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Avaliação do eletrocardiograma em cães e gatos neonatos
Assessment of the electrocardiogram in newborn dogs and catsSheila Saraiva da Silva Nogueira – Aluna do curso de graduação em Medicina Veterinária, Bolsista PIBIC/UFT/CNPq, Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia (EMVZ), Universidade Federal do Tocantins (UFT), Campus de Araguaína - e-mail: [email protected]
Eliselle Gouveia de Faria – Aluna do curso de graduação em Medicina Veterinária, Bolsista PIBIC/UFT/CNPq, Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia (EMVZ), Universidade Federal do Tocantins (UFT), Campus de Araguaína
Marlos Gonçalves Sousa – Médico Veterinário, Mestre, Doutor, Professor Adjunto da Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia (EMVZ), Universidade Federal do Tocantins (UFT), Campus de Araguaína
Nogueira SSS, Faria EG, Sousa MG. Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2010; 8(24); 101-107.
Resumo
Embora a eletrocardiografia seja um método diagnóstico amplamente empregado na clínica médica de pequenos animais, a interpretação de traçados eletrocardiográficos registratos em pacientes neo-natos ainda é desafiadora. Este problema deve-se, em parte, às diferenças anatomofisiológicas exis-tentes entre indivíduos recém nacidos e adultos, além, é claro, da pouca disponibilidade de valores e padrões de referência para interpretação de tal exame em animais em crescimento. Assim, este estudo foi concebido para caracterizar o traçado eletrocardiográfico de cães e gatos neonatos e saudáveis, acompanhando-os do 1º ao 70º dia de vida. Os resultados evidenciaram diferenças na mensuração das ondas, bem como na morfologia do complexo QRS e eixo elétrico médio para ambas as espécies. Concluiu-se que a interpretação do eletrocardiograma do cão e gato neonato não deve se apoiar nos valores de referência preconizados para animais adultos, mas, pelo contrário, deve ser feita a partir de tabelas de referência construídas especificamente para a idade do paciente. Os dados oriundos desta pesquisa permitiram, ademais, determinar os intervalos de confiança de 95% para as variáveis eletro-cardiográficas paramétricas em cães e gatos do 1º ao 70º dia de vida, os quais podem ser empregados como valores de referência em populações com distribuição normal.
Palavras-chave: Eletrofisiologia, cardiologia, cardiopatia, eletrocardiografia, pequenos animais
Abstract
Although the electrocardiogram is a widely used diagnostic method in the small animal practice, the interpretation of electrocardiographic tracings recorded from newborn patients is challenging. This problem is partially attributable to the differences in the anatomy and physiology of newborn and adult subjects, besides, of course, the little availability of reference ranges and patterns for the inter-pretation of this exam in growing animals. Therefore, this investigation was conceived to characterize the electrocardiogram of healthy newborn dogs and cats from their 1st to 70th day of age. Differences were documented in the measurement of waves, as well as in the QRS complex morphology and mean electrical axis for both species. It was concluded that the interpretation of the electrocardiogram of newborn dogs and cats should not rely on adult values, but, on the contrary, should be done against age-designed reference ranges. Also, the results of this study allowed determining the 95% confidence intervals for the parametric variables of the electrocardiogram in dogs and cats from the 1st to 70th day of age, which may be used as reference ranges in populations with a Gaussian distribution.
Keywords: Electrophysiology, cardiology, cardiopathy, electrocardiography, small animals
Trabalho de pesquisa
101Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2010;8(24);101-107.
Avaliação do eletrocardiograma em cães e gatos neonatos
IntroduçãoO eletrocardiograma é um método diagnóstico que vem
sendo cada vez mais utilizado e considerado indispensável para o clínico veterinário. Valendo-se de tal exame, é possível obter um diagnóstico exato de arritmias cardíacas e/ou dis-túrbios de condução elétrica, sendo tais alterações freqüente-mente encontradas nas enfermidades cardíacas, em diversos distúrbios eletrolíticos, em doenças sistêmicas que possam trazer repercussões para o coração, tais como piometra, pan-creatite, uremia e neoplasia, e como efeito de determinados fármacos (1,2). Sua importância destaca-se também na moni-toração durante procedimentos cirúrgicos e na avaliação da resposta de diferentes anestésicos (3).
O traçado eletrocardiográfico é composto pela onda P, complexo QRS e onda T, sendo caracterizado pelas variações de voltagens produzidas pela despolarização e repolarização das células musculares cardíacas ao longo do tempo. Cada onda registrada representa uma área anatomofisiológica específica do coração (1,4). Sendo assim, para uma correta interpretação do eletrocardiograma, é preciso, primeiro, co-nhecer quais são estas ondas e, principalmente, qual a sua conformação normal. Desse modo, a onda P corresponde à despolarização atrial e pode ser positiva, negativa ou bifási-ca, dependendo da derivação em questão. Os complexos QRS correspondem à despolarização ventricular, onde a onda Q é a primeira deflexão negativa após a onda P, a onda R é a pri-meira deflexão positiva após a onda P e a onda S é a deflexão negativa que se segue à onda R. Por fim, a onda T representa a repolarização ventricular e pode ser positiva, negativa ou bifásica (1,2,3,4).
Existem três derivações bipolares padrão (DI, DII e DIII), assim como outras três derivações unipolares (aVR, aVF, aVL), que, avaliadas conjuntamente, permitem definir o eixo elétrico médio (2). Este, por sua vez, favorece a avaliação do tamanho das câmaras cardíacas, uma vez que a variação na duração das ondas eletrocardiográficas per se, não é específica e/ou sensível para tal fim (1).
Embora sejam conhecidos os valores de referência para interpretação do eletrocardiograma em cães e gatos adultos, pouco é sabido a respeito de sua interpretação em animais neonatos. Em 1957, Nadas destacou os graves enganos decor-rentes do desconhecimento ou da inadequada interpretação do eletrocardiograma pediátrico (5). Hoje em dia, entretanto, são conhecidas as mudanças no eletrocardiograma normal desde o nascimento até a vida adulta do ser humano. Tais modificações são decorrentes do desenvolvimento fisioló-gico, do tamanho do corpo, da posição do coração em rela-ção ao corpo, e da variação na conformação estrutural das cavidades cardíacas (4). Assim, a realização de exames ele-trocardiográficos seriados em neonatos possibilita determi-nar o momento da inversão da predominância do ventrículo direito sobre o esquerdo, facilitando o diagnóstico precoce de anormalidades congênitas (6).
Exceto por alguns estudos (2, 6, 7), pouco se sabe sobre os padrões eletrocardiográficos definidos para animais neo-natos, dificultando a utilização dessa importante ferramenta
como recurso auxiliar no diagnóstico de cardiopatias em ne-onatos. Trautvetter et al. (1981) (6), por exemplo, comparou as variações do traçado eletrocardiográfico de cães neonatos saudáuveis e portadores de doença cardíaca congênita, con-cluindo que enquanto aqueles sem anormalidades cardíacas apresentam modificações eletrocardiográficas marcantes nas amplitudes das ondas Q, R, S e eixo elétrico do complexo QRS durante as primeiras semanas de vida, nenhuma mudança foi observada nos portadores das referidas cardiopatias.
Assim, a padronização dos traçados eletrocardiográficos de cães e gatos neonatos facilitará, sobremaneira, o diagnós-tico das arritmias e/ou distúrbios de condução que possam ocorrer em face às inúmeras doenças cardíacas congênitas, além, é claro, de facilitar sua interpretação em todas as situa-ções corriqueiras. Destarte, este estudo objetivou padronizar os valores encontrados na mensuração das ondas eletrocar-diográficas de cães e gatos neonatos, valendo-se de traçados obtidos em equipamento computadorizado.
Material e métodosO experimento foi inteiramente conduzido nas dependên-
cias do Hospital Veterinário da Escola de Medicina Veteriná-ria e Zootecnia da Universidade Federal do Tocantins, cam-pus de Araguaína, no período compreendido entre Agosto de 2007 e Julho de 2008, respeitando-se os princípios de bem-estar animal listados no National Institutes of Health’s Guide for the Care and Use of Laboratory Animals.
Foram incluídos na pesquisa 30 cães e 31 gatos neonatos, machos ou fêmeas, provenientes de diferentes ninhadas e ra-ças, sendo todos avaliados do primeiro ao septuagésimo dia de vida.
O registro eletrocardiográfico dos animais foi realizado empregando-se aparelho computadorizado, sendo captadas seis derivações de membro (DI, DII, DII, aVL, aVR e aVF) si-multaneamente, na velocidade de 50 mm/s e sensibilidade ajustada para 1 cm = 1 mV, ao longo de, no mínimo, um mi-nuto. Os traçados eletrocardiográficos foram registrados nos seguintes momentos: do 1º ao 7º dia de vida (M1 a M7); e aos 14, 21, 28, 35, 42, 49, 56, 63 e 70 dias de vida (M14 a M70).
Empregando-se a derivação II, as seguintes variáveis eletrocardiográficas foram mensuradas: duração da onda P (Pms), intervalo PR (PR), complexo QRS (QRS) e intervalo QT (QT), além da amplitude das ondas P (PmV) e R (R) e a fre-qüência cardíaca (FC). Registrou-se, ainda, o ritmo cardíaco, padrão morfológico do complexo QRS, eixo elétrico médio no plano frontal, polaridade da onda T, peso corporal (Kg) e cir-cunferência torácica (cm) dos animais em cada momento de avaliação. Diante dos resultados, as médias, desvios-padrão e intervalos de confiança (95%) das variáveis paramétricas fo-ram calculadas, sendo empregado como método estatístico a análise de variância, seguida do pós-teste de Tukey-Kramer, considerando-se M1 como momento padrão. Determinou-se, ainda, o coeficiente de correlação de Pearson entre as variá-veis derivadas do eletrocardiograma e os índices corporais. Para todas as análises paramétricas considerou-se P<0,05 como significativo. Os dados não paramétricos foram anali-sados de maneira descritiva.
102 Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2010;8(24); 102-107.
Avaliação do eletrocardiograma em cães e gatos neonatos
Resultados e discussãoNas tabelas 1 e 2 encontram-se arrolados os intervalos de
confiança de 95% das variáveis eletrocardiográficas em cães e gatos, respectivamente, do 1º ao 70º dia de vida, enquanto as mé-dias e desvios-padrão podem ser observadas nas tabelas 3 e 4.
Peso (Kg) CT (cm) P (ms) P (mV) PR (ms) QRS (ms) R (mV) QT (ms) FC (bpm) M1 0,2 - 0,3 13,6 - 15,2 32,0 - 36,6 0,14 - 0,19 53,5 - 62,1 28,2 – 33,1 0,04 - 0,09 154,0 - 170,7 240 - 262
M2 0,2 - 0,3 14,1 - 15,7 33,3 - 40,6 0,17 - 0,21 53,6 - 65,3 28,8 - 33,7 0,05 - 0,08 137,0 - 152,2 252 – 276
M3 0,2 - 0,3 14,4 - 15,9 30,3 - 40,0 0,15 - 0,21 49,6 - 61,9 31,8 - 38,4 0,06 - 0,11 151,7 - 165,0 259 - 280
M4 0,3 - 0,4 14,9 - 16,3 32,3 - 37,8 0,15 - 0,19 55,3 - 62,3 29,3 - 34,1 0,05 - 0,08 147,4 - 162,8 252 – 275
M5 0,3 - 0,4 15,3 - 16,9 31,6 - 36,6 0,15 - 0,21 56,0 - 65,9 28,5 - 32,5 0,05 - 0,09 135,7 - 152,3 264 - 284
M6 0,3 - 0,6 15,8 - 17,4 32,3 - 38,5 0,13 - 0,17 55,7 - 64,2 29,8 - 34,9 0,05 - 0,10 137,5 - 153,3 262 – 286
M7 0,3 - 0,5 16,0 - 17,7 30,4 - 35,2 0,15 - 0,23 55,1 - 62,8 31,1 - 36,2 0,08 - 0,13 139,7 - 154,5 259 - 284
M14 0,5 - 0,7 17,8 - 19,6 33,3 - 39,4 0,12 - 0,17 57,4 - 62,8 34,8 - 41,8 0,17 - 0,28 148,5 - 164,4 243 – 274
M21 0,7 - 0,9 19,7 - 21,4 31,7 - 36,8 0,12 - 0,14 55,6 - 62,1 34,6 - 38,5 0,24 - 0,39 146,2 - 155,9 252 - 275
M28 0,8 - 1,2 21,2 - 23,6 36,4 - 43,8 0,12 - 0,16 58,4 - 67,3 35,3 - 39,7 0,27 - 0,42 147,7 - 160,1 236 – 270
M35 0,9 - 1,3 22,1 - 24,9 35,4 - 40,8 0,12 - 0,17 60,1 - 67,0 35,5 - 40,9 0,30 - 0,49 157,2 - 169,3 205 - 234
M42 1,1 - 1,6 23,9 - 26,7 37,9 - 45,7 0,13 - 0,20 63,3 - 71,7 38,6 - 42,7 0,40 - 0,59 154,2 - 165,3 198 – 226
M49 1,3 - 1,9 23,5 - 27,9 37,4 - 42,7 0,13 - 0,16 63,1 - 69,7 39,3 - 44,6 0,41 - 0,58 150,2 - 162,4 200 - 219
M56 1,6 - 2,3 24,4 - 28,9 41,8 - 48,3 0,14 - 0,18 67,8 - 77,6 38,7 - 41,8 0,56 - 0,75 153,2 - 166,1 186 – 205
M63 1,7 - 2,4 27,4 - 30,2 39,3 - 45,2 0,14 - 0,17 68,2 - 77,2 40,4 - 44,5 0,51 - 0,63 161,7 - 176,2 183 - 200
M70 2,5 - 3,4 28,5 - 31,7 37,0 - 40,9 0,14 - 0,19 70,7 - 77,5 38,5 - 42,0 0,46 - 0,66 150,7 - 159,5 180 - 197
Tabela 1: Intervalos de confiança de 95% dos parâmetros corporais e eletrocardiográficos obtidos em cães (n=30) do primeiro (M1) ao septuagésimo (M70) dia de vida.
CT: circunferência torácica (cm); P (ms): Duração da onda P (mseg); P (mV): amplitude da onda P (mV); PR: duração do intervalo PR (mseg); QRS: duração do complexo QRS (mseg); R: amplitude da onda R (mV); QT: duração do intervalo QT (mseg); FC: freqüência cardíaca (bpm).
Peso (Kg) CT (cm) P (ms) P (mV) PR (ms) QRS (ms) R (mV) QT (ms) FC (bpm) M1 0,10 - 0,13 10,2 - 11,1 32,5 - 37,3 0,11 - 0,14 45,9 - 52,1 32,6 - 37,8 0,04 - 0,07 146,4 - 167,5 235 – 252
M2 0,11 -0,14 10,7 - 11,4 33,3 - 39,6 0,10 - 0,13 46,4 - 54,2 32,5 - 38,7 0,04 - 0,07 136,5 - 154,0 241 – 261
M3 0,13 - 0,15 10,9 - 11,6 35,2 - 41,9 0,11 - 0,14 47,7 - 55,0 32,2 - 37,6 0,05 - 0,06 142,1 - 159,8 239 – 262
M4 0,14 - 0,17 11,1 - 11,8 34,6 - 38,9 0,11 - 0,14 46,7 - 52,5 31,6 - 36,9 0,04 - 0,06 137,4 - 154,9 244 – 266
M5 0,15 - 0,18 11,3 - 12,1 34,6 - 37,9 0,11 - 0,14 47,9 - 53,4 31,3 - 34,8 0,05 - 0,08 138,8 - 153,0 246 – 264
M6 0,16 - 0,19 11,6 - 12,4 33,7 - 38,6 0,11 - 0,14 47,0 - 53,9 32,6 - 36,8 0,05 - 0,08 141,8 - 156,8 238 – 257
M7 0,17 - 0,21 11,8 - 13,1 34,3 - 39,9 0,11 - 0,14 47,8 - 54,2 31,3 - 37,1 0,05 - 0,06 137,8 - 155,6 243 – 262
M14 0,23 - 0,27 12,4 - 13,3 37,9 - 43,2 0,11 - 0,14 53,1 - 58,3 32,2 - 36,5 0,07 - 0,11 148,5 - 163,8 243 – 264
M21 0,26 - 0,31 12,9 - 14,0 34,8 - 39,9 0,13 - 0,16 49,4 - 56,8 33,0 - 36,5 0,07 - 0,13 155,1 - 173,0 240 – 266
M28 0,30 - 0,36 13,3 - 14,5 38,4 - 42,8 0,11 - 0,15 52,4 - 56,9 34,4 - 38,0 0,07 - 0,11 163,2 - 181,2 226 – 254
M35 0,33 - 0,41 13,8 - 15,2 37,4 - 43,4 0,10 - 0,16 50,0 - 57,8 31,1 - 39,9 0,07 - 0,11 155,8 - 171,2 245 – 273
M42 0,36 - 0,45 14,3 - 15,9 37,5 - 43,3 0,09 - 0,12 51,1 - 58,3 32,9 - 37,3 0,07 - 0,13 151,4 - 170,1 235 – 261
M49 0,42 - 0,52 14,8 - 16,4 39,0 - 44,0 0,09 - 0,12 50,4 - 58,2 33,6 - 38,2 0,07 - 0,12 158,6 - 176,5 225 – 250
M56 0,48 - 0,61 15,5 - 17,2 36,9 - 41,5 0,09 - 0,11 52,3 - 59,2 32,3 - 38,0 0,08 - 0,15 155,0 - 169,3 225 – 253
M63 0,58 - 0,76 16,5 - 18,3 35,7 - 40,4 0,09 - 0,12 50,5 - 56,8 35,6 - 41,4 0,10 - 0,17 151,8 - 167,2 227 – 254
M70 0,61 - 0,81 16,9 - 18,9 37,9 - 44,4 0,10 - 0,12 51,3 - 59,1 34,5 - 41,0 0,11 - 0,18 156,4 - 172,5 223 – 248
Tabela 2: Intervalos de confiança de 95% dos parâmetros corporais e eletrocardiográficos obtidos em gatos (n=31) do primeiro (M1) ao septuagésimo (M70) dia de vida.
CT: circunferência torácica (cm); P (ms): Duração da onda P (mseg); P (mV): amplitude da onda P (mV); PR: duração do intervalo PR (mseg); QRS: duração do complexo QRS (mseg); R: amplitude da onda R (mV); QT: duração do intervalo QT (mseg); FC: freqüência cardíaca (bpm).
103Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2010;8(24); 103-107.
Avaliação do eletrocardiograma em cães e gatos neonatos
M1 M2 M3 M4 M5 M6 M7 M14 M21 M28 M35 M42 M49 M56 M63 M70 P 34,3± 36,9± 35,2± 35,1± 34,1± 35,4± 32,8± 36,3± 34,3± 40,1± 38,1± 41,8± 40,0± 45,1± 42,2± 38,9± P (ms) 6,5 10,1 13,6 7,7 7,0 8,6 6,7 8,5 7,1 10,4 7,4 11,0 7,4 9,2* 8,2* 5,4
<0,0001
0,16± 0,19± 0,18± 0,17± 0,18± 0,15± 0,19± 0,15± 0,13± 0,14± 0,14± 0,16± 0,14± 0,16± 0,15± 0,17± P (mV) 0,06 0,06 0,08 0,06 0,08 0,06 0,11 0,07 0,04 0,05 0,07 0,10 0,03 0,05 0,04 0,08 0,0051
57,8± 59,4± 55,8± 58,8± 61,0± 59,9± 58,9± 60,1± 58,9± 62,8± 63,5± 67,5± 66,4± 72,7± 72,7± 74,1± PR (ms) 12,0 16,4 7666 9,8 13,9 11,8 10,7 7,6 9,2 12,4 9,6 11,8 9,3 13,6* 12,5* 9,6* <0,0001
30,6± 31,2± 35,1± 31,7± 30,5± 32,3± 33,7± 38,3± 36,6± 37,5± 38,2± 40,6± 42,0± 40,2± 42,4± 40,3± QRS (ms) 6,8 6,9 9,1 6,8 5,5 7,1 7,0 9,8* 5,4 6,1* 7,5* 5,8* 7,3* 4,3* 5,7* 4,9* <0,0001
0,06± 0,06± 0,08± 0,06± 0,07± 0,08± 0,10± 0,22± 0,32± 0,34± 0,40± 0,46± 0,46± 0,66± 0,57± 0,56± R (mV) 0,05 0,04 0,07 0,04 0,05 0,06 0,08 0,16 0,21* 0,21* 0,26* 0,28* 0,31* 0,27* 0,17* 0,27* <0,0001
162,4± 144,6± 158,4± 155,1± 144,0± 145,4± 147,1± 156,4± 151,0± 153,9± 163,2± 159,7± 156,3± 159,7± 168,9± 155,1± QT (ms) 23,4 21,3* 18,7 21,5 23,2* 22,1 20,7 22,3 13,6 17,4 17,0 15,5 17,0 18,0 20,2 12,3 <0,0001
251,0± 264,2± 269,3± 263,8± 274,0± 273,8± 271,7± 258,3± 263,8± 253,0± 219,5± 211,9± 209,2± 195,4± 191,3± 188,4± FC (bpm) 31,8 33,0 30,1 32,4 27,8 33,7 35,1 43,9 32,2 46,5 41,1* 40,1* 26,3* 26,3* 23,1* 23,2* <0,0001
Tabela 3: Médias e desvios padrão dos parâmetros eletrocardiográficos mensurados em cães neonatos (n=30), do primeiro (M1) ao septuagésimo (M70) dia de vida.
P (ms): Duração da onda P (mseg); P (mV): amplitude da onda P (mV); PR: duração do intervalo PR (mseg); QRS: duração do complexo QRS (mseg); R: amplitude da onda R (mV); QT: duração do intervalo QT (mseg); FC: freqüência cardíaca (bpm).* Diferenças estatisticamente significativas (P<0,05) com relação a M1.
M1 M2 M3 M4 M5 M6 M7 M14 M21 M28 M35 M42 M49 M56 M63 M70 P 34,9± 36,5± 38,5± 35,9± 36,3± 36,2± 37,1± 39,4± 36,6± 40,0± 40,4± 40,4± 41,5± 40,0± 37,7± 39,0± P (ms) 6,8 8,8 9,3 6,5 4,5 6,8 7,8 7,7 6,2 6,2 8,4 8,0 7,0* 7,0 7,4 8,3 0,0042
0,12± 0,12± 0,13± 0,13± 0,13± 0,12± 0,12± 0,12± 0,14± 0,12± 0,13± 0,10± 0,11± 0,10± 0,09± 0,11± P (mV) 0,05 0,04 0,04 0,04 0,05 0,05 0,04 0,04 0,04 0,05 0,07 0,04 0,04 0,03 0,03 0,04 0,0003
49,0± 50,3± 51,4± 49,6± 50,6± 50,4± 51,0± 55,7± 53,1± 54,7± 53,9± 54,7± 54,3± 55,8± 53,6± 55,2± PR (ms) 8,8 10,9 10,2 8,1 7,6 9,6 9,0 7,2 10,5 6,4 10,9 10,0 11,0 9,7 8,8 10,9 0,0233
35,2± 35,6± 34,9± 34,8± 33,0± 34,7± 34,2± 35,3± 34,7± 35,7± 35,5± 35,1± 35,9± 35,2± 38,5± 38,3± QRS (ms) 7,2 8,7 7,5 7,5 4,9 6,0 8,1 5,7 5,3 4,9 12,2 6,2 6,4 7,9 8,1 8,9 0,4304
0,04± 0,05± 0,06± 0,05± 0,07± 0,07± 0,06± 0,09± 0,10± 0,09± 0,09± 0,10± 0,10± 0,12± 0,14± 0,14± R (mV) 0,01 0,03 0,02 0,02 0,04 0,04 0,03 0,05 0,08* 0,05 0,06 0,08* 0,07* 0,09* 0,09* 0,10* <0,0001
157,0± 145,3± 150,9± 146,1± 145,9± 149,3± 146,7± 156,1± 164,0± 172,2± 163,5± 160,7± 166,0± 161,7± 160,5± 157,3± QT (ms) 29,4 24,4 24,8 24,4 19,8 21,0 24,8 21,4 24,9 25,2 21,5 26,0 26,9 14,9 15,7 30,8 <0,0001
243,5± 250,8± 250,2± 256,8± 254,9± 247,2± 252,4± 253,6± 256,6± 246,0± 259,2± 239,8± 237,6± 239,2± 240,3± 235,6± FC (bpm) 24,7 28,0 32,6 34,2 26,3 27,0 25,6 28,5 39,0 39,7 38,3 39,4 33,9 39,2 38,0 34,6 0,0657
* Diferenças estatisticamente significativas com relação a M1 (P<0,05)
Tabela 4: Médias e desvios padrão dos parâmetros eletrocardiográficos mensurados em gatos neonatos (n=31), do primeiro (M1) ao septuagésimo (M70) dia de vida
P (ms): Duração da onda P (mseg); P (mV): amplitude da onda P (mV); PR: duração do intervalo PR (mseg); QRS: duração do complexo QRS (mseg); R: amplitude da onda R (mV); QT: duração do intervalo QT (mseg); FC: freqüência cardíaca (bpm).* Diferenças estatisticamente significativas (P<0,05) com relação a M1.
Foram constatadas diversas divergências ao se confrontar os intervalos de confiança sumarizados na tabela 1 com os valores de referência para cães adultos (1). Destaca-se o fato de P (ms) ter atingindo valores máximos a partir de M28 e va-lores mínimo e máximo a partir de M56. O intervalo PR atin-giu o limite máximo já em M1 e os limites mínimo e máximo a partir de M35, enquanto P (mV), QRS e R mantiveram-se abaixo dos valores padrão para cães adultos em todos os mo-mentos estudados. Em relação ao intervalo QT, o limite má-ximo foi alcançado já em M1, ao passo que os limites mínimo e máximo se encontram dentro da faixa padrão em M1 e M2 e de M35 a M70, fato que é corroborado pela variação verifica-da na freqüência cardíaca, que é inversamente proporcional a QT, e cujos valores se apresentam acima do preconizado para cães neonatos até M28 (1). Em M35, contudo, o limite mínimo já se encontra abaixo de 220 bpm, passando os limites mínimo e máximo a alojarem-se dentro da faixa de referência a partir de M49. A taquicardia sinusal é uma resposta a estímulos do sistema nervoso simpático, cujo desenvolvimento em caninos ocorre principalmente após o nascimento e completa-se entre a sexta e oitava semana de vida, sendo, entretanto, funcional antes de atingir a sua maturidade (8). A análise do ritmo car-díaco é, de fato, condizente com tais observações, uma vez que demonstra claramente maior prevalência de taquicardia sinusal de M1 a M28, tornando-se mais prevalente o ritmo sinusal nos momentos subseqüentes (Figura 1). De maneira
semelhante, Roesler (1999) (2) evidenciou freqüência cardía-ca acima do limite considerado normal por Tilley & Burtnick (2004) (1) em cães estudados do primeiro ao trigésimo dia de vida.
O comportamento evolutivo das ondas eletrocardiográfi-cas dos felinos mostrou-se diferente daquele observado para os cães neonatos. Novamente, ao se confrontar os valores de referência para gatos adultos (1) com os intervalos de con-fiança arrolados na tabela 2, foram identificadas algumas dis-crepâncias. Nota-se que P (ms) atingiu valor máximo a partir de M14, entretanto o valor mínimo não alcançou o padrão de normalidade para adultos. A amplitude da onda P (mV) se manteve abaixo do padrão esperado em todos os momentos, enquanto PR atingiu o limite máximo já em M1 e os limites mínimo e máximo a partir de M28. Quanto ao QRS, apenas o limite máximo alcançou o padrão adulto, fazendo-o em M63 e 70. A amplitude da onda R, que deve medir até 0,9 mV em gatos adultos (1), apresentou-se dentro deste valor em todos os momentos, o mesmo tendo ocorrido para QT. A freqüên-cia cardíaca, por sua vez, se encontra acima do padrão para gatos em todos os momentos, estando ainda o limite mínimo acima do padrão em M2, M4, M5, M7, M14, M21 e M35. No que tange ao ritmo cardíaco, constatou-se prevalência de ta-quicardia sinusal nos primeiros momentos, tendendo ao au-mento da ocorrência de ritmo sinusal ao longo dos momentos (figura 1).
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Arritmia Sinusal Respiratória Ritmo Sinusal Taquicardia Sinusal
Figura 1: Evolução percentual do ritmo cardíaco em cães (esquerda) e gatos (direita) do primeiro (M1) ao septuagésimo (M70) dia de vida.
As variações observadas em P (ms), PR, QRS e R (mV) substanciam as modificações morfológicas e funcionais que ocorrem no miocárdio ao longo do período neonatal (4). Tal fato é substanciado pelas modificações observadas na morfo-logia do complexo QRS ao longo dos momentos (1), apresen-tando prevalência do padrão “qrS” na primeira semana e au-mentando a prevalência do padrão normal “qRs” nos demais momentos, conforme ilustram as figuras 2 e 3. Conjuntamen-te, observou-se modificação no eixo elétrico médio, denotan-do maior percentual de desvio à direita nos primeiros mo-mentos, com evidente migração para normalidade ao longo do tempo. Esta alteração é corroborada por Lee et al. (1975) (9), que observou ser o crescimento pós-natal da massa ven-tricular em caninos desproporcional em favor do ventrículo esquerdo. A relação entre o ventrículo direito e o ventrículo esquerdo é significativamente maior em neonatos, sendo 0,99 ao nascimento, 0,58 entre 8º e 11º dias de vida e, finalmente, chegando a 0,55 em cães adultos, fato este atribuído às altera-ções circulatórias pós-natais. De modo semelhante, a análise do traçado eletrocardiográfico de cães durante os primeiros 30 dias de vida em outro estudo (2) constatou que o eixo elé-trico médio migrou da direita para a esquerda, atingindo valores considerados normais para cães adultos ao longo do período analisado. Tal observação deve-se às modificações
no padrão morfológico do complexo QRS, cujo aumento pro-gressivo na amplitude das ondas R e Q, associado à diminui-ção na amplitude da onda S, resultou em mudança do padrão “rS” para “Rs” ou “qRs” na derivação II (1), influenciando, portanto, o cálculo do eixo elétrico médio no plano frontal.
Como era esperado, houve aumento significativo do peso corporal e da circunferência torácica nos animais estudados. Contudo, ao se calcular o coeficiente de correlação de Pear-son entre tais parâmetros e as variáveis eletrocardiográficas, constatou-se, para os cães, a existência de correlações significa-tivas aleatórias, sem linearidade ao longo dos momentos, não apresentando, portanto, importância clinica. Para os gatos, os coeficientes de correlação calculados também apresentam-se significativos aleatoriamente, à exceção da correlação entre peso (kg) e onda R (mV), cujo padrão de correlação linear fez-se presente (P<0,05) de M49 a M70. O incremento na massa mio-cárdica que acompanha o crescimento corporal possivelmente desencadeou maior voltagem no processo de despolarização ventricular, ora traduzido como aumento da amplitude de R (4)
Finalmente, no que tange à onda T, constatou-se preva-lência da polaridade positiva em todos os momentos, tanto em cães quanto em gatos e, embora a polaridade negativa seja considerada fisiológica, tal fato encontra-se de acordo com observações em animais adultos (1).
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QRS QRs Qrs qRS qRs qrS qrsFigura 2: Evolução percentual da morfologia do complexo QRS em cães (esquerda) e gatos (direita) do primeiro (M1) ao septuagésimo (M70) dia de vida.
105Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2010;8(24); 105-107.
Avaliação do eletrocardiograma em cães e gatos neonatos
Figura 3: Imagens representativas da evolução morfológica do complexo QRS em cães e gatos neonatos. Traçados eletrocardiográficos registrados em DII, 50 mm/s e sensibilidade ajustada para 1 cm = 1 mV.
Conclusões Os resultados da interpretação eletrocardiográfica
em cães e gatos neonatos demonstraram evolução do traçado do 1º ao 70º dia de vida. Nesse período, foram constatadas di-ferenças nas medidas eletrocardiográficas, no padrão morfo-lógico do complexo QRS e eixo elétrico médio frente aos valo-res de referência para animais adultos. Contudo, percebeu-se clara tendência de normalização ao longo dos momentos es-
tudados, sendo importante que se conheça o padrão de onda em cada momento para que o eletrocardiograma do neonato canino e felino seja corretamente interpretado, permitindo que distúrbios do ritmo cardíaco e/ou de condução elétrica possam ser adequadamente diagnosticados em tais pacientes.
106 Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2010;8(24); 106-107.
Avaliação do eletrocardiograma em cães e gatos neonatos
Referências 1. TILLEY, L.P.; BURTNICK, N. ECG Eletrocardiografia para o Clínico de Pequenos
Animais. São Paulo, Roca, 2004.2. ROESLER, T. Evolução Eletrocardiográfica em cães do nascimento aos 30 dias
de idade. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinária), Universidade Esta-dual Paulista, UNESP, Botucatu-SP. 1999.
3. PASTORE, C.A. Eletrocardiologia Atual – Curso do Serviço de Eletrocardiologia do Incor. São Paulo, Atheneu, 2006.
4. ANDREA, E.M.; ATIÉ, J.; MACIEL, W. Eletrocardiograma na criança e no feto. In: GOLDWASSER, G.P. Eletrocardiograma Orientado para o Clínico. 2.ed. Rio de Janeiro, Revinter, 2002.
5. NADAS, A.S. Electrocardiography. In: NADAS, A.S. Pediatric Cardiology. Phila-delphia, W.B. Saunders, 1957.
6. TRAUTVETTER, E.; DETWEILER, D.K.; PATTERSON, D.F. Evolution of the elec-trocardiogram in young dogs during the first 12 weeks of life. J. Electrocardiol.,
v.14, p.267-273, 1981. 7. LOURENÇO, M.L.G.; FERREIRA, H. Electrocardiographic evolution in cats from
birth to 30 days of age. Can. Vet. J., v.44, p.914-917, 2003. 8. GAUTHIER, P.; NADEAU, R.A.; CHAMPLAIN, J. The development of sympathetic
innervation and functional state of the cardiovascular system in newborn dogs. Can. J. Physiol. Pharmacol., v.53, p.763-776, 1975.
9. LEE, J.C.; TAYLOR, F.N.; DOWNING, S.E. A comparison of ventricular weights and geometry in newborn and young mammals. J. Appl. Physiol., v.38, p.147-150, 1975.
Recebido para publicação em: 20/03/2010.Enviado para análise em: 20/03/2010.Aceito para publicação em: 30/03/2010.
107Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2010;8(24); 107-107.