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FACULDADE DE ENGENHARIA E ARQUITETURA CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO
Disciplina: História da Arte Profª Laile Almeria de Miranda Texto Sonia Leni Chamon
TRADIÇÃO E RUPTURA – O PROCESSO DA MODERNIDADE
O que é a Modernidade, em Arte? Com certeza não tem o sentido de
contemporaneidade ou atualidade. Sabemos que a Arte Moderna é um processo que,
historicamente, se inicia no final do séc. XIX e se finaliza no período da Segunda
Guerra Mundial – mas estas questões serão melhor analisadas na próxima Unidade.
Cabe aqui o entendimento do conceito de Arte Moderna, que está atrelado com a ideia
de representação. Estivemos ligados por aproximadamente 400 anos à ideia de arte
como sucedâneo do mundo real, onde a semelhança fora condição inequívoca para a
sacralização da boa arte. Veremos neste capítulo os passos que foram dados em
direção à desmaterialização e fragmentação da cor e forma, à busca pelo registro das
experiências individuais e o afastamento, cada vez mais radical, da semelhança com a
realidade.
Neoclassicismo e Romantismo
O séc. XVIII traz o rompimento com o estilo anterior, o Barroco, através das idéias
iluministas e a arte neoclássica. É o período da razão absoluta, do cientificismo e
principalmente do retorno literal aos princípios greco-romanos. É o momento da
Revolução Francesa, ascensão e queda de Napoleão Bonaparte e, anteriormente, das
descobertas arqueológicas de Pompéia e Herculano, que promoveram o revival
clássico. Mas é também o momento da Revolução Industrial, da máquina a vapor, das
novas tecnologias que irão se impor no séc. XIX; é também o momento da
desigualdade social, da opressão pelo trabalho desumano - a arte renega seu tempo
histórico e busca alívio na pureza da arte medieval, na emoção ou heroísmo
exacerbados e também na violência: é o Romantismo.
Neoclassicismo
O intenso racionalismo proposto nas ideias iluministas trazia em seu âmago a negação
de um estado absolutista e da dominação religiosa. O rigor racional deveria coincidir
com a liberdade individual e busca pela felicidade. As escavações arqueológicas de
Herculano (1737) e de Pompéia (1748) foram valorizadas a partir de 1750 como fontes
concretas de conhecimento sobre a vida e a arte na antiguidade – momento
particularmente apreciado como paradigma antropocêntrico. Este é o contexto de
ideias no qual subsistem a Revolução Francesa, ascensão e queda de Napoleão
Bonaparte e primórdios da revolução Industrial. É um momento tão fundamental para
a humanidade, que historicamente dá início à chamada Idade Contemporânea. É o
momento em que o homem individualmente é convidado a reconhecer-se igual aos
seus pares, a buscar a plenitude através da liberdade e a estender seu coração para o
auxílio fraterno – a bela fórmula do pensamento moderno, tão fracionada em sua
prática.
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Na arquitetura, o retorno à utilização dos elementos clássicos se introduz pelo estilo
paladiano – os procedimentos e escritos de Andrea Palladio, arquiteto maneirista (ver
texto 7). A construção que inaugura esta fase é Chiswick House (fig. 1), na Inglaterra,
projeto de William Kent a partir das idéias de Lord Burlington. É perceptível a
influência da Villa Rotonda (ver fig. 26 do texto 7 ) e é este estilo que chega à
América do Norte, através de Thomas Jefferson, sob o nome de “georgiano” e tornou-
se estilo oficial dos estados Unidos, onde podemos reconhece-lo na Casa Branca.
A arquitetura neoclássica encontra na França seu apogeu, com obras que aliam
monumentalidade, a superfícies planas pouco decoradas, simetria e exatidão
geométrica, gramática da antiguidade (sistema de arquitrave, coluna, e frontão; ordens;
arcos e abóbadas) e emprego incipiente de materiais e técnicas produzidos pela
crescente industrialização. Podemos observar o Panthéon (fig. 2 ) de Soufflot, antiga
igreja de St. Geneviéve, que utiliza a planta de cruz grega, abóbada de cruzeiro e
concreto armado nas colunas; e o Arco do Triunfo (fig. 3 ) de Jean Chalgrin, o qual
Napoleão Bonaparte mandou edificar para enaltecer suas glórias, como os imperadores
romanos (ver texto 5), mas que só passou sob seu arco em seu cortejo fúnebre.
Fig.1 Lord Burlington e Willian
Kant, Chiswick House. Londres,
1725.
Fig.2 Soufflot, Panthéon. 1755-92, Paris
Fig.3 Jean Chalgrin, Arco do Triunfo, 1806-15, Paris.
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A pintura neoclássica procura o éthos da antiguidade, muito mais do suas
representações. Não são os estilizados desenhos em cerâmica dos gregos que os
artistas neoclássicos procuram, nem mesmo os desenvolvidos afrescos romanos. É das
esculturas clássicas que buscam o claro contorno, a proporção perfeita, a anatomia
vívida. É do espírito heróico das epopéias e dos generais que retiram a essência de suas
pinturas - de sua ética. O grande artista do período é Jacques-Louis David, que em
1784 participa do Salão1 Oficial em Paris com sua revolucionária obra O Juramento
dos Horácios (fig.4 ) que acaba tornando-se emblema do neoclassicismo histórico.
Em seguida, David transforma-se em porta-voz da Revolução, retratando a morte de
um grande revolucionário em A Morte de Marat (fig. 5 ). Assassinado por uma
extremista quando imerso em uma banheira para aliviar dores, o quadro exala absoluta
dignidade e heroísmo, tendo cada detalhe uma função simbólica (Argan, 1992). David
ainda permanece em evidência como o pintor oficial de Napoleão Bonaparte, tendo o
seu ocaso junto com o governo deste.
Jean-Auguste Dominique Ingres foi aluno de David
e, sem abrir mão do perfeccionismo neoclássico, vê
o belo na relação entre os elementos da forma –
linha, luz e sombra, cor – formando uma síntese
(Argan, 1992). Inaugura um exotismo no tema que
é amplamente usado no Romantismo.. a obra
Odalisca (fig. 6 ) demonstra estas características.
1 Salon (em francês) designava a exposição de arte ligada a Academia Real. A forma de selecionar e
premiar os participantes ainda tem resquícios na atualidade.
Fig.4 David, O Juramento dos
Horácios. Paris, Louvre. 1784
Fig.5 David, A Morte de Marat.
Bruxelas, Museu Real de Belas Artes,
1793.
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A importância dada às esculturas da antiguidade, aclamadas como manifestações
máximas do gênio grego (Janson, ) limitam as possibilidades criativas dos escultores
neoclássicos, mas o italiano Antonio Canova insufla tal sensualismo em cada
superfície que podemos imaginar estar vendo o objeto em si, transmutado em
mármore, e não a sua representação. As almofadas, o colchão, o leito e os tecidos da
escultura Pauline Borghese como Vênus (fig.7) passam exatamente esta sensação, na
qual a reprodução fotográfica traz apenas um vislumbre.
Romantismo
No mesmo contexto do Neoclassicismo, mas com um desenvolvimento mais tardio,
veremos o Romantismo. Sob vários aspectos, é o antagonista do Neoclassicismo:
emocional, no lugar de racional; expressivo e não rigoroso; libertário e individualista,
ao invés de seguir regras; cromático, opondo-se à linearidade de contornos;
medievalista, em distinção ao clássico. Sob outros aspectos aproxima-se do
Neoclassicismo chegando a confundir-se com este: tanto na evocação do heroísmo
quanto na inspiração evocada pelo passado.
Fig. 6 Ingres,
Odalisca. Museu do
Louvre, Paris. 1814
Fig.7 Canova, Pauline Borghese
como Vênus. Mármore, tamanho
natural. Galeria Borghese, Roma.
1808.
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O Romantismo em si abrange uma multiplicidade de vertentes: heroísmo, êxtase
diante da natureza, violência e resgate do passado (revivals) – são algumas das
faces desse termo tão genérico.
De personalidade única, temos, na Espanha, Francisco Goya. Pintor oficial da corte de
Carlos IV fez diversas obras retratando a família real (fig. 8), sempre com um traçado
e colorismo correto e agradável, porém impiedosamente verdadeiro nas feições nada
idealizadas de seus retratados.
Com a invasão de Napoleão na Espanha, qualquer ilusão em relação a
transformações liberais foi demovida. A selvageria das tropas napoleônicas ficou
registrada sob o pincel de Goya, assim como o desespero absoluto que antecede o
momento da morte se perpetuou nas feições dos prisioneiros. O 3 de maio, ou O
Fuzilamento (fig. 9) é uma das obras essenciais da História da Arte pela sua
narrativa impiedosa e pelo seu caráter romântico ligado à violência. Essa violência -
visões atormentadas de pesadelos individuais e coletivos – foi pintada e gravada por
Goya (ver fig. 2 do texto 1)
Na França, outro romântico de destaque é Théodore Gericault. Sua grande obra é A
balsa da Medusa (fig.10 ) que retrata os náufragos sobrevivente de um navio da
armada francesa e ficaram muitos dias perdidos no mar a obra é em si extraordinária
pelas dimensões, registro da morte e do sofrimento humano, e pela composição
magistral que, no momento em que se divisa a salvação, os corpos se dispõem em
um crescendo lembrando uma onda.
Fig. 8 Goya. A família de Carlos IV,
1800. Museu do Prado, Madri.
Fig. 9 Goya, O 3 de Maio. 1814-
15. Museu do Prado, Madri
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O grande pintor francês Eugène Delacroix elevou a violência à categoria de poética.
Atento aos fatos históricos essências de seu tempo, e estudioso da história, criou
obras de narrativas prodigiosas. Sua maneira de pintar, de cromatismos e pinceladas
intensas, diz muito sobre a plástica do romantismo: os artistas desenhavam com a
cor, minimizando contornos e diferenças entre fundo e figura. Seu quadro A
Liberdade guiando o povo (fig.11) exalta a insurreição de julho de 1830 que pôs fim
a cruel monarquia dos Bourbon. Aponta os fatos com minúcias, conforme registros
da época, mas coloca em destaque a alegoria da Liberdade.
Na Inglaterra, dois pintores paisagistas retratam mais do que a natureza: registram o
êxtase e a emoção do observador frente a uma paisagem. A cor, a pincelada, a falta
de contornos são essenciais para a construção dessas obras, que, algumas vezes, se
aproximam da abstração. O fascínio exercido pela natureza é também assunto do
Fig. 10 Géricault, A balsa da Medusa. 1818-19. Museu do Louvre, Paris.
Fig.11 Delacroix, A Liberdade guiando o
povo. 1830. Museu do Louvre, Paris.
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Romantismo, porém tendo o homem como o sujeito da equação. William Turner e
John Constable exercem forte influência sobre os rumos do Romantismo, em
especial, e da Arte Moderna em geral. Observe nas figuras 12 e 13 algumas obras.
A última forma de pintura romântica do séc. XVIII que estudaremos neste capítulo é
a Irmandade dos Pré-Rafaelitas. Encabeçada pelo teórico e crítico John Ruskin, a
partir de meados do século, na Inglaterra, acreditava que para a arte sobreviver a
sociedade deveria ser mudada (Argan, 1992); a arte deveria voltar-se para o período
anterior a Rafael Sanzio (daí o nome Pré-Refaelitas), como uma forma de pureza, e
sem orgulho intelectual, ou ainda, quando o artesanato imperava, no lugar da
impessoal produção mecânica.
Edward Burne-Jones, Dante Gabriele Rossetti, e John Everett Millais formavam o
núcleo do grupo. A alta espiritualidade, a temática medieval e a idealização da
mulher eram as constantes dessas obras e a pintura caracteriza-se pelo acabamento
meticuloso e atenção ao detalhe que se encontram na pintura flamenga do séc. XV
(ver fig.4 do texto 7 ). Podemos analisar estes detalhes na pintura Mariana (fig. 14),
de Millais.
Fig. 12 Turner, Mar em tempestade. C. 1840. Tate
Gallery, Londres.
Fig. 13 Constable, Troncos de Árvores. C. 1825.
Victoria and Albert Museum, Londres
Fig. 14 Millais, Mariana. 1851. Coleção
Particular, Londres.
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A Revolução Industrial iniciada ainda no séc. XVIII, tem o seu arranque com a
criação da máquina a vapor e a sua principal fonte de energia no carvão.A
industrialização tem alguns desdobramentos. Do ponto de vista tecnológico, a
utilização de máquinas possibilitaram um salto na engenharia e desenvolvimento de
materiais de arquitetura como pedras talhadas com mais precisão, tijolos e madeiras
utilizados de forma mais racional, ferro gusa, possibilitando grandes estruturas,
vidros em lâminas grandes e concreto mais resistentes. Projetos mais complexos
passaram a exigir desenhos tecnicamente mais precisos, medidas unificadas pelo
sistema métrico decimal, formação profissional de engenheiros, meios de transporte
mais avançados e meios de comunicação gráfica elaboradas possibilitaram a difusão
dos novos conhecimentos ( Benevollo,2004). Do ponto de vista social, o operariado
vive de forma opressiva, esmagado por cargas de trabalho absurdas e sob condições
desumanas. Os românticos buscam escapar deste contexto desejando uma arte que
expresse religiosidade e que restitua um fundamento ético ao trabalho humano
(Argan, 1992). A arquitetura gótica evoca a espiritualidade, apresenta um refinado
artesanato e evoca, na maioria dos paises europeus, uma valorização nacionalista.é o
revival medievalista ou neogótico.
O Parlamento Inglês (fig.15), construído para substituir o original gótico destruído
em um incêndio, mostra que esse tipo de arquitetura recorre aos elementos mais
significativos do estilo mas o adapta para a feitura industrial.
Livros ou capítulos
A História da Arte.Continuando com o Gombrich, agora você lerá os
capítulos a Era da razão, a Ruptura na Tradição,Revoluçâo Permanente
e em Busca de Novos Padrões. Com certeza os conceitos desta
Unidade serão bastante ampliados.
A Arte Moderna. Este livro de Giulio Carlo Argan é uma excelente
referência para a análise da arte Moderna, desde seus primórdios. Mas
o mais saboroso deste livro são as descrições e reflexões sobre obras
de arte. Não deixe de ler as análises das obras dos séc. XIX.
Fig.15 Charles Barry e Augustus
Pugin, O Parlamento. Londres.
1840 -68
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“ A alegoria da liberdade” em Os Sentidos da Paixão. Neste lindo texto,
na realidade uma transcrição de uma palestra do mestre Jorge Coli, nos
é plenamente apresentada a obra A Liberdade Guiando o Povo , de
Delacroix. Seu sentido de alegoria, os fatos históricos a que se refere,
relação com outras obras, questões levantadas pelo pintor. Na
realidade, todos os textos deste livro são muito interessantes: algum
outro assunto pode rivalizar com paixão?
Sites
http://www.musee-orsay.fr - Neste belíssimo museu, uma antiga gare de
arquitetura romântica, todo o século XIX francês nos é apresentado.
Realistas, nabis, simbolistas, impressionistas, pós impressionistas,
modernos... pinturas, esculturas, arquitetura e diversas exposições, os
quais podemos ter acesso virtualmente.
Filmes
Orgulho e Preconceito (Pride and Prejudice, 2005, Inglaterra, França) Dir. Joe
Wright. A autora Jane Austen demonstra em seus livros as dinâmicas sociais do início
do XVIII, com personagens complexos e histórias encantadoras. Neste filme baseado
em um de seus livros mais conhecidos temos uma perfeita direção de arte, com a qual
podemos divisar a arquitetura e os interiores das construções neoclássicas e a moda da
época, derivada das túnicas gregas.
Referências
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras. 1992.
BENEVOLO, Leonardo. História da arquitetura moderna. São Paulo: Perspectiva,
1994.
GOMBRICH,E.H. A História da Arte .Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983.
HAUSER. A. História Social da Literatura e da Arte. 2 vol. São Paulo: Mestre Jou,
1982
JANSON, H. W. História da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1992
NOVAES , Adauto (org.). Os Sentidos da Paixão. São Paulo: Cia das Letras, 1987.