físicos, el rendimiento en has-ta cinco veces más que con prácticas tradici-onales, pero esta tecnología, en muchos ca-
sos mal implementada, tiene severas conse-cuencias. Los países desarollados han aplica-do sistemáticamente altos niveles de insu-
mos y los resultados ambientales, sociales yeconómicos han hecho que muchas técnicassean revisadas. En este sentido, comparati-vamente com Francia o los EE.UU. la Argenti-
na sigue siendo, un país com bajos niveles deconsumo de insumos. A modo de ejemplo,mientras nuestro país agrega un promedio de250 g. de principio activo de insecticidas por
ha/año, Francia arroja sobre sus campos 10veces más de producto y los EE.UU. cuatroveces. En relación con el consumo de fertili-zantes, sucede algo similar, Argentina aplica
muy poco aún, y en producciones puntuales(unos 14 kg/ha/año), Francia 300 y EE.UU.100. El cambio más notable se produce en el
consumo de herbicidas, donde estamos yacerca de los guarismos norteamericanos(unos 1000 g. pa./ha/año), diferenciándonosde todas formas de Francia, que aplica al doble.
Los guarismos, son sólo un indicador infor-mal de la "salud" de nuestra agricultura encomparación com nuestros competidores, quese refleja, incluso en producciones convenci-
onales competitivas con estabilidad delagroecosistemas - según varias fuentes,mientas en Francia el 50% de los mamíferos,40% de las aves y 38% de los reptiles nativos
se encontraban en peligro de extinción, enlos EE.UU. esas cifras eran de aproximada-mente el 10% cada una, mientras en nuestro
país, si bien hay riesgo sobre la población de
mamíferos nativos (del 10%), el efecto sobrelas aves y reptiles era escaso.
Una "salud agrícola" que debemos proteger,mantener y ponteciar frente a la fuerte pre-
sión por homogeneizar la producción en unasola tendencia - la producción de cierto tipode commodities - muy peligrosa no sólo paralos actores agrícolas sino para la sociedad ar-
gentina en su conjunto. La sanidad naturalde nuestras pampas, es un valor de mercadoque no podemos darnos el lujo de dilapidar.
Entonces, frente a una opción que se nos
quiere presentar como única, com materiasprimas cujos precios internacionales segui-rán bajando, con países que irán ingresando
a estas mismas producciones, vía nuevastecnologías en semillas fácilmente adoptables- que contribuirán por outro lado, a la caída denuestras propias ventajas comparativas, al per-
mitir que regiones menos productivasingresen a los mercados mundiales o deman-den menos nuestros productos -, con unanecesidad de tecnología de insumos siempre
creciente, con productores agropecuarios cadadía más endeudados cuyo rescate - víanuestros Bancos Nación y Provincia - debehacerse com tasas de refinanciación subsi-
diadas para que sigan produciendo lo mismo,Argentina debe por lo menos, permitirse re-pensar si no será necesario apoyar la
diversificación de nuestros caminos produc-tivos. Favorecer por ejemplo, la implementa-ción de políticas que estimulen la poliproduc-ción integrada y la promoción a la generaci-
ón de tecnología híbrida, es decir, con unfuerte componente tradicional que garanticesu aceptación social y su ajuste ecológico lo-cal, además de elementos modernos que
permitan la administración y comercializa-ción exitosa (Morello et al, 1999)6 entremuchas otras.
La tendencia mundial y nacional indica que
por una cuestión de escala, sólo los grandes ymedianos productores - con capacidad finan-ciera y poder de negociación - podrán mante-
TópicospecialE
52Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
AA
nerse en el mercado de commodities. Estos
productores son los responsables de seguirabasteciendo en el mediano plazo, la cuota dematerias primas del mercado mundial. Pero,en este mercado, no hay cabida para el pequeño
productor e incluso para muchos medianos,que para sobrevivir, deberán lisa y llanamentediversificar sus líneas productivas.
Todos estos productores - que manejan uni-
dades económicas con una alta componentede capital, especialmente tierras y maquina-ria - deberán comenzar a analizar su possibi-lidad de transformarse en generadoras de
"specialities" para abastecer a una demandacreciente y de alto poder adquisitivo. Es claro,que con las todavía ventajas comparativas que
tenemos, el sector agrario tendrá que estruc-turar ventajas competitivas genuinas queapoyadas en una fuerte componente informa-tiva, se apropie de nichos del mercado mundi-
al altamente exigente en productos de exce-lente calidad alimentaria. Asegurar mercadosde este tipo que exigen calidad, cantidad ycontinuidad amerita la necesidad de fortale-
cer o crear nuevas instituciones, diseñar polí-ticas económicas, financieras, tecnológicas ysociales que permitan al productor, actuarcomo un empresario independiente y decidir
que hacer frente a un abanico más amplio deoportunidades.
Los "specialities" responden a producciones
diferenciadas para mercados específicos comolos alimentos orgánicos - com valor agregadonatural -, los productos regionales, el fortale-cimiento de las denominaciones de origen y
las producciones alternativas.La producción orgánica, involucra solamen-
te en la Unión Europea unos 7.300 millones
de dólares de un mercado mundial de 16.000millones, al que la Argentina tiene muchopotencial para ofrecer. La producción orgáni-ca, generalmente más cara que la convenci-
onal, justifica sus precios más altos en queimplica más mano de obra directa y menosmaquinaria, utiliza menos agroquímicos yfertilizantes sintéticos, favorece la actividad
y estabilidad laboral en el campo disminuyen-do la emigración y además es rentable parael productor y beneficiosa para el consumidory el medio.
La demanda de productos naturales creceexponencialmente en Europa (en el 2005alcanzará el 10% del volumen comercializa-
do) en detrimento de los productos convencio-nales y los derivados de la ingeniería genéti-ca que se han puesto en el mercado hastaahora.
La producción agrícola argentina estáentonces en un punto de inflección, querequiere que defina si seguirá un solo caminoo incursionará en varios senderos productivos
que la inestabilidad creciente de los mercados.Deberá demostrarle al mundo que su sis-
tema productivo es sustentable y que estádispuesta a producir con la calidad que los
mercados mundiales requieren o mantenerla postura de pensar que existe parte de unademanda mundial cautiva que aceptará la
forma en que lo hacemos y los tipos de ali-mentos que hemos decidido ofrecerles. Pen-sar en esto último sentido, nos llevaría a unaposición insostenible e incierta sobre la
colocación de nuestro excedentes explorta-bles y nuestro futuro.
1Viglizzo, E. Deserrollo Agropecuario Sustentable.
INTA-INDEC. Bs. As., 1994.2Nogaard, R. Primera Conferencia sobre Economía
y Política Ambiental. Bs. As. 1999.3Pengue, W. The Agriculture's Sustainability in Argentina,
en Designing Sustainability. The Fourth Biennal Meetingof the ISEE. Boston University, Boston, 1996.4Torriglia, A. et al. Los agricultores argentino reducen
un 15% sus costos. En Gazeta Mercant i lLatinoamericana. Año 4, 156. 18/ 04/ 1999.5Morello, J et al. Argentina: Granero del mundo
Hasta cuando? Bs. As., 1997.6Morello, J y Matteucci, S. El dificil camino al manejo
rural sostenible en la Argentina, en Biodiversidad yuso de la t ier ra. Conceptos y ejemplos deLatinoamérica. Colección CEA, 24, 1999.
No t as
T ópicospecialE
53 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
53Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
Alimentos orgânicos: um mercado de US$ 20
bilhões, e crescendo
O que até pouco tempo era considerado uma
mania, virou um negócio de cerca de US$ 20
bilhões por ano. Esse é o valor aproximado das
vendas mundiais de alimentos orgânicos em 2000,
segundo o mais recente e completo estudo so-
bre o setor, de autoria da Fundação Ecologia &
Agricultura, da Alemanha.
Com 133 páginas, "Organic Agriculture Wordlwide
2001" mostra que o mercado de alimentos orgâ-
nicos chegou às grandes redes de supermerca-
dos, como Carrefour e Tesco, e já atrai a atenção
de grupos de peso como Nestlé, McDonald's e
Danone. Em alguns países da Europa, esse mer-
cado representa entre 1% e 2% das vendas to-
tais de alimentos. E estima-se que venha a al-
cançar 10% a médio prazo. "O peso dos alimen-
tos nos gastos do consumidor europeu é tão bai-
xo que ele pode se dar ao luxo de buscar produ-
tos diferenciados", explica o professor Décio
Zylbersztajn, coordenador do Pensa-USP. Há ou-
tros motivos para essa explosão, segundo ele.
Nos últimos anos, vários eventos abalaram a
confiança do europeu na agricultura convencio-
nal e na qualidade da comida, como a doença
da vaca louca e a contaminação de alguns ali-
mentos por bactérias.
Fonte: Jornal Folha de São Paulo, 04/ 12/ 2001.
FAO: nos países ricos a demanda de produtos
orgânicos supera capacidade de oferta
Um documento divulgado pela FAO (Organiza-
ção das Nações Unidas para Agricultura e Ali-
mentação) recomenda aos governos dos países
do Terceiro Mundo que incentivem a agricultura
orgânica. "O mercado de frutas e verduras orgâ-
nicas oferece bom potencial para que os países
aumentem suas exportações e diversifiquem sua
agricultura."
Para os técnicos da FAO, nos países desenvolvi-
dos, a demanda por alimentos orgânicos deverá
ultrapassar a capacidade de produção, o que ofe-
rece uma boa oportunidade de mercado para os
países pobres. O documento cita o caso da Ar-
gentina, que em 1987 contava com apenas cin-
co agricultores orgânicos. Hoje, a área ocupada
com frutas e hortaliças orgânicas naquele país
soma três milhões de hectares, a segunda maior
do mundo.
Fonte: Jornal Folha de São Paulo, 04/ 12/ 2001.
Nova Zelândia mantém veto a transgênicos por
mais dois anos
O governo neozelandês vai impedir a exploração
comercial de transgênicos no país durante mais
dois anos. Ao mesmo tempo, suspendeu uma
medida datada de 16 meses antes, que proibia
até mesmo os testes experimentais com trans-
gênicos em campo aberto. A primeira-ministra
neozelandesa, Helen Clark, afirmou que essa
suspensão será acompanhada de novas regras,
"de forma a garantir que os materiais usados na
pesquisa sejam mais tarde destruídos ou deposi-
tados em locais seguros".
Fonte: Folha de São Paulo, 31/ 10/ 2001.
Custos de produção do milho Bt podem ser
maiores que os rendimentos
Sementes geneticamente modificadas projetadas
para matar a lagarta que ataca plantas de milho
podem, elas mesmas, devorar uma grande fatia
dos lucros dos agricultores, diz o economista agrí-
cola da Universidade de Purdue (EUA), Marshall
Martin. O estudo de Martin mostra que os altos
preços das sementes Bt, combinados com os bai-
xos níveis de infestação da lagarta do milho, fa-
zem com que o milho transgênico seja menos atra-
tivo que as variedades tradicionais para os agri-
cultores em Indiana (EUA).
Fonte: Ag. Answers, 26/ 10/ 2001.
Japão detecta batata transgênica importada
dos EUA
O Japão detectou batatas transgênicas importa-
das dos EUA, as quais estavam proibidas, infor-
mou a cadeia CNN. A filial japonesa da empre-
sa Procter&Gamble anunciou a retirada de 800
mil unidades de seus produtos alimentícios do
54Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
54Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.2, jul/set.2001
país asiático, pois entre seus ingredientes existi-
am batatas transgênicas.
Fonte: Agroenlinea.com Nº 24, 30/ 10/ 2001.
Cientistas de Israel pesquisam qualidades me-
dicina is do a lho
Pesquisadores do Weizmann Institute of Science
estão investigando as qualidades medicinais do
alho. Com foco na alicina, o composto de cheiro
forte que serve para repelir insetos, fungos e
bactérias no solo, os cientistas estão com gran-
des expectativas para descobrir diversas outras
qualidades para a saúde humana.
O bioquímico David Mirelman isolou cada um dos
componentes do alho para ver sua eficiência con-
tra microorganismos e descobriu que a alicina era
o componente com maior força. Foi altamente
eficiente para aniquilar uma grande variedade
de microorganismos, desde fungos a bactérias e
malária. A alicina já demonstrou também gran-
de eficiência contra a pressão alta, diabete e di-
arréia. Diminuiu o risco de ataque cardíaco e eli-
minou células cancerígenas. Pesquisas em ratos
também demonstraram que ela pode ter vanta-
gens para regime de emagrecimento.
Fonte: just-food.com
Nova BioFach America será realizada em 2002
A maior feira de produtos orgânicos do mundo,
a BioFach, será realizada também na América
do Norte a partir de 2002. O evento está marca-
do entre os dias 9 e 11 de maio, em Austin,
Texas. O objetivo é aproveitar o resultado da fei-
ra "All Things Organics", realizada na mesma ci-
dade em 2001, fornecendo a empresas de fora
dos EUA a oportunidade de negociar com o país.
A BioFach America está sendo realizada em par-
ceria com a OTA (Organic Trade Association), que
representa membros da cadeia produtiva orgâ-
nica de Canadá, EUA e México.
Além da nova versão norte-americana, a BioFach
também realiza anualmente o evento no Japão.
Todas as feiras são organizadas pela empresa
alemã NürnbergMesse, que trabalha também
com subsidiárias nos EUA e Japão. Mais informa-
ções no site: www.biofach.de
Seguradora australiana se recusa a assumir ris-
cos de alimentos geneticamente modificados
O Conselho de Seguradoras da Austrália recu-
sou assumir qualquer prejuízo causado por pro-
dutores de alimentos geneticamente modifica-
dos. Assim sendo, produtores de transgênicos,
que queiram operar no mercado local, não terão
nenhuma garantia de segurança financeira, caso
sejam comprovados males à saúde ou a tercei-
ros no futuro. O Conselho considerou os riscos
"demasiadamente elevados".
As seguradoras tomam como base acontecimen-
tos históricos como a extração mineral de carvão,
que já causou grandes prejuízos a estas empre-
sas. Representante de uma das maiores segura-
doras agrícolas, a CGU disse que a biotecnolo-
gia ainda está na sua infância, numa etapa de
pesquisas.
Fonte: Just-food.com
Sistemas agroecológicos mostram que trans-
gênicos não são solução para a agricultura
No trabalho realizado pela AS-PTA e pelo Fórum
das Organizações dos Trabalhadores e Trabalha-
doras Rurais, na região do Centro-Sul do Paraná,
o uso de herbicidas em sistemas de plantio dire-
to tornou-se um ponto importante a ser refleti-
do. Com a proposta de promover um novo mo-
delo de desenvolvimento, foi iniciado na região
um processo social de experimentação envolven-
do, além de testes de sistemas de plantio direto
sem uso de herbicidas, temas como manejo da
agrobiodiversidade, manejo ecológico do solo,
segurança alimentar, entre outros. Um bom e-
xemplo é a família Bischof, do município de
Rebouças, que já possuía 14 anos de experiência
no plantio direto sem uso de herbicidas. Além de
ter permitido analisar o comportamento de dife-
rentes espécies de adubos verdes e de plantas
de cobertura, foram obtidos outros resultados
como o incremento do número de áreas de ex-
perimentação e a ampliação das áreas já im-
plantadas, devido à boa aceitação das técnicas
por eles experimentadas.
55 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
Uso de água de cinza e cal como fertiprotetor de plantas:
dicAgroecológica
1 Co mp o s i ç ã o1 Co mp o s i ç ã o
A água de cinza e cal é um defensivo ecoló-
gico obtido pela mistura de água, cinza e cal,
que vem sendo utilizado no controle ecológicode doenças e pragas. Essa mistura contém ex-
pressivos teores de macro e micronutrientes,
variáveis com a fonte da cinza. Os principaiselementos são Ca, Mg e K. As gramíneas em
geral são acumuladoras de silício, sendo que
a palha e a casca de arroz apresentam asmaiores percentagens em sílica, com 8,25 e
10,4 %, respectivamente, contra 2,8 % da cas-
ca de milho. A cal hidratada também possuiexpressivos teores de silício, além do Cálcio e
Magnésio. Os nutrientes Ca, Mg, K e Si, que
estão em maior percentagem na água de cin-za e cal, exercem papel fundamental na resis-
tência das plantas às pragas e às doenças. A
cinza de madeira possui pH em água e teoresde macro e micronutrientes bem mais altos do
que a cinza da casca de arroz, principalmente
os de Ca, Mg, K, Fe, Mn, Na, Cu e Zn (ver qua-dro a seguir).
Composição Cal hidratada Cinza de casca de arroz Água de cinza e calUmidade a 75ºC (%) < 1 4 -PH em água 12,7 8,7 12,7
Carbono orgânica < 0,1 5,3 -
Nitrogênio total (%) 0,01 0,03 -Fósforo total (%) 0,01 0,13 -
Potássio total 0,12 1,2 175 (mg| kg)
Cálcio total 16,7 0,24 808 (mg| kg)Magnésio total 17,0 0,12 120 (mg| kg)
Enxofre total (%) 0,02 0,1 -
Cobre total (mg| kg) 6 4 < 0,01Zinco tota(mg| kg) 2 20 0,3
Ferro total (mg| kg) 1400 420 -
Manganês total (mg| kg) 204 1600 0,6Sódio total (mg| kg) 2000 102 -
Boro total (mg| kg) 27 9 < 0,01
*Resultados expressos no material seco a 75ºC. Análises realizadas pelo Laboratório de Análises de Solo(FA| UFRGS), em 1996 (CLARO, 2001).
Resultados de análises de cal hidratada, cinza de casca de arroz e água de cinza e cal*
2 Inf luê nci a so b re parasi t as e d o e nças
Experimentos feitos a campo indicam que a
pulverização de água de cinza e cal, reduz sig-
nificativamente a população do cascudinhoverde-amarelo ou vaquinha (Diabrotica sp.),
do pulgão (Mysus persicae) e da pulga do
fumo, especialmente quando associada ao uso
de calda sulfocálcica a 1% ou de biofertilizante
enriquecido. A presença de nutrientes na mis-
tura, tais como o Potássio, Cálcio, Magnésio,Enxofre e Silício, contribuem na estrutura e for-
talecimento das células das plantas e estimula
a resistência a doenças fúngicas e bacterianas.Também foi constatada uma ação repelente no
controle de insetos, a qual pode estar relacio-
56Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
nada ao efeito nutricional, mas também à ação
repelente do cal, cristais de cinza e alguns nutri-entes contidos nestes produtos.
3 Pre p aro d a água d e ci nza e cal
Ingredientes para a obtenção de 75 a 80 kg de
água de cinza e cal:- 5 kg de cal hidratado
- 5 kg de cinza vegetal
- 100 l de água- Recipiente de alvenaria, plástico ou latão
Preferencialmente, deve-se usar a cal hidratadapor esta ter granulometria extremamente fina e
ser mais barata. Entretanto, recomenda-se evitar
o uso de cal que contenha cinza vulcânica em suacomposição, por não se conhecer o conteúdo
químico e o seu efeito sobre o solo ou a planta. A
cal virgem também pode ser usada nas mesmasproporções.
Co mo f aze r :Em um recipiente apropriado misturam-se 5 kg
de cal hidratado e 5 kg de cinza com 100 l de água.
Caso a cinza contenha impurezas (carvão, pedra,casca), deve ser peneirada antes da mistura.
A mistura deve permanecer em repouso por
pelo menos uma hora antes de ser utilizada, demodo que os nutrientes da cinza e da cal passem
para a fração líquida. Nesse período de tempo,
agita-se a mistura no mínimo 3 a 4 vezes, com umpedaço de madeira ou outro instrumento.
Após a última agitação da mistura, espera-se
10 a 15 minutos para que ocorra a sedimentaçãodas partículas sólidas.
A água de cinza e cal deve ser coada antes do
uso, podendo para isso ser usada a peneira dopulverizador.
4 Uso co rre t o
O btenção de água de cinza e cal clara
(límpida):
dicAgroecológica
Com o tempo de 10 a 15 minutos após a agi-
tação da mistura, a fração líquida que fica sobreos sedimentos de cal e cinza adquire cor bem cla-
ra (límpida), como se fosse água pura. Entretan-
to, mesmo com esse aspecto, a parte líquida con-tém nutrientes.
O b t e nção d a água d e ci nza e cal t urva:Para obter água de cinza e cal turva, realiza-
se uma leve turbulência da mistura, de modo que
os sedimentos depositados turvem a fração líqui-da, passando esta a adquirir aspecto branco lei-
toso. Este procedimento deve ser realizado após
a mistura água\ cinza\ cal ter passado pelas ope-rações de repouso e agitação pelo tempo mínimo
de 1 hora. A água de cinza e cal turva contém
maiores teores de Cálcio e, principalmente, Mag-nésio do que a água de cinza e cal límpida.
5 O b se rvaçõ e sArmazenamento: Para reduzir a mão-de-obra,
sugere-se preparar uma quantidade maior de
mistura, suficiente para duas ou mais semanas. Amistura (água\ cinza\ cal) deve ser filtrada e arma-
zenada em bombonas ou outro recipiente após o
preparo. Logo a seguir, ocorre a sedimentaçãode partículas, tornando a água de cinza e cal
límpida. No momento de usá-la, basta agitar o
conteúdo, que irá retomar a cor branco-leitosa.Cuidados na aplicação: evitar a aplicação de
água de cinza e cal em horários de intenso calor.
No verão, aplicar à tardinha ou de manhã cedo,sobretudo quando a cinza utilizada for de madei-
ra (maior concentração de nutrientes, mais salina
e alcalina).Preferencialmente, aplicar a água de cinza e
cal associada com um espalhante adesivo (por
exemplo: farinha de trigo a 2 %).
Fonte: Adaptado de CLARO, S.A. Referenciais
Tecnológicos para a Agricultura Familiar Ecológi-ca: a experiência da Região Centro-Serra do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: ASCAR-EMATER| RS,
2001. 250 p.
57 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
http:/ / www.cnpab.embrapa.br/ index.htmlEste vínculo é do Centro Nacional de Agrobio-logia da EMBRAPA, que é responsável pela "co-
ordenação de projetos de pesquisa em agri-
cultura sustentável com base no uso de pro-cessos biológicos, para a substituição parcial
ou total de fertilizantes químicos". Entre as ati-
vidades de pesquisa realizadas pelo Centroencontra-se diversos relatos de processos de
transição e de produção agroecológica.
http:/ / www.etnoecologica.org.mx/A Revista Etnoecológica publica diversos tra-
balhos sobre aspectos culturais e ambientaisde populações tradicionais. Esta Revista que
já está no quinto volume e pode ser acessada
por este link. Os estudos de etnoecologia per-mitem a compreensão das lógicas produtivas
e as percepções ambientais desenvolvidas por
populações tradicionais, trazendo importan-tes contribuições para o processo de constru-
ção de práticas agroecológicas.
http:/ / www.ambientebrasil.com.br/Trata-se de um amplo portal sobre questões
ambientais, enfocando temas diversos, sejaem nível de empresas ou em questões indíge-
nas. Os dados existentes agregam uma série
de informações que podem ser consultadasou assinadas pelo usuário, permitindo uma
atualização constante. Por exemplo, se você
tiver interesse em consultar determinada in-formação dentro do universo legislativo é pos-
sível consultar o banco de dados segundo
determinadas categorias, obtendo como re-sultado as diversas legislações existentes no
Brasil.
http:/ / www.rafi.org/O si te do Rural Avancement Foundation
International é uma importante fonte de refe-rência sobre recursos genéticos (biopirataria,
transgênicos, patentes etc). Apesar do site ser
parte em inglês, tem diversos textos interes-santes em espanhol. Um texto interessante dis-
ponível neste site, é sobre a Conferencia Mun-
dial de Semillas relatando o número cada vezmenor de enormes companhias de sementes,
onde cinco empresas são responsáveis por
60% do mercado global de agrotóxicos, 23%do mercado comercial de sementes, e pratica-
mente 100% do mercado de sementes trans-
gênicas.
http:/ / www.portoalegre2002.orgNão é um site diretamente ligado à Agroeco-logia, porém com ótimos textos e informações
sobre sustentabilidade e demais temas relati-
vos ao Fórum Social Mundial 2002. Um dostemas de fundamental importância dentro da
temática ambiental é a questão da água, ha-
vendo neste site diversos textos sob o vínculo -Água: bem comum. Se você desejar, poderá
registrar seu e-mail e receber o Boletim Ou-
tras Palavras com informações atualizadassobre a temática do Fórum.
E coL inks
58Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
A r t i go
M elg are jo , Leo n ard o * *
ResumoEm termos de relevância política, em nível
nacional, a luta pela reforma agrária pode ser
comparada à luta pela soberania e autonomia,ou à que Tiradentes e outros grandes cida-
dãos empreenderam pela liberdade. Para que
a reforma agrária ocorra, cada um deve en-contrar seu papel, sendo da responsabilidade
de todos fortalecer elementos que potenci-
alizem resultados do interesse da sociedade.Entre esses destacam-se: a organização po-
pular, a agricultura familiar, as matrizes pro-
dutivas e tecnológicas de base agroecológica,
O desenvolvimento, a reforma agrária e os assentamentos -Espaços para a contribuição de todos*
* Texto preparado a pedido do Gabinete de ReformaAgrária do governo do Rio Grande do Sul comosubsídio aos debates regionais da Conferência de
Reforma Agrária. * * Engenheiro Agrônomo, MSc em Economia Rural,
Doutor em Engenharia de Produção, técnico daEmater/RS.
e outros aspectos discutidos ao longo do texto.
Algumas características da agricultura fami-
liar em geral, e dos agricultores assentadosem particular, que constituem vantagens
comparativas a serem estimuladas como ins-
trumentos potencializadores de um processode desenvolvimento includente e sustentável,
são destacadas ao final do artigo.
Palavras-chave: reforma agrária, assenta-
mento
Int ro d ução - O d e se nvo lvime nt oe a re f o rma agrár i a
Estudos1 demonstram que todos os países
hoje chamados de desenvolvidos realizaram,
em algum momento de sua história, altera-ções em suas estruturas fundiárias, resolven-
do problemas causados por distorções seme-
lhantes às existentes no Brasil. Em outraspalavras: a concentração de terras, de poder
59 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
e de oportunidades de acesso às possibilida-
des de realização humana, que o desenvolvi-mento das sociedades oferece, foi enfrenta-
da, com sucesso, a partir de reformas na es-
trutura agrária, em todos os países do globoque hoje são considerados desenvolvidos. As-
sociada a outras medidas a reforma agrária,
viabilizando distribuição mais equilibrada daterra e da população (mão-de-obra), permitiu
criar, no espaço geográfico daqueles territó-
rios, condições de trabalho que, além de am-pliar a produção e o consumo interno, multi-
plicaram o número de famílias cujas decisões
produtivas, em seu conjunto, determinaramos rumos seguidos por aquelas sociedades.
Assim, a distribuição de terras constitui as
bases necessárias para que na Itália, Fran-ça, Alemanha, Inglaterra, Japão, Estados
Unidos, Canadá, entre outros, se consolidas-
sem mercados internos fortes, onde se geroupoupança que permitiu investimentos em
setores cada vez mais produtivos sob o ponto
de vista do capital.Com isso, naqueles países, o poder decisó-
rio, a capacidade de influência sobre os go-
vernos locais, as alianças de interesses etcforam se concentrando em determinadas ati-
vidades, cujos interesses se expandiram para
além de suas fronteiras, formando o que hojechamamos de economia globalizada, onde pa-
drões de produção e consumo definidos con-
forme o interesse dos países ricos, sãoadotados por todos, em todo o planeta.
Essa abordagem simplificada ilustra o fato
de que a reforma agrária constitui instrumen-to tão poderoso que, aplicado a alguns pontos
do globo, contribuiu fortemente para a defini-
ção da história do homem. As bases permiti-das por esse instrumento geraram resulta-
dos que poderiam ser utilizados de várias ma-
neiras e que, na forma particular adotada, pri-vilegiaram aspectos de rentabilidade econô-
mica. Com isso chegamos a essa situação em
que, para atender interesses estabelecidosnos países ricos, ao povo dos países pobres
resta cada vez menor possibilidade de decidir
a respeito do que produzirá, ou de que formaproduzirá; o que consumirá, o que vestirá, que
filmes verá, que músicas escutará etc.
Assim, alterações ocorridas na estruturaagrária de alguns países permitiram que es-
ses países impusessem seus interesses so-
bre os demais, impedindo-os, inclusive, dealterar limitações ao seu próprio desenvolvi-
mento. É bem verdade que mais do que uma
disputa entre países, se trata de disputa en-tre classes, com imposição dos interesses de
um grupo cada vez mais reduzido de pessoas
que mandam e não pedem, sobre um conti-gente cada vez maior de pessoas que aceitam
e obedecem.
Como uma das formas de enfrentar essacarência de autonomia, é realizar a reforma
agrária, contra ela se opõem todos aqueles
cujos interesses imediatos serão "prejudica-dos" pelo fortalecimento das condições de au-
todeterminação e governabilidade nos países
pobres.Em outras palavras, mesmo todos sabendo
que ao ocorrer reforma agrária ampla nos paí-
ses pobres haverá ampliação no número deconsumidores do planeta, como ela reduziria
a capacidade de controle global estabelecida
nos países ricos, eles se opõem. E como elesnão querem, e seus desejos são ordens, nós
não podemos fazer.
Trata-se, portanto, de limitação à liberda-de dos povos, de resistência articulada e im-
posta "desde fora", e executada "por dentro",
com apoio das lideranças colonizadas que re-presentam aqueles interesses. Capatazes,
feitores, executivos, testas-de-ferro, manda-
letes de diversos feitios, gente que não hesi-ta em aplaudir, sustentar na mídia e até mes-
mo financiar processos de desorganização
social, golpes de Estado, bloqueios econômi-cos, patenteamento no estrangeiro de semen-
tes nativas, destruição da cultura e biodiver-
sidade locais etc.Para superar essa condição de subserviên-
A r t i go
60Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
cia, a população dos países pobres precisa se
reconhecer como capaz de conduzir o própriodestino, identificar valores reais, escolher
instrumentos concretos e lutar por seus di-
reitos. Trata-se de construir a cidadania, en-tendida aqui como a percepção dos próprios
direitos e do dever de lutar pela construção
de novos direitos, de abrir caminho para aconstrução de novas possibilidades de vida.
Trata-se, na linha de pensamento que esta-
mos desenvolvendo, de usar a reforma agrá-ria como instrumento para construção da
autonomia nacional, para recuperação da
cultura, dos valores e da auto-estima da nos-sa população.
O significado da reforma agrária, como ele-
mento para consolidação dessas possibilida-des, é fartamente evidenciado pelos resulta-
dos que propiciou, em todos os países onde
ocorreu, ao longo da história. Embora condu-zidas de diferentes maneiras, nas diferentes
épocas e nos diferentes ambientes, todas as
reformas agrárias (mesmo as medíocres comoa política de assentamentos pulverizados apre-
sentada como reforma agrária nas propagan-
das do governo Fernando Henrique Cardoso),levaram à expansão no número de ocupações
produtivas no meio rural, à consolidação de
tecidos sociais articulados, à melhoria dascondições de vida, à ampliação dos investi-
mentos públicos nas áreas sociais, à moder-
nização das legislações, ao fortalecimento dosdireitos do cidadão comum, à autonomia cul-
tural e à dinamização econômica das regiões
onde ocorreram.Em todos os casos estes resultados se as-
sociam à expansão e consolidação de mode-
los de propriedades semelhantes às que cha-mamos, de uma forma genérica, como "agri-
cultura familiar", onde se incluem os peque-
nos agricultores, os assentados, etc.Portanto, a reforma agrária, associada a
outras políticas (crédito, armazenamento, es-
toques reguladores) e instrumentos (taxas eimpostos aplicados à importação/exportação
etc) leva ao fortalecimento da agricultura fa-
miliar, permite a consolidação de mercados
internos e a construção de atividades econô-micas que se espraiam para outros setores,
levando à estruturação de tecidos sociais
estáveis, no campo e nas cidades. Estes mes-mos instrumentos e políticas de suporte, ain-
da que utilizados massivamente, na ausên-
cia da reforma agrária conduzem ao fortale-cimento de modelos de desenvolvimento não
necessariamente coerentes com os interes-
ses da autonomia dos povos ou da agriculturafamiliar. O que ocorreu no Brasil, durante a
chamada "modernização conservadora" da
agricultura, demonstra claramente este fato.
A lgumas co nsi d e raçõ e s so b ref o rmas d e ve r a re f o rma agrár i a
Aceita a importância da reforma agrária,
como alavanca para a construção da autono-
mia dos povos, podemos discuti-la sob muitosaspectos. De uma forma geral, os estudiosos
tendem a focalizar seus impactos econômi-
cos, examinando a renda gerada por hectare,por trabalhador, ou por volume de recursos
investidos, antes e depois da consolidação dos
assentamentos. Essa avaliação, embora re-sulte favorável à reforma agrária, reduz sua
importância a uma medida de dinheiro que
oculta seu maior significado pois, como sesabe, tudo aquilo que tem preço vale muito
pouco.
Dentre as falhas das avaliações meramen-te econômicas se destacam os pressupostos
de que o agricultor aceita viver no campo ape-
A população dos países pobres
precisa se reconhecer como capaz
de conduzir o próprio destino,
identificar valores reais,
escolher instrumentos concretos
e lutar por seus direitos
A r t i go
61 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
nas porque não encontra lugar em outras ati-
vidades, e de que pretende/deve utilizar seu
esforço, assim como a terra onde trabalha, deforma tão dirigida/"especializada" quanto pos-
sível, buscando gerar o máximo em resultado
econômico, no menor prazo possível. Com isso,este tipo de abordagem ignora que a agricul-
tura encerra um modo de vida, cuja base é a
natureza e cuja essência está na combina-ção de atividades, em uma perspectiva de lon-
go prazo. Dessa forma, as avaliações pura-
mente econômicas permitem fortalecimentode visão equivocada, na qual o agricultor é pri-
sioneiro de uma vida de qualidade inferior,
da qual não foge apenas porque não conse-gue.
Esta perspectiva, além de desprezar as po-
tencialidades da agricultura familiar, permiteesconder as omissões do governo e os prejuí-
zos repassados a toda a sociedade que a
desqualificação cultural dos agricultoresacarreta para o desenvolvimento e autono-
mia da nação.
Por esse motivo os analistas contrários àreforma agrária preferem a abordagem eco-
nômica. Com ela constroem argumentos
(muitas vezes válidos para casos particulares)que são generalizados como evidências favo-
ráveis à expansão, em bases nacionais, de tec-
nologias intensivas em capital, comprovada-mente inadequadas à agricultura de base fa-
miliar. Preconizam uma revolução verde "mo-
dernizada" pelabiotecnologia e pela cha-
mada "agricultura de pre-
cisão", apoiando os mes-mos interesses de grupos
multinacionais que nos
trouxeram à crise atual.Maquiam e reeditam, des-
sa forma, política contrá-
ria aos interesses de nos-so país, que multiplicará
o número de campeões de
produtividade, premiados
pelo governo federal como agricultores exem-
plares em um ano e que, logo a seguir, per-
dem a terra para os bancos e engrossam asfileiras do MST.
Enfim, a agricultura familiar deve ser exa-
minada de forma abrangente, privilegiandotodo um conjunto de aspectos, onde os resul-
tados econômicos se incluem como parte ne-
cessária mas insuficiente para a compreen-são do todo. Portanto, o caráter econômico da
reforma agrária, os resultados econômicos
observados nos assentamentos, e mesmo areceita auferida em qualquer estabelecimen-
to rural, embora importantes, não permitem
assegurar transformações sustentáveis, nemretratam as possibilidades de realização hu-
mana que o desenvolvimento encerra. Em
outras palavras, os pressupostos da revoluçãoverde, de que aumento da produtividade leva
ao aumento da renda, e de que esse aumento
assegura expansão da qualidade de vida ,embora bem construídos, na prática se mos-
tram equivocados.
Sendo a agricultura familiar um modo devida que se apoia nas relações dos homens
entre si e com a natureza, em perspectiva de
longo prazo, as políticas voltadas ao fortaleci-mento da agricultura familiar devem dar conta
destas relações, em suas várias dimensões.
O foco deve atender aspectos políticos, soci-ais, ambientais e culturais, estimulando
conscientização nacional de que "é errado li-
mitar a análise de umprojeto a seus aspectos
econômicos simplesmen-
te porque decidiram bati-zar com o nome de eco-
nomia um pedaço arbitrá-
rio do corpo total de co-nhecimento sobre o ho-
mem, excluindo os de-
mais, e é desonesto seesconder dentro de uma
concepção disciplinar e
compartimentalizada do
Os pressupostos da revolu-
ção verde, de que aumento
da produtividade leva ao
aumento da renda, e de que
esse aumento assegura expan-
são da qualidade de vida,
mostram-se equivocados.
A r t i go
62Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
conhecimento, para evitar o con-
tato com as conseqüências hu-
manas das posições acadêmicasque adotam" (SOARES, 1976,
p.147). Enfim, sendo a reforma
agrária um instrumento neces-sário para a consolidação da agri-
cultura familiar, que não admite
tratamento voltado de maneiraexclusiva a alguma das ativida-
des, funções ou sistemas que
nela se desenvolvem, devemos,necessariamente, examinar a
reforma agrária considerando ou-
tras dimensões2, além da econô-mica.
Re sult ad o s para o q uechamamo s d e re f o rma agrár i a no Brasi l
Como todos sabem, no Brasil vem ocorren-
do uma espécie de distribuição aleatória de
assentamentos, como resposta do governofederal a pressões sociais localizadas, majo-
ritariamente organizadas pelo MST. Também
é conhecido que esta prática sucede a umapolítica de colonização, que remonta ao golpe
de estado de 1964. O governo federal sempre
chamou esse tipo de iniciativa de "reformaagrária", embora se tratem de coisas muito
diferentes. Para não entrarmos nessa discus-
são, por falta de espaço, vamos fixar apenasuma imagem: a política agrária do Governo
FHC, (que é inadequada, ineficiente, incon-
sistente, desarticulada e desorientada), NÃOreforma coisa alguma. Aliás, o ritmo de cria-
ção de pequenas propriedades, que ela
viabiliza através de assentamentos, é MENORdo que o ritmo de desaparecimento de peque-
nas propriedades, provocado por outras políti-
cas deste mesmo governo. Bom, ainda assim,adotando a expressão Reforma Agrária para
nos referirmos a essa política de assentamen-
tos, e examinado seus resultados, somos sur-preendidos.
Caberia, antes, discutir algumas caracte-
rísticas dos assentamentos típicos do gover-no FHC, que dificultam a consolidação de re-
sultados positivos. Por exemplo: a liberação dos
recursos de crédito via de regra ocorre antesda demarcação dos lotes, o que dificulta a re-
alização de investimentos produtivos, pois o
agricultor não sabe se qualquer poste fincadoou mesmo qualquer buraco aberto no solo "fi-
cará" na sua ou em qualquer outra proprieda-
de. Assim, o dinheiro some sem viabilizaraplicações produtivas, e a possibilidade de
sucesso dos empreendimentos se reduz dras-
ticamente. Há, também, a carência de pla-nos para o desenvolvimento das famílias, o
retardo no traçado das estradas, o abandono,
a falta de água, a solidão, a aquisição de áre-as tecnicamente inadequadas à exploração
com lavouras anuais etc. Mas vamos saltar
essas limitações e examinar alguns dos re-sultados que, apesar delas, estão aí, no plano
real, para serem visitados.
Inicialmente cabe mais uma pergunta:Quem são os "sem-terra"? Quem são essas pes-
soas que, no momento da constituição de um
assentamento, se transformam em agricul-tores familiares?
O senso comum diz que são pessoas à mar-
gem da sociedade. São pessoas que, não en-
A r t i go
63 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
contrando lugar em qualquer outra atividade
econômica, se sujeitam a viver durante anos
em barracas de lona, à beira das estradas.Velhos, adultos, crianças, vivendo em casas
com paredes de meio milímetro de espessu-
ra, úmidas, sem água, sem luz, com poucacomida, esperando pela oportunidade de se-
rem assentados. Acreditando, por suas expe-
riências de vida, que esta é a melhor, senãoa única alternativa que lhes resta. Evidente-
mente a visão de futuro, o sonho da terra pró-
pria (que permitirá manter seu modo de vida)é outro forte elemento de impulso, que am-
plia sua capacidade de resistência.
Pois bem, desse conjunto de rejeitados pelasociedade, onde se incluem filhos de peque-
nos produtores, produtores que perderam suas
terras, parentes e amigos de ex-sem-terra queconquistaram seus lotes etc., surgem resul-
tados que chamam a atenção.
Particularmente no Rio Grande Sul, temoslavouras de arroz irrigado integradas à pisci-
cultura; soja orgânica em plantio direto; coo-
perativas de segundo grau onde agricultorestradicionais buscam filiação; rebanhos leitei-
ros puros de origem; explorações de pastagem
em sistema rotativo Voisin, com produtivida-de média superior à estadual; agroindústrias
especializadas em suínos, aves, lacticínios;
casas de vegetação, supermercados, pomares,feiras e mercados especializados em oferta de
frutas, verduras e toda uma ampla linha de
produtos agrícolas sem venenos. Nos assen-tamentos surgem agrovilas, escolas e creches,
e, deste meio, surgem gestores de departa-
mentos técnicos, de cooperativas, de conse-lhos, sindicatos e secretarias municipais.
Surgem agricultores que realizam experimen-
tação de novos processos produtivos, surgemgrupos de famílias com amplo domínio de téc-
nicas sofisticadas, surgem vereadores, pre-
feitos, deputados, técnicos agrícolas, profes-sores, jornalistas, agrônomos, advogados,
médicos, enfim, lideranças políticas e profis-
sionais vinculadas a diferentes categorias
especializadas.
De onde vêm esses resultados? Daquele
conjunto de indivíduos rejeitados pela socie-dade, como inadequados a qualquer oportuni-
dade existente nesta mesma sociedade! Vêm
daquele conjunto que aceitou viver em bar-racos de lona, e que sobreviveu, durante os
anos que duraram aquela experiência.
Como isto é possível?Através da organização, da criatividade e
do alinhamento a valores reais, como a soli-
dariedade, o respeito à opinião da maioria, oaprendizado coletivo, a ajuda mútua e a cons-
trução de parcerias, como estratégia para a-
cesso a outros instrumentos.Pois bem, se com a organização e o foco
em valores adequados, é possível tamanha
transformação, a partir de uma base que in-corpora aquele conjunto de excluídos, o que
poderemos obter, com os mesmos princípios,
aplicados de forma articulada a outros instru-mentos, em toda a sociedade? E se fizermos
isto com o apoio, por exemplo, de políticas de
Estado?Com que miopia podemos justificar a ne-
gligência, o descaso para com esse potencial
de transformação?Se aceitarmos que a organização, a disci-
plina e a solidariedade são base sólida para a
construção de resultados que interessam atoda a sociedade (vejamos um exemplo: 100%
das crianças com acesso às escolas é um ín-
dice conquistado pelos excluídos, nos assen-tamentos, e que se reproduz apenas nos bair-
ros de classe média e alta, onde é assegurado
pelos impostos recolhidos por todos), podemosvoltar à questão inicial, com propostas de in-
tervenção razoavelmente definidas.
Como vimos, por ser multidimensional, odesenvolvimento não pode ser avaliado sob
critérios meramente econômicos. Portanto, se
quisermos examinar as transformações quea reforma agrária permite, e o que podemos
fazer para potencializá-las, devemos trabalhar
com enfoque mais abrangente4.
A r t i go
64Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
Trata-se de es-
colher algumas di-
mensões, que se-jam aceitas como
essenciais, por to-
dos, e assumi-lascomo critérios
para avaliar a
performance dosassentamentos.
Que tal conside-
rarmos que é"bem sucedida"
aquela família que
assegura moradiaadequada, alimentação adequada e acesso à
escola, para todos seus membros? Podemos
adicionar a isto um componente de renda, etemos aí um conjunto de resultados que ofe-
rece uma indicação mais adequada, a respeito
das condições de vida e do estágio de desen-volvimento das pessoas e dos grupos sociais.
Destaque-se: estamos assumindo que a ren-
da é um componente adicional, que se agre-ga ao conjunto de outras dimensões, talvez
mais importantes. Atendidas aquelas, as con-
dições se igualam em termos sociais, e o di-ferencial econômico passa a ser decisivo. Por
outro lado, sempre será possível a uma famí-
lia, ou grupo de famílias, decidir que em seusinvestimentos serão priorizadas atividades
que buscam geração de renda, em detrimen-
to da qualidade de vida, ou vice versa.Enfim, quando 100% das famílias estabele-
cidas em determinado assentamento residem
em moradias adequadas, se alimentam de for-ma sadia, e têm asseguradas condições de
educação formal, quanto maior a renda média
familiar, melhor para todos, e mais bem suce-dido será o assentamento em questão.
Como bases necessárias, a serem mobili-
zadas para obtenção desses resultados, pode-mos considerar os fatores de produção clássi-
cos: terra (área disponível por família), traba-
lho (número de famílias assentadas), capital
(que podemos exa-
minar sob o ponto
de vista das má-quinas e equipa-
mentos, dos crédi-
tos para investi-mento recebidos,
da infra-estrutura
oferecida paraaquelas famílias)
e organização pro-
dutiva (forma deorganização de to-
dos estes recur-
sos). Estamos vi-sualizando arranjos e combinações daqueles
fatores, onde aceitamos (e existem estudos
que dão validade a esta posição) que grupos"bem organizados5" podem obter (dentro de
certos limites) até melhores resultados, com
menor disponibilidade de recursos (reduzin-do desperdícios, aproveitando ganhos de es-
cala e racionalizando o trabalho etc), do que
grupos "deficientes em termos organizativos"(que podem obter os mesmos - ou até piores-
resultados com acesso à infra-estrutura su-
perior - também dentro de certos limites - etc).De uma forma geral, é possível afirmar que
esses indicadores compõem conjunto de cri-
térios bastante razoável, que pode ser enca-rado como parte necessária de uma pauta mí-
nima a ser trabalhada em qualquer política
de reforma agrária, e que essas, a rigor, de-veriam necessariamente contribuir para sua
adequada utilização. Em todos os países ricos,
conforme citamos no início, ocorreu altera-ção massiva na configuração destes recursos,
o que determinou redirecionamento e multi-
plicação daqueles resultados. Alguns estudosafirmam que, para serem efetivas, as políti-
cas de reforma agrária devem provocar alte-
rações rápidas e abrangentes (em toda umaregião ou país), envolvendo essas e outras di-
mensões. Afirmam, também, que a viabilida-
de destas políticas depende de alteração na
A r t i go
65 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
correlação de forças vigente na sociedade6, que
sustentam, no governo, representantes de
uns, e não de outros interesses.Pois bem, examinando os assentamentos
gaúchos sob estas perspectivas, é possível
afirmar que os melhores resultados são al-cançados mais facilmente por aquelas uni-
dades que, "de saída", apresentam determi-
nados perfis. Portanto, conhecendo esses per-fis saberemos que "tipo" de circunstâncias
apresentam maior potencial e, portanto, po-
deremos estabelecer estratégias de coopera-ção que permitam potencializá-los. Resulta,
daí, orientação que ajudará cada um de nós a
identificar o papel que nos cabe, ou que esta-mos dispostos a assumir, para contribuir na
construção deste caminho.
O q ue p o d e mo s f aze r p ara f o r t ale ce ras e xpe r i ê nci as e asse nt ame nt o s
b e m suce d id o s?
Trata-se de aprender com as evidências,examinar o que vem ocorrendo ao longo da
história vivenciada pelos assentados, e en-
contrar maneiras para fortalecer e multipli-car os resultados mais positivos. Pois bem,
com base nos critérios definidos acima, e con-
siderando a realidade de 90 assentamentosgaúchos, estudo recente demonstrou que al-
gumas medidas possuem grande impacto so-
bre o desenvolvimento daquelas famílias e domeio onde são estabelecidas. Embora estas
medidas possam parecer óbvias, até o mo-
mento ainda não haviam sido confirmadas, eestavam confinadas aos limites dos discur-
sos. Agora, entretanto, constituem elemen-
tos cuja validade não pode ser negada, peloque seria irracional desprezá-los, no esforço
para consolidação dos assentamentos. Por
extensão, como os agricultores assentados sãoagricultores familiares, as mesmas evidên-
cias permitem estabelecer estratégias volta-
das ao fortalecimento de toda agricultura debase familiar. Vamos a elas7:
– Assentamentos com maior percentual de
famílias organizadas e participativas, na li-
nha proposta pelo MST, apresentam maiorpossibilidade de sucesso (acesso a moradia,
alimentação, escola e renda superiores à
média). Portanto, é relevante até mesmo parao próprio FHC apoiar as formas de organiza-
ção propugnadas pelo MST que, neste senti-
do, revela-se como o mais importante "sócio"do governo, para a construção de uma política
que pretenda multiplicar o número de assen-
tamentos bem sucedidos.– Assentamentos com maior percentual de
chefes de família alfabetizados, que dominem
características do ambiente onde os lotes se-rão estabelecidos, apresentam maior possi-
bilidade de sucesso. Portanto, é relevante o
estabelecimento de políticas de capacitaçãoe alfabetização aplicadas ao público potencial
de reforma agrária, por ocasião de sua per-
manência nos acampamentos. Trata-se detornar produtivo o tempo ocioso, atualmente
de espera inócua.
– Assentamentos de grande porte enfren-tam maiores dificuldades para o estabeleci-
mento de bases de relacionamento e sociali-
zação. Isto dificulta a estruturação de redessociais e compromete a utilidade potencial dos
recursos. Portanto, as áreas maiores devem
ser fracionadas de forma a que sejam consti-tuídos grupos com mais de 10 e menos de 50
(idealmente em torno de 25-30 famílias). Es-
tes grupos operam de forma mais eficiente eampliam a produtividade global dos recursos.
Adicionalmente, quando atuam de forma arti-
culada, mantém as perspectivas de ganhos deescala inerentes às grandes unidades.
– A proximidade dos assentamentos, no con-
texto das áreas reformadas (envolvendo diga-mos 1,5 mil a 2 mil famílias), reduz os custos
globais e amplia os resultados médios, cons-
tituindo base para o estabelecimento de polí-ticas e estratégias de desenvolvimento regi-
onal. Neste sentido, a implantação coordena-
da de vários assentamentos, em um mesmo
A r t i go
66Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
município (ou em municípios contíguos) serevela importante para a articulação de polí-
ticas públicas, com vistas à constituição de
pólos regionais capazes de dinamizar áreasde economia deprimida.
– A consolidação dos assentamentos res-
ponde à construção de uma sensação de "per-tinência" das famílias, às novas áreas. Esta
"pertinência" se associa à esforços aplicados
em atividades de longa maturação, e à estru-turação das relações sociais. Dentre os as-
pectos motivadores mais importantes, neste
sentido, destacam-se a moradia e seu entor-no, as atividades de ciclo plurianual, o relaci-
onamento com a sociedade local e os investi-
mentos de natureza "estruturante" (escolas,energia elétrica, estradas, linhas de leite).
Portanto, os esforços voltados ao embeleza-
mento das moradias (plantio de árvores e jar-dins), as rotinas de reuniões e aquelas ati-
vidades "estruturantes" (investimentos de lon-
go prazo), exercem importante efeito psicoló-gico, sento extremamente relevantes na fase
de implantação. Como os primeiros 5 anos
tendem a constituir período de grande turbu-lência nas relações pessoais, internamente
aos grupos, aqueles esforços devem ser pla-
nejados e estimulados, neste período.– A consolidação dos assentamentos res-
ponde diretamente aos relacionamentos es-
tabelecidos entre as famílias e a comunidadelocal (prefeitura municipal, agricultores tra-
dicionais, comércio local). Esta circunstância
é fortemente afetada pelas experiências ini-ciais, que se caracterizam por grande descon-
fiança, de parte a parte. Portanto o trabalho
de preparação da comunidade, e das primei-ras famílias a serem assentadas, em qualquer
município, apresenta extrema relevância para
a consolidação de relações sociais produtivase conseqüentes. A base para consolidação das
áreas reformadas responde diretamente à for-
ma como o primeiro assentamento é consti-tuído, naquele mesmo ambiente.
– As necessidades dos agricultores famili-
ares, de qualquer município, correspondem,em grande parte, a dificuldades que serão
vivenciadas pelos agricultores a serem assen-
tados naquele ambiente (pontes, estradas, es-colas, linhas de leite, assistência técnica etc).
Como a forma articulada com que assentados
trabalham questões coletivas, bem como osrecursos federais e estaduais que conseguem
mobilizar ampliam a perspectiva de solução
daquelas limitações, sua identificação préviapermite estabelecer pauta mínima, comum
aos antigos e novos moradores do município,
capaz de minimizar as resistências anterior-mente citadas. Trabalhar sobre este ponto
amplia a possibilidade de construção de bom
relacionamento, a curto prazo, entre as famí-lias assentadas e a comunidade local.
– As particularidades da agricultura fami-
liar constituem vantagem comparativa no querespeita a atividades que apresentam retor-
nos decrescentes à escala. Estas atividades
constituem as bases principais para oferta dosprodutos de consumo interno, e se mostram
ajustadas a modelos tecnológicos e matrizes
produtivas que, contrariamente às premissasda revolução verde, se apóiam na articulação
de vários sistemas produtivos e não na ex-
pansão daquela cultura/criação que permitemaior renda econômica. Como decorrência,
a agricultura familiar8 encerra potencial de
resposta em atividades que privilegiam a bio-diversidade, minimizam os riscos médios e
valorizam o adequado aproveitamento dos re-
cursos internos. Da mesma forma, estas ati-vidades se associam a políticas de transição
de matrizes tecnológicas, desde modelos de-
pendentes de insumos importados até mode-
Assentamentos com maior per-
centual de famílias organizadas e
participativas, na linha proposta
pelo MST, apresentam maior
possibilidade de sucesso
A r t i go
67 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
los de base agroecológica. Portanto os assen-
tamentos constituem base privilegiada paraexpansão, entre os agricultores familiares, de
formas produtivas mais autônomas porque
menos dependentes de insumos controladospor empresas multinacionais. Sendo do inte-
resse nacional reduzir importações destes
insumos, esta peculiaridade da agriculturafamiliar confere, aos assentados, oportunida-
de de conquistar a simpatia da sociedade. Ao
mesmo tempo, este aspecto se revela positi-vo no que respeita à redução de custos e ris-
cos inerentes à produção, oferecendo oportu-
nidades de diferenciação junto aos mercadosconsumidores. Trata-se de oportunidade de
ganhos pelo lado dos preços, dada a emergen-
te consciência popular e a conseqüente pro-cura, em todos os meios, por produtos sem
venenos. Enfim, os assentados possuem enor-
mes vantagens relativas, em comparação comqualquer outro segmento produtivo, no que
respeita à possibilidade de diferenciação de
produtos e consolidação de marcas9, nos mer-cados de alimentos limpos, em âmbitos mu-
nicipal e regional.
– A quase nula disponibilidade de modelostecnológicos que permitam conversão de la-
vouras e pecuárias voltadas à geração de pro-
dutos "limpos", de base agroecológica, tambémconstitui potencial de avanço, para os assen-
tamentos em particular e para a luta pela re-
forma agrária, em geral. Dentre as principaisdiferenças apresentadas pelas matrizes tec-
nológicas propostas ao longo da revolução ver-
de e seus sucedâneos, está a massificaçãode 'receitas homogêneas', para quaisquer con-
dições de ambiente, até mesmo em escala
global. Por outro lado, a "agricultura limpa"preconiza respeito às particulariadades do
meio e, com isto, permite ganhos diferenci-
ais decorrentes desta adequação ao meio. OEstado (O país e os Estados) não possui, objeti-
vamente, condições para estabelecer, na dis-
persão necessária, unidades de observação epesquisa que permitam validar/gerar os co-
nhecimentos demandados pela sociedade,capazes de assegurar ampliação na oferta de
produtos limpos e de tecnologias ajustadas à
sua produção, para os diferentes microclimas.Por outro lado, os assentamentos podem con-
tribuir decisivamente a esforço nacional para
suprir esta lacuna, atuando como rede deunidades de experimentação participativa, de
forma a oferecer à sociedade validação de co-
nhecimentos gerados empiricamente e pelapesquisa oficial, com rapidez que, de outra
forma, não seria obtida. Sistematização e di-
vulgação massiva dos resultados identifica-dos a partir deste tipo de trabalho ampliarão a
aceitabilidade da Reforma Agrária, contribu-
indo para alterar a correlação de forças que,hoje, permite as atitudes e discursos contra-
ditórios praticados pelo ministro do Desenvol-
vimento Agrário.– Políticas e planos de desenvolvimento lo-
cal, centrados na busca da suficiência alimen-
tar (renda mínima) apresentam potencial paraalteração na imagem dos assentamentos e,
ao mesmo tempo, para consolidação das ati-
vidades produtivas, devendo ser estimuladoscomo prioridade, nos dois primeiros anos.
– Os assentamentos possuem particulari-
dades que os tornam singulares, no conjuntode estabelecimentos rurais. A forma articula-
da com que os lotes são organizados, especial-
mente se os considerarmos desde a perspecti-va das áreas reformadas, contemplando vários
assentamentos de pequeno porte, permite apro-
veitamento simultâneo de economias edeseconomias de escala, potencializando o uso
de sistemas produtivos que, isoladamente, se
mostram inadequados tanto à exploração fa-miliar quanto às grandes empresas agrícolas.
Trata-se de possibilidade concreta para apli-
cação do conceito de ótimo diferencial10
(Chayanov, 1974), que recomenda combinação
de atividades ajustadas a pequenas e grandes
propriedades, em sistemas integrados queenvolvem parques de máquinas, comerciali-
zação conjunta e investimentos inacessíveis
aos agricultores familiares individualizados econtrole gerencial descentralizado, com agri-
cultores cuidando diretamente de pequenas
AA
A r t i go
68Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
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Re f e rê nci a b i b l i o gráf i cas
No t as1SACHS (1964 ), DE JAN VRY (1981 ),
CHONCHOL (1990), EXPERIÊNCIAS.(1990),entre outros.2EVENSON (1997).
3MEDEIROS et al. (1994), entre outros.
4STÉDILE (1994).
5Evidentemente a condição de "ser ou não ser"
"bem organizado" dependerá da perspectivade quem avalia. Como interessa melhorar ascondições de vida das famílias assentadas,assumimos que uma forma de organizaçãoserá "boa" , "melhor do que outra", quando osagricultores e seus representantes assimentenderem.6O que seria "politicamente possível apenas na
medida que um bloco de novas forças sociaisalcance capacidade de identificar-se em algunsobjetivos estratégicos (o projeto de uma novasociedade), de fraturar ou modificar o sistemade poder que b loqueia o p rocesso demudança, de readequar o aparelho político e
operacional do Estado e promover umaenérgica, coerente e planejada mobilização doesforço interno" (GARCÍA, 1982. P.17-18)7As informações a seguir foram elaboradas a
partir de conceitos discutidos em MELGAREJO(2000).8Destacamos que os assentados constituem o
grupo mais organizado, dentro do segmentoda agricultura familiar. Por este motivo possuemcondição de liderar o processo de transformaçãodos modelos produtivos, gerando referências aserem seguidas pelos demais.9PORTER (1989).
10Basicamente CHAYANOV recomendava ações
de cooperação envolvendo grandes coletivos(para aquelas atividades que permitissemganhos de escala) e pequenas unidadesprivadas (onde seriam conduzidas atividadesque impõem deseconomias à escala) comoest ra tég ia para o t im ização g loba l dosrecursos. Ver também Shanin, 1990.
A r t i go
69 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
FUNES, Fernan-
do; GARCÍA, Luís;
BOURQUE, Martin;
Pérez, N i lda;
Rosset , Peter
(orgs). Transfor-
mando el cam-po cuba no :
avances de la
a g r i c u l t u r a
sustenible. La
H a b a n a :
A sso c i a c i ó n
Cubana de Técnicos Agrícolas
y Forestales - ACTAF; Instituto para las Políticas
de Alimentación y Desarollo - Food First; Centro
de Estudios de Agricultura Sustenible - CEAS,
2001. 286 pag.
Desde o início dos anos 90, Cuba está en-
volvida em uma mudança de paradigma em sua
agricultura, em direção a sistemas de produção
sustentáveis. Apesar das dificuldades econômi-
cas que o país está atravessando, se obteve
importantes avanços em aspectos como o uso
de controles biológicos, a agricultura urbana, o
emprego de plantas medicinais, a tração ani-
mal, os policultivos, a integração entre agricul-
tura e pecuária e a capacitação em agroecolo-
gia, entre outros.
Nesse livro, se faz um balanço desses avan-
ços e dos desafios que ainda persistem naquele
país, para se alcançar um desenvolvimento mais
equilibrado e garantir alimentação suficiente e
de qualidade para a sua população.
São 16 artigos produzidos por pesquisado-
res cubanos e estrangeiros que mostram o es-
forço de construção de conhecimentos que vem
sendo feito no campo da agricultura sustentá-
vel. Os artigos abordam desde questões macro-
econômicas e estruturais (mudanças na posse
da terra, sistemas de produção, políticas públi-
cas, da pesquisa etc.), que nos permitem acom-
panhar historicamente o que aconteceu com a
agricultura cubana; até os detalhes de progra-
mas e tecnologias voltados para determinados
setores ou produtos (arroz, tabaco, cana-de-
açúcar etc.), na busca de uma agricultura me-
nos dependente de insumos externos, mas igual-
mente (ou mais) produtiva que a convencional.
Rico em dados e informações históricas e estru-
turais - necessários para que se compreenda as
especificidades daquele país -, o livro traz tam-
bém análises sobre os pressupostos que leva-
ram à implantação de determinadas medidas e
descreve os processos de implantação com to-
dos os seus desafios e potencialidades.
Cuba passou por uma forte crise no início
dos anos 90, com o colapso dos países socialis-
tas europeus, e com o recrudescimento do blo-
queio econômico por parte dos Estados Unidos.
Isso levou a que se estabelecesse o chamado
"período especial", no qual medidas restritivas
foram tomadas como se estivessem em uma eco-
nomia de guerra. Como explicam Martin Bourque
e Peter Rosset, na introdução: "houve uma re-
dução imediata de 53% nas importações de pe-
tróleo, que não só afetou a sua disponibilidade
para a economia, como também reduziu a zero
o intercâmbio internacional que Cuba havia con-
seguido anteriormente com a reexportação des-
se produto. As importações de trigo e outros
grãos para o consumo humano se reduziram
em mais de 50%, enquanto outros alimentos
diminuíram ainda mais. A agricultura cubana
enfrentou uma queda de mais de 80% de dis-
ponibilidade de fertilizantes e pesticidas, e mais
de 50% de combustíveis e outras fontes de ener-
gia a partir do petróleo ." Essa situação poderia
ser enfrentada de muitas formas: a escolhida
por Cuba, foi apostar na agricultura familiar para
o abastecimento interno (revendo a estrutura
da posse da terra, anteriormente baseada nas
grandes cooperativas) e em tecnologias susten-
táveis de produção, que inicialmente substituí-
ram insumos e, paulatinamente, foram trans-
70Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
formando a forma de se pensar o agro.
O significado maior desses feitos é evidenci-
ado por Miguel Altieri, que assina o prólogo ao
livro: "em países em via de desenvolvimento, a
preocupação tem sido que os sistemas alterna-
tivos ofereçam possibilidades reais para que os
pequenos agricultores, especialmente os mais
pobres, possam incrementar a produtividade
dos seus sistemas, garantindo a segurança ali-
mentar, protegendo o ambiente e também au-
mentando a sua renda. A experiência cubana
demonstrou que a adoção de tecnologias agro-
ecológicas nas comunidades rurais (e também
nas cidades, com a agricultura urbana) pode
representar benefícios produtivos, assim como
preservar os recursos naturais, melhorando a
viabilidade econômica, e o que é ainda mais
importante, incrementando a eqüidade social."
Para que essas mudanças ocorressem, o autor
salienta outras pré-condições importantes: uma
população rural com um nível de educação
altíssimo, um forte investimento estatal em ciên-
cia e tecnologia, um governo decidido a manter
seus compromissos com a segurança alimentar
da população. Cumpriu um papel importante
também a organização da população e dos téc-
nicos, em especial as instituições ligadas ao
ambientalismo, que disputaram espaços com
defensores de um modelo mais convencional, e
conseguiram uma ação de convencimento so-
bre toda a sociedade. Os avanços alcançados
são colocados claramente em vários artigos, com
tabelas comparativas, informações estatísticas
etc. O volume contém ainda fotos, glossários com
nomes comuns e científicos de plantas, insetos
e microorganismos, unidades de medida etc.,
assim como resumos de algumas políticas pú-
blicas e legislações importantes sobre meio am-
biente e agricultura. Enfim, é um livro útil mes-
mo para quem conhece pouco sobre a realida-
de daquele país, e sobretudo, muito atual.
Resenha elaborada por Emma Siliprandi, assessora especial daEmater/RS. [email protected]
SCHAAF, Al ie
van der. Jeito deMulher Rura l: a
busca de direitos so-
ciais e da igualda-
de de gênero no
Rio Grande do Sul.
Passo Fundo :
UPF, 2001. 312
p.
O livro trata
da história do
Movimento de Mulheres
Trabalhadoras Rurais (MMTR-RS), que foi criado
em 1989, em um contexto de mudanças econô-
micas, sociais e políticas no Rio Grande do Sul e
no Brasil, marcado pela emergência de diversos
movimentos sociais, urbanos e rurais.
É o resultado de uma pesquisa de Doutora-
do em Antropologia Cultural pela Universidade
de Utrecht (Holanda), fruto de vários anos de
convivência da autora com as agricultoras
pesquisadas.
O enfoque é na vida diária dessas agriculto-
ras, procurando entender como se estruturaram
em um movimento para empreender ações co-
letivas, sendo uma categoria social tradicional-
mente invisível e sem direitos próprios. Para ana-
lisar essa realidade, foram pesquisados também
outros grupos sociais atuantes no período (como
os sindicatos de trabalhadores rurais, a Igreja,
os partidos políticos, outros movimentos rurais
como os sem-terra e de luta contra as barra-
gens), que, de alguma forma, influenciaram a
trajetória do próprio MMTR.
A preocupação maior da autora é mostrar a
evolução deste movimento, suas lutas, suas con-
quistas, seus impasses e suas escolhas. Na busca
por direitos sociais - como foram as lutas pelo
reconhecimento da profissão de trabalhadoras
rurais para fins de aposentadoria e outros be-
nefícios previdenciários - enfrentaram o Estado,
71 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
e, assumindo a luta política, afirmaram-se como
cidadãs. Nessa "caminhada" encontraram-se
com o feminismo e assumiram a luta pela eman-
cipação das mulheres, o que levou a uma série
de contradições internas, em função do contex-
to de forte religiosidade existente no campo.
Por outro lado, a necessidade de construir
alianças com outros movimentos sociais, levou-
as a assumirem, cada vez mais, um discurso de
transformação social, de busca por um outro
modelo de desenvolvimento. Ao mesmo tempo,
essa aproximação provocou tensões no movi-
mento - decorrentes da possibilidade de perda
de sua autonomia, princípio fundante da sua
organização.
Nesse contexto de lutas e contradições, cha-
ma a atenção um dos principais avanços do mo-
vimento: a negociação no interior da família,
mudando a posição de muitas dessas mulheres
no que diz respeito às decisões na propriedade,
conquistando uma maior autonomia, através de
mudanças na divisão sexual do trabalho, e em
especial, quanto ao trabalho doméstico.
Como diz a professora Anita Brumer, no pre-
fácio a este volume, "um livro que retrata a tra-
jetória de mobilização das mulheres trabalha-
doras rurais faz uma enorme contribuição às
ciências sociais ao dar visibilidade a esta cate-
goria social".
Achamos que o livro tem um atrativo espe-
cial para todos os técnicos e ativistas do meio
rural: nos ajuda a entendermos e a respeitar-
mos mais essas mulheres. Poderemos conhe-
cer melhor quem elas são, porque se organi-
zaram de determinadas formas, quais os valo-
res que compartilham, e perceber também os
enormes avanços que conquistaram. É leitura
obrigatória para todos aqueles que se interes-
sam pela história dos movimentos sociais ru-
rais no sul do Brasil.
Resenha elaborada por Emma Siliprandi, assessoraespecial da Emater/RS. [email protected]
CARVALHO, Isa-
bel. A invençã oecológica : narra-
tivas e trajetórias
da educação am-
biental no Brasil.
Por to Alegre:
EDUFRGS, 2001.
229 p
Neste livro,
Isabel Cristina
de Moura Car-
valho fertiliza o debate am-
biental que há mais de tr inta anos vem
reorientando o desenvolvimento e ressignifican-
do as práticas educativas em todo o mundo. A
invenção ecológica , motivo central de sua re-
flexão, é sobretudo, um espaço de intervenção
teórica e metodológica em um campo social
dominado pelo pensamento ecologista como
paradigma reintegrador e retotalizador do
mundo f racionado e f ra turado pelo afã
unificador, homologador e globalizador da
metafísica e da ciência. A invenção ecológica
se configura dentro de uma corrente herme-
nêutica, gerando novas vias de reflexão e de
ação política no campo da educação ambien-
tal até agora cultivado e colonizado pelos
enfoques sistêmicos, os métodos interdiscipli-
nares das ciências, assim como por uma visão
naturalista do ambiente.
Esta reinterpretação do ambiente abre as com-
portas para a compreensão dos significados so-
ciais da natureza construídos pela história. A
natureza deixa de ser uma coisa, um objeto.
O educador deixa de ser um mero transmis-
sor de conhecimentos ecológicos sobre a natu-
reza objetivada para se converter em um ar-
queólogo que desentranha os sentidos que a
cultura vai depositando no real e que mobiliza
os atores sociais em suas estratégias e formas
de uso da natureza. O educador se torna um
72Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
ator social que ensina a aprender o cultivo de
novos significados e prepara para a reabertura
da história.
O saber ambiental se forma nesse campo
como um jogo de linguagens - de visões, inter-
pretações e posicionamentos - que envolve os
educadores como atores sociais inseridos dentro
de relações de poder e saber; um campo onde se
encontram diferentes significações culturais do
ambiente e diferentes interpretações filosóficas da
natureza; onde se confrontam os interesses dos
atores sociais do ambientalismo na perspectiva
do desenvolvimento sustentável; onde se forjam
as identidades dos educadores ambientais e se
tecem as trajetórias de uma pedagogia ambien-
tal superadora do naturalismo e do biologismo
que têm recoberto o pensamento e delimitado o
campo da política ambiental.
A invenção da ecologia é uma saída para o
ambiente como espaço de externalidade do
logocentrismo das ciências. É a abertura em di-
reção ao ainda não-pensado, o recuperável pela
palavra e o que pode ser construído por novos
atores políticos que emergem da reafirmação de
ident idades e da reinvenção do ser . A
hermenêutica ambiental vem assim deslocar o
lugar da verdade de um ecologismo que conser-
va o idealismo da filosofia da consciência, para
chegar a compreensão do ambiente como o en-
contro do real com a experiência da alteridade.
Desta maneira, Isabel Carvalho prepara o ter-
reno para pensar e atuar no campo de um
ambientalismo complexo e multifacetado, onde o
educador ambiental se insere em uma rede de
interesses em conflito e de interpretações que
rompem o espelho da representação, os imagi-
nários da identidade e o cerco da homogeneida-
de, herdeiros do idealismo da filosofia da consci-
ência. Desde a saturação do eu, do racionalismo
e do naturalismo que vêm alimentado as identi-
dades narrativas do sujeito ecológico, emergem
o pensamento e as práticas de um ambientalismo
cujos atores se forjam no seio da degradação da
natureza e da necessidade de emancipação do
ser humano. O ambientalismo transcende os
paradigmas da ecologia generalizada na emer-
gência de uma política da diferença e da comple-
xidade, onde se desdobram uma nova pedago-
gia ambiental para a construção de um futuro
democrático e sustentável.
Resenha elaborada por Henrique Leff, professor daUniversidade Autônoma do México (UNAM) ecoordenador da Rede de Formação Ambiental do
PNUMA. Autor de diversos livros sobre a temáticaambiental.
COSTA, Heloisa S. M. A duração das cida-des: sustentabilidade e risco nas políticas urba-
nas. Henri Acselrad; Prefácio de Henrique Rattner
(org); Coleção espaços do desenvolvimento;
DP&A Editora e CREA-Rio de Janeiro; 240 p.
A temática da gestão urbana voltou a ocupar
nos últimos anos um lugar de destaque no de-
bate nacional e internacional na academia, ór-
gãos públicos, ONGs e movimentos sociais. A
coletânea intitulada A duração das cidades traz
uma postura firme de cautela para com os mo-
delos dominantes - cidades saudáveis, globais,
estratégicas, sustentáveis, entre outras - ao mes-
mo tempo em que oferece a informação neces-
sária para a compreensão dos meandros e con-
textos nos quais foram formulados os discursos
contemporâneos sobre a cidade. Esta descons-
trução dos discursos mostra que não há fórmu-
las mágicas que dêem conta da enormidade do
passivo urbano-ambiental que caracteriza nossa
urbanização incompleta e excludente. Utilizando
uma mesclagem de conceitos associados à dis-
cussão ambiental com o referencial analítico das
ciências sociais, os textos buscam repensar e ava-
liar os potenciais de sustentabilidade e risco im-
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plícitos nas práticas atuais de gestão urbana.
A questão de fundo refere-se à adoção como
"natural" de um modelo único de gestão urbana
e ambiental, baseado em certo grau de "globali-
zação de agendas" ambientais e urbanas, carac-
terizado de um lado pela incorporação de índi-
ces de sustentabilidade e qualidade de vida e, de
outro, pelo adoção de modelos de planejamento
estratégico e marketing das cidades, que vem
constituindo um "pensamento único" ou, confor-
me sugere o texto, um ambiente único: o dos
negócios. Um dos traços comum aos textos é a
recusa em aceitar um único e inevitável caminho
que assegure o futuro das cidades e da gestão
urbana. Alternativamente, contrapõe-se a idéia
de "cultura dos direitos", enfatizando a necessi-
dade de um olhar mais atento, um resgate do
acúmulo de experiências e conhecimentos cons-
truídos pelos movimentos sociais.
Os textos discutem conceitualmente as diferen-
tes representações sociais e valores associados à
sustentabilidade urbana, o caráter híbrido da ur-
banização na qual natureza e sociedade se con-
fundem e se transformam dialeticamente, ou ain-
da as implicações sócio-ambientais e políticas das
novas lógicas de organização territorial. Outros
abordam criticamente algumas implicações da
adoção de "agendas" e de modelos de cidades e
de gestão, que enfatizam a competitividade em de-
trimento da justiça ambiental e dos direitos funda-
mentais dos cidadãos. Em síntese, a coletânea tor-
na o exercício permanente de pensar a cidade,
simultaneamente, um desafio e um prazer.
Resenha elaborada por Heloisa S. M. Costa, profes-sora do Departamento de Geografia da Universidade
Federal Minas Gerais.
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1. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável éuma publicação da EMATER/RS, destinada à divulgaçãode trabalhos de agricultores, extensionistas, professores,pesquisadores e outros profissionais dedicados aos temascentrais de interesse da Revista.
2. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é umperiódico de publicação trimestral que tem como públicoreferencial todas aquelas pessoas que estão empenhadasna construção da Agricultura e do Desenvolvimento RuralSustentáveis.
3. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentávelpublica artigos científicos, resultados de pesquisa, estudosde caso, resenhas de teses e livros, assim como experiênciase relatos de trabalhos orientados pelos princípios daAgroecologia. Além disso, aceita artigos com enfoquesteóricos e/ou práticos nos campos do DesenvolvimentoRural Sustentável e da Agricultura Sustentável, estaentendida como toda a forma ou estilo de agricultura debase ecológica, independentemente da orientação teóricasobre a qual se assenta. Como não poderia deixar de ser,a Revista dedica especial interesse à Agricultura Familiar,que constitui o público exclusivo da Extensão Rural gaúcha.Neste sentido, são aceitos para publicação artigos e textosque tratem teoricamente este tema e/ou abordem estratégiase práticas que promovam o fortalecimento da AgriculturaFamiliar.
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centrados em temas da atualidade e contemporâneosao debate e ao “estado da arte” do campo de estudo aque se refere. Assim mesmo, terão prioridade os textosencomendados pela Revista.
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